BAÍAS BRASILEIRAS: GRANDES ESTUÁRIOS EM UMA COSTA REGRESSIVA?
Guilherme C. Lessa
1
Laboratorio de Hidrodinâmica e Sedimentação Costeira e Estuarina – UFBA – [email protected], [email protected]
Abstract – The Brazilian coast is a regressive one, and all major coastal plain estuaries have
been infilled in the last 6000 years. Nevertheless, twenty-seven estuaries larger than 100 km2
and volumes bigger than 109 m3 still exist, some with more than 20 m of Holocene
sedimentation. It is suggested, for a debate, that local subsidence is, along with low sediment
discharges, the most important cause such prolonged estuarine life-cycle.
Palavras Chaves: estuários, sedimentação, tectonismo
Introdução:
Várias definições são propostas para estuários
na literatura, o que reflete a diversidade do
perfil dos pesquisadores dedicados à
investigação de ambientes de transição. No
que diz respeito às ciências geológicas, o
conceito que vem sendo utilizado com mais
freqüência é aquele proposto por Dalrymple et
al (1992) o qual considera que estuário é a
porção distal do vale afogado por uma
transgressão onde fácies marinhas e fluviais
são espacialmente distribuídas por processos
associados à vazão dos rios, às correntes de
maré e às ondas. Neste sentido, pode ser dizer
que um estuário está associado à presença de
um espaço de acomodação à retaguarda da
linha praial (voltada para mar aberto). O
completo preenchimento deste espaço indica,
assim, o desaparecimento do estuário. Quando
tal fato ocorre, sedimentos fluviais passam a
ser disponibilizados em grande volume para a
antepraia.
A manutenção do espaço de acomodação em
costas transgressivas ocorre quando a taxa de
elevação do nível relativo do mar (nrm)
excede a taxa de sedimentação (agradação do
leito). Em costas com nível de mar estável, o
tempo de vida de um estuário é determinado
pela razão entre a sua profundidade e a taxa de
sedimentação. Já em costas regressivas, o
tempo de vida de um estuário é diminuído pois
à taxa de sedimentação soma-se a taxa de
descida do nível do mar.
A costa brasileira, tendo sido submetida a uma
regressão da ordem de 3,5 m nos últimos 6000
anos, mostra ampla evidência de progradação
da linha de costa e preenchimento dos vales
fluviais. Alguns dos grandes “deltas” brasileiros
mostram evidências geomorfológicas da
presença de estuários
na retaguarda das
barreiras arenosas, como por exemplo aqueles
associados aos rios Paraíba do Sul, Doce e
Jequitinhonha (Dominguez et al. 1992).
Evidências de estuários extintos são
encontradas também em rios desprovidos de
formas deltaicas em sua embocadura, como o
rio Itajai-Açu em Santa Catarina (Caruso Junior
1993). Desta forma, estuários clássicos de
planície costeira, associados a desembocaduras
fluviais, não mais existem na costa brasileira.
Exceção é feita apenas para a costa paraense,
como será discutido adiante.
Apesar da descida do nível marinho e do
estabelecimento
de
largo
processo
progradacional costeiro, ainda existem grandes
estuários em território brasileiro, dentro dos
quais situa-se a maioria dos importantes portos
marítimos nacionais. Esta apresentação
é
organizada com o intuito de i) apresentar um
resumo das informações disponíveis na
literatura
sobre
aspectos
geológicos,
geomorfológicos e hidrodinâmicos de alguns
dos mais importantes estuários brasileiros, e
ii) incitar debate sobre os fatores que
influenciaram a preservação dos estuários
neste cenário de costa regressiva.
um total de 27 estuários, sendo 25 na região
Norte, 11 na região Nordeste, 4 na região
Sudeste e 4 na região Sul (Lagoa dos Patos
inclusa) (Fig. 1).
O que condiciona a preservação de um
estuário?
Dada a natureza regressiva da costa brasileira
dois fatores seriam inicialmente importantes na
conservação dos estuários: i) pequena taxa de
sedimentação, e ii) grande volume. A pequena
taxa de sedimentação pode ser inicialmente
explicada pela reduzida área da bacia de
drenagem que aflui para a maioria dos
estuários. Apenas 7 estuários apresentam
bacias de drenagem com área superior a 10.000
km2, o que é explicado pela controle exercido
pelos maciços costeiros no estabelecimento da
drenagem no continente. Pequenas bacias de
drenagem traduzem-se em potencialmente
pequenas vazões liquidas e sólidas. Além disso,
as maiores bacias na região NE drenam o semiárido, antecipando-se assim pequena descarga
sólida.
1000000
Onde estão os estuários brasileiros?
Uma investigação preliminar
da costa
brasileira utilizando imagens de satélite com
escalas variando entre 1:25.000 e 1:50.000,
permitiu avaliar a distribuição espacial dos
estuários com área superior a 100 km2.
Lagunas costeiras, onde a maré é
comprovadamente (ex. Lagoa de Guarapina e
Araruama no Rio de Janeiro) ou
aparentemente (em função da restrição da
embocadura) de pouca importância na
circulação de água e advecção de sedimentos,
não foram consideradas. Foram identificados
N
NE
SE - S
100000
10000
Area (km2)
Figura 1 – Localização dos 26 estuários com
mais de 100 km2 identificados na costa
brasileira.
1000
100
10
1
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22
Figura 2 –Área da bacia de drenagem de alguns
dos 25 estuários divididos por regiões.
Poucos estuários foram caracterizados quanto à
sua batimetria, de modo que a análise do
volume do espaço de acomodação fica limitada
normalmente
àqueles
com
instalações
portuárias. Os volumes variam entre 109 e 1011
m3, sendo a Baía de Todos os Santos aquela
com maior volume medido (~1,1x1011 m3,
Lima e Lessa 2002).
O volume do estuário por si só fornece apenas
uma aproximação do seu potencial de
preservação – maiores volumes maior o tempo
necessário para o preenchimento sedimentar.
Na falta de informações quanto à descarga
sólida, uma forma de se comparar
preliminarmente
a
velocidade
de
preenchimento de diferentes estuários é
através da razão da descarga fluvial e do
volume do estuário (presume-se aqui que a
descarga sólida seja função exclusiva da
descarga líquida). Esta razão indica qual o
tempo necessário para preenchimento do
estuário pela vazão fluvial caso este fosse
completamente drenado. Os valores obtidos
para três grandes estuários (baías de
Paranaguá, Guanabara e Todos os Santos)
variam entre 210 (Paranaguá) e 8500 dias
(Todos os Santos). Isto sugere que as
velocidades de preenchimento sedimentar (ou
tempo de vida do estuário) podem variar em 1
ordem de magnitude.
Existem diferenças no padrão de
preenchimento sedimentar dos estuários?
Existe pouca informação sobre a distribuição
espacial das fácies sedimentares superficiais e
sub-superficiais
nos estuários brasileiros.
Com as informações disponíveis na literatura
(Lessa et al. 1998, Lessa et al. 2000, Kjerfve
et al 1997, Quaresma et al. 2000) observa-se
que as baías de Paranaguá, Guanabara e
Todos os Santos apresentam areias marinhas
junto á embocadura e uma fácies lamosa
capeando uma significativa área em suas
metades internas. No caso da baías de
Paranaguá e Todos os Santos, foram ainda
mapeados deltas fluviais de cabeceira, e ainda
no caso da Baía de Todos os Santos uma
fácies carbonática autóctone no seu corpo
central. Dados geológicos de sub-superfície
permitem sugerir um padrão similar, e comum a
outros estuários no mundo, de evolução
sedimentar: sedimentos arenosos marinhos
associados à última transgressão estão sendo
cobertos por lama estuarina, a qual alcança
espessura superior a 10 m.
Hidrodinâmica Estuarina
Registros maregráficos indicam a existência de
inúmeros estuários hipersincrônicos, onde
ocorre a amplificação da altura de maré no
interior do estuário.
Com algumas exceções, dados existentes na
literatura e a observação de deltas de maré
vazante nas imagens de satélite permitem
sugerir que a maior parte dos estuários
apresenta fluxos de maré vazante mais fortes do
que os de maré enchente. Essa particularidade
da circulação sugere uma pequena contribuição
de sedimentos marinhos na sedimentação dos
estuários.
A existência de forte corrente de maré vazante
causa erosões localizadas e a formação de
janelas estratigráficas, com a exumação de
depósitos sedimentares mais antigos. A
identificação destes depósitos é importante em
trabalhos que investigam tendências de
dispersão de sedimentos e a ecologia
submarina.
O que controla a localização dos estuários?
A existência de grandes estuários na costa
brasileira parece estar condicionada, além de
uma
relativamente
pequena
descarga
sedimentar, a locais em subsidência associados
a falhamentos. Poucos estudos foram realizados
com o objetivo de avaliar a existência de
movimentos verticais recentes nos estuários,
mas é fato de que todos estão associados a
grandes estruturas morfotectônicas. As poucas
evidências de subsidência das regiões estuarinas
são fornecidas pelos trabalhos de Martin et al.
(1986) e Carvalho (2000) para a Baía de
Todos os Santos, onde um rebaixamento de
até 3 m é sugerido nos últimos 5000 anos. A
subsidência estaria associada a blocos dentro
do graben do Recôncavo. Souza-Filho (no
prelo) sugerem que o nível relativo do mar
não tenha ultrapasso o nível atual durante o
Holoceno. A subsidência de um graben
costeiro que se estende até o Maranhão estaria
assim associado à presença dos inúmeros
estuários da costa paraense. Como ponto para
debate, sugere-se aqui que todos os grandes
estuários brasileiros estejam associados a
blocos sofrendo, em maior ou menor grau,
processos de subsidência, e que este tenha
sido seja o fator mais importante para a sua
preservação.
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Holocene coastal evolution and facies model of
the Bragança macrotidal flat on the Amazon
Mangrove Coast, Northern Brazil. Journal of
Coastal Research (no prelo)
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