PONTO DE VISTA
Financiamento em
tempos de crise
Luiz Alberto Petitinga
Presidente da Agência de Fomento do Estado da Bahia
(Desenbahia) e professor da Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
A crise de confiança que se espalhou pela economia
mundial e a forte retração da liquidez internacional repercutem inevitavelmente sobre o Brasil. Nem as ações coordenadas de diversos bancos centrais, nem as sucessivas
intervenções empreendidas pelos governos das principais
economias mundiais conseguiram evitar o agravamento
dos processos recessivos dos países avançados, que se
refletem na desaceleração econômica e na contração do
mercado de crédito dos países emergentes.
No Brasil, a dificuldade de captação de novos recursos
no mercado de capitais e a restrição de acesso às linhas
de crédito internacionais são importantes mecanismos
de contágio do mercado interno. Além disso, a instabilidade cambial e a incerteza em relação aos volumes e
às instituições envolvidas em operações com derivativos
também provocaram desaceleração na concessão de
financiamentos, exercendo impactos negativos sobre as
condições de funcionamento da economia.
A despeito desse cenário, o crédito alcançou, no último
mês de fevereiro, a marca recorde de 41% do PIB, mantendo uma trajetória consistente de expansão (Gráfico 1).
Isso mostra que, não obstante o conjunto de restrições
mencionadas, existem hoje mais recursos disponíveis
para financiar os gastos correntes e de investimento.
Isso não quer dizer que o mercado de crédito doméstico
tenha ficado imune à crise, mas que as intervenções do
setor público sustentaram a oferta de crédito interna,
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Gráfico 1
Operações de crédito/PIB (%)
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arrefecendo os impactos negativos da crise mundial
sobre o Brasil. Entre agosto de 2008 e fevereiro de 2009, a
participação do sistema financeiro público nas operações
de crédito totais passou de 34,3% para 37,1%. Os créditos
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), em particular, ampliaram-se quase 20%
nesse período, elevando a participação dessa instituição
no total de crédito ofertado de 16,0% para 17,3%.
Essa injeção de recursos não é a única vertente da atuação anticíclica empreendida para atenuar os efeitos
adversos do cenário restritivo. A redução dos depósitos
compulsórios, a aquisição de carteiras de crédito de
pequenos e médios bancos privados pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil, a redução de
alíquotas de tributos em algumas transações, a garantia
de continuidade dos investimentos previstos no Plano de
Aceleração Econômica (PAC) e o recente pacote anunciado para o setor habitacional são outros exemplos que
merecem destaque.
As alterações na dinâmica do mercado de crédito doméstico, todavia, exercem influência sobre as condições de
acesso ao crédito. Enquanto as linhas de crédito que
operam com recursos direcionados — realizadas com
taxas e recursos previstos em normas governamentais — ampliaram-se 16,0% no período de agosto de
2008 a fevereiro de 2009, os empréstimos com recursos
livres, absorvidos de forma mais pulverizada, cresceram somente 8,8%. Assim, micro, pequenas e médias
empresas tendem a enfrentar maiores dificuldades para
financiar os seus dispêndios.
Cientes dessas restrições, as instituições de fomento
estaduais e regionais têm procurado buscar alternativas
de financiamento, atentas, sobretudo, às necessidades
imediatas de capital de giro de empresas de menor porte
e de empresas capazes de exercer efeitos encadeadores
importantes sobre o conjunto da economia. Com esse
intuito, a Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia) lançou, com recursos do Fundo de Desenvolvimento
Social e Econômico (Fundese), um fundo estadual, a linha
Credifácil Giro Especial, com limite de financiamento para
capital de giro de até R$ 2 milhões. Definindo setores
prioritários e procurando atenuar dificuldades associadas
às garantias, emprestamos, apenas nos dois primeiros
meses de operação do programa, R$ 5,5 milhões. Além
disso, operamos com repasses do Programa Especial de
Crédito (PEC) do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), também criado para atenuar as
restrições enfrentadas pelas empresas durante o período
de crise. No âmbito desse programa, repassamos, em
janeiro e fevereiro de 2009, R$ 2 milhões. Adicionalmente,
canalizamos, no primeiro bimestre do ano, pouco mais
de R$ 1,5 milhão para o programa de microcrédito, R$
2,7 milhões para o Protaxi e 8,8 milhões para as demais
linhas do Credifacil. Isso sem falar nos recursos destinados ao setor agrícola e de outras linhas repassadas do
BNDES. No total, injetamos R$ 23,6 milhões na economia
baiana, valor quase quatro vezes superior ao registrado
no primeiro bimestre de 2008.
As instituições públicas de fomento estão fazendo a
sua parte para reduzir as distorções conjunturais do
mercado creditício e abrandar os efeitos recessivos da
crise de liquidez, iniciada com os problemas estruturais
do sistema financeiro norte-americano.
Como os tempos de crise podem ser também enxergados
como momentos de reflexão e de estruturação de novas
oportunidades, temos expectativas de que as nossas
taxas de juros venham alcançar um patamar compatível
com os fundamentos macroeconômicos obtidos pelo
Brasil. Isso, certamente, facilitaria as condições de acesso
ao crédito, fortalecendo o papel do financiamento como
alavanca do desenvolvimento.
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