WEBBANGERS:
QUANDO O HEAVY METAL CURITIBANO INVADE A INTERNET
Guilherme de Carvalho
Introdução
O fenômeno desencadeado pela internet tem permitido que grupos de jovens passem a
ter acesso a uma quantidade inimaginável de informações de modo que possam também
expor, em proporções gigantescas, os seus próprios conteúdos. A partir das comunidades
virtuais desenvolvem-se novas sociabilidades e temas de interesse são compartilhados por
meio da mediação de computadores e mobiles.
No que diz respeito aos grupos ligados à música underground, como é o caso do heavy
metal, observa-se mudanças significativas na relação entre bandas, público e produtores como
resultado das possibilidades de comunicação desenvolvidas a partir do uso da internet. Este
grupo marcado pela sonoridade agressiva, maior distorção de sons de instrumentos de corda,
além de performances e estilos demarcados pelo uso de roupas pretas, brincos de argola,
tatuagens e cabelos longos, se utiliza cada vez mais da internet, seja para divulgar conteúdos
culturais, como áudios, fotos, vídeos e textos, ou para construir um círculo de relações de
proporções mundiais, mas ainda bastante demarcada pelo espaço da cidade onde moram.
A partir de alguns estudos que apontam a emergência de grupos sociais que se
reconhecem por alguma identidade coletiva, observa-se que as bandas de heavy metal da
cidade de Curitiba conseguem estabelecer modos de relacionamento com o público e viceversa, divulgando shows e produtos sem a dependência do chamado mainstream, de modo
que a relação entre produtores e consumidores se torna menos aparente.
Até antes da internet fanzines ou zines cumpriam o papel de divulgadores de
informações da cena local, a partir de informativos feitos de modo artesanal e distribuídos de
mão em mão nos shows ou lojas de artigos especializados em rock. A partir de agora percebese que as referências estão se tornando cada vez menos localizadas e tendem a ser sempre
mais globais, impulsionadas também pelo acesso ilimitado à cultura.
Curitiba nunca viveu um momento em que houvesse uma quantidade tão grande de
bandas dos mais diferentes estilos. A redução dos custos de produção de músicas, decorrente
das novas tecnologias, sobretudo de softwares de captação e edição de áudio, tem
possibilitado a popularização da produção, garantindo qualidade similar a de qualquer grande
banda gerenciada por gravadora.
No mesmo caminho, a internet facilitou a divulgação de conteúdos por meio das redes
sociais e de páginas na internet desenvolvidas pelas próprias bandas ou da mídia
especializada. Depois de produzido, o conteúdo é facilmente divulgado e pode ser acessado
com ou sem custos pelo usuário. Desse modo, se as bandas já não estão mais em uma
condição de anonimato, se já não dependem de grandes estruturas comerciais para sua
relevância, talvez seja possível revisar o conceito de underground.
O presente trabalho propõe um debate acerca destas questões, desenvolvendo uma
análise sobre as mudanças que a internet tem provocado sobre comunidades underground,
mais especificamente, sobre os grupos ligados ao heavy metal em centros urbanos de países
periféricos como Curitiba, os quais denominamos de webbangers. Em nossa pesquisa
observamos o surgimento de um novo perfil de participantes destas comunidades que agora
também ganham aspectos virtuais.
Os dados apresentados são resultado de uma observação participante sistematizada e
analisada para os fins da pesquisa que resultou em uma monografia de especialização.
Reproduzimos aqui uma parte do estudo.
Curitiba: a cena underground na rede
De acordo com Lemos (2004), o heavy metal em Curitiba iniciou em 1983, com a
banda Metal Pesado. Ainda naquela década era possível listar as bandas Epidemic (1985),
Cavaleiros do Apocalipse (1985), Holly Sepulcre, depois Hecatombe (1986), Holly Death
(1986) e Infernal (1987). Em seu artigo ela aponta a existência do que pode ser considerada
uma “cena cultural”, estruturada por espaços próprios para apresentação de bandas, produção
de conteúdos como fitas K7 (demo’s), fanzines e programas de rádio como da extinta Estação
Primeira, que realizou, dentre outros evento, o primeiro festival de heavy metal de Curitiba, o
“Curitiba Metal Festival”, no Círculo Militar, em 1993.
Em Duarte (2004) também se encontra parte da história dos anos 1990, em Curitiba,
que aponta a existência da cena, citando também os locais próprios para shows como o 92
Graus, além de lojas de discos especializadas em heavy metal, que se tornaram pontos de
referência para o grupo. Destacam-se ainda, segundo ele, programas de rádio e televisão como
o Ciclojam, coletânea de bandas em CD, como o Garage 86, dentre outras iniciativas como
fanzines que circulavam na cidade, a existência de selos independentes para gravação de
conteúdos e festivais. Os dados de Duarte (2004) apontam uma vigorosa atividade
underground em Curitiba.
Atualmente existe uma significativa produtividade no que diz respeito à música,
sobretudo, quando relacionada ao chamado rock pesado. A maior parte mantém algum tipo de
conteúdo na internet, a partir do qual divulga shows, músicas e informações em geral. De um
total de 92 bandas de heavy metal que mantém sites ou contas em redes sociais ativas,
radicadas exclusivamente em Curitiba1, apenas 13 não registraram nenhuma atividade na
internet nos últimos dois anos. A maior parte das bandas mantêm contas no Myspace,
Youtube, Facebook e Twitter, mas algumas contam com sites próprios e contas em outras
redes menos populares entre a comunidade como Reverbnation, Soundcloud, Letras.mus,
Palco MP3 e LastFM, além do praticamente abandonado Orkut.
QUADRO 1 – BANDAS CURITIBANAS E REDES SOCIAIS
Bandas
Amen Corner
Aqueronte
Beltane
Blackmass
Cadela Maldita
Choke
Darma Khaos
Division Hell
Doomsday
Ceremony
Fire Shadow
Imperious
Malevolence
Jailor
Kattah
Krucipha
Livin Garden
Motorocker
Necropsya
Offal
Semblant
Total
1
Selo
X
X
X
X
-
Site
X
X
-
X
X
X
7
Facebook
X
X
X
X
X
X
X
<curtir
155
475
2.773
915
3.426
381
457
Twitter
X
X
X
-
<seguidores
63
23
522
-
Youtube
X
X
X
X
X
-
-
X
X
415
920
-
-
X
X
X
X
X
X
X
X
8
X
X
X
X
X
X
X
X
17
357
2.724
837
12.636
11.652
3.697
760
2.918
45.498
X
X
X
X
X
X
X
10
978
227
1.335
4.038
447
1.499
851
9.983
X
X
X
X
X
X
X
14
<views
12.441
4.771
984
17.542
37.436
-
Myspace
X
X
X
X
X
X
X
X
X
<plays
20.271
7.837
5.943
19.631
3.092
58.081
36.869
588
13.166
16.213
34.640
X
X
8.057
26.444
43.826
12.192
43.848
777.078
15.536
13.592
51.546
1.081.645
X
X
X
X
X
X
X
X
19
4.453
7.720
3.209
13.365
73.914
19.933
16.906
42.148
381.627
O Blog Arquivo Metal CWB mantém uma lista atualizada de bandas curitibanas que podem ser consideradas
de heavy metal, de onde partiram os dados publicados aqui.
QUADRO 1 – BANDAS CURITIBANAS E REDES SOCIAIS
Bandas
Amen Corner
Aqueronte
Beltane
Blackmass
Cadela
Maldita
Choke
Darma Khaos
Division Hell
Doomsday
Ceremony
Fire Shadow
Imperious
Malevolence
Jailor
Kattah
Krucipha
Livin Garden
Motorocker
Necropsya
Offal
Semblant
Total
Reverbnation
X
<plays
-
Orkut
X
X
X
X
X
<membros
1.344
123
338
287
147
Soundcloud
X
Letras.mus
X
X
X
-
Palco MP3
-
Lastfm
-
X
-
93
-
X
X
X
X
162
63
628
X
-
X
X
X
X
X
X
X
-
X
X
320
X
X
257
719
-
X
X
-
X
X
X
X
X
X
X
X
X
12
60
82
948
470
351
3.917
310
6.551
X
X
X
X
X
X
X
18
430
795
226
9.280
636
242
711
16.388
X
X
X
X
X
7
X
X
X
X
X
X
X
16
X
X
5
X
X
X
X
X
X
X
8
Obs. Os dados foram coletados a partir do acesso às contas das bandas até o dia 03/04/2013.
Das 19 bandas da cidade de maior atividade nos últimos dois anos, todas mantém
conta no Myspace, apesar de já não utilizar a rede com a mesma frequência do que era
atualizado até 2010. Criado em 2003, o Myspace foi uma das primeiras redes de
relacionamento existentes e fez grande sucesso no meio musical por permitir a inclusão de
conteúdos em áudio com fácil acessibilidade pelo internauta, que pode ouvir as músicas em
um player intuitivo (TORRES, 2009). Além disso, o Myspace também permite a inclusão de
outras informações e conteúdos como a história da banda, fotos, datas de shows, vídeos,
permitindo também a troca de informações entre os membros da rede. Dentre as bandas de
maior audiência no Myspace, medida pelo número de cliques no player da página, estão
Motorocker (73.914), Choke (58.081) e Semblant (42.148). Para se ter uma ideia, a banda
paulista Claustrofobia, um dos ícones do underground brasileiro, contabiliza em seu Myspace
mais de 176 mil players. Apesar de ser uma das redes mais completas para músicos, as bandas
de heavy metal de Curitiba têm deixado de utilizá-lo com tanta frequência. Na maior parte das
páginas das 19 bandas relacionadas, o último login foi realizado em 2012. A queda nos
acessos está entre os principais fatores devido ao surgimento de novas redes sociais para o
ramo, como revela o membro de uma das bandas: “Myspace está em desuso, acho que boa
parte das bandas já não está usando tanto, Orkut também já caiu em desuso há tempos e o
Facebook tem sido a principal maneira.” (AZEVEDO, 2013).
O que está ocorrendo com o Myspace é parecido com o que houve com o Orkut.
Mesmo tendo sido a principal rede entre os brasileiros, tendo atingido 86% do mercado
(TORRES, 2009), o Orkut foi praticamente abandonado pela maior parte das bandas
curitibanas de heavy metal a partir de 2011. A comunidade Metal Curitiba, por exemplo,
chegou a mais de 7.000 membros e representou, por um bom período o principal meio de
comunicação segmentado dos webbangers. Houve um momento em que praticamente todas as
informações da cena local passavam pela comunidade, o que garantia ao Orkut o predomínio
entre todos os meios de comunicação a partir da constituição de uma rede coletiva de
compartilhamento de informações. Uma série de outras comunidades do Orkut também foram
criadas, segmentando a audiência. Das 19 bandas analisadas, apenas o Krucipha, criada em
2009, a mais recente de todas as listadas, não mantém conta/comunidade no Orkut. A mais
popular é a banda Motorocker (9.280 membros), seguida da Amen Corner (1.344), sendo está
última uma das mais antigas entre as relacionadas. Todas as demais bandas não ultrapassam a
marca de mil membros em suas comunidades. Na comunidade do Motorocker a última
atualização foi realizada em setembro de 2012.
O principal problema do Orkut é que ele não estava em condições de competir com o
Facebook, quando este se difundiu no Brasil. Além de trazer uma plataforma mais dinâmica, o
Facebook dispunha de uma série de recursos que criou uma frequência maior de pessoas e,
portanto, uma possibilidade maior de audiência para as bandas, público e produtores.
Das bandas relacionadas na pesquisa, apenas o Amen Corner não mantém conta no
Facebook, seja perfil ou fanpage. A banda Livin Garden é que conta com maior número de
likes (12.636) na fanpage e mais de 1.000 seguidores em seu perfil, seguida do Motorocker
(11.652, likes na fanpage). A diferenciação entre perfil e fanpage ainda não está muito clara
para os usuários. Por conta disso, algumas bandas mantém somente o perfil ou somente a
fanpage ou as duas coisas sem saber diferenciar muito bem o uso de cada um destes espaços.
O Livin Garden inclui ao menos um post por dia em suas páginas do Facebook. O espaço
funciona praticamente como uma agência de notícias sobre a banda, trazendo entrevistas,
fotos, informações de shows, comentários dos membros da banda e de fãs, conteúdos em
áudio e vídeo, mantendo uma relação próxima com a comunidade. É comum observar a
postagem de comentários e respostas realizadas pelos membros da banda. As postagens na
timeline são realizadas institucionalmente, isto é, utilizando a marca da banda ou por posts
marcados por fãs, enquanto que os comentários ficam restritos aos membros da banda.
O Livin Garden mantém ainda uma página na internet, juntamente com outras sete
bandas relacionadas na pesquisa, onde disponibiliza uma série de conteúdos. É uma das
poucas bandas da cidade que pode se dizer reconhecida internacionalmente por já ter
realizado turnê nos Estados Unidos. Não por acaso todo o conteúdo do site está em inglês,
assim como as letras das músicas, indicando uma relação com públicos de diferentes países.
Outra banda que investe significativamente na internet é o Motorocker. O grupo
mantém um site atualizado com informações sobre shows, venda de produtos, informações e
contatos por meio de redes sociais. Apesar de manter-se de modo independente, o Motorocker
conta com uma estrutura que poucas bandas, mesmo as que têm contratos de gravadoras,
conseguem. Por este motivo é considerada a banda mais bem sucedida de Curitiba2. Além da
agenda lotada de shows, disparado a banda de Curitiba que mais faz shows, o Motorocker
conta com o trabalho de uma produtora e assessoria de imprensa. O vocalista da banda revela
um pouco do dia a dia da banda:
Há uns cinco anos a gente consegue viver só de música, mas isso toma todo
o tempo possível. Até a família da gente muitas vezes fica em segundo plano.
Mas é assim: pra fazer o omelete é preciso quebrar alguns ovos. O ônibus
não é um luxo. É uma necessidade, porque estamos na estrada toda semana
e a gente precisa pelo menos esticar a caveira aqui, além de carregar os
equipamentos, mas o carnê pra pagar é quase do tamanho dele (risos). A
gente tem que investir. É a nossa vida. Se você não acreditar em você, quem
vai acreditar? (SANTOS, 2012)
Na pesquisa realizada com as bandas curitibanas o Motorocker, juntamente com o
Necropsya, são as duas bandas que estão em praticamente todas as redes sociais conhecidas.
No Youtube, por exemplo, a banda conta com mais de 777.000 visualizações de vídeos. A
banda Nervo Chaos, por exemplo, um dos chamados destaques do cenário nacional, de acordo
com a revista Roadie Crew, conta com pouco mais de 4.000 visualizações em seu canal no
Youtube. A rede se consolidou como o espaço com o maior arquivo de vídeos do mundo
(TORRES, 2009) e vem se tornando um importante espaço para a audição de músicas ou para
a visualização de clipes e de vídeos domésticos como making of, shows, e entrevistas de
bandas tidas como underground. Na relação de redes sociais pesquisadas percebe-se que o
Youtube é o que garante maior audiência, uma vez que a contagem de visualizações só ocorre
quando o internauta clica sobre o play. Além disso, é preciso considerar a alta interface do
Youtube com blogs, Facebook e outras redes que também garantem contagem. Ou seja, não é
2
Mais recentemente, a banda foi eleita pelo público, no site Whiplash!, um dos maiores do segmento no país,
como a melhor banda de rock nacional, desbancando nomes como Angra, Sepultura, Matanza, Korzus, entre
outros, conhecidos internacionalmente. O frontman Marcelus dos Santos foi eleito no mesmo site como melhor
vocalista.
preciso estar na página do Youtube para visualizar um vídeo. Se ele estiver postado no
Facebook, pode ser assistido de lá. É o que acontece na maioria dos casos.
Do físico ao virtual
Ao longo destes últimos três anos se observou o surgimento de bandas e o crescimento
de conteúdos difundidos via internet. Músicas, vídeos, clipes, mensagens e comercialização
de produtos fazem parte do cotidiano das bandas. Comunidades virtuais também compõem
espaços de debates antes restritos aos locais físicos de encontro destes grupos como lojas
especializadas e casas noturnas. Hoje as trocas de informação entre público, bandas e
produtores se consolidam quase que praticamente pela internet, incluindo a negociação para a
realização de shows para questões relativas a valores, horários, entre outras atividades.
Ao analisar o desenvolvimento dos meios de comunicação Thompson (1998) descreve
uma mudança significativa nos modos de sociabilidade, devido à propriedade de mediação
dos meios de comunicação, a qual ele chama de “dessequestração da experiência”. Descreve
ele que
O desenvolvimento da mídia não somente enriquece e transforma o processo de
formação do self, ele também produz um novo tipo de intimidade que não existia
antes e que se diferencia em certos aspectos fundamentais das formas de
intimidade características da interação face a face. Nos contextos de interação
face a face, os indivíduos são capazes de formas de intimidade que são
essencialmente recíprocas; isto é, suas relações íntimas com os outros implicam
um fluxo de ações e expressões, de perdas e ganhos, de direitos e obrigações que
correm nos dois sentidos. (THOMPSON, 1998, p.181)
Desse modo, poderíamos supor que o desenvolvimento de ferramentas de
comunicação como a internet, por exemplo, resultariam em uma redução do contato pessoal.
Lévy (2009), ao apontar o desenvolvimento da realidade virtual, destaca um tipo particular de
simulação interativa, na qual o explorador tem a sensação física de estar imerso na situação
definida por um banco de dados. Os indivíduos, portanto, são imersos em um mundo virtual,
chamado de “ciberespaço” que pode se dar na produção ou reprodução de conteúdos para a
rede ou pela constituição de perfis.
Por outro lado, espaços tradicionais de relacionamento interpessoal não estão sendo
abandonados. Lojas de artigos para headbangers como camisetas, CD’s e acessórios
continuam sendo ponto de encontro de músicos e participantes da cena, em volume parecido
ao que já ocorria nos anos 19903.
O que era uma cena eminentemente física, ganha aspectos virtuais a partir dos anos
2000 com a difusão dos computadores domésticos e com a popularização da internet no
Brasil. As trocas de fitas K7, por exemplo, dão lugar à transmissão de conteúdos de áudio
para sites de armazenamento de arquivos como o Soundcloud, o Reverbnation e o Myspace.
Nestas estantes virtuais da música autoral, qualquer pessoa pode acessar o conteúdo utilizando
players intuitivos que permitem ouvir, assistir ou ler o que foi postado por bandas.
Uma das entrevistadas que se diz fã de bandas curitibanas explica como se dá sua
relação com a cena. Ela revela que tem acesso a muitas bandas: “Entre 20 bandas que eu
escuto, 6 são do underground [...]”. Sobre os conteúdos na internet, ela diz:
Na realidade todo mundo me avisa pelo Facebook. Geralmente as pessoas
me marcam em fotos, shows, lançamentos e tal, mandam mensagem via
inbox4 [...]. Depende a banda, como as bandas grandes, quando o material é
muito caro eu pego e ouço no Youtube ou no celular também. Mas bandas
underground eu prefiro comprar o material [...]. Myspace também, porque
tem bandas que eu não conheço daí é um bom material de consulta pra você
depois comprar. Já aconteceu de eu ter comprado e não ter escutado no
Myspace e não gostar. (GABRIEL, 2013)
A acessibilidade de conteúdos produzidos por bandas locais é uma verdadeira
revolução no meio da chamada música autoral. Pela primeira vez as bandas sem espaço em
veículos de comunicação tradicionais ou mesmo os fanzines impressos em papéis e
distribuídos um a um em locais específicos, ganharam um mundo inteiro de potenciais
ouvintes.
Ao estudar grupos ligados ao punk e ao thrash metal nos anos 1980, Kemp (1993)
identifica que os fanzines cumpriam um papel que demarcava o caráter underground a partir
da acessibilidade de difusão de conteúdos para um determinado público.
A relação desses grupos com a mídia, a indústria musical e a moda, revela
seu caráter contracultural, ou underground. Eles procuram recusar
qualquer envolvimento com essas esferas de produção e circulação de bens
simbólicos, por recusar o modelo discriminador que pressupõe seu modus
operandi. (grifos da autora) (KEMP, 1993, p. 2)
3
Informações obtidas a partir de conversa em meados de março de 2013 com “Juninho”, dono da Let’s Rock,
loja de Curitiba criada em 1994.
4
Caixa de mensagem do Facebook.
Os grupos tinham um motivo a mais para ir ao show do que simplesmente escutar a
música. O sentido era encontrar os amigos, promover a participação de um grupo específico
reconhecido pela forma de se vestir e no tipo de música que apreciava. Dentre as práticas
comuns estava a utilização de cartas para envio por correio que ajudavam a promover o
chamado tape-traders5.
Estas trocas eram impulsionadas por uma pro-atividade da juventude daquele período,
mas consistiam em um tempo significativo até que o receptor do conteúdo pudesse finalmente
ouvir a música. Incluía o tempo de produção de uma carta, postagem nos correios, entrega da
carta e todo seu processo de encaminhamento pelos correios, recepção da carta pelo
destinatário, preparação do conteúdo (neste caso a gravação de uma fita virgem, partindo de
um disco de vinil ou de outra fita K7), remessa da fita por correio e chegada até as mãos do
solicitante. Tudo isto implicava em aproximadamente 15 dias para se ter acesso ao conteúdo
desejado. Além de que havia um custo com transporte até os correios, selos das cartas, fitas,
etc. Outro fator preponderante era a qualidade destes conteúdos. O movimento punk, por
exemplo, que antecedeu a internet ao promover o do-it-yourself, motivou jovens comuns a
produzirem eles próprios os seus conteúdos artísticos, sem se importar com a qualidade e com
o profissionalismo do meio musical. Reside aí um conceito underground que “criou uma rede
comunicativa independente dos meios de comunicação de massa oficiais – apesar de muitas
vezes eles serem também utilizados – que, através de fanzines, tape-traders que circulam fitas
de bandas, gravadoras independentes, correspondências e muita troca de todo o material
referente ao estilo, podem divulgar, reproduzir e transformar estilos através das fronteiras
nacionais. (KEMP, 1993, p. 83)
Além das trocas ou compartilhamentos de conteúdos, que agora chegaram à
velocidade de um clique, há também o barateamento dos custos, já que boa parte dos
conteúdos underground são disponibilizados gratuitamente na internet e disponibiliza-se um
volume gigantesco de acesso à música das mais diversas bandas de todo o mundo. A
possibilidade de produzir conteúdos é justamente o que se potencializa com a difusão da
internet, permitindo que o público seja também produtor de conteúdos (ANDERSON, 2006).
A “nova arquitetura da participação” promove a democratização de ferramentas de
proliferação e distribuição, de modo a quebrar o esquema de grandes empresas já
consolidadas. No meio musical, por exemplo, os grupos excluídos do acesso à estrutura de
5
Como eram chamadas as trocas de fitas K7 (tape) de bandas que não tinham gravadoras. A prática consistia em
enviar cartas às bandas publicadas em fanzines e postar via correio fitas de bandas da região onde moravam, de
modo que os conteúdos pudessem ser compartilhados entre pessoas de cidades diferentes ou dentro de uma
mesma cidade.
corporações como as grandes gravadoras, conseguem recomendar conteúdos não mais
dependendo dos grandes meios de comunicação, mas diretamente aos próprios pares, como
cita um dos entrevistados:
A gente transita entre o sagrado e o profano. A gente é subversivo no que
escreve. Nossa música não toca em rádio. As letras são subversivas e a
gente nunca vai chegar a se apresentar em um grande programa de
auditório de tevê. A mensagem chegando a quem deve chegar, já está bom.
A gente já faz o que ama e já ganha com isso, já vive disso. Lógico que é de
ficar indignado. A gente tem clipe no Youtube com quase 400 mil acessos. A
gente está aqui pra provar que não precisa de empresário, que não precisa
de tevê. A gente vende disco pra caralho e ganha uma grana boa com isso.
Isso que eu digo pras bandas: “acreditem em vocês. Parem de ficar
esperando o ovo do cu da galinha. Vai lá e corre atrás”. É assim mesmo. É
de arrancar os cabelos certas horas. É deixar de pagar a água pra comprar
corda pro violão. É suado. (SANTOS, 2012)
Reforçando a quebra dos esquemas de hits, os membros dos grupos também têm
melhores condições de mapear os conteúdos que gostariam de acessar. No caso das bandas de
Curitiba, observa-se o uso de diferentes ferramentas da internet para disponibilização e busca
de conteúdos, acelerando-as vertiginosamente, tanto na velocidade dessas trocas, como no
volume de conteúdos que podem ser acessados e de modo personalizado, ou seja, as buscas
por conteúdos podem ser realizadas a partir de palavras-chaves ou relacionamento de
conteúdos que facilitam ao webbanger encontrar o tipo de música ou bandas que deseja
acessar.
A banda Necropsya6, por exemplo, mantém um site próprio onde é possível acessar
vídeos (clipes, promocionais, entrevistas, vídeos caseiros de shows), áudios (músicas) e textos
(histórico, notícias, informações). O site oferece ainda a possibilidade de comercialização de
produtos que podem ser solicitados por email e links para uma série de outros espaços virtuais
em contas de redes como Facebook, Myspace, Twitter, Youtube e Reverbnation. O
comportamento da banda nas redes sociais não é uniforme. No Facebook, por exemplo, a
principal rede utilizada pelo grupo, contabiliza-se 3.688 likes. A conta inclui fotos de shows,
fotos de fãs com a camiseta da banda, divulgação de produtos, divulgação de conteúdos
publicados em mídia especializada, vídeos, comentários de participantes e cartazes de shows.
6
Fundada o final de 2000, o Necropsya começou tocando covers, mas tem se destacado pela produção de música
autoral. A banda tem chamado a atenção da mídia especializada pela qualidade do trabalho, acumulando
apresentação em festivais, aberturas para bandas de renome e prêmios. (NECROPSYA, 2013)
Como o próprio nome diz, trata-se de uma fanpage, onde o espaço para interação com pessoas
que gostam da banda é mais visível.
Já no Myspace, predomina o conteúdo em áudio. O Twitter, onde são postados links
que direcionam para outros espaços virtuais, a banda insere uma média de 3 posts por mês. O
Youtube parece estar se tornando uma importante ferramenta para divulgação de conteúdos
exclusivamente em vídeo, contrapondo-se à derrocada do Orkut. Por fim, a banda também
mantém uma conta no Reverbnation, onde disponibiliza músicas, vídeo e informações sobre
datas de show.
Além da conta da banda, é necessário destacar que cada um dos membros do
Necropsya também mantém contas pessoais ativas em redes sociais, a exemplo da maior parte
dos membros de bandas curitibanas, divulgando e compartilhando conteúdos diversos e da
própria banda. Como revela um dos membros da banda, as informações disponíveis na
internet também passam a ser utilizadas para gerenciamento de dados, como já ocorre em
várias empresas:
as redes sociais, por exemplo o facebook, quando você tem uma página de
banda te dão um controle com informações detalhadas de quem acessa seu
post, se foi uma visualização orgânica ou viral. Antigamente você precisaria
terceirizar esse serviço. [...] As redes sociais ajudam muito nisso, no
merchandesign. O Necropcia deixou de encarar a internet como inimiga e
passou a tratá-la como aliada. Estamos usando essas ferramentas para a
divulgação dos nossos conteúdos. É possível postar virais, anúncios... (VIVI,
2013)
Paralelamente à troca de conteúdos, a acessibilidade às novas tecnologias da
informação facilitou o surgimento de novas bandas de jovens completamente ambientados aos
novos recursos disponíveis para produção de áudios, vídeos e hipertextos na chamada web
2.0. Ou seja, a possibilidade de colaboração coletiva, potencializando a construção social do
conhecimento e a livre produção, troca e circulação de informações, uma prática consolidada
como um fenômeno exemplificado pelo o caso da Wikipedia7.
Aliado às ferramentas da internet, é preciso considerar também as novas possibilidades
de produção autônoma a partir do acesso a softwares de captação e edição de áudio que
garantem não apenas o barateamento dos custos de produção, mas também a qualidade do
material que se aproxima significativamente do que é produzido em grandes estúdios,
dirigidos por profissionais gabaritados do meio musical.
7
Enciclopédia virtual construída pelos internautas (www.wikipedia.com.br).
O integrante da banda brasiliense Violator fala a respeito: “Hoje podemos gravar
discos com qualidade dentro do nosso quarto e acreditamos que isso vá ficar cada vez mais
acessível. Nós gostaríamos que as pessoas tivessem a consciência de que comprar um disco
underground, não e a mesma coisa que adquirir um produto pop, mas sim dar continuidade a
uma comunidade e saber que você faz parte disso.” (CURITIBA UNDERGROUND, 2011b,
p. 14)
Em geral, o processo de produção das bandas ditas underground passa pela
composição de letras e música, ensaios em estúdios já equipados com sistema de gravação ou
podem ser também separados. O estúdio Clínica Pro Music, um dos preferidos das bandas
curitibanas de heavy metal, é especializado na captação e tratamento de áudios. Já o Áudio
Ataque oferece o serviço para ensaios de bandas, mas não conta com a gravação. O HMix, por
outro lado, suporta os dois tipos de demandas; tanto a possibilidade de ensaios como de
captação de áudios. Além da qualidade, outra grande vantagem para a produção dessas
músicas em relação aos anos 1980 e 1990 está na redução dos custos a partir da eliminação de
outros processos que exigiam a atuação de outros profissionais e na redução do tempo de
mixagem facilitada pelas ferramentas disponíveis em softwares de edição de áudio.
Nos últimos anos os músicos não deixaram de utilizar espaços para ensaio, onde a
música passa pelo processo de composição e que representa um momento de encontro da
banda para traçar planos e desenvolver sua performance. O processo de composição, no
entanto, inclui o uso de computadores domésticos para captação de versões iniciais do som
dos instrumentos. Esta prévia servirá de base para o ajuste das músicas, de modo que as
bandas chegam aos estúdios de gravação mais preparadas para a execução da captação do
áudio dos instrumentos e vocais.
Isto ainda ocorre porque a tecnologia dos computadores não substituiu o nível de
qualidade de equipamentos mais sofisticados para captação analógica, transformada
posteriormente em dados digitais, além de profissionais que compreendem a utilização de
softwares de mixagem e de engenharia de som.
O produtor musical curitibano Maiko Thomé tem um estúdio de gravação
(Avantgarde) em sua própria casa. O espaço conta com sala de isolamento acústico, três
computadores, três monitores, um ligado ao lado do outro, por meio do qual ele realiza a
gravação, mixagem e masterização. No espaço, ele grava álbuns completos para bandas locais
e produz videoclipes em um espaço de cerca de 20 metros quadrados, usando uma câmera de
mão e cromakey. Não há funcionários em seu estúdio e todo o trabalho, com exceção do que é
executado pelos músicos em seus instrumentos e vozes, é realizado por ele próprio.
Eu comecei no digital, produzo em meio à arquitetura dos softwares e plugins, que fazem cada vez mais maravilhas além de serem desenvolvidos para
serem capacitados a fazer o que os analógicos fazem de melhor. [...] Os
erros que aparecem vem da falta de interesse em ler. Tudo que você compra
tem manual: microfones, pedais, mixers, até cabos. Na web você a é capaz
de aprender tudo e com muita profundidade se quiser. O software de
gravação tem 3000 páginas e é basicamente uma apostila. Existem fóruns
sobre tudo, com especialistas dando opiniões e respondendo perguntas,
dando atalhos, informações técnicas, etc. A pessoa vai acabar aprendendo a
fazer do jeito certo, pelo menos nesse assunto. Se pesquisar e ler, gostar de
tecnologia, souber um pouco de inglês, e não tiver muita dificuldade com a
matemática e física. (CURITIBA UNDERGROUND, 2011a, p. 7)
Como pôde ser lido, as novas tecnologias permitem uma maior acessibilidade à
produção de conteúdos por meio do barateamento dos custos. Significa que as atuais bandas
ditas underground estão em melhores condições do que antigamente para produção de
conteúdos a serem disponibilizados porque, mesmo sem muito dinheiro ou apoio de
gravadoras, é possível produzir seu próprio material. Nesse sentido, pode-se afirmar que o
esquema de hits, descrito por Anderson (2006) não apenas foi quebrado pela possibilidade de
difusão de conteúdos, mas também pela possibilidade de produção em graus de qualidade
similar ao que é produzido por bandas que contam com a estrutura de grandes selos,
gravadoras, produtoras e distribuidoras.
Em uma análise mais sociológica, poder-se-ia identificar, muito possivelmente, a
potencialização da condição de vanguarda de pequenos grupos como decorrência da
popularização das novas tecnologias. Ou seja, com o acesso aos equipamentos de gravação,
sua edição e disponibilização, permite-se que tipos sonoros e experimentos emerjam mais
facilmente para um público interessado e com condições de selecionar o que quer acessar.
As novas tecnologias digitais proporcionam uma relação mais autônoma e
produtiva com os universos musicais e imagéticos; a facilidade de produção,
distribuição e apropriações de sons e imagens transformam os jovens em
prossumidores (...) novos agentes sociais que aos poucos vão deixando de lado a
postura passiva frente à produção industrial e massiva cultural, para assumir o
papel de produtores de estilos, linguagens e ideias. (BORELLI; OLIVEIRA, 2008,
p.116)
Ao mesmo tempo, a relação entre a acessibilidade à produção e difusão de conteúdos
culturais impõe uma relação contraditória para as chamadas bandas underground. Kemp
(1993) aponta em sua pesquisa uma separação entre underground e mainstream, a partir da
massificação e transformação de conteúdos culturais em produtos.
O termo underground, surgiu como forma de designar produções culturais que, na
década de 60, partiam de grupos não conformados com os padrões exigidos pela
mídia e pela indústria cultural de modo geral, como modelo de produtos e de
comportamentos ligados à sua comercialização. Criaram então toda uma proposta
de atuação política, com o fim de contraporem ao modelo de veiculação dominado
pelo grande capital e produção de bens culturais. (KEMP, 1993, p.15)
O fato é que a partir do momento em que uma banda disponibiliza seu conteúdo na
internet ela automaticamente está se inserindo em um processo de comunicação de proporções
mundiais, ainda que não nos mesmos moldes dos tradicionais meios de comunicação de
massa. Campoy (2010, p. 9), ao estudar o underground do heavy metal extremo no Brasil
conclui o seguinte:
A tensão parece-nos, assim, atenuada pela tecnologia: apesar do novo
contexto tecnológico, em especial a Internet, potencializar os conflitos
gerados em nosso mundo físico ao promover a interface dos mais distintos
interesses, ele também opera, em sentido contrário, uma atenuação destes
conflitos ao promover a possibilidade de expressão ou intervenção das
partes sem o prevalecimento predatório/maniqueísta de uma delas.
É justamente sobre isso que se debruçaram os teóricos da Escola de Frankfurt quando
analisaram a transformação da arte em produto. Ao se inserirem em esquemas massivos de
reprodução, estariam automaticamente inseridas em esquemas mercadológicos e cumprindo
um papel eminentemente comercial.
Não há dúvidas de que a rede mundial de computadores se consolidou como um meio
de comunicação de muitos para muitos, como já previu Marshall Mcluhan ao descrever o
conceito de “aldeia global”, antecipando a difusão de uma rede de comunicação doméstica
que possibilitaria que pessoas comuns conversassem com outras pessoas comuns, a qualquer
hora e em qualquer lugar do mundo. Mas, diferente do contexto de ambos, é preciso
considerar que o esquema comunicacional da internet implica em uma quantidade infinita de
conteúdos que está sujeito a se perder diante de tantas informações disponíveis. Nesse sentido,
cabe ressaltar a regra dos filtros, descrita por Anderson (2006), para quem a internet permite a
seleção de conteúdos específicos para o consumidor de modo que atenda aos seus gostos. Em
outras palavras, poder-se-ia dizer que apesar de ser um meio de comunicação massivo, ele
garante seletividade de conteúdos, ou seja, geralmente vai se destinar a um público específico
como comprovado pela curva de calda longa na venda de produtos nos últimos anos. Trata-se
de um público consumidor pequeno, mas de longo alcance.
Assim, não seria nenhum absurdo evitar a análise dos frankfurtinianos para abordar a
relação entre o que se pode considerar música underground e mainstream, justamente porque
ambos já não aparecem mais em campos tão opostos como nos anos 1980. Uma banda que
posta um videoclipe no Youtube, por exemplo, pode ter muito mais “resultados”, no sentido
de que sensibilizará mais pessoas, do que se o divulgasse por meio de uma emissora de
televisão como a MTV, por exemplo, que exibirá o clipe por alguns dias, atingindo um grande
número de pessoas em um curto período de tempo. Enquanto que na internet o vídeo ficará
disponível até que a banda resolva retirá-lo do ar, permitindo que a qualquer hora e em
qualquer lugar, alguém interessado no assunto acesse o conteúdo e resolva compartilhá-lo
entre seus pares. Neste caso, quais casos podem ser considerados mainstream ou
underground?
“Ser” ou “estar” underground
Com a internet esta divisão parece menos evidente. Campoy (2010), por exemplo,
tenta responder a esta questão apontando que o heavy metal produzido pela indústria
fonográfica cuida da gravação, produção e distribuição. Coloca o material em gôndolas das
megastores, produz shows, organiza turnês, marca datas, planeja estrutura de apresentação
como luzes, palco e acústica e conta com equipe para operar todos estes equipamentos.
Contam também com departamento de marketing que cuida da divulgação de produtos e da
imagem da banda, por meio de trabalhos de assessoria de imprensa.
Bandas sem o apoio de grandes gravadoras, por outro lado, geralmente não recebem
cachê para shows, onde vendem materiais como camisetas e CD’s com composições próprias.
Ou seja, não terão a estrutura dedicada às chamadas bandas “grandes”. Negociam elas
próprias os shows, cuidam eles próprios da montagem do palco e da divulgação do material8.
Deste ponto de vista há uma demarcação mais clara sobre o que seriam bandas
underground e mainstream. Essa análise desloca a percepção de contrariedade entre as duas
condições. Ou seja, ao invés de se falar em atitudes, os grupos ditos underground, se intitulam
como tal pelo fato de não estarem inseridos em um grande esquema comercial. Neste caso, ser
underground seria uma condição e não uma opção para a maior parte das bandas de heavy
8
Na pesquisa que realizamos entre as 19 bandas de heavy metal de maior atividade em Curitiba, apenas 7
mantém contrato com alguma gravadora ou selos, que garantem suporte para distribuição e vendagem de
material. As bandas que declaram ter contrato com empresas são: Aqueronte, Amen Corner, Beltane, Choke,
Doomsday Ceremony, Fire Shadow, Offal e Semblant. Ainda assim, se analisada a estrutura disponível para o
desenvolvimento do trabalho, nenhuma (com exceção do Motorocker) tem status de banda média ou grande.
metal e impõe-se, portanto, como proposta ideológica do que pode ser autêntico e do que é
falso. Assim, opera-se uma diferenciação entre “ser” underground e “estar” underground.
Uma análise purista do underground levaria à conclusão de que, no final, todos almejariam
tornarem-se rockstars, viver de música e viajar o mundo se apresentando em diferentes países,
assim como fizeram Black Sabbath, Metallica entre tantas outras.
Entretanto, a condição underground na sociedade imersa por informações obtidas via
internet precisa ser revista com cautela para evitar os mal-entendidos. “Estar” underground
associa-se a condições precárias para o desenvolvimento artístico, enquanto que “ser” associase a uma noção de cunho ideológico. O depoimento de um dos membros da banda Krucipha
contribui para este debate. Ao ser questionado se a banda poderia ser considerada
underground ele diz:
A partir do momento que a gente quer levar a banda pra um meio mais
profissional, essa é a única opção. [...] É claro que lá no fundo a gente
gostaria de chegar num patamar de banda x, banda y, que já estão há mais
tempo na parte profissional e deles a gente extrai essa visão mais
profissional de produção sonora. [...] Acho que a gente tá subindo o
primeiro degrau pra sair do underground. Lógico que nosso objetivo seria
levar a coisa pra um meio mais profissional. (GUOLO, 2013)
A percepção do músico estabelece uma valoração entre bandas grandes e pequenas,
relacionando com profissionalismo e amadorismo. Sair do underground é um objetivo que só
é alcançável por meio da profissionalização do trabalho musical, cita ele. Neste caso, quanto
mais qualidade o som obtiver, mais profissional será a banda e, portanto, menos underground
ela será. Por outro lado, o debate passa a estar deslocado da oposição entre underground e
mainstream, porque a profissionalização da produção não se enquadra no conceito de
mainstream, mas na obtenção de estrutura para a expressão artística contínua e duradoura.
No que diz respeito ao sentido ideológico do conceito, a identidade underground
expressa-se pela atitude, apresentada pelos modos de vestir, na performance de shows e nos
conteúdos artístico-musicais. Demarcando suas referências históricas, a banda expressa em
seus conteúdos uma relação crítica à lógica mercantil:
O Brasil possui a fama de ter um público crítico, multiétnico e rico
culturalmente. Como toda metrópole, encontra-se contextualizada em
tempos onde o ser humano se comporta como gado nas mãos das grandes
indústrias, desprezando o valor do todo, e agindo individualmente, inerte,
cético e sem capacidade de indignação. Contrapomos e questionamos este
comportamento rotineiro e automatizado. E com a nossa música barulhenta,
pesada e distorcida derrubaremos todas as barreiras, até o despertar do
cidadão. (KRUCIPHA, 2013)
O que emerge de uma “atitude” underground está em alguns outros aspectos menos
determinantes para as vidas dos que participam da cena heavy metal. Comparado ao conceito
tradicional, o que pode ser chamado de underground se expressa nas formas de se vestir do
grupo, na sonoridade agressiva e nas letras das músicas das bandas. Do contrário, seria apenas
uma questão de quanto a banda dispõe de recursos para a produção e reprodução cultural.
O Krucipha, formado em 2009, a exemplo do que já ocorre com boa parte das bandas
curitibanas de heavy metal, mantém uma série de contas na internet em diferentes redes. No
Facebook, eles postam vídeos de trabalhos de estúdio, fotos de shows, cartazes de eventos,
fotos de fãs e agradecimentos aos fãs. Eles mantém também uma conta no Twitter, com uma
média de 5 posts por mês. No Reverbnation, onde constam músicas, datas de shows e
informações da banda, no Myspace e no Soundcloud é possível acessar músicas, e, no
Youtube, há uma série de vídeos postados em um canal próprio da banda, que já acumula
mais de 12 mil visualizações.
A banda, como revela o músico, aposta na internet: “Todo mundo tá caindo aí pra esse
lado da internet. A gente tem um milhão de canais pra divulgar as coisas, a gente apela
bastante pra Youtube, Facebook, Reverbnation, o Myspace tá meio em queda. Acho que esses
três são os principais e a gente usa pra colocar assim, áudio, vídeo, imagens, fotos, textos, às
vezes a gente lança uma promoção, um sorteio...” (GUOLO, 2013). Apesar disso, o comércio
de produtos como camisetas, botons, CD’s continua sendo feito predominantemente em
shows, onde as relações se dão face a face. A internet, de algum modo, permite o acesso aos
conteúdos culturais e estabelecem contatos diretos entre público e músicos, mas o ecommerce parece ainda pouco praticado no meio underground.
As relações estabelecidas por essas bandas por meio da internet implicam em trocas
simbólicas significativas. Ao se inserirem na rede, os webbangers passam a integrar em
comunidades virtuais, nas quais reforçam uma identidade própria agora de abrangência
mundial. Reforçam entre si suas referências, modos de pensar e agir e expressam esta atitude
de infinitas formas na rede mundial de computadores em busca de identificação de grupo.
Além dos conteúdos sonoros das bandas, sejam de grande, médio ou pequeno porte, os
webbangers disponibilizam imagens estáticas ou em movimento onde se evidenciam seus
modos de se vestir e de se movimentar durante uma música. Inserem também outros
elementos culturais como artes em forma de cartazes de shows que serão realizadas onde
aparecem composições que seguem a determinados padrões estéticos como tipografias com
nomes de bandas que geralmente utilizam formas pontiagudas, cores escuras no fundo e
informações básicas sobre o evento (modelos disponíveis em anexo). As imagens associam
temas de eventos ao estilo das bandas que se apresentam, variando entre fotografias ou
ilustrações que remetem aos filmes de terror, mulheres que ressaltam certo apelo sexual ou
guerras.
Ao revelarem suas preferências às pessoas que não participam da comunidade, mas
que desejarem buscar informações a respeito, uma série de conteúdos estará disponível para
suprir a demanda. Esta relação entre membros da comunidade e não-membros implica em
uma troca de conteúdos, indicando que os webbangers não estarão isentos da influência de
outras comunidades que também disputam a atenção por meio da internet.
Considerações finais
Em Curitiba a comunidade virtual se desenvolve como um apêndice do meio físico,
onde já existiam grupos de interesse ligados por gostos musicais, formas de se vestir, de
pensar e de agir. Os jovens de preto fazem parte do cenário urbano da cidade, concentram-se
em determinados pontos como o Largo da Ordem e frequentam shows.
A diferença para os anos anteriores ao advento da internet é que agora estes grupos
antes dispersos passam a construir algum tipo de relação, que permite a troca de conteúdos em
uma condição muito superior do que anteriormente, quando os únicos meios de comunicação
disponíveis eram fanzines, ou meios de comunicação de massa como rádio, televisão, jornais
impressos e revistas. E isto não ocorre simplesmente do local para o local, ou da cidade para a
cidade. Com a possibilidade de se comunicar com pessoas em outros países, o que se observa
é a constituição de uma grande rede mundial que passa a ampliar o conceito de comunidade
virtual para estes grupos. Nesse sentido, encontramos o conceito de “aldeia global” de
Mcluhan (1969), que contribui para explicar o fenômeno.
Bandas, público, produtores de shows e de som e comunicadores do heavy metal
curitibano têm se utilizado das ferramentas disponíveis da internet para produzir e
compartilhar conteúdos. Não há dúvidas de que a partir deste meio as informações ganharam
velocidade e abrangência, de modo que os conteúdos ditos underground passaram a ter novos
aspectos e conseguem circular entre os participantes da comunidade sem que dependam de
grandes meios de comunicação.
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Publicações:
CURITIBA UNDERGROUND. “Grave sua arte ou afunde no esquecimento”. Curitiba: n. 18,
ago. 2011a. (pp. 6-7)
CURITIBA UNDERGROUND. Thrash metal até a raíz dos cabelos. Curitiba: n. 19, dez.
2011b. (pp. 14-15)
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QUANDO O HEAVY METAL CURITIBANO INVADE A INTERNET