LUÍS HENRIQUE ALVES SOBREIRA MACHADO
A EFETIVIDADE DA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO
Monografia
de
curso
apresentada
como
requisito para obtenção de menção e conclusão
de
pós-graduação
da
Fundação
Escola
Superior do Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios.
Orientador: Prof. Júlio Roberto dos Reis
BRASÍLIA – DF
2009
Para minha mãe, que me ensinou os valores da vida. A meu pai, que me
ensinou a ter uma vida de valores. E a minha irmã, que simboliza tudo isso.
“A primeira dimensão de uma vida perfeita é o desenvolvimento das forças
interiores de uma pessoa. Ela deve trabalhar incansavelmente para atingir a
excelência no campo dos seus esforços, não importa quão humilde seja.
Aplique-se seriamente a descobrir qual a sua finalidade na vida e então
dedique-se apaixonadamente a realizá-la. Este lúcido esforço progressivo em
direção à própria satisfação é o comprimento da vida de um homem.”
Martin Luther King
RESUMO
O novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, denominado de
repercussão geral pela Emenda Constitucional nº 45, tem a difícil atribuição de obstruir a
quantidade avassaladora de recursos que deságuam no Supremo Tribunal Federal. Tendo em vista
esta árdua tarefa a ser cumprida, o presente trabalho busca esclarecer as principais dúvidas
atinentes à repercussão geral. Far-se-á, portanto, uma breve digressão histórica para compreender
a natureza do instituto. Além disso, será analisada, detalhadamente, a doutrina e a jurisprudência
a respeito do tema, e, sobretudo, a forma como se dá o seu processamento. Assim, após detida
verificação dos aspectos controvertidos que envolvem a matéria, a monografia tem a incumbência
de responder à seguinte proposição: a repercussão geral é um instrumento efetivo a ponto de
contribuir para a redução de processos endereçados à Suprema Corte?
Palavras-Chave: Constitucional; Processo Civil; Recurso Extraordinário; Requisito de
admissibilidade; Repercussão Geral; Lei 11.418/2006; Emenda Regimental nº 21; Represamento
do recurso extraordinário/amostragem.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 6
1
RECURSO EXTRAORDINÁRIO..................................................................................8
1.1 Da origem do recurso extraordinário à repercussão geral ................................. 8
1.2 Juízo de admissibilidade e de mérito do recurso extraordinário ..................... 19
1.3 A classificação dos requisitos de admissibilidade .............................................. 22
2
REPERCUSSÃO GERAL.............................................................................................26
2.1 Repercussão Geral e a Argüição de Relevância ................................................. 26
2.2 A suposta inconstitucionalidade do instituto da repercussão geral e o caráter
objetivo do recurso extraordinário. .................................................................................. 33
2.3 Repercussão Geral – conceito vago ? .................................................................. 39
2.4 Repercussão Geral e o Poder Discricionário...................................................... 44
2.5 Do Direito Intertemporal ..................................................................................... 46
3
LEI 11.418/2006 E A EMENDA REGIMENTAL Nº21 .............................................. 49
3.1 Momento destinado para análise da repercussão geral e o procedimento por
meio eletrônico .................................................................................................................... 49
3.2 Competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal para apreciação da
repercussão geral ................................................................................................................ 56
3.3 Da irrecorribilidade da decisão que recusa a repercussão geral...................... 61
3.4 Intervenção do amicus curiae .............................................................................. 63
3.5 Repercussão geral por amostragem: a garantia de efetividade do instituto ... 67
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 74
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 76
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tratará do novo requisito de admissibilidade do recurso
extraordinário, denominado pela Emenda Constitucional nº 45 de Repercussão Geral. A partir
de agora, a mais alta Corte do país, pelo menos no que toca à apreciação do recurso
extraordinário, somente o conhecerá, se a questão constitucional nele versada transcender os
interesses subjetivos da causa. Isto é, só se adentrará na análise do mérito se a matéria contida
no bojo do recurso for de alta pertinência para a sociedade, fazendo com que assuntos
corriqueiros não façam parte do cotidiano da Corte.
Como método de trabalho, será feita, inicialmente, uma abordagem da
matéria partindo de premissas gerais. Para isso, mister se faz analisar, de forma superficial, o
recurso extraordinário. Em um segundo momento, esmiuçando o tema, a monografia trará à
baila as questões controvertidas atinentes à repercussão geral e possíveis soluções.
Os capítulos serão divididos na seguinte ordem: a) do recurso
extraordinário; b) a repercussão geral; c) Lei 11.418/2006 e Emenda Regimental nº 21. No
que toca ao primeiro capítulo, far-se-á uma digressão histórica para que se possa compreender
a origem, a causa, o processamento e os problemas que assolam o recurso extraordinário. Já o
segundo capítulo tratará da repercussão geral. Será analisada a constitucionalidade do
instituto, o seu conceito, bem como a natureza do poder concedido à Suprema Corte. Por
derradeiro, o último capítulo da monografia enfrenta as principais dúvidas que acercam o
novel instituto. Dentre os mais relevantes podem-se citar: o momento exato para apreciação
do “incidente”; o procedimento por meio eletrônico; detalhes sobre a intervenção do amicus
curiae e, sobretudo, o engenhoso sistema de represamento dos recursos extraordinários nas
instâncias inferiores, onde reside a real possibilidade de êxito da repercussão geral.
Desse modo, o trabalho faz questão de ressaltar que se o Legislador não
tivesse ousado a ponto de inserir no instituto o procedimento que se conhece por amostragem,
a efetividade do mecanismo da repercussão geral restaria seriamente comprometida.
Portanto, evidenciar-se-á, ao longo de toda monografia, que o exercício
individualizado da jurisdição do Supremo Tribunal Federal encontra-se totalmente inviável,
além de obsoleto. Por isso, a implementação da medida vem em boa hora. No entanto,
somente o tempo dirá se o instituto da repercussão geral irá vingar ou se tornará mais uma
providência inócua que irá para os escaninhos e alfarrábios da história do direito brasileiro.
1 DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
1.1 Da origem do recurso extraordinário à repercussão geral
Superado o período monárquico, com a proclamação da República a 15 de
novembro de 1889, inúmeras modificações ocorreram do ponto de vista político, jurídico,
social, econômico e até religioso com a jovem república brasileira. Dentre as modificações
mais significativas, à guisa de exemplos, podem-se citar: a promulgação da primeira
Constituição brasileira Republicana, de 1891, inspirada na Constituição norte-americana, por
orientação de Rui Barbosa; a instauração da federação, como forma de estado; a adoção do
sistema da tripartição de poderes; a adesão ao regime presidencialista; a inserção do controle
judicial incidental de constitucionalidade; o fim do catolicismo como religião oficial, entre
outros acontecimentos que marcaram a época.1
Em virtude da nova Constituição, Os Estados Unidos do Brasil, como era
denominado, vivenciava um dos momentos mais delicados de toda sua história. Necessário se
fazia, a todo custo, reestruturar o Estado, robustecer as instituições e, sobretudo, dinamizar a
economia para que o país pudesse adentrar no século XX como uma nação promissora.2
Foi nessa seara, envolto por um momento conturbado e marcado por
profundas transformações, que surgiu, antes mesmo de ser promulgada a Constituição de
1891, o recurso extraordinário. O Decreto 848,3 de 11/10/1890, expedido pelo governo
provisório, instituiu o respectivo recurso e no ano seguinte, em 24/02/1891, passou a integrar
1
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 78 e
79.
2
FONSECA, Annibal Freire da. As Constituições do Brasil. A Constituinte de 1891, o Sistema Constitucional
brasileiro, objeções e vantagens. V. 2, p.7 e 8.
3
MACIEL, Adhemar Ferreira. Restrição à admissibilidade de recursos na Suprema Corte dos Estados
Unidos e no STF. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9178> “O Decreto nº 848
instituiu o Supremo Tribunal Federal e a Justiça Federal.” Acesso em 15/08/2009.
9
expressamente o texto constitucional, muito embora não tivesse ainda esta exata
denominação.4
O recurso endereçado ao Supremo Tribunal Federal tinha como objetivo a
análise das sentenças das justiças dos estados em última instância, quando se questionasse
sobre a validade ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do tribunal do estado
fosse contra ela, ou se contestasse a validade de leis ou de atos dos governos dos estados em
face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do tribunal do estado considerasse
válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.5
Desse modo, como se pode constatar, o recurso inspirado no writ of error,6
importado do direito norte americano, possuía função ambivalente. Isto é, visava “garantir a
supremacia da lei federal e da Constituição em toda a Federação.”7 O recurso extraordinário
era responsável direto pela proteção, austeridade e fiel cumprimento não só da Carta
Constitucional, mas também da legislação infraconstitucional. Além disso, o recurso também
4
PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado.São Paulo:
Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666 e 1665. “Somente recebeu essa denominação, pela primeira vez, no Regimento
Interno do STF de 26/02/1891. A Lei nº 221 de 1894 denominou este recurso de apelação tendo,
posteriormente, a Lei nº 1.939 de 1907, alterado novamente o seu nome para recurso extraordinário. Esse
nome foi definitivamente adotado, a nível constitucional, a partir da Constituição de 1934, que disciplinava o
recurso extraordinário no artigo 76,2,III.”
5
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1891. Artigo 59, §1º, alíneas
a e b.
6
MACIEL, Adhemar Ferreira. Restrição à admissibilidade de recursos na Suprema Corte dos Estados Unidos e
no Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9178/
COMMAGER, CF, 1958, p. 154. “Na seção 25 da Lei Orgânica Federal Americana (Judiciary Act-1789),
estava previsto um recurso judicial contra as decisões finais dos tribunais estaduais de mais alta instância
quando se questionasse a validade de lei federal ou de tratado, ou quando tais decisões fossem "repugnant to
the constitution, treaties, or laws of the United States". O nome desse meio impugnativo era "writ of error".”.
“O recorrente, ao interpor o recurso, alegava error in procedendo ou error in iudicando, isto é, errors of the
law (erros de direito) da decisão recorrida, a fim de que a Suprema Corte federal anulasse (cassasse) ou
reformasse o julgado.”
7
PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado. São Paulo:
Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666.
10
tinha a finalidade de conferir maior segurança jurídica às decisões do Poder Judiciário para
que houvesse estabilidade e confiança nas relações sociais.8
No entanto, não tardou a aparecerem os primeiros sintomas ocasionados
pela má implementação do recém-criado recurso, e por razões óbvias. Como foi mencionado,
o recurso extraordinário é na sua essência uma reprodução fiel do writ of error e isso,
infelizmente, gerou graves problemas. Tudo porque há uma dessemelhança fundamental entre
ambos os países, qual seja: “a competência legislativa federal, no Brasil, é ampla, ao contrário
do que ocorre no direito norte-americano, onde tal competência é bem mais restrita.”9
Conforme leciona Pedro Lessa:
“O que diferencia um do outro é que, competindo pela Constituição norteamericana aos Estados legislar sobre o direito civil, comercial e penal, e
sendo essa atribuição entre nós conferida ao Congresso Nacional, maior há
de ser necessariamente em nosso país o número de casos em que tal recurso
pode e deve ser interposto.”10
Sendo assim, tendo em vista a enorme quantidade de recursos interpostos,
percebeu-se, em pouco tempo, que o Supremo Tribunal Federal estava sobrecarregado. Era
totalmente inviável que um único órgão, composto por somente 15 juízes,11 “pudesse exercer
o controle da legalidade e de constitucionalidade das decisões proferidas por todos os demais
tribunais do país.”12
8
PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado. São Paulo:
Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666.
9
MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 126.
10
Apud, MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed.
rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 119.
11
FALCÃO, Djaci. O Poder Judiciário e a Nova Carta Constitucional. Revista de Processo nº53, SP,
jan./fev./mar/ 1989, pp. 201-208, p.206. “De acordo com a Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil, de 1891, o STF seria composto por 15 Ministros. Esse número foi reduzido para 11, em 1931;
novamente elevado, mas dessa vez para 16, 1965; sendo composto por 11 Ministros atualmente”.
12
PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado. São Paulo:
Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666.
11
Dessa forma, haveria em tese três maneiras para tentar equacionar o
problema. Primeiro, seria modificar a Constituição, transferindo parte da competência
legislativa da União para os Estados.13 É indubitável que tal medida reduziria drasticamente a
quantidade de questões federais a serem suscitadas e, por via de conseqüência, desafogaria a
Suprema Corte, a qual tinha a incumbência do controle de legalidade.
Segundo, seria criar mecanismos, verdadeiros óbices regimentais, que
funcionassem como uma espécie de filtro recursal, impedindo a interposição assoberbada de
recursos extraordinários endereçados ao Supremo Tribunal Federal.14 Terceiro, criar um novo
Tribunal que ficasse responsável pelo controle da legalidade infraconstitucional. Ao Supremo,
tocaria fazer tão-somente o controle de constitucionalidade, sendo, portanto, subtraída parte
de sua competência.15
No entanto, as duas primeiras hipóteses não vingaram. No que toca à
transferência de competência legislativa da União para os Estados, o problema surgiu por
inúmeros motivos, mormente, porque “os limites da repartição regional e local de poderes
dependem da natureza e do tipo histórico de federação.”16
Em um sistema federativo que se dá por agregação, proveniente de um
tratado internacional dissolúvel que é a Confederação, é comum que os Estados que compõem
a Federação tenham suas competências dilatadas pelo fato de gozarem, antes mesmo de seu
13
14
15
16
PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado. São Paulo:
Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666.
MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. São Paulo:
Revista dos Tribunais .4. ed. rev., p. 126.
MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. São Paulo:
Revista dos Tribunais 4. ed. rev., p. 127.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.
475. O autor ainda afirma: “a Constituição de 1988 estruturou um sistema que combina competências
exclusivas, privativas e principiológicas com competências comuns e concorrentes, buscando reconstruir o
sistema federativo segundo critérios de equilíbrio ditados pela experiência histórica”
12
ingresso, de autonomia própria.17 Isto é, possui de forma ilimitada a denominada “tríplice
capacidade: auto-organização e normatização própria; autogoverno e auto-administração.”18
No entanto, “os Estados que ingressam na federação perdem a sua soberania no momento
mesmo do ingresso, preservando, contudo, uma autonomia política limitada.”19 Foi o que
ocorreu com os Estados Unidos.
Por outro lado, o sistema federativo que se dá por desagregação é oriundo de
um Estado unitário que se caracteriza pela centralização político-administrativa. Isto é, o
governo central detém os poderes principais e suas províncias são na realidade unidades
administrativas, e não, unidades políticas com poderes específicos. Nessa vertente, quando se
instaura o Estado Federal, é mais do que natural que se torne limitado o campo de atuação
legislativa dos Estados membros.20 Foi o que efetivamente aconteceu com o Brasil.
Insta frisar que não foi somente por razões históricas que a transferência de
competência legislativa da União para os Estados não se efetivou. Na verdade, nunca houve,
de fato, qualquer debate ou discussão que trouxesse à baila uma nova revisão constitucional a
respeito do tema.21 Deveras, “a falta de vontade política” gerou uma espécie de “hipertrofia
legislativa,” sobrecarregando de forma excessiva a competência da União.
A segunda hipótese seria criar verdadeiros óbices regimentais para tentar
reduzir consideravelmente o número de recursos interpostos perante o Supremo Tribunal
17
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.475.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.São Paulo: Atlas. 20. ed. 2006, p. 255.
19
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado.São Paulo: Saraiva. 11. ed. p. 227.
20
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.475.
21
PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado.São
Paulo:Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666.
18
13
Federal. No entanto, “tais tentativas22 ou não lograram êxito ou foram objetos de longas
controvérsias.”23
Dessa forma, devido a todas as circunstâncias acima descritas, com o
advento da Constituição de 1988, o legislador pátrio optou pela terceira alternativa, já
defendida na década de 60, por José Afonso da Silva,24 qual seja: a criação de um novo
tribunal, o qual passaria a se chamar Superior Tribunal de Justiça.
Este novo Tribunal (STJ) veio a absorver parte considerável da competência
até então atribuída ao Supremo Tribunal Federal. A este, caberia tão-somente fazer o controle
de constitucionalidade; enquanto aquele tinha a incumbência de fazer o controle da legalidade
infraconstitucional. Isto é, a matéria que afetava o recurso extraordinário abarcava tanto o
controle de constitucionalidade, como o controle de legalidade. Depois de 1988, o STJ
tornou-se competente para processar e julgar o recurso especial e a partir daí passou a ser
adjetivado como o “Guardião da Legislação Infraconstitucional”. Nélson Pinto sintetiza:
“Na verdade, o recurso especial, previsto no artigo 105, Inciso III, da CF de
1988, nada mais é do que uma derivação do antigo recurso extraordinário, de
competência do STF. Portanto, o recurso especial encontra a sua origem no
antigo recurso extraordinário, que sofreu com a Constituição de 1988 um
desdobramento, passando toda a matéria infraconstitucional para a
competência do STJ, que aprecia via recurso especial, permanecendo na
22
23
24
MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 126 e 127. José Miguel Garcia Medina, em seu livro, faz menção a
José Carlos Moreira Alves que rememora as seguintes tentativas: “a Lei 3.396/58 exigiu que o despacho de
admissão do recurso extraordinário fosse motivado, à semelhança do que já ocorria com o que não admitia; a
Emenda Regimental de 28.08.1963 criou a súmula como instrumento de trabalho para facilitar a
fundamentação dos julgados; a Emenda Constitucional 16/65 outorgou ao STF competência para julgar
representações de inconstitucionalidade de lei e atos normativos, estaduais e federais, com a finalidade de lhe
permitir num único julgamento, solver a questão da constitucionalidade, ou não, dessas normas, o que
estancaria, no nascedouro, a fonte de recursos extraordinários que lhe seriam interpostos se a declaração da
inconstitucionalidade se tivesse de fazer em cada caso concreto; em 1970 o Regimento Interno estabeleceu
uma série de casos de restrições ao recurso extraordinário; em 1977, a EC nº 07, introduziu o instituto da
argüição de relevância.”
MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 126 e 127.
MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 128.
14
competência do STF, pela via do recurso extraordinário, apenas a matéria
constitucional.”25
Portanto, criar um novo Tribunal foi a alternativa escolhida pelo legislador
constituinte para tentar solucionar a crise que vivenciava a Suprema Corte. Apesar de todo
esforço empregado, analisando as atribuições, as competências delegadas ao Superior
Tribunal de Justiça e os números de processos distribuídos desde 1988, não é difícil notar que
o problema, lamentavelmente, só mudou de endereço.
Muito embora não se utilize o termo “terceira instância”, foi na verdade o
que se fez. Alegava-se que o STJ, julgando a matéria infra em sede de recurso especial, não
tinha a incumbência de analisar o caso concreto em si, mas o objetivo a atingir era de
uniformizar a jurisprudência e dar maior segurança jurídica às decisões proferidas pelo Poder
Judiciário quando envolvesse questões federais.
Entretanto, sabe-se que ao julgar o recurso especial, conquanto não
reexaminando prova, analisa-se e decide-se o caso concreto por via oblíqua, mesmo não sendo
esse o intuito do instituto. Gera, assim, uma espécie de “terceira instância recursal” e
conseqüentemente acarreta uma maior morosidade para o processo.26
O ideal era que os Tribunais de Justiça dos Estados atuassem como última
instância no que toca às análises de questões federais. Bastaria ter tão-somente uma
1ª(primeira) instância para conhecer o caso e uma 2ª (segunda) que exercesse o papel de “casa
25
26
PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado.São Paulo:
Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666.
No mesmo sentido: MAGALHÃES, Hugo de Carvalho Ramos. O Recurso Extraordinário no cível, seus
pressupostos, condições e juízo de admissibilidade. Revista de Processo. V. 49. SP. P. 224-228 Analisando
situação análoga, referindo-se ao STF: “É uma terceira instância sempre que julga os recursos denominados
extraordinários.” Em sentido contrário: BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no
direito brasileiro.São Paulo. Saraiva. 2004, p. 83 e 84. “Não se trata aqui de um “terceiro grau” de jurisdição,
no qual possa haver rediscussão dos fatos e reexame da prova. Cuida-se tão somente da reapreciação da
questão de direito, e de direito constitucional, que hajam sido discutidas e apreciadas na instância de origem,
vale dizer, que tenham sido objeto de prequestionamento.”
15
revisora” desses julgados, porém em âmbito estritamente estadual. Para tanto, como foi
explanado, mister se fazia delegar algumas competências da União para os Estados, que por
razões já mencionadas não foi realizado.
Até o momento, tudo indica que não foi a melhor opção criar um novo
Tribunal o qual fosse inteiramente responsável pelas decisões de todos os demais tribunais do
país, quando a matéria versasse sobre questões federais. Somente a título exemplificativo,
foram distribuídos ao Superior Tribunal de Justiça, conforme o Banco Nacional de dados do
Poder Judiciário:27 42.954 REsp, em 1999; 55.896, em 2000; 99.873, em 2001; 82.782, em
2002; 116.813, em 2003. Sem contar agravos, habeas corpus, mandados de segurança, entre
outras atribuições conferidas a esta Corte.
De acordo com os dados acima, foram distribuídos, em 5 (cinco) anos,
398.318 REsp para 33 ministros. Uma média de mais de 12 mil processos para cada um.
Portanto, a idéia de criar um novo Tribunal, pelo menos no que tange à agilidade da prestação
jurisdicional, não vem surtindo o efeito esperado.28 Deveras, conclui-se que houve a
transferência de acúmulo de processos do STF para o STJ.
Já em relação ao recurso extraordinário, o qual versa, depois de 1988,
somente sobre matéria de cunho constitucional, houve no início uma sensível melhora
justamente porque as questões federais passaram a ser apreciadas pelo STJ. Não obstante, o
número de demandas endereçadas ao STF também aumentou consideravelmente. E isso se
deve, principalmente, porque o acesso ao Poder Judiciário vem sendo facilitado a cada ano.
27
28
Disponível em: http://www.stf.gov.br/bndpj/movimento/Movimento6B.asp. Acesso em: 27/08/2009.
Revista Justilex. Ano V. Setembro de 2006, p. 49. “O Superior Tribunal de Justiça deve ultrapassar este ano
(2006) o montante de dois milhões de processos julgados desde sua instalação, em abril de 1989. Segundo o
presidente, ministro Barros Monteiro, o expressivo número dificulta o trabalho do Poder Judiciário. “O
volume excessivo de processos que chegam ao Tribunal impede que os ministros analisem as questões mais
importantes”, declara o presidente.”
16
À guisa de exemplos, podem-se citar: a implementação da Justiça Itinerante;
a promulgação da Lei 9099/96 referente aos juizados especiais; recentemente, no dia
22/06/2007, “o STF julgou eletronicamente o primeiro RE distribuído pelo sistema e-STF.
Por meio do novo sistema, os recursos são apresentados e distribuídos para os ministros do
STF inteiramente por meio eletrônico;” 29 entre outras melhorias realizadas.
Prova dessa constatação são os números. O Banco Nacional de dados do
Poder Judiciário30 registra que no ano de 2006 foram distribuídos 54.575 RE e 56.141
agravos, totalizando 110.716 processos. Estatística que destoa por completo da média
internacional, se comparados com os números das Cortes Constitucionais dos demais países.
Para se ter uma idéia, o Tribunal Constitucional alemão, no ano de 2005, recebeu 4.967
demandas e apreciou o mérito de apenas 301.31 Já a Suprema Corte americana, também em
2005, recebeu 8.521 processos e julgou somente 87.32
Assim, tendo em vista os dados apresentados, não há como deixar de
reconhecer que a Suprema Corte brasileira continua extremamente atarefada, assoberbada de
processos aguardando julgamento, evidenciando-se, de fato, uma verdadeira crise
institucional que está à procura de soluções.
Diante dessa realidade, tendo em vista a crônica situação que assola o
recurso extraordinário, o legislador pátrio, ao aprovar a EC nº45/04, inseriu no artigo 102, §3º
29
Disponível em: <http://www.azevedosette.com.br/noticias/noticia?id=1026>.(RE 551.746). Acesso em:
29/08/2009.
30
Disponível em: <http://www.stf.gov.br/bndpj/movimento/Movimento6B.asp>. Acesso em 29/08/2007.
31
MENDES, Gilmar Ferreira. Ives Gandra da Silva Martins (org.)..[et al.]. Direito e Processo do Trabalho em
transformação. Rio de Janeiro. Elsevier. 2007, p. 87. “Recorde-se que o número de processos julgados ou
recebidos pela Corte Constitucional alemã, entre 1951 e 2002 (141.712 processos) é equivalente ao número de
pleitos que o STF recebe em um ano ou dois anos.”
32
O GLOBO. O País. Casos sem relevância atolam Supremo. Páginas: 10 e 11. Carolina Brígido. Domingo, 25
de novembro de 2007.
17
do texto constitucional mais um requisito de admissibilidade no RE, qual seja: a Repercussão
Geral das questões constitucionais.
A partir de agora, o Supremo Tribunal Federal só conhecerá o recurso
extraordinário quando a questão constitucional oferecer repercussão geral, ou seja, quando
discutir questões relevantes dos pontos de vista econômico, político, social ou jurídico,
ultrapassando, assim, os interesses subjetivos da causa.
O objetivo do instituto é fazer com que somente as questões de relevante
interesse para a sociedade sejam conhecidas e posteriormente julgadas no mérito pelo
Supremo. É totalmente inviável que os Ministros continuem apreciando processos cuja
matéria verse, por exemplo, sobre: furto de galinhas,33 desaparecimento de jaqueta de couro
em lavanderia,34 recolhimento de animal doméstico por “carrocinha”35 e desavença entre
vizinhos.36
Vale lembrar que o instituto recém-incorporado ao ordenamento jurídico
brasileiro é “amplamente adotado por diversas Cortes Supremas, tais como: Suprema Corte
33
O GLOBO. O País. Casos sem relevância atolam Supremo. Páginas: 10 e 11. Carolina Brígido. Domingo, 25
de novembro de 2007. “O trabalhador rural João José Rambo, do Rio Grande do Sul, entrou na Justiça pedindo
indenização por danos morais. Ele alega que foi condenado injustamente pelo furto de cinco galinhas – três
gordas e duas magras, segundo o processo. Ele ficou preso por 11 meses, mas conseguiu anular a sentença por
falta de provas. No entanto, ainda não foi indenizado.”
34
O GLOBO. O País. Casos sem relevância atolam Supremo. Páginas: 10 e 11. Carolina Brígido. Domingo, 25
de novembro de 2007. “Uma jaqueta de couro preta desapareceu de uma lavanderia no Guarujá. Como a cliente
não chegou a um acordo com os donos da loja sobre o valor a ser ressarcido, a Justiça fixou um valor
intermediário. A lavanderia não se conformou e recorreu ao Supremo.”
35
O GLOBO. O País. Casos sem relevância atolam Supremo. Páginas: 10 e 11. Carolina Brígido. Domingo, 25
de novembro de 2007. “Uma moradora de Belo Horizonte teve a sua cadela recolhida pela carrocinha. O animal
foi sacrificado e a dona entrou na Justiça pedindo indenização.”
36
Disponível em: <http://stf.empauta.com>. Acesso em 02/09/2009. “Em 2000, o Supremo se viu à frente de um
processo decorrente de uma briga entre moradores de um condomínio que não se conformavam com a presença
de um cão supostamente feroz na casa de um dos condôminos. Eles discutiam na Justiça a cobrança de uma
multa do proprietário do cachorro e o caso acabou indo parar no Supremo sob alegação do princípio
constitucional de cerceamento de defesa”.(AI 279.236, Min. Celso de Mello, DJ 09/06/2000).
18
norte-americana e o seu writ of certiorari;37 a Suprema Corte Argentina e o requisito de
trascendencia,”38 entre outros.
Portanto, a Repercussão Geral, cuja função rememora a antiga argüição de
relevância, introduzida pela EC 07, de 1977, é mais uma tentativa para evitar a interposição
exacerbada de recursos extraordinários e definitivamente desobstruir esse obstáculo que vem
causando sérios transtornos ao Supremo Tribunal Federal.
37
38
Disponível em: <http://www.studentske.sk/anglictina/supreme_court.doc>. A writ is an order issued in the
name of a court, and certiorari means to call up for a review. Tradução livre. “Writ é uma ordem expedida
em nome da Corte, e certiorari significa requisitar para revisão.” Acesso em: 02/09/2009.
Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?cod=33780>. Quarta-feira, 20 de
dezembro de 2006 - Migalhas nº 1.561. Acesso em: 02/09/2009.
1.2 Juízo de admissibilidade e de mérito do recurso extraordinário
Para que o recorrente possa lograr êxito com a interposição do recurso
extraordinário, necessariamente, devem sobrepujar-se dois obstáculos, quais sejam: juízo de
admissibilidade e o juízo de mérito. Sabe-se que há, inelutavelmente, uma relação de
interdependência entre ambos os procedimentos. De fato, inexiste a possibilidade do órgão
jurisdicional competente adentrar no mérito do recurso (STF) sem que antes requisitos gerais
e específicos preexistam à sua análise.39
O juízo de admissibilidade é, portanto, pressuposto fundamental para atingir
a análise de mérito, sendo que ambos os procedimentos são elementos indissociáveis para
haver o exame integral do recurso extraordinário. Desse modo, a fim de que a máquina
judiciária possa ser provocada de maneira adequada, mister se faz preencher uma série de
requisitos legais e jurisprudenciais.
Sem isso, não há como retirá-la de seu estado inerente de inércia. Relevante
ressaltar que esse ônus imposto ao litigante ocorre não só no momento da interposição do
recurso, como também no ajuizamento da ação. Nelson Nery Júnior leciona que existe uma
espécie de:
“co-relação entre ação e recurso, de sorte que se poderia transportar para a
fase recursal, no que respeita à análise dos requisitos de admissibilidade de
um recurso, as exigências que, aqui, corresponderiam às condições da ação:
possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse
processual (CPC, artigo 267, VI). As condições da ação, portanto, devem
estar preenchidas para que seja possível o exame do mérito, pretensão
deduzida em juízo. Somente depois de ultrapassado o seu exame é que o
magistrado poderá colocar fim à incerteza que pesa sobre determinada
relação jurídica[...]. Quanto ao recurso, ocorre fenômeno assemelhado.
39
NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 252.
“O juízo de admissibilidade dos recursos antecede lógica e cronologicamente o exame de mérito. É formado
de questões prévias. Estas questões prévias são aquelas que devem ser examinadas necessariamente antes do
mérito do recurso, pois lhe são antecedentes.”
20
Existem algumas condições de admissibilidade que necessitam estar
presentes para que o juízo ad quem possa proferir o julgamento do
recurso.”40
Portanto, para que haja o regular encadeamento de atos processuais e que o
processo prospere com segurança, deve-se averiguar tanto as condições da ação para o
ajuizamento, como realizar o juízo de admissibilidade para que o recurso seja interposto. De
outro modo não haveria ordem processual. Quaisquer das partes ou terceiros poderiam, por
exemplo, ajuizar ação ou recorrer da decisão do jeito e da forma que quisessem e no momento
que lhes conviesse. Seria uma verdadeira “anarquia processual”!
Não são por outras razões que ao impor a observância ao juízo de
admissibilidade dos recursos, o CPC consagrou essas questões pré-meritoriais como matérias
de ordem pública. Nessa proposição, em se tratando de recurso extraordinário,
“mesmo que o recorrido nas contra-razões do recurso não argúa preliminar de nãoconhecimento do recurso por ausência de um dos requisitos de admissibilidade, o tribunal
deverá examinar essa questão de ofício.”41
Insta frisar que se o recorrente cumprir integralmente os requisitos gerais e
específicos exigidos, ter-se-á superado o juízo de admissibilidade, passando-se em seguida à
análise meritorial, na qual se averigua o teor das razões e o objeto da questão controvertida
posta em juízo. Dessa forma, quando se constata que o recurso extraordinário transpôs o juízo
de admissibilidade, diz-se que o recurso foi “conhecido”; por outro lado, se houve carência de
algum requisito (seja ele geral ou específico) fala-se que o recurso “não foi conhecido”.
Quanto ao mérito, se o objeto da questão controvertida for deferida em favor do recorrente, a
40
41
NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 252.
MIRANDA, Gilson Delgado. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil comentado.São
Paulo: Atlas.2004. 2ª. ed. p. 1572.
21
praxe forense consagrou a expressão “dar provimento”; no entanto, se for indeferida, a
expressão que se tem por hábito utilizar é “negar provimento.”
Finalmente, cabe analisar qual o órgão competente para realizar o juízo de
admissibilidade e de mérito do recurso extraordinário. Não restam dúvidas de que a
competência para julgar o mérito do recurso em estudo é do Supremo Tribunal Federal, por
imposição constitucional. No que toca ao juízo de admissibilidade, a própria lei processual
confere ao órgão a quo fazer provisionalmente o primeiro exame dos requisitos exigidos,
sejam gerais ou específicos.42 Isto é, não compete de forma exclusiva ao STF fazer o juízo de
admissibilidade do RE, ao contrário do que ocorre com juízo de mérito.43
Sendo assim, tendo em vista a importância do juízo de admissibilidade, este
passa obrigatoriamente por dupla-análise. Num primeiro momento, pelo órgão a quo (de
quem se recorre), e num segundo momento, pelo órgão ad quem (para quem se recorre).
Resta observar que a decisão proferida pelo órgão a quo não tem caráter
vinculante, ou seja, pode ocorrer do STF discordar da decisão proferida pela instância
inferior, reformando a decisão, e impor a subida do recurso extraordinário. Em caso do órgão
a quo não “conhecer do recurso extraordinário”, a decisão interlocutória prolatada desafia o
recurso de agravo de instrumento (CPC, artigo 544).44
42
Atente-se que compete ao STF, de forma exclusiva, a apreciação da existência de repercussão geral. Requisito
específico do RE.
43
MIRANDA, Gilson Delgado. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil comentado. São
Paulo: Atlas.2004.2ª. ed. p. 1572.
44
MIRANDA, Gilson Delgado. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil comentado.São
Paulo: Atlas.2004. 2ª. ed. p. 1572-1573.
1.3 A classificação dos requisitos de admissibilidade
A partir de agora, cabe averiguar o objeto do juízo de admissibilidade do
recurso extraordinário. Isto é, deve-se analisar não só cada elemento exigido pela lei
processual, mas também pela jurisprudência para que o recurso extraordinário esteja
devidamente credenciado para apreciação do mérito. Os requisitos são: o cabimento, a
legitimação para recorrer, o interesse em recorrer, a tempestividade, o preparo, a regularidade
formal e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer,45 o
prequestionamento,46 o não reexame de prova, o exaurimento completo de instâncias e, por
fim, a repercussão geral das questões constitucionais.47
Os escritores contemporâneos têm por hábito dividir os requisitos de
admissibilidade, mencionados supra, em grupos de classificação.48 Não há unanimidade na
doutrina pronunciando-se a favor de um ou de outro critério.49 No entanto, a classificação
proposta por Barbosa Moreira vem sendo adotada por boa parte dos processualistas
brasileiros, dentre eles: Nelson Nery Júnior, Araken de Assis, Nélson Luiz Pinto, Ovídio
45
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
40.
46
MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 326-327. Prequestionamento como requisito de admissibilidade do
RE. No mesmo sentido: BUZAID, Alfredo. “O prequestionamento é uma das condições de admissibilidade do
recurso extraordinário.” Em sentido contrário: MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento não é
requisito de admissibilidade porque: a) “se nem a norma infraconstitucional pode criar óbices à
admissibilidade do RE e do REsp, quanto mais a jurisprudência, mesmo que solidificada em súmulas; b) não
há na Constituição Federal, expressa ou implicitamente, referência ao questionamento prévio, pelas partes,
perante a instância inferior.” Tendo em vista o posicionamento de Medina, deduz-se que o mesmo raciocínio
pode ser levado em conta quando se tratar de não reexame de prova. Súmula 279 do STF. “Para simples
reexame de prova não cabe recurso extraordinário.” Já em relação ao completo exaurimento de instâncias e a
repercussão geral, ambos os casos têm previsão constitucional a respeito, artigos 102, inciso III e 102, §3º,
respectivamente.”
47
RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão geral na teoria dos recursos: juízo de admissibilidade. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7858>. Acesso 07/09/2009.
48
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
40.
49
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
40.
23
Baptista da Silva, entre outros.50 A fim de elaborar sua classificação, Barbosa Moreira levou
em consideração a decisão judicial a ser impugnada, “que é o objeto do recurso, para nominar
os pressupostos em intrínsecos e extrínsecos. Para o processualista, a divisão em intrínsecos
se refere ao poder de recorrer, e em extrínsecos ao modo de exercer o recurso.”51
Quanto aos requisitos intrínsecos (poder de recorrer), compreendem: o
cabimento, a legitimação para recorrer e o interesse de recorrer,o prequestionamento, o não
reexame de prova, o exaurimento completo de instâncias e a repercussão geral das questões
constitucionais.52 Por outro lado, compõem os requisitos extrínsecos (modo de exercer o
recurso): a tempestividade, a regularidade formal, a inexistência do fato impeditivo ou
extintivo do poder de recorrer e o preparo.53
Há, também, outra classificação que se divide em requisitos gerais e
específicos.54 Os requisitos gerais são: o cabimento, a legitimação para recorrer, o interesse
em recorrer, a tempestividade, o preparo, a regularidade formal e a inexistência de fato
impeditivo ou extintivo do poder de recorrer. Em contrapartida, os requisitos específicos são:
50
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
40.
51
NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 273.
52
Repercussão Geral como requisito intrínseco. No mesmo sentido: MARINONI, Luiz Guilherme e
MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. 2007, São Paulo, Revista dos
Tribunais.p. 33. “O artigo 543-A do CPC refere que o STF, em decisão irrecorrível, não conhecerá do RE,
quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral. Trata-se de requisito intrínseco
de admissibilidade recursal: não havendo repercussão geral, não existe poder de recorrer ao STF.” Em sentido
contrário: RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão geral na teoria dos recursos. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7858>. “A Repercussão Geral, segundo nos parece, está ligada
a aspectos externos – extrínsecos. Tendo em vista que é a própria Constituição que afirma que o recorrente
deverá demonstrar a repercussão geral da questão constitucional para que o Tribunal examine a admissão do
RE, nos parece óbvio que o novo instituto se constitui num requisito de admissibilidade específico do RE,
ligado a fatores externos da decisão recorrida.”Acesso em:07/09/2009.
53
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
40.
54
PAIVA, Lúcio Flávio Siqueira de. A lei nº 11.418/06 e a repercussão geral no recurso extraordinário.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9470>.
24
o prequestionamento, o não reexame de prova, o exaurimento completo de instâncias e a
repercussão geral das questões constitucionais,55 no caso do RE.
Assim, faz-se necessário dar um toque de especialidade em relação ao
recurso extraordinário, inserindo requisitos específicos de admissibilidade. Mesmo porque, a
principal função do recurso é de garantir a segurança jurídica da ordem constitucional, isto é,
prezar pela uniformização dos julgados, “e não de corrigir ou sanar qualquer injustiça do
quadro fático.”56
A última classificação é bem simples, cabe avaliar se os requisitos de
admissibilidade são de ordem jurídica ou política. De ordem jurídica são: o cabimento, a
legitimação para recorrer, o interesse em recorrer, a tempestividade, o preparo, a regularidade
formal e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, o
prequestionamento, o exaurimento completo de instâncias e o não reexame de prova. De
ordem política subsiste tão-somente a repercussão geral das questões constitucionais.57
O prequestionamento e o preparo, por exemplo, são requisitos de índole
objetiva. Isto é, em relação ao primeiro, a questão constitucional foi ou não objeto de análise
pelo órgão recorrido; quanto ao segundo, houve ou não o pagamento prévio no que tange à
custa do processamento do recurso. Logo, a matéria a ser averiguada é constatada no “corpo”
dos autos do processo. Por conseguinte, os requisitos são de ordem estritamente jurídica.
55
RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão Geral na teoria dos recursos: juízo de admissibilidade.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7858>.“Contudo, em prol da simplificação que
se espera do sistema do processo civil, seja no âmbito legal ou doutrinário, preferimos meramente observar a
repercussão geral como mais um requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário.”Acesso
em: 08/09/2009.
56
PAULA, Breno de. O problema da valoração da prova em recurso especial. Elaborado em 12/2000.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2415&p=2>. Acesso em: 08/09/2009.
57
RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão geral na teoria dos recursos: juízo de admissibilidade. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7858>. Referindo-se a Arruda Alvin: “A verificação da
repercussão geral da questão constitucional é verdadeiro pronunciamento de caráter político.” Acesso em
08/09/2009.
25
Já a repercussão geral, é requisito de índole subjetiva. A própria
Constituição confere ao Supremo Tribunal Federal o poder para decidir se conhecerá ou não o
recurso extraordinário.58
A Constituição Federal estipula que o recurso extraordinário somente
poderá ser recusado pela manifestação de 2/3 dos ministros do STF. Ficará a critério de cada
um deles dizer se na matéria a ser julgada há questões relevantes dos pontos de vista
econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. É,
indubitavelmente, uma espécie de “filtro recursal”, impedindo que questões de menor
importância venham a ocupar a pauta dos ministros do STF.
Em suma, tendo em vista todos os critérios analisados, quer sejam:
intrínsecos ou extrínsecos, gerais ou específicos, políticos ou jurídicos, conclui-se que o
instituto da repercussão geral é um requisito de admissibilidade intrínseco porque se trata do
poder de recorrer. Afinal, pressuposto intrínseco é o que diz respeito a fatores internos à
decisão judicial que se pretende impugnar.
É requisito específico porque não pertence a todo e qualquer recurso, mas ao
apelo extraordinário, o qual tem a incumbência de garantir a segurança sistêmica da ordem
constitucional. Por fim, é político porque é um requisito de índole subjetiva. Constitui-se
prerrogativa do Supremo Tribunal Federal averiguar se a questão a ser julgada é relevante dos
pontos de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapasse os interesses subjetivos
da causa.
58
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 68. Referindose a José Carlos Moreira Alves. “A aferição da relevância é julgamento de valor, havendo, pela natureza
mesma de tais julgamentos, larga margem de subjetivismo.”
2 REPERCUSSÃO GERAL
2.1 Repercussão Geral e a Argüição de Relevância
Como foi visto, desde a instituição do recurso extraordinário pelo Decreto nº
848/1890 até a criação do Superior Tribunal de Justiça em 1988, o recurso objeto de nosso
estudo possuía competência dúplice, ou seja, abarcava tanto matéria de cunho constitucional,
como infraconstitucional. Sendo assim, desaguou um número infindável de processos no STF,
tornando-se inevitável o acúmulo de recursos extraordinários à espera de julgamento.
Diante de tal situação, a Suprema Corte vivenciava um momento delicado e
algo de concreto deveria ser feito para equacionar o problema. Não faltaram tentativas59 para
resolver o que se conhecia por “crise do Supremo.”60 Indubitavelmente, uma das tentativas
mais expressivas e que geraram maior expectativa foi a introdução no ordenamento jurídico
brasileiro do instituto da argüição de relevância.
“A solução encontradiça tem similar nos EUA no writ of certiorari e no
Direito Alemão no Recurso de Revisão.”61 Sua função precípua era reduzir o número de
interposição de recursos extraordinários quando a matéria suscitada versasse tão-somente
59
60
61
MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 126 e 127. José Miguel Garcia Medina, em seu livro, faz menção a
José Carlos Moreira Alves que rememora as seguintes tentativas: “a Lei 3.396/58 exigiu que o despacho de
admissão do recurso extraordinário fosse motivado, à semelhança do que já ocorria com o que não admitia; a
Emenda Regimental de 28.08.1963 criou a súmula como instrumento de trabalho para facilitar a
fundamentação dos julgados; a Emenda Constitucional 16/65 outorgou ao STF competência para julgar
representações de inconstitucionalidade de lei e atos normativos, estaduais e federais, com a finalidade de lhe
permitir num único julgamento, solver a questão da constitucionalidade, ou não, dessas normas, o que
estancaria, no nascedouro, a fonte de recursos extraordinários que lhe seriam interpostos se a declaração da
inconstitucionalidade se tivesse de fazer em cada caso concreto; em 1970 o Regimento Interno estabeleceu
uma série de casos de restrições ao recurso extraordinário; em 1977, a EC nº 07, introduziu o instituto da
argüição de relevância.”
MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 126.
ANDRIGHI,
Fátima
Nancy.
Argüição
de
relevância.
Disponível
em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/633/1/.pdf>. Acesso em 11/09/2009.
27
sobre questão federal.62 Isto é, a questão federal argüida deveria ser relevante do ponto de
vista social, econômico, político ou jurídico; de outro modo, a Suprema Corte rejeitava o
recurso extraordinário.63
A argüição de relevância vigorou no Brasil em torno de 13 anos, mais
precisamente, entre 1975 a 1988. No entanto, a primeira vez que se teve notícia do instituto
foi em meados da década de 60.64 No ano de 1967 foi dado o primeiro passo importante para
implementar a argüição de relevância. Com o advento da Constituição naquele ano, o texto
maior conferiu amplos poderes à Suprema Corte, conferindo inclusive “competência para
elaborar, com força de lei, seu Regimento interno.”65
Como se não bastasse, a Emenda Constitucional nº1, de 1969, outorgou
mais poderes ao Supremo Tribunal Federal. “Esses poderes consistiam em permissão para que
o STF, através de seu regimento interno,66 indicasse as causas em que não poderiam interpor o
RE quando invocadas as hipóteses previstas no artigo 119, inciso III, alíneas a e d.”67
62
63
64
65
66
67
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47. p. 65-66.
MACIEL, José Alberto Couto. Revista Jurídica Consulex – ano XI – nº 252 – 15/07/2007, p. 51.
“Interessante notar que a argüição era apresentada em autos apartados e apreciada pelo STF, em sessão do
Conselho. Das mais de 30.000 argüições feitas, apenas 5% das argüições foram acolhidas, sendo que 20%
deixaram de ser conhecidas por deficiência do instrumento e o restante (75%) foram rejeitadas.”
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 65. “Em 1965,
Ribeiro da Costa, Ministro da Suprema Corte, arquitetou o relatório, o qual possuía proposições para o
anteprojeto de Reforma do Poder Judiciário daquela época. Esse documento continha inúmeras propostas
inovadoras, dentre elas a positivação da relevância de questão federal como requisito de admissibilidade do
recurso extraordinário.”
ALVES, José Carlos Moreira. A Missão Constitucional do Supremo Tribunal Federal e a Argüição de
Relevância de Questão Federal. Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros nº 58/59, RJ, 1º e 2º
sem.1982, p. 41-62.
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 66. “O
Regimento Interno do STF entrou em vigor em 15/10/1970.”
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 66.
28
Sendo assim, foi por meio da Emenda Regimental nº368 (STF), de
12/06/1975, que restou configurada a implementação do instituto da argüição de relevância de
questão federal no direito brasileiro.
No ano de 1977, em virtude da Emenda Constitucional nº7,69 a argüição de
relevância foi definitivamente agasalhada pela Constituição. Todavia, o instituto teve vida
curta e só perdurou no texto maior por mais onze anos. A Constituição Federal de 1988 não
tratou do assunto em nenhum de seus artigos.
No entanto, devido à Emenda Constitucional nº45/2004, a necessidade de
demonstrar a relevância da matéria ressurgiu no direito brasileiro, mas agora com nova
roupagem e sob nomen juris de Repercussão Geral. O espírito é o mesmo, qual seja: a seleção
de recursos importantes. Porém, não há possibilidade de se confundir com a antiga argüição
de relevância pelo fato de possuir dessemelhanças fundamentais.
A principal diferença entre a argüição de relevância e a Repercussão Geral é
que enquanto aquela versava sobre matéria infraconstitucional, esta dispõe sobre questões de
cunho meramente constitucional.70 Desse modo, torna-se estéril qualquer discussão que venha
68
69
70
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 67. “Emenda
responsável por alterar o regimento Interno, do STF, de 1970. Alargaram-se de forma considerável as
hipóteses em que seriam vedadas a interposição de RE. Efetivando, de fato, o instituto da argüição de
relevância.”
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 67. “A Emenda
Constitucional nº7/1977 repisou todas as vedações consubstanciadas no artigo 308 do RISTF, as quais
restringiam os casos de interposição do recurso extraordinário”.
MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual. nº 50, p. 96.
29
confrontar o que “o STF entendia por relevante questão federal e o que, provavelmente, passa
a entender por questão constitucional de repercussão geral.”71
Outra distinção constatada foi o fato do instituto da argüição de relevância
ser analisada em sessão secreta e sem motivação,72 algo que colidiria frontalmente com atual
Constituição Federal sendo objeto de flagrante inconstitucionalidade. Vale frisar que o artigo
93, inciso IX, da CF/88, dispõe que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos73 e todas as decisões fundamentadas. Coincidência ou não, a dispensa de tais
exigências harmonizava-se perfeitamente com o regime militar instituído à época.74
Houve também outra mudança importante em relação ao instituto. Na
argüição de relevância, os ministros da Suprema Corte votavam pela admissão da matéria
argüida. Isto é, havia presunção negativa de admissibilidade porque “o recurso extraordinário
não trazia em seu bojo qualquer questão relevante e, portanto, não seria conhecido, salvo se os
Ministros votassem em sentido contrário.”75
Já em relação à Repercussão Geral, a própria Constituição é expressa no
sentido de que o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões
constitucionais, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo
71
72
73
74
75
MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual. nº 50, p. 99.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo:Atlas. 2006, p. 531. A falta de
fundamentação encontra paralelo no Direito Comparado. “Note-se, porém, que a própria Lei do Tribunal
Constitucional Alemão, em seu artigo 93, permite que uma seção formada por três juízes possa, por
unanimidade, não admitir o recurso constitucional, quando não presentes os seus pressupostos, em decisão
irrecorrível, e que não necessita ser fundamentada. Dessa forma, na prática, o Tribunal Constitucional Federal
pode exercer o mesmo juízo de admissibilidade discricionário que a Suprema Corte Americana, mesmo
porque, repita-se, a decisão de não conhecimento não precisa ser fundamentada.”
Emenda Regimental (STF) nº 21/2007. Artigo 329. A presidência do Tribunal promoverá ampla e específica
divulgação do teor das decisões sobre repercussão geral, bem como da formação e atualização de banco
eletrônico de dados a respeito.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. P.8. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007.
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 69.
30
recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. Depreende-se que há presunção
positiva de admissibilidade, ou seja, a questão constitucional suscitada pelo recorrente
pressupõe relevância, a não ser que os Ministros entendam de forma contrária, votando pela
inadmissão da repercussão geral.76
Por fim, a última diferença plausível de análise diz respeito à função
inclusiva da argüição de relevância, e excludente da repercussão geral. No que toca à
argüição, se o recurso extraordinário não se encaixasse nas hipóteses de cabimento estipulado
pelo STF, ainda restaria mais uma via de acesso para que o recurso fosse admitido, bastaria
que o recorrente demonstrasse a relevância da matéria suscitada. Daí compreende-se o motivo
pelo qual a argüição de relevância possuía função inclusiva.77
A Repercussão Geral, por seu turno, tem função tipicamente excludente de
admissibilidade do recurso extraordinário. É com certeza um novo requisito de
admissibilidade, e não mais uma hipótese de cabimento do RE, como era na argüição de
relevância. “Enquanto a argüição constituía um mecanismo de atribuição de admissibilidade
apenas a recursos que não encontrassem expressamente previstos na enumeração regimental,
a Repercussão Geral é exigida de todo e qualquer apelo extraordinário.”78
Entre similaridades e distinções, não restam dúvidas de que a argüição de
relevância foi uma tentativa de racionalizar o recurso extraordinário, dando ensejo à
objetivação do processo e, por via de conseqüência, robustecendo a função principal do
76
77
78
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 69.
ANDRIGHI,
Fátima
Nancy.
Argüição
de
relevância.
Disponível
em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/633/1/.pdf>. “A argüição de relevância é excludente da
inadmissibilidade do recurso extraordinário, porque somente deverá ser interposto nos casos em que o recurso
extraordinário é manifestamente inadmissível.”Acesso em: 21/09/2009.
FÉRES, Marcelo Andrade. Impactos da EC nº 45/2004 sobre o Recuso Extraordinário: a Repercussão Geral
(ou Transcendência) e a nova alínea d, do inciso III, do artigo 102, da Constituição. Revista Dialética de
Direito Processual nº 39. São Paulo, p. 105-112.
31
Supremo Tribunal Federal, qual seja: a segurança jurídica de matérias infraconstitucionais e
constitucionais.
A idéia de afastar as questões que versam sobre o interesse exclusivo das
partes é inerente à atividade recursal excepcional. Tanto é que algumas tentativas foram
realizadas com intuito de reavivar o instituto similar à argüição de relevância no direito
brasileiro.79
Indubitavelmente, a mais importante foi o advento do artigo 896-A da CLT
que dispõe: “O TST, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece
transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou
jurídica.” O presente artigo foi inserido pela MP nº 2226/2001, objeto de ação direta de
inconstitucionalidade.
Vários motivos fundamentaram a ação, dentre os mais plausíveis deve-se
destacar que somente por meio de lei poder-se-ia regulamentar a competência do TST. Tendo
em vista a suposta inconstitucionalidade do artigo, o TST não regulamentou o critério da
transcendência no recurso de revista.80
Denota-se, perceptivelmente, que a Lei já dava claros indícios do que estaria
por vir. Era um verdadeiro prenúncio do instituto da Repercussão Geral. Conclui-se, portanto,
que o legislador constituinte de 1988, ao menosprezar a argüição de relevância,81 equivocouse em considerar que ao criar o Superior Tribunal de Justiça, transferindo questões de cunho
79
80
81
MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual nº 50, p. 96-97.
MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual nº 50, p. 96-97.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. P.8. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 18, 2007. Atribui a
não adoção da argüição de relevância pela CF/88 ao “momento histórico vivido, o qual determinou a repulsa,
visto que havia um clamor, ao tempo de ditadura, contra a total discricionariedade com que o STF decidia em
sessão secreta a relevância, ou não, do recurso, sem necessidade de qualquer motivação ou julgamento.”
32
infraconstitucional para esta Corte, equacionaria o problema que afetava o recurso
extraordinário.82
Ficou evidenciado que banir o instituto de argüição de relevância do
ordenamento jurídico brasileiro não pareceu ser a decisão mais acertada.83 Tanto é verdade
que o legislador pátrio tentou resgatar a essência da argüição de relevância, estabelecendo
mecanismos semelhantes, até que se implementasse definitivamente a Repercussão Geral.
82
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (org) et all. Direito e processo do trabalho em transformação.Rio
de Janeiro: Elsevier. 2007, p. 16.
83
É evidente que algumas alterações deveriam ser realizadas em relação à argüição de relevância. Primeiro, para
compatibilizá-la com a Constituição de 1988 (p.ex.artigo 93, IX). Segundo, para dar um melhor rendimento
ao instituto.
2.2 A suposta inconstitucionalidade do instituto da repercussão geral e o caráter
objetivo do recurso extraordinário
Ao ser introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda
Constitucional 45/2004, muito se indagou sobre possíveis questionamentos ligados à suposta
inconstitucionalidade do instituto da repercussão geral das questões constitucionais. Isso
porque se questionava, basicamente, sobre “o direito de acesso às partes, em questões
subjetivas, ao Supremo Tribunal Federal, com possível ofensa à garantia de acesso pleno e
irrestrito à Justiça.”84
Diante de tal situação, resta esclarecer, para que não haja dúvidas quanto à
constitucionalidade do instituto, que a garantia de acesso pleno e irrestrito à Justiça deve ser
vista com reservas. Isto é, tal garantia não confere às partes direito subjetivo à jurisdição do
Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário.85 Nessa vertente, é
perfeitamente possível o indivíduo não ver sua causa julgada pela Suprema Corte e, ainda
sim, ter obtido a garantia de acesso pleno e irrestrito à Justiça.
Isso se dá porque ao acionar o Poder Judiciário, o indivíduo tem assegurado
todos os direitos inerentes à atividade jurisdicional, inclusive a faculdade de recorrer à
instância superior para que sua demanda seja devidamente reapreciada. Além disso, outro
aspecto que se deve levar em consideração é o fato dos órgãos do Poder Judiciário possuírem
competências, atribuições e prerrogativas distintas umas das outras.
Sendo assim, necessário se faz ressaltar que o Supremo Tribunal Federal
exerce papel diverso dos demais órgãos do Poder Judiciário. Não é simplesmente um órgão de
84
VIANA, Ulisses Schwarz. Da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Revista Jurídica Consulex.
Ano XI. nº 254, p. 62. 15/08/2007.
85
VIEIRA, Oscar Vilhena. Que Reforma ? USP – Estudos Avançados. v. 18, nº 51, maio/ago. 2004, p. 202.
34
revisão das cortes ordinárias, sua incumbência, em sede de recurso extraordinário, é garantir a
segurança sistêmica, zelando, sobretudo, pela integridade e estabilidade do ordenamento
normativo máximo do Estado, a Constituição Federal.
Desse modo, ao inserir a repercussão geral como mais um requisito de
admissibilidade do recurso extraordinário, conferindo o poder ao STF de determinar os casos
em que a própria Corte pode julgar, “resultou no fato de que ela deixou de ser simplesmente
um órgão judiciário comum. É um tribunal de recurso especial, apenas para a solução de
questões consideradas como envolvendo um interesse público substancial.”86
Como ressalta Gilmar Ferreira Mendes em seu voto no Processo
Administrativo nº 318.715:
“A função do Supremo nos recursos extraordinários – ao menos de modo
imediato – não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem de revisar
todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre partes,
trazido à Corte via recurso extraordinário deve ser visto apenas como
pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses
subjetivos. Tal perspectiva, a par de fortalecer o papel principal da Corte,
qual seja a defesa da Constituição, representa a única alternativa possível
para a viabilização do Supremo.”87
Corroborando com tal entendimento, Ulisses Schwarz Viana enfatiza:
“Sem dúvida vive-se um quadro em que as questões constitucionais, surgidas
incidental e intersubjetivamente, reproduzem-se geometricamente em um
número invencível de recursos extraordinários individuais (subjetivos),
tornando-se inviável o próprio funcionamento do Supremo Tribunal Federal
e, por conseqüência, relegando os grandes temas constitucionais a um plano
não compatível com a função precípua de Corte Constitucional, atribuída à
Suprema Corte na Carta de 1988.”88
86
SCHWARTZ, Bernard. Direito constitucional americano. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 177.
Apud.MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual. nº 50, p. 96.Passagem do voto proferido pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes – STF –
no Processo Administrativo 318.715, o qual deu origem à Emenda Regimental nº 12/2003.
88
VIANA, Ulisses Schwarz. Da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Revista Jurídica Consulex.
Ano XI. nº 254, p. 60. 15/08/2007.
87
35
Em apertada síntese, denota-se que a função do Supremo Tribunal Federal,
em sede de recurso extraordinário, é de garantir a uniformidade dos julgados, conferindo
segurança jurídica ao sistema recursal e não de julgar causas de interesse exclusivo das partes.
Daí surge o motivo pelo qual se fazia necessário implementar um sistema que filtrasse
questões versadas unicamente sobre demandas de cunho intersubjetivo.
Portanto, para que se possa justificar a constitucionalidade do instituto da
repercussão geral, deve-se conceber que o Supremo Tribunal Federal possui funções e
características distintas dos demais tribunais. Apreciar questões de índole exclusivamente
subjetiva compete às instâncias inferiores. Ademais, outra colocação digna de realce e que
reforça a constitucionalidade do instituto é o fato do indivíduo ter direito ao devido processo
legal, o qual tem como corolários a ampla defesa e o contraditório,89 além de ter assegurado,
sobretudo, a faculdade de recorrer ao segundo grau de jurisdição.
Diante do exposto, pode-se tirar a seguinte conclusão: a garantia de acesso
pleno e irrestrito à Justiça não confere direito subjetivo ao indivíduo à jurisdição do Supremo
Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário, quando se tratar de questões subjetivas.
Primeiro, porque a atividade recursal extraordinária, de cunho intersubjetivo, não
compatibiliza com a verdadeira função que a Corte Constitucional deve exercer. Segundo,
porque as garantias e direitos inerentes à atividade jurisdicional estão resguardadas às partes
nas instâncias ordinárias.
89
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.São Paulo:Atlas. 20. ed. 2006, p. 94.
36
Insta frisar a lição de Oscar Vilhena Vieira:
“A idéia de dar ao Supremo Tribunal Federal o poder de escolher – com
certo grau de discricionariedade – as causas que julgará, é da maior
relevância. Afinal, já se encontra satisfeito o princípio fundamental do duplo
grau de jurisdição. Nesse sentido, o acesso à jurisdição do STF, por meio de
recurso extraordinário, não seria um direito subjetivo absoluto, no sentido de
que, satisfeitas algumas condições objetivas, obrigado estaria o STF a
conhecer do recurso.”90
Logo, não é o fato da Suprema Corte possuir “o poder de análise” em julgar
ou não determinada causa que a garantia ao pleno acesso à Justiça será afetada, mesmo
porque o duplo grau de jurisdição permanece intocável.
Salutar se faz relevar um ponto de suma importância levantado por Oscar
Vilhena Vieira: “não há direito subjetivo absoluto do indivíduo de ter acesso à jurisdição do
STF, já que o princípio do duplo grau de jurisdição encontra-se devidamente satisfeito.”91
Entretanto, a demanda será objeto de análise pelo STF se o litígio posto em juízo vier a
transcender os limites subjetivos da causa, configurando-se como pressuposto indispensável
para o conhecimento do recurso extraordinário.
Com adoção do instituto da repercussão geral, vislumbra-se, portanto, uma
nova perspectiva no sistema brasileiro de controle difuso de constitucionalidade. Concede-se,
a partir de agora, tanto efeito vinculante,92 como eficácia objetiva erga omnes ao recurso
extraordinário.93 Não há como deixar de reconhecer que o recurso em tela passa por um
momento de verdadeira racionalização, deixando “de ter aspecto marcadamente subjetivo ou
90
VIEIRA, Oscar Vilhena. Que reforma ? USP – Estudos Avançados. v. 18. nº 51, maio/ago. 2004, p. 202.
VIEIRA, Oscar Vilhena. Que reforma ? USP – Estudos Avançados. v. 18. nº 51, maio/ago. 2004, p. 202.
92
O efeito vinculante aqui abordado é em relação à repercussão geral e não ao recurso extraordinário. Como se
sabe, a decisão do recurso extraordinário somente é dotada de força vinculante após cumprir o preceito
constitucional do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal.
93
VIANA, Ulisses Schwarz. Da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Revista Jurídica Consulex.
Ano XI, nº 254, p. 60. 15/08/2007.
91
37
de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa de
ordem constitucional objetiva.”94
Desse modo, o Supremo Tribunal Federal ao não apreciar questões de
interesse exclusivo das partes, reassume a sua real função de Corte Constitucional,
arrefecendo, portanto, a fervorosa discussão se a Suprema Corte exerceria ou não o papel de
terceira instância recursal, em sede de recurso extraordinário.
Quanto a esse último aspecto, vale salientar que o Supremo Tribunal
Federal não pode e nem deve desempenhar a função de terceira instância.95 Para isso, foi
necessário desenvolver mecanismos como a repercussão geral, cuja finalidade é fazer com
que subam apenas os recursos de interesse geral da sociedade. Nesse sentido, pondera
Humberto Theodoro Júnior:
“Sem um filtro prévio que detecte a presença de uma questão nacional em
torno da discussão travada no processo, é inevitável a transformação do STF
numa nova instância recursal. Foi a falta de filtragem da relevância do
recurso extraordinário que levou o STF a acumular anualmente milhares e
milhares de processos desnaturando por completo seu verdadeiro papel
institucional e impedindo que as questões de verdadeira dimensão pública
pudessem merecer a apreciação detida e ponderada exigível de uma
autêntica Corte Constitucional.”96
Denota-se que ao julgar demandas de interesse exclusivo das partes, em
sede de recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal torna-se uma espécie de terceira
instância recursal de acesso restrito, cabendo ao recorrente, tão-somente, preencher alguns
94
95
96
MENDES, Gilmar Ferreira. Ives Gandra da Silva Martins (org.)..[et al.]. Direito e processo do trabalho em
transformação.Rio de Janeiro: Elsevier. 2007, p. 91.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 18, 2007, p. 6 e 7. “Esse
tipo de recurso nunca teve a função de proporcionar ao litigante inconformado com o resultado do processo
uma terceira instância revisora da injustiça acaso cometida nas instâncias ordinárias. A missão que lhe é
atribuída é de uma carga política maior, é a de propiciar à Corte Suprema meio de exercer o seu encargo de
guardião da Constituição, fazendo com que seus preceitos sejam corretamente interpretados e fielmente
aplicados. É a autoridade e supremacia que toca ao STF realizar por via dos julgamentos dos recursos
extraordinários.”
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 18, 2007, p. 6 e 7.
38
requisitos específicos de admissibilidade para que tenha sua causa julgada pela Suprema
Corte.
Peter Härbele afirma que “a função da Constituição na proteção dos direitos
individuais (subjetivos) é apenas uma faceta do recurso de amparo.”97 No entanto, de acordo
com o panorama em que se encontra o recurso extraordinário, percebe-se, na verdade, que o
recurso de amparo é somente mais uma faceta para a proteção dos interesses individuais
(subjetivos) consubstanciado na Constituição.
Com o advento da repercussão geral, restabelece-se a real identidade do
recurso extraordinário porque “a ênfase subjetivista de solução de conflitos interindividuais
fica em segundo plano e, deste modo, passa-se a enfocar primeiramente o aspecto objetivo.”98
Dessa maneira, o Supremo Tribunal Federal poderá alcançar o resultado desejado, mormente
porque não se ocupará em corrigir eventuais erros das Cortes Ordinárias.99
Portanto, chega-se inevitavelmente à conclusão de que o exercício
individualizado da jurisdição do STF revela-se totalmente inviável. Já era tempo de se
resgatar o verdadeiro espírito do recurso extraordinário, conferindo a ele concepção objetiva.
Desse modo, a Suprema Corte desempenha, indubitavelmente, a sua função de guardiã da
Constituição, impedindo que inúmeros processos “continuem entulhados em suas
dependências, aguardando lenta distribuição, lenta análise e, muitas vezes, tardia decisão.”100
97
Apud. MENDES, Gilmar Ferreira. Ives Gandra da Silva Martins (org.)...[et al.]. Direito e processo do
trabalho em transformação.Rio de Janeiro:Elsevier. 2007, p. 91.
98
VIANA, Ulisses Schwarz. Da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Revista Jurídica Consulex.
Ano XI. nº 254.p.61. 15/08/2007.
99
MENDES, Gilmar Ferreira. Ives Gandra da Silva Martins (org.)...[et al.]. Direito e processo do trabalho em
transformação.Rio de Janeiro:Elsevier. 2007, p. 91.
100
Apud.MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual. nº 50, p. 96.Passagem do voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes – STF– no Processo
Administrativo nº 318.715, que deu origem à Emenda Regimental nº 12/2003.
2.3 Repercussão Geral – Conceito Vago ?
O ponto mais sensível e, talvez, o que venha acarretar maior discórdia entre
os doutrinadores em relação à implementação da repercussão geral é a definição do instituto
no que toca à sua abrangência e quais serão os critérios estabelecidos para seu exame e
avaliação. Como foi explanado nos capítulos anteriores, a repercussão geral é um requisito de
admissibilidade do recurso extraordinário totalmente distinto dos demais.
Isso se dá porque é um requisito político de admissibilidade, ou seja, é
concedido o poder aos ministros do Supremo Tribunal Federal de decidir se a questão objeto
de análise transcende ou não os interesses subjetivos da causa, seja nos âmbitos jurídico,
político, social ou econômico.
Por essa razão, ao possuir um conceito elástico e de grande flexibilidade
semântica, o instituto da repercussão geral vem sendo alvo de inúmeras críticas por dar ensejo
à imprecisão, isto é, concede-se inexoravelmente uma enorme margem de subjetivismo no
que tange à sua interpretação, acarretando, por via de conseqüência, grave insegurança
jurídica. Aliás, o que pode ser repercussão geral para uns, pode não ser para outros.101
A rigor, muito embora tais colocações devam ser consideradas, as críticas
não prosperam. Deve-se ter em mente que normas contendo conceitos vagos, vocábulos
plurisignificativos, é um fenômeno cada vez mais freqüente nos ordenamentos jurídicos
atuais. Afinal, tendo em vista “o crescimento das relações sociais e sua maior complexidade,
101
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 68.
40
seria impossível ao legislador prever todos os tipos de relações de onde possam nascer
conflitos de repercussão geral.”102
Desse modo, tendo em vista a vaguidade da expressão, agiu bem o
legislador “não enumerando as hipóteses que possam ter tal expressiva dimensão, porque o
referido preceito constitucional estabeleceu um conceito jurídico indeterminado, que atribui
ao julgador a incumbência de aplicá-lo diante dos aspectos particulares do caso analisado.”103
Nessa vertente, à medida que o Supremo Tribunal Federal publicar seus
acórdãos conferindo publicidade aos seus julgamentos, estes servirão de parâmetro para
delimitar e determinar o real alcance do conceito repercussão geral, analisando a matéria no
caso concreto, a jurisprudência do Tribunal será responsável para cumprir este mister.104
Dessa forma, buscar critérios objetivos não faz o menor sentido,105
porquanto somente o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de sua competência exclusiva,
pronunciará quais são as questões que oferecem ou não repercussão geral, muito embora a
própria lei já tenha categoricamente presumido a repercussão geral nos casos em que a
decisão recorrida for contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF (artigo 543, §3º,
do CPC).
102
103
104
105
PEREIRA, Vinícius. Questões Polêmicas acerca da repercussão geral no recurso extraordinário. Júris
Plenum. nº 14. março de 2007, p. 104.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do
recurso extraordinário. Revista de Processo. nº 145. março de 2007, p. 155.
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 74.
No mesmo sentido, PEREIRA, Vinícius. Questões Polêmicas acerca da repercussão geral no recurso
extraordinário. Júris Plenum. nº 14. março de 2007, p. 104. “Em determinadas ocasiões não se deve buscar
uma definição objetiva do que o instituto significa (como, por exemplo, boa fé). Ao STF deve ser dada a
prerrogativa de considerar ou reconsiderar determinada decisão acerca da existência de repercussão geral,
pois, assim, como a realidade social é dinâmica e complexa, assim é também a noção do que repercute de
forma geral na sociedade.” Em sentido contrário, SILVA, Evandro Lins e. O Recurso Extraordinário e a
relevância da questão federal. Revista dos Tribunais. v. 485. SP. março. 1976, p. 14. Analisando o conceito
da antiga argüição de relevância, procurava fixar critérios objetivos com fim de definir questão relevante com
base no interesse público e também quando estivesse envolvida garantia fundamental do cidadão.
41
Victor Nunes Leal ao discorrer sobre a antiga argüição de relevância, já
entendia que uma das formas capazes de esquivar a larga margem de subjetivismo e de não
fixar critérios objetivos seria deixar a cargo do STF a atribuição de fixar a relevância da
matéria, a saber:
“Aspectos da argüição de relevância podem ser minimizados pela formação
de precedentes, a exemplo do símile alienígena, através de um eficiente
sistema de repositórios, a que os norte-americanos chamam de restatemente
of the law, nos quais alguns estudiosos preconizam a futura codificação
oficial. Esses precedentes não seriam normativos, nem vinculativos, mas
apenas orientadores das argüições de relevância, à feição do nosso
ordenamento jurídico.”106
Posicionando-se a respeito, a Emenda Regimental do STF nº 21/2007,
dispõe que toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível e, valendo para
todos recursos sobre questão idêntica, deve ser comunicada pelo relator(a) à Presidência do
Tribunal para que promova ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre
repercussão geral, bem como da formação e atualização de respectivo banco eletrônico de
dados.
No entanto, apesar de não fixar critérios objetivos, pode-se esboçar, apenas
a título ilustrativo, algumas questões que ofereceriam repercussão geral nos âmbitos jurídico,
político, social e econômico. Rodolfo de Camargo Mancuso buscou de forma elucidativa
explanar tais critérios com base no Projeto de Lei nº 3.267/2000, o qual visava inserir no
recurso de revista o requisito da transcendência:
“(i) jurídica: o desrespeito patente aos direitos humanos fundamentais ou aos
interesses coletivos indisponíveis, com comprometimento da segurança e
estabilidade das relações jurídicas; (ii) política: o desrespeito notório ao
princípio federativo ou à harmonia dos Poderes constituídos; (iii) social: a
existência de situação extraordinária de discriminação, de comprometimento
do mercado de trabalho ou de pertubação notável à harmonia entre capital e
trabalho; (iv) econômica: a ressonância de vulto da causa em relação à
106
ANDRIGHI,
Fátima
Nancy.
Argüição
de
relevância.
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/.pdf>. Acesso em 04/10/2009.
Disponível
em:
42
entidade de direito público ou economia mista, ou grave repercussão da
questão na política econômica nacional, no segmento produtivo ou no
desenvolvimento regular da atividade empresarial.”107
No entanto, por mais que se tente estabelecer parâmetros, ficará sob
responsabilidade da jurisprudência do STF definir, no caso concreto, os limites, a abrangência
e o real significado do que seja repercussão geral, muito embora existam vozes na doutrina
que afirmem não existir tese constitucional que não transcenda o interesse subjetivo da
causa.108 Aliás, Hans Kelsen já afirmava que o direito, ao conferir tutela a um interesse
privado, estaria ao mesmo tempo conferindo tutela a um interesse geral.109
Não obstante tais colocações, firmar posição de que toda tese constitucional
é causa de repercussão geral é o mesmo que banalizar o instituto, perdendo o seu real sentido.
Tal entendimento se dá, principalmente, porque ao julgar o recurso extraordinário estaria “a
Suprema Corte, de uma forma ou de outra, ditando para todo país o alcance de determinada
norma da Constituição.”110
Assim, ao atribuir ao STF a competência para delimitar quais sejam as
matérias de interesse geral da sociedade, à medida que for julgando os recursos
extraordinários, a força do precedente judicial ganha força no direito brasileiro.
107
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 9. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 196 e 197.
108
MACIEL, José Alberto Couto. Revista Jurídica Consulex – ano XI – nº 252 – 15/07/2007, p.51.
109
Apud. PASSOS.J.J.Calmon de. O recurso extraordinário e a Emenda nº3 do RISTF. Revista de Processo. V.
5. São Paulo. Jan/fev/mar. 1977, p. 53.
110
MACIEL, José Alberto Couto. Revista Jurídica Consulex – ano XI – nº 252 – 15/07/2007, p. 51.
43
Obedecer a essa nova ordem (o precedente judicial) é o início de uma
tendência que remonta aspectos do stare decisis,111 do direito norte americano.112 Algo que
sofre bastante resistência por boa parte da comunidade jurídica brasileira.113
Portanto, caberá aos advogados observar atentamente, a partir de agora, os
precedentes judiciais com fundamento na repercussão das questões, as razões pelas quais se
conhece ou não do recurso extraordinário. Sendo assim, será dado um passo importantíssimo
para “desestimular manobras notadamente protelatórias e a prática de recorrentes que desejam
ver questões de nenhum ou quase nenhum relevo para o interesse público.”114
Outro aspecto que deve ser analisado é o entendimento de que as questões
de repercussão geral são somente aquelas de interesse geral da sociedade. No entanto, tal
afirmação deve ser vista com reservas, uma vez que não são questões exclusivamente de
interesses metaindividuais que devem ser considerada para fins de repercussão geral.
Mister se faz ressaltar que mesmo quando estiver em jogo o direito de uma
só pessoa, em situação aparentemente irreptível, “deverá ser reconhecida a repercussão geral,
desde que se trate de direito fundamental, aí incluídos, como se sabe, os direitos e garantias
individuais e os direitos sociais.”115
111
112
113
114
115
The
Lectric
Law
Library’s
Lexicon
on
Stare
Decisis.
Disponível
em:
<http://www.lectlaw.com/def2/s065.htm>. Stare Decisis means to stand by that which is decided. “Stare
Decisis significa aguardando o que está pra ser decidido.”(tradução livre). Acesso em 07/10/2009.
VIANA, Ulisses Schwarz. Da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Revista Jurídica Consulex.
Ano XI. nº 254, p. 61. 15/08/2007.
Nesse sentido: VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas,
2007, p. 82.
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões
constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 75.
MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual. nº 50, p. 96.
2.4 Repercussão Geral e o Poder Discricionário
Ponto de relevo e de fundamental importância é analisar se a Emenda
Constitucional nº45/2004 teria conferido poder discricionário aos ministros do Supremo
Tribunal Federal para conhecer ou não do recurso extraordinário no que toca ao requisito de
admissibilidade da repercussão geral. Sem fazer muito esforço, nota-se que a doutrina
emprega comumente o termo discricionariedade.116 No entanto, medida salutar e de bom
alvitre é que se utilize de forma técnica o termo sob análise, afinal para fins de repercussão
geral, os ministros do Supremo Tribunal Federal estão longe de fazer um juízo
discricionário.117
Maria Sylvia Zanella Di Pietro define o que seja poder discricionário sob a
ótica do direito público.
“A lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto,
de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções
possíveis, todas válidas perante o direito. Nesses casos, o poder da
Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou de outra solução
é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência justiça, eqüidade,
próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador.”118
Em suma, é a escolha legítima entre duas condutas, conforme juízo
exclusivo de conveniência e oportunidade da autoridade competente, de modo que ficará
sempre evidenciada uma deliberação válida. No entanto, não existe poder discricionário em
decisões judiciais, mesmo que a regra legislada empregue conceitos de valores, com grande
116
GRECO, Leonardo. A Reforma do Poder Judiciário e o acesso à justiça. Revista Dialética de Direito
Processual. nº 27. SP. Junho/2005, p. 67-87. “Por maior rigor que venha a cercar a elaboração da lei
preconizada, certamente será impossível evitar o arbítrio, o que resultará em tornar facultativa ou
discricionária a jurisdição constitucional do STF.”
117
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18. 2007, p. 10.
118
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 197.
45
flexibilidade semântica, haja vista que há parâmetros e valores que são impostos ao julgador
de maneira absolutamente cogente.119
Nessa vertente, evidenciada a repercussão geral, sendo a questão de
interesse para toda sociedade, o Supremo Tribunal Federal está obrigado a conhecer do
recurso extraordinário, não se pode falar em juízo de conveniência e oportunidade. Assim,
não haverá espaço para livre apreciação e escolha entre duas opções igualmente válidas e
legítimas, mesmo porque a matéria controvertida é ou não caso de repercussão geral.120
Como
conclui
Luiz
Guilherme
Marinoni
e
Daniel
Metieiro:
“não há de se cogitar aí, igualmente, de discricionariedade no recebimento do recurso
extraordinário. Configurada a repercussão geral, tem o Supremo de admitir o recurso e
apreciá-lo no mérito.”121 No mesmo sentido, José Rogério Cruz e Tucci afirma que: “seja
como for, os critérios estabelecidos para o exame da repercussão geral jamais poderão ser
discricionários, até porque a Corte deverá explicitar a ratio decidendi.122
Portanto, havendo repercussão geral, o litigante fazendo um juízo de
conveniência e oportunidade, atuando discricionariamente, poderá interpor ou não o recurso
extraordinário, ao passo que uma vez exercido esse direito, o Supremo Tribunal federal tem o
poder-dever de admitir o recurso. Não é caso de discricionariedade, mas sim, de
obrigatoriedade, até pelo fato da Constituição impor observância ao princípio da
inafastabilidade do judiciário.
119
120
121
122
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 10.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 10.
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. São
Paulo. Revista dos Tribunais. 2007, p. 34 e 35.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do
recurso extraordinário: Lei 11.418/2006. Revista de Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 16.
jan/fev de 2007, p. 20.
2.5 Do Direito Intertemporal
A Emenda Constitucional 45 de dezembro de 2004, responsável pela
reforma do Poder Judiciário, inseriu em seu artigo 102, § 3º, o instituto da repercussão geral
com a seguinte redação:
“no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão
geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a
fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo
recusá-lo pela manifestação de dois terços dos seus membros.”
É de fácil percepção que se trata de norma de eficácia limitada, isto é, são
normas que apresentam “aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem
totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a
aplicabilidade.”123
Somente dois anos depois, em dezembro de 2006, foram acrescentados ao
Código de Processo Civil, os artigos 543-A e 543-B, os quais regulamentaram o artigo 102, §
3º, da Constituição Federal. Apesar da própria Lei 11.418/2006, em seu artigo 4º, dispor que:
“aplica-se esta lei aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência,” o
Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, resolveu Questão de Ordem no AI 664.567,124
Relator Ministro Sepúlveda Pertence, no sentido de estabelecer como marco temporal para a
exigibilidade da repercussão geral o dia 3 de maio de 2007, data da publicação da Emenda n°
21 do Regimento Interno do STF.
Em suma, o Ministro decidiu “que a determinação expressa de aplicação da
Lei 11.418/06 (art. 4º) aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência não
123
124
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed.Atlas. São Paulo, 2006, p. 7.
Disponível em: < http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp> . Acesso em: 13/10/2009.
47
significa a sua plena eficácia.”125 Segundo ele, ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal a
tarefa de estabelecer, em seu Regimento Interno, as normas necessárias à execução da lei
11.418/2006 (artigo 3°). Consta da referida decisão que o objetivo do artigo 4° da lei
11.418/2006:
“Foi tão-somente evitar aplicação retroativa do requisito da repercussão
geral: sem ele, com efeito, poderia surgir a tentadora interpretação de que a
repercussão geral seria exigida quanto aos recursos interpostos antes da
vigência da Lei, notadamente aos recursos interpostos após a EC 45. Em
tese, como a Lei 11.418/06 entrou em vigor 60 dias após a sua publicação
(art. 5º), a edição, pelo Supremo Tribunal Federal, das normas regimentais
necessárias a sua execução poderiam ter entrado em vigor nessa mesma data.
Apesar dos esforços que se empreenderam, as alterações regimentais – de 30
de abril de 2007 – somente entraram em vigor no dia 03.5.07 – data da
publicação da Emenda Regimental nº. 21 (art. 3º) –, após, portanto, a
publicação do acórdão objeto do RE a que se refere este agravo. Parece fora
de dúvida que, sendo imprescindível a referida emenda regimental para a
execução da Lei 11.418/06, seria ilógico exigir que os recursos interpostos
antes da vigência daquela contenham uma preliminar em que o recorrente
demonstre a existência da repercussão geral (Art. 543-A, §2º, introduzido
pelo art. 2º da Lei 11.418/06). É que, ainda que houvesse a referida
preliminar, não se poderia dar o imediato e integral cumprimento da Lei
11.418/06. O Tribunal, no julgamento da Medida Cautelar no RE 376.852
(Pleno, 27.3.03, Gilmar Mendes, DJ 13.06.03, por exemplo, deixou de
aplicar a medida de suspensão dos processos nos termos dos arts. 14, §5º, e
15, da Lei 10.259/01, considerando a ausência, até então, de normas
regimentais ditadas pelo Supremo Tribunal Federal (arts. 14, §10; e 15).”126
A presente decisão tem a sua importância porque inúmeros recursos
extraordinários foram interpostos sem constar preliminarmente o requisito da repercussão
geral. Mesmo assim, os recursos devem ser conhecidos justamente porque o Supremo
Tribunal Federal ainda não tinha elaborado a referida Emenda Regimental.
Outro aspecto essencial é definir se o requisito da repercussão geral será
suscetível de exigência caso a intimação do acórdão recorrido venha a ocorrer antes de
3/05/2007 e o termo ad quem findar após a data da publicação da Emenda Regimental nº 21,
do RISTF.
125
126
Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em 14/10/2009.
Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em 14/10/2009.
48
Somente a título ilustrativo, imagine que um determinado litigante seja
intimado da decisão no dia 1° de maio de 2007. Sabe-se que o prazo para interpor o recurso
extraordinário é de 15 dias. Deveria ele demonstrar, em preliminar de recurso, a repercussão
geral, uma vez que a Emenda Regimental nº 21 entrou em vigor no dia 03 de maio de 2007?
Neste caso, se a preliminar de repercussão geral fosse exigida haveria
transgressão frontal à garantia constitucional, uma vez que desrespeitaria o direito processual
adquirido ao conhecimento do recurso extraordinário de acordo com a Emenda Regimental
vigente ao tempo do termo inicial do prazo para sua interposição.127
Nesse sentido decidiu o Ministro Sepúlveda Pertence, no AI 664.567:
“A exigência da demonstração formal e fundamentada no recurso
extraordinário da repercussão geral das questões constitucionais discutidas
só incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de
3.5.2007, data da publicação da Emenda Regimental 21/2007, do RISTF.”128
Desse modo, não restam dúvidas de que exigir como preliminar de recurso o
requisito da repercussão geral, antes de 03 de maio de 2007, não seria a melhor opção. Caso
contrário, o litigante seria surpreendido durante o curso do prazo recursal com a elaboração –
vigência - da Emenda Regimental, havendo, como acima explanado, afronta direta a um
direito processual adquirido.
127
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no recurso extraordinário.São
Paulo: Revista dos Tribunais., 2007, p. 75.
128
Disponível em:<http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp> . Acesso em 14/10/2009.
3 LEI 11.418/2006 E A EMENDA REGIMENTAL Nº21
3.1 Momento destinado para análise da repercussão geral e o procedimento por
meio eletrônico
De 19 de dezembro de 2006, data publicação da Lei 11.418, até 3 de maio
de 2007, dia em que passou a viger a Emenda Regimental nº 21, foi o tempo gasto para que se
pudesse regulamentar o procedimento da repercussão geral no Supremo Tribunal Federal.
Cinco meses de espera foram necessários para que o instituto da repercussão geral pudesse ter
plena aplicabilidade.
Apesar dos esforços imbuídos, o tempo despendido para elaboração da
referida Emenda foi demasiado, tendo em vista que os artigos que regulamentaram a
repercussão geral no Regimento Interno do STF, praticamente repetiram os dispositivos do
Código de Processo Civil (artigos 543-A e 543-B).
Não obstante a timidez dos dispositivos da Emenda Regimental nº 21,
algumas especificações e, inclusive, mudanças práticas procedimentais foram devidamente
elucidadas e superadas, respectivamente. As principais foram: o momento para a apreciação
da repercussão geral e a inserção do meio eletrônico. Esta última, como forma do relator
submeter aos demais Ministros cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de
repercussão geral.
Até o advento da Emenda Regimental muito se debatia a respeito do
momento procedimental destinado ao exame da repercussão geral.129 Arruda Alvim expôs que
129
TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do
recurso extraordinário: Lei 11.418/2006. Revista de Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 16.
jan/fev de 2007, p. 24.
50
o momento adequado para análise da repercussão geral seria feito preliminarmente, isto é,
antes dos requisitos de admissibilidade propriamente ditos, como tempestividade, cabimento e
preparo, por exemplo. Assim, afirma o processualista:
“O exame da repercussão geral deverá ser prévio à admissibilidade,
propriamente dita, ou à admissibilidade em sentido técnico, como assunto
preliminar, já quando e dentro do âmbito do julgamento do recurso. A
presença de repercussão geral, em certo sentido, é também submetida a um
exame (não é ato de julgamento, por isso que a deliberação não tem caráter
jurisdicional); este exame não deixa de ser uma forma de admissibilidade,
mas previamente à possibilidade de julgamento e apenas em função do
reconhecimento pelo tribunal, por meio de pronunciamento de caráter
político, da presença da repercussão geral que se encontra na questão
constitucional objeto do recurso, admitindo o recurso; de resto, o próprio
texto refere-se que o tribunal procederá à admissão do recurso, usando o
verbo admitir. Mas essa deliberação preliminar é inconfundível com a
admissibilidade
propriamente
dita
(com
a
verificação
do
cabimento/enquadramento do recurso nas hipóteses do artigo 102 da CF e
legislação ordinária), a qual é juízo preambular já dentro do procedimento do
julgamento do recurso.”130
No entanto, se a análise da repercussão geral antecedesse aos demais
requisitos de admissibilidade do recurso, em verdade, seria extremamente desgastante para os
Ministros do Supremo Tribunal Federal, uma vez que “haveria o risco de reconhecer a
existência da repercussão geral e, posteriormente, não conhecer o recurso no mérito, por
ausência de outro requisito de admissibilidade.”131 Corroborando com tal entendimento,
Glauco Gumerato Ramos sustenta:
“Imagine-se o dispêndio de energia que seria se o STF se reunir na forma a
ser prevista na lei regulamentadora e reconhecer a presença da repercussão
geral e depois, numa decisão monocrática, o Ministro relator detectar que o
RE é intempestivo ou deserto.”132
Foi nesse sentido que se posicionou a Emenda Regimental nº 21, já que a
Lei 11.418/2006 foi omissa nesse aspecto. O artigo 323 é claro: “quando não for o caso de
130
131
132
ALVIM, Arruda. A EC nº45 e o instituto da repercussão geral, reforma do poder judiciário (obra
coletiva). p. 64.
JORGE, Flávio Cheim e SARTÓRIO Elvio Ferreira. O recurso extraordinário e a demonstração da
repercussão geral, reforma do judiciário (obra coletiva). p. 186.
RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão geral na teoria dos recursos: juízo de admissibilidade.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7858>. Acesso em: 18/10/2009.
51
inadmissibilidade do recurso por outras razões, o relator submeterá por meio eletrônico, aos
demais Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral.”
Portanto, o relator primeiro analisará sobre os requisitos de admissibilidade
propriamente ditos e somente em momento posterior, os Ministros, por meio eletrônico se
manifestarão sobre a existência ou não de repercussão geral. Ultrapassada essa fase, de
conhecimento do recurso, será julgado o mérito do extraordinário.
No que tange à questão de fundo, a Turma, em regra, é o órgão competente
para julgar o recurso extraordinário por imposição do artigo 9º, inciso III, do Regimento
Interno de 1980 do STF. No entanto, se o recurso extraordinário se amoldar às hipóteses
previstas nos artigos 557, caput, e 557, §1º-A, o relator, desde já, julgará monocraticamente o
recurso.133
Para isso, o recurso deverá ser manifestamente inadmissível, improcedente,
prejudicado ou em confronto quer com a súmula quer com a jurisprudência dominante do
respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, ou, então, se a
decisão recorrida estiver confrontando com súmula ou jurisprudência dominante do STF, ou
de Tribunal Superior, casos em que o relator poderá dar provimento ao recurso.134
Insta frisar que o recurso extraordinário pode ser julgado também pelo
plenário do Supremo Tribunal Federal. Basta que a Turma afete a competência àquele órgão,
nos casos que considerar relevante a argüição de inconstitucionalidade ainda não decidida
pelo Plenário e o Relator não lhe houver afetado o julgamento; quando, não obstante ter sido
133
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 404.
134
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Teor do artigos 557, caput, e 557, parágrafo único.
52
decidida pelo Plenário a questão de inconstitucionalidade, algum Ministro propuser o seu
reexame ou algum Ministro propuser revisão da jurisprudência compendiada na Súmula.135
Também tocará ao plenário do STF julgar o mérito do recurso
extraordinário se o relator entender que há matérias nas quais as Turmas divirjam entre si ou
alguma delas em relação ao Plenário, ou em razão da relevância da questão jurídica ou da
necessidade de prevenir divergência entre as Turmas, convier pronunciamento do Plenário.136
Outra importante inovação trazida pela Emenda Regimental nº 21, e não
prevista na Lei 11.418/2006, foi o processo por meio eletrônico. Aliás, o procedimento
realizado por meio eletrônico, na prática, inviabilizou a aplicação do §4º, do artigo 543-A,
tornando-se letra morta.137 Do Código de processo consta que se a Turma decidir pela
existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa
do recurso ao Plenário.
Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal é composto por duas Turmas de
cinco Ministros cada.138 A Constituição Federal, por seu turno, em seu artigo 102, § 3º, é clara
em dizer que o recurso extraordinário somente poderá ser inadmitido, no que tange à
repercussão geral, se for recusado pela manifestação de dois terços dos Ministros. Se a Turma
é composta por cinco membros e quatro Ministros já se pronunciaram no sentido de que a
135
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 404.
136
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 404.
137
SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro Gilmar Ferreira Mendes - STF. Correspondência
eletrônica. Data: 25/10/2009.
138
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Teor do artigo 4º do Regimento Interno.
53
matéria objeto de análise oferece repercussão geral, despiciendo seria remeter a questão para
o Plenário.139
Mesmo porque se todos os demais componentes do Tribunal votassem pela
inadmissão do recurso por não conter no bojo do extraordinário matéria atinente à repercussão
geral, a votação não seria suficiente, uma vez que alcançaria um total de sete Ministros. Não
satisfazendo os dois terços necessários, isto é, oito Ministros, o mínimo exigido pela
Constituição.140
Só que os Ministros, na prática, utilizando-se do meio eletrônico, estão
atuando de forma diversa do estipulado no §4º, do artigo 543-A. Por questão de celeridade, o
relator do recurso submete por meio eletrônico, aos 10 (dez) outros Ministros, cópia de sua
manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral.141 Recebida a manifestação do
relator, os demais Ministros encaminhar-lhe-ão, também por meio eletrônico, no prazo
comum de vinte dias, manifestação sobre a questão de repercussão geral. Decorrido o prazo
sem manifestações suficientes para a recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão
geral.
O relator, na prática, não envia a questão sobre a repercussão geral somente
para os membros que compõem a sua Turma, conforme preceitua o § 4º do artigo 543-A. Na
verdade, a matéria é encaminhada para todos os demais Ministros. Se oito Ministros, isto é,
139
140
141
RODRIGUES NETTO, Nélson. A aplicação da repercussão geral da questão constitucional no recurso
extraordinário consoante a Lei nº11.418/2006. Revista Dialética de Direito Processual nº 49, p. 119.
RODRIGUES NETTO, Nélson. A aplicação da repercussão geral da questão constitucional no recurso
extraordinário consoante a Lei nº11.418/2006. Revista Dialética de Direito Processual nº 49, p. 119.
SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes.
Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2009.
54
dois terços, firmarem posição no sentido de que a questão sob análise não oferece repercussão
geral, o recurso extraordinário estará automaticamente inadmitido.142
Denota-se, portanto, que o Regimento Interno do Supremo não está em
consonância com o Código de Processo Civil. O correto seria fazer como impõe o §4º, do
artigo 543-A, isto é, o relator primeiro encaminharia a questão sobre repercussão geral aos
membros de sua Turma, e se não alcançasse a votação de no mínimo quatro membros a favor
da repercussão geral, aí, sim, remeteria a matéria para o Plenário.
No entanto, infelizmente, a Emenda Regimental nº 21, realiza o
procedimento de forma contrária à lei. A celeridade na resolução do feito termina, por muitas
vezes, atuando em prejuízo de uma solução mais justa para o processo.
Se o procedimento fosse realizado conforme os ditames da lei processual,
nada impediria que os Ministros que compõem a primeira Turma, por exemplo, se,
porventura, decidissem pela não existência da repercussão geral, poderiam rever a sua posição
adotada na Turma, após debate, em Plenário, com os Ministros da segunda Turma e também
com o Presidente do Tribunal e alterar o seu voto em favor da repercussão geral.143
Relevante ressaltar que com o advento do meio eletrônico, por questões
óbvias, o mérito referente à repercussão geral não será mais submetido ao Plenário e, por via
de conseqüência, os debates não serão realizados.144 No entanto, nada impede que qualquer
dos Ministros suscite Questão de Ordem e leve o caso para ser discutido em Plenário. Foi o
142
143
144
SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes.
Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2009.
MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual. nº 50, p. 104.
SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes.
Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2009.
55
que aconteceu quando o Tribunal resolveu questão de ordem levantada pelo Ministro Gilmar
Ferreira Mendes (relator dos recursos extraordinários: 556664/559882/560626).145
“O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada pelo Min. Gilmar Mendes
em recursos extraordinários, dos quais relator, interpostos contra decisões
proferidas pelo TRF da 4ª Região, no sentido de comunicar aos tribunais e
turmas de juizados especiais respectivos a determinação de sobrestamento
dos recursos extraordinários e agravos de instrumento que versem sobre a
constitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91 em face do art. 146,
III, b, da CF/88, e do art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei 1.569/77 em
face do art. 18, § 1º, da CF/67, com redação dada pela EC 1/69, como
também no sentido de devolver aos respectivos tribunais de origem os
recursos extraordinários e agravos de instrumento, ainda não distribuídos
nesta Corte, que versem sobre o tema, sem prejuízo da eventual devolução,
se assim entenderem os relatores, daqueles feitos que já estão a eles
distribuídos. Diante disso, deliberou o Tribunal que se comunique, com
urgência, aos Presidentes do STJ, dos Tribunais Regionais Federais e aos
coordenadores das Turmas Recursais, bem como ao Presidente da Turma
Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais
Federais, para que suspendam o envio ao Supremo dos recursos
extraordinários e agravos de instrumento que tratem da referida matéria, até
que este Tribunal aprecie a questão. Na espécie, o TRF da 4ª Região
desprovera apelações da União, por entender que, diante da
inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46, da Lei 8.212/91, visto que a
matéria relativa à decadência e prescrição de contribuições previdenciárias
somente poderia ser tratada por meio de lei complementar, deveria ser
reconhecida a prescrição da execução fiscal.”146
Porém, por questão de celeridade processual, dificilmente os Ministros
suscitarão questão de ordem para tratar do mérito da repercussão geral, mesmo porque o meio
eletrônico já se encontra devidamente implementado no Supremo Tribunal Federal.147
Por outro lado, o procedimento por meio eletrônico não terá lugar quando o
recurso versar sobre questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou
quando impugnar decisão contrária à Súmula ou à Jurisprudência dominante, casos em que se
presume a existência de repercussão geral.148
145
INFORMATIVO do STF nº 479. Data: de 10 a 14 de setembro de 2007.
INFORMATIVO do STF nº 479. Data: de 10 a 14 de setembro de 2007.
147
SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes.
Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2009.
148
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Teor do artigo 323, §1º, do Regimento Interno.
146
56
Trata-se, portanto, de repercussão geral presumida. É o único caso em que o
legislador (artigo 543-A, §3º) delimitou os alcances da repercussão geral e o definiu de forma
objetiva, muito embora haja “dificuldade de se estabelecer em que consiste jurisprudência
dominante do Tribunal, noção esta, extremamente fluída, diferentemente do que acontece com
os verbetes da Súmula do STF que correspondem à jurisprudência assentada do Tribunal.”149
Relevante ressaltar que “por se tratar de uma presunção iuris et de iure, não se admite
contrariedade, somente sendo possível, no caso concreto, ser demonstrado que a hipótese não
se enquadra na previsão legal.”150
3.2 Competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal para apreciação da
repercussão geral
O artigo 543-A, § 2º, ressalta que o recorrente deverá demonstrar, em
preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência
de repercussão geral. Já o artigo 327 do Regimento Interno do STF dispõe que a Presidência
do Tribunal a quo recusará os recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada
de repercussão geral, bem como aqueles casos cuja matéria carecer de repercussão geral,
segundo precedentes do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento
de revisão.
Os §§ 1º e 2º do artigo 327, por sua vez, estabelecem, respectivamente: que
igual competência exercerá o relator sorteado, quando o recurso não tiver sido liminarmente
recusado pela Presidência; e da decisão que recusar o recurso, nos termos deste artigo, caberá
agravo.
149
150
RODRIGUES NETTO, Nélson. A aplicação da repercussão geral da questão constitucional no recurso
extraordinário consoante a Lei nº11.418/2006. Revista Dialética de Direito Processual. nº 49, p. 117.
RODRIGUES NETTO, Nélson. A aplicação da repercussão geral da questão constitucional no recurso
extraordinário consoante a Lei nº11.418/2006. Revista Dialética de Direito Processual. nº 49, p. 117.
57
Diante dos dispositivos citados, extrai-se que o recorrente deverá
demonstrar de forma preambular no recurso extraordinário, fundamentadamente, que a
questão constitucional nele aventada oferece repercussão que ultrapassa os interesses
subjetivos da causa.151 “A ausência de tal capítulo torna inepta a petição recursal.”152 Se assim
não o fizer, a Presidência do Tribunal a quo tem legitimidade para recusar o recurso.
Os advogados, destarte, devem estar sempre atentos para se manterem
devidamente atualizados com a jurisprudência do STF. Caso contrário, carecendo a matéria de
repercussão geral, segundo precedentes do Supremo, a Presidência do Tribunal a quo, terá
legitimidade para recusar o recurso extraordinário, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver
em procedimento de revisão.
Insta frisar que o artigo 327 da Emenda Regimental nº 21 ao permitir a
Presidência do Tribunal fazer controle extrínseco de repercussão geral terminou por abrandar,
de certa forma, o teor do artigo 543-A, §2º. Este dispositivo determina que a apreciação da
repercussão geral será realizada de forma exclusiva pelo STF. No entanto, relevante realçar a
lição de Humberto Theodoro Júnior:
“O presidente (ou vice-presidente) tribunal a quo, portanto, poderá inadmitir
o extraordinário, não pela proclamação de falta de repercussão geral, mas
por ausência objetiva de um requisito indispensável da petição. Estará
controlando um pressuposto processual, da mesma maneira com que teria de
agir, em face da tempestividade do recurso, do prequestionamento ou da
demonstração de divergência pretoriana. O que não se admite, de forma
alguma, é o juízo de valor sobre os argumentos utilizados pela parte para
sustentar a repercussão geral. Essa averiguação somente o STF poderá
fazer.”153
151
152
153
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24 e 25.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 25.
58
No mesmo sentido decidiu o STF, em Questão de Ordem, AI 664567:
“O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada em agravo de instrumento
— interposto contra decisão que inadmitira recurso extraordinário, em
matéria criminal — da seguinte forma: 1) que é de exigir-se a demonstração
da repercussão geral das questões constitucionais discutidas em qualquer
recurso extraordinário, incluído o criminal; 2) que a verificação da existência
de demonstração formal e fundamentada da repercussão geral das questões
discutidas no recurso extraordinário pode fazer-se tanto na origem quanto no
Supremo Tribunal Federal, cabendo exclusivamente a este Tribunal, no
entanto, a decisão sobre a efetiva existência da repercussão geral.”154
Em suma, não compete à Presidência do Tribunal se manifestar sobre o
mérito da repercussão geral. Aliás, “eventual intromissão indevida de Tribunais de origem
nessa seara desafia ação de reclamação ao próprio Supremo, por usurpação de
competência.”155
Se o Tribunal de origem admitir o recurso extraordinário que verse sobre
questão já definida como carente de repercussão geral, competirá ao relator inadmiti-lo por
decisão monocrática, nos termos dos artigos 557 do CPC e 327, §1º, do Regimento Interno do
STF. Não se deve entender que o relator estaria usurpando competência do Plenário,156
mesmo porque os demais Ministros que compõem a Corte já teriam decidido anteriormente a
questão.157
No caso em apreço, o recurso seria considerado, nos termos do artigo 557,
caput, do CPC, como manifestamente inadmissível, justamente por se posicionar contra
154
Disponível em:< http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp> . Acesso em 02/11/2009.
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no recurso extraordinário.São
Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 80.
156
Na prática não haverá debates e discussões em plenário porque o processo de votação sobre repercussão geral
se dará por meio eletrônico, salvo se algum dos ministros suscitarem questão de ordem. No entanto, a
presidência do tribunal promoverá ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre repercussão
geral, bem como da formação e atualização de banco eletrônico de dados a respeito (artigo 329 RISTF).
157
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18. 2007, p. 26 e 27.
155
59
jurisprudência já assentada pelo órgão competente para pronunciar a inexistência de
repercussão geral.158
Por fim, o §2º, do artigo 327 do Regimento Interno dispõe que da decisão
que recusar o recurso, nos termos deste artigo, caberá agravo. A decisão da Presidência do
Tribunal a quo que inadmitir o recurso extraordinário por não apresentar preliminar formal e
fundamentada, bem como os casos que carecerem de repercussão geral, segundo precedente
do STF, desafiará o recurso de agravo de instrumento a ser processado nos termos do artigo
544 do CPC.159
Se, porventura, a Presidência do Tribunal de origem negar seguimento ao
agravo de instrumento,160 não caberá novo agravo de instrumento da decisão. Vale lembrar
que não existe juízo de admissibilidade, na origem, de agravo de instrumento do artigo 544,
do CPC, muito embora não seja difícil encontrar decisões de negativa de seguimento do
próprio agravo.161 Leciona Bernardo Pimentel:
“Resta saber qual a via processual adequada se ocorre a indevida negativa de
seguimento do agravo de instrumento na origem. Há autorizado
entendimento em prol da interposição de novo agravo de instrumento. Ainda
que muito respeitável, a solução não é a melhor, tendo em vista a
possibilidade da ocorrência de círculo vicioso. Além do mais, o agravo do
artigo 544 só é cabível quando ocorre inadmissão de recursos especial e
extraordinário. Tudo indica que o princípio da taxatividade restaria
desrespeitado com a aceitação de agravo de instrumento contra decisão
monocrática de negativa de seguimento a anterior agravo de instrumento. A
impetração de mandado de segurança também não se coaduna com a correta
orientação consubstanciada no verbete n. 41 da Súmula do Superior Tribunal
158
159
160
161
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24.
SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes.
Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2007.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula 727. “Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao
Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso
extraordinário, ainda que referente à causa instaurada no âmbito do juizados especiais.” TRIBUNAL
REGIONAL FEDERAL. Súmula nº 19 (2ª região) “Não é cabível agravo regimental de decisão que examina
a admissibilidade dos chamados recursos constitucionais RE, REsp e RO.”
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 253.
60
de Justiça, bem assim nos enunciados 330 e 624 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal. Além do mais, a interpretação do artigo 5º, inciso LXIX,
da Constituição Federal, reforçado pelos artigos 1º e 5º, inciso II, da Lei n.
1.533, revela que o alcance do mandado de segurança é obtido por exclusão.
Sem dúvida, é inadmissível a ação de segurança quando prevista outra via
processual específica para a impugnação de decisão jurisdicional. Ora, a
Constituição Federal consagrou a ação de reclamação nos artigos 102, inciso
I, alínea “l”, e 105, inciso I, letra “f”, quando há usurpação de competência
de corte superior. Portanto, tudo indica que a via processual adequada para a
impugnação da decisão que impede o seguimento do agravo de instrumento
rumo ao tribunal ad quem é a reclamação constitucional, nos termos dos
artigos 13 e 18 da Lei n. 8.038, de 1990.”162
Por outro lado, tocará ao relator recusar, em decisão monocrática, quando o
recurso não tiver sido liminarmente inadmitido pela Presidência do Tribunal a quo por motivo
de ausência de preliminar fundamentada, bem como aqueles casos cuja matéria carecer de
repercussão geral, segundo precedente do Supremo.163
Nesses casos, o recurso cabível será o agravo regimental (ou interno), nos
termos do artigo 557, §1º, do CPC.164 É justamente nesses dois casos, seja quando couber
agravo de instrumento ou regimental que se encontra, talvez, o ponto vulnerável do instituto
da repercussão geral. Conforme salienta José Alberto Couto Maciel:
“Acredito que aí reside a possibilidade de a celeridade desejável perder um
pouco do seu efeito. É que, não recusada a repercussão, o extraordinário
tramitará na forma atual apenas acrescido de mais um requisito essencial.
Recusado o recurso em decorrência de estar a repercussão desfundamentada,
e uma vez interposto o agravo, terão as turmas e o Pleno (?) de julgá-lo e o
volume de processos, infelizmente, nesta hipótese, não será reduzido.”165
Tendo em vista a enorme possibilidade de interposição de agravos de
instrumento, o artigo 327 do Regimento Interno do STF poderia, pelo menos, ter lançado mão
162
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 261 e 262.
163
Teor do artigo 327 do RISTF.
164
THEODORO JUNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 22.
165
MACIEL, José Alberto Couto. Revista Jurídica Consulex – ano XI – nº 252 – 15/07/2007, p. 52 e 53.
61
de atribuir competência aos tribunais de origem de todo país de realizar exame extrínseco de
admissibilidade de repercussão geral.
Já que compete ao relator fazer o exame de admissibilidade dos requisitos
propriamente ditos, como tempestividade, por exemplo, não teria porque o Tribunal de origem
fazer controle de preliminar formal e fundamentada e nos casos que a matéria carecesse de
repercussão geral, segundo precedente do Supremo.
Neste caso, melhor seria atribuir competência exclusiva ao STF, no sentido
literal do termo, para somente ele realizar a admissibilidade de repercussão geral, tanto em
relação ao aspecto intrínseco (juízo de valor - mérito) como extrínseco. Desse modo, pelo
menos não haveria possibilidade de interposição de agravos de instrumento endereçados ao
STF por motivos de repercussão desfundamentada, por exemplo. Reduziria, assim, a
quantidade de casos em que tal recurso poderia ser interposto.
3.3 Da irrecorribilidade da decisão que recusa a repercussão geral.
Encontrando-se nos termos devidos os requisitos de admissibilidade
propriamente ditos, o relator submeterá por meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de
sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral.166 Recebida a manifestação
do relator, os demais Ministros encaminhar-lhe-ão também por meio eletrônico, no prazo
comum de 20 (vinte) dias, manifestação sobre a questão de repercussão geral.167
Reconhecida a existência de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal
deverá obrigatoriamente conhecer do recurso extraordinário. Sendo assim, o relator julgará o
recurso ou pedirá dia para seu julgamento, após vista ao Procurador Geral, se necessária.168
166
Teor do artigo 323 do RISTF.
Teor do artigo 324 do RISFT.
168
Teor do artigo 325 do RISTF.
167
62
Relevante ressaltar que o teor da decisão preliminar sobre a existência da repercussão geral,
que deve integrar a decisão monocrática ou acórdão, constará sempre das publicações dos
julgamentos no Diário Oficial, com menção clara à matéria do recurso.169
No entanto, se os Ministros decidirem por dois terços dos votos pela
inexistência da repercussão geral, a decisão proferida é irrecorrível, valendo, inclusive, para
todos os recursos sobre questão idêntica, devendo ser comunicada pelo Relator à Presidência
do Tribunal para que promova ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre
repercussão geral, bem como da formação e atualização de banco eletrônico de dados a
respeito.170
Nada impede, todavia, que haja interposição de embargos declaratórios da
decisão que negar seguimento ao recurso extraordinário por ausência de repercussão geral.171
Afirma Bernardo Pimentel que:
“os embargos de declaração são cabíveis contra qualquer decisão
jurisdicional: sentença, acórdão, decisão interlocutória proferida por juiz de
primeiro grau e decisão monocrática de autoria de magistrado de tribunal
(verbi gratia, relator, presidente, vice-presidente).”172
Portanto, inexistem motivos para que não caibam embargos de declaração
quando a decisão proferida estiver omissa, obscura ou em contradição. Afinal, “é
absolutamente necessário que a tutela jurisdicional seja prestada de forma clara, coerente e
completa e a tanto se presta o recurso de embargos de declaração.”173
169
Teor do parágrafo único do artigo 325 do RISTF.
Teor dos artigos 326 e 329 do RISTF.
171
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário.São
Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 53.
172
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 266.
173
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário.São
Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 53 e 54.
170
63
Via de regra, “os embargos declaratórios visam a complementar e a aclarar a
decisão embargada, produzindo apenas efeito integrativo.”174 Porém, não é incomum que a
decisão proferida produza efeitos infringentes no julgado embargado, ou seja, que ocorram
efeitos modificativos substanciais.175 Imperioso se faz, por respeito ao direito fundamental do
contraditório, intimar a parte contrária, a fim de que possa se manifestar sobre a decisão
modificada.
Em suma, o artigo 326 do Regimento Interno do STF deve ser analisado
com prudência e, sobretudo, com muito cuidado. Não obstante o artigo dispor que toda
decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível, vale lembrar que existe a real
possibilidade de ser interposto o recurso de embargos de declaração.
Por derradeiro, insta frisar que se os Ministros decidirem pela inexistência
de repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre questão idêntica. Caberá,
então, aos demais tribunais recusar os recursos extraordinários cuja matéria carecer de
repercussão geral, segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal.
3.4 Intervenção do amicus curiae
A intervenção do amicus curiae imposta pela lei 11.418/2006, durante o
processo de averiguação da repercussão geral, sem dúvida buscou inspiração no parágrafo 2º,
artigo 7º, da Lei 9868/1999, a qual dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de
174
175
SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 273.
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário.São
Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 53 e 54.
64
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal.176
De acordo com a Lei 9868/1999, o relator, considerando a relevância da
matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir a
manifestação de outros órgãos ou entidades. Alexandre de Moraes explica o papel a ser
desempenhado pelo amicus curiae:
“Essa inovação passou a consagrar, no controle abstrato de
constitucionalidade brasileiro, a figura do amicus curiae, ou “amigo da
Corte”, cuja função primordial é juntar aos autos parecer ou informações
com intuito de trazer à colação considerações importantes sobre a matéria de
direito a ser discutida pelo Tribunal, bem como acerca dos reflexos de
eventual decisão sobre a inconstitucionalidade da espécie normativa
impugnada.”177
Segundo Peter Härbele, a intervenção do amicus curiae é forma de
participação “de potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da
Constituição.”178 Nesse sentido, mister se faz ressaltar trecho do voto do Ministro Celso de
Mello – STF – ao se pronunciar sobre o processo objetivo de controle normativo abstrato:
(...) “a admissão do terceiro, na condição de amicus curiae no processo
normativo, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões do
Tribunal Constitucional, viabilizando, em obséquio, ao postulado
democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de
constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize a possibilidade
de participação de entidades e de instituições que efetivamente representem
os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e
relevantes de grupos, classes ou estratos sociais” (...).179
Relevante ressaltar que a essência da intervenção do amicus curiae no
incidente de análise da repercussão geral é a mesma da Lei 9868/1999. Segundo o Ministro
176
MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual. nº 50, p. 106.
177
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo:Atlas, 2006, p. 7.
178
Apud. EDITOR, Sérgio Antônio Fabris. Hermenêutica constitucional.1997, p. 48.
179
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário. Ag.Reg. ADIn nº 2.130-3/SC, Relator Ministro Celso de
Mello, j. 03/10/2001.
65
Gilmar Mendes – STF – a idéia central da intervenção de terceiro é justamente permitir, “de
modo cada vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de sujeitos, argumentos e
visões.”180
Uma vez admitida a participação do amicus curiae pelo relator, que poderá
ser concedida de ofício ou a requerimento da parte, o terceiro oferecerá por escrito suas razões
com o intuito de convencer a Suprema Corte da existência ou inexistência de repercussão
geral a partir do caso concreto.181
Dois pontos importantes constam no parágrafo 2º, artigo 323, do Regimento
Interno do STF. Primeiro, a decisão que admitir, ou não, a intervenção de terceiro é
irrecorrível. Segundo, a manifestação será sempre subscrita por procurador devidamente
habilitado, no prazo em que o relator fixar.
Assunto de extrema valia e ainda não decidido pelo Supremo Tribunal
Federal é o exato momento em que se dará a intervenção do amicus curiae. Tendo em vista
que a análise da questão sobre repercussão geral ocorre por meio eletrônico, tudo indica que
ao examinar os requisitos de admissibilidade propriamente ditos, o relator, considerando
relevante a matéria e a representatividade dos postulantes, deferirá de ofício ou a
requerimento a intervenção de terceiro.
Ocorrendo a manifestação por escrito, o relator proferirá o seu voto a favor
ou não da repercussão geral, lançando-o no sistema eletrônico. Recebida a manifestação do
180
181
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário.São
Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. Adin nº 2.548/PR. Relator Ministro Gilmar Mendes. Decisão:
18/10/2005. Informativo STF nº 406
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no recurso extraordinário.São
Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 40.
66
relator, os demais Ministros encaminhar-lhe-ão também por meio eletrônico, no prazo comum
de vinte dias, manifestação sobre a questão de repercussão geral.
Outra questão controvertida e também não decidida pelo Supremo é saber se
será permitido ao terceiro a possibilidade de sustentação oral. Sabe-se que em processo
abstrato de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal já admitiu, excepcionalmente, a
realização.182 O próprio Tribunal permite que o amicus curiae realize sua sustentação oral no
tempo máximo de quinze minutos, aplicando, portanto, a regra regimental prevista no artigo
131, §3º.183
No entanto, há posicionamento na doutrina no sentido de que a sustentação
oral não será concedida a terceiro quando se tratar de análise de incidente de repercussão
geral. Segundo Samir José Caetano Martins, “não seria factível que o STF franqueasse,
igualitariamente, o uso da sustentação oral pela legião de interessados em uma matéria de
repercussão geral.”184 Certamente, a admissão da sustentação oral em questões referentes à
repercussão geral poderá implicar a inviabilidade do funcionamento da Corte, pelo eventual
excesso de intervenções. A manifestação somente por escrito agilizará bastante o
procedimento.
Todavia, existem fortes argumentos em sentido contrário:
“Tem-se de franquear ao amicus curiae, de outro lado, a possibilidade de
sustentar oralmente as suas razões por tempo igual àquele deferido às partes.
Mostra-se atendível, ainda, eventual interesse do terceiro em ser recebido
182
183
184
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Adin nº 2.675/PE. Relator Ministro Carlos Veloso. Decisão
26/11/2003. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Adin nº 2.777/SP. Relator Ministro Cezar Peluso.
Decisão: 27/11/2003. Informativo, STF, nº 331.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Adin nº 2.943/6/DF. Relator Ministro Ricardo Lewandowski.
Diário da Justiça, Seção I, 23/05/2006, p. 1.
MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual. nº 50, p. 107.
67
pessoalmente por esse ou aquele Ministro do Supremo Tribunal Federal, e o
de ofertar memoriais para o exame final da causa.”185
Se o Supremo Tribunal Federal decidir pela possibilidade de sustentação
oral do amicus curiae, tendo em vista que o procedimento de votação de repercussão geral é
realizado por meio eletrônico, competirá ao Ministro relator suscitar questão de ordem e levar
a matéria controvertida ao Plenário. Algo que dificilmente ocorrerá. Mesmo porque se toda
vez que for admitida a intervenção de terceiro, possibilitar a realização de sustentação oral, a
pauta do Plenário restará totalmente inviabilizada.186
3.5 Repercussão geral por amostragem: a garantia de efetividade do instituto
O artigo 543-B, do CPC, dispõe que quando houver multiplicidade de
recursos com fundamentos em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será
processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observando o
disposto neste artigo.
Já o artigo 328 da Emenda Regimental nº 21 – STF – por seu turno
estabelece que protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de reproduzir-se
em múltiplos feitos, a Presidência do Tribunal, ou o Relator, de ofício ou a requerimento da
parte interessada, comunicará o fato aos Tribunais e Turmas de juizado especial, a fim de que
se observem o disposto no artigo 543-B do Código de Processo Civil, podendo pedir-lhe
informações que deverão ser prestadas em cinco dias, e sobrestar todas as demais causas com
questão idêntica.
185
186
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário.São
Paulo: Revista dos Tribunais., 2007, p. 40.
SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes.
Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2007.
68
O parágrafo único do mesmo artigo impõe que quando se verificar subida
ou distribuição de múltiplos recursos com fundamentos em idêntica controvérsia, a
Presidência do Tribunal ou o relator selecionará um ou mais representativos da questão e
determinará a devolução dos demais aos tribunais de origem ou turmas de juizado especial de
origem, para aplicação dos parágrafos do artigo 543-B do Código de Processo Civil.
Reside nas hipóteses do artigo 543-B, do CPC, artigo 328 caput e parágrafo
único, do RISTF, a real possibilidade de efetividade e sucesso do instituto da repercussão
geral, a fim de limitar significativamente o volume de recursos extraordinários endereçados ao
Supremo Tribunal Federal.187Humberto Theodoro Júnior define o objetivo principal desses
dispositivos:
“O que se ataca, de maneira frontal, são as causas seriadas ou a constante
repetição das mesmas questões em sucessivos processos, que levam à
Suprema Corte milhares de recursos substancialmente iguais, o que é muito
freqüente, em temas de direito público, como os pertinentes ao sistema
tributário e previdenciário, e ao funcionalismo público.”188
O Ministro Gilmar Ferreira Mendes relembra os motivos pelos quais os
processos vêm inevitavelmente se multiplicando:
“No Brasil, a falta de instrumentos para a solução de conflitos com efeitos
gerais acabou por propiciar essa inevitável multiplicação e pletora de
processos. Assinale-se, que nos tempos atuais, esses pleitos são, na maioria
dos casos, repetições, matérias homogêneas ligadas aos planos econômicos,
em geral associadas a toda essa nossa tradição de combate à inflação, como
os chamados planos Bresser, Verão, Collor, além das questões ligadas ao
FGTS e ao sistema financeiro de habitação. No quadro do atual sistema
processual, o STF e as demais instâncias judiciais decidem essas questões de
forma singularizada ou individualizada, o que explica a explosão no número
de processos.”189
187
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 23.
188
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 23.
189
MENDES, Gilmar Ferreira. Ives Gandra da Silva Martins(org.)...[et al.]. Direito e processo do trabalho em
transformação.Rio de Janeiro:Elsevier. 2007, p. 88.
69
Sendo assim, foi com intuito de equacionar esse problema que surgiu a idéia
de represamento dos recursos extraordinários nas instâncias ordinárias, quando a questão tiver
a potencialidade em se reproduzir em inúmeros feitos baseados em fundamentos com idêntica
controvérsia. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu caso de repercussão geral
baseado nos artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91:
“Salientando que os recursos extraordinários sob análise se submetem ao
regime inaugurado pela Lei 11.418/2006, que incluiu o art. 543-B no CPC, e
pela Emenda Regimental 21/2007, do STF, atendendo ao marco temporal
estabelecido no julgamento do AI 664567 QO/RS (DJU de 26.6.2007), qual
seja, a publicação do acórdão recorrido depois de 3.5.2007, entendeu-se que
a questão discutida nesses autos — constitucionalidade da regulação de
prazos decadencial e prescricional para cobrança das contribuições
previdenciárias, bem como de suspensão de prazo prescricional em
execuções fiscais de pequeno valor por lei ordinária — estaria entre as
suscetíveis de reproduzirem-se em múltiplos feitos, sendo, portanto,
pertinente a invocação da disciplina do art. 328 do RISTF.”190
Indubitavelmente, o legislador buscou inspiração na lei 10.259/2001 que
dispõe sobre a instituição dos juizados especiais civis e criminais no âmbito da Justiça
Federal.191
O artigo 14 da referida lei dispõe que o recorrente pode solicitar pedido de
uniformização de interpretação de lei federal, quando houver divergência entre decisões sobre
questões de direito material, proferidas por Turmas Recursais, na interpretação da lei. Quando
a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material,
contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça, a parte
interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.
Em
havendo
outros
eventuais
pedidos
idênticos,
recebidos
subseqüentemente em quaisquer Turmas Recusais, ficarão retidos nos autos, aguardando-se o
190
191
INFORMATIVO do STF nº 479. Data: de 10 a 14 de setembro de 2007.
MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual. nº 50, p. 97.
70
pronunciamento do STJ. Publicado o respectivo acórdão, os pedidos retidos serão apreciados
pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou declará-los prejudicados,
se veicularem tese não acolhida pelo STJ.192
Foi com a intenção em dar azo a um processo objetivo que a Lei
10.259/2001 teve o importante papel de introduzir no direito brasileiro as principais noções do
que viriam servir, anos mais tarde, de base para repercussão geral. Por sinal, o Ministro
Gilmar Ferreira Mendes já vislumbrava a adoção do procedimento espraiando-se para além do
âmbito dos juizados especiais federais, a saber:
“De certa forma, é essa visão que, com algum atraso e relativa timidez,
ressalte-se, a Lei nº 10.259, de 2001, busca imprimir aos recursos
extraordinários, ainda que inicialmente, apenas para aqueles interpostos
contra as decisões dos juizados especiais federais.”193
Atualmente, pode-se dizer com toda segurança, que o procedimento adotado
nos artigos 14 e 15 da Lei nº 10.259/2001 foi uma espécie de laboratório para a
implementação da repercussão geral. Insta frisar que a finalidade do procedimento da Lei
10.259/2001 é similar ao adotado pela lei 11.418/2006, qual seja: o sobrestamento dos
recursos fundados em fundamentos com idêntica controvérsia.
O procedimento de represamento da Lei 11.418/2006 poderá ocorrer de três
formas diferentes. Primeiro, de acordo com o artigo 543-B, § 1º, do CPC, no qual caberá ao
Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e
encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até pronunciamento
definitivo da Corte. Vale destacar que “eventual sobrestamento indevido desafia agravo de
192
O recurso extraordinário será processado e julgado nos mesmos moldes informados. Artigo 15, da lei
10.259/2001.
193
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário. Medida Cautelar em Recurso Extraordinário nº 376852-2/SC.
Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes.
71
instrumento.”194 Frise-se, mais uma vez, que no caso em apreço, é o Tribunal a quo quem
escolhe os recursos paradigmas.195
A Segunda hipótese amolda-se com o caput do artigo 328 do RISTF. Aqui,
o Presidente do STF ou o Relator são responsáveis por detectar no recurso, protocolado ou
distribuído, a presença de questão suscetível de reproduzir-se em inúmeros feitos. Assim,
comunicarão o fato aos tribunais locais ou turma de juizados especiais para fins do artigo 543B.196 Leciona Humberto Theodoro Júnior:
“Antes mesmo de se ter notícia da ocorrência dos recursos seriados, o STF
antecipa, por meio de circular aos tribunais do país a possibilidade de que tal
venha acontecer. Diante dessa comunicação, não se procederá à subida de
qualquer outro extraordinário sobre a mesma questão constitucional, cuja
repercussão geral pende de apreciação. Todo eventual recurso que surgir
permanecerá retido na instância de origem, para oportunamente sofrer um
dos efeitos previstos no artigo 543-B.”197
A terceira e última forma de represamento se dá conforme o teor do
parágrafo único do artigo 328 do RISTF. Nesta hipótese, o procedimento é distinto do que
consta no caput do artigo porque aqui os recursos já se encontram no Supremo Tribunal
Federal. O Presidente do Supremo ou o Relator apenas verifica a subida ou distribuição de
múltiplos recursos com fundamentos em idêntica controvérsia, seleciona um ou mais recursos
paradigmas da questão e determina a devolução dos demais aos tribunais de origem ou turmas
de juizado especial.198
A previsão que consta do caput do artigo 328 é diferente do parágrafo único.
Pelo caput, o Presidente do STF ou o relator detecta um recurso, ou mais, cuja questão for
194
195
196
197
198
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no recurso extraordinário.São
Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 81.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 23.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24.
72
suscetível de reproduzir-se em inúmeros feitos e comunica aos tribunais de todo país para que
os recursos assemelhados sequer sejam enviados ao Supremo. Denota-se, portanto, que a
medida é acautelatória, ao contrário do procedimento adotado pelo parágrafo único do artigo
328, cuja providência é reparadora. Explica Humberto Theodoro Júnior:
“O represamento, como se vê, pode ser provocado por iniciativa do
Presidente do Tribunal local (CPC, artigo 543, §1º) ou pelo próprio STF (por
ato do Presidente ou relator), que agirá em caráter preventivo (RISTF, artigo
328, caput) ou por medida saneadora (RISTF, artigo 328, parágrafo único).
Isto é: o STF poderá impedir, antecipadamente, a subida de recursos
repetitivos, ou devolver à origem os recursos que seriamente subirem para
seu exame.”199
No que tange ao procedimento de escolha dos recursos paradigmas (artigo
328, parágrafo único) insta frisar aspecto de relevo criticado por parte da doutrina. Afirmam
não haver critérios para a seleção de recursos representativos da controvérsia. Samir José
Caetano Martins pondera que:
“Sustentar que o critério será o da ordem cronológica, ou da qualidade dos
arrazoados, é puro exercício de futurologia. A verdade é que a falta de
critério para a seleção dos recursos representativos consagra a
discricionariedade na escolha dos recursos-paradigma.”200
Apesar das colocações, o autor não sugeriu outro meio para selecionar os
recursos paradigmas, parecendo, contudo, ser mais justo e plausível a escolha realizada pelo
critério cronológico.
Selecionado o(s) recurso(s) representativo(s) da controvérsia, seja o
procedimento realizado pelo Tribunal a quo (artigo 543-B, §1º) ou pelo Supremo Tribunal
Federal (artigo 328 caput e parágrafo único), os demais recursos ficarão represados na
199
200
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24.
MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de
Direito Processual. nº 50, p. 105.
73
origem. Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados serão considerados
automaticamente não admitidos.201
Uma vez julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados
serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que
poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.202 Se, porventura, for mantida a decisão e
admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal nos termos do Regimento Interno,
cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.203
Portanto, chega-se à inevitável conclusão de que o exame da repercussão
geral por amostragem é o grande trunfo desse novel instituto. Com base em apenas um
recurso, por exemplo, inúmeros outros baseados em fundamentos com idêntica controvérsia
serão julgados sem a necessidade de serem apreciados pelo Supremo Tribunal Federal,
fortalecendo significativamente o papel das instâncias ordinárias.
Espera-se, dessa forma, que a quantidade de recursos extraordinários
endereçados ao Supremo possa reduzir, viabilizando o trabalho da Corte e conferindo,
sobretudo, maior celeridade ao processo.
201
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Teor do artigo 543-B, §2º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Teor do artigo 543-B,§3º.
203
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Teor do artigo 543-B, §4º.
202
CONCLUSÃO
O recurso extraordinário, em 2009, completa 119 anos de existência. Sem
dúvida alguma é um dos recursos mais antigos do sistema processual brasileiro. Instituído
pelo Decreto nº 848, o recurso extraordinário passou por inúmeras mutações durante todos
esses anos. A principal delas ocorreu no ano de 1988, quando a recém- promulgada
Constituição instituiu o Superior Tribunal de Justiça.
O intuito de criar um novo Tribunal era justamente desmembrar a matéria
contida no apelo extremo. A partir de então, o provecto recurso passou a tratar de matérias de
cunho exclusivamente constitucional. A competência para julgar questão infraconstitucional
foi delegada ao Superior Tribunal de Justiça, a ser processada por meio de recurso especial.
Tal medida foi tomada com a intenção de limitar o número infindável de
recursos que desaguavam no Supremo Tribunal Federal. No entanto, com o passar dos anos,
denotou-se que a medida não surtiu o efeito desejado. A Suprema Corte continuava
abarrotada de processos aguardando julgamento. Para se ter uma idéia, o Banco Nacional de
Dados do Poder Judiciário registrou o impressionante número de 54.575 recursos
extraordinários distribuídos no ano de 2006.
Tendo em vista a situação caótica que vivencia a mais alta Corte do país, a
Emenda Constitucional nº45, responsável pela reforma do Poder Judiciário, inseriu o instituto
da repercussão geral no artigo 102,§3º, da Constituição. O novel mecanismo é uma espécie de
“filtro recursal”. A partir de agora, o Supremo Tribunal Federal só conhecerá do recurso
extraordinário quando a questão constitucional nele versada transcender os interesses
subjetivos da causa.
75
A intenção é impedir que litígios relativos a “furto de galinhas”, por
exemplo, cuja matéria contida no bojo do recurso extraordinário não tem o menor interesse
para a sociedade, deixe de ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal. Dessa forma,
acarretará, inarredavelmente, duas importantes conseqüências: primeiro, maior celeridade nas
decisões dos julgados; segundo, fortalecimento significativo das instâncias ordinárias.
Vale salientar que o mecanismo da repercussão geral não é uma invenção
brasileira. Diversas cortes constitucionais adotam procedimento símile. Entre eles, o writ of
certiorari, do direito norte-americano e o requisito de trascedencia, do direito argentino, entre
outros.
Portanto, o presente trabalho busca trazer os pontos positivos da adoção
desse novo instituto. Principalmente, enaltecer o procedimento realizado por amostragem,
uma vez que o sistema de represamento dos recursos extraordinários nas instâncias inferiores
será peça fundamental para o sucesso do instituto da repercussão geral. Assim, acredita-se que
o número de processos endereçados ao Supremo Tribunal Federal possa reduzir
drasticamente, viabilizando o trabalho da Corte.
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luís henrique alves sobreira machado a efetividade da