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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGE
Favianni da Silva
A Eva do século XX:
Analice Caldas e outras educadoras – 1891/1945
João pessoa - PB
2007
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Favianni da Silva
A Eva do século XX:
Analice Caldas e outras educadoras – 1891/1945
Dissertação apresentada à Universidade
Federal da Paraíba, em cumprimento às
exigências para obtenção do grau de Mestre
em Educação, na Linha de Pesquisa:
Fundamentos e Processos Históricos em
Educação Popular.
Orientador: Charliton José dos Santos Machado
JOÃO PESSOA – PB
2007
10
S586e
UFPB /BC
Silva, Favianni da.
A Eva do século XX: Analice Caldas e outras educadoras 1891/1945 / Favianni da Silva. – João Pesoa,2007. ...p.
Orientador: Charliton José dos Santos Machado.
Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE
1. Educação. 2. Biografia – Analice Caldas de Barros. 3.
Historiografia - Paraíba
CDU 37 (043)
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Favianni da Silva
A Eva do século XX:
Analice Caldas e outras educadoras – 1891/1945
Dissertação defendida em ____/____/ 2007
Examinadores
_____________________________________
Charliton José do Santos Machado (Orientador)
_____________________________________
José Gerardo Vasconcelos (Examinador externo)
_____________________________________
Antônio Carlos Ferreira Pinheiro (Examinador interno)
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Agradecimentos
Este trabalho só foi realizado devido às inúmeras contribuições pessoais e institucionais.
Portanto, devo sinceros agradecimentos:
- À minha família, especialmente, minha mãe, Serafina Maria da Silva e minha irmã,
Fátima Maria da Silva, pelo que me ensinaram com seu exemplo de amor;
- À professora Martha Falcão, pelos primeiros passos da pesquisa;
- Ao professor Charliton, pela orientação deste trabalho;
- Aos do PPGE, Severino Bezerra da Silva, Antonio Carlos Ferreira Pinheiro, Wilson
Aragão e Edneide Jezine;
Aos colegas da turma 25 do mestrado, em especial, Ernandes, Oscar, Sergio, Júnior
Targino;
À Coordenação do PPGE;
- E aos demais amigos: Fernanda Jorge, Aurora, Nino, Bob, Ana Lídia, Aline, Mia, Juliana,
Walesca, Pablo, Geraldo, Berg, Aninha, Cláudia, Priscila, Alcemyr, Adriana Pimenta,
Rosa, Whisque, Zilda, Padre Paulo, Fifi, Marcio Cajá, Eduardo Barata, Alfonso La Boca,
Boca, Bozó, Rosana, Bodô, Marina, Leo, Kris, Emir, Jorge Negão, Ernandes, Plínio,
Clédia, Targino, Edneide, Emilia, Carla, Junior (tio), Caroé, Tatiana, Carol, Carla Solano,
Lucio Flavio, galera do Sabá Jampa, Genaro, Fatima, Erones, Ivoneide, Fabrício, Lucas,
Aline, Elane, Pablo Sagüi, Bola, Rhodrico, Joelma, Nancy, Soraia, Alice, Ricardo, Tina,
Mel, Niaranjan Aninha, Matias, Karina, Chico, Diego, Alison, Viana de Carvalho,
Carmem, Adalberto, Ana Paula, Itacy, Augusto, Rodrigo Biserra, Adauto Ramos,
Ernandes, Tatiana Medeiros, Francymara, Mariani, Gerardo, Arisnete, Francinalde, Sara, e
muitos outros que não caberia numa única página. A todos, muito obrigado!
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Resumo
O presente estudo analisa a trajetória de vida da professora Analice Caldas de Barros e
outras educadoras no âmbito da historiografia da educação da Paraíba e do Brasil, no
contexto de 1891 - 1945, enfocando, particularmente, suas práticas educacionais, políticas
literárias. A escolha se justifica pela luta histórica de educadoras em prol dos direitos
políticos e educacionais das mulheres de sua época. Como principal protagonista deste
estudo, Analice Caldas de Barros, uma paraibana comum, viveu nas primeiras décadas do
século XX, conhecida e citada por alguns estudiosos como sendo uma escritora autodidata
que acabaria por se transformar numa grande educadora de seu tempo. Inscrito na
abordagem teórico-metodológica da Nova História Cultural, por isso, afirma Chartier
(1990, p.16), tem como objeto primordial “identificar como em diferentes lugares e
momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”. Nesse
sentido, este estudo, através da pesquisa de método biográfico, permite não apenas
compreender uma época, através da configuração da atmosfera da respectiva sociedade
analisada, mas também resgatar, historicamente, os movimentos de lutas de mulheres na
sociedade paraibana e brasileira no decorrer das primeiras décadas do século XX. Para
tanto, utilizou-se como fonte de análise o jornal “A União” (órgão de imprensa oficial do
Estado da Paraíba), A Revista Era Nova (1921-1926), demais documentos arquivados no
Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional – NDIHR e do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano, em João Pessoa, além de dissertações e teses. Portanto,
considerando o período analisado, momento que se avizinhava uma transformação nos
valores ruralistas e oligárquicos das primeiras décadas do século XX, pode-se dizer que,
apesar de obliteradas dos discursos históricos oficiais, a professora Analice Caldas de
Barros e outras educadoras, abraçaram a bandeira da participação política e educacional da
mulher, afirmando outras perspectivas para aquela época, num contexto em que os espaços
que lhes eram reservados se limitavam ao cuidado com o marido, os filhos e a
administração do lar.
Palavras chave: Mulher; Educação; Biografia.
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Résumé
Le présent étude analyse la trajectoire de vie du professeur Analice Caldas de Barros et
d’autres éducatrices dans le contexte historiographe de l’éducation du Paraíba et du Brésil,
dans le contexte de 1891 – 1945, en focalisant, particulièrement, leurs pratiques scolaires,
littéraires et politiques. Le choix se justifie par la lutte historique d'éducatrices dans le profit
des droits politiques et scolaires des femmes de son époque. Comme principal protagoniste
de cette étude, Analice Caldas de Barros, une paraibana commune, a vécu dans les
premières décennies du siècle XX, connue et citée par quelques étudieux comme en étant
un auteur autodidacte qui finirait par se transformer en une grande éducatrice de son temps.
Inscrit dans l'abordage téorique-metodologique de la Nouvelle Histoire Culturelle, dont,
affirme Chartier (1990, p.16), a comme objet primordial « identifier comme dans de
différentes places et moments une certaine réalité sociale est construite, pensée, donnée à
lire ». Dans ce sens, cette étude, à travers de la recherche de méthode biographique, qui
permet non seulement comprendre un temps, à travers de la configuration de l'atmosphère
de respective société analysée, mais aussi de sauver, historiquement, les mouvements de
luttes de femmes dans la société paraibana et Brésilienne pendant les premières décennies
du siècle XX. Pourtant, s'utilise comme source d'analyse le journal « l'Union » (agence de
presse officielle de l'État du Paraíba), La Revue Èra Nova (1921-1926), de documents
classés dans le Noyau de Documentation et Informations Historiques Régionales - NDIHR
et de l'Institut Historique et Géographique Paraibano, dans João Pessoa, outres dissertations
et thèses. Donc, en considérant la période analysée, le moment qui s'avoisinait une
transformation dans les valeurs ruralistes et oligarchiques des premières décennies du siècle
XX, se peut dire que, malgré effacées des discours historiques officiels, l'enseignante
Analice Caldas de Barros et d’autres éducatrices, ont étreint le drapeau de la participation
politique et educationelle de la femme, en affirmant d’autres perspectives pour ce temps,
dans un contexte où les espaces qui leur étaient réservés limitaient aux soins au mari, les
fils et l'administration du foyer.
Mot- clef: Femme; Éducation; Biographie.
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Sumário
Introdução: Puxando o fio da história---------------------------------------8
Capitulo II: O escrito da vida do outro--------------------------------------17
Considerações teórico-metodológicas sobre história e
educação --------------------------------------------------------17
O fazer biográfico-----------------------------------------------26
Capitulo III: Traços de uma educadora -------------------------------------35
Tempos de transição--------------------------------------------38
A escola Normal------------------------------------------------ 43
O ensino profissional-------------------------------------------48
Capitulo IV: A Eva do século XX -------------------------------------------62
A política de saias-----------------------------------------------54
Impasses da APPF com a igreja-------------------------------57
Impasses da APPF com a igreja-------------------------------69
O feminismo brasileiro -----------------------------------------72
Conteúdo educativo da APPF----------------------------------77
Considerações sobre a APPF-----------------------------------79
Capitulo V: Notáveis belletristas--------- ------------------------------------82
Outras educadoras -----------------------------------------------85
Uma vida entre papeis-------------------------------------------94
Considerações finais -----------------------------------------------------------99
Bibliografia: ------------------------------------------------------------------108
Anexos:- --------------------------------------------------------------------------121
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INTRODUÇÃO
Puxando o fio da história
“Os historiadores narram fatos reais
que têm o homem como ator: a
história é um romance real”.
(Paul Veyne, 1978)
A condição de historiador, fascinado pela riqueza das trajetórias de vidas, me
motivou a produzir este estudo. Fruto da contribuição de muitas pessoas, em especial, da
professora Martha Falcão1 e do professor Charliton Machado2, na difício tarefa de escrever
sobre a vida da professora Analice Caldas de Barros.
As inquietações que deram origem a este trabalho surgiram ainda na graduação,
quando cursava o terceiro período do curso de Licenciatura em História na Universidade
Federal da Paraíba – UFPB entre 2000 e 2004. Contudo, o primeiro contato com o oficio de
pesquisador aconteceu logo no primeiro ano, quando colaborava como auxiliar de pesquisa
na organização e conservação do acervo de periódicos do Núcleo de Documentação e
Informação Histórica Regional – NDIHR. Essa experiência, posteriormente, me conduziu a
condição de bolsista do programa de iniciação científica PIBIc/CNPq, nos projetos Mulher
e Fronteira na Historiografia paraibana – 1945/1964 (2001) e, no ano seguinte, com o
projeto José Joffily: parlamentar e historiador combatente (2002), ambos vinculados a
linha de pesquisa Estrutura de Poder e sob a orientação da professora Martha Falcão.
Vale ressaltar, que entre os anos de 1993 a 1997, a linha de pesquisa Estrutura de
Poder, permaneceu desativada e sem encaminhar nenhum projeto ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, nem ao Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica – PIBIc. Somente a partir de 1997, a professora Martha
Falcão elaborou o projeto Resgate histórico da participação política da mulher na
1 Prof. Drª Martha Maria Falcão de Morais e Carvalho Santana, historiadora, feminista,desde 1997 vem desenvolvendo trabalhos de pesquisa nas áreas
gênero e estrutura de poder.
2 ProF. Drª Charliton José dos santos Machado, Sociólogo e Educador, desenvolve pesquisa nas áreas de gênero, educação, história e literatura e atualmente
coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa “História, Sociedade e Educação no Brasil” – HISTEDBR GT Paraíba – PB.
17
Paraíba: Estado e sociedade – 1928/1940, trazendo à tona informações inéditas sobre a
participação das mulheres na vida política e suas ações em âmbito coletivo.
Em 2001 o projeto foi novamente elaborado com o nome Mulher e fronteira na
historiografia paraibana - 1940-1964 – (do qual fiz parte). Com o término desse projeto
em 20023 e, a aposentadoria da professora Martha Falcão em 2004, cessam-se as pesquisas
em andamento. No entanto, seus frutos deixaram importantes contribuições para o acervo
do NDIHR, entre as quais, o Dicionário da participação política da mulher na Paraíba4,
contendo mais de noventa perfis biográficos de importantes personagens femininas da
Paraíba, entre o fim do século XIX a meados do século XX (ainda não publicado), além de
relatórios de projetos de pesquisa, artigos em congressos e estudos monográficos de final de
curso, tais como: A construção do feminino na Paraíba - Revista ERA NOVA 1921/1926 de
Ferreira (2000); Movimento de Mulheres: um estudo do núcleo das Noelista da Paraíba na
década de 1940 de Costa (2001); A trajetória da emancipação feminina na visão do jornal
“A UNIÃO” Paraíba: 1030-1945 de Rocha e Farias (2000), e Vidas e lutas: movimento
feminista, de Silva (2004), sobre o movimento feminista na Paraíba nas primeiras décadas
do século XX, enfocando particularmente o discurso de emancipação feminina e as suas
frentes de luta.
Ainda em 2004, certo continuar avançando nas pesquisas anteriores, dou inicio a um
novo projeto, cujo resultado se constitui nesta investigação sobre a figura da alagoanovense
Analice Caldas de Barros, uma paraibana tida como cidadã comum que viveu nas primeiras
décadas do século XX, conhecida e citada por alguns estudiosos como um jornalista
autodidata que se constituiu numa grande educadora de seu tempo. A decisão de estudá-la
como tema de um estudo de mestrado emergiu em virtude de conversas com a professora
Martha Falcão, quando foi sugerido aprofundar as pesquisas acerca de alguma educadora
paraibana até então não estudada. A idéia foi reforçada com bases nas pesquisas realizadas
nos vários jornais paraibanos do inicio do século XX, existentes no Arquivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano, em João Pessoa, acenando assim, para sua viabilidade.
3 Posterior a esse projeto, ainda houve um outro do qual fiz parte até 2003, na mesma linha, voltado para a biografia do deputado e historiador José Joffily
Bezerra.
4 Neste último ano do projeto encerramos a coleta de dados biográficos que compõem o vol. 02 do Dicionário da Participação Política da Mulher na Paraíba
1940/1964., ainda não publicado.
18
Sobre a respectiva educadora, havia muito pouco registro de outros pesquisadores, se
limitando a um artigo publicado no Jornal A UNIÃO, na coluna Brasil 500 anos, pelo exaluno e bolsista Denis Andrade, da referida linha de pesquisa Sexo e Gênero, também
orientado da Professora Martha Falcão; nas comemorações trinta anos da morte de Analice
Caldas, seu primo, o Cônego Eurivaldo Tavares Caldas, lança seu livro Duas vidas a
serviço da Paraíba, Diógenes e Analice Caldas (1975) e, por ultimo, encontramos algumas
pesquisas de Laurita Caldas, publicado pelo Instituto de Genealogia e Heráldica da Paraíba
(1995). Nas paginas do jornal A UNIÃO, encontro outras informações sobre Analice
Caldas, chegando à conclusão que teria pela frente o desafio de escrever a história de uma
mulher (in) comum: culta, dedicada às letras, um misto de educadora, de política e de
precursora das idéias feministas na Paraíba, mas, cujas realizações pouco estão inscritas na
memória social da sua terra.
A oportunidade de desenvolver essa pesquisa se tornou real a partir do meu ingresso
no Programa de Pós-graduação em Educação - PPGE/UFPB, em 2005, na linha pesquisa de
Fundamentos
e
Processos
Históricos
em
Educação
Popular,
recentemente
reestruturados para História da Educação. Desde então venho “refinando” tanto as
perguntas quanto às metodologias e as técnicas de pesquisa, convergindo assim, para o
processo de elaboração teórica e, finalmente, as análises das fontes coletadas.
No citado movimento de pesquisa histórica, propus refazer os caminhos da vida de
Analice Caldas, após 62 anos da sua morte. Ela, arrancada tragicamente do “plano
material” quando voltava de viajem do Rio Janeiro, a bordo do avião, um L-18 Lodestar da
companhia aérea NAB, do qual despencou dos ares, em Alagoa Santa (MG), precisamente
em 15 de fevereiro de 1945. Três décadas após sua morte, Analice é evocada por seu primo
e biógrafo, o Cônego Eurivaldo Tavares Caldas5, na perspectiva de uma mulher notável,
evidenciando sua dedicação ao magistério, a vida intelectual, a fidelidade à terra natal, a
bravura com que se integrou a causa feminista e às campanhas cívicas da década de 1930.
Assim, o objeto da pesquisa desse trabalho é a história da vida da professora Analice
Caldas de Barros, uma ainda desconhecida mulher da Paraíba do inicio do século XX, que
viveu entre 1891 e 1945, nascida na pequena vila de Alagoa Nova e que morou na cidade
5 Major e Cônego reformado da Policia militar da Paraíba, Eurivaldo Tavares Caldas é autor de vários livros sobre personalidades do nosso estado, entre
eles, sua própria auto-biografia, é também um dos sócio do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e do Instituto de Genealogia e Heráldica.
19
de Parahyba, capital do Estado da Parahyba do Norte, posteriormente denominada de João
Pessoa, em 1930, um dos mais importantes centros urbanos do Estado.
Com base nas palavras de Hobsbawn (2002), na introdução de sua autobiografia, em
que confessa não pertencer à categoria de gente que parece estar classificada como uma
subespécie própria na seção de biografias de pelo menos uma cadeia de livrarias de Londres
sob o título “Personalidades" ou, como se diz hoje em dia, “Celebridades”. Este também é o
caso de Analice Caldas de Barros, que, a exemplo do grande historiador britânico, não teve
o desenrolar de sua vida nos palcos públicos mais amplos, a ponto de nem ser lembrada
entre os nomes que compõem a galeria das grandes “personalidades” da Paraíba e muito
menos do Brasil.
Do ponto de vista teórico e prático, a pesquisa situa em apreender as discussões em
torno do debate a respeito da problemática dos novos sujeitos históricos e da ampliação do
campo de estudo do historiador. Portanto, as leituras realizadas no campo da Nova História
Cultural foram fundamentais para a caracterização do referencial teórico-metodologico. De
certo, busco analisar a trajetória de vida dessa educadora e sua contribuição acerca do papel
das mulheres nos processos de transformação histórica da sociedade paraibana, tematizando
três diferentes perspectivas de sua vida: como educadora, na esfera política da militância
feminista e no universo literário e jornalístico paraibano.
Definida nossa proposta de análise, estabeleci como recorte histórico da pesquisa as
primeiras quatro décadas do século XX na Paraíba, período que corresponde a maior parte
da vida atuante de Analice Caldas. Nesse contexto, cabe ressaltar que as primeiras décadas
do século XX foram de profundas transformações na fisionomia social, política
institucional e cultural do país. Segundo Machado (2006), a defesa das mulheres pelo
sufrágio universal, advinda de mobilizações desde o final do século XIX, é um exemplo
emblemático, uma vez que a República de 1889 restringia a participação política das
mulheres, assim como a maior parte da população brasileira, pobre e negra. O direito a
cidadania foi a elas negado, em favor da manutenção dos padrões consagrados à mulher na
ordem familiar, ou seja, na dependência ao marido e às atividades de ocupação domesticas.
Esse período é marcado, também, por intensa participação feminina no âmbito
público, em sua maioria educadora da classe média, que só recentemente passaram a ser
20
mais visualizada, a exemplo dos comitês femininos, criados em prol da aliança liberal6 nas
eleições de 1930 na Paraíba, com destaque para a Cruzada Liberal Clara Camarão em
Campina Grande e a Liga pelo Progresso Feminino em João Pessoa, bem como, outras
associações que souberam ocupar os espaços do âmbito público como, a Associação
Paraibana pelo Progresso Feminino Paraibano (A.P.P.F.), fundada em fevereiro de 1933
por um grupo mulheres da elite paraibana, entre várias outras associações de maior ou
menor relevância.
Sendo assim, busco percorrer as seguintes categorias: gênero, práticas culturais e
memória, indo ao encontro da nova historiografia francesa e da reivindicação por um
sistema teórico voltado para a história cultural da sociedade, dando ênfase às histórias dos
homens comuns, das mulheres comuns, e de suas experiências na construção de mudança
social. (MACHADO, 2006).
No que tange ao estudo biográfico, vale a pena refletir as palavras que abrem o
“dossier” Biografia, Biografias, editado pela Revista Brasileira de História (1997). Naquela
ocasião, chamavam a atenção para o sucesso editorial de algumas biografias recentes
“escritas por não-historiadores, atendendo a encomendas de editoras com financiamento de
pesquisas e tempo de elaboração”, colocando em questão, “mais uma vez, a oposição entre
as exigências do mercado e as preocupações científicas com a necessidade de renovação
desse gênero de produção histórica”. O sensacionalismo na maioria das vezes barato,
enfocando “personagens históricas”, pelo ângulo do pitoresco, do picante e da fofoca,
reduzira ao nível da vulgaridade aquelas que poderiam gerar estudos muito mais densos;
com certeza, fadados ao encalhe e ao esquecimento do público leitor. Como bem lembrou
Hobsbawn, “os historiadores não são colunistas de fofocas”, ao referir-se a sua própria
biografia, afirma: “suspeito que os leitores atraídos por biografias de alcova acharão minha
própria vida muito sem graça” (HOBSBAWM, 2002 p.10). Como são tidos como sem
graça e restritos a um público especializado, as biografias escritas por François Dosse sobre
Michel de Certeau e Paul Ricoeur, além dos seus ensaios, em que a autobiografia se propõe
assumir uma roupagem diferente, sob a denominação de ego-história.
Este é o risco que corro ao levar à frente o estudo biográfico de Analice Caldas, uma
personagem cuja vida simples e, aparentemente monótona, passada, em sua maior parte na
6 A Aliança LiberaL: aliança política efetuada em 1929 no Brasil, entre grande parte dos opositores a candidatura de Júlio Prestes à presidência.
21
capital de Parahyba do Norte, no inicio do século XX, impossível de ser transformada num
frenético “reallity show”, tão em voga nos dias de hoje. Haja vista que, quando iniciei a
pesquisa, conhecia pouco ou quase nada, sobre seus registros escritos, bem como, do que se
havia escrito sobre ela, muito embora sejam várias as obras em que seu nome aparece
citado e quase sempre como a “emérita educadora”, a “grande literata”, “defensora das
causas da mulher” ou pelos menos, como uma das principais notoriedades paroquiais,
lutando pela cultura, pela educação e pela modernização de sua cidade e até de seu Estado.
De algumas obras escritas por autores que estudaram a história regional da Paraíba,
nada mais têm do que registros episódicos de sua vida, em que são exaltados, ou apenas
mencionadas muito brevemente, sua trajetória e contribuições literárias e educacionais.
Nesse sentido, o que proponho, neste estudo, é conhecer um pouco mais da personagem
Analice Caldas de Barros, e, nessa medida, transcender as tópicas citações “da emérita
educadora”. Ou seja, me aproximar do ambiente histórico-cultural de sua época. Por fim,
saber dos limites e possibilidades que norteavam a vida de uma mulher de vida (in) comum
nos primórdios século XX, os caminhos e os recursos que pudessem projetá-la social e
politicamente, frente às adversidades de um país que vivenciava grandes transformações em
nível político, social e cultural.
Por outro lado, muito me animou saber que na Paraíba, da mesma maneira que me
propus desde o início, vários outros estudos que tem por tema, as obras de figuras de
destaque na cultura, na política e na sociedade no geral, sobretudo, aquelas que tratam da
contribuição de importantes expressões da nossa História Regional, a exemplo da tese de
Gaudêncio (2003), recentemente transformado em livro, sobre o intelectual Joaquim da
Silva, cidadão nascido em Areia, Província da Parahyba do Norte7. Neste estudo, o autor
configura, inicialmente, a renovação recente nas perspectivas de abordagem da Biografia.
Sua análise se detém na trajetória do biografado e suas múltiplas facetas como indivíduo:
educador autodidata, político atuante, advogado provisionado, agente cultural, empresário
precursor, estudioso dos problemas de sua terra, para cuja solução apresentava e
programava medidas concretas. O percurso do personagem é retraçado na relação com a
sua cidade, situada no Brejo paraibano, uma região singular que adquiriu projeção político-
7 Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de doutor
em História, junto ao Programa de Pós-Graduação em História Econômica.
22
cultural, mesmo no contexto da secular crise econômica e social da província. As
intervenções de Joaquim da Silva no espaço local apontam-no como uma pessoa dinâmica e
dotada de uma visão abrangente da sociedade, para além do seu meio de vivência e
convivência, podendo-se caracterizá-lo como um ilustrado do Império.
Outro estudo de igual relevância é a tese de Machado (2005): A dimensão da palavra:
práticas de escritas de mulheres, um estudo sobre as práticas artísticas e literárias de
educadoras de vida comum do sertão paraibano, representado pelas novapalmeirenses: Zila
da Costa Mamede e as irmãs Bezerra de Medeiros: Maria da Paz, Maria da Guia e Maria da
Luz8. O estudo traz à tona figuras públicas que alcançaram notáveis posições e visibilidade
no campo da arte, da política e da educação, entre as décadas de 1960 a 1980. O autor
ressalta suas práticas culturais nas diferentes esferas da vida social, práticas que remete as
maneiras de pensar, sentir e agir no interior dos conflitos e tensões da vida cotidiana, ou
seja, interpretações das experiências de homens e mulheres que particularizam aquela
sociedade.
Focalizando as mulheres da classe trabalhadora, temos o trabalho de Ferreira (2006),
sobre a líder camponesa, Margarida Maria Alves -1933/1986, retratando sua trajetória
política e educativa no movimento sindical de mulheres9. Nesse estudo, centrada na
memória coletiva, a autora busca focalizar o sentido histórico-cultural das suas práticas e
representações, construídas a partir de interesses específicos e de conflitos das suas próprias
lutas reivindicatórias, frente às políticas emanadas pela cultura oligárquica dirigente na
Paraíba.
Estes e outros estudos em andamento se constituem em importantes fontes de
informação e compreensão do nosso objeto pesquisado. No conjunto, esses estudos têm
contribuído para o desvelamento de novos sujeitos nordestinos, em sua maioria mulheres,
que em condições históricas desfavoráveis, deslocaram-se para a vida pública, isto é, para
fora dos territórios sociais que lhes foram reservados como naturais na sociedade.
Nessa perspectiva, esse trabalho, é antes de tudo, um desafio. Posto que o registro
biográfico aqui realizado é umas das formas de se fazer ouvir, escrevendo a necessidade de
8 Tese de doutoramento (2001), defendida pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), hoje transformada em livro (2005).
9 Dissertação de mestrado (2005), defendida pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), transformada em livro em 20o6.
23
se investigar as razões históricas da omissão da participação das mulheres na história e na
historiografia brasileira, especialmente, a paraibana.
Assim, através da abordagem biográfica, busco vê-la como uma mulher detentora de
uma consciência especifica do mundo, que muito pode dizer sobre o ambiente histórico e
cultural vivenciado, pois segundo Febvre (1956, p.46), “o individuo é apenas o que sua
época e seu meio permitem que ele seja”.
Por fim, os rumos que as leituras realizadas tomaram e o contato com o material
coletado, me levou por três diferentes perspectivas: Em uma, analiso o papel histórico e
social dos (as) profissionais envolvidas na constituição da educação elementar na Paraíba, a
partir da trajetória individual dessa educadora. Em outra, foco nosso objeto de estudo com
relação a um movimento mais amplo, de abrangência das relações de gênero e educação, no
processo de transformação das relações sociais, caracterizada pela crescente inserção da
mulher na vida pública como um todo, pela explosão do feminismo10; Bem como, a
respeito do florescimento na Paraíba de uma produção liberatória de autoria de mulheres,
em que, certamente, não por acaso, são as primeiras escritoras paraibanas também as
primeiras educadoras, a grande maioria esquecidas pelos escritos da história oficial.
Dessa forma, o trabalho é dividido em cinco capítulos, nesse primeiro (introdução)
– puxando o fio da história, destaco a delimitação do objeto de estudo, buscando descrever
as motivações e inquietações que originaram o tema. No segundo apresento a condução da
opção metodológica adotada, enfocando os pressupostos teórico-metodológicos da Nova
História Cultural e o desenvolvimento da abordagem biográfica nos estudos históricos
educacionais. No terceiro capitulo, enfoco a educadora, Analice de Caldas Barros, sua
origem, formação e atuação ao longo das décadas de 1910 a 1940. No quarto, a pesquisa
percorre a configuração do contexto político paraibano na década de 1930, na qual Analice
Caldas de Barros atuou efetivamente as suas práticas educativas e as adversidades vividas
por ela e por outras educadoras, em outros espaços, como a Igreja e a associação feminina.
Nesse capítulo, apresento, ainda, algumas informações sobre a dimensão da vida pública e
privada da educadora e as suas posições assumidas frente à contextualização do cenário em
que estava envolvida entre os anos de 1930 a 1945. No quinto e último capítulo, destaco
como contribuições as novas recordações, algumas memórias, sobre outras expressões
10 Surgido no final do século XIX na Europa e que se espalhou nas décadas seguintes em grande parte do mundo ocidental, inclusive no Brasil
24
femininas na educação, nas artes e na literatura, enfocando a trajetória intelectual de
Analice Caldas.
25
CAPITULO II
O escrito da vida do outro
“É difícil traçar a linha divisória entre as
tendências pessoais e as tendências
coletivas: a vida do homem é um capitulo
instantâneo de sua sociedade”.
(Euclides da Cunha)
Considerações teórico-metodológicas sobre História e Educação.
Para os cultores do que seria a “verdadeira história”, segundo os paradigmas ditados
pela academia e que privilegia apenas os grandes cortes, seria perda de tempo, ou coisa
parecida, um trabalho acadêmico centrado em uma biografia, ainda mais, quando
desenvolvido num programa de “Pós-Graduação em Educação Popular”, com pouca ou
quase nenhuma produção sobre “histórias de vidas”.
Na verdade, o mergulho na vida de um só personagem, quanto mais de uma
desconhecida das grandes correntes historiográficas e que nelas se inseria, era realizado
somente quando se tornava necessária uma eventual ligação com seu espaço e seu acanhado
meio – a capital paraibana do inicio do século XX. Aí sim, podia-se então encontrar uma ou
outra tímida tentativa de perscrutar sua importância em nível local ou, no seu limite,
regional. Porém, nas últimas décadas do século XX, essa concepção de história vem
refletindo mudanças.
Para tanto, foi necessário que a historiografia brasileira desse um salto significativo,
no tocante a abordagens mais específicas e sofisticadas, com destaque para a microhistórica e os enfoques sócio-culturais, incorporando instrumentos analíticos da
antropologia e da análise literária. É, portanto nesse cenário, segundo Dosse11, da história
em migalhas, que a biografia retorna com força total, mas diferente da tradicional. Porém, é
no território das pesquisas educacionais, que os estudos biográficos vem adentrando,
11
26
atraindo o interesse de muitos pesquisadores, principalmente, daqueles que se inserem
chamada Nova História da Educação. Segundo Souza (2006 p.136):
A crescente utilização da abordagem biográfica em educação busca
evidenciar e aprofundar representações sobre as experiências educativas e
educacionais dos sujeitos, bem como potencializa entender diferentes
mecanismos e processos históricos relativos à educação em seus
diferentes tempos.
Essa utilização da biografia revela um aspecto muito interessante, segundo Carino
(1999), trata-se do que se pode denominar sua instrumentalidade educativa, ou seja, as
construções biográficas contêm uma instrumentalidade educativa, podendo ser apreciada no
contexto de uma pedagogia do exemplo. (1999, p. 154).
Não se biografa em vão, biografa-se com finalidade precisas: exaltar,
criticar, demolir, descobrir, renegar, apologizar, reabilitar, santificar,
dessacratizar. Tais finalidades e intenções fazem com que retratar vidas,
experiências
singulares,
trajetórias
individuais
transforme-se,
intencionalmente ou não, numa pedagogia do exemplo. A força educativa
de um relato biográfico é inegável.
Nesse sentido, trata-se de utilizar o individual em beneficio do coletivo, de fazer com
que as experiências, vivencias e realizações de um individuo sejam apropriados pela
educação, tanto em seu âmbito formal e sistemático – a escola – quanto especialmente, no
sentido educativo mais amplo – a leitura direta da biografia influenciando com os exemplos
que contem.
Essa nova leitura da biografia só foi possível a partir do final dos anos de 1970, graças
a abertura dos estudos históricos sobre a subjetividade, a prática da história oral e as
experiências do cotidiano. No entanto, essa expressão é resultado de um movimento mais
amplo, que diz respeito às mudanças paradigmáticas e às rupturas que se operaram no
âmbito das ciências humanas e sociais, sentidas por volta dos anos 1970 ou mesmo na
década anterior, quando então, se deu os primeiros sinais da crise dos paradigmas
explicativos da realidade, ocasionando rupturas epistemológicas profundas que puseram em
xeque os grandes quadros conceituais em praticamente todos os campos do conhecimento
humano.
27
O arcabouço intelectual que vai impulsionar e aglutinar todo esse debate na História,
está intimamente ligado ao que se convencionou designar de História Nova 12. Surgida sob
a forte influência da Escola dos Annales, no final da década de 1929 na França, com a
fundação da revista Annales d´histoire économique et sociale, em 1929, por Bloch e
Febvre. Todo esse movimento se constituiu numa nova forma de se pensar as questões
historiográficas, em oposição aos métodos tradicionais de investigação e a concepção
corrente da história, ou seja, a história factual e dos grandes feitos. Seu desenvolvimento
favoreceu um rompimento com as tradicionais barreiras disciplinares, mas não com as
fronteiras, como observa Le Goff (1988), abrindo espaço para a pesquisa interdisciplinar.
Segundo Burke (1991, p.11-12), as diretrizes dadas pelos Annales propunham: em
primeiro lugar, a substituição da tradicional narrativa de acontecimentos por uma históriaproblema. Em segundo lugar, a história de todas as atividades humanas e não apenas da
história política. E em terceiro, visando completar os dois primeiros objetivos, a
colaboração com outras disciplinas.
Mais tarde, um segundo movimento, chamada de segunda geração dos Annales, com
os trabalhos desenvolvidos por Braudel, recebendo também outra denominação, a de
Annales Économies Societés Civilizations 1947/1969, e, posteriormente, uma terceira
geração com Jacques Le Goff na presidência da 6º seção da École13 ao passo que a revista
Annales passou a ser dirigida por Jacques Revel e André Burguiere, pesquisadores que,
como Le Goff, se dedicavam às mentalidades. Para muitos historiadores, a historia das
mentalidades, produzida pela terceira geração, foi a principal corrente da chamada nova
história até fins de 1970, pois as preocupações com os modos de sentir e pensar sempre
ocupou a atenção dos annalistas desde os primórdios da revista Annales. Mesmo nos anos
de 1960, os estudiosos das mentalidades sempre se reconheceram como herdeiros
contemporâneos de Bloch e de Febvre, por muitos chamados de pais fundadores da
chamada nova história produzida na França.
Porém, as tentativas de delimitar o campo teórico e metodológico da história das
mentalidades, acabaram desgastando seu conceito. Segundo Vainfas é nessa época que se
12 Na verdade, o termo “nova história”, não é novo, as formulações de Le goff (1988) é que assinalaram essa manifestação sobre as novas pesquisas; os
novos problemas; as novas abordagens e as novas fontes que a nova história passa a ecoar na França, evidenciando um novo campo de saber, portanto uma
“nova história”.
13
28
verifica a ruptura paradigmática marcada pela mudança de preocupação da base
socioeconômica ou da vida material para os processos mentais, para vida cotidiana e suas
representações. A partir daí, acontece uma proliferação de uma série de novos campos,
herdando os temas e as problemáticas das gerações anteriores da nova história,
apresentando caminhos alternativos para a investigação de novos atores histórico-sociais,
portadores de novos questionamentos, a exemplo da história das mulheres, história da vida
privada, história do cotidiano, história dos excluídos, história vista por baixo e a microhistória.
Contudo, o grande refúgio da história das mentalidades vem a ser a nova história
cultural. Surgida entre as décadas de 1970/80 na França, fruto de uma série de novos
olhares sobre os acontecimentos, sobre a própria ciência, sobre as estruturas e as
transformações da época. Segundo Vainfas (1989) a história cultural, ao mesmo tempo em
que procurou defender a legitimidade do mental, não abriu mão da própria História como
disciplina ou ciência, buscando corrigir as imperfeições teóricas que marcaram a corrente
das mentalidades, valorizando as múltiplas atividades culturais constitutivas da vida
humana. A história cultural rejeitou o termo mentalidade, por ser muito vago, contudo, não
negou a relevância do mental, não recusou, pelo contrario, a aproximação com a
antropologia, nem a longa duração, e longe de rejeitar os temas das mentalidades e a
valorização do cotidiano.
Além disso, ainda segundo Vainfas, ela se apresenta como uma nova história
cultural, para distinguir da antiga “história da cultura”, não recusa as expressões culturas
das elites ou classes “letradas” e revela um apreço especial as manifestações das massas
anônimas, pelo informal, pelo popular. Busca uma preocupação em resgatar o papel das
classes sociais, de estratificação e mesmo de conflitos sócias (diferentes das mentalidades).
Em fim, é uma história plural. Dessa forma, segundo esse autor, é possível selecionar três
maneiras distintas de tratar a história cultural que, sem prejuízo de outras, permitem
distingui-la da “antiga” história das mentalidades: A história cultural segundo Carlo
Ginzburg; notadamente sua noção de cultura popular e de circularidade cultural; a história
cultural produzida pelo E. Thompson, especialmente na sua obra sobre movimentos sociais
e cotidianos das classes populares e, a história cultural de Roger Chartier, particularmente;
os conceitos de representação e de apropriação. Com base neste ultimo autor, busquei
29
direcionar teoricamente este estudo, onde, segundo Chartier, propõe-se compreender:
(1990, p. 102).
A partir de uma situação particular, normal porque excepcional, a maneira
como os indivíduos produzem o mundo social, por meio de suas alianças e
seus confrontos, através das dependências que os ligam ou dos conflitos
que os opõem. Sendo assim, o objeto da história, portanto, não são ou não
são mais, as estruturas e os mecanismos que regulam, fora de qualquer
controle subjetivo, as relações sociais, e sim as racionalidades e as
estratégias acionadas pelas comunidades, as parentelas, as famílias, os
indivíduos.
Essa orientação da história cultural, como advoga Chartier, vem interferir na
concepção estruturalista da história, que tinha como pressuposto a totalização das múltiplas
atividades dos acontecimentos humanos. A presença da história no campo da cultura
desloca sua atenção para a história dos homens comuns, das mulheres comuns,
preocupando-se com as investigações acerca das suas práticas e representações sociais, das
suas experiências na construção da mudança social. Segundo Chartier, representações
pensadas como algo que permita “ver uma coisa ausente”, quer como “exibição de uma
presença”, decorrente da apreensão e da apropriação do real pelo indivíduo em suas práticas
culturais, como pela sua co-participação na sociedade enquanto sujeito agente situado no
tempo e no espaço, historicamente determinados. Em outras palavras, o objetivo central do
conceito de representação é trazer para o presente o ausente vivido e, dessa forma, poder
interpretá-lo. Enquanto que, o de apropriação, segundo mesmo autor (1990, p. 26), é
"construir uma história social das interpretações remetida para suas determinações
fundamentais” que é, social, o institucional e, sobretudo, cultural.
Para o historiador da cultura, é muito importante ressaltar, que o passado só chega aos
dias atuais por meio das representações. Para Pesavento (2003 p. 42): "a rigor, o historiador
- da cultura - lida com uma temporalidade escoada, com o não-visto, o não-vivido, que só
se torna possível acessar através de registros e sinais do passado que chegam até ele".
Nesse sentido, o objetivo da história, portando, não é mais ou não são, mas as estruturas e
os mecanismos que regulam, fora de qualquer controle subjetivo das relações sociais, e sim
as racionalidades e as estratégias acionadas pelas comunidades, as parentelas, as famílias, o
individuo. (MACHADO, 2006).
30
Essa compreensão permite, portanto, fazer uma leitura das práticas culturais
cotidianas, entendendo que à sua maneira, elas dão uma versão diferente, distinta, particular
do que se convencionou chamar de abordagem histórica vista de cima. Desvendar um
objeto a partir de um acontecimento pequeno pode contribuir, sobretudo, para verificar
intensamente as nuanças históricas enraizadas na vida cotidiana.
Seguindo essa tendência, a historiografia educacional, enquanto campo de estudo,
também se ampliou consideravelmente nas ultimas décadas, com especial interesse pelos
estudos da formação das mentalidades individuais e coletivas e das estruturas sociais. Nesse
sentido, a história da educação também foi afetada por essas mudanças conceituais e de
perspectivas, resultado de suas inter-relações com a história e das suas posições especificas.
A história fragmentou-se em varias outras direções e a história da educação foi uma delas.
Curiosamente a História da Educação, enquanto disciplina, é associada não
propriamente a História, mas, a Pedagogia14, notadamente, no final do século XIX na
Alemanha, com a finalidade de formar profissionais docentes. No Brasil, esteve
permanentemente ligada à formação docente nas Escolas Normais e nos cursos de
Pedagogias. Somente nas ultimas décadas, vimos surgir nos cursos de Pós-Graduação.
(ZEQUERA, 2002).
Embora se noticiem estudos históricos sobre a educação a partir do século XVII e na
passagem do XVIII para o XIX, é na transição do século XIX/XX que há uma significativa
produção historiográfica da educação (SCOCUGLIA, 2003). Esse modelo de historiografia
pedagógica conviveu no inicio com os modelos “positivistas”, que entendiam o trabalho do
historiador como simples coletor de dados, que por si só, servia para construir a imagem do
passado. Como conseqüência dessa interação de modelos, a historiografia educativa dos
séculos XIX e começo do XX caracterizou-se pela ênfase à história das idéias, dos grandes
pedagogos, das instituições educativas, servindo aos propósitos pragmáticos e moralizantes.
O avanço da historiografia da educação, engendrada nos múltiplos entrecruzamentos
da história com a pedagogia, demonstra a aceitação da história da educação como campo
importante de um conhecimento ainda pouco explorado. Segundo Scocuglia, (2003, p.142).
14 A história da educação, enquanto disciplina, faz parte dos currículos escolares nas escolas normais e universidades da Europa, já no final do século XIX,
provavelmente tenha sido em 1891 o ano da nomeação do seu primeiro professor, em Harvard (Lopes, 1989: Nunes et alii, 1994).
31
Como é possível conhecer a história de um indivíduo, de um grupo, de um
país, sem compreender suas educações, suas escolas, suas pedagogias?
Como subsistiria uma história das “representações”, ou história das
“praticas culturais”, sem o entendimento do educativo-pedagógico, seja
ele escolar ou não?
Para Saviani (2003), as relações entre História, História da Educação e a Formação do
Educador são estreitas, por conseguinte, intimas, pois que é a educação senão a construção
sócio-histórica e cotidiana das narrativas depessoal e social? Nesse sentido, para formar
homens e mulheres é necessário um profundo conhecimento da realidade humana, que é
essencialmente histórica. O educador necessita então, se familiarizar com a história, a
história da educação ou em outros campos educacionais, da legislação, das reformas
educativas, da história do currículo, da escola, da pedagogia, dos (as) educadores, das
práticas e culturas escolares, da feminização da profissão, do processo de profissionalização
e das práticas docentes, do cotidiano escolar, etc.
Com ênfase nessas observações é que tentamos adentrar na história da educação,
especificamente, focando as mulheres, enquanto profissionais do ensino, que, em muitos
aspectos, ainda são relegadas ao esquecimento. Segundo Santos (2005), são múltiplas as
faces da dominação e da opressão e muitas delas foram negligenciadas pela teoria critica
moderna, a dominação patriarcal é um exemplo, não por acaso, que a sociologia feminista
nas ultimas décadas produziu a melhor teoria critica ao introduzir as relações de gêneros
como elementos constituintes nos processos de transformações sociais.
A tarefa de escrever essa história exigiu novos modos de pensar as diferenças, como
foram construídas. Nesse sentido, o conceito de gênero, passou a ser categoria teórica dessa
questão, inicialmente utilizado pelas feministas americanas que a escolheram para enfatizar
o caráter, fundamentalmente, sócio-cultural das distinções baseadas no sexo.
Nesse campo de abordagem teórica, a relação entre gênero e história constitui-se
numa categoria de analise que se impõe na revisão da história da humanidade, habitado e
construído por homens e mulheres. O mesmo recai sobre a educação que não pode mais ser
analisado sob a ótica de um sujeito universal. Segundo Scott (1992), a critica trazida pelo
desenvolvimento da história da mulher colocou em xeque os historiadores tradicionais que
escreviam o sujeito da história como uma figura universal, acabando com “mito” de que as
32
mulheres não estiveram presentes, como agente e sujeito no processo histórico da
sociedade.
Atualmente, esse campo de estudo revela-se bastante promissor, desde que
incorporemos algumas lições ao nosso fazer a história da mulher no Brasil, isto é, devemos
fugir da história que fez da mulher uma vitima, ou o seu inverso. Os campos de analises
mais produtivos para a história das mulheres, são aqueles “aparentemente” desprovidos de
interesses, onde encontramos as mulheres anônimas, ou com diria Duby “os murmúrios
femininos que se perdem num coro tonitruante de homens que os sufocam”. (Apud, DEL
PRIORE, 1988 p. 12). Ainda segundo essa autora, melhor do que tentar responder se as
mulheres tinham poder, é tentar decodificar que poderes informais e estratégias elas
detinham por trás da ficção do poder masculino, e como se articulavam sua subordinação e
resistências.
Recuperar a história feminina na educação tem sido o objetivo de muitas pesquisas
Brasil, das quais destaco o trabalho de Almeida (1998): Mulher e educação: a paixão pelo
possível, onde a autora nos esclarece sobre a condição das primeiras professoras do curso
de magistério; o trabalho de Louro (1997), Mulheres na sala de aula, retratando a história
privada dessas pioneiras da educação, nos relevando as sutilezas da mentalidade
republicana brasileira; e por fim, o estudo de Chamon (2005), Trajetória de feminização do
magistério: ambigüidades e conflitos, onde procura mostra através do levantamento factual
do processo de surgimento do professorado em Minas gerais, a evolução do magistério
como profissão feminina. Para citar apenas alguns trabalhos relevantes nessa pesquisa.
Além desses, destacamos outros trabalhos preocupados em resgatar a contribuição
feminina, como exemplo: Balhana (1988), História da Mulher: um novo território do
historiador; Alves e Pitanguy (1983), O Que é feminismo; Barroso e Costa (1983),
Mulheres, mulheres; Bosi (1983), Memória e sociedade: lembranças de velhos; Rago
(1995), Do cabaré ao lar: a utopia da idade disciplinar: Brasil – 1890/1930.
A produção sobre a história das mulheres na Paraíba - mesmo considerada tímida,
como observa Ferreira (2006), é tida na educação como tema emergente, fértil em
pesquisas e produções acadêmicas, principalmente, nas duas últimas décadas do século XX,
mostrando que já é uma prática estabelecida no mundo acadêmico. Santana (1996), em sua
brochura Mulheres em marcha: balanço e perspectiva e nos projetos de iniciação cientifica,
33
citados anteriormente, deu uma enorme contribuição, avançando, significativamente, na
problemática das histórias das mulheres na Paraíba, inaugurando uma temática pouco
trabalhada na nossa historiografia e comprometida com a análise da participação política e
social das mulheres do século XX. Mais recentemente, também a nível local, temos o livro
de Machado (2006), Mulher e educação: história, práticas e representações, trazendo
vários estudos acerca da história e atuação de educadoras. Outro que merece ser
referendado, organizado por Scocuglia e Pinheiro (2003), é o livro Educação e história: no
Brasil contemporâneo, contendo vários textos que abordam alguns aspectos da história da
educação no Brasil contemporâneo. Assim como diversas outras pesquisas em andamentos,
circulando em publicações especializadas, sob forma de livros e artigos em mídia impressa
ou digital através da internet, em apresentações de trabalhos em congressos e simpósios de
História e Educação15, nas dissertações e teses, defendidas e em andamento nos diversos
programas de Pós-Graduação em Educação do país16, formando pesquisadores e
professores na área de história da educação. Enfim, todos estes estudos vêm ganhando
interesse dentro e fora do mundo acadêmico, principalmente, depois da publicação do
excelente trabalho, Histórias das mulheres do Brasil (1997), ao meu ver, um divisor de
águas na historiografia brasileira.
Revistando nossa historiografia, desde os clássicos que escreveram pioneiramente a
história da Paraíba, como Machado (1912), História da Província da Parahyba; Irineu
Joffily (1892), com Notas para a história da Paraíba; Almeida (1966), com História da
Paraíba e, ate mesmo em obras de autores contemporâneos, a exemplo de Mello (1994),
História da Paraíba: lutas e resistências; Sylvestre (1993), Da revolução de 30 à queda do
Estado Novo: fatos e personagens da história de Campina Grande e da Paraíba (19301945), sem falar da maioria dos livros didáticos usados nas escolas de ensino fundamental e
médio, constatamos a ausência da mulher como sujeito e agente da história. A exceção de
Joffily, em sua obra, Anayde Beiriz: paixão e morte na revolução de 30 (1980), livro que
originou o não menos e discutido filme Paraíba mulher macho, de Tizuka Yamasaki, no
inicio dos anos de 1980. Ambos referências vitais para esta pesquisa, pelo fato de que tanto
15 Publicações SBHE, EPENN, e outros.
16 A exemplo das bases de pesquisa Gênero e Práticas Culturais, vinculada ao Departamento de Educação e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFRN, criada em 1998 e o GT/PB: História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR), ambos com o objetivo de formar pesquisadores na área de
história da educação,
34
Anayde Beiriz, como Analice Caldas viveram na Paraíba na mesma época, constituindo
assim, uma importante fonte de informação e compreensão das primeiras décadas do século
XX.
O fazer biográfico
Para os menos avisados, Analice Caldas é apenas o nome de uma Escola Municipal
no Bairro do Jaguaribe ou da Biblioteca Municipal de Alagoa Nova, para outros, é
lembrada como uma mulher dedicada a nobre tarefa de “educar e instruir”. Trata-se,
portanto, de uma mulher aparentemente comum, uma professora como tantas outras de sua
época. Em face dessa complexidade me coube indagar: por que escrever uma biografia
dessa educadora?
A história de Analice Caldas me chamou atenção por ter sido ao seu tempo, uma
pessoa bastante influente no universo intelectual paraibano. Porém, quem de fato teria sido
essa mulher? O interesse por sua história aumentou na medida em vou descubrindo que
além de professora, também havia sido, uma árdua defensora das idéias feministas ao seu
tempo, no papel de sócia fundadora da Associação Parahybana pelo Progresso Feminino
(A.P.P.F.), em 1933, ao lado de outras mulheres. Esse mesmo grupo, ao que parece,
desempenhou importante papel nos bastidores da política do nosso Estado, além de ser uma
emblemática expressão de atuação políticas feminina em plena década de 1930. Foi,
também, uma das primeiras mulheres a fazer parte do Instituto Histórico e Geográfico
Paraibano – IHGP, em 5 de julho de 1936, juntamente com outra colega de igual
singularidade, Alice de Azevedo Monteiro.
A resposta à indagação: “quem de fato teria sido está mulher?”, não poderia ser
imediatamente respondida, senão por referências aos vínculos que vão se conectando a sua
história, no momento em que adentramos em seu mundo político e cultural, lendo seus
textos, vendo suas fotos, seus registros por onde passou, ouvindo seus parentes e amigos
ainda vivos. Com certeza, são inúmeras as histórias ao longo do seu tempo e espaço, seus
fazeres práticos, seus sonhos não realizados, suas lutas por causas perdidas e vitoriosas,
35
seus momentos de alegrias e tristezas, suas horas de sofrimento silencioso, suas vitórias e
seus fracassos.
Assim, mergulho no labor da pesquisa documental questionando as possíveis pistas
que possa me conduzir na escrita de sua história. No primeiro contato com o material
coletado (artigos de jornais, citações do seu nome em livros e revistas) me indago acerca
das contribuições que a pesquisa traria para a história da educação? E mais: qual a sua
contribuição à educação? No campo político da A.P.P.F. qual sua inserção no histórico
debate sufragista? Havia sido uma coadjuvante, ou teria sido uma personagem importante
nos movimentos de sua época? Qual a sua contribuição no universo intelectual paraibano?
E, onde localizar outros documentos que dessem conta de preencher estas indagações?
Em síntese, a pesquisa baseou-se, inicialmente, no levantamento bibliográfico de
estudos sobre a temática, a exemplo de monografias, dissertações, teses, publicações de
eventos – artigos de congressos e seminários - além de jornais e revistas publicadas nas
décadas de 1930-1945. A partir dessa primeira investigação foi possível organizar as fontes
mais “visíveis”, proporcionando assim localizar as fontes primárias, constituídas de escritos
seus publicados nos meios de comunicação oficial da época, buscando estabelecer relações
que permitissem levantar questões acerca do perfil e da atuação dessa mulher, cuja vida foi
atravessada por momentos significativos, não somente relacionados ao cotidiano escolar,
mas, as práticas políticas e literárias do seu tempo.
Essa primeira etapa demandou uma procura constante por informações históricas da
personagem Analice Caldas, impulsionou a buscar por depoimentos de familiares, a
exemplo de seu primo o Cônego e Major Eurivaldo Caldas Tavares, único parente
contemporâneo ainda vivo, hoje com 86 anos e autor de várias biografias, entre elas o livro
Duas vidas a serviço da Paraíba, Diógenes e Analice Caldas (1975), trabalho de extrema
relevância para nossa pesquisa, haja vista que me possibilitou localizar informações
pertinentes a biografada. Muito desejei localizar outros familiares, ex-alunos e até amigos e
colegas de trabalho ainda vivos, para, quem sabe, poder utilizar os recursos da história oral
e da memória, porém, por motivos de tempo e recurso não foi possível concretizar tais
recursos metodológicos.
Após essa primeira etapa, realizei uma outra, mais profunda, buscando informações
das instituições escolares nas quais lecionou, dos clubes e associações nas quais militou e
36
fez parte, além de pesquisa em arquivos públicos e privados, a exemplo: do arquivo do
NDIHR, IHGP e da Fundação Casa de José Américo de Almeida, entre outros. Em síntese,
o desafio consistiu literalmente em juntar pedaços de histórias, como um imenso quebra
cabeça, para assim, construir o universo da personagem pesquisada.
Assim, fui estruturando um caminho que permitisse recolher detalhes, garimpar
vestígios, ou, até mesmo, desvelar traços de uma vida entrelaçada em outras tantas vidas de
sua época. Por esta orientação de pesquisa, me aproximo da perspectiva micro-história a
qual a biografia se enquadra, entrecruzando dados, decompondo tramas, buscando construir
enredos possíveis, descrevendo dinâmicas de um tempo não tão distante, no qual, a partir
de uma situação particular, possamos compreender a maneira como os indivíduos
produzem o mundo social de uma determinada época. Nesse sentido, a micro-história,
entendida como uma importante vertente da história cultural, onde pode conter em si
mesma um forte caráter pluridisciplinar, na medida em que incorpora o concurso da
sociologia, da antropologia, da literatura e da própria educação, desde que a
compreendamos não como uma alternativa à macro-história, mas, como campo de pesquisa
capaz de rearticular a indagação histórica em torno de uma maior flexibilidade das escalas
de pesquisa da macro à micro-história. (REVEL 1977).
Diante da intenção de construir uma biografia, eis que surge um problema: como
construir essa narrativa? Inicialmente, imaginei escrever sua biografia nos moldes
tradicionais, ou seja, perseguindo um formato linear, iniciando por um começo, meio e fim,
centrando nos feitos cronologicamente ordenados da biografada. Em sua maioria, as
biografias tradicionais são constituídas por discursos enaltecedores do personagem
focalizado, tendo a intenção de destacar o herói, o político, às idéias como verdades
absolutas, privilegiando, assim, a dimensão publica dos personagens. É Rodrigues (1966)
que fala, em seu estudo sobre Teoria da história do Brasil: introdução a metodologia, que
a biografia é tida como a história de uma única vida, tendo como tarefa a personalidade, ou
seja, a individualidade tornada objetiva, a individualidade própria - desse ou daquele
homem - e no máximo de suas ligações sociais, econômicas e morais.
Contudo, é Bourdieu (2006) que fala acertadamente da “ilusão biográfica”, isto é, de
quanto um relato coerente, com uma seqüência lógica de acontecimentos, pode, inclusive,
nos ludibriar, passando uma idéia de utópica completude, considerando indispensável
37
reconstruir o contexto, isto é, a “superfície social” em que age o indivíduo, numa
pluralidade de campos a cada instante. Segundo esse autor: (2006 p. 189/190).
Tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de
acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um
“sujeito” cuja constância certamente não é senão aquele de um nome
próprio é quase tão absurdo quando tentar explicar a razão de um trajeto
no metro sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das
relações objetivas entre as diferentes estações.
O mesmo defende Levi (2006).
Em muitos casos, as distorções mais gritantes se devem ao fato de que nós
como historiadores, imaginamos que os atores históricos obedecem a um
modelo de racionalidade anacrônica e limitada. Seguindo uma tradição
biográfica estabelecida e apropria retórica de nossa disciplina,
contentamo-nos com modelos que associam uma cronologia ordenada,
uma personalidade coerente e estável, ações sem inércia e decisões. (2006
p.169).
De fato, esta racionalidade que caracteriza as autobiografias e as biografias é
problemática para o historiador, em razão de mascarar as ambigüidades, as contradições e
as descontinuidades. Dessa forma, tanto Levi como Bourdieu aponta-nos uma alternativa
para romper com a linearidade, qual seja: a busca das técnicas da literatura, um terreno
muitas vezes pouco conhecido para os historiadores.
Evidentemente, não quer dizer que o historiador deva trabalhar como romancista, pois
cada um tem sua prática especifica; um lida com as múltiplas representações, com a história
e, o outro, com a poesia e ficção, livre das correntes que o possam prender à realidade. O
romancista moderno está consciente que o real é descontinuo e que nem por isso deixar de
ser real. Além disso, sabe lidar com desenvoltura com o fragmentário, o fugaz e o
ocidental. O historiador então se valendo dos recursos oferecidos pela literatura, poderá
recuperar ou recompor os fragmentos perdidos da história.
Assim, ciente de que o resultado da apreensão do real seja sempre uma verdade
aproximada, haja vista que a própria realidade vivida e dinâmica não se deixa ser
apreendida facilmente, maior era a certeza de que nunca daria conta da totalidade de sua
vida, me afastando da possibilidade de querer organizar um sentido único para sua história,
38
ou perseguir uma linearidade, sem incorrer em inverdades, pois, tratava-se de construir um
enredo da vida de uma pessoa comum, que já partiu dessa materialidade há muito tempo e
que muito pouco restou de sua história. Portanto, ao analisar a documentação disponível,
senti a necessidade de buscar outros caminhos para a produção biográfica de Analice
Caldas. Sendo assim, é possível escrever sobre a vida de um individuo?
Segundo Levi (2006), essa indagação levanta questões importantes para a
historiografia, onde geralmente se esvazia em meio a certas simplificações que tomam
como pretexto a falta de fontes. Segundo esse autor, a falta de fonte não é a única e nem
mesmo a principal dificuldade de se fazer esse tipo de trabalho. Então, será esse um método
adequado à análise da referida realidade social?
Atentos aos perigos do campo em que me movo e das dificuldades que se apresentam
na construção de uma biografia, principalmente quando cercada de elogios e louvores, pode
torna-se um forte apelo para que deslizes sejam cometidos. Pois, tenho em mente que a
lógica da história é a própria lógica do agir humano, em que cada ação individual somente
assume significado se inserido numa perspectiva de longa duração, na trama das ações
recíprocas produzidas ao longo de gerações e pela vida em comum dos indivíduos que
mostre os tecidos conectivos entre a história pessoal de um personagem, familiar ou de
grupos e entidades de mais largo alcance e de mais longa duração, como o Estado, a Igreja
e os códigos jurídicos, que se imbrica na construção das relações de poder, da mesma forma
que, as estruturas de articulação do saber e sua transmissão.
Pensando a biografia, como uma das maneiras, talvez mais antigas de se fazer
história17 e seu retorno nos novos moldes que indicam o caminho para a
interdisciplinaridade, geralmente tendemos aproximá-la da sociologia como campo de
conhecimento. Afinal, é vivo o interesse geral, não apenas pela memória histórica, no
sentido restrito, mas pelas memórias sociais em geral, uma vez que a memória histórica
pode ajudar a estruturar a memória individual e até as coletivas, penetrando, assim, os
espaços sociais em que se produz e se vivifica a cultura. Não a cultura no seu velho sentido,
restrita quase sempre apenas à produção intelectual e artística, mas enquanto conceito que
17 O gênero biográfico sempre existiu na história desde a antiguidade, com diferentes objetivos, por exemplo: na Grécia, era um gênero popular para
enaltecer os heróis, na Idade Média servia para legitimar e escrever a história dos santos e homens ilustres, tornando-se um instrumento de grande
importância para a reconstrução histórica de períodos remotos. As crônicas biográficas de reis, senhores feudais e santos são, em muitos casos, os únicos
documentos disponíveis sobre fatos ocorridos em suas épocas
39
se desdobra em seu caráter polissêmico, revisto e criticado pelas Ciências humanas e
Sociais18. Nesse caso, a história, enquanto um dos domínios mais antigos do saber deve
corresponder a necessidades profundas de gestação da memória social, exigindo o
desdobramento da atividade do historiador, que passa a incorporar o arqueólogo, o
sociólogo e o antropólogo, entre outros, gerando um fecundo diálogo interdisciplinar.
Dessa forma, entendendo que qualquer modelo teórico, com base em alguns fatores,
não possa dar conta da complexidade do mundo, abarcando a totalidade das experiências
humanas, como deixaram transparecer os investigadores dos macro-processos sociais, haja
vista que, também, é uma ilusão querer abarcar a história de uma vida a partir de um
punhado de fragmentos. No caso específico desse trabalho, em que tento escrever a
biografia de uma personagem até agora praticamente desconhecida, a professora Analice
Caldas de Barros, torna-se necessária a construção de uma ponte que leve ao passado e que
permita o estudo do indivíduo em sua imersão social, no plano da curta e da longa duração,
realizando, assim, uma travessia entre o singular, específico, individual e o plural geral,
coletivo, cuja interação produz a singularidade. Esta viagem pressupõe uma tarefa árdua e
inexaurível. Nessa tarefa, é necessário segundo Arruda (1999 p.35) cabe:
Não descuidar dos detalhes, da filigrana, do aparentemente desprezível,
mas também não deixar de inscrevê-los na teia ampla da macro-história,
na sua cadeia relacional e, daí, inverter a trajetória retornando ao pontual,
ao contingente tornado emblemático. A esta primeira aproximação impõese uma segunda viagem que transcorre da descrição à análise, da narrativa
à reflexão teórica.
Deixo de lado as terminologias e mergulho no ato de biografar em si, dando a ele os
contornos que a emoção dos depoimentos e a frieza dos papeis permitem construir. Deixo
de lado também, a ilusão da unidade biográfica ou a busca por uma identidade educadora
Analice Caldas, parafraseando Fischer (2006 p.266):
(...) Tal busca se institui como um ato contínuo, sempre inacabado, uma
vez que a cada novo dado coletado, cada nova informação colhida,
permite esboçar uma outra configuração para o que pretendemos, tentar
biografar está mulher. Uma biografia – assim como a identidade – será
18 Ver a respeito, entre outros: CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru, SP: EDUSC, 1999; BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio
de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1998; HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
40
sempre similar a um jogo de quebra cabeça, ao qual faltam algumas peças
e, por mais que se queira dar um formato, nunca se chegará a completá-la
integralmente.
Assim, convictos que o ato de biografar carrega em si uma rarefação, passo a
imaginar outras formas de contar sua história, sem, necessariamente, assumir a dimensão de
totalidade, nem sequer de seguir uma ordem cronológico-linear, uma vez que as
informações colhidas me permitem várias maneiras de adentrar nas histórias de Analice
Caldas. Assim, tomo como referência o estudo de Fischer19 As caixas de papéis de Nilce
Lea: memórias e escritas de uma simples professora, onde a autora também se deparou
com a escassez de fontes e os problemas peculiares da abordagem biográfica. Para resolver
esse problema, ela imaginou a possibilidade de contar alguns pormenores da vida dessa
professora por meio de tópicos, não linearmente enlaçados uns aos outros, como link20
numa tela virtual”. (FISCHER, 2006).
Nessa perspectiva, seu trabalho permitiu diferentes possibilidades de conectar o
conjunto de informações entre si, estabelecendo ligações que favorecesse outros nexos
possíveis. A autora toma por referência o trabalho de Pena (2004) na qual ele cria a idéia de
“fractais biográficos”, tornando visíveis identidades múltiplas de um sujeito sobre o qual se
pretende escrever, não impondo compromisso com cronologia e fechamentos. Segundo essa
autora: (2006 p. 267).
A possibilidade de narrar diferentes momentos ou circunstancias sem
preocupação com andamentos cronológicos, dividindo fatos e achados
quase como fractais, permitindo a quem ler a possibilidade de iniciar em
qualquer das partes, abandonando totalmente a lógica de começo, meio e
fim, e confirmando a fragmentação dos processos identitários imersos em
redes infinitas.
Assim, encontro na proposta dessa autora, a resposta a nossa pergunta de como dar
forma ao texto, a partir da ênfase de acontecimentos isolados, porém marcantes, e a partir
deles estruturar um formato, desdobrando a forma de escrever numa dimensão
multifacetada, permeada pelo contexto histórico e social do período em destaque. Segundo
Levi (2006, p.167), essa utilização da biografia repousa sobre uma hipótese implícita que
pode ser assim formulada: qualquer que seja a sua originalidade aparente, uma vida não
19 Texto publicado no II Cipa Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica.
20 Os links são pontos de conexão entre diferentes partes de texto de um mesmo website ou entre diferentes websites
41
pode ser compreendida unicamente através de seus desvios ou singularidades, mas, ao
contrario, mostrando-se que cada desvio aparente em relação às normas ocorre em um
contexto histórico que o justifique. A ambiência e a época podem ser fatores
preponderantes para caracterização de uma atmosfera histórico-cultural, que explique as
singularidades das trajetórias, uma vez que a reconstituição do contexto histórico e social
em que se desenrolam os acontecimentos permite compreender o que a primeira vista
parece inexplicável e desconcertante. Nesse sentido, Febvre (1956) nos lembra que, não
podemos chegar a nenhum saber histórico se não conhecermos o “universo mental” de uma
sociedade, na qual o historiador encontra as aspirações, pois, o individuo é apenas o que a
sua época e seu meio permite que ele seja.
Portando, o procedimento de não separar o individuo de sua historicidade, me dar a
possibilidade de preencher lacunas deixadas pela documentação por meio de comparações
com outras pessoas cuja vida apresenta alguma analogia, por esse ou aquele motivo com a
do personagem estudado, aflorando as relações do individuo com a sociedade em que está
inserido. Reconstituindo, assim, um tecido social e cultural mais vasto, contextualizando o
indivíduo, ao invés de prender-se a ele, acreditando na possibilidade de compreender uma
vida deslocada do espaço social e de sua história sem, necessariamente, assumir uma
dimensão de totalidade, nem de ordem cronológico-linear, como geralmente se faz nas
biografias e histórias de vida tradicionais, as quais não se propõem quaisquer
questionamentos. Enfim, a proposta não é mais as propriedades e sim as probabilidades que
constituem o objeto da descrição.
Dessa forma, o estudo da trajetória de vida de Analice Caldas de Barros e de outras
educadoras, personagens da educação, da política e da cultura letrada da Paraíba do inicio
do século XX, insere-se no contexto de retomada da biografia como objeto renovador da
Nova História da Educação, da mesma forma, suas relações com a história sócio-cultural.
Nele, o que se pretende é a realização de uma biografia social, reconstruindo história de
vida de mulheres comuns – isso se comparada com “grandes” nomes da história política e
cultural da Paraíba, como José Américo de Almeida, Pedro Américo e José Lins do Rego,
nomes que se destacaram na política, na literatura e na arte paraibana.
Portanto, o estudo biográfico que realizo, não teve o sentido da louvação, ou de uma
mera exaltação dos feitos da biografada ou de descrição pormenorizada da vida de uma
42
determinada pessoa como, de maneira simplificada, se costuma definir a biografia. Pelo
contrário, o que se pretende, é investigar o meio e a realidade de Analice Caldas dentro dos
parâmetros espaciais em que ela atuou, na cidade de Parahyba, capital do Estado da
Paraíba, bem como suas ações e seu envolvimento com a educação, a política e a cultura
local. Mais do que isso, a ampliação dessas ações em âmbito local, imbricando-se com as
principais ocorrências sócio-políticas e culturais que se verificavam na capital paraibana,
um importante centro urbano e cultural do Estado e mesmo do Nordeste no inicio do século
XX, naquilo que possa iluminar a compreensão do personagem. Assim, podemos pensar em
uma micro-história ligando-a à macro-história ou, ainda, numa verdadeira “história vista de
baixo”. (SHARPE, 1992).
Nessa medida, esse estudo propõe-se como uma importante contribuição para o
entendimento do século XX, sobretudo no que se refere a alguns pontos importantes: os
caminhos da mobilidade social da mulher numa dada sociedade patriarcal. Entender sua
vida, suas dificuldades, seu modo de ser, agir e pensar pode revelar as representações, os
valores e a própria mentalidade do seu tempo. Afinal, todo o estudo biográfico deve se
constituir em uma contribuição para o conhecimento de uma época ou de fases importantes
da vida nacional e seus reflexos no âmbito regional, ou simplesmente, para conhecer a vida
dos homens ou das mulheres comuns, espelhando as aspirações e as angústias da
coletividade em que se estavam inseridos, fazendo-a como a sonhava e a sonhando-a como
queria fazê-la.
43
CAPITULO III
Traços de uma educadora
No discurso proferido na seção especial de 16 de agosto de 1976 37, no então Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano – IHGP - a professora Tércia Bonavides Lins teceu o
seguinte comentário (LINS, 1976 p. 5): “acompanhei-lhe os passos, exultando com suas
conquistas e vitórias; ora lamentando as perdas materiais e humanas e sempre como
membro integrante dos seus movimentos literários e cívicos”. A professora Lins se referia a
“deleta amiga”, Analice Caldas de Barros, por muitos anos companheiras na árdua tarefa de
educar e instruir no então Liceu Industrial, antiga Escola de Aprendizes Artífices e atual
Cefet - Centro Federal de Educação Tecnológica.
Nascida sob o signo de virgem, em 30 de outubro de 1891, na Antiga vila de Alagoa
Nova, elevada a cidade em 1904. Analice era filha do Sr. Manoel Paulino Correia de Barros
e de Ana Salvina de Caldas Barros, tradicional família de proprietários rurais da região do
brejo paraibano e, neta por parte da mãe de Antônio Felix de Caldas Brandão (1834/),
membro de tradicional família da qual se projetou na sociedade paraibana, através do
“insigne varão e integérrimo magistrado”, tio de Analice, Trajano Américo de Caldas
Brandão Junior ou simplesmente Dr. Caldas Brandão (1861/1933), bacharel em ciências
sociais e jurídicas e desembargador do Supremo Tribunal de Justiça da Paraíba,
Sua cidade natal, atual Alagoa Nova, situa-se numa região fértil e muito encantadora
do estado da Paraíba, localizada na microrregião do brejo paraibano, planalto da
Borborema, há 530 metros de altitude, como lembra o Cônego Francisco Lima: (...) “terra
de altiplanos e de horizontes infinitos, terra de pequenas propriedades, das casas de farinhas
das grotas verdes e das estradas de alvíssima areia”. (Apud. TAVARES, 1975).
Os primeiros anos de sua infância, Analice Caldas cresceu ao lado dos irmãos38:
Lauro, Anatólio e Cléa, no ambiente “bucólico” da propriedade de sua família, vendo e
aprendendo o fabrico da rapadura e a destilação da aguardente, escreve Tavares. (1975).
37 Na ocasião do lançamento do livro do Cônego-Major Eurivaldo Tavares em 1976, na qual foi publicado em “plaqueta” pelo no Instituto Histórico e
Geográfico Paraibano.
38 As referências sobre a genealogia de sua família, é fruto dos estudos de um dos familiares Laurita Caldas dos Santos, no inicio da década de 1990, pelo
Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, localizado no IHGP.
44
Ainda segundo o autor, desde cedo, Analice se destacou no aprendizado das primeiras
letras. Seus pendores pelo estudo eram tais que, almejando ir mais longe, não hesitou em
por de lado os carinhos paternos e os encantos da vida despreocupada do campo, largandose em busca de melhores triunfos, lembra Tavares. (1975, p.41).
Outros detalhes sobre a primeira fase da vida de Analice ainda me escapam a
apreensão. Onde e como Analice Caldas estudou o ensino das primeiras letras? Estudou em
escolas do município ou nas escolas providas pelo Estado Provincial, ou foi educada por
tutores, haja vista que, naquela época, as moças “bem nascidas” tinham sua educação
primária conduzida por professores do mesmo sexo que seus alunos? Bem, quem sabe
como um pouco mais de calma e persistência, mais na frente encontre novos documentos
que possam preencher essas lacunas.
Visto dessa forma, cabe tratar então um pouco do contexto histórico educacional, pois
se trata de inseri a biografada dentro do seu universo. Sobre o sistema educacional
brasileiro, particularmente do Nordeste no final do século XIX, ainda era extremamente
rudimentar e de difícil acesso, impossibilitando aos homens e mulheres livres e pobres –
fossem eles do campo ou da cidade – a freqüência às escolas. Muitas vezes, nem mesmo os
grandes proprietários rurais, moradores e mandatários de vastas regiões do interior, tinham
condições de estudar. Em sua maioria, eram analfabetos, salvo aqueles que mandavam seus
filhos “adquiria cultura” – estudando em Portugal, nas faculdades de Direito do Recife e de
São Paulo, de Medicina e Farmácia, na Bahia, ou, simplesmente, ingressando na vida
religiosa. Do final do século XIX, às primeiras décadas do século XX, essa situação
começar a dar sinais de mudança, com o advento da Republica, recém instaurada em 1891.
Diante da limitação documental sobre essa fase de sua vida, o contexto histórico local
pode me dar algumas pistas sobre como era a escola nos pequenos municípios paraibanos
da época, onde Analice Caldas possa ter estudado. No final do século XIX, o ensino das
primeiras dava-se, através das varias cadeiras isoladas39 espalhadas pelas cidades, vilas e
lugares mais populosos, regulamentadas desde os anos de 1827 e que nem de longe dava
conta da carência da educação na Paraíba. Essa iniciativa já era um avanço importante na
39 As cadeiras isoladas refere-se a forma de organização da escola publica na política educacional imperial brasileira, mais tarde, já no século XX,
substituído pelo modelo das escolas reunidas e grupos escolares. Esse tema é produto da tese de doutorado do professor Antonio Carlos Ferreira Pinheiro,
que versa sobre a constituição de um sistema público de educação escolar no estado da Paraíba, desde os seus primórdios até aproximadamente 1950. O autor
buscou uma periodização que, em vez de se marcar por etapas históricas já consagradas pelo viés político, busca na forma de ser das escolas o apoio para sua
descrição e análise. Daí o título do livro, que vai das cadeiras isoladas aos grupos escolares.
45
educação elementar brasileira que, desde a expulsão dos jesuítas do Brasil no século XIII,
encontrava-se extremamente abandonada, resumindo-se a poucas instituições mantidas pela
colônia e pela igreja católica, enquanto o povo continuava entregue ao completo descaso.
Segundo Pinheiro (2002), em 1907, o município de Alagoa Nova tinha três dessas
“cadeiras isoladas”, sendo uma para o sexo masculino, outra para o feminino e uma terceira
cadeira para ambos os sexos, que funcionavam em casas alugadas, e mais tarde em
construção, especificamente destinadas às escolas acima referidas. Contudo, não há como
confirmar se ela estudou realmente nessas escolas, uma vez que não encontrei documentos
que comprove tal foto.
O que se sabe com certeza é que após concluir o curso primário, Analice foi morar
com a família do tio, o magistrado Caldas Brandão, em antigo Solar40 à rua das trincheiras
na capital da Parahyba, para poder continuar os estudos. (TAVARES, 1976). A convivência
com a família do seu tio provavelmente foi marcada por uma educação diferenciada da que
tivera ao lado dos pais, mas não menos cercada de cuidados. Segundo Tavares, sua
educação era acompanhada pela família dos Caldas Brandão, “o verdadeiro aprendizado
onde aprimoraria o caráter e aprenderia, ao vivo, duradouras lições de integridade,
equilíbrio e bom senso” (TAVARES, 1976 p.41), juntamente com os filhos do casal, em
especial com seu primo, Diógenes Caldas, filho do Dr. Caldas Brandão, a qual mantinha
grande apreço.
Ambos se emulavam na solução, não apenas de problemas domésticos,
mas das causas comuns em que se empenharam pela elevação e grandezas
da Paraíba que os dois idolatravam e porfiavam por melhor servir e
dignificar. (TAVARES, 1976, p.41).
Outro que foi biografado pelo cônego Eurivaldo Tavares, tendo dedicado um livro
inteiro à vida “feitos” desse personagem, igualmente importante na história de Analice.
Assim como o pai, Diógenes Caldas Brandão (1886 – 1972), também se formou Bacharel
em Ciências Jurídicas e Sociais em Pernambuco, porém, atuou como Agrônomo e Botânico
ate o fim da vida41. Dedicou-se, desde cedo, as letras, foi escritor, jornalistas, poeta. Sua
40 Não foi possível achar seu antigo endereço, porém ouvimos falar recentemente – já no final da pesquisa - de alguns livros pertencentes a ela, no qual
consta sua assinatura e seu endereço, esses livros estariam amontoados num antigo deposito, pertencentes a Biblioteca Analice Caldas, em Alagoa Nova.
41 Diógenes Caldas Brandão , faleceu aos 86 anos, a 31 de dezembro de 1972.
46
primeira função pública foi o de diretor da Biblioteca do Estado, ainda acadêmico em 1907,
então com 21 anos, recebendo até um poema de Augusto dos Anjos (Apud, TAVARES,
1975 p.38):
Austero, superior, quase de beca.
Escavaca, remexe as livrarias.
E para aproveitar horas vadias
Faz paródias na própria Biblioteca
A convivência com a família do tio e, particularmente, com seu primo Diógenes,
talvez possa ter incentivado-a a dedicasse às mesma atividades jornalísticas. Ambos
escreviam para jornais e revistas chegando até a fundar um jornal em Alagoa Nova42. Os
laços de amizades, estabelecidos ao lado do primo, perpetuaram até o fim de sua vida,
mesmo tendo Diógenes se estabelecido no Rio de Janeiro, todos os anos, Analice
impreterivelmente empreendia viagem, onde passava as férias ao lado da família do primo.
Na ultima que fez, em fins de 1944, abordo do Navio Black-Out, correndo inclusive o risco
de torpedeamento de submarinos alemães naqueles incertos dias de guerra, não conseguiu
retornar a sua terra natal. O acidente que lhe tirou a vida também levou outras 11 pessoas,
incluindo sua prima Suzette Caldas Tavares, então irmã do Cônego Major Eurivaldo
Tavares Caldas.
Tempos de transição
A mudança para capital, por volta do ano de 1909, certamente marcou profundamente
a vida da “menina do interior”, crescendo no cosmopolitismo da capital. Pois, ao contrário
da pequena Vila de Alagoa Nova, a cidade de Parahyba (hoje João Pessoa) em 1910, já era
uma cidade considerada de médio porte, começava a respirar os ares da modernidade, com
suas praças comerciais, luz elétrica, escolas e prédios suntuosos.
A cidade crescia, seguindo o ritmo de outras cidades do Nordeste e do resto da nação.
Por volta da década de 1920, profundas transformações abalam os valores e as tradições da
sociedade brasileira em geral e, do Nordeste em particular. Era a época de efervescência,
42 Fonte: Discurso proferido por Humberto Carneiro da Cunha Nóbrega em Alago Nova, em 30 de janeiro de 1966 e publicado na Revista do IHGP. Vol. 20
– 1974.
47
com a intensificação da urbanização, a industrialização crescente, provocando a
transformação da economia, antes essencialmente agrária. O Brasil se modernizava,
intensificaram-se as industrializações da economia impulsionada pelo pós-guerra,
provocando um rápido crescimento das camadas urbanas médias e altas que se
incorporaram à luta social e política. A legitimidade do sistema político, dominado pelo
grupo agrário exportador é colocado em questão e uma mudança ideológica se opera entre
as elites intelectuais. Segundo Trindade (1979, p.7), o ano “chave” desse período foi 1922.
Nele eclodem quatro acontecimentos simbólicos que contém, em embrião,
a mutação da sociedade brasileira entre as duas guerras mundiais. A
Semana da Arte Moderna, em fevereiro, desencadeia a revolução estética;
uma nova etapa da organização política da classe operária se delineia, em
março, com a fundação do Partido Comunista Brasileiro; a criação do
Centro D. Vital, ligado à Revista A Ordem, de orientação católica,
prenuncia a revolução espiritual; e, finalmente, a primeira etapa da
revolução política tenentista irrompe, em julho, com a rebelião na
Fortaleza de Copacabana.
É também a época de uma imprensa diária, da abertura de cursos para moças, da
migração das grandes famílias da aristocracia canavieira do campo para a cidade, onde a
casa-grande e a senzala se tornam o sobrado e o mocambo, para lembrar Gilberto Freyre,
bem como do aparecimento de uma classe média. Um período em que se fragiliza a
dicotomia espaço público e espaço privado, com a possibilidade da interação entre um e
outro, o que favorece atuação das mulheres fora do domínio do lar e onde, ainda se vivia
sob a égide das tradições patriarcalista mais arraigadas e desfavorável à presença da mulher
na vida pública.
Vale lembra que a implantação da República proporcionou novas condições políticoinstitucionais que favoreceram o mandonismo local exercido pela elite proprietária rural
desde a colonização. A república instalou-se de acordo com os princípios do federalismo,
permitindo mais liberdade aos estados para procederem de forma autônoma, consolidando o
poderio das oligarquias já existentes e, proporcionando o surgimento de novas facções
oligárquicas ligadas à expansão do comércio, especulação e atividades industriais. No
entanto, as bases da estrutura de poder permaneciam essencialmente rurais, fundamentadas
na propriedade da terra, na dominação exercida pelos coronéis e na representação política
48
de suas respectivas oligarquias. (GURJÂO 1994). Analice Caldas43 era filha desses
senhores de engenho, que, na Paraíba se constituíam uns dos fundamentos de sua
estabilidade econômica e social, ela mesma era proprietária de terras na pequena Alagoa
Nova.
A nova paisagem urbana, embora ainda guardasse muito da tradição ruralista, era
cada vez mais povoada por populações novas e heterogenias, composta de imigrantes, de
egressos da escravidão e de representantes das elites que se mudavam do campo para as
cidades. Eram estes últimos que exerciam as atividades e cargos de representação política,
jurídica ou comercial, mais que tinha sua base de sua renda (dominação) nas fazendas ou
nos engenhos, ascentado na estrutura coronelística. “Não havia grande diferença entre o
rural e o urbano, neste período na Paraíba, isto é, a cidade tinha seu crescimento ligado às
atividades complementares da zona rural, beneficiando e comercializando produtos
agrícolas”. (Gurjão 1994, p.58).
A crescente urbanização das cidades influenciava as mudanças dos costumes da
sociedade brasileira. Multiplicavam-se os jornais, o comércio, as fábricas absorviam cada
vez mais mão-de-obra, inclusive feminina. As filhas das classes médias saiam de casa para
trabalhar como professoras, enfermeiras, telefonistas e secretárias. Ao longo das três
primeiras décadas do século passado, essas mudanças no padrão de comportamento
feminino incomodaram os mais conservadores, deixando perplexos os desavisados,
estimularam-se os debates entre os mais progressistas, afinal de contas era muito recente a
presença das moças de “boa família”, que se aventuravam sozinhas pelas ruas da cidade
para trabalhar, ou fazer qualquer outra atividade. Era nas cidades, as quais trocavam sua
aparência de “moças do interior” por uma atmosfera cosmopolita e metropolitana, que se
desenrolavam as mudanças mais visíveis.
A necessidade da força de trabalho, industrial levou muitas mulheres a saírem do
âmbito doméstico, resultando em mudanças no modo de organização familiar. Essa saída
ocasionou uma série de questionamentos por parte da sociedade, pois, consistia numa
disputa de espaços profissionais indispensáveis para o progresso da sociedade. Analice
Caldas foi contemporânea dessas transformações na sociedade, convivendo nesse cenário
de inserção da mulher no espaço urbano, no mercado de trabalho e na vida pública.
43 Jornal “A UNIÃO”, de João Pessoa, 06 de abril de 1945.
49
Se as novas maneiras de se comportar tinham se tornado corriqueiro em menos de
duas décadas, a “ousadia”, no entanto, cobrava seu preço. O ritmo das mudanças ocorridas,
considerado por muitos como alarmante, veio acompanhado de certa ansiedade por parte
dos segmentos mais conservadores da sociedade, já tomados pela vertigem das grandes
transformações que o país vinha vivendo, sobretudo, a partir do último quartel do século
XIX.
Essa variedade de questionamentos, experiências e novas linguagens que as cidades
passaram a sintetizar, agitavam intelectuais de ambos os sexos que elegiam como legítimos
responsáveis pela suposta corrosão da ordem social e quebra de costumes, as inovações nas
rotinas das mulheres e, principalmente, as modificações nas relações entre homens e
mulheres, disciplinando toda e qualquer iniciativa que pudesse ser interpretada como
ameaçadora à ordem familiar, tida como o mais importante e “suporte do Estado”: única
instituição social capaz de represar as intimadoras vagas da modernidade. Prova disso, está
estampado na revista Era Nova, impresso que circulou alguns anos no estado, deixou
registradas as principais discursões dessa época. Em 1925 o articulista Gaspar, escrevia um
artigo intitulado “Banalidades elegantes”. (Revista Era Nova, 1925, p. 10)44.
Só mulheres, mulheres e mulheres... homens os há, mas tão poucos, tão
occultos, que chega a se acreditar que só e somente ellas pesam na
balança da sociedade”, motivo forte para que eu tema pelo nosso futuro e
me receio seriamente, por não lhes incorrer na censura, nem cahir na
imprudência de divergir da opinião pública.
Mais na frente, o autor esclarece que tipo de mulher se refere. (Revista Era Nova,
1925, p.10).
(...) é em regra, um tipo de pouca monta. Se não é uma criatura de quinze,
dezoito e vinte e cinco anos, rorça pelos vinte e oito ou pelos trinta,
cabelos curtos, faces e lábios que experimentaram o mais paciente
processo de colaboração, pernas e braços esposto ao sol, à chuva, à poeira
e aos nossos ávidos olhares vestidos de fazenda comum no último
figurino, enfim, um arsenal de artifícios e coisas baratas, que nós os
homens teimamos por admirar, certo de que somos possuidores do mais
elevado sentimento esthetico.
44 Opitamos em, preservamos a grafia origina da época.
50
Também não faltaram vozes para entoar publicamente uma voz de inconformismo,
tocado pela imagem depreciativa com que as mulheres eram vistas e se viam e, sobretudo,
angustiados quanto as representação social que lhes impunha normas de comportamento.
(Revista Era Nova, 1925, p.12).
Os senhores homens accusam-nos de exageradas, se o qualificativo não é
mais áspero; porém, por Deus me digam, quase, senão os homens os
culpados pelas extravagâncias da moda? Porventura as creações
parisienses londrinas, americanas, etc., nascem de cerebros femininos? E
se nascessem; os pais, os irmãos, os maridos, os tutores, os noivos, não
têm olhos para verem o que fica bem ou mal, o que é decente ou grotesco,
á filha, á mulher, á tutellada, á prometida?
Homens e mulheres se acusavam reciprocamente como os primeiros causadores de
uma intolerável corrosão dos costumes. As reclamações das mulheres estavam pontuadas
de mágoa e revoltas, as dos homens, pareciam revelar desconfianças para com a “nova
mulher”.
Na verdade, desde meados do século XIX, esses conflitos já eram sentidos nos
países mais desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos. Países onde a forte influência
do pensamento positivista, incorporada pela elite intelectual, apoiadas no mito da
inferioridade biológica adotada pelos evolucionistas, segundo as idéias Espencerianas,
acabou, também, por contribuir em dotar as mulheres de representações carregadas de
qualidades e defeitos morais, determinantes para sua desclassificação social, apenas
valorizando-a como esposa, mãe e dona de casa. Como afirma Maluf & Mott (1998 p.373).
A mulher foi o bordão que sintetizou o pensamento de uma época
intranqüila e por isso ágil na construção e difusão das representações do
comportamento feminino ideal, que limitaram seu horizonte ao “recôndito
do lar” e reduziram ao máximo suas atividades e aspirações, até encaixála no papel de “rainha do lar”, sustentada pelo tripé mãe-esposa-dona de
casa.
Ou seja, o dever de ser das mulheres brasileiras nas três primeiras décadas do século
foi, assim, traçado por um discurso ideológico que reunia conservadores e diferentes
matizes de reformistas, ao mesmo tempo em que cristalizava determinados tipos de
comportamento convertendo-os em rígidos papéis sociais.
51
A escola Normal
Em 1909, então com 18 anos, Analice Caldas ingressa na Escola Normal da capital,
concluindo dois anos depois, em 1911. Na época, a Escola Normal era o único lugar, onde
as moças podiam prosseguir os estudos e ingressar no mercado de trabalho, principalmente,
para aquelas das camadas médias da população as quais tinha condições de investir na
educação dos filhos.
Por outro lado, a demanda pela profissão de professores qualificados, aumentava,
diante da preocupação da nação que se pretendia modernizar-se com taxas de analfabetos a
perder de vista. O quadro da educação brasileira nesse momento era extremamente
precário. Segundo dados oficiais, só na Paraíba, somente 7,53% da população em idade
escolar freqüentaram as instituições oficiais de ensino primário carecendo também de
professores qualificados para o magistério. (Parahyba do Norte, 1909, p. 27). Na verdade a
nação inteira necessitava de um modelo de educação para ajustar e preparar os
trabalhadores e a população para esse novo tipo de sociedade como forma de se adequar ao
mundo moderno.
As primeiras Escolas Normais públicas foram à solução para o problema da educação
brasileira, inicialmente, acomodadas ao ensino secundário ministrado nos Liceus,
essencialmente masculino e dedicada à preparação para o ingresso no ensino superior, que
tinham como modelo o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro. Os vários “Liceus” provinciais
constituíram uma referência fundamental para o desenvolvimento do ensino normal.
Segundo Kulesza (2003 p.198).
(...) superação das escolas de ler, escrever e contar encontra sua forma
institucional na nova concepção de Escola Normal presente na reforma
Leôncio de Carvalho, de 1879, opondo-se à herança jesuítica, a nova
maneira de formar professores era fruto direto da concepção de uma
sociedade em constante mudança em direção ao progresso.
A referida reforma, estimulava a criação de Escolas Normais em todas as
províncias, inclusive, com auxílio econômico do governo central. Mesmo assim, as metas
nem de longe eram cumpridas, ficando boa parte da população de fora das escolas, “o
nosso sistema de ensino popular mostrava-se como sempre profundamente insatisfatório”
52
(PAIVA, 1973, p.91), praticamente todos os estados brasileiros, até mesmos os mais ricos
não tinham condições de acabar com o analfabetismo. A aplicação dos recursos estaduais
no ensino elementar, por exemplo, variava de estado para estado, poucos deles
ultrapassava os 10%, sem falar que as aplicações federais eram irrisórias e que o problema
educacional brasileiro tendia a piorar com o crescimento da população, além disso, a
descentralização política provocava uma total falta de conhecimento da União a respeito
das políticas educativas dos estados.
A Escola Normal da Paraíba, onde Analice Caldas estudou, foi criada em 1874,
como uma “cadeira de ensino normal”, objetivando preparar professores do sexo
masculino. Mas, só em 1884 é que a província da Parahyba do Norte veio ter sua própria
Escola Normal. Para isso, o Liceu foi transformado em Escola Normal de dois graus,
cabendo ao primeiro grau, de acordo com o presidente da província, a função de:
“preencher o elevado desígnio, o que naturalmente mais influiu no espírito da re-forma, de
preparar professores mais capazes para o exercício do magistério, eliminando os moldes já
gastos, condenados por uma longa experiência”. (MELLO, 1996 p. 63). Com a duração de
dois anos e destinado a ambos os sexos, essa Escola foi logo transformada em Externato
Normal apenas para mulheres, funcionando em prédio próprio separado do Liceu, que já no
ano seguinte seria restabelecido. Só em 1905 funcionaria efetivamente uma seção
masculina da Escola Normal, valendo-se ainda das instalações do Liceu. (KULESZA,
2003).
Durantes anos na Paraíba, a criação da escola normal foi relegada ao segundo plano
pelos administradores do poder público provincial, atribuindo a pouca arrecadação que
impossibilitava o investimento na área da instrução pública, bem como, o flagelo das secas
que freqüentemente assolam o território, justificando que os investimentos na educação
estavam fora do alcance da influência exclusiva dos poderes constituídos. (PINHEIRO
2002). Desde sua criação, já se apontava para a necessidade de educação da mulher,
associando a modernização da sociedade, a higienização da família, à construção da
cidadania dos jovens, objetivando rapidamente formar um quadro de professores
qualificados para difusão do ensino. (MELLO, 1996).
Como resultado desse processo, na transição do Império para a República, emerge
durante a primeira década de nosso século, em todo o território nacional, uma Escola
53
Normal essencialmente feminina, dotada de escolas-modelos anexas destinadas à prática
pedagógica e que desencadearam o processo de profissionalização do magistério primário.
Já as mulheres mais pobres, tinham poucas oportunidades de uma educação, tendo
como opção os trabalhos árduos, conciliando uma intensa jornada de trabalho de 12 horas
ao dia, sofrendo do preconceito social, das péssimas condições de trabalhos e toda sorte de
dificuldades que os menos favorecidos viviam. O que já não ocorria com as moças de
famílias mais abastadas, que lotavam ano após anos as escolas normais de todo país.
Com o tempo, a escola normal foi consolidando seu papel de preparar um corpo de
possíveis profissionais “vocacionados” para o trabalho de ensinar as primeiras letras,
constituindo uma ponte entre os estreitos limites da vida doméstica e o mundo exterior,
preferencialmente para as mulheres pertencentes às camadas mais abastadas da população.
Segundo Kulesza (2003), o ensino primário e as Escolas Normais subsidiadas pelo poder
público acabaram privilegiando a educação de setores das oligarquias decadente
economicamente ou, em busca da escolarização necessaria para ocupar as novas
oportunidades de trabalho. Por outro lado, no âmbito da esfera privada, a educação das
mulheres continuava um prolongamento da educação familiar na qual estudavam e
esperavam para o momento de consagração do matrimônio. A sua instrução deveria ser
“aproveitada” pelo marido e pelos filhos, portanto, teria que está atrelada às atividades do
lar, conforme assinala Almeida (1998 p. 73).
(...) de forma que o lar e o bem-estar do marido e dos filhos fossem
beneficiados por essa instrução (...) Assim as mulheres poderiam e
deveriam ser educadas e instruídas, era importante que exercessem uma
profissão — o magistério — e colaborassem na formação de diretrizes
básicas da escolarização manter-se-iam sob a liderança masculina.
O fato é que, as mulheres, inicialmente como alunas e depois como professoras,
constituíram o quadro que mais interagiu com essa instituição, tornando um espaço
essencialmente feminino destinado à prática pedagógica e desencadeando o processo de
profissionalização do magistério primário. Ainda segundo essa autora, esse termo serve
para se referir à expansão da mão-de-obra feminina nas escolas, nos sistemas educacionais,
na freqüência à Escola Normal e nos traços culturais que favoreceram o exercício do
magistério pelas mulheres.
54
A formação pedagógica feminina contribuiu enormemente para difusão da
educação. Possibilitou, também, a oportunidade de muitas mulheres ingressarem no
mercado de trabalho, muito embora, o preço pela iniciativa de trabalho consistia em
abandono e condenação social por parte da sociedade, “Alias”, dizia o articulista Gaspar
em 1921, “a mulher intelligente é inconcebivel, sem que eu saiba por que motivo”.
(Revista Era Nova, 1925, nº 40 p.13).
A historiadora das mulheres, Louro (1997), fala a esse respeito, isto é, sobre as
principais representações sociais das mulheres que se dedicavam ao magistério, desde
aquelas que se achavam “feias” e “retraídas”, para quem a maternidade física estaria
vedada, cumpriam sua função feminina ao se tornarem professoras. A representação de
professora “solteirona”, bastante adequada para representar a dedicação das mulheres à
profissão, tidas como severas, sem atrativos físicos e de sexualidade duvidosa. A autora
enfatiza muito bem quando diz que: (LOURO, 1997 p. 469).
Provavelmente mulheres que tomassem iniciativas que contrariassem as
normas, que tivessem um nível de instrução mais elevado ou que
ganhassem seu próprio sustento eram percebidas como desviante como
uma ameaça aos arranjos sociais e á hierarquia dos gêneros de sua época.
A autora argumenta também que, por muito tempo a ignorância foi considerada
como um indicador de pureza, colocando as mulheres não-ignorantes como não-puras.
Contudo, com o passar do tempo, ocorreram transformações nos discursos sobre as
professoras, fruto das mutações da visão de mundo e, por conseguinte, dos costumes da
sociedade.
De fato, o que se sabe sobre Analice Caldas é que, ela não chegou a se casar,
embora tenha sido noiva do escritor e jornalista Raul Campelo Machado, compositor de
inspirados versos, alguns dos quais a ela dedicados, e “de quem falava com profundo
enternecimento e admiração, sem ressentimento ou mágoa, porém orgulhoso de haver sido
na época desse romance que o foi moroso vate” (grifo nosso) escreveu os mais belos versos
e considerava-se a sua musa inspiradora”. (LINS 1976, p.8).
Entre os vários poemas que encontramos desse autor, um em especial, possa nos
dar alguma pista sobre esse romance. Nesses trechos, Raul Campelo, escreve sobre o fim
de um relacionamento (1965):
55
Entre as cartas de amor com que recordo o encanto
Das antigas paixões extintas na memória
Uma, de todas, há, que é uma tragédia! Tanto
Que ainda hoje me constranje o espirito, se a leio!
Foi, movendo-me, aliás, profundissimo espanto,
Em dia de infortunio e dessabores cheio,
Que ela, travando a fel e embebida de pranto,
Com um grande remorso, ao coração me veio.
“Raul” – dizia, assim, numa letra tremida, “É urgente que de ti, para sempre, me afaste,
Tenho sacrificado, em vão, a minha vida!
Perdôo-te, porém, todo o mal que fizeste,
Não te perdôo nunca... é o bem que me negaste,
E as palavras de amor que jamais me disseste!”
Sob Raul Campelo Machado, sabe-se que nasceu em 07 de abril de 1891, em
Batalhão, atual Taperoá, Estado da Paraíba e faleceu em 19 de julho de 1954, a bordo no
navio Provence, quando regressava da Europa, aonde fora em busca de tratamento de
saúde. Era filho de João Machado da Silva e D. Júlia Campêlo Machado. Sou biografia é
contada previamente no memorial do IHGP do qual foi sócio. Iniciou os estudos em
Taperoá, complementando-os no Lyceu Paraibano; a seguir, matriculou-se na Faculdade de
Direito do Recife, onde cursou somente o 1º ano, indo concluir na Faculdade de Direito do
Rio de Janeiro. Aos 15 anos, já compunha versos que publicava no Jornal A UNIÃO, órgão
oficial do governo do Estado da Paraíba. Aprovado em concurso público, foi nomeado
Auditor de Guerra, indo servir nos Estados do Paraná, Mato Grosso e Rio Grande do Sul.
Exerceu as funções: Promotor da Justiça Militar, em Pernambuco; Ministro do Tribunal de
Segurança Nacional; Secretário Geral da Comissão Organizadora dos Estatutos dos
Funcionários Públicos e Ministro Corregedor da Justiça Militar. Era Membro da Sociétè dês
hommes de lettres e da Sociétè Academique d`histoire Internationale, da França. Era
jurista, ensaísta, conferencista, escritor, poeta e poliglota, deixando uma vasta obra
bibliográfica.
Ambos conviviam no meio intelectual da sociedade paraibana da década de 1930.
Segundo Tavares (1975), Analice era muito sentimental e muito afetuosa, tendo única
56
grande paixão, um sonho de amor que não se tornou concreto, “seu príncipe, tornou-se
sempre encantado” (1975 p. 46). Contudo, quando ele diz: “Agora, sobretudo, em que
ambos já desapareceram, posso citar-lhe o nome (...)”, deixou-nos no ar a seguinte duvida:
é possível que tenha sido um romance proibido?
Analice Caldas e o ensino profissional
Ao diplomar-se professora em 1911, Analice Caldas dedicou-se de imediato ao
magistério, com todo o idealismo dos seus vinte anos. Sua primeira função pública foi
como professora de primeiras letras na fazenda experimental de Espírito Santo, onde seu
primo Diógenes tinha sido recém nomeado ajudante de inspetor do 3º Distrito do Serviço
de Inspeção e Defensor Agrícola45, em 14 de janeiro de 1910. Não sabemos por quanto
tempo atuou nessa função ou em que outras escolas possa ter ensinado nesse meio tempo.
Em 1923, ao 32 anos de idade, é aprovada em concurso de âmbito nacional, a nível federal,
para a cadeira de Português, nível médio, no então Liceu Industrial, antiga Escola de
Aprendizes Artífices. Lá, foi professora do curso primário, juntamente com sua colega
Tércia Bonavides, citada no inicio deste trabalho, e mais sete outras professoras (ver foto
nos anexos), entre elas: Glaura Vilar Guedes, Ana Ribeiro Mendelo, Castorina de Menezes
Barros, Anália de Miranda Sá, Neide da Silva Nobre, Maria Eulina Leal de Alburqueque e
Augusta Flores Falcão, as quais lecionavam as matérias básicas46. Por sua vez, os homens
lecionavam os conteúdos técnicos dos cursos oferecidos no Liceu Industrial.
A escola onde Analice ensinou por mais de vinte anos foi criada em 05 de janeiro de
1910, pelo então Presidente da República Nilo Peçanha, em decreto de lei nº 7.566 de
23/09/1909, a qual permitia a criação de Instituições voltadas para a educação profissional.
Inicialmente a escola funcionou no Quartel da Polícia Militar, cedido pelo governo do
estado, por dezenove anos. Em setembro de 1929, a escola transferiu-se para prédio
próprio, situado à Rua João da Mata e, atualmente, sua sede encontra-se na Av. 1° de Maio,
no bairro de Jaguaribe. (MEC/SEPS, 1979).
45 Cargo ao qual chegou a ser nomeado agrônomo do fomento federal, do Ministério de Agricultura em 1937.
46 Segundo informações do relatório dos 30 aos de fundação da instituição, ver nas referèncias.
57
No início, oferecia os cursos de alfaiataria, marcenaria, serralheria, encadernação e
sapataria destinadas às camadas populares; com o passar do tempo a clientela e os cursos
foram adaptando-se ao contexto sócio-político-econômico-cultural do país e da região, até
chegar à estrutura atual. Quando começou a trabalhar em 1923, a escola ainda se chamava
Escola de Aprendizes Artífices. Daí em diante, passou por várias modificações na sua
denominação. Com a reforma ministerial de Gustavo Capanema de 193747, mudou para
Liceu Industrial da Paraíba, na década de 1940, passou a se chamar Escola Industrial de
João Pessoa, Escola da Paraíba, Escola Técnica Federal da Paraíba já na década de 1960, e
atualmente Centro Federal de Educação Tecnológica - Cefet.
Segundo Tavares (1975), o ensino profissional foi sua principal vocação como
professora: “sua paixão maior fora mesmo o ensino profissional, cuja importância e
utilidade sempre sublinhou, numa visão correta da alta destinação humana e social daquele
aprendizado”. (1976, p.42). Tércia Bonavides também capta esse momento de sua
carreira. “(...) ali teve inicio a sua brilhante trajetória no ato de educar e instruir os menos
favorecidos da sorte, filhos de humildes operários”. E continua, “(...) por mais de vinte
anos prestou inestimável serviço à causa da instrução, revelando grande vocação para o
magistério e procurando elevar os seus alunos a nível social onde predominasse o amor, a
Pátria, a Família e a Escola”. (1976, p.8).
O contexto sócio-econômico da época justificava a criação dessas escolas, uma vez
que o aumento populacional nas cidades provocava sérios problemas de urbanização. A
expulsão dos escravos das fazendas após a abolição da escravatura e a migração do campo
para cidade, eram as principais causas do crescimento populacional desordenado,
enchendo as ruas das cidades com todo “tipo de gente”. A elite burguesa que residia na
capital temia uma maior participação do povo nas decisões da nação. Assim, “era
necessário educar o povo sem formar descontentes que pudessem constituir uma ameaça
ao progresso e à harmonia social”. (PAIVA 1973, p.94). O que resultou na regionalização
do ensino e, em seguida, de forma mais clara, com o ruralismo pedagógico. Assim, tais
escolas, por atender as exigências sociais e econômicas de uma nova época, foram pouco a
pouco se firmando no processo educacional brasileiro. E isto correspondia a uma
47 Dentre as modificações suscitadas por essa reforma, destaca-se a criação do Departamento Nacional de Educação, a que passou a pertencer a Divisão do
Ensino Industrial, sucessora da extinta Superintendência do Ensino Industrial.
58
necessidade histórica inapelável: criação de forças de trabalho que assegurasse o
desenvolvimento do país, na medida em que supria essa carência de mão de obra
especializada.
Segundo Pinheiro (2002), ao longo da era das cadeiras isoladas, principalmente na
primeira metade do século XIX, intelectuais e gestores da instrução pública paraibana já
defendiam a inclusão de aspectos relacionados às atividades agropastoris nos objetivos e
conteúdos de ensino das escolas públicas, já que o setor primário, isto é, a agricultura e a
pecuária, era a sua principal base de sustentação econômica. O decreto no. 8.319, de 20 de
outubro de 1910 já previa alocação de recursos para o ensino agronômico, objetivando
vulgarizar a instrução profissional no seio das classes rurais, criando “instituições
práticas”, de cursos ambulantes que instruíssem os homens do campo no manejo dos
instrumentos agrários, processos modernos de cultura e de beneficiamento de suas
colheitas, na criação dos animais domésticos e no aproveitamento racional dos produtos
da lavoura. (PINHEIRO 2002).
A introdução das idéias da Escola Nova e sua transformação em “otimismo
pedagógico” entusiasmaram os principais governos estaduais do Brasil, idealizando uma
série de reformas no ensino. Há, nesse momento, um movimento nacional em favor da
difusão quantitativa do ensino, muito forte até meados dos anos 1920 e 1930, o papel da
nova concepção de escola veio exprimir institucionalmente os anseios de uma renovação
educacional concomitantemente aos movimentos políticos e econômicos em busca de uma
nova ordem social para a nação brasileira.Essas teorias entraram de maneira incisiva na
sociedade brasileira, através de obras de estudiosos tais como Fernando de Azevedo,
Anísio Teixeira e Lourenço Filho, que faziam parte dos reformadores estaduais. Essas
idéias são visíveis no discurso no discurso de Analice. Em artigo transcrito do Jornal
“Aprendiz” (1942 p. 2), sob o titulo de Ligeiras Apreciações em torno do ensino técnico
profissional, dizia ela:
Passou a era romântica dos clássicos anéis, vasou um pouco a mara magnum dos cursos literários, cujas emblemas dos doutorais eram
conquistados às vezes, a custa de sacrifícios as mais penosos e nunca
para atender ao chamado de uma vocação, ou de uma brilhante
intelligencia
59
Mais adiante, acrescenta (Jornal Aprendiz, 1942 p. 2):
A alfabetização por si só é um erro, a escola pública, a escola do povo
tem de preparar o menino para a realidade ambiente, adaptando-o aos
novos moldes do trabalho à disciplina e à compreensão da
responsabilidade do operário de hoje, elemento técnico de que mais
carece o Brasil”. E, conclui a autora, cheia de otimismo: “A escola de
João Pessoa nunca lhe desmereceu a tradição, impôs – se sempre ao
meio, fez do minguado orçamento que disponha guardando uma
colocação honrosa dentre as vinte instituições desse gênero que mantem a
federação.
Muito diferente do ensino profissional de hoje, as Escolas de Aprendizes Artífices
tinham como objetivo habilitar, do ponto de vista técnico-instrumental, os filhos das
camadas populares - "desvalidos da sorte" - com o intuito de conter os problemas sociais.
Posteriormente, para qualificá-los atendendo ao desenvolvimento industrial, intensificado
na década de 1930. A dificuldade de formar esses profissionais esbarrava na precariedade
das instalações e funcionamento das primeiras escolas, nos poucos recursos disponíveis e
na carência de professores e mestres especializados, entre outros aspectos. Além do mais,
os alunos que ingressavam na escola pertenciam às camadas mais humildes da população.
No relatório apresentado ao diretor da divisão de ensino industrial, relativo ao período
compreendido entre 05 de janeiro de 1910 e 05 de janeiro de 1940, Analice e outros
professores, escreviam suas queixas das condições de funcionamento da escola.
(Tipografia da Escola de Aprendizes Artífices na Paraíba, João Pessoa – 1940, p.59).
Ex. Sr. Direto (...) Como sabes, está entregue aos meus cuidados a classe
inicial ou de analfabetos, a classe D, como foi denominada. Tive no
começo do ano uma matricula de 75 alunos, e vários dentre eles já
abandonaram a escola. A indiferença dos pais é a primeira dificuldade
com que topamos. Poucos destes nos vêm pedir noticias dos filhos, e,
algumas vezes falha até o estratagema de que usamos com os meninos
faltosos e vadios, para obrigar seus responsáveis a virem entender-se
conosco, a retensão das cadernetas que servem de ingresso diário do aluno
(...)
Ainda segundo Analice, outro motivo pelo baixo aproveitamento dos alunos era o
estado sanitário, pertencendo os alunos, em sua grande maioria, da classe mais pobre, pois
60
(Idem): “(...) facilmente adoecem, demorando mais a se restabeler por que também mais
lentos são os meios de que dispõem para isso”.
Além das moléstias, havia ainda a pobreza de quase todos e a miserabilidade de
muitos, como bem lembra; “São bem conhecidos os alunos que se ausentam nas quartas e
sábados (dias de feira na cidade) para ganhar algum frete ou vender na feira o produto dos
trabalhos de seus pais”, e “(...) outros nos vêm dizer envergonhados que faltaram por que a
única roupinha que possuíam tornou-se imprestável e tiveram de esperar que lhe pudessem
comprar outra”. (Idem)
A escola fornecia gratuitamente aos alunos apenas uma merenda, que ao contrário
de motivar a freqüência na escola, acabava por afastar aqueles alunos que moravam longe
e nada tinham para comer em casa. Sobre esse assunto, comenta Analice (Idem): “A
propósito, seria ótimo que além de merenda eles tivessem um almoço, pois devendo
permanecer nove horas na escola trabalhando e estudando, essa refeição apenas parece-me
insuficiente para crianças que estão em crescimento”, reiterava. Enfim, ela julgava a falta
de assiduidade e aproveitamento, seja pelo desleixo da família ou pelo estado de saúde ou
pobreza, a causa primordial do pouco rendimento de grande parte dos alunos.
O que percebo com isso, é que, numa sociedade em que havia tanto preconceito
sobre a educação profissional, uma vez que a educação brasileira se constituía de caráter
elitista e intelectualizante, o projeto educacional estava mais a serviço das classes
dominantes do que do conjunto da nação. Nesse sentido, era natural que as Escolas
Aprendizes Artífices enfrentassem dificuldades para se imporem como uma escola que
atendessem à necessidade de formação e qualificação profissional, que ao invés de ser
considerado como um fator de progresso, como instrumento de construção social e
individual do homem e cidadão, era tido como algo vergonhoso, como um castigo, dado
aos mais pobres e desfavorecidos economicamente.
Analice Caldas também lecionou em outras escolas, deu aulas na Academia de
Comercio Epitácio Pessoa entre os nos de 1930 e 1940, ensinando taquigrafia, entre outras
disciplinas; fez parte da primeira diretoria da sociedade dos professores primários, além de
publicar diversos textos em jornais e periódicos da época.
Ao falecer em 1945, os 54 anos de idade, ainda fazia parte do quadro de
professores dessa Escala Industrial, deixando um legado de mais trinta anos de experiência
61
como educadora, boa parte desse tempo dedicado ao ensino profissional, numa
demonstração de que não se cansava em exercer a profissão que lhe elevou o espírito e a
projetou no seio da sociedade letrada de sua época.
Enfim, ao meu ver, nos encontro diante de uma mulher com inúmeras outras
histórias a serem registradas, mas que, na ausência de mais fontes, me limito a pincelar
momentos significativos de sua história como educadora. Histórias que remetem às suas
práticas culturais que, por sua vez, são compreendidas como representações de uma
determinada visão de mundo, marcada pelo conflito entre o tradicional e o moderno.
Por fim, cabe indagar: qual o legado dessa trajetória? Certamente, uma vida
dedicada ao magistério e as letras, isto é, traços de uma trajetória que me inspira a
continuar seguindo seus passos, desafio este, que continuo perseguindo nos capítulos
seguintes deste trabalho.
62
CAPITULO IV
A Eva do século XX
A militância feminista para Analice Caldas foi tão importante quanto qualquer outra
atividade sua. A conquista da revolução de 1930, a adoção do voto feminino e a
institucionalização da representação classista animavam suas expectativas, sendo uma
ardorosa admiradora de Bertha Lutz, pioneira na luta pelo voto feminino e pelos diretos das
mulheres no Brasil.
Aos 42 anos, juntou-se a um grupo de “senhoras e senhoritas de posição e relevo”
da sociedade e do magistério paraibano, criando, assim, em 1933, a Associação Paraibana
pelo Progresso feminino (APPF), nos moldes da Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino (FBPF), a qual preconizava um modelo de sociedade mais justa do ponto de vista
político, jurídico e social às mulheres brasileiras.
A referida associação feminina foi idealizada em sessão preparatória, a 06 de
fevereiro de 1933, num dos salões do grupo Escola Thomaz Midello48 (localizado no antigo
Centro Comercial e de Serviço da cidade da Parahyba, cedido pelo então diretor professor
Joaquim Santiago. Em 11 de março era “aclamada” a primeira direção provisória tendo a
profª Lylia Guedes, na presidência; Olivina Carneiro da Cunha, como vice-presidente;
Alice de Azevedo Monteiro, secretaria; Albertina Correia Lima, oradora; Francisca de
Ascenção Cunha, tesoureira; e Analice Caldas como bibliotecária. Todas professoras
formadas na Escola Normal nas duas primeiras décadas do século XX. (A UNIÃO, quintafeira, 01 de junho de 1933. p. 03).
A APPF teve vida relativamente longa, perpassou a década de 1930 e parte da
década de 1940, atuando intensamente até 1937, época em que começava a perder
gradativamente o espaço na imprensa oficial, a coluna quinzenal “Página Feminina”,
publicadas no jornal A UNIÂO. O golpe dado por Getúlio Vargas e a instalação do “estado
de exceção” impuseram forte censura na mídia impressa, diminuindo o espaço a conteúdos
políticos alheios aos então estabelecidos pelo Estado Novo.
48 Primeiro grupo escolar a funcionar na Paraíba, no período de expansão dos grupos escolares, que se estendeu de 1916 a 1929, quando foram criados 14
grupos escolares no estado, cinco dos quais localizados na capital.
63
Após as conquistas políticas expressas na Constituição de 1934, as ações da APPF
voltam-se quase que completamente a fins assistencialistas, ao mesmo em tempo que
assumia também a tarefa educar as jovens para atuarem em projetos de igual cunho. Porém,
é bom destacar que o deslocamento da luta política para as obras assistenciais, se tomado de
forma bastante cuidadosa, percebe-se que a benemerência (ou filantropia) parecia ser para
muitas mulheres do início do século XX uma das formas legítimas de intervenção e
promoção do bem-estar social, bem como de salvação da pátria. Nesse sentido, a atuação
política de Analice Caldas nessa associação, é tomada como algo que articulava política e
atividade filantrópica, algo que denominado de responsabilidade social, uma vez que as
sócias viam as tarefas de benemerência como um atributo social e político.
Segundo pesquisas de Vieira49, na década de 1940, as únicas filiais da F.B.P.F.
sobrevivente das regiões do Norte e Nordeste eram a Filial da Bahia. No entanto, a da
Paraíba também sobreviveu metade dessa década. Foi mantida a sede no prédio da
Associação Paraibana de Imprensa (API), onde os encontros mensais já não eram tão
regulares, mas continuavam acontecendo e sendo registrados em ata. As eleições seguiam
sua periodicidade – de dois em dois anos, elegia-se a diretoria – e o contato com o Rio de
Janeiro e outros estados era feito através de constantes telegramas.
Analice Caldas fez parte de todas as direções da entidade, mostrando-se uma
ardorosa militante em prol da causa feminista brasileira, sendo eleita presidente para a
gestão de 1943/45, quando faleceu ainda neste cargo, em (15) de fevereiro. Após sua morte,
cessaram-se as atividades da associação, restando apenas a filial do Rio de Janeiro que
perdurou até a década de 1970.
No que se refere as práticas políticos e educativos propagados pela entidade,
entendidas como expressão significativa do movimento feminista brasileiro, Analice Caldas
e tantas outras mulheres de sua época se propuseram a defender ideais como: a elevação do
nível de instrução feminina, proteção materna e da infância, obtenção de garantias para o
trabalho feminino, estímulo ao interesse da mulher nas questões sociais, assegurar os
direitos políticos paras as mulheres, e o preparo educacional para o exercício da
inteligência. (A UNIÃO, terça-feira, 07 de fevereiro de 1933, p.08).
49 Do artigo: Os feminismos latino-americanos e suas múltiplas temporalidades no século XX ST. Claudia Andrade Vieira. UNEB/UFBA. Palavras-chave:
feminismo; política; movimento feminista.
64
Para tanto, utilizo como fonte os textos publicados pelas sociais da APPF, entre os
anos de 1933 a 1945, buscando um caminho que me leve a conhecer a trajetória da
biografada no cenário no político feminino. Pois, recompor parte dessas memórias,
configuradas a partir da singularidade de cada uma (de suas militantes) dessas mulheres
que fizeram parte da APPF, consiste em conectar as histórias conhecidas às tramas e ao
enredo de Analice Caldas, quebrando assim, o silêncio imposto pela narrativa oficial,
tornando-as também personagens de nossa história. Os registros que essas mulheres
deixaram acerca do significado que atribuíram às suas lutas e ao ser feminista, publicados
no órgão oficial do Estado, são extremamente ricos. Indicam a maneira como se
apropriaram e reelaboraram os discursos produzidos com o intuito de normatizar a
sociedade e, especialmente, o comportamento feminino, e conseqüentemente definir o
lugar que as mulheres deveriam ocupar no conjunto social, ao traçar a linha de separação
entre as esferas pública e privada.
Por sua vez, o uso da imprensa como meio de divulgação de suas idéias, era uma
forma de despertar as paraibanas para se engajarem no processo de valorização da mulher e
de suas conquistas políticas. Através da “Página Feminina” - editada quinzenalmente pelo
jornal A UNIÃO - as sócias publicavam poesias, contos, artigos e divulgação de eventos,
campanhas e cursos promovidos pela associação, colocando em discussão assuntos comuns
às mulheres, trazendo noticias de personagens que se destacavam em outros Estados e
outros países.
Alias, já na década de 1920, a imprensa nacional e local, já publicava artigos e mais
artigos sobre esse assunto. Nessa época, a revistas Era Nova uma das primeiras a publicar
artigos (tanto a favor como contra), colocava nas suas paginas, a discursão do voto
feminino, na pena de algumas personalidades intelectuais femininas, a exemplo das
intelectuais Eudésia Vieira, Analice Caldas, Lylia Guedes, etc. A atuação na imprensa não
só serviu para o despertar de consciência política, mas, principalmente, para despertar a
opinião pública, com a qual conseguiam organizar, aliando-se ao povo, como, por exemplo,
as campanhas em apoio ao presidente João Pessoa em 1930, com a arrecadação de fundos e
de munição para as lutas de Princesa, uma vez que fora negado à Paraíba a autorização para
65
compra de material bélico que iria municiar a policia e propiciar a defesa da autonomia do
estado19.
Possibilitou, também, uma visibilidade no âmbito público, estabelecendo
questionamentos de ordem ideológica, política educativa e filantrópica, na medida em que
defendiam questões relativas à família e à elevação cultural da mulher. Nesse sentido, a
história do movimento feminista paraibano, sua relação com a inserção das mulheres na
sociedade e nesse espaço oficial chamado Escola e seus reflexos nos dias de hoje, pouco ou
nada se tem. Portanto, trazendo tais analises à tona, propomos apontar algumas pistas para
um aprofundamento dessas questões, que no âmbito de conflitos e contradições ideológicas,
impregnaram os debates na educação brasileira, particularmente, a paraibana, no contexto
do pós 1930.
A política de saias
Para compreender a participação política das mulheres na Paraíba, é importante
compreender os anos de 1920/30, cenário de grande efervescência política de cultural.
Movimentos como o Tenentismo51, o Modernismo52, a criação do Partido Comunista
Brasileiro53 e, o crescimento do Feminismo, são marcos desse momento. A respeito dessa
questão, ressalta Machado (2006 p.35).
Na década de 1930, era visível a necessidade de organização de um novo
Brasil, urbano, industrial, de classe média ascendente e proletariado em
formação, como contraposição aos privilégios dos dirigentes estreitamente
vinculados ou oriundos do mundo rural/agrário. Por isso, havia um nítido
descompasso entre a realidade socioeconômica do país em expansão e a
19 A campanha da bala, que logo foi estendida para quinzena da bala (doação de munição à policia do estado) mobilizou muitos jovens, a maioria estudantes
do Liceu e alunas do magistério da Escola Normal e do Colégio Nossa Senhoras das Neves, constituiu-se um exemplo emblemático desses fatos.
51 Tenentismo foi o nome dado ao movimento político-militar e à série de rebeliões de jovens oficiais (na maioria, tenentes) do Exército Brasileiro no início
da década de 1920, descontentes com a situação política do Brasil. Embora não propugnassem nenhuma ideologia, os movimentos político-militares
propunham reformas na estrutura de poder do país, entre as quais se destacam o fim do voto de cabresto, instituição do voto secreto e a reforma na educação
pública.
52 Chama-se genericamente modernismo (ou movimento moderno) o conjunto de movimentos culturais, escolas e estilos que permearam as artes e o design
da primeira metade do século XX. Apesar de ser possível encontrar pontos de convergência entre os vários movimentos, eles em geral se diferenciam e até
mesmo se antagonizam.
53 O Partido Comunista Brasileiro foi fundado na cidade de Niterói a 25 de março de 1922 por nove delegados representando cerca de 73 militantes de
diferentes regiões do Brasil.
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máquina centralizadora, emperrada, herança de uma cultura política do
Estado Imperial.
Nessa década ascende uma nova elite urbana. Nesse contexto, o país vinha, há
algum tempo, dando sinais de que já se estava exaurindo o poder político das lideranças
oligárquicas que o dirigiam. Nos níveis municipal, estadual e federal, externava-se uma
crise de insatisfação com a incapacidade do governo central em corrigir os males de uma
economia agrícola, baseada em um único produto econômico – o café – e voltada
exclusivamente para a exportação. Segundo Gurjão. (1994, p.32).
Com a crise de 1929, “a Grande Depressão” (quebra da bolsa de valores
de Nova York), a situação econômico-financeira do Brasil foi agravada.
Tal fato, inter-relacionando à conjuntura interna, culminou com a eclosão
da Chamada Revolução de 1930, apontada como responsável pelo fim da
velha república oligárquica e emergência de uma nova, isenta dos “vícios”
da política dos “coronéis”.
Assim, em função dessa e de outras contingências históricas, a “Revolução” de
1930 fundamentou-se nas ações e no ideário de setores da nova elite urbana do país, no
contexto de maior ênfase nacionalista. O pós 1930 liberou potencialidades econômicas em
todo o território nacional, sem, no entanto, alterar a estrutura agrária baseada no latifúndio.
Mesmo assim, seus desdobramentos sociais se constituíram num marco irreversível da
história brasileira do século XX.
O ano de 1930 marcou profundamente a sociedade brasileira e, em especial, a
sociedade paraibana, conseqüência de uma série de tensões e conflitos de representações na
estrutura institucional. O desfecho político do movimento revolucionário de 1930,
desencadeado após o assassinato de João Pessoa, resultou na ascensão do grupo ligado ao
intelectual e jurista José Américo de Almeida54, um dos remanescentes políticos do
epitacismo, inaugurando assim, um período que na historiografia política paraibana tem
sido denominado de americismo.
A luta de 1930, na Paraíba, não foi um conflito entre ricos e pobres, e sim, uma luta
entre dois grupos oligárquicos pelo poder. Após esse acontecimentos, a Paraíba passou a
ser administrada pelos “tenentes civis”, deixados por José Américo. O primeiro, Antenor
54 Escritor já então consagrado nacionalmente, não só pelo romance “A Bagaceira” mas principalmente pela obra “A Paraíba e seus Problemas.
67
Navarro, morreu tragicamente num acidente de avião em abril de 1932, em seu lugar ficou
Gratuliano Brito, que havia sido seu secretario de Interior, até 1935, quando, com a volta da
Paraíba ao regime constitucional, Argemiro de Figueiredo é eleito e empossado governador
pela Assembléia Legislativa do Estado.
A união dos mais diversos grupos políticos em torno da bandeira da Aliança Liberal
e, particularmente aqui na Paraíba, em torno da figura de João Pessoa até o desfecho de sua
morte, estopim da revolução de 1930, fez reascender o debate sobre a predominância do
centralismo oligárquico, uma vez que grande parcela excluída da população, entre as quais
a mulher, reivindicando mudanças efetivas no sistema político e governamental do país.
Nesse sentido, ressalta Machado (2005 p.27):
(...) a configuração política inovadora propagada pela Aliança Liberal, em
toda parte do país, através de empolgante campanha, conseguiu conquistar
a adesão de segmentos urbanos significativos na sociedade, tais como os
estudantes, professores, profissionais liberais e outros formadores de
opinião descontentes com os núcleos oligárquicos hegemônicos da
República Velha, ou seja, os mineiros e paulistas.
A campanha da Aliança Liberal trazia em seu programa bandeiras inovadoras, entre
os principais estavam o voto secreto, o voto feminino, a institucionalização da justiça do
trabalho, a lei das oito horas e a Justiça Eleitoral, que até então não existia, pois, como não
havia tribunal eleitoral, as eleições eram feitas numa sala qualquer – a princípio, nas
sacristias das igrejas e repartições publicas. Segundo Santana (2000), o que as mulheres
reivindicavam (os direitos políticos) era tão-somente um direito defendido, em tese, pelos
idéias liberais, que ganhou força por ocasião da campanha presidencialista da Aliança
Liberal e a campanha constitucionalista iniciada no país em meados de 1931, já contando
com a participação de diversas personalidades feminina engajadas nos seus quadros
políticos.
Com a vitória da “revolução tenentista”, as mulheres passam a ocupar os escassos
espaços da cena de poder da época, propagando idéias inovadoras e articuladas ao debate
feminista em voga na época, demonstrando uma evidente tática de inclusão nos espaços que
a sociedade, aos poucos, possibilitou-lhes ou acabou cedendo. O movimento que tomou
corpo no Brasil no final da década de 1930, ou seja, os ideais propagados pelos liberais, de
norte a sul do país, se revestiram de uma forte amplitude popular, formando um novo grupo
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social organizado e constituído, portanto, de um efetivo sentimento de participação de
representantes desses novos grupos sociais em todos os campos da evolução da vida do
país, através dos mais diversos canais políticos que estavam se constituindo naquele
contexto. (MACHADO, 2006).
Na Paraíba, a união das mulheres, constituído em sua grande maioria por estudantes
e professoras, em torno da “figura” de João Pessoa, seduzidas pelo discurso carismático e
inovador, passaram a integrar os chamados comitês femininos pró-Aliança-Liberal, a
exemplo da Cruzada Feminina Liberal Clara Camarão, em Campina Grande e o Comitê
feminino Presidente João Pessoa, na Capital, assim como em outros municípios. Ao longo
de todo o período da campanha, os comitês cumpriam atividades de acordo com o
calendário eleitoral em curso, orientado exclusivamente para as mobilizações das mulheres
junto às escolas, a igreja e diversos espaços urbanos. A intensificação dos comitês
femininos era uma das metas da campanha e constituíram-se verdadeiros espaços de
propaganda, ou seja, em um instrumento eficiente da divulgação das bandeiras liberais na
Paraíba. Como ressaltava a professora Apolônia Amorim20 em discurso proferido por
ocasião da fundação da Cruzada Clara Camarão em Campina Grande. (A UNIÃO, sextafeira 10 de janeiro de 1930).
O actual momento político do Brasil não comporta o indifferentismo de
ninguém; estamos diante de um movimento de renovação de costumes,
em que patriotas obnegados se dispuzeram a mudar esse regime de
compreensão em que vivemos desde a fundação da república. (...) Se não
podemos concorrer como votantes, ao menos concorramos com a nossa
assistência moral ao bravo Presidente João Pessoa.
Ao reduzir a escala de observação para a atuação de Analice Caldas, tambem uma
admiradora e incondicional seguidora de João Pessoa, sempre vista à frente das
entusiásticas recepções preparadas às Caravanas de Aliança Liberal que, freqüentemente,
percorria em alucinada vibração manifestações públicas por toda Paraíba. Sobre esta
20 Apolônia Amorim nasceu em Barra de Santana, Cabaceira, em 09 de fevereiro de 1904. Foi professora formada pela Escola Normal, Em 1930, fez parte
do movimento da Aliança Liberal, a frente das Campanhas Cívicas em apoio a João Pessoa, através do Comitê Clara Camarão em Campina Grande e na
Intentona de 1935, em repúdio à Lei da Segurança Nacional. Contribui com vários artigos de cunho político e social nos Jornal A UNIÃO e A IMPRENSA
na Página Feminina, falecendo no Rio de Janeiro em 1949.
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questão, Tavares (1975) afirma ter sido Analice Caldas uma das idealizadoras da
Campanha dos Mil Reis Liberais, em que os paraibanos foram chamados a aderir a causa,
concorrendo com tal quantia para ajudar o Governo do Estado a adquirir munição para a
sua constante luta política de Princesa.
Foi de Analice Caldas, após a tragédia que vitimou o Presidente da Paraíba, a
iniciativa de criar o Centro Cívico “Presidente João Pessoa”, onde, juntamente com outras
“senhoras e senhorinhas ilustres da sociedade”, promoveu varias campanhas e
comemoração cívica em homenagem ao presidente assassinado. Foi dela, também, a idéia
de erguer na cidade um “Arco do Triunfo”, monumento em homenagens ao presidente
assassinado e a revolução de 1930, “idéia que, por motivos alheios a sua vontade, não
chegou a se tornar realidade”, diz Tavares (1975, 43) destacando noticiários da época: “A
primazia da ereção de um arco de Triunfo ao grande presidente João Pessoa coube à
senhora Analice Caldas, que a lançou numa reunião da antiga commissão do nego, em
outubro do anno findo”. (A UNIÃO 1931, p. 08).
Desse modo, a presença das educadoras na década de 1930, em sua maioria de
classe média e alta, nos comitês femininos em apoio a Aliança Liberal Getúlio Vargas/ João
Pessoa, configuraram-se enquanto espaços de visibilidade política da mulher paraibana, à
medida que passaram a registrar na história certa consciência tática de participação no
território público e na cena política, o que, conseqüentemente, propiciou alavancar os
debates sufragistas femininos, sugerindo alterações na legislação eleitoral brasileira em
curso e na própria organização cultural da sociedade.
Se esses dados podem sinalizar os limites do movimento, pode, também, apontar o
nível de conscientização e comprometimento dessas mulheres com determinadas
mudanças, considerando o nível de sua exposição pública e o tipo de crítica, censura e
reprovação que sofreram e souberam enfrentar – situação que, certamente, vivenciaram
com muita dificuldade por não terem sido educadas para tamanhos desafios, ainda que
encontrassem algum apoio dos seus familiares no que tange às suas escolhas.
Ao analisar o conteúdo dos textos e artigos da APPF publicados no Jornal “A
UNIÃO”, é possível estabelecer uma nítida conexão político-ideologica do movimento
com as iniciativas de poder que vigoraram nos primeiros anos do governo “revolucionário”,
70
como mostra o artigo - Especial da U.B.I. para a União - sobre As conquistas actuaes da
mulher. (A UNIÃO, 15 de março de 1933. Número 60. p.8).
As mulheres estão, aos poucos, conquistando as mesmas prerrogativas dos
homens. Nós éramos um dos povos que teimávamos em lhes negar a
equiparação que ellas reclamam exhibindo uma verdadeira multidão de
argumentos. A Revolução de trinta, deu-lhes direitos quasse iguais aos dos
homens. De sorte que hoje não é nenhuma estranheza surprehender uma mulher
no desempenho de qualquer missão que há, alguns meses atrás, privativa dos
homens.
Chama atenção no referido texto (Especial da U.B.I. para a União), a excessiva
apologia ao regime deflagrado em outubro de 1930. O Governo Provisório, liderado por
Getulio Vargas, auto se definia como um poder passageiro na vida política do país, havendo
de ser substituído pelos legítimos representantes da nação - segundo determinasse a
Assembléia Nacional Constituinte. A revisão da legislação eleitoral e a elaboração de um
novo código eleitoral, compromisso assumido por Getúlio Vargas, constituíram um dos
atos políticos mais importantes do Governo Provisório. O Decreto nº 21.076, de 24 de
fevereiro de 1932, regulamentava o alistamento e o processo eleitoral no país, nos âmbitos
federal, estadual e municipal, trazendo uma série de inovações, dentre as quais se destacava
o estabelecimento do sufrágio universal e secreto. Mais ainda, o novo código ampliava o
corpo político da nação, concedendo o direito de voto a todos os brasileiros maiores de
vinte e um anos, alfabetizados e sem distinção de sexo. As mulheres brasileiras adquiriam
assim, pela primeira vez e após árdua luta, a cidadania política, contribuindo para o
aumento significativo do número de votantes no país. A partir daí, o movimento feminista
começou a tomar corpo.
Entretanto, o feminismo brasileiro não teve as mesmas características do movimento
de massas nem a radicalidade a que chegou o movimento Inglês e dos Estados Unidos.
Segundo Toscano & Goldenberg (1992), o feminismo no Brasil, não foi uma reprodução
pura e simples de modelos estrangeiros e que suas especificidades só podem ser entendidas
no contexto de nossa formação histórica e de nossa situação de dependência em relação aos
centros hegemônicos a que estivemos atrelados, desde o inicio da colonização. (Idem p.25).
A escravidão, a tardia emancipação do centro de dominação, o modelo fundiário
imposto pelo colonizador português e a influencia da Igreja Católica como força
71
política e instrumento de controle social são, a nosso ver, elementos que
permitem melhor entender as peculiaridades do feminismo em nosso país. Esses
elementos são os fatores mais diretamente responsáveis pelo patriarcalismo, pelo
paternalismo, pelo conservadorismo e pelo machismo Brasileiro.
O feminismo brasileiro enquanto movimento organizado iniciou-se por volta de
1910, quando a professora Leolina Daltro e outras feministas, entre elas, a escritoras Gilka
Machado, fundaram na então capital federal, o Partido Republicano Feminino, com o
objetivo de ressuscitar no congresso Nacional o debate sobre o voto da mulher, negado pela
Constituição de 1891. Esse grupo de feministas adotou uma linguagem política de
exposição pessoal diante de críticas da sociedade, realizando manifestações públicas que
não foram tratadas com indiferença pela imprensa e os leitores. O Partido Republicano
Feminista teve o mérito inegável de lançar, no debate público, o pleito das mulheres pela
ampla cidadania.
As ações das feministas, voltadas para conquistas de direitos políticos para a
mulher, intensificaram-se em torno de 1918, quando Berta Lutz e um grupo de
colaboradoras criaram, no Rio de Janeiro, uma organização chamada Liga para
Emancipação Intelectual da Mulher que, posteriormente, passou a denominar-se Liga pelo
Progresso Feminino. Em 1922, devido a novas táticas de luta e adesão de mulheres de
outros estados às idéias da entidade, a então Liga pelo Progresso Feminino passa a se
chamar de Federação das Ligas pelo Progresso Feminino (em 19 de agosto de 1922).
Neste mesmo ano, organizou-se o I Congresso Internacional Feminista, no Rio de Janeiro,
motivado pela participação de Bertha Lutz, na Conferência Pan-Americana de Mulheres,
realizada em Baltimore, Estados Unidos, passando novamente a muda de nome, tornandose a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, e uma referência do movimento
feminista brasileiro na primeira metade do século XX, organização que inspirou diversas
outras a serem fundadas no Brasil, com o intuito de levar adiante a luta pelos direitos
políticos. A partir daí, o feminismo, enquanto movimento, passou a conquistar adeptos e a
se espalhar por outros centros urbanos além do Rio e São Paulo.
Dessa iniciativa também tomou parte a pedagoga mineira de classe média Maria
Lacerda de Moura -1887/1945 – (LEITE, 1984), que por divergências de idéias acabou se
afastando do grupo, passando a se aproximar das feministas influenciadas pelo movimento
operário anarquista e por uma ideologia de vida mais avançada para as mulheres. Foi
72
também presidente da Federação Internacional Feminina, fundada em Santos e São Paulo.
Em 1921, esta federação inseriu em seus estatutos a proposta de modificação do currículo
de todas as escolas femininas, incluindo a História da mulher, sua evolução e missão social.
Tornou-se uma escritora polêmica, trabalhando na imprensa operária e questionando em
seus livros os padrões de comportamento impostos às mulheres, pregando o amor livre e
negando a maternidade como destino inevitável. Maria Lacerda de Moura foi uma mulher
que desafiou todas as formas de poder tradicional que partiam da Igreja, do Estado, das leis,
da escola e da família. Sua obra ficou conhecida em toda a América Latina. Entre as
anarquistas, estão Tereza Fabri, Teresa Carini e Maria Lopes, que se destacaram em São
Paulo, quando elaboraram um manifesto conclamando as costureiras a lutar pela redução da
jornada de trabalho e acesso à educação. Em 1917, na greve geral de São Paulo, houve uma
participação importante das operárias têxteis.
Do lado dos comunistas, Laura Brandão e Maria Lopes integravam o Comitê das
Mulheres Trabalhadoras, e foram lideranças importantes, que agitavam nas portas de
fábrica atraindo operárias para seu movimento, tentando aproximar o operariado feminino e
o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 1919 aconteceu a histórica greve de costureiras,
lideradas pela paulista Elvira Lacerda que foi sua fundadora - junto com outras lideranças
como Carmem Ribeiro e Noêmia Lopes - da União das Costureiras, Chapeleiras e Classes
Anexas, que em 1920 participou do Congresso Operário Brasileiro. (HAHNER, 1981).
A sufragista gaúcha Natércia da Silveira, outra dissidente da Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino, fundou, em 1931, a Aliança Nacional de Mulheres, que prestava
assistência jurídica à mulher. A Aliança chegou a ter três mil filiadas, mas foi fechada pelo
golpe de 1937, que aboliu as liberdades democráticas e abortou as organizações políticas e
sociais do país. (PINTO, 1992).
Havia ainda a ala ligada a Igreja Católica, haja vista que para alguns segmentos da
sociedade, a Revolução de 1930 acenara com a possibilidade de a Igreja Católica vir a
recuperar espaços e poder sobre a vida política e sobre a sociedade civil, perdidos desde
que a República liberal se instalou no Brasil. Nesse sentido, essa associação apresentava
um viés mais do que conservador e reacionário. O mundo católico reagia, mobilizava
esforços, arrebanhava suas ovelhas e conclamava-as à luta, organizando ou estimulando o
surgimento de associações femininas, a exemplo da Liga Eleitoral Católica e da Cruzada de
73
Educadoras Católicas. Essas organizações são apenas alguns exemplos da atuação de
muitas mulheres, infelizmente anônimas para a história oficial, embora tenham ousado em
suas formas de organização. (COELHO, 2002).
Contudo, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino teve um dos papéis mais
importantes na conquista do sufrágio feminino e, por extensão, na luta pelos direitos
políticos da mulher. Destacou-se, também, como a organização feminista com maior
inserção nas esferas de poder da época. Durante sua existência, suas militantes escreveram
na imprensa, organizaram congressos, se articularam com políticos, lançaram candidaturas,
panfletaram em aviões, representaram o Brasil no exterior.
Nesse cenário, a presença das mulheres cada vez mais no mercado de trabalho, sua
entrada nas escolas publicas e sua participação nos círculos intelectuais já eram fatos
irreversíveis. No entanto, a resistência de certos segmentos da sociedade quanto ao voto
feminino encontrava apoio entre homens e mulheres mais conservadores, que elegiam a
tese que a família estaria ameaçada de extinção caso tal direito fosse aprovado. Para muitos,
inclusive mulheres, as recentes conquistas femininas na política, no direito, no trabalho,
representavam uma ameaça.
Mais que uma possível e indesejada concorrência com o elemento masculino nos
domínios agora compartilhados, os quais temiam que as novas ocupações as fizessem
desinteressar-se pelos assuntos domésticos. Temiam a desestruturação da família, célula
mater da sociedade, a desintegração do lar, a desmoralização dos costumes, o abandono dos
princípios éticos e religiosos católicos. Sobre essa questão posicionava-se o articulista Luiz
Baptista. (A UNIÃO, 19 de outubro de 1932. p.5):
(...) Isso não é certo. A verdadeira missão da mulher é o lar e está muito
longe da que vem sendo pregada diariamente por ahi a fora. (...) O que
seria de nós homens, se o feminismo retornasse uma realidade? Quem
dirigiria a nossa casa? Quem tornaria contra nossa prole e dos nossos
interesses particulares? Os nossos filhos seriam entregues as amas
mercenárias e á fauta de visão arguta das mães. (...) A verdadeira missão
da mulher é o lar e está muito longe da que vem sendo pregada
diariamente por ahi a fora.
Esse depoimento publicado no jornal local traz elementos que ajudam a recompor o
quadro de referências e valores culturais em que se pautavam as discussões sobre as novas
conquistas femininas. A situação da mulher na paisagem social brasileira era fruto de
74
preconceitos ainda predominantes no meio sociocultural, em que lhe era negado o direito de
contribuir de qualquer modo para o bem da pátria comum. Procriar, educar os filhos para
bem servir à pátria e encarregar-se da administração e economia domésticas, eis as
atividades que a sociedade e os valores tradicionais haviam reservado às mulheres,
confinando-as ao espaço da casa e da vida privada.
Se tal situação apresentava sinais de mudanças, visíveis nas grandes capitais
brasileiras, especialmente, nas da atual região Sudeste, o mesmo não acontecia nas cidades
de menor porte e menos urbanizadas do país. Mesmo no Recife, a terceira cidade do Brasil
da época, em termos de população e de economia, as mulheres diziam encontrar resistência
para se impor profissionalmente, em ambientes para além do recôndito do lar. Dessa forma,
cabia aos defensores da igualdade de direitos entre os sexos e favoráveis ao despertar de
uma nova mulher, formular argumentos que rebatessem pontos de vistas que tinham por
intento o contrário: provar e manter as desigualdades entre homens e mulheres.
Argumentos que repercutiam nas demais esferas da vida sociocultural, alcançando as
integrantes dos movimentos femininos e os que simpatizam com a causa das mulheres.
Albertina Correia Lima, umas das primeiras paraibanas a se forma em direito e
também sócia fundadora da APPF, falava em seus artigos da necessidade de uma ação
intensa em prol do ideal que congregava sobre o mesmo lábaro de reivindicações
femininas, que então se procedia nos outros Estados e em todos os países cultos, com
“felizes resultados”. Falava também da dificuldade de desarraigar hábitos inveterados,
através de séculos, e que não é fácil como pode parecer, pois, a mentalidade do povo
envolve e se modifica com lentidão. (A UNIÃO, 04 de abril de 1936. p. 05).
E as idéias novas, por mais elevadas que sejam, são como as sementes
que, mesmo boas, precisam de terreno propício para a conveniente
mudança (...) Por isso toda ação voltava-se em elevar o nível “mental
feminino”, pois com o espírito esclarecido pela instrução, a mulher terá a
nítida visão do seu valor e do papel a desempenhar na civilização atual.
Tem sido essa a nossa tarefa.
Assim procedia também, por exemplo, a paraibana e educadora Alice Alfredo
Monteiro, quando dizia que a mulher adquiriu com o correr dos tempos à cultura letrada,
que antes era propriedade exclusiva do homem (A UNIÃO, 15 de abril de 1936. p. 04). Do
mesmo modo, Albertina Correia Lima expunha seu pensamento sobre a questão, com muita
75
clareza e objetividade, anos antes: "A mulher brasileira deve ali representar-se não só para
defender seus direitos, tanto tempo esquecidos, como para afirmar mais vitoriosamente sua
capacidade mental". (A UNIÃO, 18 junho de 1933. p. 4).
De inicio, a luta pelo voto foi uma bandeira típica da classe média e da burguesia,
levantada por mulheres mais cultas, que tinham acesso ao noticiário internacional e para
quem essa luta era uma demonstração de modernidade e progresso. Segundo Nunes (2003)
na linha de frente das articulações políticas, como poucas da época, a Associação Brasileira
pelo Progresso Feminino (A.B.P.F.) e as várias associações de mesmo caráter que iam
surgindo em todo país, utilizavam desde táticas de lobbying (pressão sobre os membros do
Congresso), a divulgação de suas atividades pela Imprensa, para a mobilização da opinião
publica.
O momento político era de indefinições. Getúlio Vargas buscava manter o controle
sobre o processo de constitucionalização em curso no país. Segmentos e grupos sociais
mobilizavam-se, procuravam organizar-se politicamente e partidariamente, em função de
interesses mais gerais ou específicos de classes, frações de classes, grupos ou categorias.
Discutia-se o destino do país, projeção que, inevitavelmente, assentava-se sobre uma
revisão crítica do passado representado pela República Velha. Dos debates políticos,
participava agora, e por direito, a mulher. Porém, ainda que reconhecido o direito de
ingressar na vida política do país, através do livre exercício do voto ou como candidata às
eleições, sua participação ensejava inúmeras reações negativas, que iam da pura e simples
contestação ao questionamento sobre sua capacidade intelectual para bem cumprir tal
desiderato.
As militantes da ABPF se articulavam para participar na elaboração da nova
Constituição, promovendo assim, três congressos feministas nacionais. O primeiro foi no
Rio de Janeiro, com o nome de I Congresso Internacional Feminino59 onde, segundo
informações nos jornais (A UNIÃO – Domingo, 23 de maio de 1937. p. 01), compareceram
representantes de 20 paises estrangeiros, inclusive um destaque para a “Miss Allen” –
Chefe da Policia Feminina de Londres - da delegação Oficial da Inglaterra, que veio
acompanhada de duas agentes.
59 Nove anos depois (1922), da realização no Rio, da 1ª Conferência pelo progresso feminino.
76
Em 1934, ainda por decisão da federação, realizou-se, na Bahia, o 2º Congresso
Nacional Feminino, patrocinado pelo governador Juracy Magalhães. Desse congresso saiu
um novo programa de reivindicações legislativas, administrativas e sociais destinadas às
mulheres, servindo de paradigma à ação pública de todos aqueles que desejassem o apoio
das associações femininas confederadas e do eleitorado que elas representavam. Também
deliberaram: lançar candidaturas femininas à representação federal; apoiar e indicar nomes
femininos para exercer cargos de administração e do setor jurídico e, por fim, recomendar
apoio a outros candidatos que dessem apoio eficaz às reivindicações da “Mulher
Brasileira”. O ultimo, foi novamente no Rio de Janeiro em 1936, denominado de 3º
Congresso Nacional Feminino e se caracterizou pela discussão do Estatuto da Mulher e a
regulamentação dos dispositivos constitucionais que se referem ao trabalho feminino, além
das discussões sobre o papel da mulher no papel de assistência social.
Esses congressos tinham como objeto aglutinar forças nos mais diferentes recantos
do país, com base na forte negociação com o governo, na perspectiva de garantir o máximo
de conquistas possíveis. Desde o inicio, a direção nacional da ABPF manteve boas relações
com Getulio Vargas, tanto que Bertha Lutz foi nomeada para compor a comissão de
elaboração do anteprojeto da Constituição de 1934. Numa coluna da “Pagina Feminina”,
destaca-se uma entrevista da “poetisa, escritora e professora” pernambucana Edwirges de
Sá Pereira, presidente da Federação Pernambucana pelo progresso Feminino, ao jornal do
Recife70, ressaltando a “estrondosa vitória” que obtiveram as feministas, pela passagem de
todas as emendas favoráveis às suas aspirações, no projeto da constituição. (A UNIÃO, 19
de abril de 1934. p. 09).
(...) A mulher alcançou participação no governo e nos conselhos
thecnicos, direitos aos cargos públicos; direito a três meses de licença com
vencimentos integraes em caso de gravidez; igualdade plena quanto à
nacionalidade, cidadania, aos direitos individuais; salário igual para
trabalho igual além das garantias asseguradas pelo capitulo de ordem
social onde expressamente se estabelece que o serviço de amparo à
maternidade e à infância, bem como os referentes ao lar, ao trabalho
feminino, assim com a fiscalização e orientação das leis a elles
concernentes serão entregues à mulher habilitada.
70 Muitas reportagens eram reeditadas de outros jornais do país, estando sempre por dentro do que escrevia na época sobre o feminismo.
77
Conseguiram também frear a discussão sobre o serviço militar feminino, isentandoa, sem prejuizo dos direitos politicos, cabendo-lhe, de outra forma, a prestar serviço na
Cruz Vermelha, nas oficinas, nos laboratórios e, sobretudo, na substituição dos encargos do
chefe da familia, então mobilizado.
A criação de uma Associação Paraibana pelo Progresso Feminino, em 1933, reuniu
muita daquelas mulheres que participaram dos comitês femininos e que, desde então,
continuavam de alguma forma organizadas em torno dos congressos e convenções
feministas que se intensificaram no pós 1930, como deixa clara a coluna no jornal A
UNIÃO (12 de junho de 1931).
Hontem em Palácio, attendendo a convite da senhorita Analice Caldas
para resolver-se sobre a representação da mulher parahybana no primeiro
Congressso Feminino Mineiro que as realizará na cidade de Bello
Horizonte, reunira-se as Sras. Corintha Rosas Monteiro, Amélia Rosas
Rattacaso, Liliosa Paiva Leite, Dra. Catarina Moura Amstein, Alexandrina
Pinto Cavalcanti, senhorinhas Analice Caldas, Maria Daluz Bonavidez,
Maria Thercia Bonavidas, Geny Mesquita e Rita Miranda.
Sua primeira instalação da APPF foi no edifício da Escola Normal, cedido pelo
Interventor Gratuliano Brito e pelo diretor da escola, o cônego Matias freire. Anos depois,
passou a funcionar no prédio da Associação Paraibana de imprensa (API), da qual Analice
Caldas, também fazia parte.
Impasses da APPF com a igreja
Logo ao se espalhar a noticia da criação da referida associação, deu-se inicio o
“falatório” de certos segmentos da sociedade mais conservadora. A esse respeito, Beatriz
Ribeiro tece o seguinte comentário sobre os momentos que se seguiram à fundação de uma
“Associação Feminina” na capital. (A UNIÃO, 19 de abril de 1934. p.9).
Tal ocorrência provoca alaridos, o local como se diz comumente, ficou
um pé de guerra. Organizaram-se partidos. Pouco faltou para que fossem
vistos cavalos ajaezados, lanças em riste, numa plena demonstração de
idade média. [...] Em meio à tormenta, porém, deu-se uma coordenação de
elementos de ouvidos fechados a maus agouros. Em marcha estava a nova
cruzada.
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Ela se referia à indiferença de setores ligados à Igreja Católica, ao saber da fundação
de um “núcleo feminista” na capital. Beatriz Ribeiro era também umas das sócias
fundadoras da APPF. Essa autora foi escritora, com farta colaboração nos jornais de João
Pessoa e em muitas cidades dos Estados Nordestinos, a sua produção literária foi publicada
no jornal “A UNIÃO”, na década de 1930. Sua pena “prestimosa e amável”, seus escritos
bem elaborados, escreveu para o “Brasil Feminino” a Revista de Iveta Ribeiro que lhe
estampou o retrato. No dia 05 de agosto de 1936, assume o cargo de secretária da
Associação Paraibana de Imprensa –API - na posse da nova diretoria. No mesmo mês,
ingressou no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, em 23 de agosto de 1936, sendo
recepcionada pelo Historiador José Batista de Mello.
Em artigo publicado no Jornal A UNIÃO, (05 de abril de 1933), a bacharel em
Ciências Jurídicas e Sociais, Lylia Guedes, na época então primeira presidente da
associação feminina também escreve sobre essas “indiferenças” à APPF como oriundas de
certos padres e de outras associações femininas ligadas diretamente à Igreja.
Logo ao circular a noticia de nossa Installação, algumas associações
catholicas eram advertidas pelos seus directores espirituais de que a
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, com sede no Rio de
Janeiro, dirigida pela Dra. Bertha Lutz – sociedade por cuja iniciativa fora
fundada a nossa, pregava idéias contrarias ao catholicismo.
O motivo desse alarde era, a principio, o caráter leigo da Associação assumido
publicamente, se bem que não hostil à igreja, fato comum a todas as outras associações de
mesmo caráter no Brasil. Contudo, as representações presentes no imaginário da sociedade
sobre as idéias oriundas do movimento sufragista Europeu e Norte-Americano,
consideradas na época preocupantes, tornavam a APPF mal vista pelos seus adversários.
Segundo Tavares (1975), as tensões foram aliviadas pela atuação do próprio Arcebispo D.
Adauto. Segundo comenta o Cônego Francisco Lima no livro D. Adauto. (1959 p.199/200).
Chegou a questão ao Arcebispo, e este, tendo em vista os fins elevados da
Sociedade e o fato de não hostilizar ela a Igreja, exaltando-a pelo
contrario e reconhecendo-lhe a grande benemerência – apoiou
moralmente a Associação Paraibana para o Progresso Feminino, não
aprovando a campanha que se lhe fazia.
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Apesar do seu caráter leigo, a maiorias das freqüentadoras eram católicas, com um
número reduzido de adotantes de outros credos religiosos, “(...) suficientemente sincero e
coerente para tentar impor tagiversós de qualquer natureza”, dizia Beatriz Ribeiro. (A
UNIÃO, 19 de abril de 1934. p.9). A resposta sobre as intenções da APPF veio em tom
mais ameno pouco depois (artigo anônimo) no mesmo jornal. (A UNIÃO, Domingo, 25 de
abril de 1934. p. 3).
Confesso que recebi com certa reserva a noticia de que aqui se fundara
uma sociedade com o nome bombástico de “Pelo Progresso Feminino”,
supondo que a nova Associação erguer-se-ia sobre alicerces sufragistas...
[...] A emancipação feminina, nos moldes que certos lideres proclamam,
ainda não se casa aos novos costumes provincianos. [...] Vejo que fui
precipitado no meu juízo. “Sociedade pelo Progresso Feminino” nem está
destinada a essas cuminencias, nem paira na estagnação da superfície,
absorvida no misticismo que caracteriza o tipo de outras associações de
seu sexo. Fica no centro, fica naquele ponto onde se deve encontrar o
equilíbrio estável.
Mais à frente, fala-se das atividades beneficentes da associação. (Idem).
Mais tarde, quando em sitio apropriado, na segregação que a defesa social
impor, eles, os leprosos, estiveram na sua sociedade a pats, com asistência
e consolo que amenizam sua desgraça física, vorbindirão, minhas
patrícias, agradecidos pela compreensão que tiveste colaborando nessa
cruzada que agora se inicia.
Apesar da congruência aos princípios católicos, a APPF não contava com núcleo de
religião, distinguindo-se, assim, da posição adotada pela direção nacional da Federação
Pernambucana pelo Progresso Feminino, muito mais alinhada à Igreja Católica; fato que
está por merecer análise mais aprofundada.
Apesar do rotulo leigo, o caráter religioso era preponderante entre as sócias da
APPF e uma inestimável vantagem tática para obter o apoio dos diversos segmentos da
sociedade na luta pelos direitos políticos. Estas mulheres, de classe média baixa e alta,
escolarizadas, inteligentes, exercendo profissão fora do lar, pareciam como que
predestinadas a elaborar uma dupla missão: mostrar serem compatíveis às atividades do
mundo privado com as do público e reconciliar a política com a religião católica,
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reconduzindo esta última para o interior do Estado nacional, de onde havia sido vetadas
desde 1891.
O feminismo brasileiro
Os movimentos que eclodiram na Europa e nos Estados Unidos, isto é, a primeira
onda feminista como é conhecida, ainda causavam pesadelos nos homens e mulheres mais
conservadores do Brasil, bem representado nas falas das dirigentes da associação. Os
discursos das sócias demonstram uma grande preocupação em explicar o tipo de
feminismo adotado para que não fossem mal interpretadas, ou mesmo, para acabar com o
mal entendido em torno da palavra, a exemplo de Albertina Correia Lima. (A UNIÃO, 04
de abril de 1936. p. 05).
Confundir feminismo com emancipação social da mulher e com
fourierismo é erro tão crasso e inexplicável, como confundir socialismo
com comunismo e anarquismo. O verdadeiro feminismo não pretende
retirar a mulher do lar, [que ela tanto perfuma com a essência da virtude e
exaltação pela beleza moral].
Em outro artigo, após um ano de sua fundação da APPF, Beatriz Ribeiro escrevia
que: (A UNIÃO, 19 de abril de 1934. p. 9).
[...] está exuberantemente provado não ser a A.P.P.F. comunista. Nem
fascista. Nem hitlerista. Nem anti-clerical. Nada disso. Ainda não houve
discurso nas praças públicas em os quais fossem pregados a emancipação
social total das mulheres com a doação do vestuário masculino e outros
quejados prognósticos. Pelo contrário. A “Associação” prova que não é
ultrafeminista, ultimamente se bateu em prol do movimento tendente a
não incorporar a mulher ao serviço militar, cumulo de ridículo concebido
por obra e graça do General Góis Monteiro.
O ponto de vista das feministas paraibanas nesse assunto está bem claro nas falas de
suas principais lideranças e em consonância com o manifesto da “Federação Brasileira”,
isto é, que as mudanças no comportamento das mulheres não significavam uma ruptura
brusca e completa com o passado, com a forma de organização da vida social e com os
valores tradicionais que nortearam suas existências até então. Não viam incompatibilidade
entre ter uma casa, marido e filhos e exercer a cidadania política, materializada pelo
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exercício do voto livre, ou atuar profissionalmente fora do lar, temas que assustavam, haja
vista as perspectivas de mudanças que poderiam produzir. E concluía dizendo que: (A
UNIÃO, 19 de abril de 1934. p. 9):
A Associação Paraibana Pelo Progresso Feminino, tão falsamente
malsinado pelos romancistas de ultima hora, não pretende formar as
mulheres para as competições da vida exterior, nem tão pouco viva
rebuscando em alfarrábios a mulher maneira de lhes dar direitos num país
onde esta palavra é quase imaginaria.Tem em vista também contribuir
para o encanto e adorno do lar.
Uma outra articulista, Maria Falcone, falava a respeito da corrente especifica a qual
defendiam. (A UNIÃO, 17 de outubro de 1937. p. 02).
(...) Dist’ante, porém, duas correntes se forjaram neste sentido: a das que viam
nesse despertar de mulher, não a superioridade das forças phisicas, nem o
predomínio intellectual, apenas o termino de uma existência odiosa e subalterna
e uma solução capaz de levar a humanidade a uma completo equilíbrio social; e
outra a das que viam neste gesto de revolta um meio para sobrepujar a força
brutal do homem despindo-se de seus naturais encantos de mulheres doces,
cumpridora de seus deveres, amante do lar e das ternuras maternas, para se
transformar em tyranas abusivas, materialistas, machistas, etc
As idéias feministas que germinaram no Brasil refletiam os resultados da divisão do
movimento sufragista inglês, em dois grupos, as pacifistas cuja ênfase era a luta pela
participação maior da mulher na vida política e nos centros de decisão e as chamadas
suffragettes que, para isso, radicalizava cada vez mais sua atuação, passando a efetuar atos
de dano à propriedade e bens materiais como forma de chamar atenção para a causa. Ás
lutas pelo sufrágio feminino foram se somando a novas causas e, nesse contexto,
diversificam-se os segmentos de organização das mulheres. A “Federação Brasileira” e suas
filiais mantiveram na luta pelo voto seu foco principal de ação. Eram, em sua maioria,
mulheres bem formadas e com origem em famílias de elite. Suas fileiras foram engrossadas
por mulheres de classe média que tiveram acesso à educação.
Todo esse movimento dentro e fora da Paraíba causava um enorme “indiferentismo”
no “seio” da sociedade paraibana. Maria Lourdes Moura, também fundadora da A.P.P.F.,
destaca no artigo intitulado “A Eva do século XX” a existência de “uma má vontade
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inexplicável da sociedade em compreender as aspirações femininas”: (A UNIÃO.
Domingo, 24 de dezembro de 1933 – pág.12).
Presumem querer a mulher tomar os logares dos homens e usurpar-lhes os
direitos políticos, quando ela deseja, apenas, tornar-se sua melhor
companheira e mais preciosa auxiliar. (...) vai longe a época da nossa
antepassada, a mulher antiga, que vivia sob a tutela e a custa exclusiva da
atividade masculina. É uma, vaga lembrança a se perder no horizonte da
civilização, a era das nossas bisavós, a quem era vedado ocupar-se da
cultura das ciências e das letras, sendo condenadas a passar os seus
momento disponíveis na monotonia de um trabalho de “meia” e de
crochet, gastando os olhos numa renda de arabescos complicados, ou
então adorando um gato e um papagaio.
Ela se referia às mulheres do século XIX, época onde se distinguia claramente a
esfera pública e privada. De um modo geral, o mundo público, sobretudo o econômico e
político, destinado aos homens, cabendo às mulheres o âmbito privado do lar e do cuidado
das crianças. A sociedade do século XIX é, sobretudo, uma sociedade sexuada. Nesse
território, as mulheres, principalmente as burguesas, transitavam como ornamentos,
estritamente disciplinadas pela moda, que codificava suas aparências, roupas e gestos, por
que tinham a função de mostrar a fortuna e a condição do marido. Por outro lado, as
mulheres das classes populares só entraram em cena quando reclamavam do preço do pão e
precárias condições de consumo, provocando conflitos contra os comerciantes que
aumentavam, de forma exacerbada, o preço dos alimentos.
Já a “mulher moderna” ou a “nova mulher”, segundo ela Maria Lourdes Moura,
apercebendo-se de seu valor, compreendeu que podia prestar à humanidade outros serviços,
alem dos papéis de esposa e mãe; já não tinha que arcar com os sacrificantes misteres de
que se incumbia a mulher antiga em seu lar: tecer, fiar o linho e a lã, cozer o pão. A Eva do
século XX, já havia se inserido nos escritórios e repartições públicas, mostrando que não
era mais as “letras paradas” que só podiam ser descontadas por meio do casamento. “São
braços que trabalham e cérebros que pensam”, dizia ela: “não sendo mais a flor de estufa,
encerrando como pérola frágil na languidez dos castelos, a Eva da atualidade saía para o
campo, visitava exposições, freqüentava cinemas, circos e teatros”. (A UNIÃO. Domingo,
24 de dezembro de 1933. pág.12).
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O movimento feminista, na opinião da maioria de suas porta-vozes paraibanas,
possuía um papel moralizador, de colaboração para o engrandecimento da humanidade, a
evangelização da paz universal, elevação da família e aperfeiçoamento do lar. A
maternidade era tida por elas como a função primordial da qual a mulher não poderia se
furtar. E caberia às feministas saber conciliar as funções próprias da natureza feminina com
seus novos deveres públicos frutos da consciência adquirida na luta por reivindicações e
conquistas. Dessa forma, defendiam uma liberdade, que, no entanto, não devia ser encarada
sob o ponto de vista de independência ou emancipação social. A mulher continuaria como
sempre fiel ao papel de colaborar junto ao homem. A liberdade era a autonomia para
pensar, agir e possuir os mesmos direitos e deveres do homem.
As discussões que tomavam conta do país, sobre o direito ao voto das mulheres,
envolviam intelectuais de todos os lados. Numa palestra realizada no salão nobre do Liceu
paraibano, em 27 de outubro de 1933, sobre os “auspícios” do “Grêmio estudantil” Afonso
Campos, o historiador Horácio de Almeida questionava a vitória do feminismo. (A
UNIÃO. Domingo, 27 de outubro de 1933 – pág.11).
A decantada vitória do feminismo não passa de um sonho especulativo,
uma vontade que não sabe mover-se, uma idéia que não tem precisão nas
suas conquistas sociais, a mulher brasileira começou precisamente pelo
fim. Sem direitos civis assegurados, aventurou-se na conquista de direitos
políticos. De que lhe valem estes, se lhes faltam aqueles.
E conclui acrescentando (Idem).
Os direitos civis são fundamentos essenciais à independência da mulher.
Sem eles continuará a companheira do homem no doce cativeiro da vida
doméstica, a receber os madrigais de costume com que se vai pagando dos
sacrifícios, renúncias e sofrimentos que lhe enchem a vida.
De fato, a desigualdade judirica da mulher, expressa no Código Cível Brasileiro de
1917, colocava a mulher casada numa situação de visível contraste. Por outro lado dá-lhe o
direito ao voto, enquanto, por outro, a equipara ao “selvicola” ao “pródigo” e ao “púbere”.
Solteira ou viúva, a mulher maior de 21 anos goza plenitude dos seus direitos privados, o
mesmo não ocorre com a mulher casada que, embora maior, estava presa ao marido pelo
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jugo que provém do casamento, sofrendo por isso uma alteração para menos nos direitos,
que exercia amplamente antes de casar-se. A mulher casada estava num plano de
“lamentável inferioridade”. Não podia, sem autorização do marido, alienar, ou gravar de
ônus real os imóveis de seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens;
alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outrem; aceitar ou repudiar heranças ou
legado; aceitar tutela, curatela ou outros múnus públicos; litigiar em juízo civil ou
comercial, a não ser nos casos previsto na lei; exercer profissão; contrair enfim, obrigações,
que possam importar em alheação de bens do casal. (A UNIÃO, 7 de setembro de 1933
p.8).
Esse contraste era motivo discursões entre os críticos da Associação Paraibana pelo
Progresso Feminino, que lhes perguntavam se as mesmas aviam fixado sua atenção para o
caso, segundo o artigo “o que há é uma ostensiva limitação ao direito da mulher na
sociedade, uma profunda desigualdade entre ela e o seu companheiro de jornada terrena.”
Pois ao “invés de reagir contra a tirania da lei e liberdade da tutela do homem, apressa-se a
mulher em exercer o voto, ensaiando-se para expressar nas assembléias, onde sua voz não
tem eco. (A UNIÃO, 7 de setembro de 1933 p.8).
A Albertina Correia Lima, oradora da APPF, já havia atentado publicamente para
esse ponto, e dado sua interpretação, numa conferência lida ao microfone do “Radio Clube
da Parahyba”, a 20 do corrente mês, publicado no mesmo jornal. (A UNIÃO, quarta-feira,
22 de fevereiro de 1933).
Minhas Senhoras: - Meus senhores – A questão dos direitos civis e
políticos da mulher é ponto controvertido nas legislações dos diferentes
Estados. Essa controvérsia significa que a situação jurídica feminina é
anômala em alguns países. Há, porém, uma tendência natural, uma
impulsividade incoercível, para conseguir a anomalia, alias incompatível
com a concepção actual da vida. (...) O direito nasce de necessidades
sociais. Deve corresponder às aspirações colletivas. As leis e instituições
são productos da intelligencia humana. Estão em continuo progresso, em
continuas transformações, ou melhor. As instituições são resultados
naturais da experiência social no curso da evolução humana, como
conceito Inginiéros.
Subtende-se que, a atuação política das organizações femininas representadas aqui
na Paraíba pela APPF estava consciente da desigualdade jurídica, que historicamente
caracterizou as relações entre homens e mulheres na sociedade brasileira. A superação
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dessa “anomalia” nasceria naturalmente da necessidade da própria sociedade em superar tal
desigualdade, mediante as conquistas a serem obtidas. Segundo Albertina Correria: “A
nosso ver, estas restrinções, como as do direito civil estão revogadas com a extensão dos
direitos políticos à mulher”. (A UNIÃO, quarta-feira, 22 de fevereiro de 1933). Isto é, a
extensão dos direitos políticos se coloca com uma bandeira de luta que abriria caminho aos
direitos civis. Por outro lado, a ordem conjuntural estabelecida, exigia-lhes que prestassem
ao papel de defender incondicional do Estado Novo e do Novo Código Eleitoral (1932),
“bem mais liberal”, não estabelecendo condições para o sufrágio feminino, pois, como
vimos essa não era a bandeira de luta das feministas brasileiras. (A UNIÃO, quarta-feira,
22 de fevereiro de 1933).
À Nova Republica coube a gloria de solucionar o problema. Sobre a
assumpto, era nossa opinião já divulgada pela imprensa local: “o voto é a
legitima impressão da consciencia nacional. Para não perder sua alta
significação e finalidade, deve ser restricto às mulheres independentes
intellectual e economicamente, isto é, àquelas que possam fazer uso e
consciente desse direito”. (Grifo nosso) Não era uma seleção a fazer, mais
uma medida preventiva contra possíveis conseqüências do sufrágio
universal, se a mentalidade da mulher podesse corresponder ao apelo da
lei.
As questões em torno dos direitos políticos e civis, foram postas em discussão
intensivamente ao logo do período que antecedeu a constituinte de 1934, e o resultado da
luta só veio acontecer, em 1962, 28 anos depois do direito ao voto, com a lei 4121, e com a
aprovação do Estatuto Civil da mulher, equiparando os direitos dos cônjuges.
Conteúdo educativo da APPF
A problemática educacional defendida pelas militantes da APPF, haja vista grande
parcela das expoentes, serem educadoras, era compreendê-la como um direito fundamental
e inalienável e de contribuições inestimável para a elevação do nível de “mentalidade”,
principalmente das mulheres.
No programa educativo adotado pela associação vislumbrava-se a mesma
convergência de interesses no contexto da conjuntura político local e, que teve como
conseqüência a introdução de novas idéias educacionais – a exemplo da presença do
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escolanovismo, conjuntamente ao processo de expansão do ensino. Procurando desenvolver
o programa educativo, para elevar o nível da instrução feminina, a associação contava com
12 núcleos de trabalhos destinados às sócias e demais mulheres. São eles: literatura e
cultura da língua materna; brasilidade (geografia e história da pátria); francês; Inglês;
alemão; italiano; economia doméstica; cultura física; prendas domésticas; pinturas; Jogos
recreativos; músicas; beneficência e educação política – social (noção de direito usual). As
sócias se inscreviam no núcleo cujo assunto lhe interessava. Foi fundada, também, uma
biblioteca onde elas podiam encontrar leituras “sadias e instrutivas”, com grande cuidado
dispensado à cultura “physica e aos jogos recreativos para distrair e descansar a mente das
lidas intelectuais”, (A UNIÃO, 15 de março de 1933. p.8). Um sinal do empenho da citada
associação era defender a instrução como umas das armas mais poderosas para as
conquistas femininas.
O papel educativo foi preponderante nas práticas culturais da associação paraibana.
Logo que as condições permitiram, as sócias mantiveram uma escola para aqueles que, não
estando em idade escolar ou que trabalhando para a própria manutenção, não dispunham de
bastante tempo para estudar. (A UNIÃO, 15 de março de 1933. p. 8).
Destacava-se
também o núcleo de beneficência, que se responsabilizava por socorrer algum pobre com
certa regularidade, auxiliando ainda, moças pobres e mendicantes.
Cabe aqui destacar o núcleo de Brasilidade, este tinha como objetivo estudar mais
cuidadosamente a geografia e a história do Brasil. As sócias faziam viagem pelo interior do
estado para fotografar pontos pitorescos, pedras com inscrições que indicavam páginas da
nossa história, numa época em que ainda não se tinha um mapa que indicasse a divisão
geográfica dos municípios. Para facilitar os custos foi criada uma caixa de brasilidade como
atestam as palavras de Lylia Guedes no artigo, Conheçamos Nossa Terra. (A UNIÃO, 14
de fevereiro de 1934 p.8).
As contribuições da caixa de Brasilidade se destinarão ao fim patriótico de
explorar os nossos recantos, estudando ao mesmo tempo a sua fauna e a
sua flora. Trabalharemos e contemos com os governos. Eles nos ajudarão.
Contaremos também com o apoio dos prefeitos. È apenas uma questão de
iniciativa. A colaboração dos engenheiros das obras contra as secas nos
será inestimável. Há já uma boa fonte de estudos.
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No entanto, esse núcleo, juntamente ao de Educação, Política Social e Direito
Usual deixou de funcionar a partir da gestão de Albertina Correia, no biênio de 1935/36.
Por iniciativa da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, no terceiro congresso em
1936, organizou-se uma comissão de funcionárias públicas, composta por Olivina Carneiro
da Cunha, Analice Caldas de Barros, Francisca de Ascensão Cunha, Davina de Queiroz e
Beatriz Ribeiro, que planejava levantar as bases da “União das Funcionárias Públicas”, a
criar-se em todo o país, já contando na época com mais de 120 sócias em todo o Estado.
(ver onde eu posso explorar melhor esse aspecto).
Considerações sobre a APPF
A partir da segunda metade da década de 1930, começa um gradativo refluxo nas
organizações e nos movimentos das mulheres, em comparação com a década anterior. Pois
formalmente, as reivindicações das mulheres haviam sido atendidas, podiam votar e ser
votadas, ingressar nas instituições escolares, participar do mercado de trabalho. O sistema
social e político (tanto o capitalista quanto o socialista) absorveram, de alguma forma, estas
conquistas, que implicaram no reconhecimento de sua cidadania, algo que exprimia o grau
de influência das organizações de caráter conservador do País.
Com a decretação do Estado Novo, em 1937, Getúlio Vargas fecha o Congresso até
1945. Os movimentos sociais, entre eles o feminismo, foram sufocados. Encerram-se,
momentaneamente, as carreiras das primeiras mulheres parlamentares, arrefecendo a
capacidade de mobilização tanto da FBPF como de outras organizações de mesmas
características políticas.
De uma maneira mais ampla, podemos dizer que a partir da década de 1940, a
Paraíba passava a ter um movimento feminista de configuração em torno das mobilizações
de cunho assistencialista e beneficente, voltadas, especialmente, para arrecadação de verbas
para obras de caridades, a exemplo da Associação das Donas de Casa – ADC; Noelistas;
Sociedade de Professores da Paraíba – SPP; Legião Brasileira de Assistência – LBA;
Federação das Bandeirantes da Paraíba – FBP; Damas da Ação Social – DAS, entre
outras.
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Na busca de uma justificativa para essa situação política social e cultural,
salientamos que o período entre guerras representava uma nova estagnação do movimento
feminista, uma vez que os regimes políticos totalitários se sobrepunham às possibilidades
de transformações mais profundas na sociedade, fato que na Europa, um dos primeiros
objetivos do fascismo foi doutrinar a juventude, tendo como alvo principal a socialização
ideológica de aderência dos valores fascista. Para isso, o regime enalteceu necessariamente
a família, elegendo-a como garantia da estabilidade social, política e como produtora de
soldados. Nessa mesma condição, a dona de casa teria papel preponderante no território
privado, como rainha e tutora do lar, excessivamente mãe e esposa, constantemente
desestimulada à profissionalização no espaço público.
Talvez estas reflexões possam explicar o silêncio de muitas dessas mulheres, após o
golpe de 1937, o contexto vigente eram as causas dedicadas às “frentes drásticas” e ao
assistencialismo ligado à família, tendo aqui na Paraíba, a primeira Dama Sra. Alice
Carneiro, esposa do Interventor Rui Carneiro, a primeira Presidente da recém-fundada
Legião Brasileira de Assistência (LBA) no Estado.
Mediante a tal conjuntura política, cabe-nos indagar: como compreender, o
feminismo dessas mulheres? É possível verificar em pesquisas e bibliografias existentes
muitas críticas acerca do feminismo adotado pelas mulheres da APPF, principalmente por
não questionarem as estruturas sociais e o papel “natural” das mulheres enquanto mães e
donas de casa. Elas foram constantemente acusadas de serem pertencentes a um
determinado grupo de mulheres burguesas “conservadoras” que lutaram exclusivamente
pelo sufrágio feminino sem indagar a quem ou a que classe social serviria o voto; que o
movimento estaria impregnado de limitações por ter sido dirigido por mulheres das elites
e que, portanto, o debate ficou restrito às questões de ordem jurídica.
No entanto, estamos propondo reler essas afirmativas a parir das nuances
existentes no interior do próprio movimento, bem como de uma extensa gama de
reivindicações não consumadas. Dessa forma, buscamos fatos e registros da trajetória de
Analice Caldas e de outras militantes na tentativa de recompor historicamente o
movimento, ao mesmo tempo em que, buscamos diferenciar a filial Paraibana das demais.
A luta pelo direito do voto feminino no Brasil e na Paraíba, alçado à condição de
principal bandeira do movimento feminista na época, teve, também, um leque de
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reivindicações bastante amplo, que incluía desde os direitos sociais da mulher grávida até
garantias legais para o trabalho feminino. Entre as lideranças da APPF, algumas questões
aparecem como relevantes para a mudança de uma realidade opressora além do sufrágio,
como, por exemplo, as preocupações de várias dessas mulheres criticaram as relações
conjugais, exigindo uma mudança no comportamento moral dos homens, sobretudo, no
que diz respeito à infidelidade no casamento, chegando até mesmo a defender o divórcio.
Lendo e pesquisando essas histórias, pensamos que, embora a atuação dessas
mulheres tenha sido aparentemente tímida, que tenham atribuído um valor político em
determinadas mudanças, que pouco alteraria a estrutura mais profunda da sociedade e que
suas estratégias de luta tenham sido a negociação com instâncias formais de poder, como
não considerá-las feminista diante de suas declaradas posturas, de suas críticas, de suas
visões de mundo e de suas atuações nos movimentos gestados entre os anos de 19301945? Portanto, compreendemos que essa modalidade de feminismo contribuiu
significativamente para tirar algumas mulheres do anonimato patriarcal, desenvolvendo
nelas a consciência do quanto eram importantes na sociedade.
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CAPITULO V
Notáveis belletristas 71
“Pode-se affirmar, sem medo de
errar, que foi em 1920 em diante que
a mulher parahybana pensou em si
mesmo e no seu destino, fugindo de
um parasitysmo humilhante que ás
próprias plantas é funesto”.
(Analice Caldas, 1937).
Nas últimas décadas do século XIX, floresceu no Brasil uma fecundíssima literatura
de autoria de mulheres. Mesmo com toda repressão a elas impostas pela sociedade da
época, muitas conseguiram ultrapassar as fronteiras hegemônicas, contrárias à presença da
mulher nos tradicionais espaços masculinos, particularmente, no universo das letras.
Assim, nesse ultimo capitulo, buscamos reconstituir a trajetória de Analice Caldas
no campo das letras e da cultura, num período histórico denominado por Sales (2005) de “a
era das mulheres letradas na Paraíba”, no qual, Analice Caldas e tantas outras da mesma
época “teceram outros rendados históricos”. (SALES, 2005). Essa é uma maneira de tentar
revitalizar a memória de algumas dessas escritoras do passado, que, de forma audaciosa,
resistiram ao silencio e deixaram suas marcas na história cultural da Paraíba, assim como
tantas outras vozes de diferentes lugares do Brasil e do mundo.
Isto implica uma mudança no jeito de olhar a história oficial: rever para valorizar a
memória de escritoras, sobretudo, as do século XIX, quando esse papel, de escritor, deixou
de ser exclusivo dos homens. Nessa ótica, passamos a ver a importância de compreender
essas práticas de escritas como representações no cenário de uma comunidade em que as
mulheres viveram e pensaram a sua relação com o mundo, rompendo os limites propostos
para sua existência.
71 Belletrists: Pessoa que cultiva as belas-letras, que tem hábito de ler.
91
Figuras como Nísia Floresta Brasileira Augusta - 1810/1885, Maria Firmina dos
Reis, Anna Alexandrina Cavalcanti de Albuquerque - 1860/1927, Isabel Gondim
1839/1944. Vozes isoladas no século XIX, que de algum modo, problematizaram nos seus
textos a imagem da mulher representada na literatura, tocando em questões referentes à
conveniência do matrimônio, à rígida moral católica, aos modos de etiqueta recomendados,
etc. Já outras escritoras se identificaram com o tema da separação e da dignidade da mulher
casada, da igualdade entre os sexos, produzindo romances representando com legitimidade
o lugar da mulher na sociedade do século XIX.
Na Paraíba, assim como em todo o Nordeste e no resto do país, a literatura feminina
(de autoria de mulheres) começa a ser visível no início do século XX, tendo a imprensa, até
então o único espaço de expressão possível, desempenhado um papel decisivo, ao declarar
o aparecimento da mulher moderna. Essa visibilidade, especialmente a partir da década de
1920, foi marcada pela transitoriedade, pelo conflito entre o tradicional e o moderno 72,
acompanhando as ressonâncias da cultura francesa na formação intelectual da sociedade: a
Belle Époque73, considerada a era de beleza, das inovações, do predomínio da figura
humana, sobretudo, a feminina.
Essas idéias influenciavam a cultura local vigente, até mesmo a própria
transformação das cidades, historicamente associada ao projeto de formação de uma
sociedade moderna, civilizada, aos moldes das cidades européias, a exemplo de outras
capitais do Brasil, entre elas, a cidade de Parahyba do Norte, atual João Pessoa. Como
registrava uma dada coluna na ERA NOVA.
Faz dez anos se iniciou o movimento transformador da nossa urbs (grifo
nosso), acentuando destes últimos tempos de modo notável. A cidade está
mudando sensivelmente de aspecto. Perde a sua feição colonial para vestir
a mascara uniforme da civilização. (1921 nº4 p.12).
72 Combatida duramente pelo Arcebispo da Paraíba, o Bispo Dom Adauto que, em conjunto com paroquianos(as), se posicionaram contrários a nova moda,
a emancipação da mulher e liberação dos novos costumes.
73 A “Belle Époque” foi um período na história da França que começou no fim do século XIX e durou até a Primeira Guerra Mundial. A Belle Époque foi
considerada uma era de ouro da beleza, inovação e paz entre a França e seus vizinhos europeus. Novas invenções tornavam a vida mais fácil em todos os
níveis sociais, e a cena cultural estava em efervescência: cabarés, o cancan, e o cinema haviam nascido, e a arte tomava novas formas com o Impressionismo
e a Art Nouveau. A arte e a arquitetura inspiradas no estilo dessa era, em outras nações, são chamadas algumas vezes de estilo "Belle Époque".
92
A Belle Époque também designa os climas intelectuais, artísticos e culturais do
período. A idade do ouro da profissão docente, em que, a leitura e a escrita eram
valorizadas como um símbolo de instrução e como forma de socialização. Nesse sentido, a
prática da cultura das “belas letras”, é, portanto, entendida como uma chave de acesso ao
saber erudito, ao brilho que a cultura letrada propiciava.
No entanto, ainda que singulares e produtivas essas escritoras, sobretudo, as do
século XIX, foram sistematicamente excluídas do cânone literário, forjado é claro, pela
crítica e pela historiografia masculina. Prova disso, é que ainda hoje não se menciona a
presença e a participação de mulheres nos livros de História e de Literatura paraibana, no
contexto do início do século XX.
Quando muito, aparecem figuras como Anayde Beiriz, personagem de uma história
real, tematizada no teatro, no cinema e na literatura, que nos instiga a pensar sobre a
intersecção entre os fatos da vida privada e da vida pública, no contexto da história
nacional. A trajetória da vida de Anayde Beiriz nos chama a atenção para as "dobras do
lado de dentro" da história oficial, isto é, a dimensão do intimismo no contexto da
experiência pública. Recentemente adaptado para os palcos do teatro 74, o espetáculo escrito
por Paulo Teixeira conta a história dessa professora e poetisa paraibana que escandalizou a
sociedade retrógrada da Paraíba com o seu vanguardismo: usava pintura, cabelos curtos,
saía à rua sozinha, fumava, não queria casar e nem ter filhos, escrevia versos que causavam
impacto na intelectualidade paraibana e escrevia para os jornais. Em 1927, ela conhece o
advogado João Dantas. A paixão entre os dois provocou um escândalo na então provinciana
capital paraibana, devido ao fato de serem solteiros e manterem um relacionamento mais
íntimo que não era "permitido" pela sociedade da época. O romance, segundo a versão de
alguns historiadores paraibanos, causou contratempos e foi considerado o pontapé inicial da
Revolução de 1930. Naquele ano, João Dantas, como mencionamos anteriormente, tem o
seu escritório invadido pela polícia do então presidente do Estado da Paraíba, João Pessoa,
seu inimigo político. A correspondência íntima dos amantes é levada ao conhecimento
público. Devido ao episódio, o advogado viaja até o Recife, produzindo o trágico desfecho
do assassinato do referido presidente. Preso na Casa de Detenção, na capital pernambucana,
74 O espetáculo "Anayde Beiriz", uma montagem do grupo Movimento de Cultura Artística (Moca), com texto de Paulo Teixeira e direção de Roberto
Cartaxo. O drama "Anayde Beiriz" fundamenta-se no amor sem limites, tendo como foco central os conflitos que viriam a deflagrar a Revolução de 1930.
93
João Dantas recebeu visitas de Anayde Beiriz, que passou a morar em Recife. Mas Dantas é
encontrado morto com o cunhado na sela em que estava preso. As circunstâncias
evidenciavam uma execução sumária, apesar da “versão oficial” apontar para uma situação
de suicídio. Abalada, Anayde Beiriz se suicida, supostamente por envenenamento. Seu
corpo foi sepultado no cemitério de Santo Amaro, em Recife.
Nesse cenário, muitas outras mulheres também foram presenças constantes nos
círculos intelectuais, políticos e literários, escrevendo nos jornais e revistas da época,
publicando crônicas, poesias, contos e até livros. Saber de suas histórias necessitará fazer
uma séria revisão da história literária ocidental, demandando uma releitura da história
literária tradicional.
Outras educadoras
Além de educadora, e militante feministas, Analice Caldas de Barros foi também
uma cultora das letras, e Colaboradora assídua na imprensa local. Freqüentemente
convidada para proferir palestras em associações culturais e clubes de serviço, como o
Rotary Clube da Paraíba. Numa delas, em sessão de 28 de novembro de 1937, falou sobre
“O Progresso Feminino na Parahyba”, isto é, sobre os avanços da mulher e sua inserção no
âmbito público até então, elencando algumas conterrâneas de destaque, entre meados do
século XIX ao inicio do XX.
Nesse texto publicado na “Pagina Feminina” do Jornal A UNIÂO, Analice chama a
atenção para algumas mulheres pioneiras, quase desconhecidas aos olhos de hoje, mesmo
entre algumas das mais recentes pesquisas, que na Paraíba, têm se dedicado à participação
das mulheres na literatura, nas artes e na educação do final do século XIX e ao começo do
século XX. Colaboradoras assíduas e atentas das manifestações pedagógicas, políticas e
culturais do nosso Estado. No referido texto, Analice ressalta que: (A UNIÃO, 17 de
outubro de 1937. p.1).
A mulher do meu Estado tem ascendido em todas as atividades, muito
suavemente! (grifo nosso). Tanto é assim que na literatura, nas artes, nas
sciencias, na política não tivemos ainda um vulto feminino de maior
projecção.
94
Segundo ela “O nome da mulher conterrânea mais evidente e mais citado tem sido o
da jovem mártir Branca Dias. (...) E mesmo assim, já lhe tentaram controverter a
veracidade de sua história e até de sua própria existência!”. (A UNIÃO, 17 de outubro de
1937. p.1). Já no final do século XIX, Analice fala sobre Ambrosina de Magalhães Carneiro
da Cunha, nascida em 1860, “naquelle tempo em que a mulher do Brasil, desse Brasil de
mucamas, de pé de moleque e saias balão, vivia ainda uma da renúncia e degredo”, que
surgia no cenário intelectual com inspirados poemas publicados na imprensa paraibana. (A
UNIÃO, 17 de outubro de 1937 p.1).
A atuação de Ambrosina M. Carneiro da Cunha na poesia paraibana do século
passado está registrada a partir do poema “Nas Margens do Capibaribe”, publicado no
Jornal liberal Paraybano em dezembro de 1880. Com apenas 20 anos, Ambrosina já
denotava uma atitude salutar de feminismo, não só por assumir sua vocação poética, como
por de ser uma das poucas mulheres a entrar, em 1881, na Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro, segundo Analice, Ambrosina Magalhães foi a “primeira parahybana” a
freqüentar uma escola superior, indo ate o 4º ano médico, quando se casou com o
engenheiro Francisco Antonio da Cunha.” (A UNIÃO, 17 de outubro de 1937. p.1).
Seus poemas transitavam entre o romantismo e simbolismo. Desse último estilo é o
soneto Noetívago. “Já vai bem alta à noite. E sobre o lago manso / Finíssimo lençol de gaze
cor de poeta / Vão dois cisnes boiando um suave remanso / Enquanto vai passando a doce
serenata”. Apesar de uma participação dinâmica na imprensa, Ambrosina não publicou
livro. Assim como Ambrosina, outras notáveis belletristas paraibanas também brilharam no
cenário letrado do século XIX.
Cabe complementar essas histórias de vidas, com outras informações alcançadas em
pesquisas anteriores75. Nelas, encontramos o nome da professora Francisca Rodrigues
Chaves Moura, natural da Capital da Província da Paraíba, nasceu no dia 2 de agosto de
1860. Filha de Francisco José Rodrigues Chaves e Catarina de Almeida Rodrigues Chaves.
Fez seus estudos primários nas escolas publicas desta Capital e nos cursos particulares dos
professores Veloso e Francisco Gonçalves de Medeiros. Os estudos secundários lhe foram
ministrados, particularmente, pelo professor Joaquim Antônio Marques, educador do Liceu
75 Projeto de pesquisa: Mulher e fronteira na historiografia paraibana – 1940-1964, dando continuidade de 2000 a 2002 na linha de pesquisa sobre Estrutura
de Poder, pesquisas sobre as história das mulheres.
95
Paraibano, visto que naquele tempo, nesse estabelecimento, só eram admitidos alunos do
sexo masculino.
Só mais tarde, quando já era viúva, é que se abriu a Escola Normal Oficial do
Estado, onde recebeu o diploma de professora, no ano de 1890. Em 1894, foi nomeada
professora efetiva da Escola Normal. Durante mais de meio século exerceu o magistério
particular. Fundou o curso gratuito Dom Ulrico, para adultos pobres de ambos os sexos,
quando não havia ainda curso noturno nesta Capital. O colégio de Francisca Moura foi
muito freqüentado. Escreveu as seguintes obras “Compêndio de Geografia” e “Pontos de
Português”, contendo o programa completo do ensino da matéria na Escola Normal,
programa que fora elaborado pelo Catedrático Dr. Maximiano José Inojosa Varejão.
(FREIRE, 1987).
Outro nome de destaque é o de Idalina Margarida da Assunção Meira Henriques.
Idalina nasceu no dia 15 de agosto de 1838, na capital do Estado. Filha do Cirurgião-mor
Brigadeiro José Henriques e de Ana de S. José Meira Henriques. Fora fundadora do 1º
colégio particular da capital paraibana, o Colégio N. Senhora do Carmo, onde só se
educava o sexo feminino, situado à Rua Duque de Caxias, onde funcionou o Museu
Fotográfico Walfredo Rodrigues. (FREIRE, 1987).
O Colégio N. Senhora do Carmo era um dos melhores colégios da capital, o único
do gênero na sua época, com curso primário, secundário, com prendas domésticas e artes.
Funcionou entre os períodos de 1865 a 1875, ano em que faleceu sua fundadora. Entre as
suas alunas, destacaram-se: Luzia de Albuquerque Maranhão, Maria Francisca de
Albuquerque Maranhão, filhas do Capitão-mor José Francisco de Albuquerque Maranhão,
senhor do Engenho Santo Amaro, mãe e tia, respectivamente, da profª Maria Emerentina de
Albuquerque Gouvêa Coelho; Maria das Neves de Araújo Pereira, filha de Manuel Araújo
Pereira, senhor de Engenho, em Alagoa Nova e mãe do Dr. Manuel Tavares; Maria
Rangelina Maroja, filha do fazendeiro Manuel Ferreira Maroja, de Mata Redonda, e tia do
Dr. Flávio Ribeiro Coutinho; Aquilina Amélia de Oliveira de Bernadina de Oliveira,
residente no Beco do Carmo, era mãe de Stela Caçador e que foi ganhadora do 1º Concurso
de Beleza nacional, no Estado da Paraíba. Dessas alunas do Colégio N. Senhora do Carmo
todas se destacaram na sociedade, sendo que Maria das Neves de Araújo Pereira, D. Yayá
Tavares, foi chefe político em Alagoa Nova.
96
No campo da musica, temos Júlia Verônica dos Santos, natural de Areia – PB,
nascida no ano de 1868, filha do professor José Bernardo dos Santos Leal. Professora,
compositora, instrumentista. Iniciou e concluiu sua formação educacional na sua cidade
Natal. Educadora de grande mérito, com vastos conhecimentos. Possuía um curso, onde
formou gerações inteiras de ilustres paraibanos, que elevaram o nome da Paraíba no cenário
nacional, entre os quais, destaca-se o escritor e ex-ministro José Américo de Almeida.
(RIBEIRO, 1992).
O curso funcionava em sua residência onde lecionava letras, músicas, piano, artes
cênicas e religião, contribuição essa, que veio levar, cada vez mais, a projeção cultural que
alcançou Areia no passado. Era admirada e respeitada pela comunidade areiense, pois,
durante mais de quarenta anos, Júlia Verônica dedicou-se ao árduo mister de educadora.
Era organista da Igreja Nossa Senhora da Conceição. Compôs uma ladainha, oferecida a
Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Areia, o que refletia a pujança e o espírito
religião da destacada mestra.
Organizava festas cívicas e escolares, dentre estas, destacava-se o drama
denominado “As Quatro Estações”, tendo participado do espetáculo, Virgínia Pires Xavier,
representando a primavera. Poetisa de reconhecido mérito escreveu os versos do hino:
Salve 03 de Maio, executado durante as festas comemorativas à Abolição da Escravatura,
em Areia. Júlia Leal, embora tenha dedicado toda sua existência à formação dos
conterrâneos, morreu pobre, em sua cidade natal, aos 102 anos de idade. Júlia Leal regeu
por muito tempo o coro de Igreja Matriz de Areia. Muito religiosa, tinha como livro de
cabeceira o “Compêndio de Civilidade Cristã”, edição de 1856. Ainda sobre ela, disse o
José Américo de Almeida: “Júlia foi mais útil a Areia do que todos os seus filhos ilustres”.
É nome de uma Escola Estadual em Areia. Faleceu em 1970, na sua terra natal.
Por fim, destacamos o nome da polêmica professora Rosalina Tertuliana de
Almeida77. Rosalina nasceu no dia 18 de dezembro de 1824 em Campina Grande. Filha de
José Francisco de Almeida e Anna de Almeida, dona Rosalina, em 1858, foi diretora de um
Colégio na Capital da Província. O ginásio que teve sob a sua direção foi fundado no
Governo do Sr. Beaurrepaire Rohan, depois que o Colégio foi dissolvido, dona Rosalina foi
nomeada professora pública de Campina Grande, cargo que exerceu até 1879. Jubilada
77 Colhida da Revista ERA NOVA, nº 80, 01 de junho de 1925.
97
recebeu dos cofres da Província 38$500 mensais, que continuou recebendo da República
pelo Sr. Marechal Deodoro da Fonseca. Ela preferiu ficar em Campina, onde morava
sozinha, até que o Monsenhor Salles a internou na Casa de Caridade de Campina Grande.
Rosalina nunca pensou em se casar, teve sempre um piedoso desprezo pelos homens, pois
subestimavam a inteligência feminina.
O fio comum que entrelaça essas histórias é marcado por muita opressão e
desencantos de não poder ser livre, de não poder estudar ou ter opinião própria. Entretanto,
se todas passaram por essa feição, nem por isto tiveram a mesma voz e as mesmas
preocupações e os mesmos motivos. Na verdade, são vozes em polifonia, criando uma
densa rede de sentidos e temáticos diversos. Cientes que cada memória seja única, existe
um traço comum que as une: uma demonstração fora do comum em assumirem o
compromisso com as letras, as artes, a leitura e a educação.
Assim como Ambrosina, citada por Analice Caldas, Francisca Moura, Idalina
Assunção, Júlia Verônica e Rosalina de Almeida e inúmeras outras mulheres de sua época,
como bem lembrava Analice, viveram como fogo-fátuo78, ou se apagaram de vez. Já outras,
segundo ela: (A UNIÃO, 17 de outubro de 1937. p.1).
(...) não contendo expansão de seu êxito, vencidas pella atração do ruído e da
fama, que lhe roçava os ouvidos como um sopro, rabiscavam, versejavam,
embora somente para a allegria de sua inspiração, guardando cautelosamente no
fundo da gaveta estes pedacinhos do seu assustado devaneio. Os farrapos dos
velhos cadernos pertencentes a Francelina Correia das Neves. Adelina Bezerra
Cavalcanti: são bem o exemplo do que vos affirmo.
Essa fala reforça aquilo que Perrot (1998) já dizia: é nos arquivos particulares, o
“sótão da história”, que podemos encontrar outras informações sobre as mulheres, pois
estas eram as produtoras desses arquivos, preservando suas correspondências familiares e
diários íntimos, pois, assim como a leitura, a escrita é frequentemente uma prática
censurada para as mulheres. Dessa forma, fica claro, como era ameaçador, elas produzirem
saber, pois, este também gera poder, como nos ensina Michel Foucault, uma vez que, a
censura aos escritos, era uma forma de mantê-las “quietas”, ou seja, em silencio. Tudo isso
sinaliza a nossa dificuldade de recuperar uma memória que quase não deixou rastros.
78 Significa brilho efêmero, prazer ou gloria de pouca duração.
98
Ainda no século XIX, segundo relata Analice Caldas, precisamente em 1885, mais
ou menos na cidade de Areia, uma outra poetisa, Maria Góis publicou versos no jornal
abolicionista A Verdade, órgão da sociedade areiense, sob a direção de Manoel da Silva e
Rodolfo Pires. Outras pioneiras paraibanas foram as Sras. Maria Liliosa Onofre Marinho e
Maria da Purificação Carneiro da Cunha, esposa do médico Dr. Flávio Maroja, que
“forçaram também com certo ruído as portas venerandas do Lyceu Parahybano”. (A
UNIÃO, 17 de outubro de 1937. p.1).
Nos campos das artes, Analice fala da figura de Amélia Thioga e Angelina Bathar,
“ambas de comprovado pendor para o pincel”, as quais chegaram a realizar fora do
ambiente colegial, algumas exposições de telas suas, aqui na Paraíba e no Rio de Janeiro.
Uma outra artista, a senhora Cândida de Sá Andrade, em 1922, conquistou a medalha de
ouro na Exposição Nacional com seu famoso trabalho de fibras. (A UNIÃO, 17 de outubro
de 1937. p.1).
Segundo Analice Caldas, tanto na música, na pintura e, em todas as manifestações
de artes, o envolvimento da mulher teve sempre em nossa terra a mesma marcha sonolenta.
Algumas se satisfaziam com o pequeno destaque de professoras, desprestigiadas com
baixos salários, especialmente, as que se dedicavam a arte de Carlos Gomes79. “Nem
conquistas, nem decepções, pela excelente razão, talvez de não fantasiar chimeras e
ambições”. (A UNIÃO, 17 de outubro de 1937. p.1). A vida no interior, não dava condições de
educação, era raríssimo uma moça aprender rudimentos da leitura. Uma ou outra filha de
magistrados ou de comerciantes de melhores haveres chegava à capital ou a Recife para
fins educativos, ela própria, conheceu na sua família as contradições que distanciavam
homens e mulheres.
Na função pública, porém, a causa foi bem diferente. Segundo Analice. (A UNIÃO,
17 de outubro de 1937. p.1)..
(...) talvez por que o instinto de conservação não adormece. E um
imperioso apêllo biológico de movimento, de expansão, de ar, de luz, fez
despertar a rivalidade entorpecida que num esforço supremo de incrível
consta, dilacerou as algemas de seda, mais dolorosas e mais duras do que
o mais pesados dos grilhões. Quando vislumbraram a primeira
79 A arte de Carlos Gomes, musico e compositor brasileiro de inestimáveis trabalhos no período Imperial, nasceu em 11 de julho de 1836, e faleceu em 16
de setembro de 1896 já muito doente, ao chegar da Itália onde morava com o filho.
99
possibilidade de êxito, ao influxos dos ideaes correntes, de um programa
de expansão cada vez mais tentador, se atiraram gostosamente sem que as
usadas charges e ridículas, arma que mais fere a vaidade feminina as
fizessem recuar. Foi eloqüente e enthusiasta este despertar, e mostra com
ofuscante clareza, a expressão da tragédia intima, desse interior da
chamada classe média que compõem quase o total da nossa sociedade.
Sua fala nos confirma aquilo que Soihet (1987) - e outras historiadoras - já diziam,
ou seja, a importância de se estudar as táticas utilizadas por essas mulheres do passado para
adentrar no espaço público em diferentes contextos culturais. A força de vontade dessas
mulheres em romper grilhões históricos de opressão, assinala a capacidade de grupos
“aparentemente” destituídos de poder, em forjar autoridade dentro de brechas existentes nos
habitus culturais de uma sociedade. Nesse tocante, a crítica feminista é de algum modo
revisionista. Sobre esse assunto, concordamos com Perrot
82
: “(...) a história dos homens
está ai, onipresente. Ela ocupa todo o espaço e há muito tempo. As mulheres sempre foram
concebidas, representadas como parte do todo, como particulares e negadas, na maior parte
do tempo”.
Como ilustração, no ultimo ano da administração de Camilo de Holanda, em fins de
1920, Analice conta que Omezina Lins de Azevedo requereu inscrição para um concurso
que se devia proceder no “Thesouro do Estado”, e isso foi negado sem mais formalidades.
Nessa mesma época, algumas jovens paraibanas patinavam na Praça Venâncio Neiva e as
Dra. Albertina Correia Lima, Catharina Moura haviam se formado em ciências jurídicas e
sócias pela Faculdade do Recife. Segundo Analice: “Somente de uns 15 annos para cá é que
se acceitou de facto este movimento das actividades da mulher fora do lar, com aprovação
de uns e repulsa de outros, como ainda o sentimentos”. (A UNIÃO, 17 de outubro de 1937.
p.1).
Além do magistério, a primeira função pública exercida por mulheres foi a de
“agentes de correio” e algumas vezes “telefhonistas”. Na capital paraibana, porém, “no
Correio Geral e Telegrapho só muito mais tarde, em 1922 e 1926 entraram as primeiras
moças que se habilitaram por concurso, “as senhoras Isaura de Melo Luna e Noilda
Botelho”. (A UNIÃO, 17 de outubro de 1937. p.1). Nessa mesma época, Rosita de Almeida
Brandão criou a Escola Remington 80, curso de preparação de “datilographas e tachigrafas”,
82 Michelle Perrot. Entrevista à Label France. Nº 37. 10/1999. P1
80 Nome das antigas maquinas de datilografia.
100
formando as primeiras profissionais com essas habilidades. A própria Analice foi uma de
suas alunas, exercendo essa profissão na assembléia legislativa, como uma das primeiras
ocupantes de tal cargo especializado, também lecionando taquigrafia na Academia de
Comercio Epitácio Pessoa, além de outras matérias. Assim, a mulher “com o certificado de
mais esta habilitação para a vida do trabalho, adeus preconceitos e razões”. (A UNIÃO, 17
de outubro de 1937. p.1).
Dentre as boas surpresas que nos aguardavam nesta pesquisa, constatamos nos escritos
de Analice Caldas, outros nomes que figuraram como professoras e escritoras ou mesmas
simples mulheres, diferenciadas pelo pioneirismo em certo aspecto da vida prática. Nesse
itinerário, podemos confirmar o que disse Perrot (1988), que no teatro da memória, as
mulheres são sombras tênues e a narrativa histórica tradicional reservou-lhes pouco espaço,
o que reforça o debate permanente sobre a história das mulheres um imperativo categórico.
Na Paraíba, entre outros estudos, destacamos as pesquisas desenvolvidas no
NDIHR81, o qual nos referimos anteriormente, destas, decorre o apanhado de uma série de
dados biográficos, compondo um dicionário sobre a participação política da mulher na
Paraíba, ainda não publicada pela professora Martha Falcão. Um outro trabalho muito
importante em nossas pesquisas é a tese da professora Ana Maria Coutinho Sales (2003),
intitulada: Tecendo fios de liberdade: escritoras e professoras do começo do século XX.
Nesse estudo a autora buscou, num olhar interdisciplinar, analisar a produção literária de
escritoras como, Eudésia Vieira, Ezilda Barreto e Maria Ignez Mariz, elaborando, também,
biografias de professoras paraibanas do começo do século XX, a exemplo de Alcida
Cartaxo, Anayde Beiriz, Juanita Machado, Olivina Carneiro, Petronilda Pordeus e Julia
Leal. A forma escolhida por ela para fazer emergir o discurso das escritoras paraibanas foi a
análise de suas produções, destacando o fenômeno literário/cultural do qual fizeram parte
como autoras e sujeitos políticos, permitindo que seus textos fossem entrelaçados aos fios
da complexa rede ideológica, histórica e cultural em que viveram.
A conquista do cenário das letras significou para muitas delas uma ousada ruptura
com a histórica condição de objeto de procriação, de boneca ou escrava cumpridora de um
papel de coadjuvante na sujeição da vida domestica. As mulheres que tinham acesso ao
81 Através da pesquisas sobre a participação das mulheres na história da Paraíba, financiado pelo programa de iniciação cientifica Pibic/CNPq entre os anos
de 1997 a 2002.
101
mundo letrado eram orientadas a ler e a escrever dentro dos limites recomendados a sua
formação moral e religiosa, recusando-lhes os acessos aos conteúdos considerados
obscenos ou de cunho político, por representarem ameaça à ordem hierárquica religiosa
interligada à vida doméstica e familiar. (MORAIS 2002).
Pesquisando sobre a formação cultural das mulheres paraibanas, não é difícil
compreender por que a grande maioria das escritoras do final do século XIX eram moças,
senhoras, muito provavelmente da classe média e alta. Pois, uma vez lhes vedado o direito à
educação, eram apenas as mulheres de melhores haveres, isto é, que tendo condições
financeiras de assumirem sua própria educação e instrução, como escritoras autodidatas.
Através das práticas de leitura e de escrita, a mulher pôde expressar o talento, a
criatividade intelectual consciente, a crença nas novas atitudes e valores sociais face ao
mundo onde viviam reclusas às limitações domestica e religiosa. Dessa forma, inseridas em
novas situações, envolvendo novos interesses, elas souberam, de certo modo, apoderar-se
dos escassos espaços da vida letrada que lhes eram reservados ou confiados pela sociedade
do século XIX, para gradativamente alargar a sua influência intelectual ás portas da
educação, da arte, da ciência e do poder político do século XX. (MACHADO, 2005).
Na investigação empreendida, descobrimos que algumas mulheres elencadas nesta
investigação transformaram-se em sujeitos históricos produtores de uma cultura letrada
que, através de suas práticas literárias, puderam nos revelar novos valores de participação
feminina na sociedade, sejam na afirmação ou na negação de identidade sócio-cultural.
No caso especifico das escritoras do começo do século XX, a palavra escrita foi
utilizada como uma arma na luta pela conquista de um lugar no espaço público,
especialmente, no território da literatura e, a imprensa, foi um dos espaços privilegiados
dessa luta. A Imprensa local, no contexto dos anos de 1920, procurou abrigar a produção
literária da velha e da nova geração, sobretudo o tradicional Jornal A União e a Revista Era
Nova. Tanto um como o outro, funcionavam como um espaço de veiculação de idéias,
publicação de textos, ou seja, uma trincheira de discussões intelectuais e, em certo sentido,
uma espécie de “termômetro” das repercussões do modernismo.
Segundo Sales (2005), falar da presença e da participação feminina na imprensa
paraibana do começo do século XX é contar uma história desafiadora, eivada de
preconceitos, de repressão e censura. Ao escreverem suas crônicas, as jornalistas tornaram-
102
se descortinadoras, nos deixando nas páginas publicadas, comentários sobre fatos inéditos
ou fatos miúdos, acontecimentos aparentemente insignificantes, mas todos reveladores de
comportamentos e representações de época. Daí a relevância da função social da voz
feminina na imprensa paraibana.
Uma vida entre papeis
Assim como outras mulheres, que em diferentes pontos do país, escreviam, dirigiam
e editavam seus próprios periódicos, as paraibanas também se envolveram com a atividade
jornalística. Analice Caldas também não se deixou prender-se somente ao magistério, indo
buscar na literatura outros “pendores para seu espírito”. Colaborou em revista e jornais de
nossa cidade, numa linguagem sutil e interessante. No ano de 1921, iniciou a colaboração
nas edições iniciais de “O Educador”, órgão de divulgação dos professores primários; em
1922, em “O Progresso”, de Alagoa Nova, ao lado de Eudes Barros e João Guimarães,
editado por comemoração ao centenário da Independência e em “Paraíba Agrícola”,
fundado por Diógenes Caldas, ano em que Analice Caldas foi a 1º secretária da Sociedade
dos professores primários. (NÒBREGA, 1974).
No ano de 1923, ela colaborou na revista quinzenal, “Era Nova”, onde publicou
suas principais entrevistas numa coluna intitulada Álbum de Miller, na forma de
questionário, tão em voga nos idos de 1922/1925, na Paraíba. Trazendo revelações inéditas
da vida íntima de personagem como o ex-governador Castro Pinto82 (1912), com destaque
também para Rodrigues de Carvalho83 e Carlos Dias Fernandes84. Outros entrevistados
foram, Alice de Azevedo Monteiro, João Avelino da Trindade, Diógenes Caldas, João da
82 João Pereira de Castro Pinto (Mamanguape, 3 de dezembro de 1863 Rio de Janeiro, 11 de julho de 1944) foi um político, jornalista e escritor.
83 José Rodrigues de Carvalho: Nasceu em Alagoinha, Estado da Paraíba, em 18 de dezembro de 1867 e faleceu na capital pernambucana em20 de janeiro
de 1935. Em 1890, juntamente com Castro Pinto, fundou em Mamanguape o semanário A Comarca e, em 1892, criou na capital do Estado o Grêmio
Literário Cardoso Vieira, instituição que veio contribuir bastante na formação intelectual da juventude paraibana daquele tempo. Foi professor, jornalista,
jurista e, acima de tudo, poeta, projetando-se nesse gênero a partir da publicação do poema Seios. Escreveu nos jornais A União, Gazeta do Comércio, O
Comércio, Estado da Paraíba, República, Jornal Pequeno (Recife) e em A Província do Pará.
84 Carlos Augusto Furtado de Mendonça : Nasceu em 20 de setembro de 1874, na cidade de Mamanguape, Estado da Paraíba e faleceu em 09 de dezembro
de 1942. Em 1912, Castro Pinto, seu amigo e conterrâneo, eleito presidente do Estado da Paraíba, convida-o para assumir a direção do Jornal A União, até
1928, quando foi demitido por João Pessoa, em seu primeiro ato ao assumir o governo. Carlos Dias Fernandes viveu intensamente a sua vida. Foi poeta,
romancista, contista, biógrafo, pedagogo.
103
Matta Correia Lima, Manuel Tavares Cavalcanti, Paulo de Magalhães, José Gomes Coelho
Eurípedes Tavares da Costa. (SANTOS, 1991).
Analice Caldas entretinha-se com eles em verdadeira sabatina, onde após identificar
nome, divisa, traço predominante do caráter, colhia verdadeiras confidências sobre temas
sérios como: casamento, amor, religião, literatura, sociedade, a vida, a morte, indagando
indiscretamente sobre qual a cor, paladar, o animal, o divertimento preferido, o que
desejaria ser, as qualidades marcantes no homem e na mulher, concluindo com a pergunta
sobre o juízo que fazia o entrevistado daquele próprio Álbum.
A revista “Era Nova” foi uma das primeiras revistas do Estado, criada em 27 de
março de 1921, circulou até 30 de dezembro de 1925, destinada ao público em geral, o
objetivo central da revista era contribuir para o desenvolvimento literário do meio,
caracterizando-se como um órgão de utilidade pública, comprometida tão somente com o
incremento das letras. Embora, escrita em sua maioria por colunistas do sexo masculino,
seu design e aspecto estrutural tinham características femininas, com fotos de belas
modelos, a maioria filhas de “personalidades ilustres” da alta sociedade paraibana. Mesmo
sendo uma revista de mentalidade elitista e conservadora, as colunistas contribuíam com
inúmeros artigos que discorriam desde as mais avançadas idéias feministas à moda corrente
da época.
Nessa mesma época, Analice participou da “Folha”, publicada em Alagoa Nova,
onde divulgou as idéias feministas ao lado de Marieta Bezerra, Flaviana Costa, Elisa
Cunha, e Jane Ribeiro (NÓBREGA, 1974). Ainda como jornalista, colaborou em jornais e
revistas da Paraíba e de outros Estados, a exemplo das revistas, “Ilustração”, “Flor de
Liz”85, com artigos e poesias e nos jornais “A União” e “A Imprensa”, onde a Associação
Paraibana pelo Progresso Feminino manteve a “Página Feminina” ate 1939, uma coluna
quinzenal de divulgação das idéias da APPF. Além desses, colaborou nos jornais “O Jornal
do Comercio” e no “Aprendiz”, órgão de publicação oficial da Escola Industrial de João
Pessoa.
A prática social de escrever na imprensa foi uma manifestação constante em sua
vida, de significativa expressão pública na luta pela liberdade de informação, produzindo
outros rendados históricos no tear de sua trajetória, marcada pelo contato com os papeis.
85 A Revista FLOR DE LIZ, surgiu em 1926, através do esforço de mulheres do alto sertão de Cajazeiras, na Paraíba, e circulou até julho de 1937.
104
Dessa forma, o mérito dessas pioneiras da imprensa, foi divulgar as necessidades de certos
ideais na luta pela cidadania feminina, sendo uma das valiosas táticas adotadas por elas, ao
clamar pelo acesso à educação e à cultura.
Nesse sentido, a imprensa se constituiu em uma das melhores ilustrações de
extraordinária diversidade, atravessando o campo educativo no Brasil, principalmente a
partir da década de 1930, em virtude da regulamentação do profissional de imprensa em
1933. (A UNIÃO, 10 de outubro de 1933). A regulamentação da profissão de jornalista
estabelecia critérios de trabalho aos profissionais que reunissem certos títulos de
idoneidade, evitando-se que fizesse da função de intérpretes do pensamento coletivo um
instrumento de campanhas políticas, sindicalizando a profissão. O discurso da época, dizia
que, a regulamentação da profissão jornalística, devia ser encarado com um regime de
censura simulado, pois o que cumpre fazer era evitar que o jornalismo manietado pelas
exigências legais tornasse a responsabilidade profissional, um duplo critério de seleção
moral e intelectual. Contudo, a censura total veio a partir de 1937, com a consolidação da
ditadura militar do Estado Novo.
Quando se fundou, em 1934, a Associação Paraibana de Imprensa (API), Analice
Caldas foi convidada para figurar na lista dos sócios, juntamente com outras figuras
femininas como Lylia Guedes que ocupou o cargo de bibliotecária e Albertina Correia.
Segundo Olivina Carneiro da cunha, Analice aceitou o convite com muito prazer, tomando
parte nas sessões em que foram discutidos os estatutos da mesma. (A UNIÃO, 18 de Abril
de 1945. p.5).
Em 05 de julho de 1936, ela foi admitida como sócia do Instituto Histórico e
Geográfico Paraibano, juntamente com Alice de Azevedo Monteiro. A primeira mulher a
fazer parte foi Eudésia Vieira, em 03 de junho de 1922, exercendo o cargo de suplente de 1a
Secretária, no período de 1925-26. A partir daí o quadro social tornou-se enriquecido com a
presença das associadas, Beatriz Ribeiro, autora do romance A Barragem (1936), em 23 de
agosto de 1936; Albetina Correia Lima, em 06 de abril de 1938 e Olivina Olívia Carneiro
da Cunha e Lylia Guedes respectivamente em 06 de abril e 09 de julho de 1939.
Nesta instituição, Analice Caldas foi umas das precursoras do Instituto de
Genealogia da Paraíba, juntamente com o Cônego Florentino Barbosa e outros estudiosos.
Lá também exerceu o cargo de tesoureira. Segundo o presidente do instituto á época,
105
Cônego Florentino Barbosa, em relatório apresentado, a 7 de setembro de 1944, refere-se
que: “Há três anos que a Tesouraria pesa sob os ombros da Professora Analice Caldas, tão
bons e apreciáveis serviços vem prestando que não sei se o Instituto concordaria algum dia
com seu afastamento por qualquer imperiosa circunstância”. (TAVARES, 1976 p. 56).
Em uma fase posterior, outras mulheres intelectuais entraram para o quadro de
sócias. No mandato da Diretoria 1983-86, a historiadora Rosilda Cartaxo assumiu o cargo
de Presidente do IHGP, quebrando mais uma vez o espírito machista da instituição. Rosilda
foi a primeira mulher a dirigir uma instituição desse gênero no país, o que tem demonstrado
que as mulheres começavam a quebrar tabus e formar novos valores sociais.
Apesar de figurar no quadro das educadoras/escritoras, Analice Caldas não deixou
nenhum livro publicado, boa parte de sua produção seus manuscritos, diários e objetos
pessoais talvez tenham ficado nas mãos de parentes e amigos, ou simplesmente não foram
preservados.
Sabemos que ela deixou pelo menos um estudo inédito, impedida de publicar em
virtude do trágico acidente que lhe tirou a vida, quando voltava do Rio de Janeiro. Segundo
Tavares (1975), trazia consigo os originais desse livro que tencionava editar sobre a
genealogia de sua família, cujas pesquisas haviam sido realizadas no Arquivo Nacional do
Rio de Janeiro. Na verdade, ela buscava novos dados para ultimar uma pesquisa sobre a sua
terra natal, intitulado Apontamentos para a História da antiga vila de Alagoa Nova.
Trabalho esse, apresentado por duas horas em forma de conferência no instituto Histórico e
Geográfico, em 9 de julho de 1939, na posse da advogada Lylia Guedes.
Uma de nossas preocupações ao realizar esta pesquisa, foi, também, tentar reunir o
conjunto de seus escritos, espalhados nos diversos jornais e revistas da época. Podemos
dizer que ainda falta muita coisa, no entanto, estamos otimistas na perspectiva que um dia
possamos publicar o apanhado de seus escritos. Principalmente, o ultimo trabalho
mencionado. Seguindo o rastro desse documento, soubemos teria sido entregue ao IHGP Instituto Histórico e Geográfico Paraibano - pelo próprio Cônego Eurivaldo Tavares, a fim
de ser editado por essa instituição, mas até o momento, não tivemos noticias de tal
documento, possivelmente perdido, novamente, no meio de tanto papeis.
Vale a pena destacar o trabalho de Laurita Caldas dos Santos (1991), parente de
grau distante de Analice. Santos conseguiu recompor a memória jornalística de nossa
106
personagem, ao publicar o conjunto de entrevista do seu Álbum de Miller e de suas
pesquisas sobre a genealogia de sua família, através do Instituto Paraibano de Genealogia e
Heráldica, fundado a 19 de novembro de 196786.
Sua memória também é lembrada, em projeto de lei que de 1948, apresentado pelo
vereador Mário Antônio da Gama e Melo87, denominado Profa Analice Caldas, a uma das
ruas da cidade de João Pessoa. Na homenagem de sua cidade natal, seu nome foi dado a
Biblioteca Municipal, poucos depois de sua morte88. Na capital, é lembrada no frontispício
de um grupo escolar, homenagem da Secretaria Educação, na época que seu primo, o
Cônego Eurivaldo Tavares Caldas, era secretário de educação de João Pessoa.
86 Boletim de Noticias nº 6 e 8.
87 Deputado pela primeira Legislatura após o fim do Regime Vargas (1947/1951).
88 O livro de ata, datada de 1954, já com o carimbo com seu nome, mostra isso, mais não esclarece o ano exato, da mesma forma, também não encontramos
no arquivo da prefeitura, alguma informação sobre a mudança do nome da Biblioteca.
107
Considerações finais
Chegamos ao fim desta tarefa de pesquisa histórica, com ênfase na personagem de
Analice Caldas, percorrendo o universo configurado de sua convivência cotidiana, na
capital de Parahyba do Norte do inicio do século XX, fundada há 422 anos, as margens do
rio Paraíba e espraiada pelas águas do oceano Atlântico.
Muitos aspectos da vida de Analice Caldas de Barros jazem, ainda, nas sombras do
tempo: o que fez quando moça até a época em que se registra sua atividade como
professora? Da formação pedagógica até podemos ter uma noção de como aprendeu, mas
fica ainda uma indagação de origem: como e onde estudou as primeiras letras? Como se
configurava o universo cotidiano nas escolas que lecionava?
Sobre a APPF, identificamos suas marcas nos escritos dos jornais e revistas da
época e, ainda assim, muito pouco sobre sua participação, mesmo sabendo que foi uma das
mais assíduas e atuantes sócias. Fica então mais uma indagação: onde estaria a
documentação produzida nos mais de 12 anos de atividade dessa associação? E, finalmente,
como ela conseguiu entrar num dos mais seletos grupos de intelectuais, o IHGP, sem nunca
ter publicado estudo algum, pelo menos conhecido, a exemplo de outras mulheres aceitas
antes e depois dela, como Eudésia Viera e Beatriz Ribeiro.
Muitas outras indagações acerca do cotidiano de sua vida se escondem, também, nas
raras imagens localizadas, como a foto tirada nas comemorações dos cem anos da
Independência do Brasil, na praça Felizardo Leite, (Praça João Pessoa, a partir de 1930), à
época, pródiga em acontecimentos e palco da maioria dos fatos políticos dessa cidade, que
de uma maneira ou de outra repercutiram dentro dos seus limites, desde manifestações
estudantis até a realização de concertos musicais que eram aconteciam constatemente89.
Lugares comuns à época, onde Analice Caldas passava constantemente e que deixa na brisa
quente da zona litorânea o mistério: como ali se constituíram mulheres tão cultas e de
expressiva atuação no espaço político paraibano da década de 1930, numa sociedade
herdeira dos valores tradicionais da Primeira República? Como, na provinciana Parahyba
89 A monografia de final de curso de Souza (1998), fala exatamente da praça João Pessoa, analisada historicamente, do final do século XIX aos anos de
1930, enfatizando-a como um espaço de socialização e de lazer na capital paraibana.
108
do Norte, Analice Caldas conseguiu edificar uma vida dedicada ao magistério, à cultura, as
letras e as idéias feministas?
Talvez algumas respostas às referidas indagações possam ser encontradas na
singularidade da capital paraibana, enquanto pólo municipal mais desenvolvido, por conta
disso, não só pela circulação e de comércio por onde transitavam, pelas estradas
intermunicipais e pelo pequeno porto em Cabedelo, um grande número de comerciantes e
seus produtos, mas também de notícias e idéias que contagiavam essa época. Não se pode
deixar de refletir sobre a importância que os caminhos para a cidade do Recife tenham
contribuído para o intercâmbio material e cultural, tornando a cidade de Parahyba, palco de
acontecimentos relevantes nas primeiras décadas do século XX, a exemplo dos
acontecimentos que deflagraram a Revolução de 1930. Também devem ser cogitadas
respostas a partir da diversidade econômica da capital, comportando atividades agrícolas,
comerciais e industriais (artesanato e pequenas fábricas), possibilitando a convivência de
pessoas de todos os cantos da Paraíba, que vinham à procura de trabalho, mas também de
relacionamento com a cultura local e com a educação.
A história da personagem Analice Caldas e seu meio, isto é, sua cidade, se entrelaça
no enigma do passado. Por isso, a complexidade que é penetrar numa realidade afastada
pelo tempo, e perscrutar a vida de uma determinada pessoa, dentro desse canteiro da
história que é a biografia, acabando por nos conduzir a uma verdadeira encruzilhada
teórico-metodológica: um apanhado de biografias tendo como principal a professora
Analice, a partir de uma modalidade de pesquisa historiográfica, no universo da Nova
História Cultural, tendo como escopo a revalorização dos sujeitos em seu espaço, do
universo micro ao macro da história, e vice-versa.
É certo que, nas últimas décadas, a importância que a história social passou a
desfrutar à custa da história política criou, por algum tempo, a impressão de que a biografia
acabaria por se tornar um gênero superado, pelo menos no mundo acadêmico. O tempo
cuidou de revelar que o interesse pela história social incentivou o aparecimento de novas
formas de estudos biográficos, ganhando destaque, entre muitas outras, a preferência pelo
relato da história de uma pessoa comum, tendo como foco central de abordagem a trajetória
de um sujeito típico de sua época ou daquele que, embora seja tido como uma pessoa
comum no seu meio emerge como um sujeito extraordinário. Isso sem falar, como afirma
109
Burke (2003 p.6.), de um tipo oposto de biografia como é “a biografia anti-heróica, na qual
o autor demole as pretensões e expõe os pontos fracos da pessoa sobre a qual escreve”. Ou
ainda, a biografia dos farsantes, pois de acordo com Burke: “Vistos no passado como
virtualmente irrelevantes para a história, hoje os impostores são estudados com cuidado”,
exemplificando com Martin Guerre ou George Psalmanazar. 90
No caso do nosso trabalho, temos uma pessoa comum, típica de sua época e, ao
mesmo tempo, uma mulher que se diferenciou das demais do seu meio, tendo construído
uma trajetória extraordinária – isso se pensarmos nos limites e nas possibilidades,
existentes na sociedade patriarcal brasileira do século XX. Ao procurar esmiuçar sua
trajetória, contudo, construímos um pouco a história de uma vida, às avessas, sem fazer
disso uma biografia anti-heróica, mas, procurando desvelar o ser humano que o tempo
cuidou de criar.
Na construção deste estudo, fizemos uso de alguns procedimentos característicos da
micro-história, incorporando ao corpo principal da narrativa os procedimentos da pesquisa
em si, e as construções interpretativas exigidas pelas limitações documentais, o que,
evidentemente, tende a externar o nosso ponto de vista. Nessa medida, nos afastamos de
forma austera do discurso tradicional e à distância, adotada pelos historiadores que
procuram apresentar a realidade como objetiva. Na micro-história, ao contrário, o ponto de
vista do autor torna-se, naturalmente, uma parte intrínseca do relato (LEVI, 1992). Assim,
procuramos entendê-la, em seu meio e seu tempo, com base também nas idéias de Ginzburg
(1991), fazendo uma nova leitura que nos levasse à reinterpretação das informações e dos
sinais que uma documentação, trabalhada anteriormente por outros estudiosos, pode deixar
transparecer, e, da mesma forma, entender as lacunas nela existentes, uma vez que o
silêncio enigmático pode revelar indícios que ajudam a decifrar uma figura e uma realidade
possível.
Há um consenso, ao que parece, entre todos aqueles que já estudaram ou escreveram
sobre Analice Caldas de Barros: não era uma mulher pobre, vinha de uma família de
posses, porém, foi por esforços próprios que acabou sendo uma importante mulher da
90 idem ibidem, p. 6. Burke refere-se ao personagem do livro de Natalie Davis, O retorno de Martin Guerre, um camponês francês do XVI que foge de casa
para servir como soldado e, quando voltou para casa, descobriu que seu lugar, no campo de trabalho e na sua cama com sua mulher, tinha sido ocupados por
outro. Já o personagem George Psalmanazar, o homem das mil faces, foi um aventureiro francês do século XVIII que, com suas fantasias, chegou a enganar
os sérios cientistas da Royal Society.
110
cultura letrada de sua terra. O que podemos afirmar, com certeza, é que Analice Caldas,
embora oriunda das famílias de senhores de engenho, não era membro de nenhum dos
grupos oligárquicos paraibanos, elementos básicos para se identificar um membro da
aristocracia rural provincial, apesar de ter herdado e administrado até seus últimos dias de
vida, parte das propriedades de sua família. No entanto, as viagens de navio e avião que
realizava constantemente ao Rio de Janeiro, numa época em que longas viagens era uma
aventura perigosa e extremamente cara, exclusiva da elite, nos indica que não se tratava
também de alguém de poucos recursos.
Quanto à sua formação acadêmica, concluímos que freqüentava a principal escola
de formação pedagógica da época, comungando dos mesmos direitos e privilégios dos
filhos e das filhas da classe média da capital, único espaço onde as mulheres podiam
continuar seus estudos e se profissionalizar, algo que em si já constituía numa grande
conquista em sua época. É bem verdade que algumas de suas amigas chegaram a freqüentar
as faculdades de Direito e Medicina em Pernambuco, a exemplo de Olivina Carneiro da
Cunha e Eudésia Vieira. Ressaltamos que poucas famílias valorizavam a educação e o
cultivo das letras das suas filhas. Por isso, fica a interrogação acerca dos interesses
diferenciados da família de Analice Caldas com sua formação.
No que diz respeito à sua dedicação ao magistério, contada e decantada por aqueles
que criaram a figura da “emérita educadora”, se levado ao pé da letra, o que conseguimos
depreender, é que ela abraçou o magistério como qualquer outro profissional educador de
sua época. Sem os exageros de alusão à sua personagem, podemos dizer que Analice
Caldas foi uma educadora comprometida, tendo a oportunidade e o mérito de ter lecionar
logo após conclusão do pedagógico, até sua aprovação no concurso em âmbito federal para
lecionar no Liceu Industrial, consolidando desde cedo sua independência financeira. É
verdade também que, diferentemente das demais, além de ensinar, lia e escreva muito, o
que lhe rendeu espaços em impressos, jornais e revistas. É relendo seus textos que
percebemos que tinha o dom da palavra, da oratória e sabia se expressar de forma elegante
através da palavra escrita.
Porém, não foi somente nos ambientes das letras que Analice expressou seu
interesse. Preocupada com o papel da mulher na sociedade do pós-guerra (da primeira
guerra), não descansou na placidez e na meiguice de sua época, atirou-se na consolidação
111
da conquista de novos direitos a que correspondiam deveres severos e fortes para um
melhor equilíbrio da sociedade moderna.
Desde que apareceram os primeiros escritos sobre Analice Caldas, sempre se
insistiu em reforçar algumas características que marcavam suas idéias, crenças e posições
políticas: para alguns historiadores, uma mulher moderna dedicada às letras feminias, para
outros, uma personagem estritamente ligada ao movimento feminista na Paraiba. Quanto à
primeira não há duvida quanto à sua inserção intelectual, algo que não necessariamente,
deveria ser comprovada com a condição de grande escritora, embora tenha sido
personagem relevante entre o seleto grupo de intelectuais do IHGP.
Na capital teve permanentes contatos com diversos intelectuais os quais
possivelmente tenham motivado-a no desenvolvimento dos seus pendores pelas letras, pois,
já como professora emérita pelo Liceu Industrial, escrevia constantemente contos e
pequenos ensaios didáticos, publicado pela tipografia da escola, que nos leva a supor que
essa atividade, possa ter sido uma constante ao longo de sua vida, o que lhe rendeu a
oportunidade de entrar para aquele seleto grupo de intelectuais.
Sua atuação como educadora, voltada, principalmente, para os menos favorecidos, a
quem se dispunha ensinar gratuitamente em sua casa (LINS, 1976), sua ação em defesa dos
mais humildes, isso, quando no exercício do magistério, deve ter sido também uma
influência direta dos ideais em voga no seu momento histórico, pois, como todos as
mulheres cultas da época e versada no magistério e na literatura, Analice Caldas também
deve ter bebido na fonte do movimento da chamada Escola Nova, que esboçou-se na
década de 1920, no Brasil. O mundo vivia, à época, um processo de crescimento industrial
e de expansão urbana e, nesse contexto, um grupo de intelectuais brasileiros sentiu
necessidade de preparar o país para acompanhar esse desenvolvimento. A educação era por
eles percebida como o elemento-chave para promover a remodelação requerida. Inspirados
nas idéias político-filosóficas de igualdade entre os homens e do direito de todos à
educação, esses intelectuais viam num sistema estatal de ensino público, livre e aberto, o
único meio efetivo de combate às desigualdades sociais da nação.
Esse movimento,denominado de Escola Nova, ganhou impulso na década de 1930,
após a divulgação do Manifesto da Escola Nova (1932). Nesse documento, defendia-se a
universalização da escola pública, laica e gratuita. Entre os seus signatários, destacavam-se
112
os nomes de Anísio Teixeira - futuro mentor de duas universidades no país - a Universidade
do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, desmembrada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas e a Universidade de Brasília, da qual era reitor, quando do Golpe Militar de 1964. Além
dessas realizações, Anísio foi o fundador da Escola Parque, em Salvador (1950), instituição
que posteriormente inspiraria o modelo dos Centros Integrados de Educação Pública CIEPs, no Rio de Janeiro, na década de 1980. Fernando de Azevedo (1894-1974) - que
aplicou a Sociologia da Educação e reformou o ensino em São Paulo na década de 1930;
Lourenço Filho (1897-1970) – professor; Cecília Meireles (1901-1964) - professora e
escritora; A atuação destes pioneiros se estendeu pelas décadas seguintes sob fortes críticas
dos defensores do ensino privado e religioso. As suas idéias e práticas influenciaram uma
nova geração de educadores como Darcy Ribeiro (1922-1997) e Florestan Fernandes
(1920-1995).
De sua crença, nada podemos afirmar, uma vez que não existe – ou pelo menos não
encontramos – nada que assegure sua vinculação a alguma religião, ou doutrina. Ao
contrário de outras mulheres de sua época que não se cansavam de afirmar suas convicções
católicas. Sobre isso, não localizamos nada escrito por ela e nenhuma referência daqueles
que escreveram sobre ela.
Falou-se sempre de Analice Caldas, como a fiel admiradora do presidente João
Pessoa, tal o grau de admiração que se envolveu nas campanhas pró Aliança Liberal e nas
campanhas cívicas após os acontecimentos de 1930. Todavia, praticamente todas as
mulheres de sua época, também abraçaram aqueles idéias de modernidade, exceção das que
tiveram seus interesses contrariados, ou seja, das famílias tradicionais ligadas às oligarquias
do sertão. A classe média urbana que começava se inquietar com os padrões dominantes
oligárquicos e da qual Analice Caldas fazia parte se identificava com a administração do
presidente João Pessoa, que por sua vez, buscou nesse grupo, consolidar em seu governo o
fortalecimento da economia e da administração pública da capital paraibana.
Sobre a sua vinculação à A.P.P.F, era expectativa de pesquisa identificar a atuação
de Analice Caldas, porém, uma curiosidade: por que não localizamos seus escritos
revelando as idéias que tanto defendia? A resposta a qual podemos chegar, é que talvez ela
atuasse nos bastidores do movimento, adotando uma outra tática para difundir suas idéias.
Seus textos, por exemplo, falavam das mulheres que se destacavam como expoentes na
113
literatura, na musica e nas artes pelo Brasil e fora dele. Quando assumiu a direção da
Associação em 1943, ela, seguramente, não tinha o mesmo caráter de sua fundação em
1933, haja vista que o regime Vargas silenciou todo e qualquer movimento social, tornando
completamente obscura as atividades dessa associação. No caso específico, nos cabe
também indagar: onde estão os documentos oficiais, textos, cartas e atas da APPF, que
apesar da perda de sua importância política, continuou funcionando normalmente mesmo
sem quase nenhuma visibilidade?
Esse grupo de mulheres com o qual Analice Caldas conviveu, trabalharam
primeiramente como professoras, popularizaram indiscutivelmente o saber, mesmo
impregnado de concepções masculinas e dos grupos hegemônicos dominantes, desafiando
as normas até então estabelecidas por uma sociedade patriarcal, onde se preconizava o
papel da mulher apenas como mãe e esposa abnegada, para quem a casa era o altar no qual
depositava sua esperança de felicidade, sendo o casamento sua principal aspiração.
As pioneiras da A.P.P.F, à sua maneira “comportadas”, abriram as portas para uma
tomada de consciência da sua submissão social reagindo ao pensamento opressor
tradicional da sua época. Essas conquistas não se deram sem luta, tendo a participação de
grupos especializados de intelectuais femininas, a exemplo de Analice Caldas e tantas
outras, que atuaram nas organizações e nos movimentos de mulheres, principalmente,
através dos meios de comunicações da época: revistas femininas e jornais, que se
constituiram em um elemento transformador da sociedade e da a organização de uma nova
cultura.
Nesse contexto, coube ao feminismo no Brasil denunciar a desvalorização da
mulher, manifestada pela sociedade patriarcalista, expressa através de nossa cultura
tradicional e conservadora, e que se constituiu a partir das resistências, lutas e conquistas
que compuseram a história das mulheres, colocando-se como movimento vivo, cujas lutas
estão presentes no processo de construção da nossa história.
Dos vários estudos que tratam das carreiras de homens e mulheres comuns, pobres
ou ricas, mais inteligentes que, no século XX, conseguiram alguma projeção política, social
ou cultural, acreditamos ser o presente estudo uma prova do quanto se pode dizer sobre a
vida de uma personagem comum que se destacou em seu meio simples e demarcada ainda
pelo atrasado urbano, fazendo-se com isso, uma personagem extraordinária, mesmo com as
114
ausências e as lacunas apresentadas pelas fontes e com as limitações bibliográficas
existentes.
Assim, não nos propusemos reconstruir uma figura da heroína, mas, de uma mulher
de vida real, como foi Analice Caldas de Barros. Sobre a necessidade oficial da história em
construir a figura do mito ou da heroína, parafraseamos Carvalho (1990 p. 55/56).
Tem de responder a alguma necessidade de aspiração coletiva, refletir
algum tipo de personalidade ou comportamento que corresponda a um
modelo coletivamente valorizado. Na ausência de tal sintonia, o esforço
de mitificação de figuras políticas resultará vão. Os pretendidos heróis
serão, na melhor das hipóteses, ignorados pela maioria e, na pior,
ridicularizados.
A imagem que podemos recompor de Analice Caldas, olhando-o do presente em
meio aos registros de suas ações, nos fazem pensá-la como uma figura feminina atuante do
inicio do século XX, bastante peculiar. Foi educada em uma conjuntura de profundas
desigualdades, em que se clamava pela democratização da educação para a maioria da
sociedade. Mesmo assim, identificou-se com parcela dos excluídos da sociedade,
envolvendo-se com a formação da juventude e com os estudantes pobres, mediante a
atuação em escolas rurais, no ensino profissional e também, particular.
Tornou-se uma jornalista operosa na Paraíba, escrevendo e participando da
fundação de pequenos jornais. Não chegou a constituir sua própria família, fato ainda
obscuro em nossa pesquisa. Morreu como pesquisadora, planejando publicar o seu primeiro
livro sobre a origem histórica de sua terra natal e de sua família.
Debruçando-nos sobre os documentos de que dispomos, concluímos que se tratava
de uma alegre mulher, elegantemente vestida e sempre de cabeça erguida, falando numa
posição onde poucas mulheres de sua época tiveram oportunidade de alcançar. Esses são
alguns significados que vamos construindo na pesquisa, recolhendo pistas que nos edificam
sentidos múltiplos. Dessa mesma forma, são assim as nossas vidas, constituídas de
múltiplos significados, posto que, somos plurais. Percebemos nesses vários registros
recolhidos acerca da vida da educadora Analice Caldas, traços e pistas de ontem que
ajudam a reconstruir parte do enredo de sua vida, permitindo também levantar questões
pertinentes à história da educação, à atuação de professoras daquela época, bem como as
práticas políticas e culturais.
115
Nesse cenário, finalmente indagamo-nos: quantas “analices” ainda esperam sua vez
de fazer parte da história que ajudou a construir? Assim, pretendemos não somente ser
narradores dessa história, mas, sobretudo, um leitor e ouvinte atento às vozes que têm
muito a contar, haja vista que por meio do estudo do passado buscamos a compreensão dos
problemas peculiares ao nosso tempo, principalmente, em se tratando da história das
mulheres, que tal como a entendemos, ainda é bastante recente e em construção.
116
Referenciam Bibliográficas
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