Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências
Humanas e Ciências Sociais – Ano 10 Nº23 v.1– 2014 ISSN 1809-3264
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
REVISTA QUERUBIM
Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais
Ano 10 Número 23 Volume 1
ISSN – 1809-3264
2014
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2014
REVISTA QUERUBIM
NITERÓI – RIO DE JANEIRO
2014
NITERÓI RJ
2014
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Revista Querubim 2014 – Ano 10 nº 23 – vol.1 – 179 p. (junho – 2014)
Rio de Janeiro: Querubim, 2014 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais
Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital
Conselho Científico
Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia)
Carlos Walter Porto-Goncalves (UFF - Brasil)
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Presidente e Editor
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Marcos Pinheiro Barreto
Paolo Vittoria
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Vanderlei Mendes de Oliveira
Venício da Cunha Fernandes
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As tentativas de suicídio e suas implicações sociais – Alcides Leão Santos Júnior e Caio
Cesar da Silva Garcia
A percepção de pibidianos de inglês sobre a profissão professor: achados de pesquisa
narrativa – Ana Paula Domingos Baladeli e Aparecida de Jesus Ferreira
Textos folhetinescos do Rio de Janeiro no século XIX: diversidade, interatividade e reflexo
social – Bonfim Queiroz Lima Pereira
Os significados de ‗ser professor‘ na percepção de acadêmicos em situação de Estágio
Curricular Supervisionado de um curso de Licenciatura em Educação Física – Carla Prado
Kronbauer e Hugo Norberto Krug
Apontamentos sobre o livro didático de Geografia – Carolina Machado Rocha Busch
Pereira
Ensino de espanhol/le no curso de Turismo: ampliando possibilidades – Deoclides Barros
Castelo Branco e Glauber Lima Moreira
Revisitando a problemática acerca da avaliação da aprendizagem escolar – Doris Day
Rodrigues Marques
A pedagogia político - social de Makarenko – Elias Gomes da Silva
Afetividade pela ótica de Henri Wallon – contribuições na formação inicial de professores –
Fernanda Cruz de Araújo e Wagner dos Santos Mariano
O uso da tecnlogia da informação e comunicação (TIC) na formação escolar – Fernando
Carlos Alves da Silva
Vozes antagônicas no discurso de graduandos do curso de Letras – Francisco Vieira da
Silva e José Marcos Rosendo de Souza
Abre-te, cérebro! O tudo que cabe nas palavras de Arnaldo Antunes – Hernany Tafuri
Recortes de memórias de alunos e professores de ciências contábeis sobre a contribuição do
moodle no processo ensino aprendizagem – Janaína Borges de Almeida e Jocyleia
Santana dos Santos
O discurso da inovação no referencial curricular de língua portuguesa para o ensino
fundamental – 1º ao 9º ano: uma análise semiótica – Jônatas Gomes Duarte, José
Amilsom Rodrigues Vieira e Maria José de Pinho
Stardust o mistério da estrela do livro ao filme o narrador entra em cena – José Padilha
Vichinheski e Ricardo André Ferreira Martins
As repercussões da violência escolar no trabalho docente – Leila Ferreira da Silva e
Rosamália Otoni Pimenta Campos
A gestão educacional no Estado Novo e seus efeitos de sentido sobre as políticas
lingüísticas – Luciana Vargas Ronsani
E falando em corpo...: uma análise das memórias referentes ao disciplinamento a partir do
paradigma hermenêutico de Weber – Luciana Fiamoncini
Letramento: origem do termo e conceituação – Marcia Cristina Hoppe
Ideologia e ethos no discurso político – Marcio Cotovicz
Travessias amazônicas: uma leitura de A voragem, de José Eustasio Rivera – Marinete Adriano
de Melo e Luciana Marino do Nascimento
A dicionarização brasileira e o ensino de língua materna – Natieli Luiza Branco
Gestão escolar ou administração escolar? – Pedro Braga Gomes e Sueli Aparecida
Leandro
Gestos, grafismos, caligrafias, delicadezas de Barthes – Rodrigo da Costa Araujo
Resenha – GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa
em Ciências Sociais – Francisco Romário Paz Carvalho
Resenha – A poesia de Manoel de Barros e a educação ambiental. OLIVEIRA, Elizabete.
A Educação Ambiental & Manoel de Barros: diálogos poéticos. – Rodrigo da Costa Araujo
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AS TENTATIVAS DE SUICÍDIO E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS
Alcides Leão Santos Júnior1
Caio Cesar da Silva Garcia2
Resumo
Descreve-seas relações existentes entre o suicídio e a sociedade. Na literatura encontra-setraços que
diagnostica o suicídio como um dos problemas recorrentes na história da humanidade e o apontam
como sendo o causador de diversos males principalmente quando ele não é efetivado. Um dos
elementos constituintes do suicídio é o fato do indivíduo programar sua morte, arquitetando,
também, o método utilizado. Este estudo tomou como fonte principal de pesquisa a obra ―O
Suicídio‖, de Émile Durkheim, e como fontes secundárias livros e artigos que versam acerca do
assunto. Procura-se apontao profissional da enfermagem com papel de suma importância no auxílio
aos indivíduos que tentaram o suicídio, por se acreditar no processo humanístico eminente a
consulta de enfermagem ou aos procedimentos dessa área. Verificou-se uma relação intrínseca entre
a sociedade e o suicídio, observando, ainda, a necessidade de se dar maior atenção àquele que
tentou suicídio buscando evitar reincidência.
Palavras-Chave: Suicídio. Sociedade. Enfermagem.
Introdução
O suicídio é um assunto que tem gerado intensas discussões acerca das vertentes que
potencialmente se estabelecem até que ele chegue ao cabo de sua intenção última: a morte. Neste
sentido é importante notar que nem sempre o indivíduo consegue se matar, e sejam quais forem às
causas de impedimento de sua morte ele sofrerá as consequências.
Considerando que uma vez tentando o suicídio é provável que haja reincidência, o
acompanhamento familiar, assim como dos profissionais de saúde torna-se necessário para que a
morte prematura e intencional não seja efetivada.
Ao se constatar que o indivíduo não está inserido em um meio isolado das relações
humanas em sociedade, compreende-se que seus atos estão imersos num submundo que emerge
em um acontecimento social determinado que, obviamente não é inato aos indivíduos, isto é, não o
pertence, não é particular, não se origina por si só.
Tomando como base este pressuposto utiliza-se como fonte principal para esta pesquisa a
obra ―O Suicídio” (publicada na sua primeira versão em 1897) de Émile Durkheim (1853 – 1917),
onde o sociólogo discute a existência de uma consciência coletiva desenvolvida no convívio social,
o que implicaria em atos também sociais, isto é, em ações desencadeadas independentes de
vontades individuais, contudo este comportamento estabelecido pela sociedade não é
necessariamente imposto, é como se ele já existisse.
Justifica-se a relevância do estudo acerca das tentativas de suicídio por se observar como
este ato intencional tem estado presente em todas as camadas sociais interferindo diretamente na
vida em sociedade.
Pedagogo (UCSAL), Mestre em Ciências Sociais (UFRN), Doutor em Educação (UFBA), Professor da área
de Fundamentos da Educação, do curso de Enfermagem, Campus Caicó, da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN). Líder do Grupo de Pesquisa em Educação, Saúde e Pensamento Complexo.
Contato: [email protected]
2Graduandoem Enfermagem pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte(UERN. Professor do
Instituo Brasil de Ensino Superior.Contato: [email protected].
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Considera-se ainda que ao observar os municípios com população igual ou superior a 50
mil habitantes, o município de Caicó/RN encontra-se em terceiro lugar no ranking brasileiro de
suicídios, perdendo apenas para os municípios de Venâncio Aires e Lajeado, ambos no estado Rio
Grandes do Sul, estando em primeiro e segundo lugar respectivamente na classificação das cidades
brasileiras com maiores índices de suicídio.
O corrente estudo utilizará como metodologia a pesquisa bibliográfica, a partir da revisão
integrativa de literatura, que corresponderá ao referencial utilizado para que se possa ter uma
fundamentação teórica relevante, se apropriando de fontes de pesquisas seguras e científicas que
garantam um respaldo teórico-metodológico viável para as análises e discussões estabelecidas.
Para tanto, se desenvolve a seguinte problemática: que relação/relações há entre o convívio
social e as tentativas de suicídio?
Estabelece-se como objetivo geral: descrever as relações existentes entre o suicídio e a
sociedade; e como objetivos específicos, comentar as sutis diferenças entre Querer Estar Morto,
Querer Morrer e Querer se Matar; e estudar a necessidade de acompanhamento do profissional de
enfermagem para aqueles que tentaram suicídio.
Considerando a necessidade de compreensão do papel do enfermeiro no processo saúde
doença relacionado ao paciente que tentou suicídio, é preciso observar a relevância desse
profissional de saúde agindo na intervenção do pré-suicídio. Além disso, serão elencados termos
relacionais ao suicídio, sejam eles, ―Querer Estar Morto‖, ―Querer Morrer‖ e ―Querer se Matar‖.
Serão discutidos ainda, os fatores biológicos envolvidos no organismo do suicida para que se
analisem as alterações geradas no metabolismo de uma pessoa pré-disposta ao suicídio. Segue-se
que a intensão dessa discussão é deixar claro o papel do enfermeiro frente ao paciente,
mencionando os métodos que podem ser utilizados para o enfretamento ao problema de saúde que
leva a morte por escolha, isto é, o suicídio.
É preciso compreender como se processa o suicídio para que se tenha uma visão apurada
da realidade das pessoas que comentaram ou tentaram se matar, dessa forma serão analisadas as
origens causas e métodos mais utilizados para tanto.
De acordo com Durkheim (2000), dentre os diversos tipos de morte, existe uma de
particular especificidade, uma morte que não acontece isoladamente, mas que se processa em
decorrência de um desejo próprio, sendo esta aquela em que o indivíduo programa sua existência,
onde tal ato ―resulta mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo realizado pela
própria vítima‖ (DURKHEIM, 2000, p. 166).
Costa (2010) acrescenta que as tentativas são mais frequentes em relação ao suicídio do que o
ato consumado, além disso, existem fatores que podem ser considerados como acréscimos ao ato
suicida, isto é, pessoas que apresentam determinadas patologias, ou aspectos relacionados a
problemas sociais e mentais podem ser mais suscetíveis às tentativas e aos atos suicidas concretos.
Diante dessa questão faz-se necessário um comentário sobre o comportamento suicida.
Sobre este comportamento é importante frisar que do contrário do que a maioria das pessoas
imagina ―Querer Estar Morto‖, ―Querer Morrer‖ e ―Querer se Matar‖, não são sinônimos e apesar
da diferença entre eles ser algo muito sutil é interessante saber o significado de cada um desses
termos.
Para que se compreendam melhor tais termos, é mister averiguar o que dizem os dados
estatísticos que versam acerca de assuntos que se aproximam da temática em questão, assim segue a
seguinte argumentação: o número de casos de suicídios no Brasil são alarmantes e de acordo com as
pesquisas nessa área o número de tentativas de suicídio é ainda maior. Como nosso estudo não
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possui um recorte temporal e não achamos necessário atualizar os dados segundo fontes
governamentais estaremos trabalhando com os dados presentes na literatura que discorre sobre a
temática.
Almeida et al (2009) apresenta dados relevantes acerca do suicídio no Brasil. A informação
é que, no Brasil, em 2002 foram registrados 7719 casos de suicídio, sendo 6025 cometido por
homens e 1694 por mulheres. A taxa de mortalidade geral foi de 4,3 por 100 mil habitantes, sendo
que a taxa de mortalidade especifica segundo o sexo foi de 6,8 (masculino) e 1,9 (feminino) para
100 mil habitantes.
Percebe-se o quanto os casos de suicídio sofreram progressão d no decorrer dos acordo
com o sexo. Cabe ressaltar que a intencionalidade suicida não é completamente definida na analise
de Almeida et al (2009, p. 3), já que se por um lado o indivíduo trás em si a certeza em querer matarse, em contrapartida existe dentro dele a intensão de permanecer vivendo.
Até o ato suicida ser consumado existe um ciclo de etapas a serem seguidas e de acordo
com Almeida et al (2009) os casos em que o suicida segue este ciclo é geralmente o mesmo na
maioria dos casos, isto significa que as pessoas que estão dispostas a seguir em frente com o plano
suicida geralmente não o faz sem prévio aviso, o que permite impedi-las ou pelo menos dar a
chance desses indivíduos pensarem numa outra opção de fuga da realidade que não seja a retirada
da vida.
Salienta-se, ainda, que a forma como o propenso suicida busca se matar pode estar
relacionado com fatores culturais, de modo que, os objetos utilizados no ato suicida apresentam
uma relação necessária entre aquilo que é de mais fácil acesso.
Estudos referem à frequência de objetos utilizados tanto nas tentativas quando nas
consumações do ato suicida, como sendo aqueles que estão em maior acessibilidade e, além disso,
existem fatores correlacionados que se envolvem de forma direta; tais fatores comprovam a cultura
como sendo determinante na escolha destes objetos.
Almeida et al (2009) fazem referência ao modo como as pessoas cometeram atos suicidas
em determinados Estados brasileiros, sendo destacados os Estados de Rio Grande do Sul e São
Paulo, observando que de fato há uma relação cultural envolvida na forma como os indivíduos
tentaram ou concretizaram o suicídio.
De acordo com o Almeida et al (2009) há uma maior incidência de casos de suicídio por
enforcamento (36,4%) causados por homens, tal fato pode ser identificado pela intensa produção
de cordas em Campinas/SP , como há uma ligação direta do uso do método suicida com os objetos
mais propícios ao ato, fica evidenciada a facilidade de se encontrar cordas com acessibilidade, o que
intensifica sua utilização como meio para se chegar ao suicídio.
Em contrapartida o índice de morte programada através de armas de fogo também
apresenta porcentagem elevada (31,8%); pode-se considerar neste caso, a criminalidade dos grandes
centros urbanos que por sua vez viabilizam a compra ou porte ilegal de armas em uso residencial,
gerando maior facilidade para encontrar-se com a morte suicida.
Almeida et al (2009) enfatizam que, as mulheres apresentam maior potencialidade para o
método de envenenamento (24,2%), certamente por ser este método o que mais se aproxima de sua
realidade, já que o armazenamento desse material é comumente feito pelas mulheres, o que torna
simples a busca pelos mesmos.
No que concerne ao enforcamento e as armas de fogo (21,2% cada), são de menor
incidência provavelmente por se constituírem em métodos mais agressivos e de maior
complexidade para sua efetivação. Ambos os dados se referem a Campinas/SP.
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De acordo com os dados estabelecidos por estudo feito na cidade de Ribeirão Preto/SP,
no gráfico acima, os adolescentes apresentam grande propensão ao suicídio. O índice chega a ser
muito elevado nos casos de envenenamento (93,9%), as circunstâncias devem ser as mesmas
geradas pelas mulheres, tendo em vista a fragilidade arraigada tanto às mulheres quanto a esse grupo
de pessoas, assim como a facilidade em encontrar os locais onde estão guardados.
Em segundo plano vem à ingestão de medicamentos (73,8%) que pode ser explicado em
decorrência do uso farmacológico desenfreado na sociedade moderna, fazendo com que as
residências se tornem uma fonte inesgotável de medicamentos diversos, e com isso é muito simples
ingerir grandes quantidades e/ou uma significativa variedade desses medicamentos.
Na mesma margem está a ingestão de substâncias químicas (73,8%), que pode ser
explicada, pela crescente utilização de drogas produzidas por compostos químicos de alta
periculosidade. É certo que não é via de regra que todos os adolescentes sejam usuários de droga,
mas no caso dos que não fazem do submundo das drogas, utilizam as substâncias químicas por ser
elas encontradas a plena luz, o que gera maior facilidade para o uso suicida.
Percebe-se então, que os dados estabelecidos por tais estudos levam a crer que de fato há
meios característicos para tentar suicídio em decorrência da localização geográfica e consequente
cultura regional que possibilita a efetivação de atos determinados por objetos disponíveis nesses
lugares.
Diante desses fatos cabe agora entender o que representa ―Querer Morrer‖, ―Querer Estar
Morto‖ e ―Querer se Matar‖. Querer Morrer está relacionado com livrar-se do sofrimento e neste
sentido a ideação suicida teria a intensão de desfazer-se de um sofrimento que perturba a alma ao
ponto de se tornar difícil aceitar ficar vivo.
Querer Estar Morto está envolvido com a sensação de angústia que faz o indivíduo sentirse inútil perante si mesmo, por essa razão surge o desejo de desistir da vida.
Querer se Matar implica em um impulso que toma o indivíduo de modo que a força
emanada do sentimento de morte está envolvida com uma paixão incontrolável pela morte.
As diferenças encontradas entre os termos supracitados são estabelecidas para possibilitar a
identificação do perfil suicida, sendo elas uma espécie de caminho percorrido por aqueles que
pretendem tirar sua vida.
Esses elementos se constituem enquanto parâmetros que conseguem analisar a forma
como se sente o suicida, já que evidenciam cada estágio do percurso que leva o indivíduo a se
matar. Primeiro ele pensa em eximir-se do sofrimento (Querer Morrer), em seguida se sente
desprezível ao ponto de sua existência se tornar algo inútil (Querer Estar Morto) e por último vem
o ato que o impulsiona para a morte (Querer se Matar), e que, por conseguinte, o leva para o fim,
isto é, a consumação do suicídio.
Sob esta ótica caracteriza-se o comportamento suicida como ―todo ato pelo qual o
indivíduo causa lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau de intensão letal e de conhecimento do
verdadeiro motivo que o ocasionou.‖ (RIBEIRO, 2012, p. 27)
Este ciclo que evolui paulatinamente se dá inicialmente com as ameaças de suicídio, em
seguida vêm às tentativas de suicídio e por fim, caso não impedido, passa ao ato consumado, isto é,
ao suicídio em si; esse conjunto forma a ideação suicida.
A partir de Werlang e Botega apud Ribeiro (2012, p. 29) pudemos representar a dimensão
do comportamento suicida. Estes autores acreditam que a Ideação Suicida é formada em etapas,
que inicia com asAmeaças de Suicídio, em seguida vem as Tentativas de Suicídio, e por último temse o ato consumado, isto é o Suicídio.
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Outro fator a se observar são as alterações metabólicas no organismo do suicida. Para
tanto, os fatores biológicos, também, devem ser considerados ao se discutir o suicídio, pois há
indícios de alterações em determinados elementos no nosso organismo que estão relacionados com
a ideação suicida.
Na visão de Costa (2010) a serotonina, por exemplo, que é um neurotransmissor envolvido
com a comunicação entre os neurônios, apresenta baixos níveis em pessoas que tentaram suicídio, o
que implica afirmar que indivíduos com fatores de risco sejam eles com depressão, ansiedade,
esquizofrenia e patologias afins apresentam níveis baixos de serotonina.
O mesmo autor destaca ainda a dopamina, uma vez que as pesquisas observaram que o
nível de Ácido Homovalínico também decresce, tal composto é o principal metabolito da
dopamina, que por sua vez está diretamente ligada a questão da felicidade e do bem estar. Pessoas
com baixo nível de dopamina tendem a ser depressivas, angustiadas, tristes, com ânimo deficiente.
Diminuição nos níveis de neurônios noradrenérgicos, de ômega-3, colesterol sérico,
também foiencontrada em pessoas que tentaram suicídio. A relação entre fatores patológicos e o
suicídio estão próximos, o que implica em cuidados específicos para as pessoas acometidas por tais
doenças, pois, como já fora discutido, mesmo considerando os fatores sociais como o principal
foco para a tendência ao suicídio, os demais elementos que se associam a ele apresentam um risco
ainda maior para a morte.
―O exercício de solidariedade juntamente com as condições de adaptação do indivíduo ao
sofrimento é um fator relevante ao tratar indivíduos com comportamento suicida‖. (ABREU et al,
2010, p. 197).Estratégias que incluam um relacionamento mais próximo do paciente com o
enfermeiro, ainda que não de forma extremamente pessoal, permitem a identificação dos fatores de
risco encontrados no suicídio, assim como ajudam a solucionar os problemas relacionados a ele.
Desta feita o compromisso com o cliente está relacionado a tudo quanto ele pode
apresentar, e neste sentido o enfermeiro torna-se um profissional de singular importância no auxílio
à vida das pessoas que o procuram. Mais uma vez é interessante citar que, mesmo não havendo
apenas o enfermeiro como um agente de auxílio aos pacientes que tentaram ou podem vir a tentar
suicídio, ele pode e deve ser responsável pela ajuda a essas pessoas que em boa parte dos casos
precisam apenas ser ouvidas.
Enfermagem, cuidado em saúde e tentativas de suicídio
É necessário conhecer aquilo que potencializa o suicídio, para que só então haja a
possibilidade de ajuda ao suicida. Existem diversas características que refletem no aumento de
possibilidades para as tentativas de suicídio, tais atenuantes vão desde os desvios de personalidade
até a inexistência de convicções religiosas.
Nos estudos de Costa (2010) ele identifica os fatores que aumentam o risco do suicídio.
Dentre eles são citados: a personalidade impulsiva, história de migração, ausência de convicção
religiosa, a crença de um destino controlado por um Deus Onipotente e responsável pelos sucessos
e frustrações da vida, o sentimento persistente de desespero e pessimismo, perda de estatuto sócio
econômico, uso contínuo ou excessivo de drogas e álcool.
Podemos considerar que estes fatores podem aumentar a chance de risco do suicídio vir a
acontecer. Vê-se que as tentativas de suicídio se constituem enquanto um problema agravante à
vida podendo se manifestar nos mais diversos tipos de pessoas e em todas as camadas sociais.
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Considera-se, portanto, como tentativa de suicídio toda ação programada por uma pessoa
que seja capaz de culminar em morte, caso não seja impedida. De acordo com Avanciet al (2009), a
tentativa de suicídio é uma das causas mais frequentes de atendimento em urgência psiquiátricas.
Ainda segundo Avanciet al (2009), os profissionais da urgência tem um papel significativo
no acompanhamento daqueles que dão entrada em decorrência de alguma consequência gerada pela
tentativa de suicídio.
Neste sentido, os profissionais da enfermagem juntamente com os demais profissionais da
área de saúde podem e devem aproveitar este momento para estabelecer vínculos interpessoais com
o paciente e com a família para que seja possível combater ou lidar o trauma gerado pela tentativa
de suicídio, assim como tentar encontrar meios que impeçam a efetivação do ato suicida.
Urge a necessidade de compreensão de que o indivíduo é carente não apenas de afeto, mas,
sobretudo de alguém que consiga pelo menos ouvi-lo, e certamente neste momento o profissional
enfermeiro pode conseguir bons resultados quando destina a devida atenção ao cliente.
O homem é considerado como o único ser vivo que tem ―consciência de si‖, portanto a
comunicação é um elemento essencial para que se compreenda quem de fato ele é, mantendo um
certo equilíbrio biopsicossocial.
É preciso estar atento, sensível ao que é expresso pelo paciente tendo em vista que ―cabe
ao enfermeiro estar atento e se sensibilizar com a mensagem que o paciente transmite, evitando
intervenções precoces e desnecessárias, as quais poderão funcionar como bloqueio para a
comunicação.‖ (AVANCI et al, 2009, p. 9).
―Um dos objetivos do cuidado de enfermagem junto aos pacientes com tendência suicida é
ajuda-los a exteriorizar sua agressividade, seus sentimentos e a suportar suas experiências.‖
(AVANCI et al, 2009, p. 12). A exteriorização da agressividade pode ser um sinal de melhora,
indicando que o paciente está superando o evento de tentativa suicida.
Escutar o usuário é o primeiro passo para ajuda-lo, contudo tal escuta não pode carregar
em si um discurso preconceituoso imerso por julgamentos pré-estabelecidos. Além disso, deve-se
considerar que nem sempre o paciente está disposto a apresentar com palavras o que realmente
passou ou sente, surgindo assim um novo desafio para o enfermeiro, que se constitui na observação
de tudo que gira em torno do cliente.
De acordo com Goleman apud Marins e Reis, (2010) a leitura corporal é de singular
importância nesse momento, pois, por meio dela o (a) enfermeiro (a) pode intuir como o usuário se
encontra, ainda que ele não expresse perfeitamente seus sentimentos, emoções e angústias por meio
de um discurso claro.
É evidente que escutar o cliente durante o diálogo também é uma forma de lidar com as
questões que causam temor, dor ou angústia, fazendo com que as mesmas possam se externar
durante a conversa e assim aliviar o pesar.
Ao invés de apresentar uma conduta moralista com o usuário, o (a) enfermeiro (a) deve se
mostrar empático, receptivo, apto a ouvir e ver tudo que o paciente relatar ou mostrar por meio de
seus atos ainda que as palavras não sejam diretamente comentadas pelo mesmo; tais procedimentos,
apesar de simples, causam melhora no paciente, fazendo com que ele possa até mesmo se livrar dos
traumas advindos da tentativa de suicídio.
Pedrosa apud Marins e Reis (2010, p.6) afirmam que saber escutar é antes de qualquer coisa
ser receptivo com o cliente para que só então seja possível existir a relação de ajuda enfermeiropaciente. Considera-se ainda que ouvir o usuário não implica dizer que o enfermeiro não possa
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falar, mas pelo contrário, ao passo que se ouve, a estrutura do diálogo vai tomando corpo e então as
orientações do profissional de saúde entram na discussão fazendo com que haja a chance de ajuda.
Cabe então ao enfermeiro sua parcela de contribuição para cuidar dos males gerados pelas
tentativas de suicídio. Ressalta-se que não se está tentando colocar o enfermeiro como um agente
capaz de sozinho ser responsável pela vida das pessoas que tentaram suicídio, pois, como discutido
no decorrer do texto, os fatores sociais implicados em cada sujeito trazem a questão subjetiva de
cada pessoa. O que se pretende é mencionar a possibilidade de ajuda da enfermagem para esse
usuário fragilizado.
Considerações
As ruínas causadas pela destruição da vida do próprio indivíduo são características
eminentes do ato suicida. Contudo, o que observamos, foi que em boa parte das práticas do
suicídio o indivíduo que pré determina sua morte não consegue chegar a conclusão do ato, o que
gera uma preocupação para com o mesmo, no sentido de haver a possibilidade de uma nova
tentativa. Desta feita os profissionais de saúde terminam por se encontrarem em algum momento
com estas pessoas, já que dependendo do método utilizado para suicidar-se é necessário
determinados procedimentos.
Destaca-se que, às vezes os cuidados com os suicidas se referem ao tratamento de
ferimentos gerados no corpo do próprio indivíduo, e em casos específicos a interferência de outras
pessoas ocasiona o enfrentamento do ato suicida, impedindo que a morte chegue àcabo, mas ainda
assim há a possibilidade da busca por tratamento em Hospitais ou Unidade de Saúde.
De acordo com os elementos discutidos no texto, a sociedade consegue interferir
diretamente no ato suicida, pois não há como viver sem que haja implicações sociais geradas
constantemente.
Se o ato suicida fosse isolado não haveriam motivos tão intrinsecamente relacionados com
a sociedade para que ele passasse a existir. Em contrapartida urge a necessidade de
acompanhamento dessas pessoas que escaparam da morte. Aqui se comunga com a ideia de que
não são somente o psicólogo, o neurologista ou o psiquiatra são responsáveis diretos pelo
acompanhamento daquele que tentou suicídio, mas antes a pessoa do (a) enfermeiro (a) é um
elemento indispensável para o auxílio desses indivíduos, já que eles são um dos profissionais
responsáveis pelo cuidar, ato intensamente discutido na teoria e na prática que assevera o papel da
enfermagem, o que o torna coparticipante assim como responsável pelo acompanhamento dessas
pessoas que constantemente buscam seus serviços, sejam na Unidade Básica de Saúde, seja nos
Hospitais ou quaisquer ambientes de saúde em que o enfermeiro esteja exercendo sua profissão.
Diante desse repertorio é notório afirmar que apesar de ter sido escrito no século XIX, a
obra O Suicídio de Émile Durkheim, ainda se constitui enquanto uma fonte rica de informações que
podem ser analisadas na atualidade, e apesar de haver parte das conclusões do autor tendenciosas à
questão religiosa de sua época e de fato tais análises não se aplicar a todas as sociedades, os
argumentos levantados pelo autor ao conceituar o suicídio imerso naquilo que denominou fato social,
é perfeitamente aplicável e considerado como verdadeiro na realidade do suicida, o que comprova
sua tese ao estabelecer as questões sociais como pré requisito para as tentativas ou ações efetivas do
suicídio.
Dessa maneira, imaginamos que os objetivos propostos pelo presente trabalho foram
alcançados, ao passo que se especificou a maneira como a sociedade interfere no suicídio, assim
como foram identificadas as diferenças entre Querer Estar Morto, Querer Morrer e Querer se
Matar, e além disso ficou evidenciado o papel do enfermeiro frente ao indivíduo que tentou o
suicídio, averiguando portanto a importância desse profissional no processo de readaptação e
convívio no grupo social em que o indivíduo está inserido.
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Os resultados alcançados pela pesquisa demonstram, também, a importância das bases
sociais nos Cursos de Enfermagem, especificamente, o estudo do suicídio, sendo este, responsável
por um número significativo de mortes prematuras. O estudo por si só não salva as pessoas do
suicídio, mas abre um leque de possibilidades para que os profissionais competentes possam
compreender como se dá o processo de morte encontrado no perfil suicida, e a partir daí
possibilitar melhorias na saúde desses indivíduos.
Referências
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Porto Alegre/RS: UFRGS, 2010.
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da relação. São Paulo: USP, 2010.
RIBEIRO, Danilo Bertasso. Motivos das tentativas de suicídio expressos por homens e
usuários de álcool e outras drogas. Santa Maria/RS: UFSM, 2012.
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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A PERCEPÇÃO DE PIBIDIANOS DE INGLÊS SOBRE A PROFISSÃO PROFESSOR:
ACHADOS DE PESQUISA NARRATIVA
Ana Paula Domingos Baladeli
Mestre em Educação – Universidade Estadual de Maringá –UEM
Mestre e Doutoranda em Letras (Linguagem e Sociedade)
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE
Profª Assistente – Letras – Universidade Federal da Fronteira Sul
UFFS, campus de Realeza, PR.
Aparecida de Jesus Ferreira
Mestre em Linguística – UNESP
Doutora em Educação de Professores – University of London
Desenvolve pesquisa de Pós-Doutorado no King‘s College – University of London
Profª Associada da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG.
Resumo
A profissão professor é construída nas interações sociais, nos espaços formativos, no interior da
profissão e também a partir dos discursos. Neste artigo, apresentamos um recorte de pesquisa com
futuros professores de inglês com o propósito de compreender suas percepções sobre si e sobre a
profissão professor. Os dados revelam que a profissão no Brasil ainda é desvalorizada e imersa em
sentidos negativos que caracterizam o professor como um profissional.
Palavras-chave: profissão professor, Pibid, pesquisa narrativa.
Abstract
The teacher profession has been built into social interactions, educating courses, within the
profession and also through the discourses. In this paper we address the research outline with
English future teachers in order to understand their perceptions about themselves and about the
teacher profession. The data indicate that in Brazil, teacher profession is still devalued and it is
dipped in negative meanings which characterizes the teacher as an unmotivated professional.
Key words: teacher profession, Pibid, research narrative.
Introdução
Historicamente, os discursos produzidos sobre a profissão professor oscilaram entre sua
comparação ao sacerdócio, ao filantropo ou altruísta, ao intelectual e ao profissional da educação
(BRAGANÇA, 2012; LÉLIS, 2013). Mas, qual a natureza atual da profissão professor? A resposta
para esta pergunta depende antes, da caracterização do professor, como um sujeito historicamente
construído, inclusive por meio dos discursos veiculados socialmente que atribuem-lhe certas
características e funções (VARGAS e VIAN Jr, 2010; LÉLIS, 2013).
Nosso ponto de partida para a discussão acerca do processo de construção identitária de
futuros professores de Língua Inglesa, bolsistas do Pibid, perpassa pela consideração da influência
dos discursos construídos e reproduzidos socialmente sobre a pessoa do professor, seu ofício e
também sobre a escola pública.
A educação formal, realizada institucionalmente, congrega diferentes sujeitos com distintos
papéis sociais, estes que mantém ao longo do tempo uma cultura própria, com seus ritos e formas
particulares de conceber o mundo, fenômeno inclusive que se aplica à profissão professor. Os
discursos veiculados e reiteradamente reproduzidos pela mídia e mesmo na esfera escolar e
acadêmica tem incisivo efeito sobre a forma como futuros professores compreendem a si e como
caracterizam a docência, impactando por conseguinte, na forma como se identificam ou não com a
profissão (MENDES, 2001; VARGAS e VIAN Jr, 2010).
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A concepção de identidade profissional adotada neste artigo é a de um construto híbrido
que depende dos discursos sobre a profissão (com ou sem status) para sua caracterização. Isso
significa dizer que, toda profissão desencadeia um conjunto de sentidos socialmente construídos
que conforme o momento histórico e as referências culturais permitem caracterizá-la de certas
formas.
Considerando a formação inicial do professor como lócus nevrálgico na consolidação do
estado da educação básica e na construção de sua identidade profissional, trazemos neste artigo
alguns discursos de pibidianos, bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência – PIBID, a fim de compreendermos que sentidos estes atribuem à profissão professor e
como se percebem como futuros professores de Língua Inglesa. Para tanto, apresentamos um
recorte de dados gerados em narrativas autobiográficas que compõem a pesquisa de doutorado em
Letras.
Este artigo está organizado em três seções; na primeira apresentamos ao postulado da
pesquisa narrativa; na segunda, trazemos o Pibid como política pública para a formação de
professores; na terceira, analisamos alguns excertos de discursos de pibidianos sobre a profissão
professor e na sequência, apresentamos nossas considerações finais do artigo.
Pesquisa narrativa: referencial teórico e metodológico
A pesquisa narrativa oriunda de estudos antropológicos pode ser compreendida tanto
como um arcabouço teórico, quanto como metodológico. Conforme descreve Telles (1999), a
pesquisa narrativa além de ser mais abrangente e flexível do que outras pesquisas, favorece ainda a
participação ativa dos colaboradores uma vez que concede-lhe o poder de dar-se a conhecer. ―Ao
produzirem tais narrativas, os professores tomam a palavra, dão voz às suas teorias implícitas sobre
suas práticas pedagógicas e se tornam agentes de seu próprio desenvolvimento pessoal e
profissional‖ (TELLES, 2002, p. 108). Além disso, os dados gerados por meio de diário de campo,
entrevistas, relatos, memórias, histórias de vida, gravações entre demais formas discursivas
permitem o reconhecimento da realidade profissional do sujeito pesquisado (TELLES, 2002).
A pesquisa narrativa, segundo destacam Connely e Clandinin (1990); Telles (1999 – 2002);
Clandinin e Connely (2011), possibilita que os sujeitos rememorem histórias de vida, reintepretem
suas trajetórias por meio da ressignificação, podendo tornar-se mais conscientes das condicionantes
históricas, culturais e sociais vivenciadas. Por essa razão, a proposição de uma pesquisa narrativa
sobre o itinerário identitário do professor, pode promover maior reflexão sobre si e sobre a
profissão de forma geral. Os caminhos percorridos pelos professores em suas trajetórias pessoais e
profissionais serão, em grande medida, a base do processo de construção de suas identidades
(LÉLIS, 2013).
As disposições profissionais dos docentes são a síntese viva de um conjunto de experiências
ligadas às marcas deixadas pela escolarização à qual eles foram submetidos, aos processos de
formação prévia e à cultura da organização escolar em que eles construíram a sua própria
maneira de ensinar, pessoal e intransmissível (LÉLIS, 2013, p. 65).
Segundo Telles (2002), a produção de narrativas em que os sujeitos socializam suas
histórias e possam num processo de reflexão repensar sua própria condição e suas experiências
representa uma fonte rica de informações para o autoconhecimento e a formação do professor.
Pibid e a formação do professor de Língua Inglesa
Desde 2007, uma das ações do Ministério da Educação para o incentivo à carreira docente
no Brasil tem sido o Programa Institucional de Iniciação à Docência – PIBID. A princípio as áreas
do conhecimento que mais careciam de formação de novos professores de Física, Química,
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Biologia e Matemática. Somente a partir de 2010, as demais licenciaturas, inclusive Letras foram
incluídas no programa.
Contando com o financiamento da Capes3 o objetivo do programa é melhorar a qualidade
do ensino na educação básica por meio da concessão de bolsas para acadêmicos das licenciaturas;
professores da educação básica e professores universitários que atuam na coordenação dos nos
subprojetos do Pibid.
O programa possibilita a inserção do acadêmico na realidade da escola, favorece o trabalho
colaborativo entre professores da educação básica, acadêmicos e coordenadores das IES
participantes e tem como objetivo ―[...] incentivar a formação de professores para a educação
básica, apoiando os estudantes que optam pela carreira docente; valorizar o magistério,
contribuindo para a elevação da qualidade da escola pública [...]‖ Portaria, nº 72 de 09/04/2010
(BRASIL, 2010).
Segundo Jordão (2013), os resultados obtidos pelo Pibid-Inglês da UFPR incluem;
conscientização sobre a necessidade de conhecer o contexto social dos alunos e da escola; incentivo
à formação do professor da educação básica; alterações nas representações que pibidianos sobre o
ensino de inglês; ressignificação da profissão professor e, aproximação dos futuros professores com
a escola pública.
Na próxima seção, apresentamos alguns recortes de dados de pesquisa de doutorado em
andamento realizada com pibidianos de três universidades públicas do Paraná.
Discursos sobre a profissão professor
Conforme abordamos no início do artigo, adotamos a concepção de identidade como uma
produção em constante movimento que, inclusive se vale dos discursos socialmente difundidos
como constituintes das identidades tanto sociais quanto profissionais.
No que se refere ao papel do discurso, Mendes (2001) destaca que ―[...] as identidades
constroem-se no e pelo discurso, em lugares históricos e institucionais específicos, em formações
prático-discursivas específicas e por estratégias enunciativas precisas‖ (MENDES, 2001, p. 491).
Diante disso, selecionamos alguns excertos de discursos gerados em entrevistas orais com
os pibidianos com o propósito de compreender as percepções sobre a profissão professor. Na
questão 03 da entrevista 05 perguntamos: Como você avalia a profissão professor no Brasil? É uma profissão
rentável?
Bianca tem 18 anos, é acadêmica do 2º ano de Letras Português-Inglês, estudou maior
parte do ensino básico em escolas públicas e participa há 6 meses do Pibid.
Primeiramente, tem dois lados eu acho da moeda; o primeiro lado, se o professor tiver
consciência que ele vai ser sempre um pesquisador, que ele tem que ser um educador e um
pesquisador e se ele INVESTIR NISSO, e CONTINUAR ESTUDANDO, formação
continuada [...] e o outro lado da moeda é que TODO MUNDO FALA que professor ganha
pouco, que é desrespeitado que ninguém reconhece a profissão e a gente vê isso muitas vezes
no governo, [...] por um lado É MUITO TRISTE, por um lado tem um desânimo, TEM UM
DESÂNIMO porque a gente vê que na maioria dos cursos da graduação os alunos vão fazer
estágio, mas com aquele desânimo, ―- Não quero ser professor, não vou seguir por esse caminho! Mas, se
por outro lado, você tiver essa consciência de que o professor PODE FAZER DIFERENÇA,
pode estudar, pode ir por outro caminho (BIANCA, 14/03/14).
3
Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior – CAPES.
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A resposta de Bianca a esta terceira questão da entrevista tomou o sentimento generalizado
de frustração com a profissão, sentimento inclusive presente no ambiente acadêmico. Bianca
também recupera o ideário socialmente construído de que o professor bem intencionado tem o
poder de promover a transformação. Tal discurso é proveniente da concepção educação
salvacionista que delega somente à escola, em especial ao professor, a função de fazer com que o
aluno torne-se um cidadão crítico e tenham condições de modificar a realidade social (VARGAS e
VIAN Jr, 2010).
Sabemos contudo, que no contexto de uma sociedade de classes tão desigual, competitiva e
excludente, uma série de fatores corroboram para que o exercício da profissão professor seja
prejudicado, dentre eles, as péssimas condições de trabalho, a falta de identificação do professor
com o ofício, somados ainda ao baixo reconhecimento social da profissão. Bianca contraargumenta os três principais aspectos presentes em sua resposta para caracterizar a profissão
professor; baixa remuneração, desrespeito e desânimo e enfatiza a necessidade de o professor
dedicar-se à profissão. Em sua percepção, o professor precisa reconhecer-se como um eterno
pesquisador, carecendo, portanto, de dedicação e de investimento constantes, fatores que segundo
Bianca, podem promover a conscientização do professor sobre o seu papel social.
Juliano tem 23 anos, é acadêmico do 1º ano de Letras-Inglês, estudou a maior parte da
educação básica em escolas privadas e participa há 5 meses do Pibid.
Eu particularmente, acho que é a profissão mais...digamos... os PROFESSORES SÃO
HERÓIS na minha opinião, só que eles são muito mal vistos, naquela máxima de quem não
sabe ensina, acho isso totalmente errado, porque eles são formadores da sociedade, todo
mundo tem os professores pra se formar. No Brasil eles são muito subestimados e pouco
valorizados e também muitos são professores não gostam de dar aula, eles estão lá a
contragosto, eu diria uns 80% dá aula a contragosto e o gosto de dar aula é decisivo na
motivação que ele dá para o aluno, na inspiração, professores inspiradores são muito poucos
(JULIANO, 28/02/14).
Juliano aborda em seu discurso a questão da identificação do professor com o ofício
quando refere-se ao exercício da atividade a contragosto. Na percepção do pibidiano, mesmo em
face às diversidades da profissão reconhece a superação dos professores à luz da relevância de seu
papel para a sociedade, ―os professores são heróis‖, mesmo que não recebam a devida valorização.
Por fim, Juliano ainda retoma a perda da credibilidade do profissional professor ―são mal
vistos, naquela máxima de quem não sabe ensina‖ e critica a atuação de alguns professores que, exercem a
função, mas não se identificam com ela. Mesmo lamentando a existência de maus profissionais,
dado que corrobora na manutenção do discurso da incompetência docente, Juliano, destaca a
influência positiva de um professor na motivação e na inspiração do aluno.
Rúbia tem 34 anos, cursa o 4º ano de Letras Inglês, estudou a maior parte da educação
básica em escolas públicas e participa há 6 meses do Pibid.
Eu estou dando aula particular assim, e você vê quando você... vai fazer o preço das aulas, “Ah, mas é muito caro!‖. E aí você pensa, puxa vida, eu estudei tanto, tanto, pra pensar que
R$13,00 é muito caro por minha hora! [...] Eu tive de correr MUITO atrás do meu
aprendizado, NÃO FOI DE GRAÇA, foi uma faculdade pública e gratuita, mas não foi de
graça, eu precisei pagar por este estudo, eu precisei lutar pra aprender [...] (RÚBIA, 28/02/14).
Rúbia caracteriza a profissão professor a partir de sua percepção sobre a remuneração. Sua
experiência como professora particular possibilitou que vivenciasse o que os demais pibidianos
verbalizaram – a baixa remuneração. O interessante no discurso de Rúbia é que esta contrapõe a
precariedade da remuneração a partir do investimento pessoal feito na profissão ―eu tive de correr
MUITO atrás do meu aprendizado, NÃO FOI DE GRAÇA‖. Sua crítica repousa na falta de
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reconhecimento social sobre o valor do conhecimento que, segundo ela, resultou de uma conquista
―eu precisei lutar pra aprender‖.
Na percepção de Rúbia sobre a profissão professor há um investimento em termos de
tempo e dinheiro que acabam não sendo considerados na hora de reconhecer o produto de seu
trabalho – o conhecimento (LÉLIS, 2013).
Laura tem 25 anos, cursa o 4º ano de Letras-Inglês, estudou somente em escolas públicas e
participa há 1 ano do Pibid.
Então, acho que é BEM COMPLICADO, a gente sabe que as condições não são as melhores,
né, mas, por outro lado, a gente compara com outras profissões e a gente vê que tem muito
mercado, principalmente aqui (nome da cidade) tem muita possibilidade de trabalho pra
professor de Língua Inglesa, então sempre... Todo ano estão me chamando, mesmo antes de
ser graduada...mas a gente sabe que não é um trabalho assim, FÁCIL, né, sempre tem muito
trabalho pra casa.... mas ao mesmo tempo eu acredito que é um trabalho que compensa,
PELOS ALUNOS [...] (LAURA, 28/02/14).
Laura assim como Juliano, destaca as condições de trabalho, caracterizando a docência
como uma profissão difícil, mas contra-argumenta essa assertiva destacando a questão da
empregabilidade do professor de Língua Inglesa e da recompensa simbólica, esta decorrente do que
se consegue em sala de aula, possivelmente referente ao aprendizado do aluno.
Ao enfatizar que a profissão vale à pena por causa dos alunos, Laura parece assumir que
esta tem sido sua motivação para atuar na área (VARGAS e VIAN Jr, 2010). Vale notar que, os
discursos dos pibidianos se convergem e ao mesmo tempo retroalimentam o ideário de vitimização
do professor. Com exceção de Juliano, que a princípio enaltece os professores, os demais
pibidianos reproduzem e parecem não se importar com o estigma do sacrifício e da incompetência
(LÉLIS, 2013).
Raísa tem 21 anos, cursa o 3º ano de Letras-Inglês, estudou a maior parte da educação
básica em escolas privadas e participa há 1 ano do Pibid.
[...] acho que os professores estão desmotivados na escola pública, e não querem muitas vezes
melhorar... quando digo que está perdendo o sentido é porque dentro da própria graduação
eles focam em coisas que são importantes lógico, mas muitas vezes eles se esquecem, o meio
acadêmico se volta para o meio acadêmico, se fecha [...] Acho que fazem com que VOCÊ SE
SINTA PRESSIONADO E MUITAS VEZES VOCÊ TEM QUE PUBLICAR, TEM QUE
ESCREVER, TEM QUE FAZER ISSO E ISSO, em muitas vezes acabam esquecendo da
PRINCIPAL FUNÇÃO QUE É EDUCAR [...] eles esquecem do que precisa ser feito pra
mudar lá dentro [...] porque a gente vê que os professores que estão lá dentro estão
desmotivados, estão lá há muito tempo e vão continuar lá [...] porque muitos professores que
saem daqui não vão pra lá, a maioria que está aqui não quer ir pra lá, a gente já cria esta
mentalidade aqui dentro, a gente tem medo [...] (RAÍSA, 28/02/14).
O discurso de Raísa, a princípio segue a mesma linha dos argumentos de Bianca, Juliano e
Laura, porém atribui certa responsabilidade pela descaracterização da profissão professor à
academia. No que se refere à desmotivação do professor, acaba sendo um desdobramento da perda
de status social obtidos pelo professor. Raísa também considera que a academia acaba colaborando
para a permanência de um mal-estar docente à medida que ―o meio acadêmico se fecha para o meio
acadêmico‖. Raísa critica a dinâmica acadêmica que segundo ela, prioriza o produtivismo científico
―você tem que publicar, tem que escrever‖, em detrimento do que considera a função precípua da
licenciatura – a formação do professor.
O argumento da pibidiana, que perpassa este desvio de propósito que ocorre no interior da
academia acaba por favorecer a manutenção de discursos negativos sobre a escola e sobre a
educação que se realiza lá, ―eles se esquecem do que precisa ser feito para mudar lá dentro. Raísa aborda o
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distanciamento entre a formação inicial e o campo de atuação do futuro professor e critica tal
realidade, já que para ela, a formação inicial poderia ser uma forma de colaborar para a melhoria da
qualidade do ensino que se pratica na escola. Por fim, no que diz respeito a não atratividade da
profissão professor ―a maioria que está aqui não quer ir pra lá, a gente já cria esta mentalidade aqui dentro, a
gente tem medo‖, pode ser reflexo de um conjunto de fatores que não corroboram para que as novas
gerações ingressem na educação básica, sendo portanto, a alternativa encontrada a docência no
ensino superior.
A percepção de Raísa é válida a medida que observamos nos cursos de licenciatura o
interesse dos acadêmicos de anos iniciais por projetos de extensão, projetos de iniciação científica e,
mais adiante, temáticas de TCC direcionados a docentes vinculados a programas de Pós-Graduação.
Considerações finais
Conforme os discursos dos pibidianos ilustraram ainda corrente uma visão depreciativa da
profissão e, por conseguinte do professor. Sob o jugo da incompetência e da má formação, os
professores cada vez mais desmotivados assistem sua profissão ser descaracteriza ao longo do
tempo por meio de discursos negativos que ora o vitimizam, ora o julgam. Ao socializarem suas
percepções sobre a profissão, os pibidianos revelaram que a identidade profissional é construto
histórico que depende das interações sociais, dos espaços formativos, que se retroalimentam dos
discursos veiculados socialmente, que ilustra o status da profissão ou a falta de dele a partir de cada
momento histórico.
Dessa forma, ao narrarem suas percepções sobre seu futuro campo de atuação os
pibidianos acionaram um conjunto de significados socialmente atribuídos à profissão e ao
professor, estes que, impactam sua identificação com a profissão.
Em linhas gerais, os discursos dos pibidianos evidenciaram que a identidade profissional
resulta de uma negociação constante nos embates de ordem social, política, cultural e histórico.
Perpassa ainda os discursos de professores e de formadores de professores; as representações
pessoais e as que são adquiridas ao longo da licenciatura; as experiências escolares e profissionais e,
sobretudo, as histórias de vida, visto que a dimensão pessoal não se dissocia da profissional,
estando portanto, ambas imbricadas.
Referências
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TEXTOS FOLHETINESCOS DO RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX:
DIVERSIDADE, INTERATIVIDADE E REFLEXO SOCIAL
Bonfim Queiroz Lima Pereira
Mestranda em Ensino de Língua e Literatura
UFT – Universidade Federal do Tocantins
Resumo
Este trabalho procura analisar a importância dos textos folhetinescos para a compreensão da
sociedade carioca do século XIX. Para tanto, procura traçar um perfil do público leitor, delinear que
tipo de texto era publicado nesta seção, tratando também, de em linhas gerais, dos seus autores.
Demonstra, ainda, através de exemplos de crônicas de Machado de Assis, publicadas no Diário do
Rio de Janeiro entre 12/06/1864 a 16/05/1865, como ocorria a interação entre os leitores e os
autores deste texto jornalístico-literário.
Palavras-chave: Folhetim, Rio de Janeiro, Machado de Assis.
Abstract
This work aims to analyze the importance of the text of feuilletons to the comprehension of the
society of Rio de Janeiro of the XIX century. For so much, it tries to draw a profile of the public
reader, delineate what type of text was published in this section, also treating, in general lines, of
their authors. It demonstrates, still, through examples of chronicles of Machado de Assis, published
in the Diário do Rio de Janeiro between 12/06/1864 to 16/05/1865, how happened the interaction
between the readers and the authors of this journalistic-literary text.
Keywords: Feuilletons; Rio de Janeiro; Machado de Assis.
A agitada capital brasileira, no século XIX, era uma cidade que passava por grandes
transformações: a eletricidade, o telégrafo, o vapor, os bondes elétricos, foram algumas das
novidades que se implantaram no Rio de Janeiro no final do século XVIII e na primeira metade do
século XIX. A modernidade e o glamour eram refletidas nos grandes salões de baile da corte, nos
teatros, nos cafés e na pequena, mas suntuosa, Rua do Ouvidor.
Apesar dos grandes símbolos do progresso e da modernidade, a cidade maravilhosa
também enfrentava grandes problemas, como afirma Marina H. Ertzogue: ―em 1886, o Rio de
Janeiro era uma cidade febril: habitações coletivas, sem redes de esgoto; lixo esparramado nas ruas;
ratos e insetos proliferando-se pela cidade e o cólera dizimando suas vítimas‖ (2011, p. 353).
Problemas esses que se estenderam longamente, perpassando para o século seguinte.
Nesse cenário, outra problemática apontada por Andréa Portolomeos (2013) se refere ao
panorama de nossas letras, que chega a ser avaliado por essa autora como desolador; para ela a
burguesia carioca daquele período não desempenhava o tradicional papel civilizador, uma vez que
vários desses burgueses se originaram de antigas famílias coloniais que investiram suas fortunas e
passaram a viver de rendas e ostentação na capital brasileira.
Portolomeos afirma, ainda que, apesar dos esforços empreendidos para a mudança de
posturas, encontrava-se enraizado na burguesia emergente, desse período, velhos costumes – como
as práticas tradicionais de sentido oral e comunitário – que se tornavam obstáculo para a criação do
hábito de leitura entre eles.
Umas das estratégias dos intelectuais desde período, que visavam a formação e o
fortalecimento de uma sociedade leitora, segundo Andréa Portolomeos, era a de criar o hábito da
leitura como forma prazer, assim um grande aliado do projeto romântico para a sedução do público
leitor foram os textos folhetinescos veiculados nos inúmeros jornais que circulavam nesse período.
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A data do surgimento do folhetim na imprensa carioca é matéria de divergência entre
alguns autores, Jefferson Cano inicia seu artigo Folhetim: literatura, imprensa e a conformação de uma esfera
pública no Rio de Janeiro do Século XIX, informando que: ―Em 5 de outubro de 1836 encontra-se a
primeira referência à introdução do folhetim na imprensa brasileira. O jornal era O Chronista, do Rio
de Janeiro‖ (2013, p. 01. Grifo do autor).
Para Marta Scherer no jornal O Chronista, que começou a circular em 23 de maio de 1836,
houve a abertura de um espaço jornalístico específico para o que na frança se chamava fuilleton, o
que foi um marco para a imprensa carioca; no entanto, ela informa que esse costume frances foi
―importado para o Brasil pelo Jornal do Commércio, em 1830. Sob o título de ‗Variedades‘, na seção
eram publicados conteúdos diversos, matérias traduzidas, resenhas, histórias, poesias e até piadas‖
(2013, p.51. Grifos da autora).
Apesar da discrepância sobre a data do surgimento do folhetim no Brasil, os dois autores
informam que foi uma importação que se aclimatou muito bem ao calor e a imprensa carioca e que
as páginas dos folhetins são um importante legado da nossa história, pois através delas veem-se
refletidas a vida cotidiana do Rio de Janeiro daquele período.
Os cronistas são como bufarinheiros, que levam dentro das suas caixas rosários e alfinetes,
fazendas e botões, sabonetes e sapatos, louças e agulhas, imagens de santos e baralhos de
cartas, remédios para a alma e remédios para os calos, breves e pomadas, elixires e dedais. De
tudo há de contar um pouco, esta caixa da Crônica: sortimento para gente séria e sortimento
para gente fútil, um pouco de política para quem só lê os resumos dos debates do Congresso, e
um pouco de carnaval para quem só acha prazer na leitura das seções carnavalescas. Aqui está
a caixa do bufarinheiro, leitor amigo: mete dentro dela a tua mão e serve-te à vontade. Não fui
eu quem a encheu de tantas coisas desencontradas e opostas. Eu sou apenas o retalhista, o
varejista dos assuntos. Quem me enche a caixa é a Vida, a fornecedora dos cronistas. (BILAC,
apud Scherer, 2013, p. 61).
O que Bilac afirma sobre a crônica pode-se estender a todos os outros gêneros textuais que
rechearam as linhas destinadas aos folhetins, porque apesar de sua predominância, não era apenas
de crônicas viviam estes finais de páginas jornalísticas que vinham separados do restante do jornal
por uma linha espessa e negra, encontrávamos neste espaço ensaios, crônicas, epistolas e poemas
como em 1° de agosto de 1864 em que Machado de Assis encerra com este magnífico poema sua
contribuição semanal para o Diário do Rio de Janeiro:
HORAS VIVAS
Noite: abrem-se as flores...
Que esplendores!
Cíntia sonha amores
Pelo céu!
Tênues as neblinas
Às campinas Descem das colunas
Como um véu!
Mãos em mãos travadas,
E abraçadas,
Vão aquelas fadas
Pelo ar.
Soltos os cabelos,
Em novelos,
Puros, louros, belos,
A voar!
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— Homem, nos teus dias
Que atonias!
Sonhos, utopias,
Ambições
Vivas e fagueiras
As primeiras,
Como as derradeiras
Ilusões.
— Quantas, quantas vidas
Vão perdidas!
Pombas mal feridas
Pelo mal!
Anjos após anos,
Tão insanos,
Vêm os desenganos
Afinal!
— Dorme: se os pesares
Repousares,
Vês? por estes ares
Vamos rir.
Mortas, não; festivas
E lascivas,
Somos — Horas vivas
(ASSIS, 2013, p. 21-22)
Além da diversidade de gêneros textuais o que se observa é que em todos eles os autores
buscavam a proximidade com o leitor através de uma linguagem que buscava ―estabelecer uma
passagem entre uma cultura predominantemente oral e a cultura escrita, conversando familiarmente
com os leitores‖ (PORTOLOMEOS, 2013, p. 2) como pode ser observado em quase todas as
crônicas deste período, exemplifica-se aqui este fato com outra passagem de Machado de Assis,
publicada originalmente no Diário do Rio de Janeiro em 12 de junho de 1864:
Prometi domingo passado dizer o que pensasse da nova companhia lírica. Mas o folhetinista
põe e a empresa dispõe. A semana passou e não houve espetáculo algum. Cantou-se ontem, é
verdade, o Trovador; mas, à hora em que escrevo, não posso saber ainda do que irei ouvir.
Não desanimeis, porém, ó diletante! Temos assunto lírico e verdadeira novidade. (2013, p. 03)
É interessante ressaltar também que em um mesmo folhetim vários assuntos podiam ser
tratados ao longo do texto e que a passagem de um assunto ao outro era bem marcada com
passagens como ―Do parlamento geral ao parlamento provincial é um passo. Vamos ao Maranhão‖
(ASSIS, 2013, p. 02) ou ―E depois deste assunto, mais ou menos incandescente, leitores, passemos a
falar do inverno.‖ (ASSIS, 2013, p. 05); Machado em seu diálogo direto firmado com o leitor chega
ao ponto de avisar-lhes para avançar no texto se não gostarem do assunto: ―Se o leitor se aborrece
dos assuntos da Cruz, salte alguns períodos, e achará outras coisas para ler‖ (ASSIS, 201324. Grifo
do autor).
A utilização de uma linguagem menos formal, que beirava a coloquialidade, visava à
proximidade com o leitor, proximidade esta que se justificaria pela tentativa de – como já foi
comentado no início deste texto – forma um público cativo, que não consumisse apenas os textos
folhetinescos, que circulavam geralmente uma vez por semana nos jornais, mas o restante da obra
de cada folhetinista. Para esses autores os jornais não serviam apenas como fonte intelectual de
reconhecimento social, mas também como fonte de renda: ―Os escritores da época, não tendo
condições de viver da literatura, recorriam à imprensa como fonte de sustentação. A imprensa
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pagava mal, mas pagava em dia. E era também uma oportunidade para que os homens de letras
conquistassem um público permanente.‖ (MELO, apud Scherer, 2013, p. 57).
Apesar do seu caráter efêmero, por tratar de assuntos do cotidiano social que se
destacavam em cada semana, os textos folhetinescos são verdadeiros legados que registram um
período importante da historia brasileira sob um olhar diferenciado da literatura, criando ―uma
memória do presente a ser mais tarde aberta‖ (MELO, apud Scherer, p. 58). Alguns escritores ao
tratarem em seus textos da duração passageira da crônica folhetinesca já discorriam sobre a
ambiguidade presente neste tema:
Á crônica, pois! Estes comentários leves, que duram menos ainda do que as estafadíssimas
rosas de Malherbe, não deitam abaixo as instituições, não fundam na terra o império da justiça,
não levantam nem abaixam o câmbio, não depravam nem regeneram os homens: escrevem-se,
lêem-se, esquecem-se, tendo apenas servido para encher cinco minutos da monótona existência
de todos os dias. Mas, quem sabe, talvez muito tarde, um investigador curioso, remexendo esta
poeira tênue da história, venha achar dentro dela alguma coisa... (BILAC apud SCHERER,
2013, P. 58).
Nesse registro histórico do cotidiano realizado pelo folhetim pode-se observar inclusive
como se dava a recepção, circulação e interação do próprio folhetim com seu publico leitor.
Machado deixa entrever em algumas passagens de suas crônicas que por vezes havia alteração no
dia de publicação de seus folhetins:
Antes de concluir, devo dar uma explicação aos meus leitores habituais. Apareço algumas vezes
à segunda-feira, — hoje como na semana passada; mas isso não quer dizer que eu tenha
mudado o meu dia próprio, que é o domingo. (ASSIS, 2013, p. 21)
A repercussão de seus folhetins também pode ser notada a partir de passagens que
demonstram a resposta do público leitor com em: ―Deste modo o folhetim faz de ânimo alegre o
seu apostolado. Entra em todo o lugar, por mais grave e sério que seja. Entra no senado [...]‖
(ASSIS, 2013, p. 01) e além de adentrar no território político os representantes legislativos daquela
época chegavam a mencionar trechos das crônicas folhetinescas em seus discursos: ―O ilustre
senador lamentou também que eu lhe profetizasse a ausência dos poetas na ocasião em que S.
Excia. partir desta para a melhor. (ASSIS, 2013, p. 01)‖
Além da repercussão externa, as publicações dos folhetins também deixaram registradas as
participações do público leitor na redação dos textos, seja por intermédio do autor, que citava as
cartas e mensagens que recebia sobre assuntos a serem tratados ―[...] se uma das musas assanhadas
não me houvesse remetido duas linhas para publicar. [...] Descosi os versos da referida musa, e
arranjei a obra, de modo que pode ser indistintamente verso ou prosa. Hei de publicá-la depois.‖
(ASSIS, 2013, p. 02) ou em forma de transcrição direta como ocorreu no Diário do Rio de Janeiro,
em 7 de agosto de 1864, que trouxe, ao final do folhetim, a reprodução de uma epistola de um
amigo de Machado de Assis:
Para que os leitores não deixem de ter desta vez uma página de bom quilate, recebi pressuroso
a carta que me enviou um amigo e colega, e que vai transcrita mais adiante. [...] Todavia, eu
tomo a liberdade de inserir a carta integralmente, porque isso em nada prejudica a modéstia
natural e verdadeira, — que é muito diversa da modéstia de convenção e de palavra. (ASSIS,
2013, p. 24)
Outra característica que pode-se perceber nas entrelinha dos textos folhetinesco é a
personificação do mesmo, essa era outra estratégia utilizada pelos autores, para ampliar o grau de
intimidade com o público leitor, assim encontram-se nos próprios textos folhetinescos referências a
essa seção jornalística do tipo: ―Também o folhetim tem cargo de almas.‖ (ASSIS, 2013, p. 01) ―O
folhetim aplaude-se com a conversão.‖ (ASSIS, 2013, p. 01). Com o mesmo intuito encontra-se
passagens em que há promessas de publicação de determinados temas: ―Não vi ainda o volume do
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novo poeta, mas ouvi louvá-lo a autoridades competentes. Se o obtiver esta semana, direi alguma
coisa no próximo folhetim‖ (ASSIS, 2013, p. 04), ―No folhetim seguinte direi algumas palavras
sobre a noite de anteontem na Campesina‖ (ASSIS, 2013, p. 25).
Ainda na tentativa de manter um público cativo os folhetinistas utilizavam-se de retomadas
dessas mesmas promessas: ―Prometi domingo passado dizer o que pensasse da nova companhia
lírica‖ (ASSIS, 2013, p. 03), ou até mesmo, a retomada de trechos completos utilizados em folhetins
anteriores: ―Este não usou da fraude a que eu tive a honra de aludir quando escrevi no meu
segundo folhetim: — ‗Será útil que a civilização acabe com este uso de andar de jaqueta diante dos
contemporâneos e ir de casaca à Posteridade‘.‖ (ASSIS, 2013, p. 19).
Pelos trechos apresentados observa-se que nessas ―conversas‖ empreendidas pelos
folhetinistas com seu público leitor os autores utilizavam-se de promessas, retomadas e suspenses;
pode-se, ainda, testemunhar como utilizavam estas estratégias com genialidade e conseguiam
adentrar nas residências, nos comércios, no parlamento e na vida da sociedade carioca do século
XIX.
As análises realizadas neste esboço são apenas algumas das possibilidades de investigação
possíveis de se empreender nos estudos dos textos folhetinescos, no entanto já pode-se perceber a
importância deste texto jornalístico-literário para a compreensão da sociedade carioca do século
XIX. A história deste período encontra-se impregnada nestes textos tão peculiares que demonstram
visões de autores e de um público leitor atuante no processo de criação dos mesmos.
Referências:
CANO, Jefferson. Folhetim: literatura, imprensa e a conformação de uma esfera pública no Rio de Janeiro do
Século XIX. Disponível em: http://ifcs.ufrj.br/~nusc/cano.pdf. Acesso em 22/11/2013.
ERTZOQUE, Marina Haisenreder. Solidão, Narrativa e Imaginação no Fin-de-Siècle: História e
Sensibilidade Através de Crônicas. Música e Arte. Projeto História n° 43. Dezembro de 2011, p. 345366.
ASSIS, Machado de. Obra completa. Crônicas. Ao acaso. Disponível em:
http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/cronica/macr04.pdf. Acesso em: 24/11/2013.
PORTOLOMEOS, Andréa. A crônica machadiana na formação da literatura brasileira. Disponível
em:
http://www.filologia.org.br/machado_de_assis/A%20cr%C3%B4nica%20machadiana%20na%20f
orma%C3%A7%C3%A3o%20da%20literatura%20brasileira.pdf. Acesso em 22/11/2013.
SCHERER, Marta. A narrativa crônica, entre o perene e o efêmero da história. R. cient. ci. Em curso,
Palhoça, v.1, n. 2, jul/dez, 2013, p. 50-63.
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/0/06/2014
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OS SIGNIFICADOS DE „SER PROFESSOR‟ NA PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS EM
SITUAÇÃO DE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO DE UM CURSO DE
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Carla Prado Kronbauer4
Hugo Norberto Krug5
Resumo
Esta investigação objetivou analisar os significados do ‗ser professor‘ na percepção de acadêmicos
em situação de Estágio Curricular Supervisionado de um curso de Licenciatura em Educação Física
de uma universidade pública da região sul do Brasil. A investigação caracterizou-se pela abordagem
qualitativa descritiva sob a forma de estudo de caso. O instrumento de coleta de informações foi
uma entrevista semi-estruturada. A interpretação das informações foi à análise de conteúdo.
Participaram 18 acadêmicos do referido curso. Concluímos que foi possível identificar cinco
diferentes significados de ‗ser professor‘ de Educação Física, ocorrendo contradições entre esses,
pois foram evidenciadas divergentes concepções de educação.
Palavras-chave: Educação Física. Estágio Curricular Supervisionado. Ser Professor.
THE MEANINGS OF 'TO BE TEACHER' IN PERCEPTION OF STUDENTS IN
SITUATION AT SUPERVISED OF A COURSE IN BACHELOR DEGREE IN
PHYSICAL EDUCATION
Abstract
This investigation aimed to analyze the meanings of 'to be teacher' in perception of students at
Supervised of a Bachelor Degree course in Physical Education of a public university in southern
Brazil. The investigation was characterized by qualitative descriptive approach under the form of
case study. The instrument for data collection was a semi-structured interview. The interpretation
of information was the content analysis. Participated 18 academics this course. Concluded that it
was possible to identify five different meanings of 'to be teacher' of Physical Education, occurring
contradictions between these, because were evidenced divergent conceptions of education.
Keywords: Physical Education. Supervised. To be teacher.
As considerações iniciais: destacando a temática
Atualmente, tendo como finalidade a melhoria da qualidade do ensino na escola, as
discussões sobre questões que envolvem a formação inicial de professores, em especial de
Educação Física, se tornam cada vez mais relevantes e freqüentes, quando o objetivo é que o futuro
professor se insira na educação básica seguro e detentor de conhecimentos que qualifiquem sua
própria identificação como educador nas suas ações junto aos seus alunos.
Deste modo, Ferreira e Krug (2001) dizem que o principal objetivo de um curso de
Licenciatura em Educação Física é habilitar o futuro professor a ter consciência de seu papel como
educador na docência na educação básica.
Mestre em Educação (UFSM); Professora da Rede de Ensino do Estado do Rio Grande do Sul;
Pesquisadora Associada do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física (UFSM). E-mail:
[email protected].
5 Doutor em Educação (UFSM); Doutor em Ciência do Movimento Humano (UFSM); Professor Associado
do Departamento de Metodologia do Ensino (MEN/CE/UFSM); Professor do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE/CE/UFSM); Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Física
(PPGEF/CEFD/UFSM); Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física (UFSM). E-mail:
[email protected].
4
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Já Nóvoa (1992) expõe que estar em formação implica um investimento pessoal com a
finalidade de construção de uma identidade, que é também profissional. Além disso, o autor destaca
que o contexto histórico contemporâneo da formação profissional atravessa transformações nas
práticas econômicas, políticas, sociais, culturais, exigindo dos profissionais novos conhecimentos,
habilidades, atitudes e valores.
Portanto, em meio a estas transformações, Krug (2005a) ressalta que os professores, em
dias recentes, vivenciam uma crise de identidade desencadeada por fatores como o salário, a luta
pela valorização profissional, o acúmulo de tarefas, a heterogeneidade da clientela escolar, a falta de
oportunidade de aperfeiçoamento e instalações e materiais sucateados, entre outros. Isso tudo,
acaba por se traduzir em questionamentos sobre a escolha profissional e sobre o próprio significado
do que é ‗ser professor‘.
Neste sentido, Silva e Krug (2010) dizem que as significações sobre a docência e o
professor são construídas antes de se entrar numa aula, pois, temos uma representação do que seja
um professor com base nos saberes construídos ao longo de nossas histórias de vida, onde nossas
experiências refletem comportamentos, valores, posturas profissionais e pessoais, que são os nossos
primeiros saberes construídos sobre a docência.
Desta forma, a construção da docência envolve a possibilidade do professor beneficiar-se
de suas experiências formativas vividas ao longo de sua trajetória escolar, no processo pelo qual
pode revivê-las via memória. Desse modo, podem ser revertidas em aprendizagens experienciais,
em prol de melhor qualidade para o seu trabalho, na escola, como na vida pessoal. Nesse sentido,
encontramos em Nóvoa (1992, p.16) a identidade docente como sendo ―um espaço de construção
de maneiras de ser e estar na profissão‖.
Neste direcionamento de ideias, Pimenta (2008) destaca que o desafio dos cursos de
formação inicial é o de colaborar no processo de passagem do acadêmico de se ver como aluno
para o se perceber como professor, ou seja, de construir sua identidade docente, onde os saberes da
experiência são importantes, mas somente esses não bastam, são insuficientes. A docência
representa um desafio e exige conhecimentos, competências e preparação específica para o seu
exercício. Assim, considerando Moita (1995) que diz que ninguém se forma no vazio e que formarse supõe trocas, experiências, interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações e que por
isso o processo de formação é dinâmico.
Desta forma, torna-se importante um curso de formação de professores ir ao encontro da
percepção dos acadêmicos sobre o que é ‗ser professor‘ para que se possa compreender e projetar
uma formação inicial mais qualificada. Diante disso, a questão norteadora e o objetivo geral deste
estudo, referiram-se a um curso de Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública
da região sul do Brasil.
Portanto, a partir dessas premissas originou-se a seguinte questão problemática norteadora
da investigação: qual é o significado do ‗ser professor‘ na percepção de acadêmicos em situação de
Estágio Curricular Supervisionado de um curso de Licenciatura em Educação Física de uma
universidade pública da região sul do Brasil?
Assim, o objetivo da investigação foi analisar os significados do ‗ser professor‘ na
percepção de acadêmicos em situação de Estágio Curricular Supervisionado de um curso de
Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil.
Justificamos a realização desta investigação por acreditarmos que a mesma pudesse
oferecer subsídios para uma melhor compreensão do fenômeno do significado do que é ‗ser
professor‘ de Educação Física e, assim, consequentemente, auxiliar na melhoria da qualidade da
formação inicial de professores de Educação Física.
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Os procedimentos metodológicos: destacando o caminho percorrido
A metodologia empregada neste estudo caracterizou-se por uma abordagem qualitativa do
tipo descritiva sob a forma de estudo de caso.
Conforme Triviños (1987, p.125), a pesquisa qualitativa ―surge como forte reação contrária
ao enfoque positivista nas ciências sociais‖ privilegiando a consciência do sujeito e entendendo a
realidade social como uma construção humana. Já para Gil (1999) a pesquisa do tipo descritiva
objetiva a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o
estabelecimento de relações entre variáveis. Ainda segundo Gil (1999, p.72) o estudo de caso ―é
caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir
o seu conhecimento amplo e detalhado‖.
A coleta das informações foi realizada em um curso de Licenciatura em Educação Física de
uma universidade pública da região sul do Brasil, sendo esse o caso estudado.
Neste sentido, a justificativa da escolha da forma de pesquisa qualitativa, descritiva e estudo
de caso foi devido à possibilidade de se analisar um ambiente em particular, um caso em particular,
onde se levou em conta o contexto social e sua complexidade para compreender e retratar uma
realidade em particular e um fenômeno em especial, ‗o significado de ser professor de Educação
Física‘.
Os participantes do estudo foram dezoito (18) acadêmicos em situação de Estágio
Curricular Supervisionado do referido curso estudado. Destacamos que a escolha dos participantes
aconteceu de forma intencional, em que a disponibilidade foi o fator determinante para ser
considerado colaborador da pesquisa. Molina Neto (2004) diz que esse tipo de participação
influencia positivamente no volume e credibilidade das informações disponibilizadas pelos
informantes.
Quanto aos aspectos éticos vinculados às pesquisas científicas destacamos que todos os
participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e as suas
identidades foram preservadas.
O instrumento utilizado para coletar as informações foi uma entrevista semiestruturada
que, segundo Triviños (1987), parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e
hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas,
fruto de novas hipóteses que vão surgindo, à medida que se recebem as respostas do informante.
A interpretação das informações coletadas foi realizada por meio da análise de conteúdo
que, para Bardin (1977), representa um conjunto de técnicas para analisar comunicações, que
buscam desvendar através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicativos que possibilitem a inferência de conhecimentos relativos às condições reais
das mesmas. A análise de conteúdo prevê três etapas: 1ª) A pré-análise – trata do esquema de
trabalho envolvendo os primeiros contatos com os documentos de análise, a formulação de
objetivos, a definição dos procedimentos a serem seguidos e a preparação formal do material; 2ª) A
exploração do material – trata do cumprimento das decisões anteriormente tomadas, isto, é leitura
de documentos, categorização, entre outros; e, 3ª) O tratamentos dos resultados – trata da lapidação
dos dados, tornando-os significativos, sendo que a interpretação deve ir além do manifestado,
buscando descobrir o que está por trás do imediatamente apreendido.
Os resultados e as discussões: destacando os significados do „ser professor‟
Discussões sobre o papel dos professores de Educação Física no contexto escolar são
constantemente valorizadas, principalmente nos cursos de formação de professores, abordando,
nesse espaço formativo, cada vez mais, reflexões acerca das concepções sobre o significado do ser
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professor e das responsabilidades que permeiam essa profissão. Nesse sentido, Nóvoa (1999, p.29),
já há algum tempo, destacava que ―os professores encontram-se numa encruzilhada: os tempos são
para refazer identidades‖. E, consequentemente, isso também tem influência nos cursos de
formação, tanto nos de formação inicial quanto nos de formação continuada, que devem se
ressignificar constantemente para se adequar às necessidades dos professores nas instituições
escolares.
Segundo García (1999), a tomada de consciência das concepções e significados do ser
professor devem ser revisitados porque pode haver uma dissonância cognitiva entre o que pensam
os futuros professores e o que o curso de formação inicial preconiza.
Assim, pela análise das informações coletadas, constatamos que onze acadêmicos disseram
que ser professor de Educação Física é contribuir para a formação corporal e social dos alunos.
Sobre esse significado citamos os PCN‘s (BRASIL, 1997) que dizem que, na Educação Física, os
processos de ensino e aprendizagem devem considerar as características individuais dos alunos,
sejam elas cognitivas, corporais, afetivas, éticas, estéticas, de relações interpessoais e inserção social,
para que aprendam a discutir regras e estratégias, analisando-as criticamente como forma de
conseguirem ressignificar e recriar tais aspectos das atividades propostas. Ainda, para Betti e Zuliani
(2002) a Educação Física deve responsabilizar-se por formar cidadãos capazes de posicionarem-se
criticamente diante das novas formas da cultura corporal de movimento, podendo, portanto,
entender e vivenciar o seu aprendizado, mudando o comportamento e assumindo novas atitudes.
Outro significado de ser professor de Educação Física citados por sete acadêmicos foi
ensinar conhecimentos obtidos no curso de Licenciatura em Educação Física. Esse
significado encontra sustentação em Nóvoa (1995) que coloca que a tarefa básica do professor é
ensinar. Assim, o professor de Educação Física e a escola devem garantir o direito aos alunos de
conhecer mais aprofundadamente os esportes, as danças, as lutas, as ginásticas, enfim, as práticas
pertencentes ao universo corporal presentes em seu cotidiano.
Ainda outro significado de ser professor de Educação Física foi promover a saúde e a
realização de atividades físicas aos alunos, manifestado por quatro acadêmicos. Assim,
abordando essa ideia de significado citamos Vieira e Ferreira (2004) que afirmam que devemos ter
um tanto de cuidado em não traçar uma relação causal entre Educação Física e saúde, de modo que,
essas colocações empobrecem o papel da Educação Física como realidade pedagógica, pois, o
professor de Educação Física é um interventor social que atua no campo da educação e da saúde, e
que o seu maior compromisso é formar cidadãos, indivíduos críticos e reflexivos, a partir de seus
conteúdos que lhe são peculiares.
Temos ainda que dois acadêmicos disseram que o significado de ser professor de
Educação Física caracteriza-se em mudar a prática das aulas de Educação Física. Sobre isso,
destacamos que a mudança na prática educativa implica alterar concepções enraizadas enfrentando
o cotidiano já existente. Segundo Borges (2003) para uma mudança nas aulas de Educação Física,
evidencia-se, então, a existência de outros condicionamentos que não sejam apenas a do esporte e
da aptidão física. Portanto, mudar a prática educativa requer enfrentar grandes transformações na
forma costumeira do desenvolvimento das aulas, pois, cada aluno é um ser singular e com um
tempo próprio que se encontra, em relação aos demais, em nível diferente, referente ao processo de
construção de seu conhecimento.
Ter consciência das relações professor-aluno, aluno-professor e aluno-aluno foi mais
um significado de ser professor de Educação Física, entretanto, citado por apenas um acadêmico. A
respeito desse significado, mencionamos Freire (2003) que assinala que a interação dialética
professor-aluno, aluno-professor torna a prática pedagógica um desafio maior e muito mais
prazeroso, na qual se estabelece vínculos de amizade e respeito favoráveis ao processo ensinoaprendizagem. Portanto, a afetividade influi no processo de aprendizagem e o facilita, pois nos
momentos informais, os alunos aproximam-se do professor, trocando ideias e experiências variadas,
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expressando opiniões e criando situações para, posteriormente, serem utilizadas em aula. O
relacionamento baseado na afetividade é, portanto, um relacionamento produtivo auxiliando
professores e alunos na construção do conhecimento e tornando a relação entre os dois menos
conflitante, pois permite que ambos se conheçam, se entendam e se descubram como seres
humanos e possam crescer.
Neste momento, percebemos a existência de cinco diferentes significados de ser professor
de Educação Física na compreensão dos acadêmicos estudados. Esses significados mostram
contradições, pois apontam visões de educação diferentes. De um lado alguns significados que
coincidem com o papel de professores numa educação reprodutora de sociedade e, de outro, raros
significados referentes a uma educação transformadora da sociedade. Segundo Krug (2005a) esse
fato retrata o momento da atual formação de professores de Educação Física que oscila entre uma
abordagem técnica e uma abordagem transformadora. Já Krug (2005b) destaca que as diferenças
entre os significados de ser professor parecem emergir das freqüentes crises de identidade dos
professores, e de seus cursos de formação, oriundas de mudanças sociais que acontecem
rapidamente e exigem dos docentes novos papéis, e, isso leva os acadêmicos a incertezas sobre sua
profissão. Ainda Krug (2011) diz que o significado de ser professor está relacionado ao contexto
intelectual e social em que os futuros docentes estão inseridos, e, como sabemos, a formação de
professores de Educação Física, há muito tempo, é influenciada por uma abordagem tecnicista. Já
Goodson (1995) diz que o ambiente sociocultural e as experiências de vida são ingredientes-chave
da pessoa que somos, do nosso sentido do eu. De acordo com o quanto investimos o nosso eu no
nosso ensino, na nossa experiência e no nosso ambiente sociocultural, assim concebemos a nossa
prática e nossos significados.
Depois destas análises vale lembrar Krug (2011) que ressalta que diante de tantos
significados diferentes o curso de formação inicial, particularmente da Licenciatura em Educação
Física da universidade pública da região sul do Brasil estudada, precisa trabalhar mais a respeito do
que é ser professor de Educação Física na escola para que se venha a oferecer uma formação de
maior qualidade.
As considerações finais: destacando as conclusões transitórias
Pela análise das informações obtidas por meio das entrevistas concluímos que foi possível
identificar cinco significados de ‗ser professor‘. Foram eles: 1º) Contribuir para a formação corporal
e social dos alunos; 2º) Ensinar conhecimentos obtidos no curso de Licenciatura em Educação
Física; 3º) Promover a saúde e a realização de atividades físicas aos alunos; 4º) Mudar a prática das
aulas de Educação Física; e, 5º) Ter consciência das relações professor-aluno, aluno-professor e
aluno-aluno. Assim, também foi possível identificar as diferenças do entendimento do que é ‗ser
professor‘ na percepção de acadêmicos em situação de Estágio Curricular Supervisionado de um
curso de Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil, o
que impulsiona essa temática para uma discussão mais intensa.
Entretanto, é importante destacar que pelas contradições do significado de ‗ser professor‘
encontrados neste estudo que defendem visões de educação diferentes, ou ainda melhor
enunciando, opostas, onde algumas são ligadas ao ensino tradicional e/ou comportamentalistas e,
outras, ligadas a um ensino transformador, o curso de Licenciatura em Educação Física estudado
forneceu importantes elementos que serviram para termos uma noção de como o mesmo influencia
na qualidade ou não das ações dos futuros professores na escola e esse indicador aponta para uma
crise de identidade tendo como balizador o significado de ‗ser professor‘.
Assim, podemos destacar que o curso de Licenciatura em Educação Física estudado precisa
trabalhar mais a respeito do que é ‗ser professor‘ de Educação Física para que venha oferecer uma
formação profissional de maior qualidade contribuindo desta forma no processo de construção de
uma identidade profissional docente mais sólida.
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Humanas e Ciências Sociais – Ano 10 Nº23 v.1– 2014 ISSN 1809-3264
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Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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APONTAMENTOS SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA
Carolina Machado Rocha Busch Pereira6
Resumo
O artigo é uma contribuição ao debate sobre políticas públicas educacionais e os livros didáticos no
Brasil. O recorte teórico da reflexão são os livros didáticos de Geografia pensados a partir das
diretrizes, normativas e políticas educacionais para a educação básica. O livro didático, bem como a
preparação adequada dos professores, é apontado como facilitador no processo de ensino, vivência
e aprendizagem, e compreendido como importante recurso, mas não como um fim em si mesmo, a
reflexão centra-se nas possibilidades e limites dos livros didáticos de Geografia na atualidade.
Palavras-chave: Ensino de Geografia, Formação de Professores, Políticas Educacionais.
NOTES ON THE TEXTBOOK OF GEOGRAPHY
Abstract
The article is a contribution to the debate on educational public politics and educational textbooks
in Brazil. The theoretical part of the reflection are the Geography textbooks designed based on the
guidelines, regulations and educational policies for basic education. The textbook and the adequate
preparation of teachers, is appointed as facilitator in the teaching and learning experience, and
understood as an important resource, but not as an end in itself, the reflection focuses on the
possibilities and limits of Geography textbooks today.
Keywords: Teaching Geography, Teacher Training, Educational Public Politics.
Considerações Iniciais
A Geografia é a mais abrangente e singular das ciências. Associa fatos
heterogêneos e diacrônicos e é a única comprometida ao mesmo tempo com a
sociedade e com a natureza. Seus limites são os da inteligência e, seus
horizontes, infinitos. (CONTI, 1997, p. 15)
Para muitos professores, o livro didático constitui a principal fonte de atualização e
consulta e em muitos momentos também é a única leitura com a qual o aluno tem contato. Dada a
importância do livro didático para o processo de ensino e aprendizagem é fundamental refletir
sobre as mudanças, permanências e transformações que este material vem sofrendo nos últimos
anos no Brasil. Os apontamentos apresentados neste artigo são permeados pelas reflexões sobre os
livros didáticos para o ensino de Geografia e as políticas públicas educacionais referentes aos livros
didáticos no Brasil.
O livro didático de Geografia, elemento presente no cotidiano de professores e alunos, tem
suscitado várias pesquisas e reflexões por parte de pesquisadores que se preocupam em investigá-lo
seja para analisar sua forma ou conteúdo, sua produção e circulação, a ideologia presente em seu
texto ou mesmo a utilização deste por parte dos professores.
Para Bittencourt (2004), as discussões sobre a importância e o papel dos livros didáticos no
processo de ensino e aprendizagem estão vinculadas, ainda, à sua importância econômica para um
vasto setor ligado à produção de livros e também ao papel do Estado como agente de controle e
principalmente, como consumidor voraz dessa produção, tendo em vista que o governo brasileiro é
Doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo – USP. Professora Adjunta do curso de
Geografia da Universidade Federal do Tocantins - UFT, Porto Nacional, [email protected]
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hoje o maior comprador de livros didáticos e não por acaso tem avaliado e selecionado o material a
cada dois anos julgando o que está apto e o que não está para ir para as escolas.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) vai investir R$ 1,127 bilhão na
aquisição de livros didáticos impressos, versões acessíveis e objetos digitais de apoio ao ensino
que serão utilizados na educação básica pública no ano de 2014. No total, serão comprados
137,8 milhões de exemplares, de 25 editoras, para os ensinos fundamental e médio. Foram
adquiridas obras de todas as disciplinas para todos os alunos dos anos finais do ensino
fundamental (sexto ao nono ano), num total de 75,6 milhões de exemplares, e mais 62,2
milhões de unidades de reposição e complementação para os anos iniciais do ensino
fundamental e ensino médio. No total, o governo federal adquiriu 2.511 títulos para as duas
etapas de ensino. (MEC, 2013)
Os números brasileiros impressionam até mesmo quem está acostumado com a grande
compra de material didático realizado todos os anos pelo Ministério da Educação e são eles que
dimensionam a importância da temática e da pesquisa.
Contexto histórico e geográfico do livro didático de Geografia
Presente no ensino da Geografia brasileira desde o início do século XX Andrade (1989)
traça o histórico de utilização dos livros didáticos nas escolas e sua importância frente ao ensino de
Geografia. Antes de 1930, o estudo da Geografia estava baseado apenas na memorização,
característica também presente nos livros didáticos da época. Após 1930 foi introduzido na
Geografia brasileira os princípios da escola Lablachiana7 com isso os livros didáticos tiveram seus
textos modernizados e ilustrados com mapas, cartas e fotografias (MORAES, 1997).
Com o Estado Novo, as ciências sociais tiveram sua influência diminuída e a Geografia
passou a ter um caráter ainda mais conservador do que o habitualmente estabelecido, com os
autores de livros didáticos tendo que submeter os conteúdos e a estrutura dos livros didáticos à
vontade do Estado.
Na década de 1950, novos livros didáticos de Geografia começaram a aparecer,
apresentando os fenômenos geográficos de maneira mais dinâmica. Com o populismo dos anos
1960, houve um grande estímulo à produção de livros didáticos que, infelizmente, retomam o
processo mnemônico. Neste período surgiram os cadernos de exercício conhecidos como ―livro do
mestre‖ até o final do século, e, que neste século assumiram a roupagem de ―manual do professor‖.
O Manual do Professor acabou mostrando-se ao longo dos anos uma ferramenta
imprescindível para o preparo das aulas, e, se por um lado facilitou a rotina dos professores
também é pertinente considerar que o mesmo contribui de forma imperativa na diminuição da
reflexão e da análise de conteúdos pelos professores.
O interesse entre os pesquisadores brasileiros em relação aos livros didáticos não pode ser
considerada como um fenômeno recente, uma vez que acumulamos mais de trinta anos de pesquisa
sobre o tema no Brasil (PEREIRA, 2003).
Choppin (2004) destaca que as pesquisas realizadas no Brasil sobre os livros didáticos
adquiriram densidade nos últimos trinta anos, o que pode ser comprovado com o aumento de
publicações sobre o tema em periódicos, dissertações, teses e anais de congressos.
Segundo Moraes (1997) Vidal de La Blache definiu o objeto da Geografia como a relação homem-natureza,
na perspectiva da paisagem. A referência a escola lablachiana se deve a influência que o mesmo teve no
pensamento geográfico brasileiro marcado por características de modelo analítico.
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Mesmo gerando muitas polêmicas e críticas dos mais variados setores, o livro didático não
deixa de ocupar lugar fundamental no processo de escolarização. Para Sposito (2006), é preciso
considerar que é histórica a importância do livro didático no ensino brasileiro, tanto mais a partir da
década de 1970, visto que todo o processo de ensinar/aprender está mediado pela presença desse
instrumento de trabalho pedagógico.
Nas últimas décadas, o Governo Federal não tem medido esforços para garantir aos alunos
das escolas públicas de todo o país, o acesso ao livro didático. Com isso, o Ministério da Educação
(MEC) criou várias comissões para fazer a avaliação dos livros didáticos, na busca de uma melhor
qualidade8. Segundo Castellar e Vilhena (2010), entre as justificativas do Governo para realizar a
avaliação dos livros didáticos se deve ao
fato de o governo ser o maior comprador das obras, e daí a necessidade de estabelecer critérios
de avaliação para melhorar a qualidade dos livros utilizados nas escolas. Além disso, havia o
fato de o governo ter percebido a enorme gama de erros conceituais e inadequações de
conteúdo e linguagem: imagens que eram colocadas de forma arbitrária no texto, sem nenhuma
articulação com o conteúdo; afirmações que mais pareciam partidarismos da corrente à qual o
autor se filiava; conhecimento científico apresentado com viés de senso comum, entre outros
exemplos. (CASTELLAR & VILHENA, 2010, p. 141)
O Ministério da Educação (MEC), a partir de 1995, através da Secretaria do Ensino
Fundamental (SEF) deu início a um processo de análise, avaliação e seleção dos livros didáticos
brasileiros como parte do Programa Nacional do Livro Didático9 (PNLD). Com isso o PNLD
passou a realizar a análise e avaliação pedagógica dos livros didáticos a serem adquiridos e
distribuídos pelo MEC para todas as escolas públicas brasileiras (federais, estaduais e municipais) de
ensino fundamental e ensino médio, excluindo aqueles que não atendessem aos objetivos
educacionais propostos. Esta iniciativa destaca-se por sua natureza contínua e teve resultados
imediatos: aproximou a comunidade acadêmica dos autores e das editoras, e estabeleceu normas e
diretrizes para a elaboração e avaliação do material didático (BIZZO, 2000 e 2002).
Segundo Castellar e Vilhena (2010), o PNLD vem produzindo visíveis avanços, garantindo
aos alunos livros didáticos com pouquíssimos erros conceituais e livres de informações e
ilustrações preconceituosas. Assegurou ainda, a inserção de ―textos e imagens de diferentes
características sociolingüísticas e o uso de linguagens diversificadas do material‖ (CASTELLAR e
VILHENA, 2010, p.141).
O governo federal executa três programas voltados ao livro didático: o Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) e o Programa
Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). Segundo o MEC o objetivo
das avaliações ―é prover as escolas das redes federal, estadual e municipal e as entidades parceiras do
programa Brasil Alfabetizado com obras didáticas de qualidade‖ (BRASIL,
9 O Programa Nacional do Livro didático (PNLD) visa a suprir as escolas públicas de ensino fundamental,
cadastradas no Censo Escolar, com livros didáticos gratuitos e de qualidade, para as disciplinas de Língua
Portuguesa/Alfabetização, Matemática, Ciências, Estudos Sociais – Historia e Geografia. O Programa tem
por objetivo prover as escolas públicas de ensino fundamental e médio com livros didáticos e acervos de
obras literárias, obras complementares e dicionários. O PNLD [atualmente] é executado em ciclos trienais
alternados. Assim, a cada ano o FNDE adquire e distribui livros para todos os alunos de determinada etapa
de ensino e repõe e complementa os livros reutilizáveis para outras etapas. (informação obtida no Portal do
FNDE disponível em http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-apresentacao acesso
em 03 de março de 2014)
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O PNLD realizou várias correções de erros conceituais, a reestruturação dos livros com a
atualização dos conteúdos, o lançamento de títulos adequados aos critérios propostos e até mesmo
a suspensão de comercialização de títulos reprovados. Entretanto, estes resultados foram
acompanhados de intensa polêmica envolvendo autores, editores e avaliadores do MEC.
Embora o PNLD apresente muitos pontos positivos, ainda há muito para ser mudado nos
livros didáticos. Entre as necessidades de mudança estão às exigências impostas pelos documentos
oficiais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9.394/96, e os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Esses documentos norteadores da Educação Básica
exigem que os novos livros didáticos se correspondam com as atuais exigências de uma Educação
no século XXI, no qual o conhecimento, os valores, as capacidades de resolver problemas, de
aprender a aprender, assim como a ―alfabetização científica e tecnológica‖ são elementos essenciais.
Mas infelizmente os documentos oficiais raramente dialogam entre si. E os professores, sujeitos da
ação nas escolas, ficam com a difícil tarefa de orquestrar os variados documentos, sejam eles:
parâmetros, diretrizes, orientações e/ou normas.
Tendo em vista que as reformas curriculares são resultado de lutas para produzir e
institucionalizar determinadas concepções como a da formação para um mercado altamente
competitivo e excludente. Essas propostas curriculares nacionais incorporam diferentes discursos:
da academia, das agências internacionais de fomento e de orientação internacional de políticas
globais (PEREIRA, 2003), além de outras propostas de outros países.
Um grande mosaico de políticas sem ordenação e sem articulação tem conferido ainda hoje
ao Brasil, diferenças marcantes entre a teoria e a prática, entre o discurso acadêmico e a realidade
escolar, e principalmente entre o desejo do governo federal e as possibilidades concretas de
realização das ações nas escolas. Os livros didáticos acabam sendo a materialização da falta de
articulação das políticas educacionais. Uma análise de livros didáticos pautada nos PCNs ou nas
OCNs será certamente um trabalho árduo, posto que os livros didáticos apesar de expressarem
teoricamente a coadunação com as diretrizes e parâmetros na prática não se concretizam.
Dentre as reformas, no Brasil, que amparam e adensam as políticas educacionais em vigor,
podemos situar a criação da Lei de Diretrizes de Base da Educação (LDBEN/96) (BRASIL, 1996),
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para os Ensinos Fundamental e Médio (BRASIL,
1997 e l998) e as Orientações Curriculares Nacionais (OCNs) (BRASIL, 2004 e 2006) para o ensino
médio, como sendo as principais orientações que marcam a realidade escolar, sem conseguir acessálas do ponto de vista da transformação. As escolas em geral e os professores e coordenadores em
particular, conhecem os documentos oficiais e os desejos de mudança do governo, mas a realidade
possui poucos instrumentos e ferramentas para efetivar a transformação. Um exemplo pode ser
extraído da carga horária exaustiva dos professores em sala de aula, que não favorece a pesquisa,
contribuindo muito mais para a manutenção do quadro atual, do que de fato para pensar, planejar e
executar as mudanças necessárias na escola, na prática educativa e no processo de ensinoaprendizagem.
Políticas públicas e determinações educacionais
A promulgação em 1996 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN no.
9.394/96, também chamada de Carta Magna da Educação, assinala um momento de transição
significativa para a educação brasileira. Ainda que tenhamos muito a avançar em termos de
educação, de investimentos e de busca de maior qualidade no processo de democratização do
ensino, a promulgação da LDBEN/96 representou, sem dúvida, um grande progresso no que diz
respeito a uma nova concepção de ensino. Cabe destacar, no entanto, que mesmo que a prática
docente e a formação de professores tenham sido repensadas para atender às novas exigências, a
LDBEN/96 não promoveu modificações significativas em relação a formação docente inicial dos
professores e nem tampouco aos estágios da licenciatura.
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As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica
(DCNs) constituem instrumento normatizador e regulador de políticas curriculares no campo das
práticas institucionalizadas. A reformulação parece basear-se na idéia de que há um problema
pedagógico, expresso pela inadequação dos currículos de formação; é um problema organizacional,
que se define pela incapacidade das atuais instituições formadoras, tal como se organizam, de darem
conta das demandas de formação de professores. Dessa forma, a reformulação propõe ações nesses
dois âmbitos.
Os Pareceres CNE/CP 9/2001, 27/2001, 27/2001 e Resoluções 01 e 02/200210, são os
documentos que dão sustentação às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica do Nível Superior de Licenciatura, de graduação plena. Com o
intuito de garantir uma maior articulação entre teoria e prática nos cursos de licenciatura, de
graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior, a Resolução
CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, propõe e justifica a ampliação da carga horária da prática
de ensino e do estágio supervisionado, redefinindo a concepção de prática e especificando
atividades que são computadas nos diferentes momentos do curso de licenciatura.
O grande avanço determinado por tais diretrizes consiste na possibilidade objetiva de
pensar a escola a partir de sua própria realidade, privilegiando o trabalho coletivo. Ao se tratar da
organização curricular tem-se a consciência de que a essência da organização escolar é, pois,
contemplada.
No que refere ao referencial curricular para os ensinos Fundamental e Médio, os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) foram criados na tentativa de universalização da
educação básica e de organizar um sistema nacional de ensino que propiciasse, ao mesmo tempo, a
articulação dos diversos níveis e modalidades de ensino nas esferas federal, estadual e municipal, e,
consequentemente, a melhora crescente da qualidade da educação oferecida (PEREIRA, 2003).
Mas as críticas direcionadas a esses documentos (PONTUSCHKA, 1999), logo após a sua
publicação, foram tão significativas que o governo federal foi impulsionado a encomendar novos
documentos com novas orientações, entretanto por terem sido escritos por renomados professores
de todas as áreas do conhecimento, os PCNs não foram abandonados, e, em nenhum momento
foram substituídos ―oficialmente‖. As propostas que sucederam os PCNS vieram com nova
roupagem e com o sugestivo título de orientações Orientações Curriculares Nacionais (OCNs)
(BRASIL, 2006 e 2007).
As OCNs buscam indicar aos professores não um esquema fechado, mas três pressupostos
metodológicos que articulados serviriam para orientar o professor na construção de seu programa:
teorias, conceitos e temas. Nenhum deles deve ser pensado separadamente, pois eles são fundamentais
para se desenvolver a disciplina. Outro elemento importante destacado nas OCNs é a pesquisa
sugerida como forma de ensino, ou seja, o professor pode utilizar esta ferramenta para introduzir o
aluno na arte da pesquisa e tornar o ensino não apenas teórico mas levar o aluno a pesquisar a
própria realidade em que vive, por exemplo. Indica e discute, também, uma série de recursos
didáticos que poderiam ser utilizados no processo de ensino: desde a aula expositiva, os seminários,
material imagético, leitura e analise de textos, bem como visitas fora da escola.
Tomados os dois fundamentos e os três pressupostos metodológicos, estes seriam os
elementos essências que norteariam a prática docente, o professor teria em mãos indicações de
como construir um programa que fosse mais apropriado as suas condições de trabalho e de vida de
seus alunos, tornando-se assim sujeito de sua ação.
Em síntese o que o governo propôs, foram dois documentos que deveriam articular o
ensino na escola: os PCNs indicaram o que trabalhar em sala de aula e os eixos tornaram-se
Todos os documentos oficiais citados neste artigo estão disponíveis para consulta no site do Conselho
Nacional de Educação http://portal.mec.gov.br
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obrigatórios nos Planos Pedagógicos das escolas, e as OCNs foram centradas na discussão sobre os
elementos essenciais para a prática docente no ensino médio deixando para o professor decidir o
que fazer, dentro da diversidade geográfica e da realidade brasileira. No meio do caminho temos os
livros didáticos com a difícil tarefa de equilibrar as diferentes normativas e apresentar um trabalho
consistente geograficamente e pedagogicamente. A dificuldade, de articular os PCNs e as OCNs no
âmbito escolar, ficou evidente quando novos documentos surgiram. O governo federal publicou
em 2006 o documento intitulado Reorientação Curricular para o ensino fundamental e médio (BRASIL,
2006), e nesta mesma época também foram publicados diversas orientação estaduais pelos estados
brasileiros da federação. As orientações estaduais tinham o objetivo de nortear o processo de
elaboração e construção do planejamento político pedagógico e o currículo das escolas da rede
estadual e municipal. De maneira geral as Reorientações Curriculares Estaduais trouxeram uma proposta
nada inovadora para o ensino, uma vez que apresentava as exigências de conteúdos para cada
série/ano escolar, retrocedendo ainda mais. E a rotina nas escolas ficou ainda mais confusa. Os
livros didáticos possuem uma divisão de conteúdos, os parâmetros apresentam conteúdos e eixos
diferentes, e, as orientações propõem pressupostos metodológicos. O que fazer e o que ensinar? A
quem atender? Qual documento deve ser seguido? Como estabelecer um plano de trabalho na
disciplina quando as normativas estão desencontradas? Infelizmente essas e muitas outras
perguntas, feitas pelos professores nas escolas, não ganharam densidade de mudança e nem
tampouco conseguiram colocar em pauta a esquizofrenia da política educacional brasileira. Cada
qual ao seu jeito, e, cada qual ao seu tempo, professores e escolas foram organizando a rotina,
pautados muito mais pelas diretrizes estaduais do que pelas decisões federais, isto porque o controle
dos governos estaduais é mais presente no cotidiano das escolas do que o governo federal.
Considerando que os PCNs são, ainda hoje, o principal referencial curricular para os
ensinos Fundamental e Médio, cabe questionar após mais de quinze anos de sua publicação em que
medida os livros didáticos de Geografia conseguiram transpor as orientações, diretrizes e sugestões
dadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e em que medida os livros didáticos de
Geografia presentes nas escolas brasileiras atualmente pautam-se pelas orientações curriculares
oficiais previstas nos PCNs?
Limites e possibilidades dos livros didáticos de Geografia
Os parâmetros curriculares trazem, além dos conteúdos básicos a serem desenvolvidos, os
objetivos e as orientações metodológicas que irão nortear o trabalho do professor em sala de aula.
Com isso, esperava-se após publicação dos PCNs que os livros didáticos, em lugar de determinar o
currículo a ser desenvolvido, ao contrário, fossem elaborados e selecionados com base em tais
documentos. Porém, a incorporação das exigências dos documentos oficiais nos livros didáticos de
Geografia ocorreu de forma distinta no Brasil.
De certa forma, os princípios preconizados pelos parâmetros foram incorporados, mas, no
entanto, não houve mudanças significativas quanto aos critérios de seleção e organização dos
conteúdos. Eles continuam a apresentar uma estrutura e organização linear em unidades, capítulos e
conteúdos, conforme encontramos em livros anteriores à reforma.
Mas muitos livros indicam mudanças e apresentam nova estrutura, dentre as quais
podemos citar: a forma de desenvolvimento dos conteúdos geográficos, um ―passo a passo‖ das
atividades a serem desenvolvidas, capítulo por capítulo, independente da forma adotada pelos
autores e editoras. Esse processo é detalhado com sugestões metodológicas, de leitura para alunos,
propostas de situações-problema para introduzir o assunto, outras recomendações de leitura, textos
com aprofundamento dos conteúdos, sugestão de leituras para os alunos e resolução dos exercícios.
Segundo Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007, p. 342), em alguns livros didáticos há
propostas mais avançadas que incluem textos dos próprios autores, o que permite ao aluno o
contato com linguagens não exatamente didáticas, e textos literários, o que contribui para a
formação geral do aluno.
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São frequentes as críticas de pesquisadores e professores sobre o livro didático, uma vez
que ele traz em seu conteúdo forma, ideologias, preconceitos e incoerências teórico-metodológicas.
Porém, outros atribuem grande importância a esse recurso de ensino, reconhecendo-o como
fundamental nas instituições de ensino, principalmente devido à precariedade de recursos
destinados às escolas públicas. Aqui cabe relembrar a questão da carga horária dos professores e do
pouco incentivo, para não dizer nenhum, à pesquisa.
Apesar das inúmeras críticas voltadas ao uso do livro didático, dos limites que ele impõe ao
processo de ensino/aprendizagem e do crescente interesse econômico no mercado editorial,
acreditamos ser preferível o aluno ter em mãos um livro de Geografia, a não ter nenhum,
principalmente por sabermos que, no que tange a milhares de famílias brasileiras, o livro não faz
parte dos elementos culturais presentes em seus lares. Considerando o mercado editorial e a oferta
de livros e apostilas escolares consideramos que o livro didático comprado pelo governo federal
após avaliação da comissão setorial, é o melhor material disponível para as escolas públicas. Muitas
escolas da rede particular de ensino não conseguem disponibilizar material de qualidade aos alunos
devido ao preço elevado. O governo federal com sua compra milionária inflaciona o mercado
editorial e muitas escolas de pequeno porte da rede privada não conseguem acessar o material
avaliado. Desta forma configura-se no Brasil um cenário bastante novo e distinto: escola pública e
livro didático avaliado versus escola privada e livro didático não aprovado pelo MEC. A crescente
oferta de livros didáticos pelas editoras tem colocado cada vez mais, material didático no mercado
das livrarias e editoras, mas nem todos os livros produzidos pelas editoras são aprovados e
recomendados pelo MEC. Os livros que são comprados para as escolas públicas apesar de serem
negociados pelo governo federal ao custo de R$ 7,6311 segundo dados do MEC (2013), quando
chegam às livrarias de todo o Brasil alcançam valores finais de varejo de R$ 105,00 em média cada
exemplar. Os livros didáticos comprados pelo Governo Federal agregam valores da avaliação e da
recomendação e o seu preço final de varejo dificulta a indicação deste material pelas escolas da rede
privada.
Segundo Castellar e Vilhena (2010, p. 137), ―o cotidiano escolar nos revela que o livro
didático é um instrumento de ação constante e que ainda encontramos muitos professores que o
transformam em um mero compêndio de informações, ou seja, utilizam-no como um fim e não
como um meio, no processo de aprendizagem‖. Nesse contexto, o professor acaba utilizando o livro
didático para organizar, desenvolver e avaliar seu trabalho em sala de aula, e é por meio dele que os
alunos se relacionam com a disciplina.
o livro didático não funciona em sala de aula como um instrumento auxiliar para conduzir o
processo de ensino e transmissão de conhecimento, mas como o modelo-padrão, a autoridade
absoluta, o critério último de verdade. Neste sentido, os livros parecem estar modelando os
professores. O conteúdo ideológico do livro é absorvido pelo professor e repassado ao aluno
de forma acrítica e não distanciada. (FREITAG, MOTTA e COSTA, 1997, p. 111)
Desta forma é importante ressaltar que o livro didático é uma ferramenta de trabalho
importante para o professor, mas não se configura como o currículo mínimo que ele tem que
desenvolver. Ele deve ser um ponto de apoio para a aula que aliado a outras linguagens ou
tecnologias, possa contribuir para o professor discutir os conteúdos geográficos.
Para os professores, o livro didático é mais que um simples material de uso no processo de
ensino/aprendizagem. É considerado como sistematizador dos conteúdos geográficos, roteiro de
aula, fonte de exercícios e consulta do aluno. Noutras palavras, o livro didático é um objeto de
Segundo dados disponibilizados pelo MEC (2013) os livros didáticos comprados pelo Governo Federal
para o ano letivo de 2014 ficaram em média R$ 7,63, detalhes dos valores negociados com cada editora estão
disponíveis no site do FNDE www.fnde.gov.br
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apoio que a grande maioria dos professores utiliza para estruturar e ministrar suas aulas. Em razão
disso, ele acaba norteando a prática pedagógica do professor de Geografia e sendo o material
didático que os alunos têm maior contato, senão o único.
Na visão dos professores, muitas são as vantagens do uso do livro didático de Geografia.
Este não só possibilita uma visão organizada da disciplina, como também facilita o trabalho do
professor. Considerado parte importante e indispensável do trabalho docente, de maneira geral,
esse material tem representado um papel ativo e significativo no processo de ensino/aprendizagem,
pois serve não só como suporte teórico e sequência dos conteúdos para o professor, como também
fonte de informação e de consulta para os alunos.
O fato de o livro didático ter um peso grande na definição dos conteúdos e até mesmo dos
currículos e da preparação das aulas não deve ser interpretado como uma falha do professor, mas
sim de todo o sistema escolar. Uma escola sem bibliotecas e outros recursos pedagógicos, em que o
professor carece de sólida formação teórica e metodológica e condições de estudar para preparar
aulas mais ricas, em que o aluno, sobretudo o das escolas públicas, não tem tempo ou condições
financeiras para estudar, acaba por atribuir ao livro didático um peso enorme, o que não aconteceria
se as condições de ensino e de trabalho fossem diferentes.
O livro didático pode assumir funções diferentes, dependendo das condições de trabalho
do professor, do lugar e do momento em que é utilizado nas diferentes situações escolares. Para
Pontuschka, Paganaelli e Cacete (2007, p, 339), ―a variação de usos em sala depende da relação
existente entre os vários fatores: a formação geográfica e pedagógica do professor, o tipo de escola,
o público que a frequenta e as classes sociais a que atende‖.
O efeito real, positivo ou negativo, de sua utilização nas aulas não está apenas nos
conteúdos, mas também no modo de utilizá-lo. O que precisa sofrer mudanças é a forma de
utilização do livro didático pelo professor como sendo a única fonte de informações. É necessário
que ele seja visto como um instrumento didático possibilitador do desenvolvimento crítico e
reflexivo dos alunos, que acene para a consolidação do exercício da cidadania.
Considerações finais
Para se compreender a apropriação que os professores fazem do livro didático, não se
pode deixar de considerar a relação entre conhecimento, professor e livro didático, o que significa o
desenvolvimento de análises didáticas e epistemológicas, ou seja, como o conhecimento foi
formalizado.
As formas de se utilizar o livro didático de Geografia são variadas. Porém, acredita-se que
seja de extrema importância o professor ter um conhecimento teórico-metodológico da área em
que atua. Isso irá contribuir para que ele tenha uma atitude crítica tanto na escolha quanto no uso
desse material.
Para o professor utilizar um livro didático com eficácia, é importante que ele
considere os objetivos apresentados nas unidades ou nos capítulos para se apropriar da
proposta pedagógica presente neles, tornando os conteúdos mais significativos e menos
descritivos. Essas considerações sobre a função do livro didático no processo de aprendizagem
podem parecer óbvias – do senso comum, como diriam alguns educadores -, no entanto,
entendemos que são necessárias para destacar a diferença entre o discurso didático da sala de
aula, muitas vezes retórico, e a metodologia presente no livro didático. (CASTELLAR e
VILHENA, 2010, p. 138).
Segundo as autoras, a forma com que o livro didático é usado em sala de aula reflete, na
maioria das vezes, a falta de compreensão do professor em estabelecer uma interação entre os
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fundamentos metodológicos e as práticas docentes. O resultado disso, é que ele não garante a
aprendizagem nem atinge os objetivos definidos pelos autores.
A função primeira do livro didático é servir de material ou instrumento auxiliar do
processo de ensino/aprendizagem no contexto escolar. Para isso, é necessário que ele satisfaça
minimamente algumas condições desejáveis, como: os temas devem ser trabalhados no livro de
modo integrado e não isoladamente, e, na medida do possível, de forma interdisciplinar,
envolvendo outras áreas do conhecimento; os textos de apoio, as atividades e exercícios abordados
precisam ter significado para o aluno, ou seja, precisam levar em conta o contexto social para o qual
os alunos estão sendo preparados na escola e seu estágio de desenvolvimento cognitivo; apresentar
a definição correta dos conceitos geográficos e das categorias de análise da Geografia; os conteúdos
devem ser desenvolvidos conjuntamente com atividades e exercícios que enfatizem o pensamento
crítico e reflexivo do aluno, a compreensão, a construção e a consolidação de conceitos, estando
adequados aos diferentes níveis de dificuldades dos mesmos; a linguagem precisa estar clara e
compreensível; não incluir valores indesejáveis como a falta de ética e não induza a preconceitos e a
discriminações; deve deixar espaço para a ação do professor, para que ele possa complementar sua
prática docente.
O livro didático pode reunir ou não essas características tidas como desejáveis para um
razoável padrão de qualidade. No entanto, a questão que se coloca é: como utilizar o livro didático
nestas condições de modo a suprir eventuais falhas que ele possa apresentar, seja em termos
conceituais, seja em termos de enfoque metodológico adotado?
Os pontos negativos (erros conceituais, ênfase em assuntos irrelevantes, excesso de
exercícios monótonos e repetitivos, atividades que não têm sentido para o aluno etc.) devem ser
eliminados pelo professor, e as razões que o levaram a fazer isso precisam ser explicadas e
discutidas com os alunos. Com isso, o professor deve lançar mão de outros livros nos quais esses
assuntos estejam melhor elaborados, de livros paradidáticos, de artigos de revistas especializadas e
de outros materiais pedagógicos.
Mesmo que o livro didático de Geografia adotado tenha qualidades suficientes que o
credenciam para o trabalho em sala de aula, o professor precisa realizar outras leituras
complementares com os alunos sobre os conteúdos geográficos em estudo, para que eles possam
interpretar de modo diferente um mesmo assunto e alcançar uma aprendizagem mais significativa.
Dessa forma, o livro didático deve ser um meio e não um fim em si mesmo.
De certo modo, as propostas oficiais para o ensino de Geografia, no caso os PCNs, e o
envolvimento do governo federal na implantação de programas voltados ao livro didático, como o
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), demonstra a relevância que tem sido atribuída nos
últimos anos a esse material pedagógico. Não resta dúvida, de que o tratamento e atenção que vêm
sendo dados ao livro didático são fundamentais para a qualidade do ensino. Porém, essa questão
não reside apenas na qualidade do material. Um bom livro didático requer igualmente um
profissional bem qualificado, capaz de utilizá-lo adequadamente nas em sala de aula.
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Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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ENSINO DE ESPANHOL/LE NO CURSO DE TURISMO:
AMPLIANDO POSSIBILIDADES
Deoclides Barros Castelo Branco12
Glauber Lima Moreira13
Resumo
O presente artigo tem como objetivo realizar, mesmo que de forma sucinta, uma análise sobre o
ensino de espanhol/LE no Turismo da UFPI-Parnaíba. Acredita-se que as línguas estrangeiras (LE)
podem ser um diferencial competitivo profissional, pois o seu conhecimento e aprendizagem do
espanhol como língua estrangeira (doravante ELE), no turismo, são de grande importância.
Conclui-se com estudo que, o espanhol não é critério de decisão de vaga em empresa turística na
cidade, no entanto, é notória a necessidade da aprendizagem da referida língua, pois os estudos
apontam que o ensino de ELE é essencial para o turismólogo.
Palavras-chave: Língua Estrangeira.Ensino de Espanhol. Turismo.
Resumen
El presente artículo tiene como objetivo realizar, aunque de manera breve,un análisis acerca de la
enseñanza del español/LE en Turismo de la UFPI-Parnaíba. Se cree que las lenguas extranjeras (LE)
pueden ser un diferencial competitivo profesional, pues su conocimiento y el aprendizaje del
español como lengua extranjera (ELE) en el turismo son de gran importancia. Se puede concluir
que, el español no es criterio de decisión para las plazas de trabajo en empresas turísticas de la
ciudad, no obstante, es notoria la necesidad del aprendizaje de la lengua española, pues los estudios
afirman que el español es esencial para el turismólogo.
Palabras clave: Lengua Extranjera. Enseñanza de Español. Turismo.
Primeiras palavras
O surgimento do turismo: um rápido panorama
Desde a antiguidade, o homem necessita se comunicar durante as viagens para poder
conhecer novas terras, lugares e pessoas. Essas viagens, nesse sentido, tinham motivações de
diferentes tipos, tais como: religiosas, saúde, esportes e lazer e, com isso, o turismo vem crescendo
cada vez mais com a evolução da humanidade. Nesse sentido, os estudos de Ignarra(2003 p. 2)
afirmam que:
O fenômeno do turismo está relacionado com as viagens, à visita a um local diferente do de
morada das pessoas. Assim, em termos históricos, ele teve início quando o homem deixou de
ser sedentário e passou a viajar, principalmente motivado pela necessidade de comércio com
outros povos. É aceitável, portanto, admitir que o turismo de negócios antecedesse o de lazer.
A partir do século XVIII e meados do século XIX, a atividade turística foi se
concretizando, apresentando como evidência a busca de lazer e repouso, pois a sociedade mostrava
interesses por lugares naturais, pelos campos, por estações balneárias, ocasionado pela procura de
lugares que propiciassem a cura de doenças como a tuberculose. Deste modo, ainda buscava uma
12Graduado
em Bacharelado em Turismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).
em Letras Português/Espanhol e Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual do
Ceará (UECE). Doutorando em Traducción y Ciencias del Lenguaje pela Univsersitat Pompeu Fabra (UPF) e bolsista
pela Coordenação de Aperfeiçoamente de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Professor Assistente de
Espanhol da Universidade Federal do Piauí (UFPI) no Curso e Bacharelado em Turismo – CMRV/UFPI. Email: [email protected]
13Graduado
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vida bucólica, com interesses em cenários e compromissos sociais, apontando este momento com o
início do movimento que ficou conhecido por paisagismo (REJOWSKI, 2002).
O surgimento das ferrovias no século XIX favoreceu o deslocamento de pessoas a
distâncias maiores em períodos menores de tempo. Assim, o turismo ganhou impulso em 1841,
com Thomas Cook. Ele organizou uma viagem de trem na Inglaterra para 570 passageiros e a
viagem foi um grande sucesso. A partir daí, Cook começou a organizar viagens e excursões pela
Europa e, posteriormente, para os Estados Unidos. Com o sucesso de suas viagens, sua empresa
tornou-se a primeira Agência de Viagens do mundo (IGNARRA, 2003). O autor supracitado é
considerado o precursor das bases do turismo. Ele é considerado, ainda, por vários estudiosos,
como o primeiro operador de viagens profissional e fundador das Agências de viagens.
Atuação profissional do turismólogo no mercado de trabalho
O ambiente de trabalho do profissional de turismo é bem amplo e com diferentes possíveis
áreas de atuação, no qual permite ao turismólogo o desenvolvimento de múltiplas atividades e,
entre essas atividades, ele, certamente, fará uso da língua estrangeira, quer dizer, atuará como guia
turístico, sendo um agente de viagens, recepcionista de hotel, dentre outras funções.
O turismólogo pode atuar em diferentes áreas, tais como, na área de eventos e turismo
receptivo; apresentar uma visão ampla e de conjunto das atividades turísticas e áreas adjacentes. Ele
pode, ainda, atuar cooperativamente nas destinações turísticas atendendo às novas tendências de
comunicação do mercado, regido pela globalização. Ele também poderá interagir na sociedade do
conhecimento com base nas informações armazenadas em benefício de novos negócios e
organizações.
O referido profissional também desenvolverá o censo crítico para trabalhar na busca da
eficácia; interagir com a comunidade, trabalhar com ela, mostrando-lhe resultados e caminhos já
percorridos pelo conhecimento. O turismólogo atuará com línguas estrangeiras e/ou línguas de
sinais, na informatização dos sistemas de reservas e de outros serviços; estará envolvido em
questões ou propostas que utilizem programas interdisciplinares nas suas soluções.
Parafraseando Silva Junior (2010, p.18), nesse sentido, pode-se afirmar que o turismo se
estrutura sobre uma série de disciplinas, ou seja, ele atua por meioda interdisciplinaridade. A
abordagem de cada uma, dentro desse programa atual, deve considerar sua importância no contexto
da atividade, as possibilidades da sua atuação prática, o nível dos estudos nos quais são ministradas,
as técnicas pedagógicas a utilizar, além da qualificação e do envolvimento técnico, acadêmico e
empresarial na atividade turística.
O conhecimento e a aprendizagem do espanhol como língua estrangeira (LE) no turismo
Pesquisam afirmam que quase 400 milhões de pessoas no mundo falam espanhol. Essas
estatísticas contabilizam a população dos países cujo idioma oficial é o espanhol, e, ainda, nos
Estados Unidos, 22,5 milhões de pessoas utilizam regulamente o castelhano nos mais diversos
contextos. (EMBRATUR, 2004)
É notória a crescente demanda por meios de curso de aprendizagem que diz respeito ao
ensino desta língua, pois, o setor do turismo tende a exigir bem mais que propiciem a prática da
língua espanhola, idioma que vem ganhando espaço cada vez mais e com enorme evidência no
panorama mundial, podendo ser registrado como segundo idioma universal.
Segundo Costa (2009), entre as línguas estrangeiras (doravante LE) estudadas em nosso
país, a língua espanhola tem grande destaque na atualidade, pois ela ganhou força e hoje marca
presença no cenário internacional, além da sua obrigatoriedade no ensino básico, como já
mencionado anteriormente. Apesar de ser não ser a língua mais falada no mundo, é de especial
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importância para o Brasil, no que diz respeito ao desenvolvimento do turismo, pois o idioma
castelhano é o segundo mais empregado no setor de serviços turísticos. E de acordo com esses
fatores, os profissionais do turismo devem se qualificar na língua espanhola e, com isso, melhorar o
ensino e aprendizagem de língua estrangeira nas escolas e universidade.
A língua espanhola é uma das línguas utilizadas nos fóruns políticos internacionais. É o
idioma oficial da Comunidade Econômica Europeia (CEE), é a língua oficial da Organização das
Nações Unidas (ONU), e, ainda, é considerado o idioma mais utilizado em várias regiões dos
Estados Unidos. O castelhano é o idioma oficializado pelo MERCOSUL/CONESUL, como dito
anteriormente.
Com a circulação internacional numa determinada cidade, é preciso estar atento ao aspecto
da comunicação entre a população local e os turistas estrangeiros, apresentando, dessa forma,
necessário e imprescindível à existência de um meio eficaz de entendimento entre as partes, ou seja,
a proficiência no idioma.
Na visão de Sedycias (2005), recentemente a língua espanhola ocupa uma posição tão
relevante quanto à importância da língua inglesa. Afirma, ainda, ser a língua espanhola a segunda
língua mais utilizada no comércio internacional, e ―quem decidir ignorá-la não poderá fazê-lo sem
correr o risco de perder muitas oportunidades de cunho comercial, econômico, cultural, acadêmico
ou pessoal‖. Ainda segundo Sedycias (2005, p. 2):
Até alguns anos, não era preciso mais do que um conhecimento rudimentar de uma língua
franca, tal como o inglês e acrescentando o espanhol, para se comprar e vender entre países de
línguas e culturas diferentes. Contrariando esse modelo, a atual globalização da economia
mundial tem requerido que os participantes do comércio internacional estejam mais bem
preparados para poder competir com mais eficácia e rapidez, podendo assim oferecer produtos
mais diversos e preços mais competitivos aos consumidores. A comunicação entre mercados
diferentes já não depende apenas de uma língua franca, mas exige que o vendedor de bens ou o
prestador de serviços tenha conhecimento da língua e da cultura do seu comprador ou cliente
em potencial.
O turismo é uma das atividades econômicas atualmente que vêm crescendo
constantemente e, por conseguinte, faz-senecessário o uso obrigatório de uma língua estrangeira
por profissionais desta área, estando eles em contato cotidiano com diversas pessoas e culturas
distintas em determinados momentos. Surgem turistas de culturas vizinhas, como de várias partes
do mundo, e, diante dessa real necessidade, os profissionais da área de turismo, necessitam de
atualização e preparo real no intuito de manter uma adequada comunicação com esses visitantes
para que estes sejam compreendidos em sua língua materna. Como bem afirma Tondelli (2005,
p.22).
Para o profissional da área industrial e/ou empresarial que se vê diante da necessidade de se
comunicar adequadamente através de outro idioma, independentemente para os profissionais
que já estão inseridos nas mais diversas áreas, quanto para aqueles que estão se preparando
para ingressar no mercado de trabalho, que a cada dia se torna mais e mais competitivo,
dominar um segundo idioma não se restringe mais a um universo exclusivo de pessoas, mas é
sim uma necessidade básica na formação do indivíduo.
Segundo Moreira (2013), para que o aluno de espanhol como língua estrangeira (doravante
ELE) aprenda satisfatoriamente a língua meta, ele necessita, indispensavelmente, ter o
conhecimento linguístico necessário das quatro habilidades, ou seja, o aprendiz deverá,
efetivamente, ter fluência no âmbito da leitura, da escrita, da oralidade e da audição.
A comunicação é, dessa forma, um fato primordial na vida (pessoal e profissional) de cada
indivíduo. Acerca dessa temática, Tondelli (2005, p. 22) afirma claramente que:
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Ao destacar que o mercado de trabalho exige do profissional um conhecimento que vai além
de simplesmente ler e escrever num outro idioma [...], o aperfeiçoamento em outro idioma
como espanhol, italiano, francês, alemão, japonês ocorre pela facilidade que ele pode
proporcionar ao profissional em um momento de negociação.
Diante do exposto na citação anterior, pode-se perceber a grande relevância em aprender
outro idioma, como por exemplo, a língua Espanhola, pois esta é a segunda mais falada no mundo,
além de proporcionar alianças políticas e econômicas entre os diversos países vizinhos do nosso
que tem como língua oficial o Espanhol e, com isso, pode gerar um maior interesse turístico e
cultural entre as culturas envolvidas.
Assim, acredita-se que, o aprendizado de uma LE, e, mais especificamente, o ensino e o
conhecimento de ELE, proporciona uma abertura de muitas possibilidades para o crescimento
pessoal, profissional e cultural. O mercado de trabalho, atualmente, considera um dos requisitos
básicos no momento da contratação que o candidato domine uma LE.
Nessa perspectiva, Rivers (1975, p. 07-8) apresenta os objetivos do aprendizado de uma
LE, a saber:
... desenvolver a capacidade intelectual do aluno através do estudo da língua estrangeira;
aumentar a cultura pessoal do aluno através do estudo de textos literários e filosóficos, já que
estes constituem a chave para a cultura; ampliar a compreensão do aluno a respeito do
funcionamento da língua e levá-lo, mediante o estudo de uma outra língua, a uma
conscientização mais profunda do funcionamento da própria língua; ensinar o aluno a ler com
compreensão a língua estrangeira, de modo que ela possa acompanhar a evolução do
conhecimento humano, estar a par da Literatura, pesquisa e informações de tempos modernos;
(...) dotar o aluno de habilidades que lhe permitam comunicar-se oralmente e, até certo ponto,
também na escrita, com os que falam outra língua e com os povos de outras nacionalidades
que também dominam esse idioma.
Corroborando acercada relevância e da importância de se estudar uma LE e, inclusive, a
língua espanhola, e que ela poderá efetivamente contribuir no âmbito do trabalho, por exemplo,
Araújo (2013, p. 61) afirma que:
Sendo a língua estrangeira hoje um mecanismo capaz de promover a participação social, a
inserção no mundo do trabalho, a possibilidade de propiciar uma maior compreensão do
mundo, e valorização do indivíduo, esperamos que cada dia mais se tenha a evolução do(s)
idioma(s), assim como de sua aprendizagem [...].
Podemos afirmar, portanto, que, o ensino e a aprendizagem de ELE no cenário brasileiro
se faz necessário e indispensável ao futuro profissional da área de turismo que almeja ser fluente
nesse idioma, deseja êxito efetivo na carreira e, que, portanto, tal conhecimento no idioma é, de
fato, um componente indispensável para o seu diferencial enquanto profissional.
Palavras finais
Neste estudo, pode-se observar que o conhecimento da língua espanhola para os futuros
turismólogos ainda é baixo e o uso da língua espanhola é pouco no setor hoteleiro na cidade de
Parnaíba.
Como se pode constatar de acordo com o referencial teórico, a aprendizagem de uma
língua estrangeira é de suma importância para a qualificação e o desenvolvimento profissional do
profissional de turismo que atua dentro do setor hoteleiro e nas agências de viagens, pois a carência
de profissionais bilíngues compromete significativamente na qualidade da comunicação entre o
anfitrião e o visitante e, com isso, podendo deixar um turista descontente com o atendimento caso
não seja compreendido.
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Assim, espera-se que, este estudo tenha apontado na direção de novas investigações que
induzam ao acadêmico e ao futuro profissional de turismo, o interesse em buscar cada vez mais o
aprendizado e o conhecimento das línguas estrangeiras que já estão atuando no campo do Turismo
no Brasil, inclusive, o conhecimento efetivo da língua espanhola.
Referências
ARAÚJO, Maria Djany de Carvalho. O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE
UMA LÍNGUA ESTRANGEIRA. In: Reflexões e ações no ensino e aprendizagem de
Espanhol/LE. Moreira, G.L.; Aragão, C. de O.; Silva, G. M. da; Falcão, C. A. (ogs.). Fortaleza,
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<http://www.turismo.gov.br/turismo/legislacao/meios_hospedagem/dl429.html> Acesso em: 05
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aprendizagem de Espanhol/LE. Moreira, G.L.; Aragão, C. de O.; Silva, G. M. da; Falcão, C. A.
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profissionais da área tecnológica no setor industrial: Um estudoexploratório na região norte do
Paraná / Maria de Fátima Tondelli. Ponta Grossa: UTFPR / Campus Ponta Grossa, 2005,90 f.
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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REVISITANDO A PROBLEMÁTICA ACERCA DA AVALIAÇÃO DA
APRENDIZAGEM ESCOLAR
Doris Day Rodrigues Marques14
Avaliar com intenção formativa não é o mesmo que
medir, nem qualificar e nem sequer corrigir; avaliar
tampouco é classificar, examinar, aplicar testes...
(ÁLVAREZ MENDEZ, 2002, p. 13)
Resumo
Este artigo, de cunho teórico-reflexivo, discorre sobre a problemática do conceito de avaliação da
aprendizagem escolar. Nesse sentido, busca embasamento em Hadji (2008), Álvarez Méndez
(2002), Luckesi (2011) e Perrenoud (2002), autores esses que fundamentam o conceito de avaliação
e tratam dos desafios de se ensinar no século XXI. De tal sorte, após a explicitação e discussão do
referido conceito, percebe-se que o problema avaliativo é histórico. Portanto, verificam-se as
dificuldades que uma proposta de mudanças possa vir a sofrer. Por fim, conclui-se, na esteira dos
teóricos citados, que o conceito de avaliação é bem mais complexo e amplo do que a noção de
exame. É preciso, portanto, que os profissionais da educação – educadores e professores, de modo
geral –, busquem reavaliar sua(s) prática(s) com vias a não trabalharem em uma perspectiva de
exclusão.
Palavras-chave: Avaliação; Exame; Aprendizagem escolar.
ABSTRACT: This paper, of theoretical and reflexive basis, deals with the problem of the concept
of scholar learning assessment. In this respect, it is based in Hadji (2008), Álvarez Méndez (2002),
Luckesi (2011) and Perrenoud (2002), authors which define the concept of assessment and deal
with the challenges of teaching in the XXIst Century. In this way, after the exploitation and
discussion of the referred concept, it is perceived that the problem of assessment is historical. Thus,
the difficulties which a proposal of change might encounter are perceived. To finish and along with
the authors mentioned, we conclude that the concept of assessment is much more complex and
ample than the notion of exam. Therefore, it is necessary that professionals of education –
educators and teachers or professors, in general, try to review their own practice so as not to work
in the perspective of exclusion.
Keywords: Assessment; Exam; Scholar learning.
Introdução
Este artigo versará sobre o conceito de avaliação da aprendizagem escolar. A avaliação em
um contexto de ensino tem o objetivo de contribuir para o êxito do aprendiz, ou seja, cooperar
para que alunos construam saberes e competências. A avaliação tem o significado que o ato de
ensinar possui para cada sujeito educador. Além disso, efetuaremos uma pequena retomada
histórica com vias a verificar os possíveis desenvolvimentos atinentes ao tema.
Poder-se-ia afirmar que, a priori, a avaliação a serviço da formação seria aquela mais
centrada em objetivos claramente definidos, aquela em que de antemão se sabe o percurso e aonde
se almeja chegar; esta seria uma das formas mais democráticas de se avaliar, pois não exclui nem
pune, apenas se serve da informação dada pelo educando para avançar ou retroceder. Assim,
buscaremos tratar sobre a importância da avaliação da aprendizagem, ou, em outros termos, sobre o
Graduada em Pedagogia e Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
E-mail: [email protected]
14
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desejo dos estudiosos do tema de transformar a avaliação em mais um fator contribuinte para o
avanço do ensino-aprendizagem no âmbito escolar.
Conceito de Avaliação
A palavra avaliação provém do latim ―a-valere‖, que significa dar valor a algo, ou seja, ação
de valorizar positivamente ou não o que foi realizado. Sendo assim, conferir um valor ou conceituar
simplesmente não é avaliar. A própria ação de verificar é finita em si mesma ao passo que o ato de
avaliar seria apenas o começo de uma ação, uma tomada de posição, positiva ou negativa, em
relação ao resultado obtido. A avaliação dá, portanto, uma direção, enquanto a verificação é
terminal em sua decisão.
Dito isto, percebemos que a prática avaliativa, a despeito de todas as novas propostas
estabelecidas pelas políticas públicas no Brasil, tais como a Lei de Diretrizes e Bases e os
Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante LDB e PCN respectivamente), ainda parece se
confundir com uma atividade meramente examinatória ou classificatória, e mais, amiúde coercitiva
e punitiva. Nesse sentido, o que acontece na maioria dos estabelecimentos educacionais em nossos
dias é uma verificação do rendimento do aluno, porém entendida e tratada (erroneamente por
sinal), como avaliação. A este respeito Álvarez Mendez nos orienta:
deve-se entender que avaliar com intenção formativa não é o mesmo que medir, nem qualificar
e nem sequer corrigir; avaliar tampouco é classificar, examinar, aplicar testes. Paradoxalmente,
a avaliação tem a ver com atividades de qualificação, medição, correção, classificação,
certificação, exame, aplicação de prova, mas não se confunde com elas. Elas compartilham um
campo semântico, mas diferenciam-se pelos recursos que utilizam e pelos usos e fins aos quais
servem. (ÁLVAREZ MENDEZ, 2002, p. 13)
O conceito de avaliação da aprendizagem é relativamente novo, enquanto que nosso
convívio com os exames escolares já vem de longa data. Os exames escolares foram sistematizados
no decorrer dos séculos XVI e XVII, junto com a instituição da denominada modernidade, e
ocorrem até o presente século, com mudanças superficiais, ao passo que, na base, essa prática se
cristalizou no sistema de ensino.
Assim sendo, praticar avaliação não é tão simples. Implica mudança de hábitos, de postura,
implica prática a ser aprendida diariamente, experimentando, errando, tentando outra vez, como
bem pontua Luckesi (2011). É necessário, pois, que se invista nessa prática até que ela se torne uma
forma automática de ação uma vez que possui caráter formativo. De tal modo, percebe-se que
avaliação é de suma importância no processo ensino-aprendizagem não podendo, de modo algum,
ser reduzida à medição ou classificação simplesmente, como assinala Álvarez Mendez (2002).
O termo avaliação da aprendizagem, somente começou a ser divulgado a partir de 1930,
quando Ralph Tyler usou essa expressão para ressaltar a importância do cuidado que os educadores
deveriam ter com a aprendizagem de seus educandos. Nesse período, a reprovação era de cerca de
70%, indicando assim que apenas 30% dos alunos haviam processado uma aprendizagem
satisfatória; havia, portanto, uma perda excessiva. Em vista disso, esse educador propôs um método
simples que consistia no ―ensino por objetivos‖, que estabelecia com clareza o que o educador
necessitava fazer para que o educando obtivesse uma aprendizagem efetiva. Por conseguinte,
propôs um sistema que seria o seguinte: 1º) ensinar; 2º) diagnosticar sua consecução. Se a
aprendizagem for satisfatória, siga em frente, caso contrário, isto é, se a aprendizagem for
insatisfatória, proceda à reorientação até obter o resultado esperado. Algo mais óbvio do que esse
procedimento seria impossível. No entanto, nestes mais de oitenta anos ainda não se conseguiu por
em prática, de forma significativa, essa proposta nos meios educacionais.
Se voltarmos para a história da avaliação da aprendizagem no Brasil, contaremos mais ou
menos 40 anos de estudo desse tema. O termo avaliação começou a ser utilizado por volta do final
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da década de 1960, antes disso falava-se apenas em exames escolares. Na realidade, foi na LDB de
1996 que a expressão ―avaliação da aprendizagem‖ irrompeu pela primeira vez em um texto
legislativo. Diferentemente do que já propõe a lei e os regimentos que norteiam a prática
pedagógica em nosso país, como é o caso dos PCN, e dos teóricos que tratam do tema, parece que,
na prática, o ato avaliativo se confunde com a ação puramente examinatória.
Ainda hoje, nos diversos níveis de ensino, público ou particulares, praticamos muito mais
exames classificatórios do que avaliação da aprendizagem. ―Estamos necessitando de ―aprender a
avaliar‖, pois que, ainda, estamos mais examinando do que avaliando. (LUCKESI, 2011, p. 78)‖
Sabe-se que o sistema de ensino, pais, alunos, professores e escola estão todos atentos às
notas. Aparentemente importa-lhes os resultados gerais; o processo, a aprendizagem de fato, pouco
se denota, contanto que os alunos estejam indo bem nas provas. De tal modo, as notas tornam-se
então a divindade adorada, o fim de todas as coisas, tanto pelo aluno e pais de aluno, quanto pelo
professor. Por vezes acredita-se que não há meios para quebrar essa ordem. A prática da avaliação
da aprendizagem só terá sentido pleno quando estiver voltada efetivamente para a aprendizagem do
educando. O professor e o sistema de ensino, por vezes, utilizam os exames sem critério algum,
sendo que o ensino-aprendizagem de sala de aula não é considerado. Exames descontextualizados,
apenas notas, apenas números, que não dizem absolutamente nada sobre o sujeito daquela ação.
Conhecimento reduzido a apenas uma resposta, sem direito a questionamentos, hipóteses
levantadas, discussões sadias, pontuações diferenciadas, visto que um mesmo assunto pode vir a ter
pontos de vista diferentes, uma mesma verdade pode ter várias facetas, e isso poderia ser tão bem
aproveitado em um ambiente onde se preza a sabedoria, o conhecimento, a arguição. Incitar
pensadores, seres capazes de buscar soluções diferentes em um mundo que caminha para uma
massificação sem precedentes seria mais adequado. Quanto tempo perdido, poderia se afirmar, pois
um lugar que poderia liberar para a humanidade gênios criativos e transformadores aceita como
verdade apenas uma única e arbitrária resposta.
A avaliação está a serviço do conhecimento e da aprendizagem quando um professor avalia
e faz sua correção de forma crítica e argumentada, contrastando posições. Isso gera aprendizagem
em seu aluno, mas quando ele avalia de forma punitiva e desqualificadora, a ação de avaliar perde
totalmente seu valor. Se há realmente interesse que aconteça aprendizagem, é na avaliação que o
educando tem oportunidade de colocar em prática seus conhecimentos, seus avanços, expor suas
idéias, seus saberes, e é também o momento de expor suas dúvidas, indagações, desconhecimento,
esse é o momento. Esconder essas informações pode custar um preço muito alto no futuro. Ter a
liberdade de se expressar para o avaliador, sem medo de ser rebaixado, desqualificado, diminuído,
faz com que o avaliado se aproxime cada vez mais de uma consciência responsável pelo seu próprio
conhecimento, e se torne autor, ou seja, se aproprie do próprio pensamento.
A avaliação que aspira a ser formativa deve ser continuamente uma busca por aperfeiçoar a
prática, para melhorar a aprendizagem, deve ser transparente e de conhecimento público dos
interessados. Avaliar somente ao final não garante aprendizagem contínua e não oportuniza
avanços. Neste caso, ao contrário, a avaliação só chega a tempo para classificar e excluir. Para que a
avaliação esteja a serviço da aprendizagem, Álvarez Mendez ressalta que esta ―será sempre e em
qualquer hipótese avaliação formativa, motivadora, orientadora. A intenção sancionadora fica longe
dessa avaliação. (ÁLVAREZ MENDEZ, 2002, grifo nosso)‖
As tendências atuais são marcadas pela busca por uma avaliação educativa que se volta para
a compreensão e aprendizagem, e não para a classificação. A preocupação centra-se na forma como
o educando aprende e pela qualidade do que se aprende. As formas mais tradicionais separaram
cada parte, e isto fez com que o ensino se afastasse da aprendizagem com papéis distintos e
isolados, incomunicáveis sendo que são duas partes de um mesmo processo que deveriam
permancer unidos, pois somente no conjunto adquirem sentido.
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Não se pode olvidar que avaliação é uma atividade prática, que tem como função principal
o desenvolvimento integral do ser humano, por isso carece ser justa e ética, como bem nota Álvarez
Méndez (2002), mas é também uma ação reflexiva, como também pontua o referido autor. Quando
se fala sobre justiça e ética, tem-se em vista que avaliar deve, em certa medida, cumprir um fim
social. Sabe-se que a escola, alunos e professores têm visão diferente da avaliação. O professor
muitas vezes a vê como uma punição para aqueles alunos que no decorrer das aulas foram
indiferentes ou indisciplinados, o aluno a vê como promoção, e a escola como resultado do
produto. Visões distintas de pessoas distintas, mas que estão intrinsecamente ligados, visto que, a
ação e sujeitos são os mesmos, apenas os objetivos se diferem. É preciso buscar coerência entre
sujeito e ação nesse caso, é preciso mudar essa relação para que haja entre os envolvidos uma
mesma clareza do que se deseja alcançar.
O sistema não demonstra interesse para que este quadro mude, e isso se revela no baixo
investimento na educação, tanto do ponto de vista financeiro quanto do pedagógico, visto que, a
aprendizagem do educando não é o interesse real, há uma preocupação muito maior com o
produto, e não com o processo. O processo é o que nos motiva, os meios que utilizamos para
chegar à obtenção do melhor resultado por parte dos sujeitos envolvidos, neste caso, alunos e
professores. Produto é o resultado final, e na escola, nos moldes como a conhecemos hoje, talvez
ele seja suficiente. Quando se investe apenas no produto qualquer resultado alcançado é bom, visto
que se pressupõe que aquilo é tudo que o aluno teria para dar, é seu máximo, então, dá-se por
encerrado o processo. Porém quando há investimento no processo, a avaliação se caracterizará por
satisfatório e não satisfatório, e se ocorrer a segunda opção, medidas serão tomadas até que esse
resultado efetivamente se torne satisfatório.
O problema acerca da avaliação é histórico
No tocante à avaliação da aprendizagem temos estado de mãos atadas por anos de história
que nos aprisionam. Cinco séculos é um período bem longo, são costumes arraigados e
constantemente reinventados para que se perpetuem. Não se consegue de uma hora para outra,
como se fosse mágica, abandonar padrões de conduta, romper com uma prática na qual circulamos
com segurança e conhecimento de causa. Não é fácil abrir mão disso, é mais cômodo. Para mudar
isso, o que se pode fazer é superar o passado, incorporar uma nova visão, reinventar o presente.
Aprendemos com a pedagogia de exames que é preciso efetivamente acompanhar o
desenvolvimento cognitivo dos educandos, isso é fato; o que não serve mais é a prática de como se
dava esse processo examinatório, pois é excludente. Nesse sentido Luckesi afirma que
não se pode negar o passado, o que se pode fazer é superá-lo, incorporando o que ele ofereceu
para a história. A configuração histórica do modo de agir com os exames tornou-se resistente a
mudanças, pois que ela oferece um modo confortável de ser, garantindo ao educador poder de
controle sobre os educandos. (LUCKESI, 2011, p. 69)
Não se pode falar sobre avaliação da aprendizagem sem se falar de avaliação do ensino. A
primeira trata sobre avaliar o aluno, a segunda, sobre avaliar a ação docente, pois o resultado de um
educando não pode vir separado do trabalho de seu educador. São relações complementares, isto é,
não há como eximir a prática do professor dos resultados obtidos. Um professor empenhado,
qualificado, autoavaliador de sua prática, que tenha seus alunos como aliados no processo com
certeza buscará que sua clientela alcance os melhores resultados possíveis. O que se pretende
ressaltar é a importância de coerência e ética por parte do docente, uma parceria entre os sujeitos
desse processo, para que ambos invistam em um mesmo objetivo: o sucesso da aprendizagem. A
escola, nesse caso, apenas colheria os frutos dessa parceria, onde não há rivalidade nem punições.
Coloca-se então professor e aluno como agentes diretos, inter-relacionados, um dependendo do
outro, um ajudando o outro, sujeitos da ação de avaliar.
Assim sendo, cabe então perguntar: que é mesmo o ato de avaliar? Poderíamos dizer que
ele é uma forma de subsidiar a aprendizagem satisfatória do educando através de seu
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acompanhamento rigoroso tendo em vista o seu desenvolvimento. Na avaliação não se classifica, se
diagnostica o desempenho, o que consequentemente implica em decisões a favor da melhoria da
aprendizagem e, por isso mesmo, do desenvolvimento do educando. Avaliar significa identificar
impasses e buscar soluções, nada mais que isso. Implica estar com os olhos voltados para a solução
dos problemas detectados.
Segundo Perrenoud, ―em todo o mundo, os sistemas escolares estão engajados em uma
mudança de perspectivas que os conduz a substituir os modelos tradicionais de gestão, autoritários
e centralizadores, por outros modelos mais participativos‖ (2002, p. 61). A avaliação está a serviço
da aprendizagem, e não o contrário. Essa é a avaliação que considera muito mais o valor agregado
do que o valor atribuído arbitrariamente.
Considerações Finais
Este artigo tratou sobre o conceito de avaliação da aprendizagem escolar. Para tal,
realizamos um percurso teórico-reflexivo sobre tal noção pautando-se em autores que
problematizam a questão, tais como Hadji (2008), Álvarez Méndez (2002), Luckesi (2011) e
Perrenoud (2002).
Apesar de serem termos semanticamente parecidos, percebe-se que avaliar é bem diferente
de examinar. Avaliar significa ponto de partida e não chegada. O conceito de avaliação não implica
punição nem tampouco finalização. Ao contrário, avaliação requer tempo, dedicação, objetivos
claramente definidos. Avalia-se para ensinar, não para dar por encerrado o processo.
Portanto, compreendemos, pela nossa experiência discente e docente, que ainda estamos
um tanto quanto distantes dessa perspectiva... Muitas questões precisarão ser revistas. Portanto, em
linhas gerais, alertamos acerca da necessidade de mudança da prática avaliativa no contexto escolar.
REFERÊNCIAS
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Schwartzhaupt Chaves. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002. 133 p.
PERRENOUD, Philippe; THURLER, Mônica Gather. As competências para ensinar no século
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SEVERINO, Joaquim Severino. Metodologia do trabalho científico. 23. Ed. São Paulo: Cortez
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Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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A PEDAGOGIA POLÍTICO - SOCIAL DE MAKARENKO
Elias Gomes da Silva15
UMESP/CAPES
Resumo
O artigo pretende descrever e analisar o pensamento pedagógico do educador ucraniano Anton S.
Makarenko, na perspectiva de uma ação educativa de caráter político e social. Nesse sentido o
autor, defende uma práxis educativa onde o principal objetivo é o de formar personalidades
autônomas, e criar pessoas conscientes de seu papel político e social, culminando na construção e
no fortalecimento de cidadãos que sejam ao menos capazes de se tornarem trabalhadores
preocupados com o bem-estar do grupo, ou seja, solidários e participativos. Nesse sentido é
possível selecionar aportes teóricos para uma construção pedagógica tendo como diferencial a
participação efetiva do aluno.
Palavras Chaves: Pedagogia, Política, Makarenko.
Abstract
The paper aims to describe and analyze the thinking of educators teaching Ukrainian S. Anton
Makarenko, from the perspective of an educational political and social character. In this sense the
author advocates an educational praxis where the main objective is to form autonomous
personalities and create people aware of their social and political role, culminating in the
construction and strengthening of citizens who are at least capable of becoming preoccupied with
workers the welfare of the group, ise, supportive and participatory. In this sense it is possible to
select a theoretical framework for pedagogical construction having a differential effective
participation student.
Keywords: Pedagogy, Politics, Makarenko.
Introdução
Este estudo pretende descrever e analisar o pensamento pedagógico do educador ucraniano
Anton S. Makarenko (1888-1939), na perspectiva de uma ação educativa de caráter político e social.
É justamente sobre esse aspecto que a influência desse autor possui para História da educação
dimensões significativas e originais. A proposta pedagógica do autor é entendida como uma postura
de trabalho, onde em última instância, o que predomina é a evidência de uma prática educativa que
não se restringe a ser uma mera concepção idealista que supostamente se proporia a resolver todos
os problemas da educação a partir de uma definição generalista e ―ideal de homem‖. O que também
por outro lado, não se tornou uma mera proposta funcionalista que simplesmente procura criar
―moldes prontos‖ de acordo com as eventuais demandas e necessidades impostas pela sociedade
vigente.
Makarenko defende uma práxis educativa onde o principal objetivo é o de formar
personalidades autônomas, e criar pessoas conscientes de seu papel político e social, culminando na
construção e no fortalecimento de cidadãos que sejam ao menos capazes de se tornarem
trabalhadores preocupados com o bem-estar do grupo, ou seja, solidários e participativos
(BENCINI, 2003, p.4). Educar em Makarenko é ter a percepção de que a escola não deve
reproduzir dentro de seu espaço educativo as desigualdades que já lhe são inerente por motivos
diversos. Nele, o ambiente educacional deve procurar aplacar e minimizar os descompassos
econômico-culturais, presente entre as camadas sociais.
15É
professor de Filosofia na rede pública de São Paulo, possui especialização nas áreas de Teologia e
Filosofia. Mestrado pela Universidade Metodista de São Paulo - UMESP/CAPES – Na área de Ciência da
Religião. Endereço Eletrônico: [email protected]
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Dito isso, tanto para historiografia como para filosofia da educação a teoria pedagógica de
Makarenko é lembrada como original e importante. Seu trabalho educativo e suas reflexões
pedagógicas estão entre as produções mais lembradas da primeira metade do século XX. Seus
tradicionais poemas sobre educação são apontados como sendo detentor de uma fecundidade
ímpar e plural. Os desdobramentos no entorno deles são freqüentemente retomados e discutidos na
maior parte dos cursos de licenciaturas e formação continuada no Brasil e mundo. Haja vista, o fato
do mesmo ter elaborado seu pensamento a partir de seus próprios desafios e dificuldades ajudaram
e muito, na consolidação desse legado.
Franco Cambi (1999), afirma que a obra de Makarenko proporcionou a construção do
coletivo no ambiente escolar (CAMBI, 1999, p. 561). Em Makarenko, o coletivo é um organismo
social vivo colocado, ao mesmo tempo, como fim e meio da educação (CAMBI, 1999, p.560). O
trabalho pedagógico produtivo nasce na consciência própria do coletivo, de estar inserido no
desenvolvimento da sociedade, da qual deve participar ativamente (CAMBI, 1999, p. 561). O valor
agregado ao coletivo aparece como uma espécie de resignação do próprio trabalho do
educador.Pensar a escola como instrumento de coletividade é consideradoinclusive uma das
importantes reivindicações operadas por Makarenko (LUEDENANN, 2002, p.24). As explicitações
desses pressupostos epistemológicos estão condicionadas não só a questão da vinculação de uma
herança marxista-pedagógica operacionadas em território russo, bem como também, as resposta
que o próprio autor deu a essas interrogações a partir de sua própria práxis pedagógica.
Feito esses apontamentos preliminares, o artigo terá as seguintes divisões: No primeiro
momento, descreveremos sobre a função política da prática educativa. A idéia é analisar o paradoxo
existente na temática demonstrando a tensão entre o público e o privado, e como a mesma é
pensada na obra de Makarenko. Na segunda e última parte, nos deteremos em analisar, de forma
mais abrangente, a contribuição do autor para gestão educacional, a partir de seu conceito de
autogestão, a saber: com é possível a partir da práxis e das reflexões propostas por Makarenko,
selecionar aportes teóricos para o um possível estabelecimento de uma pedagogia de caráter político
e social tendo como diferencial a participação efetiva dos alunos.
A função política da prática educativa: (in) tensões entre o público e o privado
O papel político do profissional da educação deve estar inserido na própria identidade do
mesmo, o que na prática nem sempre é fato. A ação educacional quando exercida a partir de uma
consciência política e social proporciona à sociedade certo avanço. A formulação de um processo
educativo que garanta ao educando melhores condições de atuar em sociedade é um dos aspectos
fundamentais da reflexão aqui construída, ou seja, é necessário estabelecer princípios de uma
educação que prima pelo livre desenvolvimento do indivíduo, através de um processo que deve
conduzí-lo a um aperfeiçoamento de todas as suas potencialidades a fim de formá-lo para o
exercício da liberdade e da autonomia, elementos que proporcionarão uma atuação efetiva no que
se refere à organização política da sociedade. De maneira mais direta, reconhece-se que:
A educação não simplesmente permite que o indivíduo aprenda a ler e a escrever, mas propicia
também a formação de um pensamento crítico e reflexivo e o entendimento de que cada
indivíduo influi na sociedade, ou seja, o entendimento de que cada indivíduo é indissociável da
coletividade, daí a necessidade de buscar-se agir de maneira que se obtenha o bem coletivo
(ANDRADE E PALAFOX, 2006, p. 146).
Por esta razão, Makarenko propõe uma educação não preocupada apenas em desenvolver o
aspecto individual, mas, sobretudo, o aspecto coletivo, uma vez que o homem deve ser educado
para agir em meio à sociedade, aprendendo a conviver com os demais, sobretudo priorizando o
interesse comum frente aos interesses particulares. A rigor, para o autor: [...] quanto mais amplo é o
coletivo, tanto mais belo e elevado é ohomem (MAKARENKO, 1986, p.178), visto que no geral, de
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maneira dialética em sua percepção, as perspectivas que aparecem ao coletivo possuem
correspondência com as perspectivas pessoais (MAKARENKO, l986, p.178).
Paradoxalmente, o processo educativo deve equilibrar as tensões e as intenções entre a
individualidade e a sociedade, entre privado e o público, posto que Makarenko propunha uma
práxis educativa que seja capaz de inserir,deforma simultânea, o homem no mundo da cultura,
permitindo que o mesmo siga as orientações estabelecidas pela sua própria individualidade. O
paradoxo da educação de Makarenko torna-se a pedra de toque para o entendimento ou não de
uma interpretação que visualiza uma educação política.
Andrade e Palafox (2006), sobre esse ponto afirmam:
Makarenko, ao enfatizar a importância da coletividade no processo educacional, coletividade
que não inclui somente os funcionários da escola como também todos os indivíduos que
influenciam direta ou indiretamente o processo educacional, incluindo aí a família, afirma
anecessidade de contribuir para a formação de um ambiente familiar baseado no afeto e na
solidariedade propicia para o bem-estar e para o desenvolvimento da criança e do adolescente
como humano, reconhecendo a importância do relacionamento entre os diferentes membros
da sociedade na qual está inserido. (ANDRADE E PALAFOX, 2006, p. 146-145).
Por outro lado, a tensão se estabelece, sobretudo, na medida em que para manter essa
suposta ―coletividade educativa‖ o método utilizado por Makarenko foi disciplina. Em 1937, dois
anos antes de sua morte prematura, Makarenko escreveu oito Conferências sobre Educação Infantil. A
terceira delas intitula-se Disciplina. Para o autor, para ser compreendido o conceito de disciplina
deve ser associado aos seguintes termos: (1) Como conjunto de regras, (2) Como costume de um povo, (3)
Como princípios de obediência (MAKARENKO, 1981, p. 37-38). Ainda sobre a questão da disciplina,
nas palavras de Makarenko temos:
[...] é necessário zelar pela disciplina nas salas de aula durante as aulas e nos intervalos, pela
ordem geral e limpeza das salas de aula, pela conservação de todos os bens [...] Quando o
professor exige o chefe de turma expulsa da sala o aluno que tenha violado a disciplina. Essa é
a organização que domina na escola durante a atividade docente. Fora da escola – na vida
diária e na produção – o chefe de turma subordina-se ao chefe de destacamento onde ele esta
integrado. O sistema complexo da dependência coletiva forma a capacidade de mandar e
obedecer (MAKARENKO, 2010, p. 58).
Por causa dessa postura, ainda em exercício, apesar de suas conquistas, Makarenko recebia
pesadas críticas de pedagogos e do Departamento de Educação do seu país que consideravam suas
normas de disciplina rígidas demais e também por ele não seguir as orientações pedagógicas
estabelecidas (PRADO, 2008, p. 1). Assim, percebendo que essa indisposição contra ele já estava
prejudicando seus colonos ele pediu demissão do cargo de diretor da Colônia Gorki, passando a se
dedicar a colônia Dzerzhinsky onde teve seu trabalho reconhecido (PRADO, 2008, p.1).
Levando sempre em consideração o contexto específico do autor16,advogamos a idéiade
que as críticas feitas a Makarenko não faz jus à dialética composta em suas reflexões, ou seja, a
disciplina, para ele, não era entendida como coerção ou imposição de normas rígidas de conduta,
mas como a priorização do coletivo em detrimento do individual, tendo em vista que seu trabalho
pedagógico está sendo realizado em uma colônia.
Do ponto de vista contextual, Makarenko se encontrava em uma sociedade onde imperava os ditames de
um governo comunista. A chamada revolução bolchevique (1917), protagonizada pela classe operaria russa
estabeleceu no território ucraniano uma nova filosofia política cuja principal fundamentação foi desenvolver
uma ação educacional de caráter socialista. De acordo com Cambi (1999), neste momento histórico Lenin
ocupa o governo do país e busca estabelecer uma estratégia revolucionária, dando ênfase às novas
características que deveriam compor a educação comunista. Defende assim uma relação muito próxima entre
escola e política. Tenta estabelecer na Rússia a educação politécnica, que una instrução e trabalho produtivo,
partindo de pressupostos marxistas (CAMBI, l999, p.558).
16
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Filonov (2010) advoga que, erroneamente, certos especialistas têm uma visão limitada da
concepção de coletividade educativa makarenkiana, restringindo e colocando a ênfase unicamente
na importância das relações entre alunos (FILONOV, 2010, p. 19). É verdade que Makarenko
admitia a possibilidade de relações intracomunitária no processo de formação da personalidade dos
alunos, todavia, [...] estas relações eram, para ele, indissociáveis ao seu desenvolvimento (FILONOV, 2010, p.
19).
A ―coletividade educativa‖ em Makarenko (fugindo do senso comum) não deve ser
compreendida como a simples adesão a qualquer tipo coletivo, mas de um coletivo, sobretudo
público, e que seja harmonioso, pois para o autor somente dentro de um coletivo harmonioso e
feliz seria possível frutificar uma ética que fosse socialmente saudável (MAKARENKO, 2010,
p.76). É interessantelembrar que para Makarenko o coletivo possui o status de princípio educativo,
o que deve levar os educadores, no exercício de suas funções,proporcionar e permitir a fecundação
de um ambiente assim.
Autogestão ou “auto-organização”: perspectivas para uma administração escolarcom a
participação de alunos
A obra de Makarenko é importante não apenas no que diz respeito às suas reflexões e
concepções originais sobre o trabalho docente a partir de uma perspectiva coletiva cujo
fundamento ocorre através de uma postura disciplinar, mas também concernente a algumas de suas
contribuições sobre gestão educacional.
No tocante à gestão educacional, por exemplo,Anton Makarenko propôso conceito e
estabeleceu de fato, a chamada autogestão (MAKARENKO, 2010, p.54).Por autogestão, entendase o projeto educativo onde a administração da escola é gerida não somente pelos seus oficiais
(docentes e funcionários), mas preferencialmente também, com a participação dos membros do
grupo, ou seja, o próprio educando, ou como ele chamava a juventude comunista (MAKARENKO,
2010, p. 55). Grosso modo, o cotidiano da colônia, com seus problemas e soluções, foi-se
constituindo na base para construção coletiva de normas disciplinares e aperfeiçoamento de uma
gestão coletiva. Sobreesse aspecto, Ruiz (2008), situa bem dizendo:
Nesta perspectiva, entende-se que a escola precisa buscar outras formas de reunir a
coletividade, além daquelas já pensadas. Se uma escola realmente acredita que a educação da
coletividade deve ter prioridade à educação do indivíduo, esta precisa internamente, dentro de
suas possibilidades concretas, pensar como organizar este tipo de trabalho. Não porque a
gestão democrática é prevista por lei, não porque esta lei prevê a organização de conselhos
escolares, mas sim porque é o desejo da coletividade da escola, se assim for (RUIZ, 2008, p.
233).
Makarenko (2010) determinou a participação e envolvimento de todos os alunos através de
equipes e destacamentos,criadas para levar a bom termo tal ou qual tarefa concreta de interesse
comum (FILONOV, 2010, p. 24).A título de exemplo, há um trecho em que Makarenko descreve o
processo, sobretudo na maneira como de fato era realizado:
[...] Entre os educando que fazem parte de um destacamento elege-se um para ajunte de chefe
do destacamento. Também se elege outro membro que será o responsável pela organização do
esporte. Estas candidaturas são proposta por todo o destacamento, ou o chefe as apresenta
pessoalmente e são depois ratificadas pelo dirigente pedagógico da instituição e pelo Conselho
de chefes de destacamentos. Em cada destacamento deve haver um organizador da Juventude
Comunista (MAKARENKO, 2010, p. 56-57).
O processo de ―auto-organização‖ e autogestão dos alunos apontadospor Makarenko
demonstra que deve existir uma centralização na escola, como importante meio de socialização e
consciência política. A escola deve se colocar a serviço da transformação. Ele diz: Ao mudarem o meio
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de relações entre os homens [...] muda também suas representações, suas opiniões e sua idéias, em suma sua
consciência [...] (MAKARENKO, 2005, p. 651). Educar para ele é processo de socialização a través
do trabalho prático em função de uma vida comunitária.
Haja vista que o projeto de Makarenko teve a preocupação de fazer com que as crianças e
os adultos tivessem o compromisso de se formarem comocidadãospara o mundo (BUENO E
NETO, 2008, p.8).Como educadorque está disposto a construira sua teoria a partir de uma práxis, o
mesmo defende uma educação ativa cujoobjetivo está em fazer de cada indivíduo um membro ativo
de seu tempo e para sua sociedade (BUENO E NETO, 2008, p.8).
A prática docente de Makarenko remete a construção de uma postura pedagógica que não
se restringe a desenvolver a penas o trabalho lúdico e cognitivo mais,sobretudo, o prático e
produtivo, com a finalidade de formar homens conscientes e homens de ação (BUENO E NETO,
2008, p. 10). A educação é um processo de tomada de consciência de si próprio e do meio que os
rodeia (BUENO E NETO, 2008, p. 10).Também fator determinante, nas reflexões de Makarenko,
foi que em todo esse processo gestor, não há diferenciação entre o coletivo dos professores e o
coletivo dos alunos, ou seja, estas instâncias não devem ser consideradas diferentes, trata-se de um
único e mesmo coletivo pedagógico (BUENO E NETO, 2008, p. 11).
Assim, sublinhando a importância de sua contribuição a uma série de problemas
pedagógicos, é preciso notar que um dos principais aspectosa ser lembrado foi o fato de Makarenko
reconhecer a unidade orgânica entre a teoria e prática, o que faz com que suas reflexões joguem luz
sobre muitos problemas teóricos e práticos importantes. Contudo, seria mais pertinente para essa
finalidade a necessidade de aprofundar os ensinamentos do autor, a rigor, sobretudo, no Brasil a
obra de Makarenko ainda não foi cientificamente estudada na sua totalidade.
Conclusão
Concluímos que segundo se pretende na interpretação makarenkiana, a escola não deve ser
pensada como espaço onde as relações de poder são marcadas pela heteronomia e pelo
autoritarismo, explícito ou implícito que caracterizam a maior parte das relações sociais, políticas e
econômicas entre sujeitos. É instigante perceber que mesmo mantendo-se atualizado da produção
científica em termo de educação, para o educador ucraniano, as teorias pedagógicas não devem ser
compreendidas como ilhas estanques, mas devem ser situadas no seu lócus histórico e concreto na qual
foi produzida.17No entender de Makarenko, a prática docente não é um tarefa a ser realizada a
partir de um sistema teórico pré-determinado, pelo contrário, o autor nos convida a forjar as nossas
teorias no labor diário, ou seja, na práxis.
Os pressupostosencontrados no entorno dos conceitos de ―coletividade educativa‖, de
―auto-organização‖ ou autogestão de alunos, são determinantes para consolidar a herança de
Makarenko para filosofia e fundamentos da educação. Acreditamos que a análises históricas e
epistemológicas da obra Makarenko demonstram, mais uma vez, que a escola é uma instituição
política social responsável pela educação, contudo, não tem cumprido o seu papel mediante as
transformações econômicas, políticas, sociais e culturais no mundo contemporâneo.
Nesse sentido, esta pesquisa de natureza embrionária e introdutória teve como finalidade
destacar as principais contribuições de Makarenko para construção de prática docente que
reconhece a importância da função da escola e do professor como formadores do cidadão. Isto é,
embora seja notório que o presente estudo possui latentes limitações, e não teve a intenção de
apresentar em minúcias a experiência educativa do autor, nossa intenção foi apenas a de contribuir
17Júnior
(2008) defende ainda que possível perceber que relativamente às idéias da escola nova, Makarenko foi
um grande crítico de seus ideais. Para ele o princípio segundo o qual a educação deve se organizar em torno
do interesse da criança não é mais que um grande equívoco. O mais importante, sempre, é o interesse da
coletividade, e não do indivíduo. (JÚNIOR, 2008, p.110).
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para uma proposta de se repensar a nossa prática docente hodierna a luz de um pensamento tão
brilhante como foi o de Makarenko.
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JÚNIOR, F. B. Pistrak e Makarenko: pedagogia social e educação do trabalho.2008. 170f. Dissertação
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Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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AFETIVIDADE PELA ÓTICA DE HENRI WALLON – CONTRIBUIÇÕES NA
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES
Fernanda Cruz de Araújo
Acadêmica do curso de Licenciatura em Biologia
UFT – Universidade Federal do Tocantins –Campus Araguaína
Wagner dos Santos Mariano
Doutorando em Biodiversidade e Conservação
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) REDE BIONORTE
Professor do curso de Licenciatura em Biologia
Universidade Federal do Tocantins – UFT Campus Araguaína
Resumo
O presente trabalho debruça-se sobre o que foi publicado sobre o tema afetividade e formação de
professores e a baia destas discussões nos levam a Henri Wallon. Trata-se de revisão literária que
objetiva-se analisar o conceito de afetividade proposto pelo teórico Henri Wallon trazendo suas
contribuições para a formação inicial de professores. No processo de análise, partiu-se
primeiramente, da biografia do autor, concepção de afetividade, difundida numa perspectiva
psicogenética. Posteriormente, tratamos sobre a relação afetividade professor-aluno, destacamos a
importância do processo de ensino-aprendizagem, a valorização do professor no ponto de vista do
teórico em estudo. A teoria walloniana demonstra as especificidades e características do
desenvolvimento infantil, que possibilita construir um estudo sistemático dos elementos que
norteiam o processo de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: Teoria Walloniana; Docência; Ensino-Aprendizagem
AFFECTIVITY THROUGH THE VIEW OF HENRI WALLON - CONTRIBUTIONS
IN THE INITIAL TEACHER TRAINING
Abstract
This paper focuses on what was published about the theme affectivity and teacher training, hence
the discussions lead us to Henri Wallon. This literature review aims to analyze the concept of
affectivity proposed by Henri Wallon bringing his contributions to the initial teacher training. In the
analysis process, the starting point was the author's biography, conception of affection, diffused in a
psychogenetic perspective. Afterwards, we worked with the teacher-student affection relationship,
highlightining the importance of the teaching-learning process, and the appreciation of teachers in
the author's point of view. The Wallonian theory demonstrates the specificities and characteristics
of child development, which enables to build a systematic study of the elements that guide the
teaching-learning process.
Keywords: Wallonian Theory; Teaching; Teaching-learning
Introdução
Promover conhecimentos, informações e sugestões que possam apontar caminhos
necessários à compreensão das ideias desenvolvidas pelos discentes, é papel da educação. A escola
precisa fazer diferença na vida de seus alunos, fazendo com que aprendam progressivamente, o que
significa a convivência escolar perante a realidade do educando (NEIDE MOY, 2009; FREIRE,
1996). Educar não significa apenas repassar informações ou mostrar um caminho a trilhar, que o
professor julga ser o certo. Educar é ajudar o educando a tomar consciência de si mesmo, dos
outros e da sociedade em que vive, bem como de seu papel dentro dela. (DE PAULA & FARIA,
2010).
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Wallon, estudioso francês com formação em medicina e filosofia (na época não havia curso
autônomo de psicologia e a formação do psicólogo vinculava-se ao curso de filosofia), dedicou
grande parte de sua vida ao estudo das emoções e da afetividade. Identificou as primeiras
manifestações afetivas do ser humano, suas características e a grande complexidade que sofrem no
decorrer do desenvolvimento, assim como suas múltiplas relações com outras atividades psíquicas.
Afirma que a afetividade desempenha um papel fundamental na constituição e funcionamento da
inteligência, determinando os interesses e necessidades individuais (TASSONI, 2000).
A função do professor, o papel da escola é a de ajudar o estudante a desenvolver
competências e habilidades necessárias para a sua formação integral e a ideia de pesquisar sobre a
contribuição de Henri Wallon para a educação surgiu durante a disciplina de Didática e Atuação
Profissional ministrada ao 4º período do curso de Licenciatura em Biologia, a qual se fundamentou
basicamente na proposta de revisar a contribuição dos diversos teóricos que norteiam pesquisas e
métodos atuais dentro do âmbito educacional. Com base no exposto o presente trabalho apresentase contribuições de Wallon para a educação contemporânea e principalmente para os professores
em formação, sendo este teórico um dos principais contribuintes do tema afetividade e promoção
ensino e aprendizagem.
Breve relato da biografia de Henri Wallon
Nascido em Paris18, em 1987, numa família da grande burguesia do norte da frança, Henri
Wallon cresceu com 6 irmãos e irmãs. Licenciou-se em filosofia no ano de 1902. Atuou como
docente por um ano (Liceu de Bar-le-Duc) depois decidiu iniciar seus estudos em medicina, onde se
especializaria em psiquiatria e as bases da psicologia. Dedicou-se alguns anos em psiquiatria infantil
nos diferentes serviços hospitalares, com um interesse marcado pelas anomalias motoras e mentais
da criança, sobre as quais se dedica de 1908 a 1914, com numerosas observações. Publica o livro
L’enfant turbulent fruto da reescrita da sua tese de doutorado (1925) abordando os ―estados e
problemas do desenvolvimento motor e mental da infância‖. Desde 1919, portanto, a ênfase de seu
interesse, bastante excepcional para a época, pela psicologia da infância, lhe fará ser chamado para
ministrar na Sorbonne uma série de conferências sobre o assunto (ALFANDÉRY, 2010).
ALFANDÉRY (traduzido por JUNQUEIRA, 2010) comenta que em 1922, auxiliado por
alguns professores primários, ergue um pequeno laboratório numa escola no subúrbio parisiense de
Boulogne-Billancourt, que será um lugar de ensino de pesquisa. Em vários de seus trabalhos de
laboratório oferece consultas a estudantes que apresentam problemas intelectuais ou de caráter e
funda um Centro de Orientação Profissional, um dos primeiros, dirigido a estudantes da periferia
operária de Boulogne-Billancourt. Ele se interessa vivamente pela determinação das atitudes dos
interesses que viriam a se constituir o eixo desta orientação. Graças à notoriedade e ao Henri
Piéron, que ocupava a cadeira de filosofia das sensações, o tema proposto foi acolhido e estudado
no Collége de France de 1937 a 1949, com quatro anos de interrupção, seguido de uma suspensão
pelo governo de Vichy (1941-1944). ―E a observação que permite apontar problemas, mas são os problemas
colocados que tornam a observação possível‖. Este texto inicial define as grandes linhas de um ensino que
virão ilustrar, alguns anos mais tarde, três obras maiores: A evolução psicológica da criança (1941); Do ato
ao Pensamento (1942); As origens do pensamento na criança (1945) (ALFANDÉRY, 2010, p.13-15).
Sua vida foi caracterizada por intensa produção intelectual e ativa participação nos
acontecimentos que marcaram sua época. Sua obra nos apresenta o perfil de um homem que
Biografia de Henri Wallon, publicado em: ALFANDÉRY; G. H. Henri Wallon. Tradução: Patrícia
Junqueira. Org. DIAS; E. T. D. M. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2010. 134p.
(Coleção Educadores).
GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil/Petrópolis, RJ; Vozes,
1995. (Educação e conhecimento).
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buscou “integrar a atividade científica à ação social, numa atitude de coerência e engajamento” como a própria
autora postula. Passou pela filosofia antes de chegar à psicologia e medicina, numa trajetória que
trouxe indicadores para a formulação de sua teoria. Ao longo de sua carreira foi cada vez mais
explícita a aproximação com a educação. Henri Wallon morreu 1962 em Paris onde viveu toda sua
vida (GALVÃO, 1995).
Apropriando-nos dos conceitos de afetividade e caminhos metodológicos utilizados
Para Pimenta (2002) ―A disciplina Didática, em suas origens, foi identificada a uma perspectiva
normativa e prescritiva de métodos e técnicas de ensinar, que permanecem arraigadas no imaginário dos professores
ainda hoje‖. Durante a disciplina foram feitas reflexões sobre a Evolução da didática, do processo
histórico-educacional, ampliando conhecimentos e compreensão a cerca dos métodos, execução e
efetividade das práticas educativas atuais, a fim de desenvolver capacidades e habilidades para
futuros atuantes como mediadores do conhecimento. Pensando nisso surgiu à questão: A
afetividade pode influenciar diretamente no processo ensino-aprendizagem? Levando em
consideração esse processo, surgiram alguns questionamentos como: a) Quais as contribuições que
Wallon trouxe para o desenvolvimento cognitivo no processo de desenvolvimento humano? b)
Como a afetividade influência no processo cognitivo? c) De que forma a escola pode atuar nessa
linha psicopedagógica? d) como os conceitos de Wallon podem ajudar na formação inicial de
professores?
Para responder tais questionamentos, propomo-nos analisar as considerações postuladas
por Wallon e por pesquisadores e estudiosos da teoria walloniana, suas contribuições para o campo
educacional, abordando o processo de cognição e afetividade sempre com olhar de professores em
formação, que somos. A metodologia utilizada fundamentou-se na revisão de literatura da teoria de
Henri Wallon e de autores que compartilham desse referencial, feita através de livros e artigos
publicados em periódicos científicos, dos quais se destacam: Almeida (1999), Galvão (2008) e
Morales (2006), Dourado (2010), Neide Moy (2009). Para assim entender desde o principio a
interação do autor com a temática.
Afetividade, processo ensino-aprendizagem e a psicogênese
A relação que caracteriza o ensinar e o aprender transcorrem a partir de vínculos entre as
pessoas e inicia-se no âmbito familiar. A base desta relação vincular é afetiva, pois é através de uma
forma de comunicação emocional que o bebê mobiliza o adulto, garantindo assim os cuidados que
necessita. Portanto, é o vínculo afetivo estabelecido entre o adulto e a criança que sustenta a etapa
inicial do processo de aprendizagem. Seu status é fundamental nos primeiros meses de vida,
determinando a sobrevivência. Da mesma forma, é a partir da relação com o outro, através do
vínculo afetivo que, nos anos iniciais, a criança vai tendo acesso ao mundo simbólico e, assim,
conquistando avanços significativos no âmbito cognitivo (WALLON, 2008).
Entende-se por afetividade o estado de ânimo ou humor, os sentimentos, as emoções e as
paixões e reflete sempre a habilidade de experimentar sentimentos e emoções. A afetividade é que
gera a atitude geral da pessoa diante de qualquer experiência vivencial, provoca os impulsos
motivadores e inibidores, percebe os fatos de maneira agradável ou sofrível, confere uma disposição
individual ou entusiasmada e determina sentimentos que oscilam entre dois pólos: a depressão e a
euforia. Direta ou indiretamente a afetividade exerce profunda influência sobre o pensamento e
sobre a conduta do indivíduo. O estado psíquico com que a pessoa se apresenta e vive reflete a sua
afetividade. Os filtros da afetividade fazem com que o sol seja percebido com maior ou menor
brilho, que a vida tenha perspectivas otimistas ou pessimistas, que o passado seja revivido como um
fardo pesado ou simplesmente, relembrado com suavidade. Interfere assim na realidade percebida
por cada um de nós, na representação que cada pessoa tem do mundo, do seu mundo (NEIDE
MOY, 2009).
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Portanto Dantas (1992, p.85 apud DOURADO 2010) afirma que: “a raiva, a alegria, o medo, a
tristeza e os sentimentos mais profundos ganham função relevantes na relação da criança com o meio‖.
O processo de ensino-aprendizagem é o recurso fundamental do professor, assim sua
compreensão, e o papel da afetividade nesse processo, é um alimento importante para aumentar a
sua eficácia, bem como para a formação de professores. Sobretudo, o desafio grandioso do
professor que teve uma formação no qual sua integração não foi levada em conta é enxergar seu
aluno em sua totalidade e concretude (ALMEIDA E MABONEY, 2005).
Conforme Almeida e Maboney (2005) a teoria psicogenética de Wallon tem uma relevante
contribuição para a compreensão do processo de desenvolvimento e também contribuições no
processo ensino-aprendizagem. Fornece subsídios para compreender o aluno e o professor e a
interação entre eles, estabelece ainda uma relação fecunda entre a Psicologia e a Educação, embora
não sendo um pedagogo, sua obra está repleta de elementos que permitem elaborar uma proposta
educacional.
Manuchaguian (2001) postula que o projeto de sua psicogenética é o estudo da pessoa
completa, considerada em suas relações com o meio (contextuada) e em seus diversos domínios
(integrada). Contrário ao procedimento de se privilegiar um único aspecto do desenvolvimento da
criança, Wallon o estuda em seus domínios afetivo, cognitivo e motor, procurando mostrar quais
são, nos diferentes momentos do desenvolvimento, os vínculos entre cada um e suas implicações
com o todo representado pela personalidade. Desta opção, resultam quatro temas centrais na sua
teoria: emoção, movimento, inteligência, personalidade.
Conforme mencionado por Dourado (2010) é preciso dar espaço para que a criança
expresse seus próprios sentimentos, sem por isso ser julgada, ajudando a expressá-los de maneira
social aceitável. Não é errado nem feio sentir raiva. O que pode ser reprovado é a expressão
inadequada da raiva, como bater em alguém. É através das diversas interações, escola, família,
professor e aluno, que a criança ampliará suas experiências e as quais contribuirão na construção da
sua personalidade. Neste sentido pode-se dizer que a emoção é essencial ao indivíduo e a
afetividade é o combustível das ações provocadas pelas emoções. Dessa forma cabe ao professor,
como integrante da escola, ter a responsabilidade e o compromisso com o aluno dando apoio para
que este se torne um aluno participativo na escola, na família e na sociedade como um todo, o
aluno precisa ter consciência do seu papel.
Ainda citando Dourado (2010), o afeto entre professor e aluno não pode ser o mesmo que
ocorre na relação entre pais e filhos, a qual por adquire o peso do envolvimento possessivo. Muitas
vezes sentem um pelo outro, o que faz com que não direcione e não organize o aprendizado. O
afeto, nesse aspecto, vai muito além de dar beijinhos, elogiar e acarinhar. Muitas vezes o afeto deve
ser demonstrado de forma diferente, quando o professor é sincero, é justo e chama a atenção de
forma respeitosa, não decepcionando o aluno, valorizando o conhecimento, preparando aulas, entre
outras atitudes. Respeitar os limites dos alunos e encorajá-los também é uma forma de estabelecer
laços afetivos, uma vez que se cria mútua confiança os processos de ensinar e aprender surge, de
forma perene e significativa.
Relação afetividade professor-aluno
Dourado (2010) comenta que muitos professores não sabem lidar com as diferentes
situações emotivas que deparam em sala, assim revela para os alunos um professor vulneráveis e
frágeis cognitivamente. Desse modo o educador deve observar e levar em consideração os estados
emocionais no contexto de sala de aula, pois ausência ou excesso de movimento pode gerar o
surgimento de um estado emocional, seja ruim ou bom. Conhecer as características biológicas,
sociais e porque não dizer psicológicas do aluno é algo importante nesse processo, conforme
descrito abaixo:
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É contra a natureza tratar a criança fragmentariamente. Em cada idade, ela constitui um
conjunto indissociável e original. Na sucessão de suas idades, ela é um único e mesmo ser em
curso de metamorfoses. Feita de contrastes e de conflitos, a sua unidade será por isso ainda
mais susceptível de desenvolvimento e de novidade. (WALLON, 2007, p. 198).
A sala de aula é um espaço onde as emoções se expressam, e a infância é a fase emocional
por excelência. Como em qualquer outro meio social, existem diferenças, conflitos e situações que
provocam os mais variados tipos de emoções. É imprescindível que o docente interaja com os
alunos, buscando descobrir seus motivos e compreendê-los. A interação entre professor-alunos e
alunos-alunos, se dar de forma essencial quando o professor transmite os conteúdos de forma clara
e compreensível, formule perguntas que o aluno possa entender. Bem como perceba a importância
da interação, promova situações de diálogo, aproximação, troca de experiências, construção de elos
de amizade, companheirismo e respeito mútuo. Da mesma forma não se espere total entendimento
entre o professor-aluno e alunos-alunos, afinal a divergência, a contraposição de ideias e também
enriquecedora (DOURADO, 2010).
De acordo com Morales (2006, p.61) ―a conduta do professor influi sobre a motivação, afetividade e
a dedicação do aluno ao aprendizado‖. Pode se dizer que o aluno se vê influenciado por sua percepção
em relação ao professor. O professor deve sempre reforçar a autoconfiança dos alunos, manterem
sempre uma atitude de cordialidade e de respeito.
Para Neide Moy (2009) a afetividade na relação professor-aluno nasce lentamente, porém
de forma significativa ocorrendo mudanças, mediante análise e reflexão da atuação do professor,
levando em consideração o seu conhecimento e a forma de relação estabelecida com o aluno,
contribuindo assim para o processo de amadurecimento racional. Para isto é importante ressaltar
que o professor entenda e compreenda o aluno de maneira integral, nos seus aspectos afetivos,
cognitivos e motores, durante todo seu desenvolvimento. A relação professor-aluno concebe um
esforço a mais na busca da praticidade, afetividade e eficiência no preparo do aluno para a vida,
numa análise do processo ensino-aprendizagem, ultrapassando os limites profissionais, escolares, do
ano letivo. É uma relação que deixa marcas e que deve sempre buscar a afetividade e o diálogo
como forma da construção do conhecimento. Esta interação é um dos eixos fundamentais na
construção do conhecimento. O professor deve ter clareza de sua missão como educador, seu papel
aqui não se restringe a um aplicador de tarefas. Mudar este cenário que se apresenta à educação
requer participação ativa e direta de todos os agentes envolvidos no processo, principalmente do
professor. É necessário que ele conheça seus alunos, que interaja com eles para favorecer uma
aprendizagem eficaz, com uma prática transformadora, que oportunize o crescimento e o
desenvolvimento do aluno em todos os seus aspectos, despertando no aluno uma vontade de
descobrir o inusitado, adquirindo autonomia.
Concordamos com Souza Placco (2003 p. 100) quando o mesmo diz que ambos, cognitivo
e afetivo, têm como base a atividade motora, e o movimento de integração dessas três dominâncias
possível tornam cada vez mais diferenciados, precisos e coordenados os pensamentos, sentimentos,
ideias, articulados em relação às solicitações do meio e às intenções das pessoas. As habilidades de
relacionamento interpessoal e social são como tantas outras, aprendidas e desenvolvidas, na
convivência – e desta aprendizagem nenhum sujeito sai igual: ―mudanças são concebidas, no nível da
consciência, das atitudes, habilidades e valores pessoais, assim como no grau de amplitude de seu conhecimento e do
trato com esse conhecimento, com a cultura, e assim processos identitário se constroem‖. E nesse empreendimento
existem dois mecanismo, a comunicação e a linguagem, ambos podem ser facilitadores ou
obstáculos, na construção dos conhecimentos e dessas habilidades.
Uma escola que tem como alvo o desenvolvimento integral do aluno valoriza a transmissão
do conhecimento, adapta a tarefa de aula às necessidades e interesses dos alunos, apontando-lhes o
valor e a importância da aprendizagem em suas vidas. A escola que oferece um ambiente, de afeto,
compreensão, respeito mútuo e democracia, quer dizer, um lugar onde todos expõem suas
experiências e opiniões, proporciona a participação de todos os envolvidos no processo educativo.
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Esta relação de afeto compõe o desenvolvimento da aprendizagem cognitiva. É fundamental que o
aluno seja orientado para a busca do conhecimento e para a vida (MOY, 2009).
Considerações finais
Na teoria de Wallon se entrelaça a emoção que está presente dentro da afetividade e da
inteligência. Desse modo a emoção passa a ser um fator importante da relação de convivência do
indivíduo que se torna uma expressão própria da afetividade (DOURADO, 2010).
Libâneo (1994, p. 251) nos afirma que ―a característica mais importante da atividade profissional do
professor é a mediação entre aluno e a sociedade‖. Assim, podemos afirmar que a teoria walloniana
demonstra as especificidades e características do desenvolvimento infantil, que possibilita construir
um estudo sistemático dos elementos que norteiam o processo de ensino-aprendizagem.
Na exposição das ideias de Wallon são notórias as múltiplas diretrizes que permitir formar
alunos capazes de receber os subsídios provenientes do meio ambiente, e desenvolver nos mesmos
capacidade de refletir e criar sobre e a partir dos mesmos. Um dos aspectos mais relevantes em
todo o processo ensino-aprendizagem é que o aluno compreenda o quanto o papel do professor é
importante para ele. O discente precisa acreditar em si, no professor, na escola, sentir-se bem no
ambiente escolar, sentir-se aceito, respeitado e como parte fundamental desse processo.
A afetividade é a base da relação professor-aluno é de suma importância para o
desenvolvimento do aluno em todos os âmbitos dentro e fora da escola, formando assim a
personalidade. Cabe ao professor sempre reforçar a autoconfiança dos alunos, manterem sempre
uma atitude de cordialidade e de respeito.
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Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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O USO DA TECNLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) NA
FORMAÇÃO ESCOLAR
Fernando Carlos Alves da Silva
Universidade Estadual de Goiás (UEG)
Resumo
O presente artigo busca relacionar a formação do professor, que precisa de um aperfeiçoamento
contínuo de sua prática docente e se preparar para o uso das diversas ferramentas tecnológicas, e o
uso das Tecnologias da Informação e Comunicação no processo de ensino-aprendizagem. O
objetivo é realizar um paralelo entre formação inicial e contínua do professor e a qualificação para o
pleno domínio no uso das tecnologias da informação e comunicação. Como metodologia foi
realizado levantamento bibliográfico de autores que tratam desta temática, assim como o uso de
dados e informações em portais da internet e órgãos que representam o setor educacional.
Palavras-chave: Educação. Tecnologia. Formação Continuada.
Abstract
Thisarticleseeksto relate theeducationofteachers, whichneed a continuous improvement of their
teaching practice and prepare for the use of various technological tools, andthe use of Information
and Communication Technologies in theteaching-learning process. The objective is a parallel
between initialand continuing teacher education and qualification for fullmastery in the use
ofinformationand communication technologies. The methodology was conducted bibliographic
authors dealing with this subject, as well as the use of data and information in Internet portal
sandbodies representing the educational sector.
Keywords: Education. Tech. Continuing Education.
Introdução
As novas exigências para formação de professores vão além do caráter interdisciplinar, a
sociedade moderna, ou pós-moderna, atribui à profissão de professor o acompanhamento das
transformações da vida cotidiana da sociedade, o acompanhamento das novas técnicas de
aperfeiçoamento profissional. O que se faz inerente a esta profissão é a valorização das novas
tecnologias, desde sua formação, pois ―deve oferecer condições para o professor construir
conhecimento sobre técnicas computacionais e entender por que e como integrar o computador em
sua prática pedagógica‖ (VALENTE, 2003, p.7), que atualmente estão presentes de forma
hegemônicas em toda a formação social do cidadão, por isto a escola de hoje tem este desafio,
caminhar de acordo com sua função social e sem ignorar as mutações sociais e tecnológicas, pois
isto representaria uma disparidade entre a realidade de mundo e realidade escolar.
Sobre a formação do docente de acordo com as demandas contemporâneas da educação, o
seguinte é destacado por Libâneo (2006, p. 11):
Faz-se necessário, também, o intercâmbio entre formação inicial e formação continuada, de
maneira que a formação dos futuros professores se nutra das demandas da prática e que os
professores em exercíciofrequentem a universidade para discussão e análise de problemas
concretos da prática.
Assim, o ponto chave desta questão reside no binômio formação inicial – formação continuada.
E no atual período técnico-cientifico-informacional a formação pressupõe a formação profissional
voltada para as demandas na sociedade contemporânea, ou seja, abrangendo a tecnologia como
ferramenta imprescindível ao trabalho docente. Sobre isso, Freire (1997, p. 98), diz o seguinte:
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Nunca fui ingênuo apreciador da tecnologia: não a divinizo, de um lado, nem a diabolizo, de
outro. Por isso mesmo sempre estive em paz para lidar com ela. Não tenho dúvida nenhuma
do enorme potencial de estímulos e desafios à curiosidade que a tecnologia põe a serviço das
crianças e dos adolescentes das classes sociais chamadas favorecidas.
Assim, as relações tênues entre o uso das novas tecnologias na educação e a base humanista
da formação do cidadão devem caminhar simetricamente, poisa escola ainda é a fonte de formação
formal do cidadão, e mesmo com todas as novas formas de comportamento coletivo, individual,
homogeneização dos hábitos, incorporação de novas culturas, ela ainda representa um espaço
intrínseco as pessoas que ali passam, mesmo que por pouco tempo. Assim, o uso das TIC não pode
sobrepor as relações interpessoais, por isso seu uso deve ser respaldado como ferramenta de
auxílio.
O aspecto norteador deste trabalho é a relação entre educação de qualidade, formação e
valorização dos profissionais da educação, com o uso da Tecnologia da Informação e Comunicação
(TIC). Buscou-se desvendar o que se tem feito para auferir estes anseios?
No embasamento teórico, utilizamos como referencia autores que tratam desta temática, tais como
Valente (2003, 2012), Libâneo (2006), Bettega (2005), Souza e Thobias (2005).
O uso das TIC na educação
A importância em discutir estes pontos reside, inevitavelmente, na atuação do professor,
precisamente na formação deste profissional, a qualificação pressupõe a execução da profissão, a
qualificação deve está inserida já na formação inicial do docente. Qualificá-lo às novas realidades da
profissão, o que vem a ser de fundamental importância, já na formação inicial, na prática no recinto
de atuação, a sala de aula, e com acesso aos novos meios de trabalho, que já não se restringem ao
quadro-negro e ao giz, mas um arsenal tecnológico que exige qualificação contínua, desde a
formação, mas a toda vida profissional, o que gera uma demanda de qualificação/formação que
caminhe lado a lado com a evolução dos meios de tecnologia e comunicação, especialmente os que
possam ser usados com a participação ativa dos alunos, como construtores simultâneos de
conhecimento e valores sociais.
Deste sentido, Valente (s.d., p. 11) destaca que:
O computador pode ser usado na educação como máquina de ensinar ou como ferramenta. O
uso do computador como máquina de ensinar consiste na informatização dos métodos de
ensino tradicionais. Do ponto de vista pedagógico esse é o paradigma instrucionista. Alguém
implementa no computador uma série de informações, que devem ser passadas ao aluno na
forma de um tutorial, exercício-e-prática ou jogo. Entretanto, é muito comum encontrarmos
essa abordagem sendo usada como uma abordagem construtivista, ou seja, para propiciar a
construção do conhecimento na "cabeça" do aluno. Como se os conhecimentos fossem tijolos
que devem ser justapostos e sobrepostos na construção de uma parede. Nesse caso, o
computador tem a finalidade de facilitar a construção dessa "parede", fornecendo "tijolos" do
tamanho mais adequado, em pequenas doses e de acordo com a capacidade individual de cada
aluno, como pode ser ilustrado pelo esquema abaixo.
É preciso introduzir, nas escolas, dos novos recursos que auxiliam a nova era da educação,
equipar escolas com tecnologias que sejam equivalentes à nova forma de ensinar, úteis à formação
da cidadania, pois a necessidade da inclusão tecnológica está associada à inclusão social, e a escola
deve adaptar-se a este novo modo de educação, para não ser tachada como mero instrumento de
(de) formação do cidadão, passiva de extinção/substituição.
A necessidade da introdução das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nas
escolas é uma constante, pois atualmente, a iniciação da criança no mundo da tecnologia se dá
precocemente, e sua vida escolar não pode interromper e/ou omitir-se desta nova realidade. Jordão
(2009, p. 10) afirma que:
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O número de crianças que tem acesso ao computador e à internet vem crescendo, e a faixa
etária também vem se ampliando. Antes mais acessada pelos jovens, a internet, hoje, vem
sendo utilizada de forma crescente por crianças de 6 a 11 anos. Essas crianças já nasceram
ligadas às tecnologias digitais: com menos de 2 anos já tem acesso a fotos tiradas em câmeras
digitais ou ao celular dos pais; aos 4 anos, já manipulam o mouse, olhando diretamente para
tela do computador; gostam de jogos, de movimento de cores; depois desta idade, já
identificam os ícones e sabem o que clicar na tela, antes mesmo de aprender a ler e a escrever.
Assim, a inserção da criança no mundo da tecnologia precede sua inserção ao mundo da
educação, a escola. E mesmo que a utilização das tecnologias na educação não passar de estratégia
econômica das firmas para a ampliação de seus lucros, não devemos abster-nos de seu uso, pois
seria também um equívoco, e acima de tudo, estaríamos privando uma parte da sociedade de
incorporarem-se as relações globais, estaríamos excluindo-os.
Atualmente a escola excludente é aquela a margem do processo de incorporação da
tecnologia educacional, que não trabalha paralelamente à nova realidade de mundo, as TIC estão
cada vez mais se fazendo necessárias para o processo do ensino, ignorá-las seria privar o aluno de
uma nova forma de integrar-se ao mundo profissional, e ao contexto social contemporâneo, a
utilização da tecnologia no ensino se faz obrigatório. Mesmo que:
A dificuldade de adaptação da administração escolar, dos professores e dos pais à uma
abordagem educacional que eles mesmo não vivenciaram. Esse, certamente, é o maior desafio
para a introdução do computador na educação. Isso implica numa mudança de postura dos
membros do sistema educacional e na formação dos administradores e professores. Essas
mudanças são causadoras de fobias, incertezas e, portanto, de rejeição do desconhecido.
Vencer essas barreiras certamente não será fácil, porém, se isso acontecer, teremos benefícios
tanto de ordem pessoal quanto de qualidade do trabalho educacional. Caso contrário, a escola
continuará no século 18. (VALENTE, s.d., p. 4)
Mas, também é obrigatório o uso adequado da TIC, o que implica estritamente a
qualificação do decente no processo de ensino subsidiado pela tecnologia, pois não são os meios de
ensino em si que atribui ao aluno seu caráter crítico-reflexivo, sejam estes meios modernos ou
tradicionais, mas a forma como eles são usados, que parte de como o docente utiliza, se foi
qualificado para seu uso ou não. O uso da TIC pode degradar as relações interpessoais no ambiente
escolar, pois ―o fato de a criança ter contato com uma máquina racional, fria, e, portanto,
desumana, propiciando com isso a formação de indivíduos desumanos e robóticos‖ (VALENTE,
s.d., p. 4).
Assim, ―a escola, como um espaço privilegiado para a apropriação e construção de
conhecimento, tem como papel fundamental instrumentalizar seus estudantes e
professores‖(MEHLECHE apud NEVADO), fazendo das TIC um instrumento de
aperfeiçoamento, e não de degeneração. Por isto a atual necessidade de equipar as escolas é
intrínseca à necessidade de capacitar professores, como também seus alunos, pois sua participação
como agente ativo no processo de construção de seu conhecimento o torna capaz de decidir-se
sobre seu próprio desenvolvimento.
Souza e Thobias (2005) também corroboram com o paradigma da utilização das TIC como
ferramenta de auxilio ao processo ensino-aprendizagem, e não como mecanismo de substituição
dos recursos pré-existentes.
O computador deve ser utilizado como um catalisador de uma mudança do paradigma
educacional. Um novo paradigma que promove a aprendizagem ao invés do ensino, que coloca
o controle do processo de aprendizagem nas mãos do aprendiz, e que auxilia o professor a
entender que a educação não é somente a transferência de conhecimento, mas um processo de
construção do conhecimento pelo aluno, como produto do seu próprio engajamento
intelectual ou do aluno como um todo.
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Nessa nova escola, não só o professor faz parte como é indispensável sua presença, como
agente de disseminação do conhecimento interdisciplinar, como mediador entre o aluno e o
mundo. Esse novo docente, como mediador, deve buscar o melhor uso possível dos meios
tecnológicos para que o aluno conceba sua própria visão de mundo, imaculado de conceitos
impostos pelo professor, o aluno é o responsável por sua formação, como pensante, crítico.
Por isso é necessário ensinar o aluno a aprender a aprender, a dominar as técnicas para
buscar conhecimento e interpretá-lo. O processo educacional precisa apoiar-se nos interesses dos
estudantes, mas também deve gerar novos interesses. Com a tecnologia a acessibilidade à
informação é dilatada em todo o meio que o aluno está inserido, portanto, talvez a função social do
professor, que o torna indispensável à qualquer momento da formação do cidadão, é tornar o aluno
capaz de decifrar, interpretar, converter a informação em conhecimento, torná-lo capaz de produzir
conhecimento.
Em muitas escolas já é plena realidade a utilização de tecnologia no processo de ensino,
mas a qualificação dos docentes para operacionalização destes recursos ainda é deficiente, haja vista
que com a implantação destes meios não foram oferecidos qualificação para os professores, já que
nem todos dominam o uso correto de tecnologia no processo de ensino-aprendizagem, pois:
Os educadores escolares têm uma notória resistência à tecnologia e aos meios de comunicação
eletrônicos. Quando muito, entendem a introdução das NTCI na escola como o uso do
computador e do vídeo. Há, inclusive, indícios de que o uso do computador nas escolas
dificilmente ultrapassa a experiência de aprender ‗sobre‘ o computador, raramente ‗no ou por
meio do‘ computador (LIBÂNEO 2006, p. 71).
O uso do computador como ferramenta didático-pedagógica se faz indispensável, pois,
Assim como temos o retroprojetor, o vídeo, etc., devemos ter o computador. Nesse caso o
computador é utilizado para demonstrar um fenômeno ou um conceito, antes do fenômeno ou
conceito ser passado ao aluno. De fato, certas características do computador como capacidade
de animação, facilidade de simular fenômenos, contribuem para que ele seja facilmente usado
na condição de meio didático. No entanto, isso pode ser caracterizado como uma subutilização do computador se pensarmos nos recursos que ele oferece como ferramenta de
aprendizagem. (VALENTE, 2003, p.5),
Muitas vezes estes recursos são ignorados por falta de conhecimento para sua operação, o
que necessariamente exclui os alunos de uma metodologia que poderia lhes ser útil, pois a
necessidade de buscar conhecimento atualmente vai além da sala de aula, assim, o ―computador na
educação não significa aprender sobre computadores, mas sim através de computadores‖
(VALENTE, s.d., p. 5).
Mas do ponto de vista dos recursos pedagógico-didático, uma escola equipada, com
professores habilitados pode usar toda a tecnologia a seu favor, para melhor desenvolvimento
cognitivo do aluno, ministrar uma aula que mantenha o interesse do aluno, que o instigue a pensar,
assim a TIC pode ser uma aliada imprescindível do professor e para o processo de aprendizagem do
aluno, sendo o computador uma ferramenta didático-pedagógica. Nesse sentido, Santana e
Medeiros dizem que:
O papel do professor é fundamental nos projetos de inovações, até porque a qualidade de um
ambiente tecnológico de ensino depende muito mais de como ele é explorado didaticamente,
do que de suas características técnicas. A simples presença de novas tecnologias na escola não é
por si só, garantia de maior qualidade na educação, pois a modernidade pode mascarar um
ensino tradicional, baseado na recepção e na memorização de informações. (MORAN, 2000)
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Desse modo, ―com os avanços tecnológicos no meio social, a escola também sente a
necessidade de oferecer aos seus estudantes meios que possam ser utilizados para desenvolver a
aprendizagem e tomarem conhecimento dos recursos que já fazem parte da realidade em que
vivem‖ (MEHLECKE, 2009). Assim, a escola é integradora entre a realidade do aluno e o seu meio
social externo,a tecnologia utilizada por ele na escola já é usada em suas casas, porém, com outros
fins, mas seu uso em sala de aula pode inclusive auxiliá-lo a manipular em sua casa a tecnologia com
a mesma eficácia que na escola.
Hoje, em praticamente todas as escolas estão disponíveis aparelhos tecnológicos, como
computadores. Segundo o Ministério da Educação, existem 50.259 Escolas Comuns, sendo que
31% destas escolas são dotadas de Laboratórios de Informática, 67% possuem computadores e
40,5% possuem acesso à Internet, (BRASIL, 2006),porém, o uso desta tecnologia ainda é
indiscriminado, em boa parte por simples falta de conhecimento de manipulação, ou por
comodidade por parte de professores. Mas ―com a capacitação, o educador será capaz de
incorporar a informática como recurso pedagógico, planejando com mais segurança aulas mais
criativas e dinâmicas, em que haja integração da tecnologia com a proposta de ensino‖
(NASCIMENTO 2007, p. 64).
Mas como Demo (2008, p. 134) diz que ―temos que cuidar do professor, porque todas
essas mudanças só entram bem na escola se entrarem pelo professor, ele é a figura fundamental.
Não há como substituir o professor. Ele é a tecnologia das tecnologias, e deve se portar como tal‖,
portanto, a formação inicial e continuada de acordo com as demandas contemporâneas da
sociedade e da educação deve ter como foco a figura do professor. A qualificação do docente
implica no melhor uso das TIC como ferramenta didático-pedagógica, pois:
[...] ―o uso de tecnologia no ensino não deve se reduzir apenas à
aplicação de técnicas por meio de máquinas ou apertando teclas e
digitando textos, embora possa limitar-se a isso, caso não haja reflexão
sobe a finalidade da utilização de recursos tecnológicos nas atividades de
ensino‖. (BETTEGA, 2005 p.17)
Numa pesquisa realizada pelo Instituto Claro19 sobre o uso das TIC´s, foi feito a seguinte
pergunta: qual a maior dificuldade em usar as TIC´s na sala de aula? O resultado aponta que 41% dos
entrevistados têm dificuldade de envolver outros docentes em projetos que utilizem os aparelhos
tecnológicos; 22% têm dificuldades em dominar a tecnologia existente e conseguir dialogar com os
alunos; 22% tem dificuldade em encontrar laboratórios e equipamentos disponíveis nas escolas; 9%
dizem ter dificuldades em manter os alunos interessados e 3% tem dificuldade em acompanhar
todas as inovações tecnológicas para que a aula não fique obsoleta.
Como vimosa falta/não uso das TIC representa uma parcela menor, seja pela ausência
completa ou pela má distribuição destes aparelhos, não sendo as salas assistidas pelos mesmos. Para
utilização dos computadores é necessário o deslocamento dos alunos para outra sala, o laboratório
de informática, isso engessa o uso dos aparelhos, pois toda vez que for necessário o seu uso é
inevitável o deslocamento da sala de aula.
A falta de qualificação para o uso dos aparelhos representa a maior parcela nas dificuldades
no uso das TIC, mesmo dispostos de equipamentos para dinamizar as aulas os equipamentos não
cumprem com seu papel didático-pedagógico, pois os profissionais/professores não são aptos à sua
utilização.
Este problema ultrapassa as barreiras pedagógica, didática e metodológica. Como vemos,é
um problema administrativo e estrutural, que parte do topo da hierarquia para as bordas, esta
19Uso
das TICs em sala de aula: desafio para os professores. Pesquisa realizada pelo Instituto Claro, disponível em
https://www.institutoclaro.org.br/em-pauta/levar-as-tics-para-a-sala-de-aula-desafios-para-os-professores/.
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representada por professores e alunos, que (sobre) vivem de decisões, primeiramente burocráticas,
que práticas. Assim, o principio da formação inicial e continuada voltada para o domínio das TIC
pelos docentes é uma necessidade da educação contemporânea.
Conclusão
O ambiente escolar se configura com um novo cenário, com outros objetos, mas ainda
com os mesmos atores sociais. A lousa digital pode substituir o quadro negro, mas o professor e o
aluno ainda estão presentes, são os mesmos.
A escola, independente do aparato tecnológico ainda é um meio maior de inclusão social,
mas com ele pode promover maior equivalência e rapidez nesta inclusão, habilitando o aluno a
formar-se cidadão. Neste processo, o professor tem um papel imprescindível, pois a inteligência
humana não pode ser reproduzida pelos computadores, por isso, a formação do profissional da
educação, formação inicial e contínua, é indispensável à nova realidade da sociedade
contemporânea.
É assegurado por lei que o docente tenha sua formação e atualização profissional para lidar
com as demandas do mundo contemporâneo e com a nova forma de se educar, onde homens e
máquinas devem interagir constantemente. Assim, o uso das TIC na educação é inevitavelmente
necessário, tanto no aspecto pedagógico, quanto no aspecto social.
Em suma, a utilização do computador, ou de qualquer outra forma de Tecnologia da Informação e
Comunicação (TIC), é necessária atualmente, mas a formação/qualificação do profissional que irá
lançar mão destas TIC no cotidiano, no processo de ensino-aprendizagem, é indiscutivelmente
imprescindível, pois é a partir do docente, como mediador entre o aluno e o conhecimento, que se
faz educação.
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Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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VOZES ANTAGÔNICAS NO DISCURSO DE GRADUANDOS
DO CURSO DE LETRAS
Francisco Vieira da Silva
Doutorando em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
José Marcos Rosendo de Souza
Mestrando em Letras – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
Professor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
Resumo
Objetivamos nesse texto analisar o discurso de alunos do curso de Letras/Português de uma
universidade pública do Rio Grande do Norte, com vistas a examinar as vozes que constroem
representações acerca do professor de Língua Portuguesa. O estudo da formação docente
empreendido nesse trabalho se pauta pelo discurso de futuros professores, ressignificando essa
formação, trazendo à tona o Outro, os outros que lhe são constitutivos.
Palavras-chave: Discurso. Formação Docente. Professor de Língua Portuguesa.
Absctract
We aimed to analyze the text in this discourse of course of Letters/Portuguese in public university
in Rio Grande do Norte, in order to examine the voices that construct representations of
Portuguese Language teacher. The study of teacher training undertaken in this work is guided by
the discourse of future teachers, giving new meaning, bringing up the Other, others that are
constitutive.
Palavras-chave: Discourse. Teacher Training. Portuguese Language Teacher.
Introdução
Oportunizamos nesse texto entrever as diferentes posições de sujeito adotadas pelos
graduandos, quando convocados a dissertar acerca de aspectos pertinentes à docência em Língua
Portuguesa (LP) e ao seu objeto de ensino. Para tanto, norteamo-nos pela seguinte questão de
pesquisa: Quando o graduando do curso de Letras é chamado a explanar sobre o ‗ser professor‘ de
LP que vozes e/ou conflito de vozes vêm à tona?
Para que possamos descrever/interpretar possíveis conflitos/embate de vozes nas
formações imaginárias a serem construídas pelos sujeitos da pesquisa, partimos da posição de que
uma das características fundamentais da língua(gem) é a alteridade, e que, por extensão, o discurso é
constitutivamente heterogêneo, de acordo com os postulados teóricos de autores como AuthierRevuz (1990; 2004; 2011). Em consonância com a noção de heterogeneidade constitutiva, os fios
teóricos que norteiam nossa investigação repousam sobre os pressupostos da Análise do Discurso
de linha francesa, mais especificamente, sobre os estudos de Michel Pêcheux e de seus seguidores
na cena teórica brasileira.
As imagens do professor de Língua Portuguesa
No tocante às imagens construídas pelos sujeitos em formação20 em relação ao ‗ser
professor‘ de LP, vale salientar que tais imagens não estão deslocadas das imagens acerca do objeto
de ensino do docente de LP. De fato, essas duas projeções realizadas pelos graduandos encontramse imbricadas, não obstante, faremos uma análise que tratará de forma mais específica de cada uma
dessas construções imaginárias, sem, contudo, desvencilhá-las.
Nossa pesquisa de mestrado analisou o discurso de alunos do curso de licenciatura em Letras/Português de
uma universidade pública do Rio Grande do Norte.
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Inicialmente, nosso olhar investigativo lança-se sobre as imagens construídas a respeito do
‗ser professor‘ de LP e que serão analisadas pelo viés da Análise de Discurso de linha francesa.
Assim, quando instados a dizer, por exemplo, qual a função do professor de LP, o graduando acaba
por delinear uma imagem a respeito do docente que ministra essa disciplina, tal imagem representa
também projeções que esse sujeito faz de si no discurso, uma vez que futuramente ele seguirá a
carreira docente. O estudo da formação docente empreendido nesse trabalho se pauta pelo discurso
de futuros professores, ressignificando essa formação, trazendo à tona o Outro, os outros que lhe
são constitutivos. Apropriando-se, assim, das vozes que se somando a outras, vêm construir, de
forma heterogênea e cindida, o processo de identificação do sujeito (CORACINI, 2000).
À primeira vista, subsiste no corpus21, basicamente, duas imagens de professor de LP que se
contrapõem, seja pelas diferentes regiões do interdiscurso de onde provêm, seja pelo fato de elas se
distinguirem em relação à concepção de ensino-aprendizagem e da imagem do objeto de ensino que
as caracterizam. Nesse sentido, podemos entrever que os sujeitos de pesquisa emolduram em seus
dizeres dois espectros de docente: o professor transmissor e o professor mediador. O primeiro é
constitutivo da chamada Pedagogia Tradicional, cuja base reside no professor transferidor de
conhecimentos, sendo função deste vigiar, controlar, corrigir e ensinar os conteúdos, cabendo ao
aluno, conformar-se em ser receptor passivo das informações que lhe são dirigidas. No outro
extremo, vislumbra-se o professor mediador, reflexivo; um conceito que se firmou nos últimos
anos, advindo de pensadores e educadores como Piaget, Vygotsky, Dewey e outros. Segundo
Coracini (2003), essa ideia de reflexão na formação de professores pressupõe um sujeito
psicologizante e consciente, na medida em que mobiliza um envolvimento emocional e racional,
portanto, um envolvimento cognitivo (mental) e um pensamento marcado pela lógica, sujeito esse
que contrasta com a percepção subjetiva preconizada por autores da AD como Pêcheux (1988) e
Authier-Revuz (1990; 1998; 2004), para quem o sujeito não é senhor/controlador de seu discurso,
mas sim atravessado pela alteridade, fragmentado e cindido.
A imagem do professor transmissor
Conforme mencionamos anteriormente, perpassa nos dizeres dos graduandos uma imagem
de professor de LP, cuja função repousa na necessidade de passar, transferir, transmitir informações,
normas gramaticais, sendo que a voz que embala tal imagem advém da Pedagogia Tradicional, a
qual, por extensão, configura-se num ensino tecnicista, pragmático ou até mercantilista.
Observemos abaixo o que nos aponta os sujeitos em formação, ao serem indagados sobre a função
do professor de LP:
Excerto 122: ―repassar o ensino e o aprendizado para com a língua função é tentar passar de
maneira clara e objetiva.‖ (1P02) 23
Excerto 2: ―[...] passar ao aluno informações que permitam maiores possibilidades para escrever
e falar de maneira em que o mesmo consiga se adequar a qualquer discurso que lhe seja
imposto.‖ (2P01)
Excerto 3: ― [...] a função do professor de língua portuguesa é passar a ensinar a norma padrão
da nossa língua, como ela deve ser empregada.‖ (2P06)
Excerto 4: ―[...] transmitir seus conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação.‖ (5P03)
Excerto 5: ―Os conteúdos transmitidos devem desenvolver nos alunos a reflexão sobre a
língua/linguagem nos seus variados usos sociais.‖ (8P13)
O corpus é composto por cerca de quarenta questionários respondidos por alunos do curso de Letras.
As respostas dos informantes foram digitadas ipsis litteris, de modo a garantir a fidelidade em relação aos
escritos dos graduandos.
23 Código utilizado para nomear os sujeitos da pesquisa no âmbito do corpus coletado, formado pelo nº do
período no qual o aluno se encontra mais a letra P e o número que o identifica no total de questionários
existentes no corpus.
21
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Instados a explanar sobre a função docente em LP, os sujeitos graduandos de diferentes
fases do curso responderam que cabe a esse professor (re)passar o ensino, ensinar a norma-padrão,
transferir conteúdos e conhecimentos, o que nos faz entrever uma imagem de professor
transmissor, que apenas direciona saberes e práticas a outrem (no caso, os alunos). Podemos
apreender essa constatação a partir dos valores semânticos dos verbos utilizados para se referir à
ação do docente, tais como – passar, transmitir, repassar – denotando, assim, a postura transmissora a
ser adotada pelo professor. Considerando que o sujeito e o sentido se constituem ao mesmo tempo,
a partir do momento em que enuncia, o sujeito-graduando também se desvela e se constrói
discursivamente. Sendo assim, o sujeito-graduando ―não está dado, nem tampouco nasce ou
desenvolve, mas é construído‖ (FERREIRA, 2010, p. 22).
A regularidade dos verbos passar, transmitir, repassar fornecem pistas da concepção de
língua(gem) que subjaz a esse docente e que constitui o seu objeto de ensino. Tais verbos sugerem
que a língua(gem) é transparente e constitui uma entidade fora do sujeito que é possível trasmitir,
passar de um lugar para outro. Trata-se de uma língua, cuja característica principal é a
homogeneidade, como no caso da norma padrão que deve ser passada para o aluno, conforme
atesta um dos graduandos. A língua a ser ensinada para os alunos é uma língua que se interpreta
como instituição, como competência, como conjunto de práticas (MILNER, 1987). Um dos
recortes discursivos acentua essa concepção ao propor que a língua deve ser passada de maneira
clara e objetiva, isto é, sem as ambiguidades, contradições e equívocos constitutivos do fenômeno
linguístico.
Assim, o graduando compactua com o pensamento de que o professor de LP deve
propagar conhecimentos sobre a língua(gem), fazendo com que o aluno reflita sobre os usos
linguísticos, isso se evidencia mais notadamente no excerto 5. Nesse excerto, vozes híbridas
constituem a imagem do professor de LP, dado que o termo transmitidos, referindo-se aos
conteúdos, traz em seu bojo a imagem do docente transmissor, por outro lado, esse mesmo
docente tem que desenvolver nos alunos a capacidade de refletir sobre a língua, o que nos parece
ser paradoxal.
Além disso, se considerarmos que o sujeito filia seus dizeres a uma formação discursiva que
determina o que deve e pode ser dito, o sujeito em formação situa seu discurso numa zona de
entremeio entra a FD que se pauta pela perspectiva do professor transmissor e a FD do professor
mediador, que intradiscursivamente encontra-se representado pela questão da reflexão da
língua(gem). Nessa perspectiva, o sujeito, a princípio, encontra-se naquela primeira FD e, em
seguida, traz para essa FD saberes de outra memória discursiva, discursos outros que assinalam a
heterogeneidade do sujeito do discurso. Esse jogo discursivo só se torna possível porque ―porque a
FD é dotada de fronteiras bastante porosas que permitem, em determinadas condições, a entrada
de certos saberes que lhe eram alheios em outro momento.‖ (INDURSKY, 2011, p. 88).
O fato de o graduando projetar uma imagem tradicional do professor de LP está em
consonância com a análise realizada por Infanger (2008, p. 85) com graduandos do curso de Letras:
―[...] o que vemos é que esses futuros professores ainda pensam que para ser bom professor,
devemos nos colocar como detentores do saber, negando a possibilidade de construção coletiva do
conhecimento.‖
A imagem do professor transmissor também está atrelada a um ensino que leva o aluno a
fazer escolhas ao longo de sua vida, extrapolando, assim, os limites da instituição escolar. Esse
discurso de ensinar para a vida acaba atravessando a constituição das imagens do docente,
conforme evidenciamos nos excertos abaixo transcritos:
Excerto 6: ―A função do professor é ensinar, transmitir conhecimentos, preparar o aluno não
somente para ser um ‗bom aluno‘ mais prepará-lo para a vida, tornando-o assim uma pessoa
crítica com capacidade para escolher o melhor caminho a ser seguido [...]‖ (4P13)
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Excerto 7: ―A função do professor de Língua Portuguesa é preparar o aluno para a vida.‖ (3P08)
O graduando constrói uma imagem de professor que vai além da transmissão/transferência
de conhecimentos. Nessa perspectiva, compete ao docente a função formativa, não apenas para que
o aluno tenha um bom rendimento escolar e/ou apresente um comportamento adequado ao
ambiente de estudos (“um bom aluno”), mas, principalmente, para que o capacite a ser um indivíduo
crítico e reflexivo, bem como saber se posicionar em relação às situações-problema e fazer escolhas
(“escolher o melhor caminho”). Da mesma maneira que o excerto analisado anteriormente, nesse
fragmento do corpus subsistem vozes que se contrastam, uma vez que o professor transmissor, pelo
menos da forma como o concebemos até aqui, não condiz com o modelo de professor que deva
desenvolver o senso crítico do aluno. Endossando esse raciocínio, Coracini (2003) explicita que
subjacente ao advento do senso crítico no discurso educacional existe uma concepção de sujeito
professor que deve refletir continuamente sobre sua prática, autoavaliando-se de forma processual;
essa postura não parece condizente com a do professor transmissor.
Do discurso desse graduando, ressoam, prioritariamente, duas vozes conflitantes: uma voz
que constrói a imagem de professor transmissor, e outra da qual surge a imagem de professor como
um orientador/mediador. Assim como no excerto 5 o graduando desse recorte discursivo também
traz para a sua Formação Discursiva (FD) saberes pertencentes à exterioridade, oriundos do
interdiscurso, do ponto de contato da FD com a heterogeneidade. Noutros termos, a FD do
professor transmissor é invadida por outros saberes, mais precisamente pelo discurso de ensinar
para a vida, que se aproxima do perfil do professor orientador, proveniente das correntes
pedagógicas libertadoras. Tais correntes se caracterizam justamente por criticar com veemência o
professor que adota uma postura transmissiva. Instaura-se assim o embate: de um lado a memória
do professor tradicional e de outro o espectro do professor orientador. Esse duelo de vozes se dá
num nível mais interdiscursivo, de memória discursiva, do que no nível do repetível, do
intradiscurso.
Para que esse professor cumpra o seu propósito de transmitir informações, é necessário
que ele esteja seguro do que diz e sabe. Assim, emerge do corpus uma imagem de professor em que
este deve estar consciente daquilo que diz, o que mais uma vez retoma a concepção logocêntrica de
sujeito, como origem do seu dizer, uma vez que para repassar os conteúdos para o aluno esse
docente necessita estar confiante, firme em relação ao conteúdo sobre o qual ele disserta. Os dois
excertos abaixo ilustram essa constatação:
Excerto 8: ―[...] ter a responsabilidade de ter os conhecimentos necessários para transmitir
informações. [...]‖ (7P05)
Excerto 9: ―A função do professor de língua portuguesa é ter uma boa formação, para repassar
com segurança o conteúdo por ele ministrado.‖ (2P14)
Desponta desses dizeres a imagem de um sujeito que deve ser responsável por aquilo que
explica, e ser capaz de passar com segurança e solidez os conhecimentos adquiridos ao longo do
curso. É oportuno registrar que no primeiro excerto o professor é responsável por transmutar
conhecimentos em informações, o que vai de encontro ao que se prega atualmente acerca do
manancial de informações com o qual os alunos lidam cotidianamente. O que se propõe, em face
dessa diversidade informacional, é que o aluno transforme essas informações em conhecimentos e
não o contrário, conforme expõe o graduando. Voltando nosso olhar para a concepção de sujeito
que subjaz a esse professor responsável pelos seus dizeres, vale reiterar que o bom professor, nessa
perspectiva, seria ―aquele que sabe o que sabe, que sabe o que faz, que sabe o que diz e sabe dizer o
que faz, ou seja que é consciente de sua tarefa de ensinar, de seu dizer, que só tem certezas e
verdades‖ (CORACINI, 2003, p.286).
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A imagem do professor mediador
Em contraposição às imagens do professor transmissor, ressoa dos dizeres dos
informantes construções imaginárias que remetem à figura do professor mediador; este, ao
contrário do docente transmissor, seria aquele que constrói o conhecimento com os alunos. Para se
referir às ações desse professor, é comum a utilização de verbos e expressões como conduzir,
respeitar, leva o aluno a..., orientar etc. Logo, evidencia-se uma imagem de professor que pode estar
vinculada às correntes pedagógicas renovadores e/ou libertadoras, nas quais o docente é visto
como um orientador no desenvolvimento dos alunos; nesse sentido, desfaz-se a assimetria entre o
professor (tido como detentor do saber) e o aluno (como mero receptor passivo), o que nos reporta
à crítica à ―educação bancária‖ apontada por Paulo Freire. Nos dizeres de nossos informantes, essa
questão do professor mediador, ora está em consonância com as especificidades e os objetivos da
disciplina de Língua de Portuguesa, de modo a possibilitar, por exemplo, a reflexão sobre o uso da
língua, a leitura crítica, a produção de texto, dentre outros aspectos; ora acaba por transcender as
fronteiras desse componente curricular. Observemos os vestígios do professor mediador alojados
no intradiscurso dos dizeres dos graduandos, conforme podemos perceber nos trechos a seguir:
Excerto 10: “Mediador de conhecimentos e formador de um indivíduo crítico. O
professor não é o dono do saber, ele é o alicerce para que o aluno construa a sua
formação.‖ (3P11)
Excerto 11: “Orientar os alunos para que estes possam desenvolver e adquirir
conhecimentos necessários para serem profissionais e vencer os obstáculos expostos
por essa sociedade capitalista.‖ (4P12)
Excerto 12: “[...] um mediador na construção de conhecimentos e não como o único ser
que tem conhecimentos, desconsiderando, assim, toda a carga de conhecimento que
os alunos já trazem.‖ (5P01)
Os excertos supracitados convergem para a configuração da imagem do professor
mediador, por isso, podemos constatar que o valor semântico dos verbos que indicam as ações a
serem realizadas por esse docente aludem ao fato de conduzir, de levar o aluno a, de trilhar o
caminho rumo ao conhecimento junto com o aluno. O espectro desse professor se aproxima do
guia (do pastor?), do acompanhante, de alguém responsável por encaminhar outrem a um
determinado lugar. Essa imagem que nos leva a pensar num ser bondoso e celestial, se assemelha
com as representações que a sociedade ocidental tem dos anjos e dos santos os quais nos ―dá [dão]
apoio nos momentos necessários‖. Nessa via de raciocínio, não nos parece precipitado notar que tal
imagem provém dessa construção embalada pela tradição cristã, o que, nesse caso, funcionaria
como o interdiscurso a partir do qual esse dizer se efetivou, isto é, a voz que tornou possível a
criação dessa imagem.
No tocante à questão do termo mediação presente na materialidade linguística dos
discursos dos graduandos, vale destacar que, de acordo com os dizeres dos sujeitos, compete ao
professor mediador intermediar o conhecimento e a aquisição deste por parte dos alunos. Para isso,
o professor necessita se situar não como o dono da razão e do saber, mas sim partilhar, orientar e
construir o conhecimento com os alunos. Assim, no primeiro e no terceiro excertos, os graduandos
edificam a imagem do professor mediador através da denegação de uma outra imagem de docente
(a do professor transmissor). A denegação traz em sua constituição o discurso do outro, e, no dizer
do graduando, esse discurso serve para diferenciar a imagem do professor mediador, fazendo um
contraponto com aquilo que é negado, de modo a marcar o não-um, o discurso atravessado pela
alteridade. De acordo com Authier-Revuz (1990), a presença do Outro emerge no discurso, com
efeito, precisamente nos pontos em que se insiste em interromper a continuidade, a
homogeneidade, fazendo vacilar o domínio do sujeito. Logo, o ―dizer toma forma na sua relação
com o dizer outro [...]‖ (AUTHIER-REVUZ, 2011, p. 7).
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Considerações Finais
Quando nos propomos a analisar os efeitos de sentido advindos do discurso dos sujeitos
em formação, tendo em vista o embate de vozes na constituição das imagens do ser professor de
LP, chegamos às seguintes constatações. Em primeiro lugar, o sujeito em formação, tece seu
discurso de maneira a orquestrar as vozes, fazendo com que estas aparentem estar em uníssono.
Isso se efetiva porque o sujeito tende a ser o centro, a origem do seu discurso, a fonte primeira de
sua enunciação (PÊCHEUX, 1988), esquecendo-se assim das determinações que o inseriram na
posição discursiva por ele adotada. No caso dos nossos sujeitos de pesquisa, verificamos que as
imagens construídas a respeito do professor de LP são marcadas pela heterogeneidade, pela
contradição.
Assim, por exemplo, ao construir a imagem do professor mediador, o sujeito não se
desvencilha totalmente da memória discursiva que torna possível a construção da imagem do
professor transmissor, considerando que essas duas imagens provêm de diferentes lugares do
interdiscurso. Nesses termos, o discurso do sujeito e as imagens por ele construídas estão habitados
pela alteridade que os constituem, alteridade esta que o sujeito deseja desterrar, por meio de
procedimentos como a denegação, de maneira a demarcar o não-um intrínseco à constituição do
discurso (AUTHIER-REVUZ, 1990).
Numa perspectiva mais ampliada, nossa contribuição consiste em propor uma reflexão
acerca da formação inicial, tendo como base as perspectivas, os anseios, os posicionamentos dos
graduandos que fazem o curso de Letras, isto é, o olhar do sujeito a quem o processo de formação
se direciona. Desta pesquisa, podem originar-se propostas que priorizem a investigação da
formação docente, tendo como sujeitos de pesquisa professores em cursos de formação contínua
(capacitação) e/ou em programas governamentais que ofertam cursos de licenciatura voltados à
formação inicial/segunda licenciatura para professores em exercício.
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ABRE-TE, CÉREBRO!
O TUDO QUE CABE NAS PALAVRAS DE ARNALDO ANTUNES
Hernany Tafuri
Mestrando do PPGLetras/Estudos Literários
UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora
Resumo
Pretende-se, neste texto, apresentar as intersecções, influências e entremeios aos quais a produção
poética de Arnaldo Antunes está sujeita, passando por movimentos de Vanguarda e Pós-vanguarda
como Antropofagia, Concretismo e Tropicália, tomando como base para análise poemas presentes
em seus três primeiros livros – Psia, Tudos e As Coisas.
Palavras-chave: Poesia brasileira. Arnaldo Antunes. Interdisciplinaridade.
Abstract
It is intended, in this text, submit intersections, influences and inset to which the poetic production
of Arnaldo Antunes is subject, through movements Vanguard e Post-vanguard as Antropofagia,
Concretismo e Tropicália, taking as basis for analysis poems present in his three first books – Psia,
Tudos and As Coisas.
Keywords: Brazilian poetry. Arnaldo Antunes. Interdisciplinarity.
Arnaldo Antunes, surfista canibal
―Qual a graça de surfar o caminho mais curto entre dois pontos?‖24
Neste texto, serão abordadas, tomando como base para análise de seus três primeiros livros
– Psia; Tudos e As coisas –, algumas produções poéticas de Arnaldo Antunes em suas inúmeras
afetações, influências, suas vozes cruzadas entre música e poesia – poeta/músico ou músico/poeta?
Pergunta que não cabe, sem valor, tampouco uma resposta conclusiva há, o que só serviria para
rotular suas construções ou armazená-las em prateleiras separadas – disco/livro; livro/disco.
Antunes envolve sua poesia em características de movimentos de Vanguarda e Pós-vanguarda, ―sua
obra representa uma reinterpretação da antropofagia precisamente porque converge a literatura em
relação às outras artes por meio de uma intersecção de gêneros e meios‖25, além de ser fortemente
marcada pela estética Concretista, Antunes surfa ondas distintas na mesma onda, equilibra-se em
junções oportunas e proveitosas – cultura pop, cinema, artes plásticas, tal qual um tropicalista –,
desliza, domina os movimentos através e a partir de cada traço que o leva da crista da onda à areia
da poesia.
Arnaldo compromete-se, a partir da recepção do leitor, com a retomada dos sentidos,
dialogando com vários meios de percepção, valendo-se das páginas de seus livros como espaços a
serem explorados, esgotados, seja com poemas que tomam toda a dimensão do papel, seja com os
―espaços vazios‖ maiores que o texto – Antunes formata seus poemas em busca de uma estética
que possa ser lida junto às suas palavras-coisas: seus poemas são objetos construídos pela
linguagem; faz do meio, mensagem.
Pode-se afirmar que a poética de Arnaldo Antunes destaca-se no contexto do final do
século XX de uma maneira muito singular por ser desenvolvida conciliando poesia visual, música,
minimalismos e arquitetadas transgressões sobre a linguagem, cujo tom, por vezes infantil,
transcende o óbvio em inusitado. É explorando o potencial do signo linguístico que Antunes
24
25
GESSINGER, Humberto. Nas entrelinhas do horizonte. Caxias do Sul: Belas Letras, 2012, p. 59.
SANTOS, Alessandra. Arnaldo Canibal Antunes. São Paulo: nVersos, 2012, p. 16.
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alcança o lugar exato entre som e silêncio, palavra e imagem, elevando ao status de ―coisa‖ a palavra
empregada. Como nos diz Décio Pignatari:
O signo verbal forma um sistema dominante de comunicação. Quer dizer: todo mundo transa,
todo mundo usa, todo mundo trabalha com o signo verbal. [...] E aí é que está: o poeta não
trabalha com o signo, o poeta trabalha o signo verbal.26
Para ilustrar o processo de ―coisificação‖ ao qual Antunes impõe suas palavras, destaca-se
o poema Nuvem/Lua27 (figura 1), o qual se encontra no livro Psia, de 1986. Nele, observamos o
conceito de signo presente nos estudos de Semiótica, o qual nos diz que signo é toda e qualquer
coisa que substitua ou represente outra, que se organize ou tenda a organizar-se sob a forma de
linguagem. Para Arnaldo, não basta a representação simbólica: as palavras passam a ser as coisas; o
a da palavra lua toma forma de uma lua cheia coberta pela nuvem que passou a ser o m de nuvem. O
autor oferta às palavras a possibilidade de se re-apegarem às coisas que representam, elevando sua
forma visual e sua carga semântica. Linguagem carrega de sentido à enésima potência.
Fig. 1 Poema Lua/Nuvem
Surfando, ainda, outra onda de Psia, chega-se ao poema ―O que‖ (Figura 2). Em 1986, ano
de publicação da primeira edição desse livro, a banda de rock paulistana Titãs, da qual Antunes foi
um dos vocalistas e compositores por dez anos, entre 1982 e 1992, lança o clássico disco ―Cabeça
Dinossauro‖ tendo como faixa final ―O que‖. Poema ou letra de música? Poema e letra de música!
Tratando-se de Arnaldo Antunes, poemúsica.
28
Fig. 2 Poema O que
PIGNATARI, Décio. O que é comunicação poética. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 8.
ANTUNES, Arnaldo. Psia. 5ª ed. São Paulo: Iluminuras, 2001, p. 20.
28 ANTUNES, Arnaldo. Psia. 5ª ed. São Paulo: Iluminuras, 2001, p. 32.
26
27
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O que29
Que não é o que não pode ser que
não é o que não pode
ser que não é
O que não pode ser que não
É o que não
Pode ser
Que não
É!
O que não pode ser que
Não é o que não pode ser
Que não é o que
O que?
O que?
O que?
Que não é o que não pode ser
Que não é o que não pode ser
Que não é o que não pode ser que não é (2x)
“Mas o que pode acontecer a alguém que, propondo-se a escrever um poema, e no curso
mesmo de sua escrita, de algum modo, é tocado pelo ambiente de uma tourada?‖30 A essa pergunta,
encontra-se a resposta no texto É preciso aprender a ficar (in)disciplinado, de André Monteiro.
Emprestando-a como ponto de partida, tentarei mergulhar no processo de composição de
Arnaldo Antunes com relação ao poema e à música ―O que‖, como já dito, ambos aparecidos em
1986, no livro de poesias ―Psia‖ e no disco ―Cabeça dinossauro‖ dos Titãs. Por que Arnaldo poeta
diferir-se-ia de Antunes músico? Em quê? Seu trabalho criativo é autofágico, antropofágico,
devorador titânico dos vazios entre música e poesia, autoafetado, performaticamente preciso. Nas
diferenças, há vida em movimento, comunhão em exercício de viver. A vida sempre mesma é vida
mansa que não passa cansa, mofa, dá pança, não cria, chia, geme sem gozar. Manca. ―E a vida não é
sempre outra?‖31 Viver é dar via à ―potência; o desejo de expandir, o poder de criar, de crescer, de
vencer as resistências é que impulsiona o movimento da vida.‖32 Movimento sugerido ao leitor para
uma efetiva participação e entrada no poema: girar o livro 360 graus; escolher o ponto de partida e
o ponto de término da leitura; eleger os versos que comporão o poema; libertar as múltiplas
almas/versos que coabitam o corpo/edifício/poesia, já que ―O mesmo texto permite inúmeras
exegeses: não há nenhuma exegese correta‖33.
Já a letra é fluidamente condicionada à estrutura rítmica da música –
rock/funk/reggea/punk? – compasso passo a passo tendo como ponto de partida seu título (O
que), que não aparece no livro. Arnaldo titânico parte de um que inicial e nele termina para dar a
primeira volta ao círculo poético – círculo sem luz34 a se iluminar; depois, prossegue, arrebentando-o,
produzindo fissuras, entremeios e ocos entre o silêncio da fala e a batida da bateria e solos de
guitarra. O poeta canta seu texto que não é obra, antes, é um dentro/fora de si em si aos/nos
outros, no livro lendo o leitor, no palco, cantando-se catado pelo rompimento e
Titãs. Cabeça dinossauro. São Paulo: WEA, 1986, faixa 13.
MONTEIRO, André. É preciso aprender a ficar (in)disciplinado. 2012, p.2.
31 ibid. p. 2.
32 DIAS, Rosa. Nietzsche, vida como obra de arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 37-38.
33 NIETZSCHE, Friedrich. Fragmentos Finais. Brasília: Editora UnB, 2002, p.155.
34 PUCHEU, Alberto. ―O dia em que Gottfried Been pegou a onda‖. In MONTEIRO, André. É preciso
aprender a ficar (in)disciplinado. 2012, p.6.
29
30
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sobreposicionamento de suas possibilidades. Antunes é um poeta outro dentro do poeta mesmo,
deglute-se auto(antro)pofagicamente rumina-se músico/poeta ator de disciplinas indisciplinadas,
fortemente marcadas por suas peculiaridades, entretanto, frutos de forças que co-agem, ao agir com
e para a criação. ―Só me interessa o que não é meu‖ 35 é digerido, gestado, gerando um interessa-me o
meu tanto quanto à medida que Antunes age não apenas como um canibal antropofágico, também
autofagicamente, a devorar-se, nutrindo-se de sua própria produção. ―O que‖ é poema musicado e
música (letra) estanque no papel, a espera do movimento que o leitor a ela dará. Dilui-se o dilema
do começo deste artigo. Não há rótulos capazes de aprisionar seu texto, pois em construção
infinita, onda dentro da onda dentro da onda (etc) – no concreto a inventa-las como um esqueitista
– como se segurasse um espelho em frente a outro espelho e as imagens jamais findassem. Reflexo
no/do reflexo.
Silêncio que se lê
Toma-se, agora, o livro ―Tudos‖, publicado em sua primeira edição em 1990, como
exemplo de transformação, ou releitura, tropicalista, numa recuperação antropofágica. Destaca-se
que o livro não possui numeração de página e os poemas que o compõe são desprovidos de título.
O texto escolhido para a ilustração proposta diz:
Eu apresento a página branca. 36
Contra:
Burocratas travestidos de poetas
Sem-graças travestidos de sérios
Anões travestidos de crianças
Complacentes travestidos de justos
Jingles travestidos de rock
Estórias travestidas de cinema
Chatos travestidos de coitados
Passivos travestidos de pacatos
Medo travestido de senso
Censores travestidos de sensores
Palavras travestidas de sentido
Palavras caladas travestidas de silêncio
Obscuros travestidos de complexos
Bois travestidos de touros
Fraquezas travestidas de virtudes
Bagaços travestidos de polpa
Bagos travestidos de cérebros
Celas travestidas de lares
Paisanas travestidos de drogados
Lobos travestidos de cordeiros
Pedantes travestidos de cultos
Egos travestidos de eros
Lerdos travestidos de zen
Burrice travestida de citações
água travestida de chuva
aquário travestido de tevê
água travestida de vinho
ANDRADE, Oswald de. ―O Manifesto antropofágico‖. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda
européia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. 3ª ed. Petrópolis: Vozes;
Brasília: INL, 1976, p. 3.
36 ANTUNES, Arnaldo. Tudos. 7ª ed. São Paulo: Iluminuras, 2007.
35
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água solta apagando o afago do fogo
água mole sem pedra dura
água parada onde estagnam os impulsos
água que turva as lentes e enferruja as lâminas
água morna do bom gosto, do bom senso e das boas intenções
insípida, amorfa, inodora, incolor
água que o comerciante esperto coloca na garrafa para diluir o whisky
água onde não há seca
água onde não há sede
água em abundância
água em excesso
água em palavras.
Eu apresento a página branca.
A árvore sem sementes.
O vidro sem nada na frente.
Contra a água.
O primeiro verso do poema (Eu apresento a página branca.) remete-nos ao Abismo/branco
d‘―Um Lance de dados‖, texto de Mallarmé cuja proposta estética constitui-se um alicerce para a
poesia concreta em sua espacialização visual; seus quarenta versos seguintes constituem-se uma
releitura de dois poemas canônicos da literatura brasileira: ―Profissão de Fé‖, de Olavo Bilac, o qual
representa uma espécie de plataforma teórica do Parnasianismo no Brasil, embora o movimento já
estivesse implantado quando de sua publicação, e da ―Poética‖ de Manuel Bandeira, ainda que
publicado apenas em 1930 (portanto oito anos após a Semana de Arte Moderna), constitui-se de
uma representação tardia da poesia modernista brasileira; nele, Bandeira, ao mesmo tempo em que
propõe uma nova poética, critica a poesia tradicional, ainda vigente, numa relação de deglutição do
poema de Bilac. Influenciado pelo movimento Tropicalista, cujos traços marcantes ―incluem uma
atitude carnavalizante; a paródia oswaldiana; o kitsch; uma crítica aos valores ético-morais e estéticos
da cultura brasileira; uma apropriação da arte pop norte-americana, assim como das vanguardas
brasileiras; e traços da cultura marginal e underground.‖37, Antunes transporta para seu tempo, sua
poética, suas palavras, o que fora abordado em outro momento. Na sequência, os quatro versos que
fecham o poema apresentam silêncios a serem lidos, como o branco da página que interage com as
letras/palavras que a preenchem, meio como mensagem, árvore sem sementes, o vidro sem nada na
frente contra a água: aquário em que água e peixe têm o mesmo valor.
Abre-te, cérebro!
Chegando ao terceiro livro de Antunes, ―As coisas‖, cuja primeira edição data de 1992,
une-se a estética concretista, como vimos anteriormente com o uso do espaço gráfico, do espaço
em branco, e acrescenta-se o uso, como recurso, do posicionamento das linhas tipográficas, a já
comentada apropriação da arte pop norte-americana, pois a ―produção cultural da Tropicália
valorizava elementos populares e marginais da cultura brasileira e a valorização intensa pela
produção estrangeira, especialmente a produção e disseminação dos meios de comunicação de
massa.‖38
Nos textos presentes naquele livro, existe uma proposital variação tipológica a fim de
preenchimento da página em que o poema está inserido. Os menores textos são apresentados em
letras maiores, assim ocupando todo o espaço da página; os maiores, numa ordem inversa, são
apresentados em fonte menor. Destaca-se que todos os 42 poemas possuem fluência (de leitura)
prosaica e estrutura estética que reproduzem versos, gerando uma intersecção entre prosa e poesia,
―uma estruturação ótico-sonora irreversível e funcional e, por assim dizer, geradora da ideia,
37
38
SANTOS, Alessandra. Arnaldo Canibal Antunes. São Paulo: nVersos, 2012, p. 60.
ibid. p. 64-65.
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criando uma entidade todo-dinâmica, ‗verbivocovisual‘ – é o termo de Joyce – de palavras
dúcteis,...‖ 39. Outra característica marcante desse compêndio: cada poema é precedido por uma
ilustração de Rosa Moreau Antunes, filha de Arnaldo, as quais – 42, como os poemas –, funcionam
como seus títulos, aos quais se tem acesso somente através do índice do livro. Antunes compõe
seus textos a partir das ilustrações de sua filha, numa vinculação nítida e direta entre imagem e
poesia.
O primeiro poema, intitulado Abertura40(Figura 3), consiste em uma narrativa curta, porém,
carregada de referências ao universo pop, cinema e literatura universal. Quanto à sua disposição na
página, conforme apontado anteriormente, o texto transborda ao ocupar todo o espaço branco,
inclusive predominando sua forma em prosa aos termos de separação silábica em palavras que não
cabem numa linha e se quebram a outra. Há um empréstimo/roubo, já que dos nove versos que
compõem o poema, os oito primeiros são uma intersecção com o conto Ali Babá e os quarenta ladrões
presente no livro As mil e uma noites. O último verso – Abre-te, cérebro! – remete à célebre
frase/password ―Abre-te, sésamo!‖, usada pelo líder dos ladrões para acessarem a caverna onde
escondiam seus tesouros. No poema, funciona em ausência no comparativo das palavras sésamo e
cérebro. O Desenho de Rosa Moreau Antunes apresenta um homenzinho de olhos arregalados,
olhando para o alto, como que representando o susto de Ali Babá ao ver a rocha que separava os
ladrões de seus tesouros se mover após a ordem de seu líder.
Fig. 3: Poema Abertura
Ao contrário da pedra drummondiana presente em ―No meio do caminho‖, as pedras que
formam as portas que separam Ali Babá do interior da caverna são um convite a um tesouro sem
tamanho, ao passo que, a pedra do poeta itabirano trava a leitura propositalmente, impedindo que o
leitor avance no caminho/poema. Abre-te, cérebro! também funciona como um convite, porém,
com uma advertência que leio da seguinte forma: ―Caro leitor, agora que pronunciadas essas
palavras encantadas, tire seu cérebro do piloto automático e entregue-se a uma leitura potente!‖ A
chave ao ―tesouro‖ é entregue logo de abertura, a anunciar as possibilidades de uma leitura
participativa, à mercê das vontades de seus leitores.
Tudos
Para finalizar essa breve análise de algumas produções do artista multimidiático Arnaldo
Antunes e seus entrecruzamentos, parte-se do terceiro livro – As coisas –, cujo título por si só já
nos dá a dimensão que pretendíamos explicitar: coisas nascidas de palavras. Traçando um paralelo
entre esse livro e o apresentado no item 2 deste texto, toma-se como exemplo o poema intitulado
tudo41 (Figura 4), referência direta ao título Tudos, o qual sintetiza bem a poética de Antunes e o
objeto proposto, e desejado, como central deste trabalho de pesquisa: a palavra em constante
mutação.
ibid. p. 51.
ANTUNES, Arnaldo. As Coisas. 6ª ed. São Paulo: Iluminuras, 1998, p. 10.
41 ANTUNES, Arnaldo. Tudos. 7ª ed. São Paulo: Iluminuras, 2007, p. 24-25.
39
40
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Fig. 4: Poema Tudos
Como nos diz o poeta, tudo cabe na palavra, até o objeto que ela evoca. Antunes rompe a
palavra destacando aos olhos do leitor o objeto que dela transborda, fá-la coisa, desnuda suas
vísceras até que sua representação esteja à mostra. ―E tudo isso é também um jeito de ver e escrever
as coisas meio ao contrário, pelo lado de onde elas não são ordinariamente vistas: pelo lado de
dentro.‖ 42
Com esses breves apontamentos, conclui-se que Arnaldo Antunes trabalha com a palavra
enquanto som, forma visual e carga semântica. Assim falava Décio Pignatari: O olhouvido ouvê.43
Referências:
ANTUNES, Arnaldo. As Coisas. 6ª ed. São Paulo: Iluminuras, 1998.
–––––––––––––––––. Como é que chama o nome disso. São Paulo: PubliFolha, 2006.
–––––––––––––––––. Psia. 5ª ed. São Paulo: Iluminuras, 2001.
–––––––––––––––––. Tudos. 7ª ed. São Paulo: Iluminuras, 2007.
ARÊAS, Vilma (Org.). Cacaso Não quero prosa. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.
BANDEIRA, João (Org.). Arnaldo Antunes 40 Escritos. São Paulo: Iluminuras, 2000.
JAFFE, Noemi (Org.). Melhores Poemas de Arnaldo Antunes. São Paulo: Global Editora, 2010.
GESSINGER, Humberto. Nas entrelinhas do horizonte. Caxias do Sul: Belas Letras, 2012.
PIGNATARI, Décio. O que é comunicação poética. São Paulo: Brasiliense, 1987.
–––––––––––––––––. Semiótica & Literatura. São Paulo: Cultrix, 1987.
POUND, Ezra. ABC da Literatura. São Paulo: Cultrix, 1970.
SANTOS, Alessandra. Arnaldo Canibal Antunes. São Paulo: Versos, 2013.
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
JAFFE, Noemi (Org.). Melhores Poemas de Arnaldo Antunes. São Paulo: Global Editora, 2010, p.11.
CAMPOS, Augusto de; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo de. Teoria da Poesia Concreta. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
42
43
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RECORTES DE MEMÓRIAS DE ALUNOS E PROFESSORES DE CIÊNCIAS
CONTÁBEIS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DO MOODLE
NO PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM
Janaína Borges de Almeida44
Jocyleia Santana dos Santos45
Resumo
O objetivo desta pesquisa foi relatar a utilização e contribuição, no processo ensino aprendizagem,
da ferramenta tecnológica moodle em disciplinas do Curso de Ciências Contábeis da UFT. Neste
artigo foi enfatizado a aprendizagem aberta e a distância que tem como foco os sistemas de
aprendizagem e não somente os sistemas de ensino. O método utilizado para o desenvolvimento
desta pesquisa foi a história oral, para isso foram realizadas entrevista que tiveram como base
questões semiestruturadas. A pesquisa bibliográfica também foi utilizada e serviu de base para
sustentação teórica do trabalho. Fizeram parte do grupo de entrevistados seis alunos que cursam o
oitavo período, do referido curso, e também seis professores que ministram disciplinas específicas
do curso. As entrevistas foram gravadas, posteriormente transcritas e serviram como suporte de
fonte oral para a análise dos objetivos traçados. Entre as atividades disponíveis no moodle
encontram-se: chat, fórum, blog, glossário, diário, wiki, questionários, tarefas,lição, escolhas, entre
outras. Durante as entrevistas realizadas os alunos relataram como contribuição dessa ferramenta a
agilidade e facilidade ao acesso de conteúdos postados pelos professore. As discussões disponíveis
pelos fóruns também foram apontadas como relevantes. Somente nove das quarenta e sete
disciplinas oferecidas no curso utilizaram a ferramenta. Os relatos dos professores ratificaram o
posicionamento dos alunos, no que tange a postagem de material, citaram também os fóruns, mas
não com a mesma frequência que as postagens. Relataram que nem todos os alunos acessam o
moodle, alguns nunca acessam. Reconheceram a necessidade de explorarem mais essa ferramenta, de
forma mais criativa, para despertar nos alunos o interesse pelas atividades desenvolvidas. Concluise, portanto que a ferramenta é relevante principalmente no que se refere a disponibilidade de
material para os alunos. Mas a questão maior deste trabalho era identificar as contribuições para o
processo ensino aprendizagem e não houve uma abordagem específica sobre esse assunto por parte
dos entrevistados. O que ficou claro é que é necessária maior adesão por parte dos professores e
mais criatividade para produzir atividades que contribuam verdadeiramente para que os sistemas de
aprendizagem possam trabalhar de forma mais eficiente e eficaz.
Palavras-chave: Aprendizagem a distância; Moodle; Ensino em Contabilidade.
Abstract
The aim of this study was to report the use and contribution in teaching learning process , the
technological tool in moodle disciplines of Accounting Course UFT . This article has emphasized
the open and distance learning which focuses on learning systems and not only education systems .
The method used to develop this research was oral history , for this interview were based on semistructured questions were conducted . A literature search was also used and served as the basis for
theoretical underpinnings of the work . Were part of the group interviewed six students who attend
the eighth sentence of that course , and also six teachers who teach specific course subjects . The
interviews were recorded , transcribed and served as support oral source for the analysis of
established objectives . Among the activities available in Moodle are : chat , forum , blog , glossary ,
daily , wiki , quizzes , assignments , lesson , choices , among others . During the interviews students
reported as a contribution of this tool agility and ease access to content posted by Teacher.
Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Tocantins. Professora efetiva do Curso de Ciências
Contábeis da Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected]
45 Doutora e Mestre em História pela UFPE. Professora e Coordenadora do Mestrado em Educação – UFT.
E-mail: [email protected]
44
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Available for discussions forums were also indicated as relevant . Only nine of the forty-seven
subjects offered in the course used the tool . Reports from teachers ratified the placement of
students , regarding the posting of material , also cited the forums , but not with the same
frequency as the posts. Reported that not all students access Moodle , some never access .
Recognized the need to further explore this tool , more creatively , to arouse students' interest in
the activities developed. It follows therefore that the tool is particularly relevant as regards the
availability of material for students. But the biggest question of this study was to identify the
contributions to the teaching learning process and there was a specific approach on this issue by the
interviewees . What was clear is that greater adherence by teachers and more creativity to produce
activities which help is needed so that learning systems can work more efficiently and effectively .
Keywords: Distance learning , Moodle , Teaching in Accounting .
Introdução
A presente pesquisa teve como objetivo relatar a utilização e contribuição, no processo
ensino aprendizagem, da ferramenta tecnológica moodle em disciplinas do Curso de Ciências
Contábeis da UFT.
É inquestionável a velocidade como a tecnologia da informação avança no cotidiano dos
cidadãos. Na educação ela também se faz presente e a sua utilização precisa ser avaliada, pois a
inserção nos cursos não significa estar sendo utilizada de forma contributiva para o processo ensino
aprendizagem. Logo, são necessárias discussões sobre como melhorar a utilização desse tipo de
tecnologia no ensino.
Existem diferentes ferramentas da tecnologia da informação e comunicação que podem ser
utilizadas em sala de aula, neste trabalho o software moodle, os computadores e a web foram
escolhidos como tecnologia e fazem parte do objeto pesquisado.
O método utilizado para o desenvolvimento da pesquisa foi a História Oral. Por
intermédio deste método buscou-se o relato de seis estudantes e seis professores do curso de
Ciências Contábeis do campus de Palmas-TO, sobre as contribuições da utilização do sistema
moodle para o processo ensino aprendizagem. Os alunos escolhidos estão cursando o oitavo período
do referido curso, do primeiro semestre do ano de dois mil e doze. Quanto aos professores, foram
escolhidos entre os que ministram disciplinas específicas do curso. As entrevistas ocorreram por
meio de questões semiestruturadas.
A utilização da História Oral permitiu o registro em tempo presente de posicionamentos
dos envolvidos no processo ensino aprendizagem, quanto a utilização da ferramenta tecnológica
moodle. Quanto aos procedimentos foi utilizada também a pesquisa bibliográfica, com base em livros
e artigos científicos.
Para responder a problemática proposta foram traçados os objetivos específicos que
visaram identificar quais as disciplinas que utilizam com maior frequência os recursos
disponibilizados pelo moodle; descrever quais os recursos do moodle são identificados pelos
professores como melhor linguagem de comunicação no processo ensino aprendizagem; apresentar
o posicionamento dos discentes sobre a contribuição do uso do moodle no processo ensino
aprendizagem do Curso de Ciências Contábeis.
Cabe destacar que essa pesquisa é um breve ensaio descritivo dos relatos, e não uma
pesquisa que buscou a totalidade dos participantes dos cursos da Instituição pesquisada. Nesse
sentido a intenção foi compreender como a ferramenta objeto do estudo contribui para o ensino e
aprendizagem em uma visão apresentada pelos professores e alunos pesquisados.
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As discussões sobre a aplicação de ensino mediado por tecnologias de informação e
comunicação perpassam por vários pesquisadores, e a questão da aprendizagem aberta a distância
está inserida nos debates. Não basta dispor de tecnologias avançadas, é necessária a verificação da
aprendizagem. Nesse sentido pretende-se com esse trabalho abrir mais uma discussão e deixar
reflexões sobre o que pode ser melhorado.
História Oral
Os registros sobre a utilização da História Oral no Brasil demonstram que este é um fato
historicamente novo. Foi nos anos de 1970 que a História Oral começou a se sedimentar no Brasil.
Por meio de uma ação pioneira, e porque não dizer ousada, da Fundação Getúlio Vargas, criou-se o
Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil e o Programa de
História Oral. Cujo objetivo inicial era registrar relatos orais de membros da elite brasileira, sobre a
política e economia do país. (SANTHIAGO, 2008)
Com o passar do tempo o objeto foi sendo alterado e em meados dos anos 80 e 90 os
registros e acervo do CPDOC foram enriquecidos com entrevistas que visavam outros projetos,
por exemplo: formação de instituições estatais (Petrobrás, Eletrobrás, BNDES, BACEN, outras),
constituição de entidades de ensino público e privado (CAPES, universidades privadas, outras),
atividades de seguro, urbanismo, ação de organismos governamentais e não governamentais.
(ALBERTI, 2005)
As razões que levam o registro de memórias, por meio da história oral são muitas. Hoje são
encontradas bibliografias diversas, com variados temas em artigos escritos utilizando o método da
História Oral, fato que pode ser comprovado se analisado o número de produções dos anais do
Congresso Brasileiro de História Oral.
Sobre o conceito de História Oral destaca-se que ―é um método de pesquisa que utiliza a
técnica da entrevista e outros procedimentos articulados entre si, no registro de narrativas da
experiência humana.‖(FREITAS 2006, p. 18)
Portanto para utilizar este método o pesquisador deve entrevistar pessoas, e esse
entrevistado é denominado fonte oral. Mas a fonte por si só não é história Oral, outros
procedimentos são utilizados, por exemplo, a gravação da entrevista, a transcrição da entrevista.
Reforçando o conceito de história oral Alberti (2005, p.18) assim discorre:
[…] a história oral é um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica etc.) que
privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam,
acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de
estudo.
Nesse contexto buscou-se ouvir o relato de testemunhas da UFT, mais especificamente do
curso de Ciências Contábeis sobre a utilização da aprendizagem aberta a distancia em complemento
ao ensino presencial, por intermédio do sistema moodle.
Aprendizagem aberta à distância
O mundo contemporâneo tem apresentado inúmeras inovações tecnológicas digitais, e isso
tem causado transformações de uma forma muito visível. A educação tem sofrido influência dessas
transformações uma vez que o uso de tecnologias digitais está presente na sociedade, e também em
sala de aula, quer por meio dos alunos, ou sendo utilizadas pelos professores como ferramentas de
apoio ao ensino.
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O aparecimento das tecnologias digitais, aliado a evolução dos meios de comunicação
proporcionou o aumento do ensino a distância. Esse fato possibilita a quebra de barreiras
geográficas e temporais entre professores e alunos.
A propagação da educação a distância - EAD e sua importância é um fato inquestionável,
mas há uma preocupação que perpassa essa situação, que é a aprendizagem dos alunos. Para Belloni
(2001) muitos modelos de EAD possuem práticas que se referem muito mais aos sistemas
ensinantes46 do que aos sistemas aprendentes47, nesse sentido será tratada nesta pesquisa a
aprendizagem aberta e a distância – AAD, que não anula a EAD, mas agrega valor e dá ênfase ao
uso do ensino a distância com foco na aprendizagem.
Segundo Belloni (2001) a AAD têm por características a flexibilidade, abertura dos sistemas
e estudantes mais autônomos. Destaca também que não há nesse sistema a prioridade de produção
de materiais e de uma organização industrial.
Tratando sobre este tipo de aprendizagem Lévy (1999) assim discorre:
De fato, as características da aprendizagem aberta a distância são semelhantes às da sociedade
da informação como um todo (sociedade de rede, de velocidade, de personalização etc). Além
disso, esse tipo de ensino está em sinergia com as ―organizações de aprendizagem‖ que uma
nova geração de empresários está tentando estabelecer nas empresas.
Nesse contexto de AAD entende-se que é possível enquadrar e desenvolver também
atividades semi-presenciais, flexibilizando aos ensinantes e aprendentes o desenvolvimento de
atividades interativas, buscando acompanhar a velocidade da informação, bem como os anseios da
sociedade em rede.
A autonomia dos estudantes é um ponto chave neste tipo de ensino. Em um contexto de
transformações onde navegar na web se tornou algo tão cotidiano para grande parte dos estudantes,
faz-se necessário pensar formas de mediar e agregar ao ensino aprendizagem a utilização de
mecanismos da era da tecnologia da informação e comunicação.
Neste trabalho enfatizou-se a prática da aprendizagem aberta a distância mediada pelo uso
de tecnologias digitais da informação e a web. Hoje os cursos, conteúdos e atividades
disponibilizados pelo professor, podem ser acessados por meio não só de computadores de mesas e
notebook, mas por tablet’s, celulares, ipad e outros meios que possibilitam o acesso a internet.
A web que antes era fixa em um local agora conta com a tecnologia móvel que possibilita o
acesso em qualquer local que tenha rede disponível. Então os aprendentes podem em diferentes
lugares acessar conteúdos diversos e aprender o que for disponibilizado.
Esse contexto de modificações causa pressões e oportunidades para a educação, de forma
mais específica neste trabalho a educação superior, então é necessário reavaliar as práticas
educacionais e melhora-lás, utilizando os recursos disponíveis, para o alcance da aprendizagem.
O que vale destacar é que tanto ensino convencional como o ensino a distância são
relevantes, há de se aproveitar o que cada modalidade tem para oferecer de forma complementar
uma a outra.
Em contextos que podem parecer futuristas, mas que já existem em zonas de alta tecnologia
situadas em países ricos, as tendências mais prováveis apontam para essa convergência dos
Ensinantes: Belloni define ensinantes como aqueles que se propõem em trocar conhecimentos neste
contexto podem ser professores e alunos.
47 Aprendentes: Termo utilizado por Belloni para definir os que estão dispostos a aprender (professores e
alunos).
46
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paradigmas presencial e a distância, possível graças a usos adequados e intensivos das TICs,
cujos resultados seriam, por um lado, o aperfeiçoamento do ensino convencional, que se
beneficiaria dos aportes metodológicos inovadores criados pelo ensino a distância e, por outro,
a melhoria da qualidade dos dispositivos a distância, beneficiados pela longa experiência
acadêmica dos sistemas convencionais de ensino superior. (BELLONI, 2008)
Do exposto percebe-se que a convergência entre as modalidades de ensino convencional e
a distância é uma realidade, e que precisa ser analisada, para que os resultados alcancem os efeitos
necessários, ou seja, a real contribuição para a aprendizagem.
As mudanças causadas pelas redes digitais no mundo influenciam a educação, e um ponto
extremamente importante nesse contexto é a possibilidade da aprendizagem coletiva. Então, o
ensino presencial ou a distância devem propiciar um ambiente colaborativo para que essa
aprendizagem possa ser desenvolvida.
Para Kenski (2007, p. 47) ―a dinâmica e a infinita capacidade de estruturação das redes
colocam todos os participantes de um momento educacional em conexão, aprendendo juntos,
discutindo em igualdade de condições, e isso é revolucionário.‖
Lévy (1999) aborda que: ―A direção mais promissora, que por sinal traduz a perspectiva da
inteligência coletiva no domínio educativo, é a da aprendizagem coletiva.‖
Enfim são muitos os recursos tecnológicos digitais disponíveis para aplicação na educação,
e que podem cooperar para que a aprendizagem coletiva e individual possa ocorrer, mas neste
trabalho o recurso escolhido como objeto de pesquisa foi o moodle, que será explanado a seguir.
Moodle
O moodle é um sistema de informações que gerencia práticas educativas a distância. Sobre a
utilização do moodle, afirma-se que ele pode ser aplicado em instituições distintas como
universidades, corporações privadas, outras, mas sempre com o intuito disseminar o ensino. Para
FOSTER e COLE ( 2007, p. xi): ― Moodle is an open source Course Management System (CMS)
that universities, comunity colleges, K- 12 schools, businesses, and even individual instructors use
to add web technology to their courses.‖48
Segundo Perez et al (2011) em 2001 o conceito sobre a ferramenta moodle se tornou mais
sólido fazendo parte da tese de Martin Dougiamas, que é educador e cientista em computação, cujo
título é: The use of Open Source software to support a social constructionist epistemology of teaching and learning
within Internet-based communities of reflective inquiry no Science and Mathematics Education Centre da
Universidade de Tecnologia localizada em Perth (Austrália).
O desenvolvimento desse sistema vem ocorrendo de forma colaborativa e voluntária, neste
contexto estão inseridos administradores, professores, pesquisadores, programadores e diversos
outros usuários espalhados pelo mundo, cujo modelo pedagógico apóia-se no construtivismo social
e na militância da gratuidade de programas de código aberto. (PEREZ et al 2011)
Após ser instalado em um servidor da instituição de ensino, por exemplo, o moodle poderá
ser acessado pelos usuários cadastrados, neste contexto professores, alunos e administradores do
sistema.
O Moodle é um sistema aberto de gerenciamento de Curso (CMS) que as universidades, faculdades
comunidade, K-12 escolas, empresas e até mesmo os instrutores individuais usam para adicionar a tecnologia
virtual para seus cursos.
48
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São disponibilizadas para uso do sistema moodle várias atividades e cabe aos professores
escolher a que for melhor para a situação a ser trabalhada em sala de aula. O quadro a seguir
demonstra as atividades e finalidades disponíveis no moodle.
Atividades
Chat
Finalidades
Permite a realização de uma discussão textual via web em modalidade síncrona.
Essa é uma maneira veloz de se obter diversos pontos de vista sobre um
assunto, e todos podem publicar textos ao mesmo tempo.
Diários
Corresponde a uma atividade de reflexão orientada por um moderador. O
professor pede ao estudante que reflita sobre certo assunto e o estudante anota
as suas reflexões progressivamente, aperfeiçoando a resposta.
Escolhas
Configura uma única pergunta com diversas opções de resposta. Serve para
fazer pesquisas rápidas de opinião, para estimular a reflexão sobre um tópico,
para escolher entre sugestões dadas, para a solução de um problema.
Fórum
Os fóruns têm diversos tipos de estrutura e podem incluir a avaliação recíproca
de cada mensagem. As mensagens são visualizadas em diversos formatos e
podem incluir anexos.
Glossário
Esta atividade permite que os participantes criem e atualizem uma lista de
definições como em um dicionário ou um FAQ (Frequently Asked Questions).
Lição
Uma lição publica o conteúdo em um modo interessante e flexível. Ela consiste
em um certo número de páginas. Cada página, normalmente, termina com uma
questão e uma série de possíveis respostas. Dependendo da resposta escolhida
pelo aluno, ou ele passa para a próxima página ou é levado de volta para uma
página anterior ou a outra página de reforço.
Questionários
Consiste em um instrumento de composição de questões e de configuração de
questionários. As questões podem ser de diferentes tipos: múltipla escola,
verdadeiro ou falso, resposta breve, etc.
Tarefas
Uma tarefa consiste na descrição ou enunciado de uma atividade a ser
desenvolvida pelo participante, que pode ser enviada em formato digital ao
servidor do curso utilizando a plataforma.
Wikis
O wiki permite a composição colaborativa de documentos com o uso do
navegador web. Para isto é adotado um formato simples de linguagem de
marcação.
Blog
Permite criar e manter blog simples, cuja estrutura permite a atualização rápida a
partir de acréscimos dos artigos (posts).
Quadro 1 – Principais atividades do Moodle
Fonte: Adaptado de Cole e Foster (2008) e menu de ajuda do Moodle
Com tantos aparatos o professor precisa ser criativo e disponibilizar atividades que
estimulem o pensamento e a aprendizagem de seus alunos. Por meio das atividades desenvolvidas e
mediadas pelo professor é possível gerir os acessos dos alunos. Não basta disponibilizar atividades,
é necessário medir o desempenho da aplicação destas atividades. O moodle, por se só não mede o
desempenho da aprendizagem, em determinadas atividades propostas pelo professor o objetivo
pode não ter sido alcançado, nesse contexto são necessárias avaliações periódicas via sistema assim
como por outros meios. Essas avaliações permitirão correções nos percursos adotados e melhorias
contínuas nas atividades propostas.
Resultados
Recortes das memórias relatadas pelos alunos
Com o intuito de responder os objetivos propostos, a primeira pergunta direcionada aos
alunos buscou verificar a contribuição percebida por eles quanto a utilização do moodle e de forma
geral todos apontaram como contribuição a disponibilização de material pelos professores.
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A utilização de técnicas de aprendizagem aberta e a distância possibilita o alcance dos
alunos em ambientes geograficamente diferentes do local onde são realizadas as aulas presenciais,
bem como em temporalidade diferente, podendo acessar e interagir com a atividade no horário que
for possível. Nesse sentido Scapini (2012) assim relatou:
Bom, eu acho que a vantagem ou as contribuições é: que facilita o aluno de certa forma a
chegar na universidade de maneira virtual. Eu não preciso sair da minha casa para desenvolver
uma atividade, você pode acessar em qualquer lugar, você evita perda de tempo, você tem de
certa forma agilidade nas respostas. Eu acho que facilita também para a divulgação das notas,
os professores, alguns, utilizam isso. Você consegue saber seu resultado, como você foi em
uma prova, se você ta de final, acho que essas são as principais contribuições.
Ratificando a posição exposta anteriormente Filho (2012) demonstra o interesse na
utilização da ferramenta, para acessar os conteúdos, pois em algumas ocasiões em que viaja a
trabalho pode acessá-los onde ele estiver. Segue o relato:
[...] Ter uma ferramenta a disposição pra você, até mesmo quando estiver viajando em algumas
necessidades, para quem trabalha, ter uma ferramenta para você... pode até acompanhar o
andamento da disciplina mesmo que falte alguma aula.
Além do tempo e espaço foram destacadas a agilidade e praticidade ao acesso aos
conteúdos disponibilizados. Sobre isso Sampaio (2012) discorre: ―Ah..., contribuição? A, seria, eu
acho a, a facilidade a praticidade né, de alguns conteúdos, de acesso a informações, tipo isso.‖
Aguiar (2012) relatou a importância das discussões entre professor e alunos por meio da
ferramenta e assim expôs:
[...], também tem professores que adotam o método de dar aula com, ao invés de serviço
presencial bem, aqui, presencial, você discute no moodle, é importante também, reduz, o custo,
assim, de tempo também, pra, pra o aluno né. [...]
O ensino do curso de Ciências Contábeis da UFT é presencial, e o moodle é aplicado de
forma complementar a este ensino. Na entrevista com XA (2012) houve o relato que existem
professores que aplicam aulas virtuais e ela se mostrou muito interessada por este tipo de aula.
Primeiro a questão das postagens, eu achei muito interessante, é, é rápido. A viabilidade do, do
conteúdo, as... também é mais rápido e a parte das aulas virtuais também é interessante, ter um
outro meio de aula uma outra forma de aula, não só em sala de aula.
Percebe-se pelo relato que no curso de Ciências Contábeis professores utilizam o ensino
semipresencial, corroborando com as afirmações de Belloni (2008), pois não é a sobreposição do
ensino presencial pelo ensino a distância a maior questão a ser discutida, mas a possibilidade de
utilizar o que for melhor em ambos os tipos de ensino.
Rodrigues (2012) relatou que antes da utilização do moodle havia dificuldade quanto ao
envio de materiais, pois a prática era que cada turma tinha um e-mail que servia como um canal de
comunicação entre os professores e os alunos. Mas como o e-mail era de uso coletivo muitas vezes
os materiais eram excluídos e alguns ficavam prejudicados.
[...] a gente criava um e-mail pra turma e aquele e-mail ali virava uma bagunça, porque todo
mundo tinha a senha todo mundo podia entrar e deletar arquivo. O professor mandava
arquivo, tipo, qualquer um podia entrar e deletar, tipo, o moodle não. Só quem postô, quem
postô o material que deleta, tipo, e isso ajudou bastante. [...]
Por fim, as contribuições da utilização do moodle, apontadas pelos alunos foram agilidade no
acesso de informações entre professor e aluno, postagem de material, discussão e a praticidade.
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Quanto a aprendizagem propriamente não houve apontamento específico. Ele é percebido mais
como um portal para comunicação e postagem de materiais.
O curso de ciências contábeis conta com quarenta e sete disciplinas na grade curricular,
distribuídas em oito semestres. A UFT disponibiliza a ferramenta moodle a todos os professores,
embora não haja obrigatoriedade de utilização. Os relatos dos alunos demonstraram que poucos
professores utilizaram esta ferramenta em sala de aula. Segue os relatos de quais as disciplinas mais
utilizavam:
Foi a disciplina de, teve a disciplina de tópicos especiais de contabilidade teve a disciplina de
projeto, a disciplina de contabilidade internacional, teve a disciplina de contabilidade avançada
e também usou muito a disciplina de monografia, também foi bastante útil. (FILHO, 2012)
[...]. Balanço Social e Contabilidade ambiental nós estamos utilizando. [...], contabilidade
tributária. Nós usamos um pouco em Controladoria. E usamos em Direito Comercial e
societário que é uma disciplina do segundo período mais que eu estou fazendo agora.
(SCAPINI 2012)
Dos relatos analisados foram apontadas que somente em nove disciplinas os alunos se
recordam da utilização do moodle. Com base nesses apontamentos pode-se inferir que não há uma
prática unânime dos professores na utilização da ferramenta, ou não houve essa prática na época
em que os alunos passaram pelos períodos anteriores.
O moodle tem vários recursos que podem ser utilizados no processo ensino aprendizagem,
por exemplo: chat, fórum, blog, questionários, postagem, glossário, entre outros, mas no curso de
contábeis predomina entre os professores a utilização da postagem de material, o fórum é utilizado
por poucos professores. Sobre este assunto Xá (2012) assim relata: ―Na... em monografia e projeto,
a professora usou os fóruns também, a gente conseguia se comunicar mais rápido, era realmente
uma aula virtual. O restante dos professores era mesmo só postagem‖.
Os alunos mostraram também opiniões diversificadas quanto as melhorias que eles
entendem que são necessárias. O interessante é que eles como sujeitos do processo percebem que
poderia ser melhor. Os relatos demonstram esse anseio.
O que pode melhorar é até os próprios professores que utilizam, se eles tivessem um
treinamento mais... sobre como utilizar a ferramenta. Por que eu creio que ta muito..., tem uns
professores que trabalham com a ferramenta de uma forma e outros trabalham de outra forma
e não tem uma padronização e também que a ferramenta está sendo de certa forma
subutilizada. (FILHO, 2012)
Outro ponto abordado que merece destaque, é a necessidade da instituição (UFT) oferecer
curso para capacitar os alunos. Existe a percepção de que a falta de capacitação os leva a
descobrirem sozinhos como utilizar a ferramenta.
[...]. Eu acho que apesar de ter sido divulgado ninguém aprendeu a mexer no moodle, ninguém
recebeu um curso para mexer no moodle, todo mundo mexeu empiricamente, trabalha até onde
consegue até onde viu alguém fazer. Então assim nunca ninguém me mostrou quais são as
possibilidades de trabalhar com essa ferramenta, eu não conheço todos os aplicativos todas as
ferramentas do moodle eu vou mexendo à medida que eu vou tendo necessidade. (SCAPINI
2012)
Na perspectiva das melhorias foi apontado também em um dos relatos que nem todos os
alunos acessam o moodle e o motivo é a necessidade de inclusão digital desses alunos. Sobre esse
assunto Sampaio (2012) assim discorre ―[...], e tem que verificar também a questão do, alguns,
embora a... a internet seja para todos, nem todos utilizam, tem acesso a internet e aí fica mais
complicado o acesso a essa ferramenta.‖ Embora pareça uma realidade distante das universidades, o
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que se percebeu é que a necessidade de inclusão digital ainda é um problema que afeta os
estudantes da instituição pesquisada.
Foi abordado como sugestão de melhoria por Aguiar (2012) ―[...], a possibilidade de alunos
conversarem entre si que na verdade a gente tem um, é possível conversar apenas com o professor
né, mais não tem um canal de comunicação entre o aluno....‖ Essa necessidade apontada pode ser
enfatizada sobre a ótica da construção da aprendizagem coletiva, destacada por Lévy (1999) como o
meio de troca de conhecimentos entre os pares professores e alunos bem como entre outros
pesquisadores. O canal deve ser aberto não só entre professor e aluno, mas deve ocorrer a interação
entre alunos também.
Foi relatado também que a estabilidade da página que sustenta o moodle é frágil: ―[...], por
mais que eu não entenda muito de informática, eu acho que um pouco, sei lá, [...], é, fraco, cai
muito, eu acho que faltava um pouco de, não sei, de alguma coisa (Risos). Mais interativo, talvez
seria a palavra(XA, 2012).‖ Isso leva ao entendimento que muitas vezes o sistema não está
disponível ao acesso dos alunos.
A forma como está disponibilizada a página do moodle também foi apontada como pouco
atrativa. Rodrigues (2012) ao ser perguntado sobre o que ele apontaria como necessário para
melhorar disse: ―Nele? O visual. (Risos). É, o layout, muito, muito, o visual dele é muito cafona.‖
No término das entrevistas foram feitos apontamentos sobre o moodle reconhecendo a
necessidade de melhor utilização no ensino presencial. Sobre este assunto Filho (2012) discorre:
E a ferramenta é um recurso que ta a disposição dos professores e dos alunos e ele é um
recurso, na minha opinião muito bom e deve ser explorado mais ainda, porque tem muito
potencial. Mesmo sendo um curso presencial uma ferramenta para suporte de tarefas a
distancia também ela tem utilidade mesmo no curso presencial.
Outro ponto que também merece destaque é quanto a postura dos professores que muitas
vezes é, segundo opinião de uma das entrevistadas, muito preso a sala de aula, utilizando como
método a aula expositiva.
[...] Mais tem muito professor que é muito preso à sala de aula, a dá aula, só expor e pronto,
fazer uma prova, acho que falta um pouco de professor que tem a mente um pouquinho mais
aberta também, pra essas novas tecnologias, mais a ideia do moodle é muito válida, mais eu acho
que ainda tá faltando alguma coisa. (XA, 2012)
Por fim, percebe-se que os entrevistados entendem a relevância do moodle e gostam da ideia
de utilização desta ferramenta de forma complementar ao ensino presencial. Porém, para ser
melhor utilizado é necessário que haja por parte dos professores maior adesão, treinamento para
fazer uso adequado dos recursos disponíveis, assim como o treinamento para os alunos.
Memórias de professores
As entrevistas realizadas com os professores possibilitaram identificar os recursos que são
mais utilizados no moodle, e os relatos ratificam as informações repassadas pelos alunos. Entre as
atividades (recursos) que mais são utilizadas se destacam a postagem de material e em menor
frequência o fórum.
O moodle tem muito mais do que eu utilizo, eu confesso que eu não
utilizo todos os recursos, mais eu utilizo fóruns com pouca frequencia,
utilizo o fórum, aviso e principalmente para a postagem de conteúdo,
principalmente. (FAIS, 2012)
[...] quanto aos recursos, eu não, eu não me considero usar muito os
recursos, acho que o moodle, ele oferece muito mais do talvez eu poderia
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até utilizar mas acaba não utilizando, então os recursos que eu uso é...
pra eles mandarem postar, uma resposta né, um link, um texto, um
trabalho, a resposta daquele material, [...] ( WRUBEL, 2012)
Os professores entrevistados que usam a ferramenta afirmam que a postagem é a atividade
mais utilizada. Reconheceram também que é possível e necessário explorar mais a ferramenta.
Quanto aos motivos que colaboram para a não utilização das demais atividades foram
apontados diferentes motivos. Seguem os relatos: ―[...] Só que eu acho que poderia usar mais. Eu
não uso porque acho... faltaria assim essa inovação, criatividade de ir lá organizar atividades
diferentes, [...](WRUBEL, 2012)‖
[...] eu não tive ainda a oportunidade de fazer o curso, porque tem o curso né? Pra gente poder
utilizar mais a parte pedagógica, eu não tive oportunidade ainda. Mas o pouco que eu aprendi
me ajuda bastante entendeu? Fazer a postagem né? Eu faço mais é postagem com os alunos.
(QUEIROZ, 2012).
Inovação e criatividade no desenvolvimento das atividades são atribuições requeridas do
professor que lida com esse tipo de tecnologia. A falta de atividades criativas pode prejudicar o
entusiasmo dos alunos.
A participação no treinamento oferecido pela instituição colabora para melhor
compreensão sobre como utilizar o moodle em sala de aula, mas quando o professor não é treinado
ele fica com certas limitações no uso da ferramenta.
Ainda relatando sobre a necessidade de treinamento Vieira (2012) assim discorre:
Pedagogicamente como eu falei, desde que haja treinamento do professor participar do
ambiente virtual, uma aula virtual é totalmente diferente de uma aula presencial é necessário
interação com aluno, um linguajar diferenciado também, desde que haja esse treinamento, é
excelente, uma redução de custo. O aluno tem uma aprendizagem adequada, porque hoje o
jovem ele... ele, gosta dessa interação, ele gosta dessa ferramenta, ele gosta da tecnologia da
informação e nós professores precisamos acompanhar essa evolução, eles são muito rápidos,
eles são... se eles participarem de um treinamento em um dia eles conseguem captar todas as
ferramentas que tem no ambiente virtual.
Uma ferramenta que possibilita desenvolver práticas de ensino a distância requer do
professor que agregue características diferentes em suas aulas, e para isso acontecer é preciso
treinamento e trocas de experiências.
O treinamento que a instituição oferece, mais as discussões e trocas de experiências que
podem advir de pesquisas científicas, ou ainda de relatos compartilhados entre os pares, são
significativos. Wrubel (2012) expõe uma sugestão sobre isso:
[...] eu acho que depende um pouco de cada um, também agente poderia criar alguns grupos
para sugestões. Ah, lembrei agora, pensei... talvez de compartilhar talvez em uma reunião
compartilhar o que você faz, o que..., que o outro faz.
A professora enfatiza a necessidade de trocas de experiências em reuniões de colegiado,
para que possa ser percebido o que está sendo utilizado por cada professor em sala de aula, no que
tange ao ambiente moodle. E isso é muito interessante, pois a socialização nos permite repensar as
nossas práticas e aprender com as experiências repassadas.
Foi sugerida também, a criação de um fórum de debates onde professores, coordenação e
até outras instituições participem, compartilhando sobre a utilização da ferramenta.
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[...] a gente poderia trocar idéias com outras instituições porque outras instituições... porque
outras instituições estão desenvolvendo a gente sabe que tem instituições que utilizam. Tenho
uma amiga que faz uma pesquisa nesse sentido, nesse ambiente virtual de aprendizagem e
também a legislação, de ambiente virtual. Trocar idéias e implementar essa ferramenta, ela ta ai
para ser usada, né e o professor precisa evoluir também, o aluno evoluiu o professor também...
e utilizar essa ferramenta juntamente ai... juntar os professores a coordenação e debater sobre o
assunto é interessante de repente criar um fórum de debates, é isso ai. (VIEIRA, 2012)
Um dos entrevistados relatou a sua insatisfação por não ter acesso ao sistema como
deveria, o perfil de acesso deste professor está como aluno e isso o impossibilitou a responder
sobre as contribuições da ferramenta no ensino de suas disciplinas. ―Eu não consigo fazer nada, os
outros professores conseguem, fazer é... desenvolver atividades dentro desse moodle, eu nem
conheço ele porque o meu acesso é totalmente limitado, né (BIANGULO, 2012)‖.
Outro ponto relatado que merece destaque é sobre a adequação dos planos de ensino,
constando a utilização do moodle como ferramenta de suporte as aulas tele presenciais, de forma
institucionalizada.
[...] eu gostaria assim de poder dizer pra própria instituição dela inclusive ampliar, e colocar
mecanismos inclusive de avaliação obviamente que isso deveria haver uma reestruturação
institucional, inclusive até talvez constar isso num plano de aula, numa programação de uma
aula, inclusive telepresencial, uma aula virtual, porque a ferramenta possibilita isso.[...]
(WELTER,2012)
A ênfase da disponibilização em planos de aulas das atividades desenvolvidas pelos
professores por meio do moodle, é relevante, pois os registros permitem a auto avaliação, consultas
para pesquisas, análises institucionais.
Embora as tecnologias digitais estejam presentes no mundo contemporâneo e nas salas de
aulas, nas aplicações das atividades do moodle existe a figura dos alunos que não o acessam. Sobre
isso a seguinte colocação foi abordada: ―Então assim a utilização por parte dos alunos varia muito,
muito mesmo, uns utilizam muito outros talvez nada nem um pouco (FAIS, 2012)‖. Portanto são
necessários estudos que busquem entender também o porquê de não ocorrer o acesso.
Considerações
Os fatos expostos permitiram verificar que as disciplinas que utilizam com maior
freqüência o moodle no curso de Ciências Contábeis da UFT são TCC - projeto e TCC - monografia,
as demais que totalizam sete disciplinas citadas, não tiveram a mesma frequência de utilização.
No cruzamento dos relatos e informações repassadas pelos entrevistados foi percebido que
há coerência entre as colocações sobre os recursos do moodle mais utilizados, ambos citaram a
postagem de atividades. Merece destaque o reconhecimento dos professores sobre a não utilização
dos variados recursos disponíveis, eles enfatizaram que poderiam utilizar mais.
Os fatos apontados como motivadores da não utilização de outros recursos foram, por
exemplo, falta de treinamento, falta de tempo para produzir atividades mais criativas, falta de
disponibilidade de acesso no sistema.
Os alunos relataram como contribuição do moodle a facilidade e agilidade de acesso ao
material postado pelos professores. Outro ponto abordado foi a flexibilidade de acesso ao material
sem precisar ir até a Universidade. Os fóruns também foram citados como relevantes, e desperta
interesse nos entrevistados.
Conclui-se, portanto que sobre a contribuição para o ensino aprendizagem não houve
apontamentos nos relatos dos entrevistados, as contribuições foram enfáticas no que tange a
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disponibilidade de material e praticidade de acesso a esses materiais. Portanto há de se repensar as
práticas adotadas no processo ensino aprendizagem com a mediação do moodle para que esse
sistema seja melhor aproveitado.
Referências
ALBERTI, Verena. Tratamento das entrevistas de história oral no CPDOC. Rio de Janeiro: CPDOC,
2005.
____________. Manual de história oral. 3 ed. Rio de Janeiro: FVG, 2005.
BELLONI, Maria Luiza. Educação a distância. 2 ed.Campinas, SP: Autores Associados, 2001.
COLE, Jason.; FOSTER, Helen. Using Moodle. 2 ed. USA: O‗Reilly Media, 2008
FREITAS, Sônia Maria de. História oral: possibilidades e procedimentos.2. ed.. São Paulo: Associação
Editorial Humanitas, 2006.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: O novo ritmo da informação. 7 ed. Campinas, SP: Papirus,
2007.
LÉVY, Pierre. Cibercultura; tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 2 ed.1999.
PEREZ, Gilberto et al. Tecnologia de informação para apoio ao ensino superior: o uso da
ferramenta moodle por professores de ciências contábeis. V Congresso APNCONT. 2011.
SANTHIAGO, Ricardo. Da fonte oral à história oral: debates sobre legitimidade. Saeculum – Revista de
História [18]; João Pessoa, jan/jun.2008.
Entrevistas
AGUIAR, Leandro Souza. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas-TO novembro de 2012.
BIANGULO, Vilmar Custodio. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas-TO novembro de 2012.
FAIS, Creunice de Lourdes. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas-TO novembro de 2012.
FILHO, Arino Nogueira Sombra. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas-TO novembro de 2012.
QUEIROZ, Ramon Gomes. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas-TO novembro de 2012.
RODRIGUES, Yan Moreira. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas-TO novembro de 2012.
SAMPAIO, Ana Cristina Pereira. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas-TO novembro de 2012.
SCAPINI, Tiago Battisti. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas -TO novembro de 2012.
VIEIRA, Marli Terezinha. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas-TO novembro de 2012.
WELTER, Marlene. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas-TO novembro de 2012.
WRUBEL, Franciele. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas-TO novembro de 2012.
XA, Klannarrara Wanderffanny. Entrevista concedida a J.B.A. Palmas-TO novembro de 2012.
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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O DISCURSO DA INOVAÇÃO NO REFERENCIAL CURRICULAR DE LÍNGUA
PORTUGUESA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL – 1º AO 9º ANO:
UMA ANÁLISE SEMIÓTICA
Jônatas Gomes Duarte
Doutorando do PPGLetras: Ensino de Língua e Literatura
UFT – Universidade Federal do Tocantins
José Amilsom Rodrigues Vieira
Mestrando do PPGLetras: Ensino de Língua e Literatura
UFT – Universidade Federal do Tocantins
Maria José de Pinho
Doutora em Educação e Currículo
Profª no PPGLetras e no PPGEducação
UFT – Universidade Federal do Tocantins
Resumo
Este artigo teve como objetivo analisar o discurso da inovação no Referencial Curricular de Língua
Portuguesa para o Ensino Fundamental – 1º ao 9º ano, do Estado do Tocantins (RC/TO). Buscouse verificar se a criatividade e a inovação são conceitos trabalhados na composição desse
documento para possibilitar ao professor e aos alunos transformar informações em conhecimentos.
Várias são as perspectivas que se lançam ao conceito de inovação. Assumimos neste trabalho o
enfoque sociocultural, que apresenta inovação como um processo dinâmico e aberto. A análise
seguiu os pressupostos teóricos da semiótica discursiva. Para tanto teve embasamento em teóricos
como Barros (2005) e Fiorin (2008).
Palavras-chave: Inovação. Semiótica. RC/TO.
Abstract
This article aims to analyze the discourse of innovation in the Portuguese Language Curriculum for
Elementary School-1st to 9th, the State of Tocantins (RC/TO). We attempted to verify if the
creativity and innovation are concepts used in the composition of this document to enable the
teacher and students transform information into knowledge. There are several prospects who throw
themselves to the concept of innovation. We assume in this paper the sociocultural approach that
presents innovation as a dynamic and open process. The analysis followed the theoretical
assumptions of discursive semiotics. For that, this paper has theoretical argument founded in
Barros (2005) and Fiorin (2008).
Keywords: Innovation. Semiotic. RC/TO.
Introdução
Nos dias atuais, temos duas vertentes que sinalizam para uma contradição: de um lado, a
extraordinária quantidade de informações em circulação, que possibilita o crescimento das
expectativas humanas; de outro, o enfraquecimento da escolha, da autonomia e da criatividade
humana. É fato que a evolução social descerrou novas possibilidades de liberdade individual,
todavia, as agências de ensino, por si mesmas tendenciosas a sistemas meramente estatísticos,
quantitativos e uniformizadores, têm tornado incolores a descoberta e o conhecimento.
Parece-nos, noutros termos, que os sistemas de ensino oficiais se mostram em demasiado
administrativos, políticos e, concomitantemente, rígidos, não muito abertos a transformações
inovadoras, embora em suas formulações atestem terem sido construídos sob a colaboração de
agentes educacionais e sociais, não sendo de tudo uma inverdade. Quando analisados, na teoria,
admitem percursos de educação livre, eficaz e criativa, mas revelam nas orientações didáticas
descontextualização, que perpassa desde os norteamentos burocratizados ao professor até os
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recursos e equipamentos a serem utilizados para a elucidação do conteúdo, que nem de longe
permeiam a realidade do espaço escolar.
É nessa perspectiva que analisaremos, neste artigo, o Referencial Curricular de Língua
Portuguesa para o Ensino Fundamental – 1º ao 9º ano, do Estado do Tocantins (RC/TO).
Buscamos constatar se criatividade e inovação são conceitos trabalhados na composição desse
documento para possibilitar ao professor e aluno transformar informações em conhecimentos.
Mais especificamente, as análises se concentrarão na sintaxe do nível narrativo, incidindo sobre a
relação discurso/ação do professor em face de alternativas ao ensino de gramática normativa.
Nesse intento, serão tomados por empréstimos saberes próprios da semiótica discursiva (BARROS,
2005; FIORIN, 2008).
A semiótica discursiva
A semiótica, tendo o texto por objeto, preocupa-se em buscar a descrição e explicação do
que este diz e como ele faz para dizer o que diz, concebendo a sua produção de sentido a partir de
um percurso gerativo constituído de três patamares (BARROS, 2005). As três etapas desse
percurso, conforme a autora, assim se definem:
A primeira etapa do percurso, a mais simples e abstrata, recebe o nome de nível fundamental
ou das estruturas fundamentais e nela surge a significação como uma oposição semântica
mínima;
No segundo patamar, denominado nível narrativo ou das estruturas narrativas, organiza-se a
narrativa, do ponto de vista de um sujeito;
O terceiro nível é o do discurso ou das estruturas discursivas em que a narrativa é assumida
pelo sujeito da enunciação (BARROS, 2005, p. 13).
Cada um dos três níveis, assinala Fiorin (2008), dispõe de um componente sintáxico e de
um componente semântico.
Na semântica do nível fundamental, encontram-se as categorias semânticas que estão na
base construtiva do texto. Na sintaxe desse patamar, têm-se duas operações básicas, a negação e a
asserção, que podem ser expressas nas seguintes relações: afirmação de a, negação de a, afirmação
de b; afirmação de b, negação de b, afirmação de a.
Na sintaxe do nível narrativo, há dois tipos básicos de enunciados: enunciados de estado,
que estabelecem a relação de junção (disjunção ou conjunção) entre um sujeito e um objeto;
enunciados de fazer, que mostram as transformações de um estado a outro. Nesse nível, as
narrativas se estruturam sob uma sequência canônica: manipulação, competência, performance e
sanção. Na manipulação, tem-se a ação de um sujeito (destinador-manipulador) sobre o outro
(destinatário), levando-o a querer e/ou dever fazer algo. Para tanto, o manipulador propõe ao
destinatário uma espécie de contrato e para persuadi-lo utiliza estratégias como tentação,
intimidação, provocação e sedução.
Na fase da competência, o sujeito que fora manipulado é dotado, pelo destinatário, de um
saber e/ou poder fazer, necessário à realização da transformação central da narrativa. A fase seguinte é
a da performance, na qual ocorre a transformação (mudança de um estado a outro) central da
narrativa. A última fase é a sanção, em que se verifica se a performance foi ou não realizada. Tem-se,
então, eventualmente, a distribuição de prêmios ou castigos. A semântica do nível narrativo, por seu
turno, ocupa-se dos valores que se inscrevem nos objetos: os objetos modais, que são o querer, o
dever, o saber e o poder, elementos cuja aquisição é necessária à realização da performance; os objetos de
valor, com os quais o sujeito entra em disjunção ou conjunção na performance.
Na sintaxe do nível discursivo, encontram-se dois aspectos: as projeções da instância da
enunciação (pessoa, tempo, espaço) no enunciado e as relações entre enunciador e enunciatário (a
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argumentação). Por fim, na semântica discursiva, tem-se o revestimento, e, por conseguinte, a
concretização das mudanças de estado do nível narrativo.
Da expectativa à crítica
O advento dos PCN não resultou em respostas diretas às demandadas das salas de aula.
Em face dessa lacuna e pela exigência legal que impõe aos estados a formulação de suas próprias
diretrizes, a Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Tocantins criou o Referencial
Curricular de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental – 1º ao 9º ano (RC/TO) (SILVA &
MELO, 2009).
Considerando-se que a elaboração do RC/TO mobilizou, entre seus autores, a participação
dos professores da rede estadual de ensino (PALMAS, 2009, p. 17), criou-se ―expectativa de que
orientações de ‗como trabalhar conteúdos em sala de aula‘ fossem apresentadas, ampliando o
espaço da prática escolar na diretriz local que orienta o ensino de língua materna‖ (SILVA &
MELO, 2009, p. 38). Dito de outra forma, esperava-se poder, finalmente, principiar, de forma
efetiva, a renovação das práticas escolares.
Em pesquisa realizada com professores da educação básica, entretanto, Silva & Melo
(2009) constataram que a familiaridade entre o referencial estadual e os PCN desencadeou, por
parte dos docentes, denominações como transgênico, genérico, fichamento, resumo, síntese.
Qualificadores dessa natureza atribuem ao referencial o status de cópia ou mesmo plágio dos PCN,
afirmam os autores. No entanto, Silva & Melo (2009), em detida análise sobre tais afirmações,
depreendem que a constituição do RC/TO se define por um complexo processo de
intertextualidade.
O ponto fulcral dessa intertextualidade, para angústia dos professores, é o fato de que ―o
referencial estadual parece reproduzir os mesmos problemas apontados por eles nos PCN, a saber:
ausência de propostas de práticas efetivas para sala de aula‖ (SILVA & MELO, 2009, p. 56-57).
Criar para inovar
Várias são as perspectivas que se lançam ao conceito de inovação. Dentre as inúmeras
propostas de definição, assumimos aqui o enfoque sociocultural, que compreende inovação enquanto
―interação entre as condições socioculturais, contextuais e pessoais dos que decidem iniciar um
projeto de mudança‖, (TORRE, 2012, p. 18). A ação inovadora constitui-se, especificamente, um
―processo de gestão de mudanças específicas (em ideias, materiais ou práticas do currículo), com
vistas ao crescimento pessoal e institucional‖ (TORRE, 2012, p. 18 – parênteses do autor).
No âmbito educacional, inovação manifesta-se como um
processo dinâmico e aberto, de caráter multidimensional e complexo, inserido em uma
realidade sociocultural e humana que busca o crescimento pessoal, institucional e melhora
social, o que requer estratégias de participação colaborativa (TORRE, 2012, p. 99).
Para o autor, inovação constitui-se, ainda, ―a projeção social da criatividade‖. E
criatividade, compreendida sob o enfoque sociocultural, define-se como ―o potencial humano para
gerar ideias novas dentro de um quadro de valores e comunicá-las‖ (TORRE, 2012, p. 66). Esse
potencial seria encontrado tanto em pessoas individualmente como coletivamente.
No espaço escolar, ação criativa estaria condicionada à potencialidade dos atores
envolvidos e à confiança destes na realização das metas coletivamente assumidas. Sem esse
envolvimento, sem essa participação colaborativa, os projetos de inovação se constituem, no
entendimento de Torre (2012), simples ―arquivo de intenções‖. O autor acrescenta que práticas
criativas são sempre precedidas por uma tomada de consciência sobre dado problema, mas adverte
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que não bastam a consciência e a intenção, o saber e o dizer. É essencial que se tenha meios para ir
além do discurso.
A inovação como discurso
O RC/TO, em sua introdução, após breves considerações sobre a realidade complexa e
contraditória vivida pela sociedade brasileira, traz acentuado que o dever da escola é assumir uma
postura proativa diante do cenário de mudanças que caracteriza a passagem do milênio. Diante
disso, manifesta o comprometido das instâncias públicas do estado nesse sentido.
Nessa concepção, a Secretaria de Educação do Estado do Tocantins, através do seu
Planejamento Estratégico, vem adotando medidas e empreendendo esforços para o
enfrentamento das questões que afligem a educação brasileira e, em especial, a escola pública
do Tocantins, com o objetivo de minimizar o analfabetismo, a reprovação, a evasão escolar,
tantas vezes denunciados, ainda presentes em nossas escolas, e, assim, promover um ensino de
qualidade para todos os seus alunos, contribuindo para a melhoria das condições de vida do
seu povo (PALMAS, 2009, p. 17).
Tem-se aqui instaurado o discurso que, a exemplo do que se percebe nos PCN (BRASIL,
1998), perpassa as diretrizes do referencial estadual, o da inovação. A esse respeito, Silva (2007 apud
SILVA & MELO, 2009) esclarece que esse discurso inovador nos parâmetros curriculares se
evidência pela ―apresentação de práticas pedagógica rechaçadas, antecedendo as orientações
informadas pelos recentes estudos linguísticos teóricos e aplicados‖. Constituindo-se intertexto dos
PCN, o referencial abriga, por conseguinte, o discurso das propostas inovadoras.
Insta reafirmar que o referencial curricular teve suas primeiras respirações, mesmo que em
tese, em um amplo debate, em um conjunto de esforços despendidos pelos diversos atores do
cenário educacional do Tocantins:
O presente Referencial Curricular é uma construção coletiva que mobilizou
professores universitários, técnicos da SEDUC e educadores da rede estadual de
ensino, tornando-se um rico momento de discussão e de comprometimento com as
proposições assumidas em prol da melhoria da escola pública do Tocantins
(PALMAS, 2009, p. 17).
Conquanto ostentando a bandeira da construção coletiva, o referencial assume, no interior
do seu discurso, um tom prescritivo, também a exemplo dos PCN. Ou seja, o RC/TO traz, em suas
proposições, sob o escudo dos estudos linguísticos, um pretenso como fazer. Cabe ao professor,
então, o dever fazer, trilhar pelos caminhos que se apontam no documento oficial, executar tais
propostas. Inovar sua prática, portanto.
Observe-se que, embora o referencial permita abrigo a considerações sobre a função social
da escola (PALMAS, 2009), o que prevalece no referencial é o discurso que cria a imagem do
professor como sujeito em disjunção com propostas que apontam para o ensino dos novos tempos.
Referendado em Moreto (2000), o documento prescreve:
Para se ter sucesso no ensino é preciso que o professor estabeleça claramente os objetivos ao
preparar suas aulas, analisando os conteúdos propostos e verificando se são relevantes para o
contexto de seus alunos, considerando as características psicossociais, grau intelectual,
capacidade de estabelecer relação do conteúdo ensinado com o dia a dia (PALMAS, 2009, p.
28).
Ter clareza quanto aos objetivos significa, dentre outros, pôr sua própria prática em
suspeição à luz do que a escola do terceiro milênio exige do processo ensino/aprendizagem de
língua materna. Considerando que assim é, o RC/TO, enquanto documento oficial, se antecipa,
trazendo em suas diretrizes o que se pode consubstanciar como um contrato, um acordo ofertado
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ao professor. Com o intento de persuadi-lo, o manipulador age por sedução. O observe-se, nesse
sentido, que, em sua introdução, o RC/TO traz a afirmação de que as diretrizes por ele
recepcionadas possuem ―as marcas das experiências dos professores do Tocantins e reflete,
portanto, os verdadeiros ideais da comunidade educacional e da sociedade tocantinense‖
(PALMAS, 2009, p. 17).
O documento, pois, em suas estratégias de convencimento, ao mesmo tempo em que traz a
imagem do professor que deve, que precisa inovar, traz a imagem do professor que quer e pode
inovar, dado ser este um dos coautores das diretrizes curriculares. E o professor, em seu fazerinterpretativo, deve acreditar no destinador, deve aceitar o contrato. Deve assumir, portanto, um
querer/dever fazer, um desejo de abandonar velhas práticas, entrar em conjunção com o objeto-valor
inovação.
Modalizado por esse querer/dever fazer, toma consciência da necessidade de reflexão e
autocrítica. Busca, então, formas de realizar a performance demanda pelo contrato. Modalizado por
esse querer/dever fazer, deve acreditar, portanto, que pode mudar a rotina de suas aulas, enfrentar
dogmas, inovar, enfim. Mas ainda que, nas palavras de Torre (2012), a consciência seja condição sine
qua non para a ação inovadora, há que se considerar que, entre a percepção de dado problema e sua
resolução, há o ato criativo. Ou seja, a consciência por si só é elemento insuficiente.
Em um tatear por mudanças, o professor nega, naturalmente, velhas práticas, entre elas o
ensino de gramática sob o enfoque prescritivista, expressão maior do tradicionalismo. Em uma
interpretação equivocada do que sugerem os estudos linguísticos, o professor se agarra, às escuras, à
prática de análise linguística (AL), que se define, conforme o referencial, como análise dos
―procedimentos e os recursos linguísticos utilizados na prática de escuta e leitura, na produção de
textos orais e escritos‖ (PALMAS, 2009, p. 45).
Devendo estar dotado de um suposto saber fazer, o professor encontra na prática de AL
terra produtiva às sementes de inovação. Mas não inova. Ainda que informado por todo um aporte
teórico sobre tal prática, falta a estratégia, o método capaz de criar alternativas, de trazer à sala de
aula formas que assegurem a inovação delineada pelo referencial. Daí decorre que,
em muitos casos, o professor chega a retornar às aulas de gramática convencional, ainda que
compreenda as falhas desse modelo, justamente pela dificuldade de efetivar a prática de AL, ou
seja, de articular a reflexão sobre os fenômenos linguísticos à produção de sentido, ao
tratamento da norma e às necessidades de aprendizagem dos alunos (MENDONÇA, 2006, p.
223).
A citação pode ser tomada como representativa de como, de forma intuitiva, o professor
tenta preencher as lacunas deixadas pela suposta ausência da gramática tradicional enquanto
disciplina.
Diante das dificuldades de inovar a prática, inova-se o discurso. Desertos de criatividade
para consubstanciar o que advoga a teoria, o docente forja, em sua fala, indícios de práticas
inovadoras, buscando mascarar a sua não competência para realiza a performance. Para tanto, diante
das propostas de mudança, o professor assume publicamente, por exemplo, trabalhar ―tudo a partir
do texto‖, quando, na verdade, a afirmação de que se trabalha com a gramática ―contextualizada‖
oculta, muitas vezes, o fato de que o texto continua sendo pretexto para ensinar gramática
(MENDONÇA, 2006).
Ensinar ou não ensinar gramática na escola não é mais a questão, afirma Signorini (2011).
Há que se considerar, entretanto, que a literatura especializada tem denunciado o equívoco de se
confundir o ensino de gramática normativa com de ensino de língua materna. Sob uso de uma frágil
analogia, muitos professores confundem inovação no ensino de língua materna com o abandono da
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gramática tradicional como disciplina, por não saberem criar estratégias outras que possam, de
forma coerente, apontar para mudanças no ensino/aprendizagem de português.
Iniciar processos de mudanças implica, inevitavelmente, ação criativa. E criar implica
desconstrução. Nesse sentido, Pedro Demo (2010) afirma que o dilema do professor é inovar-se a
si mesmo para poder, então, inovar a sua prática. Acreditamos ser isso o antissujeito maior que se
ergue contra o professor na busca por seu objeto-valor, a mudança de sua prática pedagógica. Não
significa dizer, em palavra alguma, que os professores sejam resistentes a novas formas de gerir a
sua prática. Ao contrário, aceitam o acordo que o documento oficial oferece, inquietam-se em
cumpri-lo; sabem o que querem. Falta-lhes criatividade, entretanto. A competência necessária à
performance lhes foi negada na formação inicial e continua ausente nas formações continuadas, nos
encaminhamentos propostos por livros didáticos, nas produções acadêmicas que efetivamente
ampliem a capacidade de encontrar caminhos.
Na grande maioria dos cursos de formação de professores no Brasil, nos alerta Alencar
(2007), criatividade não é tema acolhido nos seio das discussões. Nas formações em serviço, nas
quais o docente, como sujeito e interlocutor, deveria ser mobiliado a pensar novos caminhos ao
como fazer, o que se mantém é a mecânica do dever fazer (SILVA E., SILVA L. & BARBOSA, 2009),
como se prescrições por si só assegurassem mudanças. No exercício pedagógico, muitos são os
adjuvantes do antissujeito que se contrapõem à expressão da criatividade e inovação docentes. Os
mesmos vão desde a estrutura organizacional até a falta de reconhecimento em relação a projetos e
ideias, passando pela crítica e falta de colaboração dos colegas (ALENCAR & MARIANI, 2005). O
próprio RC/TO não faz menção a esses conceitos. E não se encontra sozinho nessa omissão. Vide
os PCN de língua materna, com o qual o referencial dialoga ao pé do ouvido.
Significa dizer que o professor não tem, em princípio, aportes necessários à criação de
encaminhamentos inovadores. Não há como, portanto, cumprir o contrato, honrar o acordo. O que
se tem, em decorrência, é a fase da sanção. Constatada a não realização da performance, o destinadorjulgador impõe ao professor o dever de corroborar o discurso oficial de inovação, o qual se cumpre,
por exemplo, na legitimação da política educacional de resultados, da fabricação de índices não
condizentes com contradições das salas de aula. Esse dever, por outro lado, resulta em benefício ao
apenado, que acaba, de certa forma, construindo sua imagem de coautor no processo de
ressignificação das práticas escolares.
Considerações finais
―Querer é poder‖. Esse provérbio, cuja autoria é atribuída à sabedoria popular, nunca foi
tão falacioso, principalmente se o relacionarmos aos intentos de inovação docente. O ato criativo e
a ação inovadora passam por caminhos diversos, sabemos, mas acreditamos na criatividade como
potencial humano e na inovação como projeção social dessa potência. Nesse sentido, as mudanças
que os novos tempos reclamam só serão possíveis se forem resultado do esforço coletivo de atores
diversos, em especial, formadores, professores e instâncias públicas competentes na
elaboração/execução de projetos que possam, de fato, nortear os novos rumos da educação. Sem
uma noção de responsabilidade mútua, cada um continuará, a seu modo, acomodado ao faz de
conta pedagógico.
Referências
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limites e possibilidades. Psicologia Escolar e Educacional, v. 9, n. 1, p. 27-35, 2005.
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creativo de las instituciones Educativas (VADECRIE). Sevilla: Círculo rojo, 2012.
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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STARDUST O MISTÉRIO DA ESTRELA DO LIVRO AO FILME
O NARRADOR ENTRA EM CENA
José Padilha Vichinheski
UNICENTRO/I49
Ricardo André Ferreira Martins
UNICENTRO/I50
Resumo
Este artigo busca analisar na obra Stardust o mistério da estrela, de Neil Gaiman e sua adaptação
cinematográfica, homologias entre as duas obras, focalizando, dentro dessas obras a figura do
narrador, ressaltando sua importância, similaridades ou divergências de sua presença na obra fonte e
na obra adaptada quando da transposição intersemiótica. Para compreender a questão da
transposição intersemiótica do livro para o cinema, recorrer-se-á nas teorias de Claus Clüver (1997),
que norteou este estudo interartes.
Palavras-chave: Narrador. Transposição intersemiótica. Literatura e Cinema.
Abstract
This article seeks to analyze in the work Stardust the mystery of the star by Neil Gaiman and its
film adaptation, homologies between the two works, focusing, in these works the figure of the
narrator, emphasizing its importance, similarities or differences of their presence in the source work
and its adaptation when there was the intersemiotic transposition. To understand the issue of the
intersemiotic transposition of the book to the film, we will support in the theories of Claus Clüver
(1997), which guided us in this interart study.
Keywords: Narrator. Intersemiotic transposition. Literature and Film.
Considerações iniciais
Análises comparativas entre mídias diferentes expressando a arte nas mais variadas formas
é tentar entender o modo de expressão que o artista se utilizou na reprodução de uma determinada
arte. Novas versões ou adaptações de obras de arte se constituem ao longo do tempo a fim de
mostrá-las de forma diferente. Os avanços tecnológicos têm contribuído para o surgimento de
novas adaptações artísticas. O advento do cinema é a prova concreta de tal afirmação. Ao processo
de passagem da arte de uma mídia para outra denominamos de transposição intersemiótica.
Entenda-se mídia aos meios artísticos e comunicativos a fim de expressar o pensamento do artista
como música, teatro, dança, cinema e etc; e transposição intersemiótica ao processo de transpor,
mudar de uma mídia para outra. Trata-se, portanto de reproduzir uma arte de maneira diferente.
Por exemplo, as adaptações cinematográficas, transformando literatura em imagens fílmicas.
Analisar homologicamente duas mídias é tentar entender o que tem de semelhante ou
diferente, sobretudo entender a razão das modificações.
A arte cinematográfica surgiu em meados do século 20 e com ela adaptações literárias para
o cinema de acordo com as possibilidades técnicas da época. Das primeiras imagens do cinema
mudo e em preto e branco do início do século 20 até as atuais e modernas salas de cinema com
Acadêmico do Curso Letras-Inglês da Universidade Estadual do Centro Oeste - Unicentro-Irati – Paraná.
e-mail: [email protected]
50 Professor do Departamento de Letras da Universidade Estadual do Centro-Oeste - Unicentro - Irati –
Paraná. Mestre em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/UNESP, (2000).
Doutor em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP (2009). e-mail:
[email protected]
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imagem digital, visão três D e som acústico surround houve uma grande evolução. No ritmo
galopante que as descobertas tecnológicas caminham, adaptações cinematográficas se constituirão
cada vez mais de modernos suportes.
Este trabalho demonstrará algumas semelhanças e algumas divergências existentes
comparando o livro, texto fonte, com sua respectiva adaptação para o cinema na obra Stardust o
mistério da estrela.
O livro Stardust
No ano de 1999 o escritor inglês Neil Gaiman, já famoso por ter escrito a série Sandman,
entre outros livros de fantasia e histórias em quadrinhos, publicou Stardust o mistério da estrela, um
romance com nuances de conto de fadas, alocando bruxas e príncipes num cenário composto de
dois mundos paralelos divididos por um muro gigantesco.
O romance conta a história do jovem Tristran numa busca alucinante por uma estrela para
provar sua paixão por Victoria, o grande amor de sua vida. Essa busca inicia-se quando Tristran
promete fazer qualquer coisa para conquistar o coração de sua amada.
Tristran Thorn, personagem principal, no estilo bom rapaz, é descrito no livro como
sujeito pacato, sem grandes ambições, de poucas posses, mas com um sonho de conquistar a amada
Victoria. Para criar esse personagem quando da transposição para o cinema o autor do filme mostra
um personagem aparentemente jovem, de boa índole, que ao ser insultado por alguém releva sem
revidar, e que não sente maldade em seu coração.
Yvaine, a estrela, também personagem principal, é pura de coração e se apaixona por
Tristran. Não deseja mal a ninguém. Não consegue esconder o amor que sente irradiando luz
sempre que está próxima de Tristran.
Trata-se de uma ficção romântica e cheia de aventura enleada de um clima de mundo
fantástico.
Pressupõe-se que Stardust seja uma obra de ficção por se utilizar de personagens e
elementos lendários como bruxas, estrela em forma de gente, navios voadores e etc. Uma possível
definição de ficção poderia ser o ato de se inventar histórias de acordo com a imaginação. Mas
apesar de uma ficção ser uma criação imaginária, ela tem certa subjetividade baseada no
conhecimento de mundo do autor.
Em contrapartida uma obra autobiográfica pressupõe-se ser uma história narrada em fatos
reais. O retrato do artista quando jovem é exemplo de uma obra autobiográfica em que através do
personagem Stephen Dedalus, James Joyce narra sua infância, adolescência e maturidade.
O livro Stardust trás como tema central a busca pelo poder. Poder de conquista, poder de
riqueza, poder da beleza. Sua ficção descreve essa busca incessante pelo poder representado por
uma estrela. O enredo desenvolve-se numa eterna luta entre bem e mal, cada qual pelos seus
interesses, embora com um objetivo comum, o de encontrar a estrela, de maneira que o
personagem herói representa o bem e os demais, bruxas e vilões, representam o mau.
O romance se passou durante a era vitoriana, o que se pode confirmar pela seguinte
narração do livro: ‖os acontecimentos que se seguem ocorreram há muitos anos. A rainha Vitória
ocupava o trono da Inglaterra, mas ainda não era a viúva trajada de negro de Windsor‖ (GAIMAN,
1999, p.18). Essa semelhança é mantida no filme, porém, não existe uma descrição elucidando a
respeito da época em que ocorreu o romance; neste caso o que vai induzir o expectador a distinguir
em que época aconteceu o referido romance é apenas o visual estético que é todo de acordo com a
referida época vitoriana.
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Stardust no cinema
O sucesso do livro fez com que através da Paramount Pictures, no ano de 2007, Stardust
ganhasse as telas. Com um elenco de atores consagrados pela mídia cinematográfica, pelas muitas
atuações fílmicas, como Robert de Niro e Michelle Pfeiffer o filme alcançou sucesso tanto quanto
alcançara o livro.
Na transposição intersemiótica do livro para o filme há o desejo de se reconstituir a
literatura em imagens de maneira que se aproxime o quanto mais do real sem perder a fidedignidade
da obra escrita.
Segundo Anelise Corseuil (2003), ―quando um texto literário é adaptado para o cinema, é
comum ouvir comentários e análises a respeito da ―fidelidade‖ ou ―infidelidade" do filme em
relação ao romance ou peça em que se baseia‖. A esse aspecto presume-se que haja certa
impraticabilidade de se adaptar uma obra literária na sua totalidade para a obra fílmica. Mas se
houvesse a possibilidade de se fazer uma transposição fiel do texto para o cinema, cumprir-se-ia, ao
menos, questionar de qual ponto de vista de fidelidade concluir-se-ia a transposição em sua
totalidade; do escritor, do roteirista, do cineasta, do narrador ou outro? São obras de arte diferentes
tratando do mesmo assunto. Comparando as duas modalidades de obras de arte, percebe-se
algumas exclusividades da obra fílmica. Exemplo disso, é, como bem foi mencionado por Corseuil
(2003) no artigo Literatura e Cinema Questões Teóricas, a mise-en-scène, voz over, focalização e trilha sonora
que são alguns dos elementos exclusivos da obra fílmica e que contribuem para que a transposição
intersemiótica da obra literária para fílmica se aproxime mais da realidade. Esses são alguns dos
elementos constituintes do enredo fílmico que propõem adaptar a obra literária para fílmica numa
maior proximidade de idéias.
Além desses elementos pode-se ainda imaginar na transposição de uma cena literária para a
fílmica uma gama de detalhes além livro. Uma simples frase de um livro requer, muitas vezes, a
construção de uma mise-en-scène repleta de detalhes do figurino, atuação dos atores, decoração e luzes
a fim de transformá-la em imagem cinematográfica.
É na utilização desses elementos, entre outros, exclusivos da obra fílmica, que o produtor
procura manter a estrutura base conservando características comuns às obras livro e filme.
A transposição intersemiótica de Stardust
Há uma leve confusão a respeito do significado de transposição e tradução intersemiótica,
pois as duas definições têm grande proximidade. Tradução é explicar através dos meios artísticos de
maneira mais fiel possível aquilo que determinado autor expressou, como, por exemplo, as
traduções literárias de línguas estrangeiras. Já a transposição intersemiótica se dá com certa
liberdade de alterar algo que fora expressado na obra fonte. É o caso das adaptações literárias para
o cinema.
Claus Clüver (1997), em Estudos Interartes, aponta dois termos quando trata da questão da
ekphrasis, sendo eles: tradução e transposição intersemiótica. Para Clüver ―tradução é transformar
determinado texto em outro meio artístico interpretando-o com grande proximidade de idéias ao
texto fonte; e transposição é passar um texto para uma nova forma de apresentação.‖ É o caso das
adaptações cinematográficas como a que acontece na obra Stardust o mistério da estrela.
Mas, independente de uma obra ser tradução ou transposição intersemiótica, ela traz as
características da obra principal quanto ao gênero, narração e enredo a que pertence. Por meio
desses elementos visualiza-se a homologia existente entres as referidas obras.
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O narrador de uma obra literária escrita, denominado na maior parte das vezes como
narrador onisciente, ausente, presente ou intruso, na obra fílmica passa ser narrador câmera. A
imagem da câmera se projeta como o prolongamento dos olhos do espectador do filme ou da
possível imagem mental antes feita pelo leitor da obra escrita. Mas a imagem arte final na
transposição intersemiótica de uma obra escrita para a fílmica, como a que ora analisa-se neste
trabalho, produz-se ao bel prazer do cineasta, que não necessariamente será igual ao do publico
geral leitor/expectador do filme. Por isso a razão do surgimento de críticas ao filme dizendo que,
em muitas vezes, a transposição intersemiótica não contemplou a obra escrita.
A transposição da obra literária para fílmica exige certa habilidade de quem o faz a fim de
manter as características principais da obra original. Todo leitor durante sua leitura vai construindo
cenários em sua tela mental de acordo com o universo de conhecimentos. Mas, quando se fala de
construir determinados cenários a partir da leitura, isso vai muito além do que simplesmente
transformar o enredo escrito numa possível imagem visual. Significa mostrar também a música, o
tom das cores e a voz das personagens, entre outros elementos que, naturalmente, não estão
descritos nos livros, mas apenas construídos no imaginário de cada leitor. Essa gama de detalhes
para a produção da obra transposta ficará a cargo de uma equipe formada entre outros de diretor,
cineasta, roteirista, câmera, e enfatizando o que já foi dito; a obra adaptada nem sempre
contemplará a expectativa do expectador conhecedor da obra escrita, que, talvez, pressuponha
visualizar na tela do cinema o que antes visualizou em sua tela mental.
Muitos best-sellers são alvo de produtores cinematográficos. Pela facilidade de se produzir
um roteiro a partir de uma obra pronta a fim transformá-la em filme. Para a escolha de uma obra
literária a fim de transformá-la em filme é ponderável pensar que os produtores de filmes se valem
da expectativa de que se uma boa obra literária rendeu sucesso, possivelmente assim o será também
na produção fílmica.
Algumas homologias em Stardust
Resumidamente pode-se dizer que Stardust livro e filme apresentam homologicamente o
enredo, personagens, tempo e espaço. Ou seja, uma estrutura base, formada por esses elementos,
igual para o livro e para o filme. A diferença reside em que a obra literária e a fílmica possuem
diferentes modos de demonstrar as referidas artes. Afinal, sendo mídias diferentes, cada qual
possui seus suportes específicos.
Inicialmente Stardust fala da Muralha, em que, a narração preocupa-se em ambientar o leitor
de como é o cenário da cidade Muralha e também de como é a propriamente dita muralha de
pedras que separa dois mundos. A narração no livro enfatiza a relevância significativa de proteção
de Muralha. Uma razão para a fixação desse elemento, a Muralha, tanto no livro quanto no filme é
de ser um elemento de grande simbologia para a referida obra. A Muralha, segundo Dicionário de
Símbolos Gheerbrant e Chavalier (2008) ―é tradicionalmente a cinta protetora que encerra um mundo e
evita que nele penetrem influências nefastas de origem inferior‖. Em Stardust ela é um limite entre o
mundo da fantasia e o mundo real. Sua entrada ou saída somente acontece por uma fenda vigiada
por um guardião que alerta aos transeuntes sobre os perigos do mundo de fora.
O filme Stardust começa mostrando a grande muralha que separa um pequeno vilarejo da
imensidão do mundo. O narrador câmera mostra as imagens da grande muralha demonstrando seu
significado de divisão, demarcação ou isolamento. Fazendo uma analogia com a vida em sociedade
poder-se-ia dizer que a mensagem principal seria a de que estar vivendo dentro de uma muralha é o
mesmo de estar seguindo regras pré-estabelecidas. A muralha pode ser entendida como proteção,
mas também como prisão. Quem está dentro está aparentemente seguro de perigos que
possivelmente existam além da muralha, mas também está preso aos mitos, preso aos conceitos,
preso às regras, preso às dúvidas. A idéia que a obra livro/filme tenta passar para o
leitor/espectador e a de que quebrar a muralha, sair, pular, ou transpor, é duvidar que o mundo se
resuma naquilo que se estabeleceu ali dentro, é duvidar que dentro da muralha a proteção seja
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constante e que fora o perigo seja iminente. Sair da muralha é romper regras, é querer saber o que
tem além, é questionar, é querer saber mais, é não aceitar explicações vagas. Cruzar a muralha é
deixar para traz um destino pré-definido e perceber que a partir dessa atitude cria-se um novo
destino.
Os personagens principais são apresentados como pessoas do bem e em busca de seus
sonhos. O livro descreve a saga de Tristran para encontrar a estrela Yvaine. O modo que no livro e
no filme os personagens são apresentados remete imaginar a luta do cidadão para vencer obstáculos
da sociedade a fim de conquistar a glória sem utilização de meios ilegais, imorais ou antiéticos.
Reflexões sobre a participação do narrador em Stardust
A narração de Muralha no livro preocupa-se principalmente em descrevê-la como uma cinta
de segurança, suscitando os perigos existentes para quem quer ultrapassá-la. A descrição da Muralha
na obra literária mostrou que o narrador descreveu os detalhes da Muralha em 3ª pessoa e no filme
tal descrição é mostrada em sua extensão pela câmera.
Immediately to the east of Wall is a high grey rock wall, from which the town takes its name.
This wall is old, built of rough, square lumps of hewn granite, and it comes from the woods
and goes back to the woods once more.
There is only one break in the wall; an opening about six feet in width, a little to the north of
the village (GAIMAN, 1999, p.4)
Percebe-se em Stardust, obra escrita, a existência de um narrador onisciente intruso, ou seja,
a voz de alguém que está contando a história sem ter participado dela. Evidencia-se esse fato em
que o narrador narra em terceira pessoa, dando a idéia de que é alguém que conhece a história sem
estar presente nela. Mas o que leva a crer na onisciência desse narrador é o fato de que, além de
narrar em terceira pessoa, também narrar momentos íntimos da vida dos personagens no enredo.
Há no texto algumas passagens cruciais que levam a crer que o narrador seja realmente onisciente.
É o caso da seguinte passagem da obra literária em que o narrador descreve a rotina de um passeio
dos personagens Dunstan Thorn e Daisy Hempstock com detalhes da intimidade do casal.
Dunstan Thorn was not in the Seventh Magpie that evening: he was a practical lad, who had,
for the last six months, been courting Daisy Hempstock, a young woman of similar practicality.
They would walk, on fair evenings, around the village, and discuss the theory of crop rotation,
and the weather, and other such sensible matters; and on these walks, upon which they were
invariably accompanied by Daisy‘s mother and younger sister walking a healthy six paces
behind, they would, from time to time, stare at each other lovingly (GAIMAN, 1999, p.6).
Essa descrição detalhada dos assuntos, das preferências, qualidades, da freqüência e até dos
gestos ocorridos demonstra, neste caso, ser narrado por alguém de fora da história, mas com um
conhecimento global dos acontecimentos. A descrição detalhada da conversa e até dos olhares
apaixonados entre os dois foi descrito por alguém que parecia estar ali, naquele lugar, naquele
momento, vendo e até sentindo as emoções mais intimas do casal. Conseqüentemente era a
descrição de alguém que não fazia parte daquele enredo, um narrador onisciente intruso.
Conforme demonstrado acima, em Stardust, obra escrita, o narrador, em muitos momentos
do enredo, insere-se em meio aos diálogos dos personagens, como uma preparação para o diálogo
que se seguirá, diferentemente da obra cinematográfica, em que os diálogos são diretos sem
interseção do narrador falante, apenas a câmera é que faz as devidas focalizações de acordo com o
enredo:
He was aware, in the night, of thunder and of lightning, although he did not wake; and then in
the small hours of the morning he was woken by someone treading, awkwardly, on his feet.
―Sorry,‖ said a voice. ―That is to say, ‗scuse me.‖ ―Who‘s that? Who‘s there?‖ said Dunstan.
―Just me,‖ said the voice. ―I‘m here for the market (GAIMAN, 1999, p.7).
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Se em determinados momentos da obra literária observa-se alguém narrando como se fosse
a voz de alguém descrevendo a cena, quando da transposição da mesma cena para o cinema, nem
sempre há a ocorrência de uma narração falante, pois, aquilo que foi descrito no livro passa a ser
visual. E ao contrário do leitor de um livro, o espectador está vendo a mise-en-scène, sem a
necessidade de alguém descrever o que está acontecendo. Para refletir sobre o que foi dito analisese o seguinte diálogo do livro Stardust:
At dawn three lords of Stormhold rode down the craggy mountain road, in a coach pulled by
six black horses. The horses wore bobbing black plumes, the coach was fresh painted in black,
and each of the lords of Stormhold was dressed in mourning. (GAIMAN, 1999, p.33).
Quando da transposição intersemiótica para o filme, todo esse aparato descritivo, toda essa
adjetivação passa a ser uma mise-en-scène, sem que ninguém a descreva; é uma construção imagética.
No livro Stardust (1999, p.69) descreve-se: ―Quatro dos filhos estavam mortos: Secundus,
Quintus, Quartus e Sextus. E esses estavam ali postados imóveis, vultos, cinzentos, impalpáveis e
mudos‖. No filme, essa cena descrita dos filhos mortos do Senhor da Fortaleza da Tempestade não
houve narração por meio de voz, simplesmente apareceram quatro indivíduos com aparências
brancas, empalidecidos e transparentes relembrando o que as lendas definem como fantasmas.
A câmera, segundo Friedman (apud CHIAPPINI, 2002, p.63) ―é exclusão do autor,
narrativas que tentam transmitir flashes da realidade como se apanhados por uma câmera, arbitrária
e mecanicamente‖. Mas embora tudo pareça mecânico, quanto à narração no filme há certa
subjetividade, pois, embora haja predominância narração através de uma câmera, ou seja, imagético
em sua quase totalidade, ainda assim por trás dessa câmera existe alguém comandando o foco
narrativo.
Enfim, estas são algumas passagens exemplificativas, conforme foram descritas no livro
Stardust o mistério da estrela, e, como essa narração se sucedeu quando da transposição
intersemiótica para o cinema, a fim de se demonstrar a participação do narrador nas duas obras.
O esforço do narrador para detalhar passagens no livro aguçando a imagem mental do
leitor, torna-se quando da transposição intersemiótica em uma cena imagética construída de acordo
com o entendimento do cineasta. Todos os detalhes antes descritos no livro passam a ser, imagem,
mostrados por meio do narrador que, Norman Friedman, (apud CHIAPPINI, 2002), denominou de
narrador câmera.
Considerações finais
Este trabalho objetivou demonstrar a presença do narrador em meio às homologias
existentes na obra literária Stardust o mistério da estrela e sua transposição intersemiótica para o
cinema. Observou-se que o filme baseado no livro transformou-se em uma obra nova; e que a
presença do narrador na obra escrita e sua transposição fílmica evidenciou algumas similaridades e
diferenças. Similaridades no que se refere, por exemplo, o modo verbal de apresentação; e
diferenças, por exemplo, do tipo de narrador; no caso de Stardust livro a presença de um narrador
onisciente intruso e no filme a presença do narrador câmera. Stardust livro e filme são duas obras
com a mesma idéia central, e que mesmo mostradas através de signos diferentes foi possível
evidenciar o tipo de narrador presente em ambas as obras.
O filme Stardust demonstrou apenas uma das muitas maneiras de que o diretor da
transposição intersemiótica interpretou a obra literária. A interpretação de uma obra literária para
transformá-la em obra fílmica, depende do conhecimento de mundo, da criatividade e do estilo do
diretor, e isto varia de diretor para diretor. Por isso cada versão traz diferentes detalhes.
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Observou-se nesta análise que do mesmo modo que narrador do livro, onisciente intruso, se
esforçou para detalhar as passagens capitulares do livro a fim de ativar a tela mental do leitor, no
filme o esforço foi do narrador câmera para mostrar visualmente para o espectador os detalhes
antes descritos no livro.
Esse narrador que nada fala, porém mostra tudo, como se fossem seus próprios olhos, ou a
projeção dos olhos do expectador, ou ainda a tela mental do leitor, tem por trás da câmera uma
pessoa fisicamente encarregada de comandar a tomada de imagens, o que leva crer que numa outra
situação, em que se utilize o narrador câmera, possivelmente essa narração será uma nova
apresentação, com diferentes detalhes, de acordo com a vontade dessa pessoa a direcionar a câmera.
Entre outras obras literárias escritas, grandes best-sellers como Stardust o mistério da estrela,
foram e continuarão sendo alvo de grandes produtores cinematográficos, o que proporcionará no
futuro mais oportunidades para novas análises dentro do mundo das artes.
Referências
CHEVALIER, Jean; GHEERBRAN, Alain. Dicionário de Símbolos. 22ª ed. São Paulo. Editora
José Olympio Ltda. 2008
CLÜVER, Claus. Estudos interartes: Conceitos, termos, objetivos. Literatura
e Sociedade: Revista de teoria literária e literatura comparada. Universidade de São Paulo. 1997
CORSEUIL, Anelise Reich. Literatura e Cinema. In: BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana.
(Orgs.). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: EDUEM,
2003. p.369-378
GAIMAN, Neil. Stardust - O mistério da estrela: Primeira edição. Ed.Rocco Ltda. Rio de
Janeiro: 2008
GAIMAN, Neil. Stardust: HarperCollins Publishers. New York, 1999 - disponível em:
ftp://mrclon.net/AudioBook/English/Neil%20Gaiman/Neil%20Gaiman%20%20Stardust/Neil%20Gaiman%20-%20Stardust.pdf
LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo. São Paulo: Ed. Ática. 2002. p.26-66
STARDUST - O MISTÉRIO DA ESTRELA. Direção: Mathew Vaughn. EUA. Paramount
Pictures. 2007. 1 DVD. (186 min ). widescreen, color., dublado
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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AS REPERCUSSÕES DA VIOLÊNCIA ESCOLAR NO TRABALHO DOCENTE
Leila Ferreira da Silva
Mestranda em Educação da Universidade Católica de Brasília – UCB
Rosamália Otoni Pimenta Campos
Aluna Especial do Mestrado em Educação da UCB
Resumo
Este trabalho trata de um tema que angustia os professores: violência escolar. Os professores
vivenciam problemas, que fogem da sua função e não sabem como agir. Portanto, este artigo traz
uma revisão literária das formas de violência ocorridas nas escolas, relatadas por diversos autores:
Bourdieu e Passeron, Abramovay e Rua, Sposito e outros. A pesquisa objetivou evidenciar as
formas de violências e as suas repercussões na vida do professor. Concluiu-se que é crescente o
número de professores que adoecem e aponta possíveis caminhos, que diminua o sofrimento dos
docentes e lhes devolva o prazer em ensinar.
Palavras-chave: Professores. Escolas. Violência.
Abstract
This paper leads with a theme that distresses the teachers: scholar violence. Teachers experience
problems that escape of their occupation then they don‘t know how to act. Therefore, this article
presents a literature review of the violence forms occurring in schools, reported by several authors:
Bourdieu and Passeron, Abramovay and Rua, Sposito and others. This research aimed to evidence
the violence forms and its impact on the teacher life. It was concluded is increasing the number of
teachers who become ill and suggests possible paths that reduces the suffering of teachers to give
them back the pleasure in teaching.
Keywords: Teachers. Schools. Violence.
Introdução
Como os professores devem agir diante das brigas constantes entre alunos nas escolas?
Qual atitude tomar em meio a tantas agressões verbais e físicas? Muitas vezes os docentes ficam
perdidos, sem saber como agir diante desta situação. Eles não sabem se devem intervir e correr o
risco de ganhar socos e pontapés no meio da confusão, ou chamar a polícia. Em meio a tantas
agressões que ocorrem nas escolas atualmente, procura-se estudar mais o tema em busca de
soluções que acabem ou amenizem o sofrimento dos professores em seu ambiente de trabalho e
especialmente não se alastre a violência entre os discentes.
Para compreendermos os fenômenos de violência presentes no espaço escolar,
identificamos os tipos de violência que ali se manifestam.
A violência escolar é variada em sua manifestação e revela certa complexidade para ser
compreendida. Ela se configura de várias formas, que podem ser inerentes a aspectos relativos
tanto ao interior, quanto ao exterior da escola. De acordo com Charlot (2002) a violência na escola
se produz dentro do espaço escolar, sem estar ligada à natureza e às atividades da instituição
escolar. Mas, para Lobato e Placco (2007), a violência à escola visa à instituição e a todos que a
representa. Neste trabalho, dá-se ênfase nos fenômenos de violência que ocorrem na escola e à
escola, no entanto, não poderíamos deixar de ressaltar a violência da escola entre professores e
alunos.
A violência simbólica é um conceito apontado na obra A reprodução de Bourdieu e Passeron
(1975, p. 19), que trata de aspectos que ocorrem no cotidiano e que em muitas vezes não são
percebidos e se revela de diversas formas, por exemplo, quando a classe dominante
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economicamente se impõe e prevalecem os seus interesses e sua cultura. O dominado por sua vez
não se opõe ao que foi estabelecido e não percebe que faz o papel de oprimido. Essa modalidade de
violência acarreta enormes prejuízos à saúde dos indivíduos. É importante destacar que a violência
simbólica não se mostra de forma clara e é difícil de ser identificada e compreendida como
violência. Contudo, suas consequências são fáceis de serem percebidas quando nos deparamos com
uma sociedade que sofre tantas injustiças e desigualdades.
No contexto escolar, a violência simbólica, ainda segundo Bourdieu é entendida quando
―toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder
arbitrário, de um arbitrário cultural‖ (BOURDIEU E PASSERON, 1975, p. 20). Entende-se que o
que é ensinado na escola, deve fazer sentido e que deve ofertar igualdade para que o sujeito se
coloque como agente capaz de propor mudanças para sociedade e para o meio em que está
inserido. Portanto se faz necessário discutir e refletir sobre as repercussões desta e das demais
formas de violência escolar que repercute no trabalho docente.
O presente estudo tem por objetivo fazer uma revisão da literatura sobre as repercussões
da violência escolar no trabalho docente. Pretende-se também destacar as violências manifestadas
na escola, da escola e a violência simbólica, assim como identificar de que modo elas afetam o
trabalho docente.
Algumas pesquisas já realizadas no Brasil tratam sobre o tema em questão, uma realizada
por Vilela (2006) em Belo Horizonte, na qual foram levantadas as dificuldades encontradas pelos
professores no desempenho do seu trabalho diante da crescente onda de violência. Outra pesquisa
de grande relevância realizada por Costa (2011) analisou a percepção dos professores sobre a
violência nas escolas para descobrir os impactos da violência na vida do professor.
É importante continuarmos investigando esta questão que se apresenta a cada dia nas
escolas; as pesquisas sobre este tema podem contribuir para uma mudança de paradigma no modo
de tratar a violência. Uma mudança que possa vislumbrar ações integradas que promovam na escola
relações entre seus membros, que não sejam atravessadas pela violência e pela destrutividade.
A Violência Escolar
Na literatura contemporânea, antropólogos, sociólogos e psicólogos dentre outros
especialistas, analisam a violência quando esta ocorre entre alunos, essas caracterizadas como atos
de incivilidades, e em menor frequência quando ocorre de alunos contra professores e professores
contra alunos.
Há dificuldade em definir violência escolar, pois ela nos direciona a fenômenos
diferenciados, difíceis de delimitar e ordenar e estes desestruturam as representações sociais. O que
é caracterizado como violência varia em função do estabelecimento escolar, do status de quem fala
etc. (ABRAMOVAY E RUA, 2003, p. 21).
Na literatura nacional, a violência é identificada não apenas como violência física, mas
também de forma ética e política sem esquecer-se da violência simbólica. Mas, nos Estados Unidos,
as pesquisas apontam que o termo violência na escola só deve ser designado quando houver
conflito entre estudantes e professores, ou quando estes forem relacionados a fatos que gerem
suspensão, atos disciplinares e prisão (ABRAMOVAY e RUA, 2003).
Nos diferentes conceitos, há um consenso de que a violência escolar esta presente no
cotidiano das escolas, dentro ou ao redor delas e merece atenção, pois tal fenômeno pode levar a
quem a sofre a estados traumáticos. Assim, é importante recorrermos ao contexto histórico para
compreendermos mais sobre este fenômeno.
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A partir de meados de 1980 no Brasil o tema violência nas escolas começou a tornar-se
mais visível e passou a ser acompanhado pelo sistema de ensino público, pois a mídia denuncia as
condições precárias de prédios e a falta de segurança existente, principalmente nas periferias. De
acordo com Sposito (2001, p. 90) ―eram denunciadas, também, as constantes depredações dos
edifícios e invasões, observadas nos períodos ociosos, em especial nos fins de semana‖.
A percepção que se tinha é que a escola precisava estar protegida por grades, portões altos
e com policiamento para que marginais não se aproximassem. Tratava-se assim, da violência e
através dessas ações imaginava-se dar conta dos problemas gerados pela violência. O que se
percebia, porém, é que com o aumento do policiamento, diminuíam-se as depredações na escola e
aumentavam o número de agressões físicas entre os alunos (SPOSITO, 2001).
Já na década de 1990 a violência se apresenta nos grupos de alunos e começa a se expandir
em outras regiões e capitais e não somente em estados como São Paulo e Rio de Janeiro. Diante
dessa expansão, começam as iniciativas do Estado, ONGs e sociedade civil em prol da redução da
violência nas escolas. Institutos de pesquisa como a UNESCO, e várias outras instituições, nos anos
de 1997 buscaram investigar sobre certas condutas violentas de jovens no Brasil (SPOSITO, 2001).
De acordo com Sposito (2001), um levantamento realizado com professores que abordou
sobre violência nas escolas, traz um resultado bastante preocupante e aponta três tipos de
manifestações contra os professores: a) furtos ou roubos que atingem o patrimônio; b) agressões
físicas entre alunos e as agressões de alunos contra os professores; c) as depredações. Sposito
também alerta para as tensões existentes entre alunos ou entre estes e o mundo adulto que tem
afetado especialmente, os professores (SPOSITO, 2001, p. 100). Observa-se os atos violentos
crescendo constantemente e o professor, sendo vítima de tal fenômeno
Em meados de 2000 uma pesquisa51 realizada em uma escola pública do bairro considerado
com alto grau de violência no estado de Porto Alegre evidenciou que a violência se apresentava em
forma de agressões verbais, embora os atores da escola identifiquem a violência como agressão
física. Mesmo na escola cercada por um ambiente com ocorrências de violência, houve um avanço
no combate a violência, pois a escola, com sua equipe de profissionais e com o apoio dos pais
desenvolveu projetos que visam proporcionar uma cultura de paz e mais segurança para a escola. A
pesquisa apontou que a maioria das ocorrências de atos violentos é de agressões contra a pessoa,
compreendendo agressões corporais, roubo, brigas e invasões no espaço escolar.
A violência seja de qual forma se apresente, traz consigo grandes prejuízos para quem a
sofre, e no caso do professor, se reflete de várias formas, principalmente afetando o
desenvolvimento de sua prática. Neste sentido, conceituaremos os seus tipos.
A violência nas escolas se apresenta de diversas faces e de aspectos que derivam tanto de
questões internas, quanto externas. Nos aspectos externos, Abramovay e Rua (2003) apontam: a)
questões de gênero; b) relações sociais; c) situações familiares; d) influência dos meios de
comunicação; e) o espaço social das escolas.
Entretanto, para os aspectos internos, as mesmas autoras sinalizam para idade, série,
escolaridade, as regras instituídas na escola, sistema de punições, relação professor-aluno e a prática
educacional em geral. Embora haja diferentes conceitos acerca dos tipos de violência, pode-se
classificá-la em três diferentes níveis: a) violência física; b) incivilidades; c) violência simbólica ou
institucional (CHARLOT, 2002).
Pesquisa realizada por Costa (2000) em uma escola pública de Porto Alegre com crianças a partir de 8 anos
que buscou investigar o que vivem e pensam as crianças sobre a violência e que revelam questões
importantes entre violência e escola no Brasil.
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Essas formas de violência acontecem no contexto escolar, no entanto, existe uma que
gostaríamos de identificar, como violência social e que causa um impacto particular na população
escolar. A violência social conforme sublinha Charlot (2002), é causada por fenômenos como
desemprego, drogas, abusos sexuais, e muitas vezes, os jovens estão vulneráveis a ela e descarregam
suas frustrações na escola. Neste contexto, as diversas formas de violência contra os professores
poderão estar relacionadas a uma violência maior, que é a violência social, a qual afetará o cotidiano
da sala de aula e o trabalho docente, acarretando o mal estar e o sofrimento.
[...] Os adolescentes expressam, por meio de comportamentos violentos, suas dificuldades
pessoais e sociais, mas, também, suas dificuldades de relação com os adultos próximos,
fragilizados em sua autoridade em sua inserção social (AMPARO et al. 2010, p.151).
A escola tem um grande desafio, lidar com a violência e conviver com as mudanças na
sociedade que afetam o contexto escolar. Desta forma, a escola, por meio de seus agentes,
professores, funcionários, alunos e pais, não poderão deixar que, esta instituição tão importante
para a formação dos indivíduos, se transforme em um lugar onde as pessoas tenham medo de estar.
O mal estar docente e a violência escolar
A maioria dos docentes se sente perdida quanto ao seu papel de educador, pois a cada dia
tem aumentado as exigências e as responsabilidades impostas pela sociedade. Todas essas
transformações supõem profundos e exigentes desafios pessoais para os professores, portanto,
saber lidar com a violência escolar é um desses desafios, todavia muitos desses professores não
conseguem responder às novas expectativas projetadas sobre eles (SILVA e BRASIL, 2010).
A cada dia o professor é desafiado a intervir de forma diferente no contexto onde atua,
pois lhe é exigido mais que ensinar, espera-se que este resolva todos os problemas que o aluno traz
de ordem familiar, econômica e social e isto não é tarefa fácil.
Diante de tal cenário, o professor, pode ser atingido por um mal estar que poderá atingir
seu trabalho. O termo mal estar pode ser compreendido como uma sensação de que alguma coisa
não está bem, ele pode estar relacionado às más condições que o sujeito esta vivenciando no
trabalho ou a fatores que incidem sobre a ação do professor em sala de aula que podem ser
classificados de ordem primária e secundária (ZAGAROZA, 1999).
É considerado de ordem primária, o estresse, no qual gera tensões e emoções negativas. Os
fatores secundários são referentes ao contexto onde se exerce a docência, ou seja, o ambiente
escolar. A soma desses dois fatores, afeta diretamente na percepção que o professor tem de si e de
seu trabalho.
Essa situação é agravada pelo fato de que o professor depara frequentemente com a
necessidade de desempenhar vários papeis contraditórios que lhes exigem manter um
equilíbrio muito instável em vários terrenos. Assim, exige-se do professor que seja um
companheiro e amigo dos alunos ou, pelo menos, que se ofereça a eles um apoio
(ZARAGOZA, 1999, p.31).
Aguiar (2008) pontua que a violência escolar é apontada como uma das principais causas de
adoecimento e fonte de sofrimento do professor. Este fenômeno reflete efeitos na confiança, autoestima e afeta o psicológico do professor diante das situações vividas no contexto escolar. Como já
percebemos, o professor tem que se esforçar para realizar suas atividades, seu objetivo primordial
que é ensinar. Este se sente desanimado e passa a refletir sobre qual é o seu papel enquanto
educador. Os professores têm que tomar uma posição, porém muitos não se sentem preparados e
se veem frustrados.
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[...] Muitos professores são tomados por um sofrimento profundo quando a realidade do
trabalho nas escolas lhes exige diariamente um posicionamento, em face das violentas brigas
entre os alunos. As agressões entre os estudantes exigem que os educadores tenham uma
postura mais firme, porém alguns professores não se sentem preparados para ensinar neste
ambiente de trabalho e se veem divididos entre a opção de educar e reprimir (COSTA, 2011,
p.3).
Vivenciando estas situações o professor pode apresentar uma sobrecarga emocional e um
indesejável sofrimento psíquico. O docente às vezes não encontra na escola um lugar de escuta, se
angustia e adoece. Portanto, sem o suporte necessário na escola, Oliveira (2003), diz que ―a má
qualidade nas relações de confiança, de cooperação, de reconhecimento acarreta ao professor a
somatização, ou seja, a doença como uma tentativa de suportar esse sofrimento‖. Isso acontece
quando ele não dá conta do real, ou seja, de situações que não estavam previstas como as
ocorrências de violência na escola.
As repercussões da violência escolar no trabalho docente
Das diversas manifestações de violência enfrentadas pelos professores, que discorremos no
presente artigo, nos interessamos por aquelas que afetam diretamente o trabalho do professor no
cotidiano. Para tal, buscamos suporte em uma pesquisa realizada por Lobato e Placco (2007) a qual
investigou a concepção de professores sobre questões relacionadas à violência na escola. Os
docentes entrevistados, segundo Lobato e Placco (2007) apontam para ocorrências como ameaças,
insultos, desrespeito ao professor, discriminação e preconceito. Em relação ao desrespeito, os
professores apontam para atitudes de rebeldia, promessas de provocar danos à integridade física ou
moral caso o professor não deixe de ser exigente nas avaliações por exemplo.
Os impactos causados por esses fenômenos de violência na vida profissional do professor
refletem em um pior rendimento do seu fazer pedagógico, afetam o ambiente da sala de aula o que
repercute na aprendizagem dos alunos, atrasam o planejamento do professor e causam um desgaste
físico e emocional.
Outra pesquisa bastante relevante realizada por Costa (2011)52 sobre a visão de professores
à violência escolar mostra que dos professores entrevistados, 70% afirmaram já ter sofrido algum
tipo de violência, eles as classificam como ―agressões verbais, xingamentos, palavrões, falta de
respeito, ameaças e situações vexatórias‖ (COSTA, 2011, p. 8).
Os desrespeitos por parte dos alunos intimidam o professor, o faz sentir sem autonomia
para enfrentar tal situação fazendo-o ter medo de entrar em sala, ou pânico só de pensar que tem
que ir a escola. ―Muitos tem medo de entrar na sala de aula, não apenas por temerem não ter êxito
na tarefa de ensinar, mas, sobretudo, por não saberem se receberão tratamento digno por parte dos
seus alunos‖ (COSTA, 2011, p. 21).
Quanto à vida pessoal eles afirmam que as situações vivenciadas de violência escolar
atrapalham, pois geram estresse, aborrecimento e que interfere no convívio familiar, ou o fato
ocorrido fica na memória por dias gerando um desconforto emocional e tristeza por sofrerem ou
presenciarem situações de violência e impotência de como reagir diante de tal situação. Dejours
(1992, p. 45) afirma que ―até indivíduos dotados de uma sólida estrutura psíquica podem ser vítima
de uma paralisia mental induzida pela organização do trabalho‖.
Além dos sentimentos de tristeza e impotência os professores apontam para as
repercussões que a violência os causa, enquanto pessoas: ―preocupação, mágoa, chateação,
52Pesquisa
de mestrado ―violência escolar: a visão de professores que atuam nas séries iniciais do município
de Corumbá- MS sobre os impactos da violência escolar na vida pessoal e profissional dos professores‖. A
pesquisa foi realizada com 20 docentes, dos quartos e quintos anos, do ensino fundamental de 05 escolas
públicas com professores entre 23 e 61 anos e tempo de magistério entre 02 e 30 anos.
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aborrecimento, desânimo, irritação, impaciência, desprezo, descaso, desrespeito, medo, raiva, pena e
compaixão‖ (COSTA, 2011, p. 25). Ficam nítidos, os danos causados tanto na vida profissional,
quanto pessoal dos professores, que se sentem desmotivados a continuar em um ambiente de
trabalho que lhes causam tanto sofrimento e os deixam sem ação diante de tantos desafios a serem
superados.
As causas apontadas pelos professores, de acordo com a pesquisa de Costa (2011), também
refletem danos à saúde física, como dores musculares, tremedeiras, palpitações, depressão, queda de
cabelo, perda de voz, dificuldades de respirar e outras. A doença muitas vezes se apresenta, como
uma válvula de escape, o trabalho fica sem sentido, não existindo mais nenhuma relação entre
homem e trabalho.
Notas conclusivas
Como podemos observar diante das pesquisas, o professor quando se vê envolvido em um
ambiente onde há violência, desenvolve tanto a doença física quanto psíquica e como forma de
defesa ele deixa de se envolver, se afastando cada vez mais do seu trabalho. Neste momento ele é
tomado pelo desânimo e sentimento de incapacidade, o trabalho deixa de ser prazeroso e se torna
apenas uma fonte de obtenção de renda. Nesta situação perde o professor, o aluno, a sociedade.
Todos perdem, pois, a qualidade do ensino é afetada e tanto o professor, quanto o aluno se sente
em um ambiente não prazeroso.
Ensinar exige um bem estar físico e psicológico, pois sem isso é impossível realizar um
trabalho com qualidade. Se o professor se encontra em situações que é agredido, o trabalho será
para ele apenas uma obrigação e ele o executará com desprazer. Este se encontra inserido em um
contexto onde a violência se apresenta de várias formas, ele por sua vez tem se perdido num
processo pela qual tem que saber lidar com tantos desafios e enfrentar situações adversas à sua
atividade principal, que é a de ensinar. A escola tem perdido seu sentindo fundamental, educar para
tornar cidadãos, uma vez que a violência tem aumentado e tomado espaço no cotidiano dos
professores e alunos.
Os possíveis caminhos para que o professor volte a ter prazer em ensinar estão nos
diálogos entre os diversos atores da escola. Na união dos envolvidos em todo o processo escolar se
encontra um caminho para minimizar o sofrimento e a frustração desses professores. Porque é no
ambiente escolar ao dividirem uns com os outros a sua angústia, que os professores se identificam e
podem construir alternativas para os problemas enfrentados buscando caminhos em prol de uma
cultura de paz.
Precisamos sair dos discursos fáceis e nos colocarmos como responsáveis pelas mudanças.
Tudo isso é muito perigoso, e incomodar se faz necessário. A violência tem destruído os
professores, os desumanizando enquanto sujeitos. Nosso desafio é não deixar que a destrutividade
ameace as relações do professor com, seus pares, com os alunos e consigo mesmo.
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Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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A GESTÃO EDUCACIONAL NO ESTADO NOVO E SEUS EFEITOS DE
SENTIDO SOBRE AS POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS
Luciana Vargas Ronsani
Mestranda em Estudos Linguísticos – PPGLetras
Universidade Federal de Santa Maria
Resumo
O presente trabalho teve como objetivo analisar os efeitos de sentido da gestão educacional do
Estado Novo (1937 a 1945) sobre as políticas linguísticas de promoção do ensino da língua
portuguesa e, ao mesmo tempo, do silenciamento da língua dos descendentes de alemães. Para
tanto, buscou-se, através da história da educação, das constituições, leis e decretos, etc., realizar uma
análise das épocas que antecederam o Estado Novo para tentar compreender como ele se
configurou e como ele foi determinante para a interdição/promoção das línguas.
Palavras-chave: Estado Novo; Políticas Linguísticas; silenciamento das línguas
Resumen
El trabajo tiene como objetivo analizar los efectos de sentido de la gestión educacional del estado
Nuevo (q937 a 1935) frente a las políticas lingüísticas de promoción de la enseñanza de la lengua
portuguesa y, al mismo tiempo, del silenciamiento de la lengua de los descendientes de alemanes.
Siendo así, se buscó a través de la historia de la educación, de las constituciones, leyes y decretos,
llevar a cabo un análisis de las épocas que antecedieron el Estado Nuevo para intentar comprender
cómo él se configuró y cómo él fue esencial para la interdicción/promoción de las lenguas.
Palabras-clave: Estado Nuevo; Políticas Lingüísticas; silenciamiento
Considerações iniciais
No espaço de enunciação da Vila Santa Catarina, localizada no interior da cidade de
Salvador das Missões-RS, os sujeitos descendentes de alemães marcam suas subjetividades através
do uso da língua alemã. Entretanto, no contexto escolar, em virtude da língua oficial, os mesmos
sujeitos se significavam/significam como falantes de língua portuguesa. Nesse sentido, no espaço
de enunciação as línguas são afetadas, no seu funcionamento, por condições históricas específicas
(GUIMARÃES, 2003). Segundo o autor, as línguas funcionam segundo o modo de distribuição
para seus falantes, ou seja, línguas não são objetos abstratos que um conjunto de pessoas em algum
momento decide usar. Estas são, ao contrário, objetos históricos e estão sempre relacionadas
inseparavelmente daqueles que as falam.
Somente trabalhando com o que delimita a significação destes sujeitos é que iremos
entender a constituição dos mesmos. Em um espaço social, podemos perceber que a fronteira que
delimita os dizeres dos falantes de alemão se constitui na e pela escola.
Esse espaço social da Vila Santa Catarina foi historicamente marcado por diferentes formas
de atuação da gestão educacional frente às políticas linguísticas. ―As políticas linguísticas são
iniciativas do Estado ou de uma entidade que disponha no seio do estado de certa autonomia
política‖ (CALVET, 1942). Nesse sentido, as políticas linguísticas se traduzem em um conjunto de
tentativas internas e externas de regulação das práticas linguísticas de uma comunidade.
Com efeito, cabe a nós permear nestes dois campos: gestão educacional e políticas
linguísticas, a fim de entender os espaços de enunciação da Vila Santa Catarina. Nessa comunidade,
as línguas enunciadas, ora português, ora alemão ―apresentam outros sentidos que não se repetem
em outros espaços de enunciação‖ (STURZA, 2006, p. 66).
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O trabalho tem por objetivo analisar os efeitos de sentido da gestão educacional do Estado
Novo (1937 a 1945) sobre as políticas linguísticas de promoção do ensino da língua portuguesa e,
ao mesmo tempo, do silenciamento da língua dos descendentes de alemães.
Um retomado histórico das formas de gerir a educação atentas a promoção/silenciamento
das línguas
Ao retratar um passado anterior ao Estado Novo, percebemos que a educação jesuítica,
através da sua forma de gestão educacional, orientou, de maneira normalista, seus alunos para que
eles pudessem intervir na sociedade na qual estavam inseridos.
Segundo Sangenis,
de fato, os jesuítas empreenderam no Brasil uma significativa obra missionária e
evangelizadora, especialmente fazendo uso de novas metodologias, das quais a educação
escolar foi uma das mais poderosas e eficazes. Em matéria de educação escolar, os jesuítas
souberam construir a sua hegemonia. Não apenas organizaram uma ampla ―rede‖ de escolas
elementares e colégios, como o fizeram de modo muito organizado e contando com um
projeto pedagógico uniforme e bem planejado, sendo o Ratio Studioron – Plano de Estudos a sua expressão máxima (2004, p. 93) (tradução nossa)
Posteriormente à época do chamado ―descobrimento do Brasil‖, a forma informal de
educar começa a perder espaço, tendo em vista o contato com outros grupos, que não eram
indígenas. Com efeito, as classes elitizadas (outros grupos) e os indígenas começaram a ter acesso
ao ensino formal trazido pelos jesuítas. No início do século XVI, a educação realizada pelos jesuítas
encontrava-se calcada na tradição oral e ligada às necessidades de cada grupo: aprendia-se por meio
da observação e do trabalho coletivo (BUNZEN, 2011).
Conforme Bunzen (2011, p. 888), ―a educação jesuítica foi bastante intensa entre 15491570, uma vez que as ideias pedagógicas do Padre Manuel de Nobrega – compatíveis com o ideal
colonizador e mercantilista – apostavam em formar um número maior adeptos do catolicismo da
colônia‖.
Ao considerarmos que nos primeiros momentos do Brasil havia a presença de uma língua
geral, sistematizada pelos jesuítas, que silenciava, de certa maneira, a (s) língua (s) dos indígenas, e
do latim que fundava todo o ensino secundário e superior dos jesuítas (SOARES, 2002, p.157),
inferimos que a forma de gestão da educação, na época, trabalhava em prol do catolicismo e da
―conquista‖, ou seja, quanto mais sujeitos católicos, mais sujeitos fariam parte de um ideal de
sociedade.
A gestão educacional da passagem jesuítica também é pautada como imposição.
Essa imposição nos faz lembrar que a Igreja também é considerada um aparelho ideológico do
Estado. Aqui, Estado é considerado como o responsável por alicerçar o bem estar dos sujeitos que
residem, convivem em um determinado lugar. Os Aparelhos Ideológicos do Estado, na visão de
Althusser, ―se referem a um certo número de realidades que apresentam-se ao observador imediato
sob forma de instituições distintas e especializadas‖ (1985, p.68), os quais, diferentemente dos
―aparelhos repressivos do estado‖, como a polícia, atuam de forma pacífica, através das ideias e
valores transmitidos. É esta definição que nos faz perceber que a gestão educacional estava ligada
aos interesses dos jesuítas, representantes da Igreja Católica, cuja sede era em Roma, em catequizar
e ensinar por meio de uma língua geral, e assim, manter uma homogeneização social através da
promoção desta língua.
Marquês de Pombal, pelas reformas que implantou no ensino de Portugal e suas colônias
nos anos 50 do século XVIII, teve a incumbência de intervir nas condições externas acima
mencionadas (SOARES, 2002). Através de uma política linguística, Pombal, orientado pelo Reino
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de Portugal, tornou obrigatório o ensino de português no nosso país, proibindo o uso das línguas
retratadas acima: a língua geral, a (s) língua (s) indígena (s) e o latim.
Para esclarecer tal política, conseguimos um trecho que condensou a reforma pombalina:
Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em todas as nações que conquistaram novos
domínios, introduzir logo nos povos conquistados o seu próprio idioma, por ser indispensável,
que este é um meio dos mais eficazes para desterrar dos povos rústicos a barbaridade dos seus
antigos costumes e ter mostrado a experiência que, ao mesmo passo que se introduz neles o
uso da língua do Príncipe, que os conquistou, se lhes radica também o afeto, a veneração e a
obediência ao mesmo Príncipe (SOARES, 2002, p. 159).
Dessa forma, a língua começa a funcionar com novos valores, que se entrelaçam: o da
aprendizagem e o do seu uso obrigatório por toda a população, constituindo-se, a escola, como um
dos aparelhos ideológicos que faz funcionar esses valores.
Entretanto, não se pensava a escola como formadora igualitária de sujeitos, ela era voltada
para ensinar os filhos de fazendeiros, militares, etc. Ainda não se acreditava que a escola era uma
porta de entrada para o mundo do trabalho, uma formadora de ―mão de obra‖ qualificada, pois na
época a elite dominadora terminava seus estudos e ia para fora do país, enquanto os menos
favorecidos ficavam trabalhando na área rural, nas igrejas e nos setores públicos.
No Império (1822-1888), após a proclamação da Independência do Brasil, com a criação
do Colégio Pedro II e da primeira Constituição brasileira, as ideias do Estado se materializaram
através de leis e atos que descentralizavam o poder como busca de autonomia das províncias. Além
disso, o governo central passou a se responsabilizar pela promoção e legislação do ensino no
Munícipio da Corte e pela educação superior, delegando às Províncias a competências para legislar e
organizar a educação primária e média (SUANO, 1987). Com esta descentralização do poder, o
Estado, mesmo não sendo responsável por todo o contexto educacional, faz funcionar seu aparelho
ideológico – a escola – e com isso mantém-se, indiretamente, representado e promovendo a língua
portuguesa.
Já no período republicano, com a adoção do modelo político americano baseado no
sistema presidencialista, a organização escolar recebe influência da filosofia positivista (BELLO,
2001). Conforme o autor,
a Reforma de Benjamin Constant tinha como princípios orientadores a liberdade e laicidade do
ensino, como também a gratuidade da escola primária. Estes princípios seguiam a orientação
do que estava estipulado na Constituição brasileira. Uma das intenções desta Reforma era
transformar o ensino em formador de alunos para os cursos superiores e não apenas
preparador. Outra intenção era substituir a predominância literária pela científica. Esta
Reforma foi bastante criticada: pelos positivistas, já que não respeitava os princípios
pedagógicos de Comte; pelos que defendiam a predominância literária, já que o que ocorreu foi
o acréscimo de matérias científicas às tradicionais, tornando o ensino enciclopédico (BELLO,
2001, p. 4).
Com isso, a gestão educacional na República passa a conduzir a gestão escolar de modo
que ela trabalhe em prol do ensino propedêutico, pois a sociedade necessitava de sujeitos
qualificados, com conhecimentos específicos, ou seja, formados em áreas, predominantemente,
científicas.
Sem esquecer que as ideias educacionais da época eram conflitantes: o Movimento Escola
Nova ―colocou-se favoravelmente a certos temas educacionais, sendo a defesa da escola pública
gratuita e destinada a todos‖ (SUANO, 1987, p. 175). A Igreja, por sua vez, pensava a educação
como mecanismo essencial para o exercício de seu papel político (SUANO, 1987). Ambos
movimentos tinham a intenção de sistematizar um ensino para finalidades específicas. De um lado,
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a Escola Nova defendia a igualdade de oportunidades, e a educação como dever do estado, já a
Igreja, pensava na concretização de uma escola única, sem interferência do estado na Educação
(SUANO, 1987).
Nesse sentido, a Constituição de 1934 tem uma postura de conciliação entre estes dois
ideais de sociedade, e abre espaços de educação igualitária e de direito e acrescenta no currículo o
Ensino Religioso como optativo. Mesmo as línguas não estando presentes como foco de discussão
desta época, percebemos outra forma de promoção e silenciamento. Promove-se uma orientação
religiosa – a católica – e se silencia as outras religiões.
A gestão educacional do Estado Novo: o ensino obrigatório em língua portuguesa e seus
efeitos de sentido
Com a chegada de Getúlio Vargas no poder provisório (1930) e com o Ministério da
Educação já estruturado, a gestão educacional da época passa a apresentar dispositivos que
organizam a educação nacional, mediante previsão e especificação de linhas gerais de um plano
nacional de educação, de competência do Conselho Nacional de Educação para elaborá-lo, criação
dos sistemas de ensino nos estados, prevendo os órgãos de sua composição e destinação de
recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino (DEMARCHI, s/d). Percebemos que
nesta forma de gestão, a educação ganhou um novo tipo de organização, tendo em vista a criação
do Ministério, dos Conselhos Estaduais de Educação, do Conselho Nacional da Educação.
A atenção dada às línguas neste período ficou em segundo plano, entretanto nos currículos
escolares elas continuavam funcionando de maneira desigual, devido à carga horária mais elevada
do ensino de português, em relação ao ensino de outras línguas ―ditas estrangeiras‖.
A partir dessa retomada do funcionamento da gestão educacional ao longo da trajetória
educacional brasileira, é possível referir que, em cada época, os interesses na área da educação
sempre remeteram aos do Estado. Ela também estava atrelada às políticas linguísticas.
Entendemos que ―os processos de gestão pressupõem a ação ampla e continuada que
envolve múltiplas dimensões, tanto técnicas quanto políticas e que só se efetivam, de fato, quando
articuladas entre si‖ (LÜCK, 2006, p. 31).
O governo ditatorial de Vargas estabeleceu uma política educacional com
ideias nacionalistas que cultuava a Pátria e as tradições. Conforme Saviani (2004), enfocando a
história da escola pública no Brasil, propõe que se encare o período de 1931 a 1961 como aquele da
regulamentação nacional do ensino e do ideário pedagógico renovador.
Neste contexto ditatorial, era decorrente uma orientação política e ideológica que
reconfigurava as políticas econômicas, sociais e culturais do Estado, constituindo um forte
sentimento de nacionalidade e criando as bases para um novo desenvolvimento socioeconômico
(BIASOLI, 2005, p. 10). Esta orientação nacionalista refletiu nas escolas públicas principalmente
com o Decreto-Lei nº 406, de 4 de Maio de 1938, que proibiu a língua estrangeira em contexto
escolar. A gestão educacional do Estado Novo, através do seu aparelho ideológico, a escola,
trabalhou para a interdição da língua alemã, e consequentemente para a nacionalização do país
através da língua portuguesa. A construção de uma consciência nacionalista se deu, essencialmente
através dos meios de comunicação e da educação.
Com a ascensão de Vargas à presidência e a instauração do Estado Novo, em meados da
década de 1930, as línguas ditas "estrangeiras" foram fortemente coibidas. A campanha de
nacionalização visava a ―modificar sua prática e adotar a língua nacional‖ (CAMPOS, 2006, p.17).
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Entretanto, conforme nos explica Campos,
os textos de descendentes de imigrantes, em geral, não respeitavam as pretensões
governamentais, porque a maioria dos grupos ainda permanecia ligada social, cultural e
emocionalmente ao país de origem, persistindo no uso da língua materna. Outros grupos,
apesar das tentativas de uso da língua nacional em suas práticas cotidianas, não conseguiam
expressar sentimentos e emoções íntimas em português. (CAMPOS, 2004, p.18)
Sob o argumento de uma tal ―política de integração‖, dentre as práticas atingidas pelas
campanhas nacionalistas, o ensino primário foi alvo de maior atenção. O argumento dado pelo
governo da época (1937) foi o de iniciar a obra de nacionalização pela infância, para garantir no
futuro as bases econômicas e ideológicas da consciência nacional (PAYER, 2006, p.92).
Dessa forma, os sujeitos passaram a conviver com formas de silêncio (ORLANDI, 2007),
justificadas pelo processo de interdição da língua alemã, no Estado Novo. Para Orlandi (2007,
p.61), ―não se trata, aqui, de falar do silêncio da imagem, do silêncio da paisagem ou do mar. Nós
nos propomos a falar do silêncio que significa em si mesmo. Com ou sem palavras, esse silêncio
rege os processos de significação‖. Ainda, segundo a autora (ORLANDI, 2007), seu significado não
é simplesmente o não dito para significar, mas sim o próprio significante.
O contexto de difusão do idioma nacional é marcado por uma política de nacionalização
imposta pelo Presidente Getúlio Vargas, ―cujas ações de repressão e controle incidiram diretamente
nas práticas linguísticas da população das colônias‖ (PARCIANELLO, 2011, p.12). A função de
modificar o status de uma língua é do Estado e das instituições e órgãos que o representam como
um todo (STURZA, 2009).
O discurso nacionalista e o modo de gerir a educação representaram para o Estado uma
unidade política, social e cultural no Brasil, entretanto, sabemos que na prática a situação vivenciada
pelos imigrantes foi diferente. A fronteira imposta através da escola, a qual funciona/funcionou
como aparelho ideológico do Estado (ALTHUSSER, 1985) proibindo as línguas ―estrangeiras‖,
limitava apenas imaginariamente a língua do outro, pois sabemos que, naquela época, as línguas
passaram por um processo de interdição/silenciamento. Porém, elas não foram completamente
apagadas, pois alguns sujeitos resistem.
Com isso, a Campanha de Nacionalização, das décadas de 1930 e 1940, provocou
mudanças na relação dos sujeitos com as línguas que falavam. Assim, a linguagem não se resume
apenas à comunicação e à transmissão de pensamentos, posto que, há muitas situações de uso da
língua para as quais o sujeito emprega com o simples propósito de manter o diálogo, explica
Benveniste (2006). Segundo o autor ―cada enunciação é um ato que serve o propósito de unir o
ouvinte ao locutor por algum sentimento, social ou de outro tipo‖ (2006). Em relação ao que ele
menciona, neste espaço comunitário, a (s) língua (s) significa (m) o sujeito em toda a sua amplitude
e em todos os momentos.
A escola funcionando como aparelho ideológico do Estado
Como citamos, um dos aparelhos ideológicos do Estado (AIE) usado para proibir a
circulação da língua alemã e fortalecer o ensino da língua nacional – o português – foi a Escola.
Conforme Althusser,
eles não se confundem com o aparelho (repressivo) do Estado. Lembremos que, na teoria
marxista, o aparelho de estado (AE) compreende: o governo, a administração, o exército, a
política, os tribunais, as prisões etc., que constituem o que chamaremos a partir de agora de
aparelho repressivo do Estado. Repressivo indica que o aparelho do Estado em questão
―funciona através da violência‖ – ao menos em situações limites (pois a repressão
administrativa, por exemplo, pode revestir-se de formas não físicas. (ALTHUSSER, 1985,
p.69)
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Entendemos que os aparelhos ideológicos do Estado funcionam/constituem-se de forma
ideológica, ou seja, unifica a sua diversidade. A escola, na Era Vargas, funcionou como AIE no
sentido de homogeneização linguística em prol de uma ideologia dominante.
Logo abaixo, apresentamos um recorte do decreto que cita a proibição da língua alemã,
nosso interesse na pesquisa:
Art. 85. Em todas as escolas rurais do país, o ensino de qualquer matéria será ministrada em
português, sem prejuízo do eventual emprego do método direto no ensino das línguas vivas.
§ 1º As escolas a que se refere este artigo serão sempre regidas por brasileiros natos.
§ 2º Nelas não se ensinará idioma estrangeiro a menores de quatorze (14) anos.
§ 3º Os livros destinados ao ensino primário serão exclusivamente escritos em línguas
portuguesa.
§ 4º Nos programas do curso primário e secundário é obrigatório o ensino da história e da
geografia do Brasil.
§ 5º Nas escolas para estrangeiros adultos serão ensinadas noções sobre as instituições políticas
do país.
Art. 86. Nas zonas rurais do país não será permitida a publicação de livros, revistas ou jornais
em línguas estrangeira, sem permissão do Conselho de Imigração e Colonização.
Art. 87. A publicação de quaisquer livros, folhetos, revistas, jornais e boletins em língua
estrangeira fica sujeita à autorização e registro prévio no Ministério da Justiça. (BRASIL,
Decreto-lei n. 406 de maio de 1938)
A interdição da língua alemã na escola fez com que vários alunos deixassem de falar a
língua dos pais e avós. Este acontecimento é justificado pela política de nacionalização do Governo
Vargas exposta no Decreto acima. Dessa forma, o fato de os alunos não conseguirem comunicar-se
por meio da língua portuguesa, ou de não a compreenderem era totalmente desconsiderado no
processo de ensino (PARCIANELLO, 2011, p. 47).
O Estado, na tentativa desta homogeneização linguística, e, consequentemente, de
reproduzir sua ideologia, tentou ―salvaguardar e garantir a unidade nacional‖ (PARCIANELLO,
2011, p. 47). A autora ainda afirma que na enunciação o sujeito se marca pela sua história, e sua
história se constrói, dentre outros elementos, na língua e pela língua.
Dessa forma, os descendentes de alemães são constituídos por outra ideologia, a ―não
dominante‖, a que ―sobrevive‖ à interdição imposta pelo Estado, pois os descendentes, por ainda
se significarem em língua alemã, aludem à ideia de que a língua não foi apagada, mas sim, silenciada.
Neste sentido, a língua não morre para o sujeito, mas constitui a memória (da língua). (PAYER,
2006)
O processo de nacionalização do século XIX, com o governo Vargas, teve como
consequência o ressurgimento, aos olhos do Estado, de uma língua estrangeira nos currículos
escolares.
A língua alemã nas escolas, no período do pós-nacionalismo, regressa como língua
estrangeira para o currículo escolar em 1961, com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei 4.024.
Assim, a nacionalização do ensino de português e da interdição das línguas dos imigrantes
funciona como uma medida política de instauração do monolinguísmo. Porém, esta medida não
anula a língua dos sujeitos imigrantes, pois ela os constitui.
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Considerações finais
Como vimos, a gestão educacional tem a incumbência de manter a língua portuguesa com
maior prestígio, visto que é a língua nacional, a língua pela qual vários sujeitos se significam. Tal
característica é assegurada através de políticas linguísticas que promovem ou silenciam as línguas,
dependendo do interesse de cada momento histórico.
Nesse sentido, vimos que a gestão educacional produz efeitos de sentido sobre as políticas
linguísticas. A gestão no Estado Novo materializa a interdição da língua dos descendentes de
alemães, através da proibição do seu uso nos espaços de enunciação e promove a língua portuguesa,
pois é a língua oficial, a língua que constitui a maioria dos brasileiros.
Com efeito, nosso trabalho buscou problematizar a construção de um modelo mais
democrático de ensino, preocupado com as necessidades dos grupos sociais, tendo em vista o
respeito às diversidades linguísticas dos sujeitos e na constituição de suas identidades. O avanço
legal para isso já temos a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996, é necessário agora a mudança nas práticas escolares.
Também, destacamos que a política educacional, entendida como ação que o governo
realiza/não realiza frente à educação, por si só não garante a prática da valorização da diversidade
linguística, neste caso a língua dos descendentes de alemães. É necessário ainda uma mudança na
questão prática, tendo em vista a promoção da língua, através da inclusão no currículo escolar de
uma disciplina voltada para o ensino da língua local, de atividades que valorizem a cultura e a
história dos imigrantes.
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Ideias Linguísticas. Tese (Doutorado em Linguística) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
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SUANO, H. A. Educação nas Constituições brasileiras. In: FISCHMANN, R. (Coord). Escola
brasileira: temas e estudos. São Paulo: Atlas, 1987. p. 170-184.
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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E FALANDO EM CORPO...: UMA ANÁLISE DAS MEMÓRIAS REFERENTES
AO DISCIPLINAMENTO A PARTIR DO PARADIGMA
HERMENÊUTICO DE WEBER
Luciana Fiamoncini
Mestranda em Educação
Universidade Regional de Blumenau – FURB
Resumo
A partir de um olhar sociológico, objetiva-se a partir deste artigo analisar a relação que a sociologia
interpretativa hermenêutica de Max Weber estabelece com uma pesquisa de mestrado na área da
educação, cujo objetivo geral é problematizar os processos de constituição do corpo a partir das
narrativas de alunos de uma escola multisseriada do interior do município de Rodeio - SC. Traça-se
inicialmente um panorama geral da sociologia, perpassando a sociologia da educação. Após, realizase a análise da metodologia a ser utilizada na pesquisa de mestrado na área da educação,
estabelecendo uma relação entre ambas.
Palavras-chave: Sociologia Interpretativo-hermenêutica; Métodos de coleta de dados; Max Weber.
Abstract
From a sociological view, the the main of this article is analyze the relationship that interpretive
hermeneutic sociology of Max Weber establishes with a Master thesis in the field of education,
whose general objective is to discuss the process of constitution of the body from narratives of
students from a multisseriate school, in Rodeio - SC. We make initially an overview of sociology,
permeating the sociology of education. After, we make an analysis of the methodology to be used
in the research, establishing a relationship between both.
Key words: Interpretive Hermeneutic Sociology; Methods of data collection; Max Weber.
Introdução
Inúmeras são as temáticas que podem ser analisadas sob a ótica da Sociologia, pois esta
perpassa os temas relacionados à educação de forma abrangente. O artigo aqui apresentado traz um
recorte de uma pesquisa em desenvolvimento a partir do olhar da Sociologia da Educação.
A partir das teorias sociológicas clássicas de Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx,
busca-se fazer um estudo sobre a teoria da sociologia do consenso, compreensiva e do conflito,
situando, assim, a pesquisa em andamento dentro de uma destas perspectivas, neste caso, a
weberiana.
O objetivo deste artigo é, portanto, analisar a relação que a sociologia interpretativa
hermenêutica tem com a pesquisa que vem sendo realizada, cujo objetivo geral é problematizar os
processos de constituição do corpo a partir das narrativas de alunos de uma escola multisseriada do
interior do município de Rodeio - SC.
O artigo que se apresenta está dividido em quatro seções. Inicialmente faz-se uma
contextualização acerca dos três acontecimentos que impulsionaram o surgimento da sociologia
clássica, seus pensadores e seus paradigmas. Após esta contextualização, situa-se o leitor acerca da
pesquisa em andamento, abordando os teóricos, o objeto de estudo e a metodologia utilizada.
Em seguida, faz-se uma relação deste estudo com a sociologia hermenêutica, amplamente
difundida por Max Weber. Para finalizar, são apresentadas as considerações sobre o paradigma
hermenêutico da sociologia e sua relação com o objeto de estudo da pesquisa.
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Das revoluções à Sociologia: contextualização histórica
A sociedade, ao longo dos séculos, foi passando por intensas e decisivas modificações.
Modificações estas que despertaram em alguns pensadores o desejo de reorganizar a sociedade, a
fim de reestabelecer a ordem que antes existia.
Para que se possa compreender a Sociologia da Educação, faz-se necessário transitar pelos
caminhos trilhados até chegar a ela. O que, afinal, ocasionou o surgimento de uma ciência que
estudasse a sociedade? Os novos valores introduzidos na sociedade pelo Renascimento foram
grandes propulsores, pois marcaram a transição da Idade Média para a Idade Moderna. São eles o
antropocentrismo, o individualismo e o humanismo.
Além da introdução destes valores, durante os séculos XVIII e XIX, três acontecimentos
muito importantes também foram propulsores para o surgimento da Sociologia: um de ordem
econômica, um de ordem política e um de ordem cultural. De acordo com Martins (1994), estas
transformações tornam-se problemas inéditos para os homens que as experimentavam.
A Revolução Industrial, ocorrida nos séculos XVIII e XIX, foi muito mais do que apenas a
introdução da máquina a vapor na sociedade: ―ela representou o triunfo da indústria capitalista‖
(MARTINS, 1994, p. 11). A partir dos avanços industriais causados pela revolução, a sociedade se
dividiu em duas classes sociais: a burguesia e o proletariado.
Outro importante acontecimento já mencionado foi a Revolução Francesa, ocorrida
também na Europa, mais especificamente na França, no século XIX. Teve como base os ideais
iluministas: liberdade, igualdade e fraternidade. De ordem política, trouxe como principal marco a
queda do clero e da monarquia e a ascensão da burguesia.
Por fim, o terceiro acontecimento para o surgimento da Sociologia é o Iluminismo. Este
concretizou os ideais renascentistas, que pretendiam basear todos os estudos científicos na
observação e experimentação. Os iluministas também estudavam as instituições da época visando
demonstrar sua irracionalidade, bem como mostrar que ―atentavam contra a natureza dos
indivíduos e, nesse sentido, impediam a liberdade do homem‖ (MARTINS, 1994, p. 21).
A partir destes importantes fatos históricos, nasce a então chamada Física Social, baseada
nos ideais positivistas, que, de acordo com Costa (1997), foi a primeira corrente teórica do
pensamento sociológico. De acordo com Martins, a forma que Comte utiliza para referir-se à esta
nova ciência é sugestivo, ―uma vez que ele expressa o desejo de construí-la a partir dos modelos das
ciências físico-naturais‖ (1994, p. 32).
As três questões que este movimento tentava responder a partir de estudos da sociedade
eram, de acordo com Sell (2001, p. 9) ―Quais as causas das transformações sociais? Quais as
características da sociedade moderna? O que fazer diante das transformações sociais?‖
Durkheim, Weber e Marx: da sociologia clássica à sociologia da educação.
Ante as grandes mudanças que vinham ocorrendo na sociedade, três grandes pensadores
merecem destaque. São eles Émile Durkheim (França, 1858 - 1917), Max Weber (Alemanha, 1864 1920) e Karl Marx (Alemanha, 1818 – 1883). Estes sociólogos são a base para o desenvolvimento
do pensamento de inúmeros outros pensadores que, embasados nas suas teorias acerca da
sociedade, continuam os estudos acerca da sociedade, em especial acerca da relação entre indivíduo
e sociedade.
Diante de diferentes posicionamentos políticos acerca da realidade social constituída na
época, Durkheim, Weber e Marx deram origem aos paradigmas do consenso, hermenêutico e do
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conflito, respectivamente, que servem como alicerce para pesquisas até hoje (SELL, 2001).
Abordaremos inicialmente o pensamento desenvolvido por Émile Durkheim.
O objeto de estudo para Durkheim é o Fato Social. Este se constitui por ser uma maneira
de pensar, agir e sentir exteriores aos indivíduos, mas dotados de um poder de coerção. A partir do
poder de coerção, o Fato Social se impõe às consciências sociais – tudo é construído coletivamente,
tudo está na sociedade e o homem às incorpora, passando a tê-las como suas.
Para Durkheim, o homem conhece as leis da sociedade às quais é submetido, e as aceita.
Caso não cumpra estas leis, já estabelecidas pela sociedade antes mesmo de ele nascer, a sociedade
tem o poder de aplicar sobre o indivíduo sansões, de caráter moral ou legal. As características do
Fato Social são, portanto, a exterioridade e a coercitividade.
Por causa da sua ligação com o Positivismo53, Durkheim desenvolveu o paradigma do
consenso. Ele acreditava que a ordem e o progresso são essenciais para formar uma sociedade
coerente. De acordo com Costa (1997, p. 62), ―aquilo que põe em risco a harmonia e o consenso
representa um estado mórbido da sociedade‖. Para ele, o fim da desordem se daria quando as
camadas sociais entrassem em consenso.
Durkheim prevê, portanto, que a sociedade age sobre o indivíduo. Por este motivo, de
acordo com Tomazi (1993) as características da sociedade devem ser estudadas de forma imparcial,
pois a neutralidade e a objetividade da sociologia deveriam ser levadas em conta.
Max Weber, em contrapartida, tinha como base da sociedade o indivíduo. Para ele, este era
fundamental para compreender e explicar a realidade social. O objeto de estudo de Weber é a Ação
Social, ou seja, para ele, toda a ação é dotada de sentido por aquele que a pratica, mas que sempre
tem em conta – em sua execução, a ação dos outros. As características da ação social são
intersubjetividade, ou seja, a ação deve sempre fazer algum sentido.
A neutralidade axiológica era a metodologia defendida por Weber. Para ele, todo
pesquisador é também um indivíduo dotado de valores. Mas ao realizar a análise ele deve ―tentar
controlar‖ seus valores – obtendo assim, uma neutralidade parcial. Para Weber, nada na sociedade
está acabado, ou seja, há sempre uma relação de reciprocidade entre o indivíduo e a sociedade,
sendo que nenhum se sobrepõe ao outro.
Outro grande sociólogo foi Karl Marx. Ele desenvolveu seus estudos sociológicos tendo
como objeto as classes sociais. A classe social é, para Marx, dialética e conflituosa, pois ele afirmava
que sempre há oposição entre as classes.
A infraestrutura, que é o que da sustentação à sociedade, era o que interessava a Marx, ou
seja, para ele, é o modo de produção (economia, forma de sobrevivência) que sustenta a sociedade.
A superestrutura, termo também trabalhado por Marx, é consequência da infraestrutura. A
educação, a família, a religião, são exemplos de superestruturas fundadas sobre a infraestrutura.
Marx ainda afirma que a história da humanidade é uma história permeada pela luta de
classes (COSTA, 1997). Marx considerava de suma importância estudar e conhecer a história da
humanidade para compreender que a luta das classes vem desde a antiguidade, quando se travava a
luta entre cidadãos e escravos, passou pela idade média, marcada pela luta entre senhores feudais e
servos e chega à modernidade, com a burguesia versus o proletariado.
O método de análise desenvolvido por Marx é o materialismo dialético. Suas análises,
portanto, baseiam-se nas condições para a produção da vida. Para Marx, a posição do cientista não
Filosofia do século XIX, considerada a primeira forma de pensar sociológico. Pensava-se a sociedade como
um organismo vivo, por isso Comte comparava o corpo social ao corpo orgânico para explicar a sociedade.
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pode ser considerada neutra, pois sempre haverá militância política. Ou o pesquisador se posiciona
do lado do opressor, ou do lado do oprimido.
A fase mais atual dos estudos da Sociologia refere-se à Sociologia da Educação, que surgiu
a partir das perspectivas desenvolvidas por estes sociólogos e será abordada daqui por diante.
A Sociologia da Educação, de acordo com Gomes (1985), pode ser distinta por duas fases:
são elas o paradigma do consenso e o paradigma do conflito. Estes compreendem, respectivamente,
o otimismo pedagógico, que perdurou de 1945 até os anos 60 e o pessimismo pedagógico, de 1968
até 1973.
O paradigma do consenso parte da premissa de que a sociedade é um grupo unido ―por
valores comuns, que geram um consenso espontâneo‖ (GOMES, 1985, p. 17). Para Durkheim, a
pedagogia era voltada para o fato de que a escola muda o sujeito. Para ele, a sociedade tem valores
comuns a todas as crianças.
Ainda de acordo com Gomes (1985, p. 24), Durkheim via a mudança educacional como
―um importante reflexo nas mudanças sociais‖, mas além disto, também a via como um ―agente
ativo de mudanças da sociedade envolvente‖. Ao longo da fase de otimismo pedagógico, pensavase a educação como uma forma de poder para realizar as mudanças na mobilidade social. Em se
tratando da epistemologia da pesquisa, o paradigma do consenso refere-se à questões de
macroestrutura, portanto, não são enfocados os atores sociais, mas sim a base que a sustenta. O
otimismo pedagógico compreende as correntes evolucionista, neo-evoluciosnista e estruturalfuncionalista (GOMES, 1985).
A partir de 1960, instaura-se a fase do empirismo metodológico, que, conforme Nogueira
(1995), fez com que o pensamento funcionalista perdesse sua credibilidade. As manifestações que
vinham ocorrendo entre jovens nos anos 70 (mais especificamente as revoltas estudantis de maio de
68), a contracultura e a guerra do Vietnã fizeram com que o entusiasmo perante a educação da fase
anterior caísse por terra.
Portanto, para oporem-se ao paradigma do consenso, entram em cena as ideias de Marx.
Ele afirmava que o consenso era imposto por uma classe dominante e que, portanto, a luta de
classes estava presente e era permanente. Entra então a fase do pessimismo pedagógico. A
educação passa a ser criticada e, de acordo com Gomes (1985), é o ―meio pelo qual o ensino
superior transmite privilégios, aloca status e infunde respeito pelo status quo‖ (p. 37).
O paradigma do conflito compreende as correntes ―marxista, neomarxista, neoweberiana, a
teoria das elites de Pareto e o enfoque ecológico de Park e da Escola de Chicago‖ (GOMES, 1985,
p. 33). No que tange à epistemologia de pesquisa, o paradigma do conflito também se restringe ao
estudo das macroestruturas.
Após estas duas fases, há ainda uma terceira, chamada por Nogueira (1995) de Crise dos
Paradigmas. Aqui são implantadas as ideias de Weber. Ocorre a partir de então retorno no ator
social e a explosão do objeto de pesquisa, ou seja, o que antes não era levado em consideração
passa a ser visto como nova possibilidade de análise.
Isso ocorre porque o método de pesquisar não pode ser neutro, e passa-se a dar valor ao
ator social como peça chave para o funcionamento da sociedade. Analisa-se, a partir de então, a
passagem do micro para o macro, e não o contrário, como antes acontecia. Para Weber, os
indivíduos agiam coletivamente e construíam as instituições.
Nogueira (1995) afirma que se passa então das macroestruturas às microestruturas
baseando-se em três diferentes dimensões: ―1. novas abordagens de caráter etnográfico; 2. novas
perspectivas de análises; 3. novos objetos de pesquisa, objetos que a Sociologia da Educação nunca
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tinha tomado para si‖. (1995, p. 34). A partir de então, Gomes (1985) nomeia uma nova sociologia
da educação, que passou a considerar o currículo como uma ―seleção de conhecimentos‖ (p. 40).
A sociologia hermenêutica de Weber e o estudo das memórias: uma análise
Max Weber, conforme já mencionado, foi o sociólogo que atribuiu um importante papel ao
indivíduo nas pesquisas. Isto ocorreu a partir do desenvolvimento do método compreensivo. O
pensamento marxista, portanto, deixa de ser o único considerado válido para a ciência, e passa-se a
ver novas possibilidades de análise para as pesquisas. O olhar para a microestrutura, proposto por
Weber é, portanto, inovadora, pois possibilita uma análise das características do sujeito. A partir de
então, surgem novas correntes de pensamento. Houve, a partir de então, uma significativa mudança
na forma de análise: passa-se da macroestrutura para a microestrutura.
A dissertação em andamento tem como tema o processo de constituição do corpo,
submetido a uma dupla dinâmica de espaço, o rural e o da sala de aula. A partir da pesquisa a ser
realizada, questiona-se sobre as marcas que a trajetória rural e escolar produziu no corpo de pessoas
que frequentaram uma escola multisseriada, em área rural, na década de 1960.
O tema do disciplinamento do corpo aparece com frequência nas memórias de uma
população que frequentou uma escola multisseriada na década de 1960. Esse fato desperta uma
inquietação, levando-se em conta que, naquela época, os professores demonstravam o poder e
impunham a disciplina através dos castigos físicos.
A partir das inquietações apresentadas, esta pesquisa, que visa confrontar a constituição do
corpo a partir da análise de dois espaços heterogêneos (o espaço da sala de aula e o espaço rural) se
justifica, pois possibilita discutir os efeitos da escolarização sobre o corpo.
Max Weber procurou em suas pesquisas, interpretar as ações sociais, levando em conta o
microcontexto, sendo que por este motivo, a pesquisa que se pretende realizar aproxima-se da
perspectiva weberiana, pois, por ser de cunho qualitativo, terá por proposta interpretar as falas dos
sujeitos entrevistados e buscar compreender suas ações intersubjetivas. Para Chizotti (2010, p. 28)
[...] o termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem
objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente
são perceptíveis a uma atenção sensível.
Portanto, as respostas a serem interpretados devem ser cuidadosamente analisadas para que
se possa perceber o que não está evidente.
A escolha metodológica foi o trabalho a partir das memórias dos sujeitos, sendo estas
coletadas a partir de uma entrevista semiestruturada. Thompson (1992) afirma que a abordagem
histórica a partir de relatos orais faz com que elementos que não seriam acessíveis através de outro
instrumento sejam evidenciados, por isso a escolha desta metodologia.
Optou-se por utilizar a entrevista semiestruturada, pois para Triviños (2009, p.146), a
entrevista semiestruturada é:
[...] aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que
interessam à pesquisa e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de
novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta
maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas
experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na
elaboração do conteúdo da pesquisa.
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Através das entrevistas semiestruturadas pode-se compreender fatos que vão além do
espaço da sala de aula ou do espaço rural apenas, mas adentrar questões culturais como a língua, os
costumes e as demais marcas que podem fazer parte de como o sujeito se constitui como aluno.
Ainda é importante considerar os aspectos que se referem à memória. O passado só existe
se for resgatado a partir das memórias, sejam elas escritas ou narradas. Para Candau (2012, p. 15) ―a
memória nos dará esta ilusão: o que passou não está definitivamente inacessível, pois é possível
fazê-lo reviver graças à lembrança.‖ Este fato nos faz pensar que o passado é interpretável, ou seja,
o mesmo fato ocorrido será diferentemente relatado, de acordo com os sentimentos, com as
lembranças e com as vivências que cada sujeito teve com aquele fato.
Cada ser humano possui sua memória. Algumas delas mais presentes, outras menos,
algumas esquecidas, outras constantemente presentes na lembrança. Bosi (2003), em suas pesquisas,
afirma que a memória partilhada com o outro, no caso da pesquisa a ser realizada, através das
entrevistas, trata-se da memória tornada real, ou seja, aquela que partilha seus conteúdos com
alguém que ouve. Mais precisamente que ouve e interpreta.
Halbwachs (1990) ainda reforça afirmando que é necessário que haja um testemunho para
que algo se torne memória para um determinado grupo. O indivíduo possui dois tipos de memória:
a individual e a coletiva. ―O funcionamento da memória individual não é possível sem esses
instrumentos que são as palavras e as ideias, que o indivíduo não inventou, mas que toma
emprestado de seu ambiente‖ (HALBWACHS, 1990, p. 72).
A geração de dados da pesquisa, portanto, aproxima-se da ideia de Max Weber, o
paradigma hermenêutico, a partir do qual se leva em conta a ação social intersubjetiva como
produtora da sociedade a partir da entrevista. Alguns traços importantes, mas sutis do processo
disciplinar em cada uma daquelas crianças somente ganha sentido a partir das narrativas imbricadas
de sensibilização e pessoalidade.
Dando voz ao indivíduo, neste caso alunos da década de 1960 e buscando compreender a
partir da entrevista os efeitos que determinada situação social exerceu sobre seus corpos justifica a
ligação com a sociologia compreensiva de Max Weber. A relação da pesquisa com o olhar
microssociológico proposto pelo paradigma hermenêutico fica, portanto, evidenciada.
E educação na década de 1960 sofreu inúmeras transformações. As escolas multisseriadas,
de acordo com Ferri (1994), possuem uma longa história. Sendo a principal forma escolar nas áreas
rurais, passou por intensas transformações na década de 60, quando a agricultura, junto com a
indústria, também se transforma e exige da escola repensar sua função no meio rural. Portanto,
conforme já mencionado, torna-se difícil não dialogar também com outras correntes de
pensamento.
Somente através do método compreensivo é que se pode compreender a constituição do
corpo a partir das memórias dos sujeitos entrevistados. Portanto, conforme já mencionado, esta
pesquisa situa-se na microssociologia, justificando-se principalmente pela maneira como o objeto de
estudo é analisado e a atenção que é à ação social intersubjetiva como produtora da sociedade a
partir da voz dos sujeitos entrevistados.
Considerações Finais
O artigo apresentado teve por finalidade traçar um breve paralelo entre a sociologia do
consenso e do conflito, bem como situar a pesquisa em desenvolvimento dentro de um dos
paradigmas, sendo esta compatível em maior abrangência com o paradigma hermenêutico,
proposto por Max Weber.
Este estudo proporcionou a ampliação acerca dos aspectos sociológicos que permeiam a
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pesquisa. A partir das bases teóricas utilizadas, justificou-se a adequação da pesquisa ao caráter
weberiano, cujo objeto de estudo é a ação social, portanto, a ação individual é considerada
imprescindível para a pesquisa pretendida.
As memórias, quando analisadas de forma individual, são interpretadas de acordo com a
visão da microanálise, mas cabe salientar que as demais perspectivas são de extrema importância
para que se possa estabelecer uma trajetória significativa dentro da Sociologia da Educação.
A partir das análises dos paradigmas do consenso e do conflito, pôde-se verificar quais os
caminhos percorridos para a transição da análise do macrossocial para o microssocial, bem como
quais foram os motivos que os levaram a ocorrer.
Entrevistar pessoas, reavivar suas memórias, fazer renascer seu passado. Marcas de uma
época que deixaram seus registros, e, agora resgatados, são interpretados e relidos. Segundo Bosi
(2003), somente se reconstroem memórias a partir do momento em que elas são compartilhadas. A
tarefa do cientista para Weber, segundo Costa (1997, p. 73) era ―descobrir os possíveis sentidos da
ação humana‖. O artigo trouxe, portanto, contribuições no âmbito de compreender alguns
questionamentos de caráter educacional, bem como alinhar a pesquisa a ser desenvolvida com os
estudos propostos pela sociologia da educação nas últimas décadas.
Referências
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Editorial, 2003.
CANDAU, Joël. Memória e Identidade. Trad. de Maria Leticia Ferreira. São Paulo: Contexto,
2012.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. 3. ed. Petrópolis:
Vozes, 2010.
COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 1997.
FERRI, Cássia. Classes multisseriadas: que espaço é esse? 1994. 166 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 1994.
GOMES, Cândido. A educação em perspectiva sociológica. São Paulo: EPU, 1985.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.
MARTINS, Carlos Benedito. O que é sociologia. 38ª Ed. São Paulo. Brasiliense, Coleção
Primeiros Passos, 1994.
NOGUEIRA, Maria Alice. Tendências atuais na sociologia da Educação. In: Leitura&Imagens.
EDESC-FAED, 1995.
SELL, Carlos Eduardo. Sociologia clássica: Marx, Weber e Durkheim. Itajaí: Univalli, 2001.
TOMAZI, Nelson Dacio. Introdução à Sociologia. São Paulo
THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2009.
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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LETRAMENTO: ORIGEM DO TERMO E CONCEITUAÇÃO
Marcia Cristina Hoppe54
Resumo
Este estudo se foca na temática sobre letramento como prática social. O termo letramento é algo
ainda bem recente em nosso contexto. E, por isso, nem sempre é bem compreendido pelos
professores da educação básica, que são os responsáveis na mediação dos educandos durante o
caminho da aprendizagem da leitura. Este artigo traz como objetivo uma revisão e reflexão
bibliográfica sobre a conceituação do termo Letramento e, a sua contribuição para a formação de
leitores proficiêntes. Para tanto, nos pautaremos nas teorias de autores como: Street (1984);
Tfoni(1995); Kleiman(1995) e Soares(2000).
Palavras-chave: letramento, leitura, leitor proficiente.
LITERACY: ORIGIN OF KEY TERM AND CONCEPTUALIZATION
Abstract
This study focuses on the thematic of literacy as social practice. The term literacy is something still
fresh in our context. And so it is not always well understood by teachers of basic education, which
are responsible in mediating the students along the way of learning to read. This article brings as
objective an overhaul and bibliographic reflection on the conceptualization of the term literacy and
its contribution to the formation of proficient readers. To do so, pautaremos in the theories of
authors such as Street (1984); Tfoni (1995); Kleiman (1995) and Smith (2000).
Keywords: literacy, reading, proficient reader.
Introdução
O objetivo deste artigo é apresentar uma revisão teórica sobre os conceitos de letramento e
leitura, refletir o que cada um abrange e as suas contribuições para um leitor proficiente.
O termo letramento faz pouco tempo que passou a ser incorporado na educação brasileira.
E, por isso, ainda gera muitas dúvidas aos professores que atuam nos anos iniciais da educação
básica, o conceito da proposta do letramento.
Com relação à leitura, até á alguns anos eram suficientes que o aluno soubesse decodificar
os símbolos, e as letras, para ser considerado um leitor. Mas, atualmente, sabe-se que ler de forma
mecânica não garante que o aluno interaja com diferentes tipos de textos que circulam na
sociedade, pois não é suficiente a decodificação dos sons e letras, mas sim entender o significado
do uso da leitura em vários contextos sociais.
Devido a isso, surge à necessidade do letramento, que vai além de somente ler e
escrever, é necessária a interação com o texto dentro e fora do contexto da escola, de maneira a
Aluna do Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Letras na Unioeste – Campus de
Cascavel. Sob orientação da Profa. Dra. Terezinha da Conceição Costa-Hübes
Professora da Secretaria Municipal de Educação de Cascavel. E-mail:[email protected].
Artigo desenvolvido na disciplina: Concepções de leitura e letramento no ensino de línguas, da Profa. . Dra.
Greice da Silva Castela.
54
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cumprir as atuais exigências que a sociedade faz, ou seja, o aluno saber fazer uso da leitura como
uma prática social.
Acreditamos que o levantamento bibliográfico, que realizaremos neste artigo, possa servir
para o enriquecimento dos conhecimentos dos professores que atuam na educação básica anos
iniciais, em relação ao assunto letramento e leitura como prática social. Faremos uma abordagem
histórica sobre o termo letramento.
Nosso objetivo não é apresentar uma proposta prática de letramento, mas sim realizar
reflexões de cunho teórico sobre a origem do termo e sua conceituação.
Considerações a respeito do letramento
A palavra letramento é um termo ainda razoavelmente novo e técnico. Surgiu em 1984, no
livro ―Literacy in theory and practice‖, quando Street ( 2003) fez uso da expressão ―Literacy
practices‖, como sendo um meio para focalização das práticas sociais do ler e escrever (
STREET,2003, p.77). Então, em decorrência de uma nova realidade do meio social, para a qual não
era mais suficiente somente saber ler, mas sim, responder às práticas sociais que faziam uso da
leitura, o termo letrado passa a ser não mais só quem era versado nas letras, ou em letras e
literatura, mas sim quem, além de dominar a leitura e a escrita, sabe fazer uso proficiente e
frequente de ambas.
O letramento é um conceito com raízes na alfabetização, e por isso, com frequência ambos
são confundidos.
Assim temos a definição de alfabetização como esclarece Tfoni (1995):
a alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidade para
leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. Isso é levado a efeito, em geral, por meio
do processo de escolarização e, portanto, da instrução formal. A alfabetização pertence, assim,
ao âmbito do individual (TFOUNI, 1995, p. 9).
Portanto, inferindo sobre o que a autora diz, percebemos que a alfabetização está
diretamente ligada ao processo da aquisição da escrita, seja para a produção escrita ou para a leitura.
Todavia, esse é um processo que acontece de forma mais na individualidade, já que cada um
apropria-se do conteúdo no seu tempo e a de seu modo, uns mais facilmente e outros com certa
lentidão. Aqui, nesse processo, o aluno é responsável por assimilar os conteúdos, ou seja, aprende
se a ler e escrever para a escola.
Segundo Soares (2000), o termo letramento teria sido usado no Brasil pela primeira vez,
por Mary Kato, em 1986, em seu livro, No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. Mas
como parte de título de livro, aparece em 1995, no livro organizado por Angela Kleiman ―Os
significados do letramento‖ e em ― Alfabetização e letramento‖, de Leda V. Tfouni. Ou seja, como
nos esclarece ainda, Soares (2000), o termo teria surgido a partir da tradução da palavra inglesa
Literacy, tendo o seu significado sendo:
literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever. Implícita nesse
conceito está à ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas, econômicas,
cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo
que aprenda a usá-la. (SOARES, 2000, p. 17).
Portanto, o letramento é uma prática que vai muito mais além da alfabetização, que está
voltada para a leitura e a escrita e, não estando vinculada para o contexto social.
Uma diferença que podemos perceber sobre o letramento na educação brasileira é a que
não é mais suficiente o ler e o escrever, mas é necessário saber empregar a leitura em situações da
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realidade social, em que o ler faça sentido e ainda, que colabore no momento da prática da
comunicação, tanto no meio escolar como fora dele.
Para Kleiman (1995), a definição de letramento é a seguinte:
o letramento significa uma prática discursiva de determinado grupo social, que está relacionada
ao papel da escrita para tornar significativa essa interação oral, mas que não envolve,
necessariamente, as atividades específicas de ler ou de escrever (KLEIMAN, 1995, p. 18).
De acordo com a autora, o letramento está relacionado também com as diferentes
atividades desenvolvidas com relação às formas de discurso que o indivíduo pratica no seu dia a dia,
ou seja, é a interação que acontece no meio social em que se está inserido.
Ao realizar uma reflexão sobre os significados de letramento, Tfouni (2010) nos sugere que
não pode acontecer a redução do termo ao significado de alfabetização e ao ensino formal, já que
―é um processo mais amplo que a alfabetização e que deve ser compreendido como um processo
sócio-histórico‖ (TFOUNI, 2010). E, a autora ainda contribui, quando relaciona o letramento com
o desenvolvimento das sociedades. Com relação a esse sentido, a autora explica que:
Em termos sociais mais amplos, o letramento é apontado como sendo produto do
desenvolvimento do comércio, da diversificação dos meios de produção e da complexidade
crescente da agricultura. Ao mesmo tempo, dentro de uma visão dialética, torna-se uma causa
de transformações históricas profundas, como o aparecimento da máquina a vapor, da
imprensa, do telescópio, e da sociedade industrial como um todo. (TFOUNI, 2010, p.23).
Portanto, o letramento seria causa e consequência do desenvolvimento ocorrido em todos
os setores do meio social. Sendo assim, o seu significado atribuído pela autora extrapolaria a escola
e o processo de alfabetização, referindo-se a processos sociais mais amplos. Ou seja, de acordo com
ela, o letramento estaria relacionado a fatores do meio social e também aos relacionados com o
momento histórico do aluno ou individuo, por isso, poderia se dizer que: ―O letramento [...]
focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita. [...] tem por objetivo investigar não
somente quem é alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse sentido, desliga-se de
verificar o individual e centraliza-se no social mais amplo (TFOUNI, 1988, apud MORTATTI,
2004, p. 89)‖.
A autora Brotto (2008), nas suas reflexões, aponta-nos as seguintes considerações a
respeito da diversidade de práticas que a palavra letramento pode abranger:
Letramento é um termo recente que tem sido utilizado para conceituar e/ou definir variados
âmbitos de atuação e formas de participação dos sujeitos em práticas sociais relacionadas de
algum modo à leitura e à escrita. Pode se referir a práticas de letramento de crianças em
período anterior ao período de escolarização; à aprendizagem escolarizada da leitura e da
escrita, inicial ou não; à participação de sujeitos analfabetos ou alfabetizados não escolarizados
na cultura letrada, ou, ainda, referir-se à condição de participação de grupos sociais não
alfabetizados ou com um nível precário de apropriação da escrita em práticas orais letradas.
(BROTTO, 2008, p. 11).
O que a autora deixa claro nesse recorte é o que Soares (2000), Kleiman (1995), Tfoni
(2005) e Matencio (1994) também defendem: a posição de que o letramento está intimamente
relacionado às práticas de uso da leitura e da escrita, ainda que em práticas orais. Assim, mesmo os
adultos considerados analfabetos e as crianças que ainda não foram inseridas no processo de
escolarização fazem parte de um meio letrado e, portanto, reconhecem a utilidade da leitura no seu
cotidiano, identificando os motivos de seu uso.
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Soares (2009), mesmo quando aponta a dificuldade de conseguir abranger toda a
complexidade do significado do termo letramento em um único conceito, também expressa uma
definição para o termo nesse viés:
Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita; O estado ou
condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se
apropriado da escrita e de suas práticas sociais (SOARES, 2009, p. 39).
Assim, o letramento está ligado aos usos, e também às práticas de leitura e de escrita. Além
disso, é letrado o indivíduo ou grupo que desenvolve as habilidades não somente de ler e de
escrever, mas que utiliza a leitura e a escrita na sociedade, ou seja, para Soares, somente alfabetizar
não garante a formação de sujeitos letrados. Para que o letramento aconteça é necessário que esses
sujeitos tenham oportunidades de vivenciar situações que envolvam a escrita e a leitura e que
possam se inserir em um mundo letrado. No entanto, como aponta Soares (2009), ―realidades de
países como o nosso, o contato com livros, revistas e jornais não é, ainda, algo natural e acessível,
portanto, a realidade de alguns contextos de nosso país não contribui para a formação de sujeitos
letrados‖ (SOARES, 2009, p.58).
Por isso, a autora defende que no processo de alfabetização, seja necessário que o professor
alfabetize letrando, pois a mesma reconhece que existe uma indissociabilidade e uma
interdependência entre os processos de alfabetização e letramento, mesmo que os dois tenham as
suas especificidades. Aja vista que a alfabetização se relaciona diretamente com o ambiente da
escola. Seus métodos aplicados são o sintético que se inicia da parte menor, para posteriormente
trabalhar com o todo que é o texto; e o analítico que faz o caminho contrário, do todo para as
partes menores.
Já em relação ao letramento, é considerado como a materialização nas práticas sociais e
reais da leitura e da escrita no meio cotidiano em que os indivíduos estão expostos. Portanto, o
maior desafio do educador é realizar a alfabetização a partir do letramento, pois a autora defende
que existe uma relação íntima entre os dois conceitos. E, é possível expor os educandos de qualquer
nível de escolaridade a práticas reais de letramento, promovendo assim aos mesmos, uma
aprendizagem significativa.
Retomando ainda o posicionamento de Soares (2004) temos que as práticas de letramento
realizadas na escola diferem-se muito das práticas de letramento da vida real, ou, que a escola tentar
recriar práticas de letramento, porém, essas não se aproximam das práticas sociais de letramento.
Ela afirma ainda que:
na vida cotidiana, eventos e práticas de letramento surgem em circunstâncias da vida social ou
profissional, respondem a necessidades ou interesses pessoais ou grupais, são vividos e
interpretados de forma natural, até mesmo espontânea; na escola, eventos e práticas de
letramento são planejados e instituídos, selecionados por critérios pedagógicos, com objetivos
predeterminados, visando à aprendizagem e quase sempre conduzindo a atividades de
avaliação. (SOARES, 2004, p. 106).
Diante do exposto autora quer dizer que existe o letramento escolar e o letramento social.
Para ela, letramento escolar se refere às habilidades de leitura e de escrita desenvolvidas na e para a
escola. Já o letramento social se refere às habilidades demandadas pelas práticas sociais.
Em relação à dimensão social do letramento, autora considera como ―um fenômeno
cultural, um conjunto de atividades sociais que envolvem a língua escrita, e de exigências sociais de
uso da língua escrita‖ (2004, p.47). Podemos dizer, portanto, que as práticas de leitura e de escrita
tendem a atender às necessidades do meio no qual o sujeito está inserido, sendo que os contextos
sociais determinarão o gênero textual a ser lido ou produzido tanto na forma escrita quanto oral.
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Matencio (1994), Kleiman (1995), Soares (2000 e 2004), apoiadas nos estudos de Street
(1984), apresentam dois modelos de letramento: o autônomo e o ideológico.
Tendo o embasamento em diversos estudos, Street (1984) afirma que o letramento
autônomo está focalizado nos aspectos técnicos, independente do contexto social estabelecendo
uma divisão entre o oral e o escrito. Ele pressupõe ainda, que existe somente uma maneira do
letramento ser desenvolvido e que estaria associada com o progresso, com a mobilidade social e
com a civilização. Segundo o autor ―o modelo autônomo se baseia na compreensão de que o
letramento ocorre por meio da linguagem sem contexto do discurso autônomo e do pensamento
analítico (STREET, 1994, p.154)‖.
Percebemos ainda, em nossa sociedade que esse é o modelo que prevalece e que é ainda
reproduzido desde o século passado. Ou seja, no letramento autônomo prevalece à escrita em
detrimento à oralidade e as mesmas são concebidas como dicotômicas.
Para Kleiman (1995), ―a característica de autonomia‖, estaria se referindo ao fato que a
escrita seria um produto completo em si mesmo e não precisaria estar presa ao contexto em que
estaria sendo produzida para que fosse interpretada( KLEIMAN, 1995, p. 21).
Contrapondo ao letramento autônomo, Street (1984) apresenta o ideológico no qual as
práticas de letramento são determinadas socialmente e culturalmente, e os significados que a escrita
assumiria num determinado meio social dependeria do contexto em que a mesma teria sido
adquirida. Ou seja, o letramento ideológico prioriza o meio social.
Com relação ao exposto, Kleiman (1995), quando se refere aos estudos de Street, apresenta
a seguinte consideração sobre o letramento ideológico:
Street (1984 e 1993) denomina o modelo alternativo de letramento ideológico para destacar
explicitamente o fato de que todas as práticas de letramento são aspectos não apenas da
cultura, mas também das estruturas de poder numa sociedade (KLEIMAN, 1995, p. 38).
De acordo com Matencio (1994), o letramento ideológico pode fazer ralação com a
concepção de linguagem interacionista, a qual considera que os sujeitos interagem no meio social
mediado pela linguagem. Se pensarmos sobre a concepção de leitura que mais se harmoniza ao
letramento ideológico, poderíamos afirmar que é o interacional e para tanto podemos citar a
interação com o autor, com o texto e com o contexto de produção, sendo considerado, portanto, o
contexto social em que o texto foi produzido e o contexto em que ele será recebido pelo leitor.
Para Street (2003) o letramento ideológico pode ser considerado, como sendo uma visão
mais sensível e cultural e, de como as maneiras do letramento podem apresentar variações entre um
contexto e outro, levando em consideração as suas práticas sociais e as identidades plurais.
A partir desses dois modelos de letramento, propostos por Street (1984), consideramos
relevante refletir também sobre eventos e práticas de letramento, assunto que será explanado em
seguida.
Eventos e práticas de letramento
Street (2003) desenvolveu uma distinção para eventos de letramento e práticas, sendo que
os eventos estão relacionados a qualquer ocasião que possa possibilitar o aprendizado e, já as
práticas estariam voltadas para questões sociais, conjuntamente com as concepções de leitura e
escrita fazendo a união dos dois eventos (STREET, 2003).
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Temos ainda a visão da autora Kleiman (2005), que fazendo relação com o exposto por
Street (2003) ela diz que:
Evento de letramento é uma ocasião em que a fala se organiza ao redor de qualquer texto
escrito, envolvendo sua compreensão e inclui características da vida social, por exemplo,
discutir uma notícia do jornal com alguém (KLEIMAN, 2005 p.23).
eventos.
Ou seja, os eventos de letramento estariam interligados entre si fazendo a união dos dois
A autora Soares (2004) concorda com a autora Kleiman (2005) a respeito dos conceitos de
eventos e práticas de letramento. Porém, afirma que há uma distinção entre os dois: o uso do
conceito de práticas de letramento é que permite a interpretação dos eventos. Ela mostra ainda, a
diferença entre eventos e práticas de letramento escolares e eventos e práticas de letramento sociais.
Nesse sentido, sua explicação se pauta que, na escola eventos e práticas de letramento são
planejados e instituídos, são selecionados critérios pedagógicos, com objetivos pré-determinados,
visando à aprendizagem e quase sempre conduzindo a atividade de avaliação, a escola de certa
forma manipula as atividades de leitura e de escrita em relação aos seus usos sociais, criando seus
próprios eventos e práticas de letramento. Já na vida cotidiana, eventos e práticas de letramento
surgem em detrimento de circunstâncias sociais ou profissionais, respondendo as necessidades ou
interesses pessoais ou de grupos, são vividos e interpretados de forma natural, ou até mesmo
espontânea, ou seja, trata-se do uso da leitura e da escrita em contextos muito próximos e reais
como: o trabalho, a rotina do dia a dia, a vida burocrática, as atividades intelectuais. Essas agências
de letramento é que possibilitam as diferentes formas ou usos da leitura e da escrita como prática
do letramento, fazendo com que as pessoas fiquem envolvidas de maneira natural, e, muitas vezes
inconscientes nessas práticas.
Portanto, quando falamos de conceito de práticas de letramento, estamos nos referindo ao
modo como são construídos os significados do letramento dentro dos contextos sociais e culturais,
na qual a leitura e a escrita estão desempenhando um papel. Ou seja, está relacionado com a
experiência de leitura e escrita que o aluno adquire nas suas práticas sociais. Então, podemos dizer
que as pessoas desenvolvem significados das suas práticas letradas e trazem o seu conhecimento
cultural para as atividades de leitura e escrita em situações particulares. Por fim, segundo Street
(200),‖você pode fotografar eventos de letramento, mas não pode fotografar práticas de
letramento‖.
Considerações finais
Percebemos ao longo do desenvolvimento desse artigo que com relação ao letramento e às
práticas sociais, a maioria dos autores acredita que letramento não é um método, e sim uma prática,
que está inserida nas ações cotidianas da sociedade, havendo, portanto, a necessidade de uma
mudança nas propostas pedagógicas onde seja possível alfabetizar/letrando, pois o processo de
ensino aprendizagem da leitura e da escrita na escola, não pode ser visto como um mundo isolado e
à parte e não ter a finalidade de preparar o aluno para a realidade na qual se insere.
É importante fazer destaque ainda, que, alguns autores consideram que o letramento iniciase muito antes da alfabetização. Quando uma pessoa começa a interação social com as práticas
sociais que fazem uso da leitura e da escrita, prova que não existe um nível zero de letramento, já
que uma pessoa pode não ser alfabetizada, e ser letrada, trazendo consigo uma bagagem social de
conhecimentos de mundo.
Ainda, por mais limitada e arcaica que sejam as atividades desenvolvidas em sala de aula, a
grande maioria dos alunos ainda consegue fazer uso da leitura e da escrita para poder interagir em
diferentes contextos sociais, nas quais essas práticas são necessárias. Kleiman (2005) e Soares (2008)
afirmam que ações e atividades desenvolvidas em sala de aula, dentro de um contexto adequado
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modificam o comportamento dos alunos, fazendo com que eles façam uso da leitura e da escrita,
como práticas sociais, facilitando sua inserção e participação na sociedade.
Portanto, após as reflexões feitas, podemos considerar que a alfabetização e o letramento
trabalhados isoladamente, não dariam conta na formação de leitores proficientes. Por esse motivo,
defendemos a ideia de que o melhor ainda seja alfabetizar letrando, isto quer dizer, trabalhar tanto a
aquisição da linguagem como os textos dentro de um contexto de práticas sociais em que elas
acontecem.
As informações contidas neste trabalho poderão dar suporte para aqueles educadores que
tenham a intenção de rever suas propostas pedagógicas, quanto à formação de professores, às
atividades de letramento ou até mesmo uma compreensão acerca de suas bases teóricas.
Referências
BROTTO, I. J. O. Alfabetização: um tema, muitos sentidos. 2008. 238 f. Tese (Doutorado em
Educação) - Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Paraná.
INSTITUTO PAULO MONTENEGRO. Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional.
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TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e Alfabetização. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2010. 103 p
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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IDEOLOGIA E ETHOS NO DISCURSO POLÍTICO
Marcio Cotovicz*
Agricultor e acadêmico do Curso de Letras
Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO/ Irati-PR.
Resumo
O presente artigo tem por finalidade abordar conceitos sobre Ideologia e Ethos no discurso
político, visto que este tema, política, sempre gera grandes discussões e posicionamentos por parte
da população. O trabalho está ancorado nas discussões da Análise do Discurso de linha francesa.
Exemplifica a proposta através de dois discursos produzidos em rede nacional pela excelentíssima
presidente Dilma Rousself, apontando marcas da ideologia e do ethos discursivo, instâncias
presentes na linguagem que vão muito além do ato de comunicar.
Palavras-chave: ideologia, ethos, política.
Resumen
El presente artículo tiene por finalidad abordarconceptos acerca de laIdeología y de Ethos enel
discurso político, visto que este tema, política, siempregenera grandes discusiones y
posicionamientos por parte de lapoblación. El trabajo está ancorado enlasdiscusiones de
laAnálisisdel Discurso de línea francesa. Ejemplificalapropuesta por mediodel dos discursos
producidosen rede nacional por laexcelentísima presidenta Dilma Rousself, apuntandolas marcas de
laideología y de loethos discursivo, instancias presentes enlalenguaje que van muchoallá de loacto
de comunicar.
Palabras clave: ideología, ethos, política.
Introdução
O tema ―política‖ sempre gera grandes discussões e posicionamentos, por parte da
população. Diariamente, falamos dos políticos e de seus discursos, criticamos, apoiamos e, em
determinados momentos, fazemos uso dos discursos políticos para defender nossos ideais.
O discursopolítico tem lugares clássicos de enunciação, como, por exemplo, os
parlamentos, assembleias, câmaras de vereadores etc., porém, em determinadas épocas, o discurso
sai desses lugares e vem ao encontro do povo, podemos destacar, os comícios, reuniões e, nos dias
atuais, os pronunciamentos políticos podem ser observados, através das mídias informativas.
Quaisquer que sejam os lugares de enunciação do discurso político, o objetivo principal do
enunciador será, através das estratégias discursivas, persuadir ou convencer o ouvinte, uma vez que,
como afirma Dijk (1997 apud PONTES, 2010), a voz política sempre está pautada no domínio e no
poder.
O poder político, desde os primórdios da humanidade, esteve centralizado na figura do
homem, porém elas lutaram, reagiram ao adjetivo de ―sexo frágil‖, conquistaram o direito ao voto
e, inclusive, hoje são detentoras da maior cadeira política do país, a presidência da república. Após
muitos séculos de domínio masculino, chegou a hora de uma virada no cenário político nacional,
em 2010, a população brasileira elege, pela primeira vez na história do país, uma mulher Presidente
da República, a revolucionária Dilma Rousseff.
Neste trabalho, analisaremos alguns conceitos da análise do discurso de linha francesa.
Tomaremos, como base, os pressupostos teóricos abordados, por Mussalin (2001),procurando
exemplificar nossa abordagem, através de dois discursos produzidos em rede nacional, nas datas de
23 de dezembro de 2012 e 21 de junho de 2013, pela excelentíssima presidente Dilma Rousseff.
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Análise do discurso: conceitos sobre ideologia
A Análise do Discurso (AD) surgiu na década de 60, na França, tendo como pano de fundo
a política e a corrente marxista. Para a AD, é importante que sejam considerados os sujeitos, suas
atuações na história e as condições de produção da linguagem. Desta forma, a AD analisa as
relações estabelecidas entre a língua e os ―sujeitos que a empregam e as situações em se
desenvolvem o ato da palavra‖ (FRASSON, 2010).
Um dos aspectos importantes trabalhados pela AD é o conceito de ―Ideologia‖. Mussalin
(2001), após uma leitura de Althusser (1970), afirma que as instituições governamentais funcionam
pela ideologia, são os chamados ―aparelhos ideológicos do estado‖. Segundo Althusser, a ideologia
dominante sempre prevalecerá, mesmo que marcada pela contradição, ditarão as regras na
sociedade.
O discurso, segundo Maingueneau (2008), é orientado por um sistema ideológico, desta
forma o sujeito não é livre para dizer o que quer em qualquer lugar. Conforme MUSSALIN (2001,
p.133), podemos inferir, no que diz respeitoà formação ideológica, que:
(...) o sujeito do discurso ocupa um lugar de onde enuncia, e é este lugar, entendido como a
representação de traços de determinado lugar social (o lugar do professor, do político, do
publicitário, por exemplo), que determina o que ele pode ou não dizer a partir dali. Ou seja,
este sujeito, ocupando o lugar que ocupa no interior de uma formação social é dominado por
uma determinada formação ideológica que preestabelece as possibilidades de sentido de seu
discurso.
O discurso de um democrata será atravessado pelos ideais democratas, assim, como um
discurso liberal, comunista etc., serão marcados por suas respectivas posições ideológicas. Nessa
linha de pensamento, Pêcheux (1969) aborda o conceito de ―maquina discursiva‖, é como se
houvesse um dispositivo norteador dos discursos, atuando nas produções discursivas dos sujeitos.
No discurso político, observa-se que cada partido direciona seu discurso, para um
determinado público, ou mais precisamente, para uma determinada classe social. Com relação ao
governo petista, de Dilma Rousseff, podemos observar um maior apeloàs ―massas‖, à classe dos
trabalhadores brasileiros. Como segue, abaixo:
Comecemos pelo mais espetacular. O Brasil sem Miséria retirou 16,4 milhões brasileiros da pobreza extrema.
Isso foi possível porque criamos a ação Brasil Carinhoso, uma nova forma de proteger crianças e jovens.
Estamos complementando o Bolsa Família, garantindo uma renda de R$ 70 por pessoa para famílias muito
pobres com filhos de zero a 15 anos.Enfrentamos, com essa ação, a raiz da desigualdade. Protegendo as crianças
e os jovens estamos construindo um futuro melhor para o Brasil.
A continuidade da expansão do emprego no Brasil também é uma grande conquista. Somente até outubro deste
ano, criamos 1,7 milhão novos postos de trabalho.
Em meu governo, chegamos a 4 milhões de novos empregos com carteira assinada. Temos o menor desemprego da
história. Estamos praticamente em pleno emprego.
O poder de compra dos salários continua crescendo. Um milhão de famílias já realizaram o sonho da casa
própria, graças ao programa Minha Casa, Minha Vida, e já contratamos mais 1 milhão de novas moradias
que vão beneficiar famílias por todo o Brasil, dando a elas a segurança de um lar. É o maior programa deste
gênero no mundo.
(Pronunciamento à nação da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de
rádio e TV - Brasília/DF – 23/12/2012- grifos nosso)
A mandatária constrói seu discurso, transpassando a imagem de uma democracia, um
governo do povo.Praticamente todo seu discurso é construído na primeira pessoa do plural (nós),
desta forma, ela socializa as conquistas com toda a população e, ao mesmo tempo, divide as
responsabilidades com a sociedade. Vejamos:
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Minhas amigas e meus amigos,
Todos nós, brasileiras e brasileiros, estamos acompanhando, com muita atenção, as manifestações que ocorrem
no país. Elas mostram a força de nossa democracia e o desejo da juventude de fazer o Brasil avançar.
Se aproveitarmos bem o impulso desta nova energia política, poderemos fazer, melhor e mais rápido, muita coisa
que o Brasil ainda não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas. Mas, se deixarmos que
a violência nos faça perder o rumo, estaremos não apenas desperdiçando uma grande oportunidade histórica,
como também correndo o risco de colocar muita coisa a perder.
O governo e a sociedade não podem aceitar que uma minoria violenta e autoritária destrua o patrimônio público
e privado, ataque templos, incendeie carros, apedreje ônibus e tente levar o caos aos nossos principais centros
urbanos.
Brasileiras e brasileiros,
Precisamos oxigenar o nosso sistema político. Encontrar mecanismos que tornem nossas instituições mais
transparentes, mais resistentes aos malfeitos e, acima de tudo, mais permeáveis à influência da sociedade. É a
cidadania, e não o poder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar.
(Pronunciamento da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de rádio e
TV , em 21/06/2013- grifos nosso)
Outro aspecto, bastante frequente no discurso de Dilma Rousseff, é a marcação do poder.
Apesar de utilizar, com mais frequência, um discurso em primeira pessoa/plural, em alguns
momentos ela usa o singular, para mostrar domínio e poder:
Em meu governo, chegamos a 4 milhões de novos empregos com carteira assinada.
Na semana passada, inaugurei os dois primeiros estádios para a Copa do Mundo de 2014.
Nesses últimos meses, apresentei ao Brasil vários programas para enfrentar os gargalos (...).
(Pronunciamento da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de rádio e
TV , em 23/12/2012-grifos nosso)
Como presidenta, eu tenho a obrigação tanto de ouvir a voz das ruas (...)
Com equilíbrio e serenidade, porém, com firmeza, vamos continuar garantindo o direito e a liberdade de todos.
Asseguroa vocês: vamos manter a ordem.
A mensagem direta das ruas é pacífica e democrática.
Ela reivindica um combate sistemático à corrupção e ao desvio de recursos públicos. Minhas amigas e meus
amigos,
Eu quero repetir que o meu governo está ouvindo as vozes democráticas que pedem mudança. Eu quero dizer a
vocês que foram pacificamente às ruas: eu estou ouvindo vocês! E não vou transigir com a violência e a arruaça.
Todos me conhecem. Disso eu não abro mão.
(Pronunciamento da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de rádio e
TV , em 23/12/2012-grifos nosso)
Terminamos essa abordagem, sobre a questão da ideologia no discurso, citando Althusser
(1970 apud MUSSALIN, 2001, p.110):
A ideologia é bem um sistema de representações: mas estas representações não têm, na maior parte do tempo,
nada a ver com a “consciência”: elas são na maior parte das vezes imagens, às vezes conceitos, mas é antes de
tudo como estruturas que elas se impõem à maioria dos homens, sem passar por suas consciências.
Análise do discurso: conceitos sobre ethos.
A questão da ideologia na análise do discurso abre margem para discutirmos o ―ethos
discursivo‖, abordado por Maingueneau (2008). O autor faz uma leitura da Retórica de Aristóteles e
define que o conceito aristotélico de ethos reside no caráter moral do orador. O ethos faz parte das
provas de persuasão que tem como objetivo convencer o público por meio da argumentação.
―Persuade-se pelo caráter (ethos) quando o discurso é considerado de forma a tornar o orador
digno de fé; nós confiamos, de fato, mais rapidamente e de preferência em pessoas de bem em
todos os assuntos em geral‖ (MAINGUENEAU, 2008, p.57).
A principal característica do discurso político é causar uma boa impressão na população,
desta forma, uma das principais características do discurso político é conquistar o público. O
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político precisa passar confiança, simpatia e credibilidade para seu ouvinte, e o ethos é um dos
mecanismos dos quais ele fará uso, para fazer que o interlocutor comungue com as suas ideias.
Maingueneau (2008, p.57) elenca três qualidades fundamentais de um bom orador: a
prudência, a virtude e a benevolência, características essas, que culminam na produção de uma
imagem positiva e digna de fé. A seguir, apontaremos, em algumas partes do discurso da presidente,
a presença destes caracteres do ethos discursivo.
Ethos simpatia:
Queridas brasileiras e queridos brasileiros,
Estamos chegando ao Natal e, em breve, um novo ano se iniciará.
Minhas amigas e meus amigos,
Quando conversei com vocês na celebração do 7 de Setembro, disse que nosso modelo de desenvolvimento
precisava ser reforçado em um de seus eixos: a competitividade de nossa economia.
Minhas amigas e meus amigos, só se enfrentará o desafio de superar a pobreza e aumentar o poder competitivo
do Brasil investindo em educação, que gera oportunidades para os cidadãos e melhora a qualificação da força de
trabalho.
(Pronunciamento da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de rádio e
TV – 23/12/2012 – grifos nosso).
Minhas amigas e meus amigos,
Todos nós, brasileiras e brasileiros, estamos acompanhando, com muita atenção, as manifestações que ocorrem
no país.
Brasileiras e brasileiros,
Precisamos oxigenar o nosso sistema político.
Minhas amigas e meus amigos,
Eu quero repetir que o meu governo está ouvindo as vozes democráticas que pedem mudança.
(Pronunciamento da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de rádio e
TV– 21/06/2013- grifos nosso).
Observa-se a construção de um ethos de simpatia nos discursos da presidente. Ela se apoia
na figura da (e de) mulher, para garantir uma proximidade com os governados e, desta forma,
conseguir a confiança.
Ethos prudência:
Mesmo com o mundo cheio de incertezas, tivemos um ano bom e plantamos as bases para que o próximo seja
ainda melhor.
Trabalhamos todos com afinco e dedicação para deter os efeitos da crise internacional sobre o nosso país.
Mantivemos a inflação sob controle, melhoramos o câmbio e criamos as condições para que os juros caíssem ao
menor patamar da história.
Nesses últimos meses, apresentei ao Brasil vários programas para enfrentar os gargalos do crescimento e da
competitividade de nossas indústrias.
(Pronunciamento à nação da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de
rádio e TV - Brasília/DF 23/12/2012 às 21h10 - grifos nosso)
Se aproveitarmos bem o impulso desta nova energia política, poderemos fazer, melhor e mais rápido, muita coisa
que o Brasil ainda não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas. Mas, se deixarmos que
a violência nos faça perder o rumo, estaremos não apenas desperdiçando uma grande oportunidade histórica,
como também correndo o risco de colocar muita coisa a perder.
Como presidenta, eu tenho a obrigação tanto de ouvir a voz das ruas, como dialogar com todos os segmentos,
mas tudo dentro dos primados da lei e da ordem, indispensáveis para a democracia.
Sou a presidenta de todos os brasileiros, dos que se manifestam e dos que não se manifestam. A mensagem
direta das ruas é pacífica e democrática.
Ela reivindica um combate sistemático à corrupção e ao desvio de recursos públicos. Todos me conhecem. Disso
eu não abro mão.
Eu quero repetir que o meu governo está ouvindo as vozes democráticas que pedem mudança. Eu quero dizer a
vocês que foram pacificamente às ruas: eu estou ouvindo vocês! E não vou transigir com a violência e a arruaça.
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(Pronunciamento à nação da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de
rádio e TV - Brasília/DF 21/06/2013- grifos nosso).
Os fragmentos, acima destacados, contribuem para compreendermos a formação de um
discurso que transpassa o ethos prudência, mostram fielmente, através da escolha lexical, uma figura
política prudente em suas ações, que procura governar de forma responsável, agindo dentro dos
rigores da lei.
Ethos virtude/ benevolência
O Brasil sem Miséria retirou 16,4 milhões brasileiros da pobreza extrema.
Estamos complementando o Bolsa Família, garantindo uma renda de R$ 70 por pessoa para famílias muito
pobres com filhos de zero a 15 anos. Enfrentamos, com essa ação, a raiz da desigualdade.Protegendo as crianças
e os jovens estamos construindo um futuro melhor para o Brasil.
O poder de compra dos salários continua crescendo. Um milhão de famílias já realizaram o sonho da casa
própria, graças ao programa Minha Casa, Minha Vida, e já contratamos mais 1 milhão de novas moradias
que vão beneficiar famílias por todo o Brasil, dando a elas a segurança de um lar. É o maior programa deste
gênero no mundo.
O governo federal reduziu encargos que incidiam sobre a conta de luz, fizemos também acordos com a maioria
das concessionárias. Elas irão praticar tarifas mais baixas em troca da renovação de seus contratos.
Também nessa área, avançamos muito em 2012. Com o Pronatec, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e ao Emprego, já oferecemos 2,5 milhões de vagas para os jovens e para os trabalhadores.
(Pronunciamento da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de rádio e
TV – 23/12/2012 – grifos nosso)
No tocante, ao ethos virtude/benevolência, os fragmentos acima mostram a construção de
um discurso que transpassa uma imagem política realmente comprometida com os anseios da
população mais necessitada. O objetivo deste ethos é criar uma imagem benévola, caridosa da
pessoa da governante.
Todos esses fatores, ligados aos ethos (caráter), contribuem para que o enunciador construa
sua imagem e, com ela, consiga persuadir o ouvinte. “Mas é necessário que essa confiança seja efeito do
discurso, não de uma opinião sobre o caráter do orador” (Barthes, 1970 apud MAINGUENEAU, 2008,
p.59).
É importante, ressaltarmos, que o ethos é uma instância discursiva, ele está a serviço do
orador e dos objetivos do discurso, é uma imagem construída, não deve ser confundida com o
caráter real do orador.
Considerações Finais
Conforme o exposto é possível perceber as questões ideológicas e o caráter persuasivo do
discurso analisado. As marcas ideológicas são as características que a pessoa herda de toda sua
formação, cultura, vivência, entre outros. A ideologia se manifesta em um discurso de forma
inconsciente. Já o ethos é uma instância discursiva, o sujeito constrói conscientemente a imagem que
deseja passar. A ideologia sempre será a mesma, porém o ethos dependerá tanto do público quanto
do objetivo desejado.
Elencando algumas marcas da ideologia e do ethos discursivo, pudemos perceber que a linguagem,
quando bem empregada, vai muito além do ―comunicar‖.
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TRAVESSIAS AMAZÔNICAS: UMA LEITURA DE A VORAGEM,
DE JOSÉ EUSTASIO RIVERA
Marinete Adriano de Melo*
Luciana Marino do Nascimento**
Resumo
As imagens acerca da Amazônia como paraíso, ―inferno verde‖ ou Eldorado foram moldadas a
partir dos textos dos viajantes estrangeiros que a visitaram nos século XVII XVIII. Foi, sem dúvida,
pela força da letra que se fixou no imaginário estas imagens.Neste trabalho, pretende-se revisitar as
imagens sobre a Amazônia, nas múltiplas travessias no interior da floresta, empreendidas pelos
personagens do romance do escritor colombiano Jose Eustasio Rivera – La Vorágine.
Palavras chave: Romance, Amazônia, imagens literárias.
Abstract
The images of Amazon as paradise, ―green hell‖ or Eldorado were constructed from the texts of
foreigner explorers‘ who visited the region during the 17th and 18th centuries. Consequently, it was
the word force the responsible for establishing these images in people‘s imaginary. This paper aims
at revisiting images about the Amazon through the multiple crossings in the forest interior carried
out by the characters of the novel La Vorágine, by the Colombian writer Jose Eustasio Rivera.
Keywords: novel, Amazon, literary images.
Introdução
A Amazônia, tradicionalmente, vem sendo representada por múltiplas imagens que vão
desde o paraíso terrestre ao inferno verde, imagens estas imortalizadas pela literaturae pelos relatos
dos viajantes, que na tentativa de compreender a região e seus habitantes, revelam, através de seus
textos, um cenário grandioso, cheio de mistérios e detentor de uma floresta exuberante. Enfim, o
mítico paraíso.
Pressionados pelas adversidades comuns à época, os homens sonham encontrar o paraíso e a
fonte da eterna juventude. A tradição religiosa dizia que um grande rio nascia naquele local
aprazível, cujas águas encobriam riquezas, e não muito longe, uma fonte convidava para a total
supressão dos males sociais (...). Esse local foi encontrado pelos expedicionários de Orellana e
se localizava na região amazônica. (GONDIM, p.10)
Nesse sentido, a Amazônia constitui uma invenção perpassada por muitos imaginários:
Contrariamente ao que se possa supor a Amazônia não foi descoberta, sequer foi construída;
na realidade, a invenção da Amazônia se dá a partirda construção da Índia, fabricada pela
historiografia greco-romana, pelo relato dos peregrinos, missionários, viajantes e comerciantes.
(IDEM, p.9)
*Graduada
em Letras pela Universidade Federal do Acre. Professora da Rede Estadual do Acre. Mestranda
em Letras: Linguagem e Identidade pela Universidade Federal do Acre.
**Docente do Departamento de Ciência da Literatura da Faculdade de Letras da UFRJ. Docente do Mestrado
em Letras: Linguagem e Identidade da Universidade Federal do Acre. Bolsista de Produtividade em Pesquisa
do CNPq. Este trabalho contou com o apoio do CNPq.
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Esse imaginário estigmatizador permanece enraizado na cultura do estrangeiro, conferindo
uma espécie de identidade homogênea para a região. Nessa perspectiva, de acordo com estudiosos
da literatura que versa sobre o universo amazônico, a projeção identitária, juntamente com a
temática do isolamento, marcam grande parte dessa produção. Esse olhar estereotipado reforça esse
discurso sobre a Amazônia, retrantando o homem amazônidacomo sendo um ser que vive numa
região definida como espaço de isolamento, habitat de uma população ainda primitiva.
Mary Pratt, em sua obra Os olhos do império, esclarece os motivos da predominância
dessetipo de discurso em torno da Amazônia, mostrando que o olhar dos viajantes, que chegaram à
Amazônia, vinha marcado pela ideologiaeurocêrntrica do homem branco. E foi esse olhar que
ajudou a construir visõesmarcadas por estereótipos éticos, sociais, geográficos que povoam grande
parte dos romances que tratam da Amazônia. Segundo Pratt, alcançamos uma descolonização
política, mas ainda temos a mente colonizada, pois continuamos reproduzindo conhecimentos que
refletem valores europeizados. Esse olhar, lançado de fora, ―produz‖ imagens que retratam uma
Amazônia homogênea, desconsiderando suas diversidades. E ao falar da necessidade de nos
desvencilharmos da influência do Outro, a autora afirma:
Em nossa época chamada de pós-colonial, na qual o imperialismo é visto como substituído
pela globalização,a pele branca continua agradando,as filhas continuam sendo vendidas, e os
mitos imperiais continuam gerando significados, desejos e ações. Falta muito para que nos
descolonizemos. (PRATT, 1999, p. 15)
Em Mary Pratt o ―Eu‖ só se explica com o ―Outro‖, num processo de troca e assimilações
de modos e representações culturais. A autora chama esse fenômeno transculturação, definido como
sendo:
Etnógrafos têm usado esse termo para descrever como grupos subordinados ou marginais
selecionam e inventam a partir de materiais a eles transmitidos por uma cultura dominante, eles
efetivamente determinam, em graus variáveis, o que absorvem em sua própria cultura e no que
o utilizam. (IDEM, 1999, p.31)
Mas se para os colonizadores a Amazônia se constituía numa região que adquire diversos
significados correspondentes aos mais diferentes contextos socioculturais, num olhar
singularizador, para outros, os nativos, ela é plural. (GONÇALVES, 2001, p. 18)
Na esteira das representações da Amazônia em sua grandiosidade paisagística, mas também
denunciando as estruturas sociais presentes nessa região, José Eustasio Rivera, escritor colombiano,
publica em 1924, o romance La Vorágine (1924), sendo, como bem afirmou Francisco Foot
Hardmam―a matriz ficcional de maior repercussão na literatura latino-americana do século XX‖.
(HARDMAM, 1982, p.126)
Em 1935, a obra de Eustasio Rivera foi traduzida no Brasil, tendo acompanhado o
panorama literário da época, no qual havia uma grande recorrência de escritores e romances de
caráter social. Essa tendência se anuncia em 1928 com a publicação de A Bagaceira, do paraibano
José Américo de Almeida, no qual é retratando os contrastes humanos e sociais entre os
trabalhadorese os senhores de engenho. Nesse ponto, o romance brasileiro inova ao abandonar a
idealização romântica e a ―imparcialidade‖ realista, para apresentar uma postura crítica sobre a
realidade social e sobre o impacto dessas relaçõessobre o indivíduo.
O projeto literário do romance de 30 foi revelar como uma determinada realidade
socioeconômica pode influenciar a vida dos seres humanos. Para tratar das questões regionais, os
escritores retomam dois momentos anteriores da prosa: do regionalismo romântico, o interesse pela
relação entre o homem e o meio em que vive, com o acréscimo da visão determinista; do Realismo,
o estudo das relações sociais. A linguagempredominante nesses romances procurava traduzir ―a cor
local‖ através de uma descrição minuciosa e detalhada dos ambientes, ou seja, as informações sobre
espaços, costumes, quepermitiam a tipificação de uma determinada região.
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José Eustasio Rivera nasceu na cidade de San Mateo em 19 de Fevereiro de 1888, em uma
família dedicada ao trabalho de campo. Os pais, Don Eustasio Rivera e Catalina Salas, tiveram onze
filhos. Rivera publicou seu primeiro livro, Terra da Promessa,em 1921, composta por sonetos. Em
1922, foi nomeado secretario da Comissão de fronteira Colômbia-Venezuela, mas em pouco
tempo, por considerar que era pouco o apoio do governo dado às suas viagens. Continuou a viajar
por conta própria para investigar uma série de ataques contra os cidadãos colombianos, por parte
de peruanos. Dentre os relatos estavam: a venda de seringueiros brasileiros colombianos e a
penetração de peruanos no território nacional colombiano. Esteve em Manaus no intuito de
denunciar as condições de escravidão dos seringueiros brasileiros e colombianos em terras
peruanas. No entanto, não viu êxito em seus protestos. Desiludido, voltou à Neiva e passou a usar
sua escrita como sua arma mais eficaz contra a exploração e o abandono dos seringueiros.
Rumo às selvas colombianas
José Eustasio Rivera, em La Vorágine, demarca a ideia da selva amazônica como
redemoinho/voragem, suscitando imagens portentosas do excesso, do exótico, do desenfreado e do
fabuloso.
O enredo de La Voráginetraz sucessivas aventuras vivenciadas pelos seus personagens. Em
sua primeira parte, é narrada a fuga do protagonista e narrador, Arturo Cova, que junto à Alícia
desloca-se de Bogotá, com a ajuda de Don Rafo, um vendedor ambulante de varejo, para Casanare
na planície de Los Lhanos, para fugir do casamento arranjado pelos pais de Alícia, uma vez que a
moça deitara-se com o aventureiro. Chegam a La Maporita, onde são recebidos por seus amigos
Fidel Franco e sua esposa, a menina Griselda, de quem Alícia se torna amiga. A estreita amizade
entre as duas mulheres desperta o ciúmes de Arturo, por considerar que Griselda servia de ponto
para estabelecer uma relação entre Alícia e Barrera, um comerciante da região que aliciava
seringueiros e mulheres para vender nos seringais da Amazônia. Em meio a uma crise de ciúmes,
Cova abandona as duas mulheres e vai para Zubieta.
No segundo capítulo, narra-se o encontro do protagonista com Fidel, que o comunica do
desaparecimento de Alícia e Griselda, a partir de então passa a acreditar na traição da amada. No
intuito de vingá-se da suposta traição, reune-se a Fidel, Pipa e alguns índios, e parte em busca de
Barrera e das duas mulheres. No trajeto, conhece José Clemente, um velhoque vagava a muito
tempo na selva em busca de seu filho Lucianito, que também desaparecera e se embrenhara na
selva. Clemente relata toda sua história de sofrimento, errância e exploração vivida por ele, desde
que chegara à região.Juntos, vivem diversas aventuras em busca do seringal onde poderiam estar
Alícia e Griselda.
Na última parte, o grupo chega ao seringal Guaracú. Ao encontrar Zoraia, Arturo se passa
por um venezuelano, Vácares, cuja fortuna havia perdido num naufrágio. Durante o tempo em que
permaneceram ali, o protagonista conseguiu conquistar o coração e a confiança de Zoraia, e foi a
partir dessa estratégia que conseguiu encontrar Barrera, Alícia, Griselda e, finalmente, descobrir que
ambas haviam sido sequestradas por Barrera, e que Alícia esperava um filho seu.
No decorrer de toda narração, sobretudo, a partir do segundo capítulo, de La Vorágine, o
espaço amazônico é apresentado ao leitor como um lugar ―longínquo‖, ―desabitado‖, onde a selva é
―devoradora‖ daquele que nela habita, principalmente do recém-chegado à região. O espaço, na
descrição do autor, ganha traços de humanização, enquanto que o sujeito ―humano‖ animaliza-se,
devido a ação determinista do meio sobre ele. Essa leitura da selva fica evidente no lamento
proferido por Arturo Cova:
(...) Algo pior ainda: A selvatranstorna o homem, desenvolvendo seus instintos mais
desumanos: a crueldade invade a alma como o espinho intrincado e a cobiça queima como
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febre. A ânsia por riquezas convalesce o corpo já desfalecido e o cheiro da borracha produz a
loucura dos milhões. (RIVERA, 1982, p. 123)
A supremacia do espaço é evidente nos relatos do narrador. A selva parece
antropomorfizar-se, numa representação de sua força e domínio sobre o homem, intrusoexplorador de suas riquezas: ―Tuas vozes multíssonas formam um só eco a chorar pelos troncos
que se derrubam, e em cada brecha os novos gérmes apressam suas gestações. (...)mais que ao
carvalho de galhos robustos, aprendeu a amar a lânguida orquídea.‖ (IDEM, p. 87). E, ainda:
Ó selva, esposa do silêncio, mãe da solidão e da neblina! Que destino maligno me deixou
prisioneiro em seu cárcere verde? (...) Tu és catedral do pesadume, ondedeuses desconhecidos
falam a meia-voz, no idioma dos murmúrios, prometendo longevidade às árvores imponentes,
contemporâneas do paraíso (...). (IDEM, p. 87)
Em La Vorágine, além da retratação da luta inglória do homem com o espaço amazônico,
Rivera denuncia as relações entre caucheiros e os seringalistas. Trabalhadores brasileiros e
colombianos são aliciados por seringalistas peruanos, embalados pelo sonho de enriquecimento
através da extração do látex. Quando chegavam aos seringais se deparavam com uma realidade bem
diferenteda imaginada: adquiriam dívidas desde sua chegada, uma vez que seus utensílios para o
corte da seringa, bem como o alimento, eram ―debitados‖ como dívidas, que em pouco tempos já
não podiam pagar. Era o fim de seus sonhos e o começo de um sistema de escravidão.
O pessoal dos trabalhadores está composto, em sua maioria, de indígenas e recrutado que,
segundo as leis da região, não podem mudar de dono antes de dois anos. Cada indivíduo tem
uma conta na qual se carrega as bugingangas que são empurradas neles, as ferramentas, os
alimentos e a borracha é abonada a um preço irrisório, determinado pelo amo. Jamais
seringueiro algum sabe quanto custa o que recebe, nem por quanto lhe abonam aquilo que
entrega, pois o segredo do empresário está em guardar o modo de ser sempre credor. Essa
nova forma de escravidão atravessa a vida dos homens e étransmissível aos seus herdeiros.
(IDEM, p. 127)
O sistema de trabalho escravo é denunciado em vários pontos da narrativa, desde a
retratação minuciosa que o narrador faz de como esses trabalhadores eram recrutados até as
negociações, que eram feitas após assomarem uma dívida impossível de ser paga com sua força de
trabalho, impedindo completamente o retorno a sua pátria. Essa era a situação de José Clemente,
que sem condições de quitar seu débito, foranegociado, por diversas vezes, e vendido para outros
seringais.
O Cayeno deveria aceitar minha proposta vantajosa: em troca de um velho inútil receberia um
seringueiro jovem, ou dois mais, porque Franco e Heli não me abandonariam. Para adulá-lo,
tentaria falar-lhe em francês: ―Senhor, este ancião é parente meu e, como não pode pagar-lhe a
conta, deixe-o livre e de-nos trabalho até que a saldemos‖. E o antigo fugitivo de Caiena
acederia sem hesitar. (IDEM, p. 159)
No entanto, a escravidão, naquele espaço, não se restringia às relações de trabalho. O autor
denuncia também a bárbara relação entre homens e mulheres, marcada pela opressão e exploração
sexual da figura feminina. A exuberante selva parecia insensível ao amor, por isso os homens
naquele espaço ―insólito‖ e ―devastador‖, pareciam perder a capacidade de amar ou até mesmo
demonstrar sensibilidade diante do outro gênero. Ali, as relações não eram de homens e mulheres,
mas em seu estado de animalização ―machos‖ saiam em busca de ―fêmeas‖ para saciar-lhes os
instintos:
Aconteceu que nessas noites os seringueiros invadiram a choupana das mulheres, para gozá-las
como prêmio de uma semana, segundo um velho costume. Fedendo a fumaça e a sujeira, assim
que acabam de fumigar, apresentam-se a sentinela e, com um gesto lascivo, combinam o turno.
(...). Ontem à noite, duasmeninas montanhesas choravam aos gritos no alto da escada, porque
todos os homens as preferiam e era impossível continuar resistindo. O Váquiro, ameaçando-as
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com a chibata, insultou-as. Uma delas, desesperada, jogou-se ao chão e quebrou um braço.
(IDEM, p. 206)
No decorrer de toda a narrativa, a quebra da relação desumana entre homens e mulheres é
suavizada pela história de amor de Arturo Cova por Alícia. Um sentimento que é capaz de levá-lo a
penetrar no interior da selva amazônica, enfrentar todos os perigos para resgatar sua amada que
fora sequestrada por Barrera. A notícia da gravidez de Alícia, e o nascimento da criança ainda no
percurso da fuga de Arturo e sua amada, simbolizam a esperança de uma nova vida para os
habitantes daquela região, uma vida livre da escravidão e do sofrimento:
Anteontem à noite, na miséria, na escuridão e no desamparo, nasceu o pequeno setemesinho.
Sua primeira queixa, seu primeiro grito, seu primeiro pranto foram para as selvas desumanas.
Viverá! Levarei-o comigo em uma canoa por esses rios, à procura da minha terra, longe da dor
e da escravidão, como o seringueiro do Putumayo, como Julio Sanchez! (IDEM, p. 226)
Considerações finais
O autor, Rivera, à semelhança de outros, apresenta um discurso construtivo de uma visão
negativa sobre a região. Esse discurso amazonialista vem sendo formado desde o século XVI,
quando chegaram os primeiros desbravadores e lançaram os mais diversos olhares sobre a região na
ânsia de defini-la. O desejo de conhecer, desbravar essa região ―exótica‖ e ―misteriosa‖ foi dando
forma a um discurso homogeneizador, que define a selva amazônica a partir dos mesmos
referenciais: ―indomável‖, ―avassaladora‖, ―paraíso perdido‖, ―inferno verde‖, ―cárcere verde‖,
―espaço de solidão‖, ―distante‖. Enfim, os adjetivos são vários, mas giram em torno da mesma
dicotomia: inferno/ paraíso, uma vez que olhar lançado sobre a Amazônia toma como referencial
de civilização, o espaço da Europa.
No decorrer da descrição da selva, fica evidente a vida do autor sobre aqueles espaço, à
medida que o discurso vai descortinando uma Amazônia marcada pela selvageria, ao dá ênfase a
aspectos que simbolizam a não civilização, ao mesmo tempo, que a perspectiva de denuncia se
mostra como mola mestra da escrita. O autor pretende delatar, ―à civilização‖ e às autoridades, as
condições desumanas em que viviam os sujeitos que trabalhavam na extração do látex e que
custeavam luxos dos patrões que viviam nas grandes metrópoles. Diante disso, o discurso do
narrador delineia uma selva que transforma o homem, independente de sua vontade, como a
mostrar um sujeito ―asujeitado‖ às condições socioculturais do meio, eximindo-o de toda culpa
ebarbáries cometidos contra o ―Outro‖ e contra si mesmo. Ele é apenas produto das forças naturais
e joguete em meio a exuberante selva, como diria Taine, e, por isso, precisa ser liberto daquele
espaço ―devorador‖. É preciso libertá-lo da ―Voragem‖ da selva.
Referências bibliográficas
FOUCAULT, M. A Ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
GONÇALVES, Walter Porto. Amazônia, Amazônias. SP: Contexto,2001.
GONDIM, Neide. A Invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994.
HARDMAN. Francisco Foot. A vingança da Hileia. São Paulo: Global, 1982.
PRATT, Mary Louise. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. Bauru,
SP: EDUSC, 1999.
RIVERA, José Eustasio. A Voragem. Trad. Livraria Francisco Alves. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1982.
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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A DICIONARIZAÇÃO BRASILEIRA E O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
Natieli Luiza Branco
Mestranda em Estudos Linguísticos PPGLetras
Universidade Federal de Santa Maria
Bolsista Fapergs/Capes
Resumo
Objetivamos realizar uma primeira reflexão da importância dos dicionários no
ensino/aprendizagem de língua materna. Para isso, refletimos sobre o processo de dicionarização
brasileira e sobre a história do ensino de português língua materna. E analisamos os prefácios dos
dicionários Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) e Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa
(2004) para verificar qual a proposta desses dicionários em relação ao uso escolar. Tratamos os
dicionários como objetos discursivos e instrumentos linguísticos de acordo com a Análise de
Discurso de linha francesa e a História das Ideias Linguísticas.
Palavras-chave: Análise de Discurso, dicionário, língua materna.
Resumen
Nuestro objetivo es realizar una reflexión de la importancia de los diccionarios en la
enseñanza/aprendizaje de lengua materna. Para eso, reflejamos sobre el proceso de dicionarización
brasilera y sobre la historia de la enseñanza de portugués lengua materna. Y analizamos los
prefacios de los diccionarios Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) y Minidicionário Houaiss da
Língua Portuguesa (2004) para verificar cual es su propuesta con relación al uso escolar. Tratamos los
diccionarios como objetos discursivos e instrumentos lingüísticos de acuerdo con el Análisis de
Discurso de línea francesa y la Historia de las Ideas Lingüísticas.
Palabras clave: Análisis de Discurso, diccionario, lengua materna.
Palavras iniciais
Os dicionários são vistos, nesse trabalho, mais do que objetos de consulta e sim objetos
discursivos, ou seja, tomamo-los como um espaço de produção de sentidos. Desse modo, segundo
Petri (2010), podemos observar as diferentes formas de nomear e definir as coisas e as
possibilidades de funcionamento dos sentidos, deixando de lado o status de certo e errado, pois
olhamos de modo diferente as materialidades discursivas, propondo outras interpretações,
questionando as evidências.
Com isso, para esse trabalho, apresentamos, primeiramente, a dicionarização brasileira, pois
concordamos que ―interessa ao Estado uma homogeneização pedagogicamente instituída‖ (idem, p.
22) da língua para o seu ensino/aprendizagem e que a produção de dicionários nacionais é para
fixar essa língua. Depois, refletirmos sobre o ensino da língua nacional do Brasil e o uso do
dicionário nesse processo de ensino/aprendizagem, apresentando as análises dos dicionários
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) y Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2004).
Ressaltamos que o estudo aqui apresentado não é minucioso, e sim apresenta um breve panorama
dessas questões mostrando que os dicionários têm sua relevância na história e no ensino da língua
no/do Brasil.
A dicionarização brasileira
Para a constituição do Estado-nação, segundo Orlandi (2002), deve haver uma língua
nacional, que deve ser una e homogênea para promover a identidade do país. E é necessário
também que a língua nacional seja escrita e gramatizada – colocada em dicionários e gramáticas.
Desse modo, também ―os instrumentos linguísticos constroem uma unidade para a língua‖
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(NUNES, 2008, p. 120), o que, por conseguinte, é necessário para o ensino/aprendizagem dessa
língua, pois a escola tem um papel de difusora da língua adotada como nacional.
Conforme Nunes (2006, p. 45), a dicionarização é ―o processo histórico-discursivo de
constituição dos dicionários‖. Para o autor, tratar da dicionarização brasileira é tratar da
dicionarização em países colonizados, pois ―ao mesmo tempo que indica uma filiação a um saber
linguístico europeu, mostra-se fundador de uma outra tradição‖ (Ibid., p. 50).
Com isso, o Nunes (2006) indica cinco etapas do processo de dicionarização no Brasil:
transcrição alfabética de termos indígenas; traduções de termos indígenas; listas temáticas de
palavras língua indígena/língua portuguesa (através dos relatos dos viajantes, portanto século XVI);
dicionários bilíngues língua indígena/língua portuguesa (elaborados pelos jesuítas, na época
colonial); dicionários monolíngues de língua portuguesa do Brasil (formação da definição da língua
portuguesa do Brasil). Etapas que não se distanciam dos períodos de constituição da língua
nacional, acima citados.
Os relatos dos viajantes, segundo Nunes (2001), foram importantes para o nascimento da
lexicografia brasileira, pois ―constituem um corpus privilegiado para observar a construção de um
modo de dizer o léxico no território brasileiro‖ (Ibid., p. 73). Os viajantes chegavam ao Brasil e
tinham que nomear as coisas que encontravam no país, fazendo uma relação palavra/coisa.
Os dicionários bilíngues surgiram antes dos dicionários monolíngues, em vista de
aparecerem na época colonial, com os jesuítas, e de a língua falada pela maioria ser a indígena. Com
isso, ―o dicionário funciona como um instrumento de colonização que o saber linguístico legitima‖
(NUNES, 2001, p. 75).
Com as discussões sobre a língua nacional já consolidadas, adotando o português como
língua nacional, surgem os dicionários monolíngues ou de língua materna que mostram ―a
especificidade do caso brasileiro‖ (Ibid., p. 77).
O ensino de língua materna no Brasil
De acordo com Guimarães (2003, p. 48), língua materna ―é a língua cujos falantes a
praticam pelo fato de a sociedade em que se nasce a praticar; nesta medida ela é, em geral, a língua
que se representa como primeira para seus falantes‖. Nesse trabalho, partimos do pressuposto que
a língua materna é a língua portuguesa.
A educação no período colonial era organizada pelos jesuítas, com isso, da alfabetização
em língua portuguesa passava-se para o ensino do latim, da gramática da língua latina e da retórica,
segundo Soares (2002). E a finalidade desse ensino, conforme Bunzen (2011), era ter adeptos do
catolicismo.
Com a consolidação dos Estados-nação (séculos XVII-XVIII), há a necessidade de ensinar
a língua da metrópole para o Estado-nação poder se firmar como tal através da unidade linguística.
Para isso, no Brasil, houve a Reforma Pombalina, no século XVIII, que obrigou o ensino da língua
e da gramática portuguesa e proibiu o uso das línguas indígenas no Brasil. Com isso, de acordo com
Soares (2002), o ensino do português era dado ao lado da gramática latina, da retórica e da poética
que continuavam sendo componentes curriculares.
A partir do século XIX, o português ganhou mais autonomia e iniciou-se o processo de
gramatização brasileira - começou a produção de gramáticas brasileiras. Nas primeiras décadas do
século XX, foram produzidas gramáticas para uso escolar, além de coletâneas de textos; desse
modo, gramática e textos passam a ter um destaque importante no ensino de língua, dando unidade
ao ensino/aprendizagem, de acordo com Soares (2002).
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A denominação Português como disciplina se deu no fim do Império, segundo Soares
(2002), em que houve a junção da retórica, da poética e da gramática em uma única disciplina – o
Português - primeiramente no ensino fundamental e depois passou para o ensino médio. Mas, o
ensino continuava centrado na gramática, no bem escrever e o alunado era de grupos sociais
economicamente privilegiados.
Para a autora, a mudança nos conteúdos da disciplina Português ocorreu em meados do
século XX, por causa da democratização da escola que mudou o perfil do alunado e as condições
pedagógicas (como contratação menos seletiva de professores). Também contribuiu para essa
mudança o ensino da gramática a partir do texto ou vice-versa.
Houve várias reformas, leis, propostas ao longo dos séculos XIX e XX sobre os objetivos
do ensino da língua portuguesa, promovendo reconfigurações, até chegarmos ao currículo prescrito
de hoje em dia, século XXI.
A entrada da Linguística como saber científico também contribuiu para o ensino do
Português, passou-se a discutir concepções de língua, linguagem, leitura, texto e o próprio processo
de ensino/aprendizagem. Como exemplo, temos que, antes o ensino era baseado na gramática
tradicional e depois o foco passou a ser o texto e seus gêneros. Passou-se a discutir o ―discurso da
mudança‖ e o ―ensino tradicional‖. Também as políticas públicas contribuíram para o processo de
ensino/aprendizagem, como é o caso do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
Trazemos um pouco da história do português para observar como é institucionalizado o
campo de saber e os aspectos do conhecimento em cada momento histórico - o que é de extrema
importância para entendermos porque hoje o ensino de português tem as características que tem.
A história faz parte da constituição do ensino de línguas, pois, a cada momento histórico,
temos uma concepção de língua, linguagem e ensino que reflete diretamente na língua que é
ensinada na escola e na metodologia de ensino/aprendizagem. Pois, concordamos com Soares
(2002, p. 176) que ―a retomada da história da disciplina português [...] evidenciará a importância de
uma perspectiva histórica para compreender e explicar o estatuto atual da disciplina. Só assim,
compreendendo-a e explicando-a, a partir de sua história, pode-se interferir nela‖.
Em busca do lugar dos dicionários
Nessa parte do trabalho, olhamos para o dicionário e sua importância na sala de aula, nos
dias de hoje, século XXI. Fizemos um horizonte de retrospecção nas seções anteriores, pois só
assim podemos ver o horizonte de projeção, conforme Auroux (1992). Ou, conforme Soares
(2002), entendendo a história, entendemos o presente.
Para uma língua ser organizada em dicionários e gramáticas, ela precisa ser gramatizada,
conforme comentamos acima. Auroux (1992) define a gramatização como ―o processo que conduz
a descrever e a instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de
nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário‖ (Ibid., p. 65, grifos do autor). Através
desses dois instrumentos temos o saber a língua e o saber sobre a língua, e construímos nosso saber
metalinguístico, pois eles nos ajudam em nosso conhecimento sobre a língua. É neles que
―guardamos‖ a língua e a ensinamos e aprendemos. Valemo-nos desses instrumentos para aprender
e ensinar a língua até os dias de hoje.
De acordo com Nunes (2006), olhar o dicionário como discurso significa questionar o
espaço de certeza que esta obra ocupa e deixar lugar para os gestos de interpretação. Desse modo, o
dicionário é um espaço para ―observar os modos de dizer de uma sociedade e os discursos em
circulação em certas conjunturas históricas‖ (Ibid., p. 11). Ou seja, nos dicionários estão os
discursos que circulam em determinado momento histórico e produzidos por sujeitos que viveram
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aquele determinado momento histórico. Desse modo, o dicionário possui historicidade, renova-se,
atualiza-se, transforma-se.
Além de fixar a língua, os instrumentos linguísticos auxiliam no processo de
ensino/aprendizagem da língua, pois neles está uma certa ―verdade‖ sobre os significados das
palavras usadas pela comunidade linguística. Segundo Lara (1996), os dicionários carregam uma
―verdade‖ em seus significados e essa ―verdade‖ é compartilhada pela sociedade. Para Krieger
(2005, p. 102), ―este estatuto de obra de referência sobre o comportamento lingüístico, gramatical e
pragmático das unidades lexicais de um idioma é também determinante do valor pedagógico dos
dicionários‖.
Trazemos a concepção de dicionário para uso escolar como instrumento didático, de
acordo com Tullio e Zamariano (2011) e Krieger (2005), pois o dicionário auxilia o
desenvolvimento de competências necessárias ao aprendizado, como leitura, produção textual e
ampliação do vocabulário.
De acordo com as autoras, os dicionários não são explorados como devem pela escola e
não recebem uma classificação adequada quanto aos critérios para que seja um dicionário escolar ou
não. Muitos dicionários voltados para o uso escolar apresentam a designação ―escolar‖ ou então
―mini‖ para dizer que são de uso escolar. Os minidicionários, segundo Krieger (2005), predominam
nas escolas mais pela sua característica de dimensão reduzida do que pela sua adequação à língua.
Espera-se de um dicionário de uso escolar, conforme Tullio e Zamariano (2011, p. 196),
―que todo o seu conteúdo seja cuidadosamente dimensionado para abranger os dados procurados
pelos estudantes da faixa etária em foco, assim como a constância na apresentação das
informações‖ para facilitar seu manuseio. De acordo com Krieger (2005), a função didática do
dicionário está na ampliação do léxico de uma língua e na utilização do dicionário para atividades de
leitura e de produção de textos.
Segundo as autoras, a proposta do dicionário deve se adequar às necessidades dos alunos,
bem como à linguagem utilizada, à presença ou não de ilustrações, ao tamanho, dentre outros
aspectos. Pois, ―alguns dicionários são simplesmente um recorte de dicionários maiores, sem a
preocupação com um tratamento específico da linguagem de acordo com o público a que se
destina‖ (TULLIO e ZAMORIANO, 2011, p. 204).
Outro fato que se deve levar em consideração é que ―os dicionários não são neutros e
tampouco são iguais. Existem muitas diferenças estruturais, princípios e de tratamento dos dados
coletados que se refletem no conteúdo e organização das obras.‖ (KRIEGER, 2005, p. 103). A
autora afirma que os dicionários não são iguais ―quer pelo registro e tratamento dos dados lexicais,
gramaticais e os diferenciados enfoques semânticos, quer pelas marcas ideológicas que contêm
como qualquer outro texto.‖ (Ibid., p. 104).
Assim, cabe ao professor avaliar o dicionário que pretende usar com seus alunos, que de
acordo com Krieger (2005), deve levar em conta a proposta lexicográfica, a confiabilidade e a
adequação ao processo de ensino. Isso reforça a importância de ler os prefácios dos dicionários.
Os prefácios podem ser produzidos por editores (com objetivo de venda da obra), por seus
autores (estabelecendo uma relação de aproximação com o leitor) ou por terceiros (adjetivando a
obra e o autor), de acordo com Petri (2009). Com isso, o prefácio, segundo a autora, é entendido
como um texto com funcionamento próprio, porque revela a ideologia, a história e a posição do
sujeito dicionarista presente em cada obra, além de representá-la, enaltecendo-a.
O dicionário é um espaço no qual ―é possível observar diferentes formas de nomear e de
definir as coisas do nosso mundo, prevendo múltiplas possibilidades de funcionamento deste ou
daquele sentido‖ (PETRI, 2010, p. 19). Por isso, deve-se ler os prefácios dos dicionários adotados
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para o uso escolar. Outros componentes do dicionário podem ser verificados, como a entrada, a
definição, os exemplos, mas escolhemos os prefácios, para esse trabalho, por serem os textos que
antecedem a obra em si.
A análise dos dicionários
Trazemos como proposta realizar uma breve análise dos prefácios de dois dicionários: o
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) e o Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2004),
com o objetivo de verificar qual a proposta desses dicionários e, principalmente, se o minidicionário
pode ser voltado ao processo de ensino/aprendizagem. E, com isso, também verificar as diferenças
entre um dicionário ―normal‖ e um ―mini‖.
Os dois dicionários acima citados são produzidos pelo Instituto Antônio Houaiss e
impressos pela Editora Objetiva. O Dicionário Houaiss possui dois textos introdutórios, um
intitulado ―Prefácio‖ assinado por Antônio Houaiss, que foi professor, diplomata, filólogo e
idealizador do dicionário e outro intitulado ―Apresentação‖ assinado por Mauro de Salles Villar,
também filólogo e lexicógrafo, diretor do Instituto Houaiss e coautor do dicionário. Já o
Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa possui um texto introdutório intitulado ―Palavras iniciais‖
e assinado por Mauro de Salles Villar. Temos, com isso, olhar de sujeitos lexicógrafos sobre a
produção do dicionário.
Em relação ao Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o sujeito lexicógrafo se aproxima de
seu leitor de maneira sutil, dizendo que o leitor sabe a língua, sabe o léxico da língua, mas tem um
porém, não sabe o ―todo‖, e para saber o ―todo‖ ele pode consultar esse dicionário, para ampliar
seu léxico. Mas, em nenhum momento, refere-se ao uso desse dicionário na escola.
Desse modo, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa apresenta um espaço de atualização,
de registro seguro e aprofundado das unidades léxicas que o leitor domina e as que ele não domina;
um espaço em que o sujeito leitor pode buscar, além do significado, a forma, a etimologia, a norma;
um espaço onde está o léxico de todas as comunidades linguísticas que falam a língua portuguesa.
Com isso, podemos resumir que a ideologia do dicionário e a noção de língua nele estão presentes
na seguinte sequência discursiva: ―[...] que o todo possa ser de todos [...]”.
Em relação ao Minidicionário Houaiss, o sujeito lexicógrafo apresenta o que há no dicionário
de forma bem minuciosa e também ressalta como foi realizado o levantamento dos verbetes, além
de trazer uma ―minigramática‖, pois pretende que o dicionário seja um instrumento didático
completo. Percebemos um discurso bastante preocupado em explicitar ao usuário, que
provavelmente será um jovem usuário, o que ele vai encontrar no dicionário.
Destacamos uma sequência discursiva na qual o sujeito lexicógrafo explica como foi feito o
levantamento dos verbetes e das definições: ―teve em conta publicações utilizadas como obras de base em
prestigiosas instituições de ensino brasileiras, estaduais e federais, para que as informações fornecidas fossem de
máxima eficácia pedagógica”. Percebemos, com isso, a preocupação na elaboração desse dicionário e
sua intenção de ser um instrumento pedagógico.
Além dessa informação e das instruções de manejo do dicionário, outras mais podem ser
encontradas nele, listamos algumas: história da língua, estrutura básica de orações, classes de
palavras, formação do plural, do feminino, do aumentativo e do diminutivo, acentuação, pontuação,
regras de ortografia, nos verbos há a indicação de regência... Observamos que não se trata apenas
de um dicionário, mas um instrumento linguístico que pode ser usado para qualquer informação
básica sobre a língua.
Assim, o sujeito lexicógrafo conclui que o dicionário foi feito ―amorosamente” pelo grupo
para ser ―uma ferramenta eficiente para quem dele utilizar”, tendo a imagem do dicionário como uma
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―abrangente pequena obra”. Reconhece que o tamanho da obra é pequeno, mas que seu uso é
abrangente, tornando-o adequado ao uso escolar.
Com essa breve análise, percebemos que os dicionários foram elaborados para fins
diferentes e que o Minidicionário Houaiss, apesar de não ter a designação ―escolar‖ no título é voltado
para o uso escolar, tendo, inclusive, anexos gramaticais. Fato que vai ao encontro com Krieger
(2005) de que os dicionários utilizados nas escolas são os ―mini‖. Não nos detemos na análise da
macro e microestrutura dos dicionários para verificar se estão adequados aos públicos de que se
propõem, mas, em relação aos prefácios, podemos perceber que há certo rigor lexicográfico e
preocupação com os objetivos dos dicionários.
Palavras finais
Concluindo, mas não totalmente, quero deixar a pergunta de Orlandi (2002, p. 118): ―como
ler o dicionário, hoje?‖.
Como vimos, na história do saber lexicográfico, havia outros olhares sobre o dicionário,
que tem a ver com a constituição da língua nacional e com o ensino da língua nacional brasileira.
Esses períodos se relacionam, pois são determinados pelo momento histórico e linguístico.
Hoje, temos o olhar sobre o dicionário como instrumento didático e aparecendo nas
escolas os minidicionários. Será que o uso de minidicionários nas escolas é uma forma de reduzir o
acesso ao conhecimento? Será que é pouco uma lista de 25.000 a 30.000 verbetes nesses
dicionários? Será que todas as palavras que os alunos têm/terão dúvida estarão nos minidicionários?
Mas deixemos que Orlandi (2002) nos diga a possível resposta para essa(s) pergunta(s):
Deve-se pensar um dicionário que, ao invés, de iludir-se (e a nós) com sua completude,
assumisse, ao contrário, a incompletude necessária, assim como a diferença, a alteridade
constitutiva e tivesse uma forma material (lingüístico-histórica) que levasse os seus usuários a
trabalhar com ela em seu funcionamento, mobilizando suas memórias e abrindo espaço para a
elaboração de relações com diferentes formações discursivas. O ponto fundamental para o
dicionário, como para a gramática, a meu ver, é trabalhar não a função do dicionário, mas seu
funcionamento na relação do sujeito com a língua, incluindo-se aí não só a relação com as
condições de produção imediatas, porém com a memória, ou seja, vê-lo como discurso.
(ORLANDI, 2002, p. 118, grifos da autora).
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Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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GESTÃO ESCOLAR OU ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR?
Pedro Braga Gomes55
Sueli Aparecida Leandro56
Resumo
Este artigo é resultado de reflexão sobre a gestão ou administração escolar nas escolas de educação
básica brasileira. consiste em caracterizar as interrelações nas organizações administrativas que
organizam e administram a educação. O papel e a importância de uma administração estratégica
com enfase nas técnicas de recursos humanos como agente fomentador de um ambiente
humanizado.
Palavras-chaves: Gestão e operacionalidade da adminsitração escolar, planejamento estratégico e
recursos humanos.
Abstract
This article is the result of management thinking in schools or school administration of Brazilian
basic education. Consists in characterizing the interrelationships administrative organizations that
organize and administer education. The role and importance of strategic management with
emphasis on the techniques of human resources as a developer of a humane environment agent.
Keywords: Management and operation of school administration, strategic planning and human
resources.
Introdução
A constiuição Federal de 1988, em seu artigo 206, nos dá a diretriz da gestão da educação
brasileira devem ser democratica e participativa. Também o artigo 3º, Inciso VIII, da Lei de
Diretrizes a Bases da Educação Nacional (Lei Federal 9394/96), reconhece que a gestão do ensino
público deve ser democrática, respeitando a forma da lei e da legislação dos sistemas de ensino. Em
seu artigo 14 estabelece que os sistemas de ensino definam as normas da educação básica de gestão
democrática do ensino público, respeitando as suas peculiaridades.
Com esse cenário, as escolas inauguram uma fase excepcional e inédita do estofo
democrático, elegendo seus gestores e, recentemente equipes diretivas que, em seu tempo histórico,
melhor representem o comprometimento pela busca da qualidade da educação de uma
comunidade. Em nosso tempo gestão escolar reduzida à direção, não serve à nada. Gestão escolar
que atende a escola do seu tempo, não serve à nada. Os modelos téricos (fordismos e taylorismo)
que a sustentaram até o tempo presente sofrerem abalos. A escola não está num terreno
democrático abstrato, mas incerido com processos históricos ―tradicionais muito concretos‖
GRAMSCI (1982, p.9).
Nesse sentido a educação torna-se relevante para a sociedade a partir da intensificação
dos riscos gerados pela complexidade das relações existentes no interior da sociedade
contemporânea e consequentemente no interior das organizações educacionais. Os debates a cerca
55Filósofo
e Professor. Especialista e Professor de Bioética. Mestre em Educação pela Universidade Cidade
de São Paulo (UNICID). É membro do núcleo de estudo e pesquisa sobre a pedagogia do sujeito NEPEPES (www.nepepes.com.br) da universidade de mesmo nome. Atualmente é Professor da UNIMES
e da Faculdade de Educação e Saúde de Guarulhos (FG). E-mail: [email protected].
56 Geógrafa e Professora. Pós-graduada em Gestão e Administração Escolar. Mestranda em Educação pela
Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Atualmente é Diretora de Escola da Secretaria de Estado da
Educação de São Paulo da Região Guarulhos Norte. E-mail: [email protected].
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da problemática assume um papel fundamental e, ao mesmo tempo, estratégico no valor que se dá
em torno das dimensões sócio-econômicas do desenvolvimento e das alternativas nelas inseridas.
O cenário sócio-econômico-educacional que se revela nesse contexto internacionalizado
mostra que as sociedades contemporâneas, em geral, mantêm no seu interior relações marcadas por
burocracias agressivas, isso remete a necessidade de uma profunda análise dos impactos, cada vez
mais complexos, causados nos resultados e metas a atingir pelas organizações escolares. O
mapeamento e as pesquisas das condições sociais, profissionais e humanas a que estão sujeitos os
profissionais da educação parece ser urgente, tendo como intuito promover políticas públicas que
garantam a qualidade de vida dos profissionais que atuam no interior das organizações
educacionais.
Os trabalhadores que exercem funções no processo educacional, seja na função de
gestores, docentes ou oficiais parecem necessitar de uma estratégia eficiente e eficaz por parte da
administração afim de que haja a predisposição para que os humanos mobilizem seus recursos a
favor dos interesses da própria organização. A preocupação se justifica por fatores sociais,
economicos e culturais que estão presentes na sociedade brasileira. A falta de reconhecimento, os
baixos salários, as condições de violência, conflitos e a falta de uma legislação clara que garanta uma
qualidade para o trabalho nesta organização são alguns desses fatores. Queremos dizer com isso
que os atores escolares (professores, funcionários e gestores) perderam a sensação de acolhimento
pelos seus líderes/liderados e liderados/lideres.
Por essa via, a implantação de teorias de administração e a formação de gestores poderiam
subsidiar mudanças capazes de priorizar as ações que promovam com urgência práticas relacionais
que despertem nas pessoas o prazer e a motivação para fazer fluir a criatividade alimentada pela
autonomia que SILVA (2002, p. 58) assim nos orienta, a saber: ―é um exercício que ocorre em
situações concretas na qual se dão relações do sujeito com os elementos naturais e culturais
presentes no ambiente.‖
O extrato de texto nos ajuda a compreender que os trabalhadores com capacidade de criar
e escolher são também estimulados a compreender às mudanças. Mudanças estas para que se
apredam a conviver com o diferente porque são respeitados por suas diferenças e portanto estarão
inseridos em uma cultura organizacional colaborativa. Divergir é possibilidade para crescer e inovar.
Ao deixar nesse momento de se pensar em teorias de administração, queremos trazer o
homem e sua função para o centro da ação, isto é, o gestor. Gestor este, que precisa de um saber: o
que significa planejar estratégicamente para administrar a organização? Enquanto gestor, necessita
da sensíbilidade do planejar o encontro das pessoas.
Neste sentido uma contribuição para reflexão da importancia do encontro dos homens, é a
afirmação de ARENDT (2006, p. 36), a saber: ―sempre que os homens se juntam, move-se o
mundo entre eles, e nesse interespaço ocorrem e fazem-se todos os assuntos humanos‖. Por
intermédio do extrato de texto, queremos dizer que é neste interespaço onde o diálogo e o respeito
às diferenças são as ferramentas para que se construam relações humanas desencadeadoras de
atitudes como: comprometimento e vontade.
Para tanto o perfil do gestor precisa demonstrar a sua sensibilidade e compreensão para
com as pessoas, precisa saber ouvir e saber acolher o diferente, deve conhecer muito o trabalho em
que atua para poder inovar, fazendo a mediação entre a sua organização e a comunidade em geral.
Construir autoridade por meio de relações horizontais para conseguir anular os efeitos contrários
aos atuais: distância entre o que se espera como resultados e o que realmente é possível. Estimular
sentimentos que não sejam contrários aos principios da convivência produtiva. Criar situações de
abertura de espaços para a mudança cultural por meio do consentimento participativo que envolve
a todos a colaborar e cooperar com o que se espera administrativamente.
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Por isso, a educação que é feita por trabalhadores que tem nas interações humanas o seu
objeto de trabalho precisa ser administrada e gerida por pessoas que compreendam a importancia
do cognitivo enquanto recurso(s) para o avanço do que se espera para uma Educação de qualidade.
A pesquisadora em Métodos de Administração nos diz VERGARA (2005, p.36): "a importância de
se construir relações de comprometimento e a organização estar em sintonia com as mudanças do
ambiente que a cerca‖.
Deste comprometimento derivam uma série de atitudes e comportamentos desejáveis, a
saber: elevado grau de assiduidade e pontualidade, baixas taxas de rotatividade, atitudes positivas
diante das mudanças, alto desempenho individual, comportamento de cidadania, entre outros.
As variáveis que devem ser consideradas para detectar o comprometimento são, a saber:
dimensão afetiva: corresponde ao grau que o indivíduo se sente emocionalmente ligado,
identificado e envolvido; esta dimensão é possível sempre que o encontro for estratégicamente
orientado para que as pessoas se conheçam, se escutem e se relacionem; dimensão instrumental:
é o grau em que os indivíduos se manteriam ligado à organização devido ao reconhecimento das
vantagens financeiras que advem da sua atuação e como ele desenvolve sua relação de
pertencimento ficando nela pois precisa para a sua subsistência; dimensão normativa: diz respeito
ao grau em que o indivíduo possui um sentimento da obrigação, ou dever moral, de permanecer na
organização e tem ações e atitudes consentidas voluntáriamente pois se sente motivado a trabalhar
para os objetivos.
RICHARD MONDAY (1992), no seu livro ―Pesquisa nas Organizações: questões e
controvérsias‖ publicou o resultado das pesquisas sobre a importância do comprometimento dos
individuos à organizacão. Ele enfatizou a natureza afetiva do processo de identificação do indivíduo
com os objetivos e valores da organização.
O que significa comprometimento profissional ?
Existem diferentes significados para a palavra comprometimento, incluindo aqueles da
linguagem cotidiana. BASTOS (1997), o termo mais comumente utilizado na literatura técnica
internacional relativa ao tema é originado da língua inglesa, a expressão ―commitment‖. Significa
dizer: comprometer, na língua inglesa, tem quatro eixos de significados: a noção de confiar; a de
encarregar, comissionar, designar; de perpetrar ou desempenhar; e o significado de envolver: juntar e engajar.
Para o filólogo HOLANDA FERREIRA (1972, p.156) comprometer significa a saber: obrigar-se por
compromisso; envolver-se; expor algo a algum embaraço ou perigo. Pode ainda ser identificado com um
significado de engajamento, agregar e envolver.
BASTOS (1997, p. 26), ressalta o comprometimento como:
uma disposição, comprometimento é usado para descrever não só ações, mas o próprio
indivíduo, é assim tomado como um estado, caracterizado por sentimentos ou reações afetivas
positivas tais como lealdade em relação a algo.
O comprometimento refere-se a uma forte crença e a aceitação dos valores e objetivos da
organização, ou seja, estar disposto a exercer um esforço considerável em benefício da organização
e um forte desejo de se manter como membro da organização. Por sua vez, MOWDAY (1982, p.
27) entende que o comprometimento organizacional pode ser caracterizado por no mínimo três
fatores:
a) uma forte crença e a aceitação dos objetivos e valores da organização;
b) estar disposto em exercer um esforço considerável em benefício da organização e
c) um forte desejo de se manter membro da organização.
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Par ROBBINS (apud ARENDT 2002, p. 23) e MOWDAY(1982) respectivamente
apontam que os valores da cultura dominante compartilhados pela maioria dos membros das
organizações, podem aumentar ou diminuir o comprometimento organizacional. A cultura
dominante não é imutável, ela evolui a medida que novos membros são inseridos na organização
alternando os valores e o que se entende por comprometimento.
O ambiente das organizações educacionais é institucionalmente reconhecido como um
lugar de formação. Sendo assim é condição que os trabalhadores da educação e o ambiente
educacional seja organizado e administrado sempre utilizando habilidade comunicativas. A
aprendizagem da transformação pelo diálogo, e esta é a premissa de FREIRE (1997) contraria as
formas de administração para as organizações educacionais que levam as pessoas a se adaptar, aceitar
e se submeter sem que se comprometam com o sentido da Educação.
Ao estreitar os conceitos e conhecimentos da área administrativa e a educação, evocamos
o pensador VYGOTSKY (1889-1920). Em sua curta permanência de vida dedicou-se a entender as
pessoas, especialmente as crianças mas seu pensamento resume a importancia o respeito dos
ambientes escolares, domésticos ou públicos que são capazes de educar, desenvolver jovens, criar
uma sociedade mais íntegra, justa e feliz.
Para VYGOTSKY (apud MUSSAK 2008, p.173).
Precisamos de ambientes em que o conhecimento já sistematizado não seja tratado de forma
dogmática e esvaziado de significado. Precisamos de ambientes em que as pessoas possam
dialogar, duvidar, discutir, questionar e compartilhar saberes. Lugares em que as pessoas
tenham autonomia possam pensar, refletir sobre seu próprio processo de construção de
conhecimentos e ter acesso a novas informações. Onde haja espaço para as diferenças, para as
contradições, para o erro, para a criatividade, para a colaboração e para as transformações.
Tem-se, portanto, uma relação direta entre o comprometimento, o desenvolvimento
social, os espaços e os ambientes de trabalho dos profissionais da educação. VYGOTSKY (2008)
nos autoriza a investigar como as habilidades comunicativas e as relacionais estão criando
oportunidades de semear condições para o comprometimento. Pensar e reflletir o quanto um novo
fazer gerencial poderia incentivar a tornar os ambientes mais produtivos, harmoniosos e coerentes
com o fazer pedagógico dos trabalhadores da educação que tem na literatura formativa do
profissional da educação uma das condições principais: o acolhimento, a afetividade e o respeito as
diferenças para que se promova a igualdade.
Fundamenta-se nas condições que regulam as relações humanas e em conhecimentos e
pesquisas cientificas sobre o impacto nos individuos de tais condições seria importante que as
organizações administrativas que organizam as estruturas e as relações das organizações
educacionais desenvolvam estratégias para inserir nestas formas de planejar ações que permitam
estreitar a distância entre quem planeja e quem executa, organizar, dirigir e controlar de forma
sistemica tendo como ponto de mutação, apontado por WILHELM (apud CAPRA 1982, p. 92)
como sinalizador das ações do processo administrativo das organizações educacionais, a saber:
Após uma época de decadência vem o ponto de transição. A luz poderosa que tinha sido
banida retorna. Porém este movimento não é provocado pela força. (...) o movimento é natural
e surge espontaneamente. Por isso, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é
descartado e o novo, introduzido. Ambos os movimentos estão de acordo com as exigências
do tempo e, portanto, não causam prejuízos. Formam-se associações de pessoas que têm os
mesmos ideais. Como tal grupo se une em público e está em harmonia com o tempo, os
propósitos particulares e egoístas estão ausentes, e assim erros são evitados. A idéia de retorno
baseia-se no curso da natureza. O movimento é cíclico e o caminho se completa em si mesmo.
Por isso não é necessário precipitá-lo artificialmente. Tudo vem de modo espontâneo e no
tempo devido. Esse é o sentido do céu e da terra.
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Adotar ações processuais para que as pessoas orientem suas ações pelo pensamento
sistemico definido por CAPRA (1982, p.447), a saber: ―concepção Sistemica = vêr o mundo em
termos de relações e de integração‖. É dentro deste pensamento sistemico que a organização
educacional e seus trabalhadores poderão aprender a força educativa e transpo-la para sua prática
pedagógica afim de sustentar os ideais de formação dos cidadãos do futuro. A sociedade exige que
se aprenda a conviver, contrapondo-se a decepção, insatisfação e deteriorização de relações
humanas.
Sendo assim os ambientes educacionais, cenário de aprendizagem de conteúdos, relações e
interrelações, com o objetivo de formação se tornam um lugar de construção de saberes
importantes para o desenvolvimento social, cultural e econômico de uma sociedade. Sendo assim as
salas de aula como unidades ou células dentro desta estrutura passam a ser reflexos e
condicionadas pelo processo na qual se encontram inseridas.
Neste sentido BUBER em ―A FILOSOFIA DO RELACIONAMENTO‖ (apud GOMES,
2009) nos auxilia à entender as relações humanas sob dois aspectos: Eu-Tu ou Eu–Isso. No
primeiro aspecto, há verdadeiro comprometimento entre as pessoas envolvidas. No segundo
aspecto, a relação é impessoal e não gera comprometimento verdadeiro. Ao analisar esses dois tipos
de relações humanas GOMES (2009) nos alerta para o fato de que uma relação do tipo Eu–Tu
corre o risco de virar Eu-Isso se não houver investimento sério em sua manutenção. Com esse
investimento, duas práticas são fundamentais: saber ouvir e saber receber.
Como estas qualidades estão em baixa na sociedade contemporânea e nas organizações
burocráticas, elas são ignoradas pois o comum é saber falar , saber pedir e parece implicar este falar
e pedir em julgar e assistimos o crescimento das relações Eu-Isso.
BUBER (apud GOMES, 2009) nos alerta para o risco da falta de espaço para as relações
Eu-Tu, provocado pela despreocupação crescente com a qualidade do dialogo e do relacionamento.
Podemos conluir com isso a importancia do gestor como facilitador para os espaços de encontro
ou interespaços.
Nesse contexto, podemos levantar hipóteses: em que medida o desenvolvimento da
organização educacional poderia se tornar viável se houvesse um olhar investigativo sobre a
importância do comprometimento? Estabelecer habilidades e mecanismos de comunicação para
monitorar e diagnosticar: os elementos que estão influindo no desempenho dos objetivos; buscar
mensurar o comprometimento de forma que possa obter respostas qualitativas. Viabilizar processos
administrativos e gerenciais comprometidos com os principios já apontados pelos teóricos
evocados neste trabalho até o momento.
A opção pelo aspectos humanos é uma decisão estratégica mais ampla, que tem o eixo
norteador de atuação baseada em um conjunto de ações dirigidas a uma política de
desenvolvimento que tem como premissa a valorização das relações e das interrelações. O diálogo
que estreita e oferece a habilidade humana de se comunicar para promover a expansão das relações
humanas e sociais abolindo a impessoalidade da burocratização que marca as organizações
administrativas em especial as públicas do qual se insere as organizações educacionais. A afetividade
precisa necessariamente ser construida com bases sólidas de confiança para que possa ser
sustentável. Precisa estar inserida no amago das Políticas Públicas de Educação.
Dessa forma, o objetivo desta produção é caracterizar as interrelações como uma prática
capaz de contagiar o fazer da gestão em seus diferentes estágios.
A organização administrativa que planeja, organiza e controla as organizações educacionais
por se configurar em agente normatizador da educação precisa se aliar e se apoiar em um novo
ordenamento, isso implica na mudança da sua vocação operacional de departamento de pessoal e
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despertar para uma visão estratégica de recursos humanos. Onde o centro é o humano, isto é, uma
educação para a sustentabilidade.
As reflexões até o momento realizadas e propostas nesta produção são motivadas à
partir das experiências e situações confrontadas por seus pesquisadores e a divergência paradoxal
existente entre as ações e atitudes. Como são organizados os passos para administar: planejar,
organizar, controlar e dirigir. Nesse aspecto há uma contradição entre a bibliografia a que se
reportam os profissionais da educação, que contempla as dimensões afetivas e ignoradas pela
administração e a forma como se apresenta ao se controlar e dirigir, dando enfase a dimensão
normativa de forma burocrática.
A vivência nos permitiram empregar neste trabalho duas abordagens: primeiro, as
particularidades teórico-conceituais que estão em íntima relação com as amplitudes, os interesses,
os conhecimentos e os saberes dos pesquisadores. Segundo, o campo da observação que possibilita
ampliar e confrontar de que forma as teorias estão sendo um meio para aprimorar as relações
entre os individuos e como específicamente podem contribuir para uma cultura organizacional
centrada em pessoas.
A metodologia adotada neste estudo mostra uma pesquisa bibliográfica como fonte
principal de informações. Pois, segundo MANZO (1971, p. 71), ―a bibliografia pertinente oferece
meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas
áreas nas quais os problemas não se cristalizaram suficientemente‖. Assim, em sua construção
foram utilizadas publicações legais e autores especializados.
A escolha pela pesquisa bibliográfica deu-se em face da necessidade de conhecer os
caminhos que pontuam a gestão escolar, a fim de estabelecer relações em um contexto amplo, além
da educação.
A organização administrativa operacional e a gestão escolar.
A área de Recursos Humanos vem se transformando a cada dia. O seu principal desafio é
acompanhar a evolução e a forma como se administram as organizações sejam elas públicas ou
privadas em uma sociedade cada vez mais internacionalizada. A cada dia que passa a tecnologia e a
competitividade aumentam, o mercado de trabalho exige uma demanda crescente por
trabalhadores qualificados portadores de novas competências e habilidades.
Pessoas melhor instruídas podem significar também pessoas mais flexíveis e abertas a idéias
novas. As mudanças exigem novos atributos construídos, fatores essenciais nos momentos em que os
processos gerenciais de pessoas podem ser condição para a concretização de objetivos e metas que
exigem participação e envolvimento de todos.
A administração de Recursos Humanos da organização educacional deveria ser entendida
como uma área estratégica, com amplo poder de decisão, capaz de influenciar consideravelmente a
gestão das organizações e, tem como desafio melhorar continuamente as pessoas e suas ações na
organização.
Os profissionais de Recursos Humanos envolvidos com a educação ajudariam na melhoria
do processo educacional interagindo com os novos conhecimentos na área das humanidades. Para
além da questão da melhoria da qualidade da educação buscar uma qualidade de vida no trabalho,
as atribuições nesse contexto ultrapassam as fronteiras da organização.
Isso posto, implica a necessidade de politicas públicas que privilegiem profissionais com
formação administrativa para que se torne mais simples às pessoas executarem suas funções com
entendimento da dinâmica dos novos fenômenos globais, seus impactos e relevância, tendo uma
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visão sistêmica do Homem valorizando os potenciais humanos e considerar e analisar as
interrelações existentes entre os processos educacionais, econômicos e sócio-culturais.
A busca por metas e os resultados educacionais vão além da melhoria na qualidade dos
números mas passam prioritariamente pela qualidade da vida humana seja dos profissionais ou dos
individuos que recebem o Direito de se educar. O alicerce a maximização na utilização dos recursos
humanos potencializados pelo diálogo e pelo respeito podem capacitar a todos ―a aprender a
aprender‖ e principalmente realizar a maior das exigencias do século XXI ―aprender a conviver‖.
Os procedimentos para a evolução do desenvolvimento humano gerado a partir de bases
afetivas podem se valer de atitudes naturais de voluntariado à participação, autonomia e
compromisso necessarios ao cumprimento legal que diz ―que todos são iguais perante a Lei‖.
Buscar a harmonia entre as dimensões afetivas, instrumentais e normativas podem contribuir à
busca da qualidade da educação.
As mudanças que estão em curso na sociedade e nas profissões impactam os trabalhadores
e determinam uma nova postura para ser e conviver nos espaços profissionais e pessoais. O
conhecimento altera e muda a forma das relações de comandar as organizações modernas.
A atitude integradora segundo PETER DRUCKER é o maior desafio para o
gerenciamento no século XXI, para isso é preciso que a organização pública tenham políticas
públicas que considerem e abandonem o desprezo às divergencias; que seus gestores realmente
sejam pessoas comprometidas com a mudança e que alimentem oportunidades de aperfeiçoamento,
de exploração, estimulando a inovação e abandonem definitivamente posturas hierarquizadas e
pessoais; socialmente abertos ao dialogo para conquistar por adesão o comprometimento e o
envolvimento dos individuos para desenvolvimento do embrião à justiça social; que seja culturalmente
aberto ao sistema de valores, práticas e símbolos de identidade que determinam integração dos
profissioanis da educação ao longo do tempo; e que seja politicamente esclarecido para aprofundar a
democracia, garantindo o acesso e participação de todos os setores da comunidade escolar.
Tem-se prioridade estratégica à educação o fortalecimento da capacitação integradora e
interdisciplinar com áreas do conhecimento que possam contribuir para o aperfeiçoamento do
conviver humano. As atividades de pesquisa que podem ser meios de integrar a educação para além
do processo ensino aprendizagem e assim aborda TARDIF (2012, p. 169):―as situações escolares e
como acontecem no cotidiano são situações sociais caracterizadas por interações entre seres
humanos‖.
O extrato de texto não se exige muita justificativa ao se dizer que situações sociais
repousam em práticas coletivas e no caso das organizações institucionalizadas precisam que seus
atores tenham capacidade de agir em relação a objetivos e saibam interpretar os objetivos dos
outros atores, e para este desafio é condição que a formação de gestores tenham abertura para as
multiplas facetas que a situação social exige.
No caso deste trabalho o viés administrativo com enfase na compreensão de relações e as
pessoas ―torná-se‖ na expressão de BEAUVOIR (1908- 1986) uma condição prioritária com vistas
a resultados desejados e compartilhados por todos. Isso requer um conjunto de ações no âmbito
do ensino, treinamento e capacitação em recursos humanos presenciais e acompanhamento dos
avanços por avaliações que possam checar junto aqueles que interagem a aplicação e a eficacia das
formações gerenciais.
A sustentabilidade das relações e interrelações não deveriam ser centrado em resultados e
metas quantitativas e sim qualitativa e na corporeidade do que significam os resultados e metas em
nível de qualidade de vida. O trabalho em equipe, a solidariedade e o comprometimento são
valores que necessitam ser estimulados para que se atinjam as mudanças éticas e comportamentais
que possam desencadear um envolvimento que traz o prazer e a ingenuidade da expressão que se
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manifesta em se permitir a autonomia, contagiando aqueles que estão chegando no sistema
educacional. Criar uma cultura do bem e da esperança.
As relações e interrelações fomentadas pela organização educacional pública ganhariam e
poderiam contribuir adotando estratégias e elemntos dos recursos humanos que trazem para o
centro da preocupação o humano e o respeito pelo capital humano. A abertura para ações que
pudessem torna-se elementos de sensibilização e estímulo a uma nova cultura e prática em relação
aos trabalhadores da educação.
Educação e recursos humanos são sinônimos que trazem o ser humano para ser o objeto
de todas as pesquisas e alvo das preocupações, porque é a partir dele e por ele que se deve mover os
objetivos educacionais por meio dos recursos que os humanos podem oferecer.
O objeto da administração estratégica de Recursos Humanos é alinhar as políticas de gestão
de pessoas com a estratégia da organização, pautada por um modelo de decisão, unificado e
integrador, capaz de engajar todas as funções que desempenham e participam do processo
educacional.
A importância da educação vai além da educação formal: currículos e conteúdos implicam
em formar à totalidade como nos propõe SILVA (2012, p.83).
A pessoa é uma totalidade aberta a outras totalidades ou, em outras palavras, é um ser
relacional. Esta necessidade de relação deriva de duas características humanas: a imperfeição e
o amor. Sendo assim ao pensar em educação é preciso querer conhecer a totalidade, ou pelo
menos não ignorá-la.
De nada adianta programas específicos de educação que contemplem temas
interrelacionados: o respeito aos direitos fundamentais no mundo do trabalho, avaliação formativa,
o acolhimento e a valorização da diversidade, o combate ao preconceito, a transparência das
atividades, o investimento em recursos materiais ou adotar mobiliários modernos de tecnologia para
todos estes programas e investimentos, pois, é urgente trazer para o centro o fazer, e o agir para
uma pedagogia viva e adotando estratégias que requer a participação consciente. Mitigar e discursar
por mudanças devem superar o proselitismo e evitar a utopia no qual têm se constituido programas
e objetivos pedagogicos.
O planejamento estratégico em Recursos Humanos
Para se entender o conceito de planejamento estratégico em Recursos Humanos deve-se
primeiramente definir o que é estratégia. Estratégia significa determinar aonde se quer ir e o como
chegar lá. Isto é, a definição de um caminho e as ações para atingir um determinado objetivo, os
meios para atingir um fim. Segundo SAMARTINO (2002, p. 34), nos auxilia no entendimento, a
saber:
[...]...o conceito de Administração Estratégica de Recursos Humanos é fundamental para a
compreensão do processo de alinhamento entre as estratégias de gestão de Recursos Humanos
e as estratégias amplas da organização.
A organização administrativa ao adotar postura de administrar estratégicamente os
Recursos humanos significa dizer que os gestores deverão utilizar uma visão adminsitrativa
sistêmica. Os benefícios são muitos: aumento da confiança e motivação, ambientes mais
participativos, comprometimentos dos profissionais, lideranças e equipes fortalecidas por sujeitos
com capacidade de ter as caracteristicas apontadas por SILVA (2002, p.58):
A característica do sujeito é emitir um juízo sobre a realidade. Quando ele julga a realidade,
quando ele compara o que está acontecendo com uma identidade que é dele, ele está sendo
sujeito.
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No entanto, a organização administrativa educacional nos orgãos superiores ou nas suas
unidades escolares ainda não reconhecem o potencial da visão estratégica dos Recursos Humanos.
Esse reconhecimento é feito por critérios pessoais e não se constitui em uma forma que possa
disseminar o proposito de se atingir o bem comom. Neste sentido SILVA (2002, p.59) vem
corroborar com o nosso entendimento, a saber:
O sujeito cultural é aquele tipo de agrupamento humano capaz de fazer julgamento de tal
maneira que o que é considerado bom para ele, é também para os outros. O que ele propõe
pode ser universalizado, por isso, é cultural.
Pensar em recursos humanos desta forma requer não apenas intenção mas conhecimento e
formação sistemica capaz de superar a fragmentação e as hierarquias burocratizantes. Implantar
esse processo significa criar possibilidades para o nascimentos de agrupamentos que no fragmento
acima ressata como agrupamento que julga e trabalha para o bem universal.
Os recursos que os humanos da educação podem potencialmente ter e fazer tornou-se um
fator crítico no objetivo da qualidade em educação.O desenvolvimento da habilidade de criar,
esperar e trabalhar com comprometimento e motivação são objetos de preocupação porem às
ações demandam uma mudança de como se enchergam administrar as pessoas em educação.O
objetivo dos administradores dos Recursos Humanos segundo FIDELIS; BANOV (2006, p. 26 )
devem ser:
é avaliar o grupo de trabalho como ferramenta de sustentação dos objetivos organizacionais, e
o indivíduo como parceiro importante dessa engrenagem do processo produtivo e social. O
progresso o planejamento estratégico da área de Recursos Humanos depende da capacidade
das pessoas mostrarem iniciativa diante dos desafios encontrados, estarem conscientes de suas
responsabilidades profissionais, desenvolvendo habilidades à realização de suas tarefas e
procurando o otimismo na construção de uma empresa de futuro.
Esta ferramenta denominada grupo de trabalho e o termo agrupamento de pessoas
utilizados pelo educador Jair Militão da Silva convergem para que se reconheçam a importância dos
planejamentos, saberem mobilizar pessoas, pois delas dependem a construção das organizações,
escolas ou empresas de futuro e capazes de atingir as metas a que se propõem. E mais uma citação
vem confirmar a importancia e a abrangencia das atividades para direcionar as ações,de acordo com
SILVA (2012, p.9-10):
Para que a empresa possa organizar e direcionar ações estratégicas em busca da melhoria de
resultados, precisa visualizar e considerar a abrangência e a diversidade das atividades
pertencentes a um sistema integrado de recursos humanos. A empresa precisa entender a razão
da existência dessas atividades, suas características e o grau de necessidade e/ou contribuição
para os resultados, os limites de atuação dentro do sistema, sua integração com as demais
atividades e responsabilidades para que se atinjam as metas organizacionais.
SILVA nos mostra o papel da administração e da organização educacional. Para que elas
saibam lidar com as forças externas, com as limitações do ambiente e da formação, dificuldades
sócio-economicas que repercutem e se manifestam nos espaços de trabalho, com as inovações
tecnológicas e percebam os valores e ideais dos atores educacionais. Também saibam lidar com as
forças internas decorrentes da tensão organizacional ligadas aos setores e pessoas, à política e às
leis, e com a obtenção dos resultados. As forças que estão presentes na sociedade e nos
profissionais criam necessidades de mudanças internas sejam na organização educacional e suas
estruturas ou nas formas comportamentais de gestão quanto a pessoas e recursos. Não se sustenta
mais nas organizações modernas sujeitos que julgam a realidade visando os seus interesses e SILVA
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(2012, p. 9) nos ajudam a referenciar com a afirmação de que: ―o sujeito corporativo julga a
realidade visando mais o interesse próprio, não se preocupando com o interesse do outro‖.
Recursos Humanos e a nova realidade organizacional
A organização administrativa educacional precisa aprender a se organizar, caso queiram se
enquadrar a essa nova realidade, ao invés de lutarem contra ela. A reorientação passa pelo
reconhecimento, que o único e verdadeiro patrimônio são as pessoas que nelas trabalham seja
como: diretores, professores, assistentes, técnicos e outros portanto, não devem ser tratadas como
mais uma máquina ou como um mal intencionado funcionário ou como profissionais mal
formados.
Cabe ao gestor moderno segundo CORREA (2008, p.13) a tarefa de conduzir processos
que criem possibilidades de reflexão:
o que este funcionário faz, porque faz, no que pode melhorar e no que ganhará com isso. É
valorizar as conquistas oriundas de todo o processo, do desenvolvimento profissional, da autorealização. Provocar a reflexão sobre o que ele espera da empresa e o que realmente pode
encontrar; no que espera de si mesmo, e o que realmente é capaz de desempenhar. Ele precisa
sentir-se feliz em gerenciar a própria busca o próprio sentido do trabalho. O colaborador
precisa considerar que sua função é mutável e que talvez haja benefícios nisso.
A cultura organizacional contemporânea demanda ações que conduzam seus profissionais a
um nível elevado de desenvolvimento, compromisso, responsabilidade, lealdade e iniciativa; fruto
de ações humanas pensadas a partir do reconhecimento que o outro é importante como sujeito de
um ambiente que educa, que desafia, que inova e que motiva. A divergência como possibilidade de
crescimento, respeito ao diferente, imparcialidade e impessoalidade nas ações, compromisso com o
aprender e superar o isolamento por meio de investigações interdisciplinares que como nos ensina
FAZENDA (1979, p.48) podem ―reconstruir a unidade do objeto, que a fragmentação dos
métodos separou‖. Esta atitude pode levar aos administradores de recursos humanos a integrar a
interdisciplinariedade como um ―fator de transformação e de mudança social.‖ FAZENDA (1979,
p.49).
A interdisciplinariedade entre as áreas parecem ser uma ponte construida por
conhecimentos e teorias formais e por atitudes capazes de garantir o que elenca como importante à
concretização de uma cultural organizacional de paz no entedimento de SILVA (2012, p.12):
a) Se aceitar o diferente (essa é a base inicial como postura); b) Não ver no outro um inimigo
(e, assim, não ter medo e, em conseqüência, não ter necessidade de ser ―agressivo‖): c)
Perceber-se principalmente como educador (e não o responsável pelo status quo, de modo que
uma alteração neste não implica em questionamento da própria pessoa, mas sim da situação;
estar atento à criança e ao jovem que quer participar e não às formalidades legais); d) Aceitar o
debate, o diálogo, o conflito (ter como critério que julga a validade das decisões o benefício
social, que não suprime o benefício pessoal justo); e) Recuperar o sentido preciso de ―política‖
entendendo-a como uma dimensão conatural à vida humana e instrumento de busca de
entendimento para o coexistir, superando a caracterização de política como algo sujo e
corrupto (lembrar que se é assim atualmente, essa não é a única possibilidade);f) Lembrar que,
por tratar-se de uma situação educativa, os exemplos extraídos da própria vida documentam e
testemunham melhor que os discursos a adesão efetiva da pessoa, tendo maior efeito nos
educandos;g) Finalmente, torna-se útil reiterar que, num país com tão poucas tradições de
efetiva participação popular, os modelos não são facilmente encontráveis. Trata-se, portanto,
de ir fazendo o caminho ao caminhar.
Encontrarmos caminhos que integrem a construção e a participação de todos na
elaboração de planejamentos administrativos importantes, nos desafiam a pensar sistematicamente
para trazer a esperança que é possível e fácil pensar os termos administrativos a partir do olhar
didático e pedagógico: visão nos leva a sonhar com pessoas capazes de fazer escolhas melhores, de
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meio ambiente preservado, de ouvir, falar e pensar pois, esta habilidade só a pessoa foi dada e nisto
cosiste sua humanidade; missão o que cabe a cada um fazer, qual o comprometimento e
contribuição com a organização; e os valores quais são eles para o individuo e para a empresa.
Todas os termos adminsitrativos são palavras limitrofes e de estreita ligação com a compreenssão
por parte dos gestores do respeito e conhecimento das dimensoes: afetivas, instrumentais e normativas.
Conclusão
As mudanças da sociedade provocadas por efeitos econômicos e sociais, os valores e os
avanços dos recursos tecnologicos que estreitam espaços e estabelecem possibilidades para o bem
ou para o mal exigem uma transformação na cultura organizacional e o conhecimento do homem
enquanto um sujeito singular. Isso requer um compromisso de formação ampla e urgente para
construir educação para trabalhar com estratégias coerentes com a interação que caracterizam os
processos educacionais. O conjunto das ações devem estar voltadas para a compreensão da
dinâmica das pessoas e dos agrupamentos, considerando-se os efeitos entre os elementos sociais,
politicos, economicos e as expectativas e anseios individuais inerentes a todos que são profissionais
e acentuam naqueles que optam por funções sociais compreendendo a evolução histórica dessa
relação.
Não temos dúvida quanto ao papel e a importância da administração estratégica de
Recursos Humanos como agente fomentador da educação. Para isso é preciso apoiar o
desenvolvimento de práticas relacionais alicerçada em condições que SILVA (2012) considera entre
outras importantes para enfrentarmos os problemas de extraordinária profundidade que atingem a
sociedade moderna.
Podemos afirmar que as organizações no século XXI serão mais competitivas quando
reconhecerem que o diferencial está na forma como tratam as pessoas e, admitirem que a gestão de
pessoas é o fator essencial para o sucesso organizacional.
Isto posto, implica dizer na necessidade do departamento de Recursos Humanos para
configurarem-se como agente fomentador de relações e interrelações necessitam ser apoiada por
um novo ordenamento, isso implica na mudança da sua vocação operacional para uma visão
estratégica.
As novas práticas na administração dos Recursos Humanos devem levar em consideração a
qualidade de vida no trabalho, a harmonização na organização, saber lidar com a diversidade, o
reconhecimento das competências e habilidades e a organização que ensina e aprende.
A administração estratégica de Recursos Humanos tornam-se essencial à efetiva
contribuição nos resultados e metas que estabelecem nos acordos internacionais, entre elas a
educação de qualidade. Criam e ampliam a consciência do valor que esse objetivo tem à sociedade.
A busca para potencializar os recursos humanos da organização, por conseguinte, vai fomentar e
engajar a todos neste processo de mudanças, mas acima de tudo, eles deverão se sentir como parte
integrante deste processo.
Portanto a crise no mundo das organizações tem raízes históricas e somos obrigados a
reconhecer que as linhas iniciais da nossa América Latina e de nosso Brasil foram sempres
construídas com tintas do desrespeito. Por todo o tempo uma verdadeira invasão, pois nossa terra
tinham danos: os povos que aqui viviam. No entendimento de DUSSEL (2005, p.534) ―foi um
verdadeiro encobrimento do outro‖, uma verdadeira negação da ―alteridade do outro‖, isto é, o
outro é sempre visto como um não ―Ser‖, em que foram ignorados os principios éticos em vista da
dominação e da exploração.
É preciso superar toda essa situação, ou seja, é preciso problematizar toda essa ética
moderna, para que se possa construir um Brasil e especialmente uma educação diferente do qual
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nós estamos presenciando, em que a ética está esquecida em detrimento dos interesses de um
sistema econômico. A solução para o problema somente acontecerá quando os gestores que
cultivam os valores morais (o dever de fazer) assumirem realmente a causa da transformação da
sociedade.
Por essa via, compreendemos que a fecundidade da paraticipação reside em estabelecer as
diretrizes da própria participação em comuna, inferirmos o que se quer, o que se pretende, os jeitos
e os modos de pensar e fazer a própria fomação. A Educação não é diferente. A interação com os
alunos, professores, funcionários e gestores nos conduzem à certeza de que, ao entrarmos no
ambiente escolar, vivenciamos um trabalho que TARDIF (2012, p.118) identifica como ―um
ambiente de trabalho constituído de interações humanas.‖
Portanto o fato de trabalhar com seres humanos, não é um fenômeno insignificante ou
periférico na análise da atividade docente: trata-se, pelo contrário, do âmago das relações interativas
entre os trabalhadores e os ―trabalhados‖ que irradia sobre todas as outras funções e dimensões do
mister educacional.
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Enviado em 30/2014
Avaliado em 15/06/2014
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GESTOS, GRAFISMOS, CALIGRAFIAS, DELICADEZAS DE BARTHES
Rodrigo da Costa Araujo57
Resumo
O ensaio aproxima a relação entre corpo e escrita na obra de Roland Barthes (1915-1980) a partir
de suas pinturas e produção ensaística. A partir dessas interseções, estuda-se a pintura na tentativa
de teorizar certa transitividade da escrita entendida não mais como desejo de um objeto final, mas
como o desejo da produção em si e de uma teoria que poderíamos nominar de ―prazer do texto‖.
Palavras-chave: grafia - pintura - escritura - Roland Barthes
Abstract
The test approximates the relationship between body and writing in the work of Roland Barthes
(1915-1980) from his paintings and essays production. From these intersections, we study the
painting in an attempt to theorize certain transitivity of writing understood not as an ultimate object
of desire, but as the desire of the production itself and we could nominate a theory of "pleasure of
the text".
Keywords: spelling - painting - scripture - Roland Barthes
[...] O semiólogo seria, em suma, um artista (essa palavra não é aqui nem
gloriosa, nem desdenhosa: refere-se somente a uma tipologia): ele joga com os
signos como um logro consciente, cuja fascinação saboreia, quer fazer saborear
e compreender [...]. Leçon/ Roland Barthes, 1978, p. 39)
O crítico desdobra os sentidos, faz pairar, acima da primeira linguagem da
obra, uma segunda linguagem, isto é, uma coerência dos signos (Roland
Barthes. Critique et vérité. Seuil. 1966, p.64)
Roland Barthes, além de semiólogo, escritor, crítico literário e professor, era também
pintor. Em seu caleidoscópio teórico que vai desde o estruturalismo até as abordagens nãoclassificatóricas sobre o texto, mostrou-nos como poucos, a necessidade de se questionar o
cientificismo na pesquisa teórico-literária e assumir o prazer na prática da investigação. Com
certeza, vendo ou lendo suas telas, teremos esse mesmo gesto de suas questões propriamente
teóricas do texto.
A teoria, nesse sentido, é utilizada como narrativa síntese de ―descobertas‖, não como
tradução dogmática de um gesto classificatório. Iremos, portanto, ler algumas de suas telas, feito
suas reflexões da literatura, como um espaço deceptivo58, ou seja, uma leitura caracterizada pela
Doutorando em Literatura Comparada e Mestre em Ciência da Arte (2008) pela Universidade Federal
Fluminense. Professor de Literatura infantojuvenil e Arte Educação da FAFIMA - Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras de Macaé. Coautor das coletâneas Literatura e Interfaces, Leituras em Educação (2011) e Literatura
Infantojuvenil: diabruras, imaginação e deleite (2012), todas lançadas pela Editora Opção. E-mail:
[email protected]
58 A escritura para o autor de Le plaisir du texte é inauguradora de uma ambiguidade, pois ela se oferece,
paradoxalmente, ―como um silêncio a ser decifrado‖, visto que mesmo quando ela afirma, não faz senão
interrogar: ―a obra nunca é de tudo significante e também nunca é inteiramente clara; ela é, por assim dizer,
―sentido suspenso‖: ou seja, oferece-se ao leitor como sistema significante declarado mas, furta-se como
objeto significado. Daí o caráter deceptivo da obra de arte, visto que ela faz perguntas ao mundo (e a si
mesma), sem contudo respondê-las. Esse conceito da ambiguidade aproxima-se das noções de
intertextualidade e de polifonia.
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―suspensão do sentido‖. Feito literatura, as telas são pensadas como espaço não assertivo,
frustrando toda e qualquer busca por uma resposta ou sentido. A escritura não é um gesto de
expressão, o que significa dizer que ela inexprime, aponta para si própria. Nunca pára, renova-se em
cada procura significante.
Na pintura, como, também, na Literatura, o texto experimenta-se em relação ao signo. Ela
é o espaço privilegiado para a encenação da linguagem, no qual o sentido pode isentar-se. A leitura,
por sua vez, assumiria o gesto subversivo, impertinente, que rompe o invólucro tranquilizador do
signo, desestabilizando o paradigma significante/significado.
Para Barthes, interessa à literatura - e aqui ampliaremos essa ideia para a pintura - não o
sentido, mas o processo complexo da significação, o espaço em que o significante e o significado
dialogam num dizer complexo e quase impenetrável. Sendo assim, não cabe ao crítico o exercício
hermenêutico, mas a investigação cuidadosa da produção do sentido, ou melhor, das infidelidades
do discurso. Nesse aspecto, suas pinturas expressam o trânsito dos sentidos, porque utiliza
elementos já feitos à significação e com uma substância diversa a do signo linguístico.
Desenhos, grafismos, caligrafias. O artista amador. As pinturas de Barthes assumem os
mesmos sentidos do jogo significante do texto, seguem seu trajeto obtus na materialidade da letra,
que se delineia o corpo, inscrito, como matéria visual, roubada do tesouro poético dos significantes.
Desconhecida ou faltosa essência, ela é lugar de alguma construção, que faz e se desfaz, muitas
vezes querendo-se definitiva, revelando-se, entretanto, incapturável, fugidia. A pintura, como lugar
dos ritmos respiratórios, traçados do pincel e gestos aleatórios da mão, é onde a pulsão inscreve sua
pulsação, mimetizando, eroticamente, os movimentos corporais criadores de um outro corpo
erótico, nascido desse sopro do desejo.
Figura 1
Reprodução da Capa do catálogo.
Exposição do Centre Pompidou. Edições do Centre Georges Pompidou. Seuil. Paris. 2002.
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Figura 2
Pintura nº 16 do Catálogo. Extraída do catálogo da exposição do Centre Pompidou. Edições do
entre Georges Pompidou. Seuil. Paris. 2002. p.155.
Complexo de vozes e de enunciados, as telas de Barthes são, também, o lugar da trapaça e
do engodo, na mediada em que a confusão de fragmentos e traçados fazem com que se confundam
a sua origem, não se sabendo nunca quem é o sujeito da enunciação, essa figura difusa que se veste
de cores, riscos, formas e desejo. Nas telas, lugar de produção e jogo dos significantes, encenam-se
e corporificam-se os traços. Aí, nesse palco, pode-se perceber como o jogo semiológico é
construído e tecido pelo brilho das cores e formas, cuja mecânica acompanhamos com os olhos.
Como caleidoscópio, constituído de fios luminosos que o fazem mutável ou jogo desejoso
e obtuso, assim é a imagem que se desenha nesta tela de Barthes (fig. 3):
Figura 3
Catálogo de Exposição Roland Barthes artista amador. CCBB.
Rio de Janeiro. 1995. p.36.
Traçados, traços, vãos e desvãos, sinuosidades e fragmentos diversos se reúnem em
estranha cartografia, para mais tarde desenhar-se brevemente em inéditas constelações, aladas,
fugidias e enganosas, ainda que, sedutoramente, fascinantes. Descrever sua pintura é descrever o
corpo espiral e em respiração, é colocar-se nessa posição onde o ritmo respiratório cria entonações,
pausas, e um percurso que se quer passar pelas mãos, pela escrita. É designar essa pintura-corpo,
pincel-lápis, nomeá-la, reinventá-la com a matéria prima da ―tinta-palavra‖, revestir a pintura como
poética tornada ato. Fazer dela um mapa que se confunde com os contornos de uma paisagem
homóloga à da escrita, ao desejo de escreve-pintar. Ou confirmar que ―[...] como quer que seja, o
jogo é o mesmo da página à tela, ao objeto‖ (BARTHES, 1982, p.50).
Sua pintura, como seu próprio texto sobre a crítica literária revela e se assemelha com o
recado: ―Diferentes maneiras de tomar o ―emaranhado‖: seja como uma desordem, seja como uma
disposição aleatória, seja como uma figura global, seja como um infinito celeste etc. Mas o
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emaranhado é também este espaço de prazer onde é possível emaranhar‖ (BARTHES, 1982, p.55).
Barthes é um pintor amador:
O amador não é obrigatoriamente definido por um saber menor ou uma técnica imperfeita [...],
mas, sim, por isto: ele é o que não mostra, o que não se faz ouvir. Eis o sentido da ocultação: o
amador procura produzir apenas o seu próprio gozo (mas nada proíbe que este, sem que ele o
saiba, venha a ser nosso por acréscimo), e esse gozo não é desviado para histeria alguma. Para
lá do amador, acaba o gozo puro (distanciado de toda neurose) e começa o imaginário, isto é, o
artista: o artista goza, sem dúvida, mas, a partir do momento em que ele se mostra e se faz
ouvir e a partir do momento em que tem um público, o seu gozo deve compor com uma
imago, que é o discurso que o Outro mantém sobre o que ele faz (BARTHES, 1995,
contracapa do Catálogo Exposição, CCBB).
Ao comentar as telas de Barthes, Vera Casa Nova aproxima o autor de Le plaisir du texte
com os grafismos de Cy Tombly. Retomando o ensaio de Barthes sobre este pintor, a crítica e
professora acompanha os mesmos efeitos e desvios do traço do semiólogo. ―Em Barthes, como em
Tombly, interessa o jogo, a fantasia, a exploração da ponta do pincel ou lápis que escreve, desenha,
pinta. Nesse lugar, a curiosidade desaparece, fica um rastro, um resto figural, subjétil‖ (CASA
NOVA, 2008, p.96).
De certa forma, os gestos de Cy Tombly são também, vivenciados e experimentados pelo
escritor que desenha. O gesto é um vaivém da mão, rodopios por vezes intensos, outras vezes
delicados, algumas vezes apagados, leves. O que importa são os acasos e a deriva. Fragmentação
dos signos visuais, deslocamentos de elementos, sucessão de traços que são produzidos sobre uma
superfície. Submetidos ao erotismo da escritura, as telas de Barthes - como, também, seus textos
críticos ou com traços ficcionais - transformam-se, assim, em objetos sígnicos palpáveis e
sensoriais, puras presenças abertas à fruição instantânea do leitor/espectador. Convertidas em
textos de prazer, as telas são agora espaços lúdicos, movimentos incertos, traços e demarcações
sempre à deriva e que avultam os rodopios de fulgurantes rebrilhos epifânicos. De qualquer forma:
A pintura de Roland Barthes é uma escritura ilegível, um anti-querer-dizer. Ela não quer dizer
nada [...] Pois ela quer, e quer de uma maneira muito forte, já que brota do desejo. E antes de
tudo ela quis ser, e é. É até mesmo esta excelente surpresa: a inteligência é bela, quando é nua.
(CAMUS, 1995, p.21)
Nada de certezas aparentes, apenas a dança sedutora dos traços, desvios e cores que nunca
se revelam em definitivo. É dessas marcas ora leves, ora fortes, traços, gestos incertos e à deriva que
revelam apenas as pegadas de uma prática, prática bailarina, prática trapaceira e lúdica, prática de
pintar ou escrever, ou mais, propriamente, a escritura, que se confirma.
Barthes é, como na sua própria teoria ou pintura, um leitor plural, ou seja, dentro de sua
própria acepção: ―o texto, a ficção, é o espetáculo. No texto, na obra, é do ator que se deve ocupar.
Ora, aquele que faz atingir o texto é o leitor; esse leitor é plural‖ (BARTHES, 1982, p.69). É esse
leitor-plural que quer sugerir um novo modo de leitura: ―par-dessus l‘épaule‖, por cima do ombro
daquele que está escrevendo, indicando a proximidade inteira, física e psíquica, proximidade
permitida, afetuosa, participante, ―como se escrevêssemos ao mesmo tempo em que ele‖ (o
escritor). O afeto, a ligação afetiva ao autor poderia ser praticada numa ―crítica afetuosa‖: nada de
parcialidade, mas liberação de uma falsa ideia de objetividade que incluiria na leitura do texto o
conhecimento que se pudesse ter do autor e ligasse essa leitura à amizade, ao relacionamento
afetivo com o autor.
A leitura da pintura aqui proposta, feito sua teoria, evidencia as situações limítrofes entre
gêneros: o crítico e o ficcional, ou mesmo o crítico e o pintor avizinham-se, mesclam-se,
confundem-se, instaurando a crítica como desempenho de criação, liberada de critérios formais
específicos. A crítica barthesiana se constroi como somatório de todas as potencialidades críticas, de
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todos esses retratos ou discretas faces do mesmo: no romanesco, enfim - consciente que só se pode
atingir a pluralidade contemporânea, numa atuação, também, plural.
A obra de Barthes, como um todo, é a reflexão e a fascinação pela linguagem. Reflexão e
gesto, teoria e prática desse exercício. Preocupação com a liberdade que os homens têm de tornar
as coisas significantes. Mas é, acima de tudo, a intenção que ele esclarece em S/Z: ―Quero
participar à pluralidade da narrativa, à ciência do texto para colaborar em algo ainda mais
abrangente, a edificação (coletiva) de uma teoria libertadora do significante‖. Seus textos, além dos
lampejos de genialidade no terreno dessas ideias e no manejo do discurso, revelam uma orgia
carregada de neologismos. Perturba ou agrada muitos leitores, é o próprio desejo ou atração
demasiada em instaurar o novo, em dizer diferente, em renomear. Enfim, essas são ou poderiam ser
as discretas faces de Roland Barthes: reflexões de fazer falarem ou deflagrarem o gozo. Grafar o
gozo. Gozar do que se escreve ou do que se lê, vê, decifra.
Ao contrário do texto de prazer, a produção barthesiana refletiu e exaltou o texto de gozo,
por isso ela sempre revelou e se pronunciou como incômoda, inquietante, inalisável pela crítica
hermenêutica tradicional:
O escritor de prazer (e seu gozo) aceita a letra; renunciando ao gozo, tem o direito e o poder
de dizê-la: a letra é seu prazer; está obsedado por ela, como o estão aqueles que amam a
linguagem (não a fala), todos os logófilos, escritores, epistológrafos, linguistas; dos textos de
prazer é possível portanto falar [...] a crítica versa sempre sobre os textos de prazer, jamais
sobre os textos de gozo [...]. Com o escritor de gozo (e seu leitor) começa o texto
insustentável, o texto impossível. Este texto está fora-de-prazer, fora-da-crítica, a não ser que
seja atingido por um outro texto de gozo: não se pode falar ―sobre‖ um texto assim, só se pode
entrar num plágio desvairado, afirmar histericamente o vazio do gozo ( e não mias repetir
obsessivamente a letra do prazer) (BARTHES, 1973, pp.37-38).
As pinturas de Barthes, de alguma forma, dialogam com suas pesquisas e experimentações.
No Japão e no Marrocos descobrira, segundo Louis-Jean Calvet, uma espécie de prolongamento da
escritura, uma transmutação dos movimentos da mão que formam letras: a caligrafia. No Japão, como na China, onde iria mais tarde -, dá-se importância demasiada a essas ―belas-letras‖, a ponto
de ser um grande elogio o fato de dizer que alguém tem uma bela escrita.
Os mesmos instrumentos da caligrafia (tintas, pinceis e papel) servem à pintura, e
frequentemente, o poema (o texto) se mistura ao desenho. A partir dessas experiências nasceram os
ensaios Onde começa a pintura? Onde começa a escritura?,do livro O Império dos signos, legendando uma
reprodução de Yokoi Yayú, chamada A colheita dos cogumelos.
É, então, pela primeira vez que Barthes se depara com este jogo das mãos e dos pinceis que
dá ao significante uma importância repentina, ultrapassando a do significado. No entanto, já
encontrara, multiplicado, esse jogo no Marrocos e pode constatar os múltiplos exemplos dessas
caligrafias, assim como composições geométricas abstratas em cerâmica. Diante desse contato,
Barthes lança-se ao grafismo, deixando a mão correr sobre o papel, prolongando a escritura de
maneira quase automática, o significante, a forma, tomando o ritmo do conteúdo. No início, de
forma descontraída e sem tomar um cunho mais sério, esta atividade é desenvolvida e comentada
em três reproduções no seu Roland Barthes par Rolanda Barthes: ―A grafia para nada...‖ ou ―o
significante sem significado‖, e ainda, ―rabiscos‖, porque seu desenho está no meio de uma folha
timbrada da École.
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Figura 4
Roland Barthes par Roland Barthes (1975), p. 189.
Do tom descontraído sobre o grafismo, surgem outros ensaios mais significativos sobre
esta experiência e com a sua própria pintura. Agora, estuda a pintura de Arcimboldo, André
Masson, Erté, Cy Twombly e Requichot, da mesma maneira como estuda e analisa Racine e
Michelet. Desses cinco pintores, os três últimos, sobretudo, Requichot e Cy Twombly aproximam
de sua poética e grafismos. Como eles, Barthes instaura a escritura na direção do grafismo e da cor,
para, a partir daí, construir uma negação da própria escritura com letras incertas, improvisadas,
desprovidas de sentido. Por isso, pode-se considerar que o que Barthes fala deles, pode ser aplicado
a poética dele mesmo.
Figura 5
Capa do livro Roland Barthes par Roland Barthes/ Edição Francesa (1975)
Barthes, como os traços estilísticos da poética de Réquichot que ele analisou, vai tentar
produzir uma grafia insignificante. É isso o que ilustra a capa do seu livro Roland Barthes par Roland
Barthes (1975). Em Réquichot e seu corpo, de 1973, ensaio que faz parte do livro O óbvio e o obtuso,
Roland Barthes desenha uma leitura semiológica da poética de Bernard Réquichot. Ao analisar o
próprio corpo que o artista dos Reliquaires projeta em sua obra, o teórico de Elementos de semiologia,
de 1965, postula que a escritura passa pelo corpo, o que muito bem prova sua fascinação pelas
―sematografias‖ [sématographies] de Réquichot.
O percurso criativo e as escolhas de Barthes observados sobre sua produção ensaística
colocam os gestos criadores em uma cadeia de relações, formando uma rede de operações
estreitamente ligadas e retomadas. O gesto ou o ato criador, aparece, desse modo, semelhante a um
processo inferencial, na medida em que toda ação, que dá forma ao sistema ou ao processo do
novo, está relacionada à outras ações e tem igual relevância, ao se pensar a rede ou poética criativa
como um todo. Toda a criação está atada a outras, e cada uma ganha significado novo quando
nexos são estabelecidos.
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Nesse sentido, anotações, esboços, ensaios, cenas, livros, anotações, diários, tudo assume
um mesmo valor para um pesquisador interessado em compreender o ato criador, e está, de algum
modo, interligado e reforça, assim, que ―tudo que é prática do signo está em mira da
estetização‖(BARTHES, 2005, p. 133). Nesse processo criador de Barthes, os estudos sobre o
corpo demonstraram uma tendência significativa. O crítico-escritor destinou parte de seus estudos
às diferentes formas de apresentação da imagem do corpo, especialmente nas artes plásticas, como
nos ensaios destinados aos artistas Arcimboldo ou Réquichot ou nos textos destinados às reflexões
sobre a fotografia, como A câmera clara.
Em relação ao corpo, ao gesto e a pintura, Barthes reforça ―O pintor ajuda-nos a
compreender que a verdade da escritura não se encontra nem em suas mensagens, nem no sistema
de transmissão que ela comumente constitui, […] mas sim na mão que apóia, traça e se dirige, isto
é, no corpo que vibra (que goza) (BARTHES, 1982, p. 143). Considerar a experiência corporal ou
do gesto como produtora de saber, também determina um modo de leitura da produção,
tradicionalmente chamada ―artística‖, como imbricada com a vida. Tal premissa aparece em Barthes
com o nome de ―arte de viver‖ e instiga uma busca da escrita e da leitura como produtoras de
prazer. Do fim da cisão entre vida e arte, tal qual nos movimentos de vanguarda, deriva a cortante
crítica à instituição da arte que, em Barthes, arriscamos dizer, deriva tanto da revisão dos papeis do
autor e do leitor em relação à obra, quanto da consideração desta como uma produção e não como
um produto acabado.
Em um ensaio dedicado à CY Twombly, Barthes elabora meios de ler as obras da poética
desse pintor que criava grafismos e ―rabiscos‖ em suas telas. A problematização de Barthes gira em
torno da dificuldade de se classificar uma obra em que todos os traços parecem sair de um
movimento displicente. Mas, como sabemos, o ensaísta não se ocupa por muito tempo com a
classificação e parte para a teorização da relação entre o traço, a grafia e o gesto que os produziu.
Barthes é, em suma, um combinador que busca, pela produção desejosa, saturar o corpo
erótico do texto, rasurar os gêneros enrijecidos. Pela simples leitura (releitura) de uma frase ou lexia,
de qualquer obra de Barthes percebemos, com efeito, a sua qualidade de escritor. Do seu traço na
escrita, percebemos o vaivém dos traços nas pinturas, dos ensaios percebemos seu perfil de
professor e vestígios do escritor. De todas as obras, achamos um perfil plural, que deseja e constroi
desejos, também, plurais. Ao mapear essas faces ocultas e com marcas leves e discretas de Barthes,
ao retraçar alguns segmentos, lexias59 intertextuais de sua obra/face múltipla e plural, não fizemos
mais que tentar restituir outras faces escondidas numa produção infinitamente diversa, extraídas do
sabor (ou sabores) múltiplos do signo e do espiral das formas.
Roland Barthes, ao desconfiar da ingenuidade com que os signos nos são apresentados,
apontando novas realidades nos processos de significação, produziu reflexões fundamentais para o
século da imagem.
No texto e nas pinturas de Barthes, a linguagem se apresenta como um espetáculo, mas um
espetáculo interrompido porque reflete acerca da própria encenação, do próprio ato de escrever ou
pintar. Espetáculo que nasce da voracidade. Da vontade de apossar-se da mão que escreve, apossarse da palavra sedutora e pública que circula discretamente. Voracidade de incorporar a linguagem
como tatuagem, transformar o próprio corpo em corpo-fonte, corpo-letra, estuário e caixa de
ressonância, erotismo da visualidade e da leitura, desejo.
Para Barthes, a lexia é uma unidade de leitura, uma unidade resultante da decupagem - não convém
esquecer os compromissos que esse termo tem com o fazer e o interpretar um texto cinematográfico - do
significante-tutor. As lexias são, consequentemente, fragmentos contínuos de um texto e, em relação a um
texto literário, correspondem, mais ou menos, a frases que apresentam uma certa coesão de sentido.
59
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Ao contrário da arte conceitual, as reflexões de Barthes sobre a pintura contituem um
paradigma para pensar a respeito do nascimento do texto em termos de sedução. Literatura, escrita
vibrante, tal como Roland Barthes sonhou, coincide com a emergência do desejo de dizer: a
textualização da pulsão, ou mesmo, a pintura aparece somente no desejo de formar um enigma
oferecido para interpretar a linguagem. O que é chamado de escritura, para Barthes, por exemplo, é
o mesmo que escrever sobre a pintura, e começa no momento em que o objeto provoca/instaura a
pulsão para dizer, consegue articular uma primeira fantasia verbal como ela, certa inflexão singular
de uma linguagem que nasce, sob forma inteligível, sensual e comunicável de um desejo de desejo.
E é por isso que o textos de Barthes sobre pintura são ao mesmo tempo, ensaísticos e
espontâneos, revelam certo tom quase familiar de tal intensidade. A sua prosa poética instiga, de
algum modo, sentidos, fluxo de cor e presença do nascimento da voz. Através das descrições ou
dos comentários explicativos, sempre há palavras surpreendentes, inesperadas e, no entanto, são
necessárias porque expressam a sensualidade do escritor-crítico: termos olfativos, gustativos, táteis,
visuais. Esta sensualidade chega aos leitores , combinada com a abstração, sem um viés sobressair
ao sentido do outro. A palavra de Barthes concilia, perfeitamente, o casamento da abstração e do
concreto, sem perder as sutilezas e levezas do sentido.
Referências bibliográficas
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Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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RESENHA
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências
Sociais. 11. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.
Francisco Romário Paz Carvalho60
Universidade Estadual do Piauí
Goldenberg é doutora em Antropologia Social pelo Programa de Antropologia do Museu
Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É professora do Departamento de
Antropologia Cultural e do Programa de Pós- Graduação em Sociologia e Antropologia do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realiza
pesquisas na área de Antropologia Urbana, com ênfase em Gênero, atuando principalmente nos
seguintes temas: gênero e desvio, conjugalidade, sexualidade, infidelidade, corpo e envelhecimento.
O livro é constituído de uma introdução, seguida de dezessete capítulos, traduzindo sua
experiência e fundamentação acerca do método científico, com excertos importantes que
esclarecem e exemplificam a pesquisa sob dois paradigmas: positivista e interpretativista, ou seja,
quantitativa e a qualitativa, em abordagens que se complementam.
A introdução trata da grande repulsa dos alunos quando se inicia um curso de Metodologia
de Pesquisa, relata-se que grande desinteresse dos mesmos ao afirmarem que essa não é uma
disciplina um tanto agradável. A autora nos relata que Metodologia Científica não se resume apenas
em um conjunto de regras que proporciona em consequência a boa elaboração de uma pesquisa,
essa disciplina, no entanto, propicia um ―olhar científico‖, curioso e questionador.
No primeiro capítulo, (Re)Aprendendo a olhar (p. 13-15), a autora demonstra o objetivo
principal da construção de seu livro que é proporcionar ao leitor uma visão científica, ela ainda
reforça que a pesquisa científica não se resume apenas a certos métodos a serem seguidos. Segundo
ela, o que determina o andamento da pesquisa é a definição do problema, caminho que define o que
se vai pesquisar, reforça tais ideias a partir de dois métodos de se pesquisar: a quantitativa, em que a
veracidade do estudo é verificada pela quantidade, e a qualitativa, em que a preocupação do
pesquisador volta-se para o aprofundamento e compreensão do objeto de estudo. Nessa
perspectiva, Mirian Goldenberg, define que é esse método, na qual ela irá se deter no decorrer de
seu livro.
Em sequência, a autora redige um verdadeiro contexto histórico em cima da pesquisa
qualitativa, conceituando de maneira holística a dicotomia: a sociologia positivista, no que se refere
à pesquisa quantitativa; e a sociologia compreensiva, referindo-se à pesquisa qualitativa. No que
tange ao positivismo, este era primordialmente empregado em Ciências Sociais. Duas características
no texto são consideradas essenciais, a primeira delas é a precisão e a segunda, o distanciamento
que se estabelece entre o sujeito, o pesquisador e o que ele se propõe a pesquisar. Entretanto,
relata-se que a pesquisa qualitativa é mais recente, surgiu no século XX. Apesar das pesquisas que
adotam esse paradigma, na maioria das vezes, exige-se do pesquisador uma maior inserção no
campo de pesquisa. Para reforçar todo esse contexto a autora se utiliza de diversos autores e de suas
experiências para contribuir com suas abordagens.
O terceiro capítulo, A Escola de Chicago e a Pesquisa Qualitativa (p. 25-32), a autora toma por
base as pesquisas desenvolvidas pela Escola de Chicago, seguindo abordagens quantitativas e
60Graduando
do Curso de Licenciatura Plena em Letras/ Português pela Universidade Estadual do PiauíUESPI. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq (PIBIC- CNPq- 2013-2014).
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qualitativas. De maneira lógica, relata-se as múltiplas pesquisas realizadas nessa escola e em
consequência sua importância primordial para o desenvolvimento da pesquisa qualitativa.
Os dois capítulos que seguem tratam do estudo de caso, espelho de uma tradição médica e
de um contexto aplicável dentro das pesquisas científicas e em sequência aparece diversas
discussões em cima do método biográfico em Ciências Sociais. No decorrer dos capítulos explica-se
que a utilização desse método é refletido através da singularidade do indivíduo versus o contexto
histórico.
Mirian Goldenberg abre uma discussão sobre o Controle de Bias61, inicia-se, então, o sexto
capítulo, trazendo consigo uma crítica dos cientistas sociais à pesquisa qualitativa. A autora apoia-se
em três pesquisadores (Max Weber, Pierre Bourdieu, Howard Becker), para reforçar que é
fundamental a explicitação de todos os passos da pesquisa para dessa forma evitar o Bias do
pesquisador.
Para dar credibilidade ao texto menciona-se as experiências de Wright Mills e Howard
Becker, em torno do Controle de Bias, mostrando nessa perspectiva, seus pontos negativos. Ressalva
os reais aspectos que diferenciam as pesquisas quantitativas das pesquisas qualitativas e que
independentemente do método adotado para realizar a pesquisa, cabe ao pesquisador responder o
problema estudado.
O sétimo capítulo, aborda os problemas teóricos da pesquisa qualitativa, partindo de
críticas dos próprios pesquisadores qualitativos, que afirmam que a deficiência deve-se a ausência de
procedimentos para guiar as atividades de coleta de dados, dando margem ao Bias. Mirian baseada
em Aaron Cicoruel traça algumas discussões sobre o perigo de o pesquisador ficar tão envolvido
em determinado grupo, correndo o risco de deixar de lado as questões chaves de sua pesquisa.
Além disso, segundo ela, é impossível ensinar a realizar pesquisa de campo, assim como se ensina a
tabelar dados estatísticos, a pesquisa qualitativa necessita de um contexto mais amplo como
imprevisíveis situações que possam vir a ocorrer durante a realização da pesquisa.
No oitavo capítulo, Integração entre análise quantitativa (p. 61-67), registra-se que para o melhor
desempenho de um objeto de pesquisa é indispensável de seu autor relacionar seu objeto de estudo
por meio de métodos quantitativos e qualitativos. A ―melhor‖ maneira de pesquisar acaba retirando
de seu ator o foco da pesquisa, e a partir dessa questão a autora mostra uma experiência própria:
um estudo sobre amantes de homens casados, ela demonstra que é possível se utilizar tanto
métodos qualitativos quanto quantitativos e dessa forma sua pesquisa possui mais credibilidade.
Seguindo uma lógica linear, deixa-se de lado a discussão teórica e toma-se um outro rumo:
o do campo prático, ou seja, para o projeto de pesquisa e dessa forma, qualquer tema ou conteúdo
da atualidade pode se transformar em uma pesquisa científica. Por outro lado, é necessário do
pesquisador uma bagagem teórica, além de uma certa experiência para visualizar no decorrer da
pesquisa o que os demais não conseguem ver. Diante disso, percebe-se que a pesquisa científica
inicia-se desde a raiz (escolha do tema) até o relatório final. No desenrolar do capítulo, a autora
―brinca‖ com os termos dinamizando mais ainda a abordagem do conteúdo, comparando o início
da pesquisa com ―paquera‖ de dois adolescentes, até a ―separação‖ em que o pesquisador resolve se
distanciar do seu objeto de estudo para redigir o relatório final da pesquisa.
Para a autora, um projeto de pesquisa define-se em um meio prático para a investigação
buscando uma socialização mais elaborada de determinado problema, independente do paradigma a
ser adotado, o projeto deve indicar: o que se pretende investigar; como vai se proceder a
investigação; porque o estudo é relevante.
61
Termo em inglês comum entre os cientistas sociais. Traduz-se como viés, parcialidade, preconceito.
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Em Os passos da pesquisa (p. 78-80), trabalha-se o desempenho da pesquisa, e para tal é
necessário a escolha do tema de estudo; a delimitação do problema; a definição do objeto a ser
pesquisado; a construção do referencial teórico; formulação de hipóteses; e a elaboração de
instrumentos da coleta de dados.
No capítulo seguinte, trata-se de fichamento e a autora demonstra o seu modo particular de
fichar um livro. Ela traz como exemplo prático para seus leitores um fichamento de sua própria
obra: Toda mulher é meio Leila Diniz. Mirian Goldenberg ressalva ainda que as múltiplas leituras
após o final de uma pesquisa são indispensáveis para a veracidade e confiança das informações
dadas, ressalva ainda que, outros olhares críticos em cima de uma pesquisa só a enriquece cada vez
mais.
O capítulo, Entrevistas e Questionários (p. 85-90), aborda as vantagens e desvantagens tanto da
entrevista quanto do questionário e em sequência menciona-se alguns pontos essenciais para o
sucesso de uma entrevista ou questionário. Antes de tudo é necessário conhecer bem o assunto e o
pesquisador ao se utilizar da entrevista ou questionário proporciona ao mesmo respostas que não
encontraria se utilizasse outro instrumento de investigação.
No último capítulo, a autora trata do relatório final da pesquisa, trazendo um exemplo fiel
de Projeto, para que seus leitores possam se familiarizar com o universo da pesquisa científica.
Como antropóloga e exímia pesquisadora, a autora dá uma verdadeira aula de rotinas de
pesquisa. Pode-se dizer que a obra é um ―manual‖ detalhado de como se proceder em cada passo
de um pesquisa, especialmente, a qualitativa.
Não há dúvidas de que se trata de uma obra muito interessante e agradável para ler, pois o
texto é dinâmico, formativo e indispensável para professores e pesquisadores. Assim, constitui-se
um material vasto e rico para quem quer ser um pesquisador, ou para quem deseja simplesmente
compreender melhor relatos de pesquisa.
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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RESENHA
A POESIA DE MANOEL DE BARROS E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Rodrigo da Costa Araujo62
OLIVEIRA, Elizabete. A Educação Ambiental & Manoel de Barros: diálogos poéticos. São Paulo. Paulinas.
2012. 192p.
Poema
A poesia está guardada nas palavras - é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as
nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios
[Manoel de Barros. Poesia Completa. São Paulo. Leya, 2010, p. 403].
A Educação Ambiental & Manoel de Barros: diálogos poéticos (2012), de Elizabete Oliveira é um
exercício criativo de leitura que aproxima, como o próprio título paratextual indica, a poesia de
Manoel de Barros e a educação ambiental. Os diálogos, pelo viés da educação comparada,
pretendem constituir fricções, semioses63, saberes distintos que primam por novas perspectivas de
aprendizagens.
A obra apresenta, pela matriz da fenomenologia e do surrealismo, as conexões entre
Educação Ambiental e poesia como uma das vias possíveis para a criação de uma possibilidade
sensível contra os poderes hegemônicos. Com essas premissas, acredita-se que a fenomenologia do
imaginário contribui para a compreensão de que a poética de Manoel de Barros faz emergir uma
ciranda de saberes, em movimentada dinâmica sinestésica, que pressupõe novos olhares e sentidos
às redes e enredos cotidianos.
Poesia e educação, nesse caso, estimulam pensar esse cotidiano, dentro e fora do espaço
escolar, dos quais fazem parte não só os seres humanos, mas tudo o que ele compõe e dinamiza das
vidas e não vidas do cosmo. A Educação Ambiental e a poética, por vias da fenomenologia, vai
desbravando trilhas que melhor condizem com as expectativas humanas, segundo, Elizabete
Oliveira.
O primeiro capítulo - O nascimento da palavra - a autora revela sua trajetória com a arte, com
a poesia de Manoel de Barros e percepções relevantes da infância. Nesse contexto, misturam-se,
além desse recorte, a Educação Ambiental e o encontro com a poesia do poeta mato-grossense,
traçando algumas relações entre ambos.
Rabiscos e desenhos da palavra - o segundo capítulo da obra - apresenta percepções sobre a
Educação Ambiental, que acolhe os diferentes, estabelecendo um diálogo com autores que também
Rodrigo da Costa Araujo é professor de Estágio Supervisionado III, Literatura Infantojuvenil e Arte
Educação na FAFIMA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé, Doutorando em Literatura
Comparada e Mestre em Ciência da Arte pela UFF, Coordenador Pedagógico de Língua Portuguesa do 6º ao
9º ano do Ensino Fundamental e Ensino Médio da Secretaria Municipal de Educação de Macaé/SEMED.
Coautor das Coletâneas Leituras em Educação (2011), Literatura e Interfaces (2011) e Literatura Infantojuvenil:
diabruras, imaginação e deleite (2012) lançadas pela editora Opção.
63 Dentro da ciência dos signos (Semiologia; Semiótica), semiose foi o termo introduzido por Charles Sanders
Peirce para designar o processo de significação, a produção de significados.
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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências
Humanas e Ciências Sociais – Ano 10 Nº23 v.1– 2014 ISSN 1809-3264
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ressaltam a necessidade da busca pela sensibilidade, num mundo que prima pelos bens tecnicistas.
Esses estudiosos sustentam, de certa forma, o recorte da pesquisa e leituras que estabelecem
diálogos entre educação e poesia sobre a perspectiva fenomenológica, de Gastos Bachelard.
O terceiro capítulo - Construindo Linguagens - aborda o cenário híbrido da pesquisa, com base
no diálogo bibliográfico e fenomenológico, demarcadores da opção teórico-metodológico, que
apresentam outros olhares sobre o recorte estudado e coisas do mundo. O capítulo lança várias
indagações que efetivam o diálogo educação-poesia, ancoradas na abordagem de estudiosos que
ressaltam a importância da literatura e da fenomenologia no mundo contemporâneo.
Tessituras de sentidos - o penúltimo capítulo - descreve as características do ciclo das águas do
pantanal, a fim de buscar sentidos e proximidades com a poética de Manoel de Barros e contribuir
com a discussão ecológica. Esse olhar para a poesia de Barros, segundo Elizabete, aproxima-se com
a liberdade de Paulo Freire: poesia e educação irrompem muitas fronteiras em busca de ―inéditos
viáveis‖. Tal compreensão permite perceber a urgência da busca por elementos sensíveis que
contribuam para a superação de conceitos que nos foram imputados por décadas no que se refere
no trato com a natureza. Pela/com poesia, acredita a estudiosa, podem-se acionar os dispositivos
sensoriais, para colaborar com uma visão menos utilitarista da natureza e evidenciar, assim,
percepções que podem contribuir com uma aprendizagem mais efetiva no cuidado com o sujeito e
com as coisas do mundo.
O quinto e último capítulo - Projetando sonhos - a autora projeta esperanças para o campo da
educação formal. Este momento da pesquisa aponta considerações sobre o recorte utilizado e
tensiona alçar vôos que ressignifiquem o processo ensino-aprendizagem, na percepção de que a
poesia pautada na visão surrealista privilegia a criação e, independentemente de sentidos, propicia
múltiplas concepções do fazer pedagógico.
A Educação Ambiental, intrínseca na trajetória da obra, tal qual a poética de Manoel de
Barros, não percebe o ser humano desvinculado do meio ambiente e, portanto, por uma educação
que contemple os anseios coletivos, sociais. Dessa forma, os diálogos poesia-educação que
contemplam a obra, despertam a possibilidade de perceber que há uma rede de sentidos possíveis
que se pode criar acerca do fenômeno. Tais percepções devem ser agregadas à complementação do
conhecimento e à superação das barreiras impostas ao ser humano, principalmente no que se refere
ao bem-estar do indivíduo na sociedade de consumo.
Esses diálogos poéticos, fricções ou aproximações são exercícios de pensar por meio da
poesia ações pedagógicas significativas no que dizem respeito à Educação Ambiental. Eles
privilegiam o olhar enebriado sobre a educação comparada, brincadeiras de bem-fazer e encontro,
depositório de razões, reflexões, práticas pedagógicas que transgridem a sala de aula. O ensaio de
Elisabete Oliveira exercita-se para a difusão da poesia, para dar a conhecer sobre a Educação
Ambiental, pois prefere por meio dela e dos afetos promoverem o encontro humano com a
literatura, com o cotidiano que ela proporciona.
A Educação Ambiental & Manoel de Barros: diálogos poéticos, além de exaltar a poética de
Manoel de Barros, ressalta que o ambiente natural não é composto apenas de seres humanos, mas
envolve outros elementos que igualmente participam do cosmo e que podem ser lidos de outro
jeito, dentro e fora da escola. A vida percebida por esse prisma, portanto, envolve fatos e atos, que
se imbricam com a natureza de forma natural.
Enviado em 30/04/2014
Avaliado em 15/06/2014
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