NEIDSON RODRIGUES: UM ATIVISTA DA EDUCAÇÃO
ARAÚJO, Ubaldo Dutra
PROPED/UERJ
INTRODUÇÃO: RELEMBRANDO OS ANOS 1980
A década de l980 assume grande importância na conformação de uma nova
cultura política no Brasil, fortemente ancorada nos anseios por democracia. Essa cultura
democrática que, conforme Nosella (2005, p. 229), ainda não se consolidou, teve um
grande impulso nos últimos vinte e cinco anos. O que uma revisão deste período poderá
nos apresentar de novo, no sentido de melhorar nossa compreensão dos processos de
transformação havidos no campo da educação?
Em primeiro lugar deve-se ter em conta a crise do regime militar, que vinha num
crescendo desde meados da década de 1970, após a euforia do “milagre econômico”,
com o acirramento da crise econômica mundial, e chegava ao seu ponto máximo. Um dos
resultados do abalo da confiança que a população depositava no governo militar até
então, era o crescimento do MDB, único partido de oposição então consentido. Além
desse partido, posteriormente transformado em PMDB, várias outras instituições
buscavam canalizar e expressar a vontade de mudança que pouco a pouco tomava conta
do cenário político nacional. Já ao final da década de 1970, apesar das rígidas regras de
constituição partidária estabelecidas pela “abertura política planejada pelo governo militar”
(MOISÉS, 1985, p. 11), surgiram o PT e o PDT. O partido dos Trabalhadores originou-se
dos movimentos de base da Igreja Católica e do chamado “novo sindicalismo” e o Partido
Democrático Trabalhista veio a abrigar lideranças do trabalhismo tradicional, que
reapareciam no cenário nacional e cujo expoente era Leonel Brizola. Ao lado desse
movimento de reconstrução partidária, crescia a consciência da necessidade de se
organizar a sociedade civil fortalecendo os inúmeros movimentos sociais que se
apresentavam como canais de manifestação de oposição ao regime (Idem, p. 24-25).
No campo específico da educação, várias instituições e associações científicas
que se organizaram nesse período buscavam refletir a tendência dos movimentos
populares, aí incluído o dos professores, de querer interferir nos destinos da política
nacional, em especial da educação pública. A prova disto é que os projetos de todas
aquelas organizações privilegiavam as idéias de “descentralização e participação popular”
na elaboração e execução de políticas públicas para o setor educacional. No
entendimento de Neidson Rodrigues (2000), um fator importante na conformação dos
destinos da educação brasileira, cujos reflexos podem ser percebidos ainda hoje, diz
respeito à profunda articulação entre os “intelectuais orgânicos”, produzidos no interior
dos próprios movimentos sociais e os “intelectuais tradicionais”, formados na
Universidade mas comprometidos com a produção e desenvolvimento de um movimento
de difusão da consciência crítica na sociedade brasileira (p. 129).
Esse era clima que constituía o pano de fundo de uma das mais expressivas
reformas educacionais do país, cuja bandeira principal visava à promoção da autonomia
das escolas e a criar espaços para a sua gestão participativa, impedindo, assim, a
instrumentalização da administração escolar para fins político-partidários e a utilização,
pelos governantes, dos recursos de poder que a direção das instituições educacionais
fornecia. Em Minas Gerais, a ênfase da reforma incidia na autonomia administrativa,
financeira e pedagógica para as escolas, possibilitando sua gestão através da
participação dos professores, funcionários, pais e alunos. Objetivos que se chocavam
claramente com os interesses clientelistas, já que a educação aparece, historicamente,
entre os setores mais utilizados eleitoralmente pelos governos e seus aliados.
O lugar para onde convergiram todos os projetos relativos à educação, em
confronto na sociedade, foi o I Congresso Mineiro de Educação, cujas raízes estão na
eleição para o governo do Estado realizada em 1982. Esse fórum
originou-se na
plataforma eleitoral de Tancredo Neves, candidato ao governo de Minas nas primeiras
eleições diretas após um longo período de abstinência democrática, no qual os
mandatários estaduais eram eleitos indiretamente. Naquele documento, o capítulo
dedicado ao ensino ficou a cargo de um grupo de educadores sintonizados com as
reivindicações dos movimentos sociais. O grupo, ao invés de apresentar um programa
pronto, resolveu indicar a abertura de canais para que a própria sociedade elaborasse a
proposta a ser executada pelo governo.
Em consonância com essa filosofia de trabalho, a próxima etapa para a produção
de um projeto educacional para o estado foi o Congresso Mineiro de Educação, realizado
de agosto a outubro de 1983, e consagrado como um acontecimento expressivo em
termos de participação popular nos debates dos problemas ligados à educação (LEROY,
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1987, p. 149). Com o objetivo de efetuar um amplo diagnóstico da situação do ensino e
sugerir soluções, mobilizaram-se todos os setores sociais mineiros com interesse no
tema. Profissionais da educação, especialistas, alunos e pais, sindicatos, universidades,
prefeituras e representantes de diversos outros setores, coordenados pela Secretaria
Estadual, discutiram as questões educacionais, apresentando um vasto leque de
propostas para sua resolução.Dentre elas há sugestões para a implantação de
Colegiados como forma de viabilizar a administração participativa das escolas e para a
adoção de concurso público como critério para recrutamento de professores. É proposta
também “a eleição do Diretor por voto direto da comunidade escolar, por um período de
quatro anos, com direito a reeleição por apenas mais um mandato consecutivo, devendo
recair em elemento que pertença ao quadro do magistério da própria escola” (Minas
Gerais, 1983, p. 13).
O governo adotou parte das decisões do Congresso, ficando outras no
esquecimento. Merece destaque a regulamentação dos Colegiados através do Programa
de Renovação da Prática Educativa, subproduto do Plano Mineiro de Educação para o
período 1984/1987. Trata-se de conselhos compostos de professores, funcionários, pais e
alunos, aptos a decidir sobre as prioridades e metas educacionais a serem desenvolvidas
pela unidade escolar, como, por exemplo, conteúdo do ensino, calendário escolar, espaço
físico e suporte material entre outros itens. A eleição de diretores, em função da grande
resistência oposta pelos políticos governistas, só se tornou realidade dez anos mais tarde,
já na década de 1990. Porém outra indicação importante, que propunha a criação das
Comissões Municipais de Educação, verdadeiros embriões de conselhos municipais, a
serem integradas pelos diversos segmentos sociais do município, visando a “possibilitar a
integração dos vários interesses dos cidadãos e definir as prioridades educacionais,
desde a necessidade de novas escolas até aquelas relativas a tipos e formas de
treinamento de professores, de assistência aos educandos, [bem como] de articulação
entre o poder municipal e estadual no que diz respeito à educação” (RODRIGUES, 1984,
p. 13-14), não teve o mesmo sucesso.
De qualquer forma, parece não haver muitas dúvidas de que no último quarto de
século novos conceitos e novas perspectivas enriqueceram os debates no campo da
educação, que se arejou ao assumir mais claramente sua dimensão política. Nesse
sentido, a maioria dos educadores assimilou a idéia de que a escola não se explica por
ela própria e sim pela relação política que ela mantém com a sociedade, lutando para
colocar na direção do processo educacional pessoas e grupos compromissados com os
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objetivos da escola democrática. Mas será que esse movimento político dos educadores
consegue influenciar os governantes no sentido de se estabelecer uma nova política para
o setor, um novo posicionamento da educação como questão democrática, a ser tratada
mais amplamente com a sociedade, e não como questão eleitoral manipulada pelas
elites?
O SALDO DA CAMINHADA: UM POUCO DE CETICISMO
Vivemos um tempo ambíguo no que diz respeito ao desenvolvimento do campo
educacional no país. Por um lado, não há como negar o progresso democráticoinstitucional alcançado em nossos sistemas de ensino nas últimas décadas, que pode ser
comprovado pela afirmação dos colegiados, bem como pela generalização de eleições
para escolha de diretores em boa parte das escolas. Além disso, surgem inovações como
os conselhos municipais de educação e fóruns mais abrangentes, cujo melhor exemplo
são as conferências de educação e constituintes escolares, destinadas a promover a
participação dos cidadãos na elaboração de políticas para o setor. Nos últimos tempos,
observa-se o surgimento de um conjunto de experiências, cujos exemplos mais
simbólicos são Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo em seus períodos de
administração comandados pelo Partido dos Trabalhadores. Em Porto Alegre, a reforma
educacional do período indicado instituiu a “Escola Cidadã”, fundada na associação dos
trabalhadores e usuários para a “formulação, gestão e participação nas políticas públicas
[do] setor”, procurando construir uma “esfera pública de decisão” como caminho para
concretizar um ensino de qualidade e vinculado à realidade da maioria da população
(AZEVEDO, 2003, p. 146). O experimento de Belo Horizonte,
denominado “Escola
Plural”, pretende implantar “uma nova concepção de educação”, inspirada na idéia de
uma “escola mais democrática, mais ampla, mais flexível, mais aberta à cultura e às
comunidades” (MIRANDA, 2003, p. 161). Enquanto São Paulo, inclusive sob a gestão de
Paulo Freire, no período 1989/92, desenvolveu uma política educacional baseada
principalmente na “democratização da gestão”, e na “democratização do acesso (...) ao
ensino municipal” (ARELARO, 2003, p. 192).
Esses sucessos podem induzir ao exagero de se afirmar que o projeto acalentado
durante décadas por organizações de educadores e demais movimentos sociais, visando
à participação popular na condução dos destinos da educação, é plenamente vitorioso.
Mas o fato é que nenhuma das experiências citadas está isenta de contestação.
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Normalmente, as análises a que são submetidas oferecem uma leitura pouco rigorosa,
que oscila entre a apologia e o voluntarismo, de um lado, e a indiferença, de outro, com a
predominância de uma tendência à naturalização da relação entre participação e
democratização da gestão. Ou seja, há um excesso de idealização quanto ao alcance
desses processos, como se existisse uma equivalência espontânea entre participação e
democracia. No entanto, sabe-se que, se por um lado a democracia exige participação, é
forçoso discutir a qualidade dessa participação, já que nem sempre a sua ampliação
acarreta incremento democrático. Além disso, o desagrado com a situação da escola
mostra que a educação como prioridade de governo ainda não ultrapassou o campo da
retórica. Que o digam os professores, com a sua luta permanente por salários dignos,
melhoria das condições de trabalho e para fazer avançar o diálogo com o poder público,
quase sempre emperrado e marcado pelo autoritarismo. E
também a maioria da
população, com a sua constante percepção da falta de qualidade da escola pública.
Além disso, e insistindo que as dificuldades atuais não invalidam as conquistas
relacionadas aos processos democratizantes no campo educacional, é preciso lembrar
que “as experiências que sustentam o que teima em se apresentar como novo”
(RODRIGUES, 2000, p. 122) e como elaboração dos que se consideram o “ponto zero da
História” (NOSELLA, 2005, p. 229) não começou agora. Elas representam o resultado da
luta desenvolvida por setores progressistas da sociedade ao longo de quase um século,
se recuarmos até o movimento dos “pioneiros” da década de 1930. Durante esse tempo,
no qual vem se processando uma transformação da cultura política, a cada etapa emerge
um sujeito político-social, chamado a dirigir o processo (LOSURDO, 2006, p. 237-239).
Daí a necessidade de estarmos sempre revolvendo o passado para avaliar os eventos e
atores históricos dos quais herdamos a possibilidade de prosseguir. Criticar o seu suposto
“conservadorismo”, para esvaziar de significado as conquistas obtidas em cada confronto
travado nesse tempo de longa duração, mais do que condenar esses sujeitos ao
ostracismo, só contribui para justificar e legitimar a dominação de então.
Com o objetivo de partilhar essas preocupações, o presente trabalho focaliza a
atuação política do Professor Neidson Rodrigues, um educador que granjeou projeção
nacional como o principal idealizador do Congresso Mineiro de Educação de 1983, desde
a elaboração do programa de governo para as eleições estaduais de 1982, até a
concretização do evento sob sua coordenação. A questão principal aqui é saber até que
ponto a conduta intelectual e política, que informou sua participação no Congresso,
contribuíram para o desenho de uma nova cultura democrática no campo da educação.
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LEMBRAR NEIDSON RODRIGUES, RELER GRAMSCI
Nascido em Minas Gerais em 1942, onde também morreu em fevereiro de 2003,
Neidson Rodrigues era filósofo, com doutorado e pós-doutorado em educação. Na FaEUFMG, instituição à qual dedicou a maior parte de sua vida profissional, foi professor dos
cursos de graduação e pós-graduação, chefe de departamento, coordenador do
Colegiado de Pós-Graduação e Diretor da instituição. Também foi professor da
Universidade Metodista de Piracicaba, na qual chegou a ser diretor da Faculdade de
Comunicação. Ainda no meio acadêmico, ocupou a Presidência da ANPEd, foi membro
da Diretoria do International Network of Philosophers of Education e Presidente do
Instituto de Pesquisas e Inovações Educacionais. No campo da “prática efetiva no
Estado”, como ele próprio se refere às suas passagens pela administração pública (1984,
p. 7), Neidson Rodrigues exerceu os cargos de Secretário Municipal de Coordenação
Política da Prefeitura Municipal de Piracicaba e de Superintendente Educacional da
Secretaria de Estado da Educação do Estado de Minas Gerais. Além disso, como escritor
de talento, publicou vários artigos e livros e criou a revista Presença Pedagógica
(DALBEN, 2003, p. 145-147).
Com grande parte da formação acadêmica construída sob o regime militar,
preocupava-se com a dimensão da racionalidade técnica que se imprimia ao ensino da
época, tratando a educação como instrumento no processo de desenvolvimento
econômico, e com a vinculação da educação à constituição e legitimação do estado
autoritário no Brasil (RODRIGUES, 1982). Para Rodrigues, o “fenômeno fundamental (...)
na nova orientação do Estado era a necessidade de se garantir o projeto de
desenvolvimento capitalista, [ou seja] o processo de acumulação do capital” (1985, p. 28).
Para isso, o Estado assumia para si a síntese dos interesses e das necessidades
entendidas como nacionais, apresentando-se como o único ator capaz de expressar e
realizar os desejos da nação. Nesse sentido, a vontade do Estado deveria ser
interpretada e assumida pela sociedade como vontade de todos, sendo administrado em
função de rumos que só ele era capaz de estabelecer. Nesse clima, não se admite a
contradição, a proposta alternativa ou a oposição, na medida em que não se permite a
existência de conflitos e de interesses opostos. Portanto, não há mais lugar para o
entendimento, já que o Estado se arvora o ponto convergente
da “totalidade da
sociedade, na economia, na política e na cultura” (Idem, p. 29-30).
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O que parece inspirar Neidson Rodrigues nesta leitura do Estado autoritário é a
“teoria da hegemonia” de Gramsci, que se constitui em conceito importante para a
reflexão sobre a política e o Estado modernos e cuja compreensão admite dois caminhos.
O primeiro tende a equiparar “hegemonia” a “domínio”, acentuando o aspecto coercivo,
mais que o persuasivo, a força mais que a direção, a submissão de quem sofre a
hegemonia mais que a “legitimação” e o “consenso”, a dimensão política, no sentido da
disputa pelo poder, mais que a cultural, intelectual e moral. O significado que parece
prevalecer, não obstante, é o que vê a hegemonia representando capacidade de direção
intelectual e moral, em virtude da qual a classe dominante, ou aspirante ao domínio,
consegue ser aceita como legítima orientadora, constitui-se em classe dirigente e obtém o
consenso ou a passividade da maioria da população diante das metas impostas à vida
social e política de um país.
Segundo a tese de Gramsci, numa sociedade de classes, a supremacia de uma
delas se exerce sempre através das modalidades complementares do domínio e da
hegemonia. O domínio se impõe aos grupos antagônicos pelas estruturas de coerção da
sociedade política, enquanto a hegemonia se exerce sobre os grupos sociais aliados ou
neutros, usando dos mecanismos de consenso da sociedade civil. Portanto, trata-se de
um jogo entre força e consenso. O que varia é a proporção de cada elemento, o que por
sua vez depende do grau de desenvolvimento da sociedade civil que é o lugar por
excelência de formação e difusão da hegemonia (PORTELLI, 1977, p. 61-63).
Também Losurdo considera que a complexa dialética traçada por Gramsci ajuda a
compreender a história atual, o que justifica utilizá-la como chave para alcançar o
pensamento de Neidson Rodrigues dentro da realidade político-social da década de 1980.
Na compreensão daquele autor, Gramsci considera que os grupos dominantes numa
formação social dedicam maior importância à dimensão material da vida sem, no entanto,
descuidar da dimensão ideológica, que transformam em arma contra os grupos
dominados. Da mesma forma que o povo busca assimilar e incorporar o que de melhor o
grupo dirigente produz no campo cultural e político, este se empenha em consolidar sua
“hegemonia e seu domínio”, procurando incorporar o que lhe pode ser útil da cultura e da
política dos movimentos sociais. Com isso, a classe dirigente quer influenciar o
movimento popular, deixando-o acéfalo do ponto de vista ideológico. Por esta razão, os
diversos
sistemas
ideológicos
e
político-sociais
não
podem
ser
analisados
separadamente, sem levar em conta as relações mútuas de confiança, de
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condicionamento e de influência recíproca que exercem uns sobre os outros (LOSURDO,
2006, p. 254-256).
Rodrigues parece entender o Estado moderno, nessa linha, como algo que não
pode ser pensado apenas a partir do grupo social no poder, sem o investimento e a
confiança provenientes dos movimentos populares e de oposição. O que lhe dá a
convicção de que os movimentos populares não teriam condições de derrotar o
adversário, no caso o regime autoritário, sem entendê-lo e procurar assimilar as razões de
suas vantagens na disputa por hegemonia. Assim como a compreensão de que a
mudança só começaria a partir da percepção da população da impossibilidade de sua
“participação nos processos decisórios e de definição das políticas do Estado brasileiro
pelo fechamento dos canais institucionais” (1985, p. 31). Sem vislumbrar uma saída a
partir dos de cima, o povo começa a se organizar, com o objetivo de encontrar solução
para seus problemas vitais e, ao mesmo tempo, conseguir resistir à política oficial do
regime. Assim, cresceu a organização popular assentada nas associações mais diversas,
como de moradores, servidores públicos, trabalhadores de empresas privadas e
estudantes, respaldadas por instituições como a Igreja, os sindicatos e os próprios
partidos políticos de oposição. A imagem que Rodrigues nos transmite é de um
movimento que se amplia de baixo para cima, partindo das organizações populares e
encontrando guarida em vários municípios, onde estas propostas se tornaram vitoriosas,
até ganhar a direção da política estadual, particularmente a partir da eleição de 1982
(Idem, p. 32-33). Segundo ele, nesta eleição,
“tanto os (...) candidatos de oposição, quanto os (...) oriundos do partido do
governo, tenderam a apresentar (...) o enfoque social como prioridade
governamental. Isto acabou por canalizar a totalidade da sociedade brasileira
numa nova direção, numa nova definição do papel do Estado e dos rumos a serem
assumidos (...) pelo próprio Estado que foi emergindo desse debate público” (Idem,
p. 33, grifo nosso).
Quando a oposição assume o governo estadual em 1983, as idéias de
descentralização e participação passaram a orientar as ações do poder público, sobretudo
nas áreas sociais. O governador eleito colocou a educação sob a direção da ala
progressista do PMDB, os chamados “autênticos” do partido, que buscaram reorientar a
política educacional do Estado. No entanto, a equipe montada na Secretaria da Educação
era heterogênea, contemplando também setores conservadores do partido. Tal fato
implicava a existência de resistências ao projeto de reforma, proposto pela direção, dentro
da própria secretaria. Com o objetivo de contornar tais resistências, a equipe gestora
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buscou se apoiar na burocracia de carreira da instituição, afinada com as suas propostas,
a quem reservou parte dos cargos de gestão. Mais do que isso, buscou formar “quadros”
na burocracia para sustentar o projeto de democratização do setor educacional (Revista
n. 22, p. 160). Os cargos estratégicos da Secretaria Estadual de Educação foram, assim,
ocupados por pessoas que vinham do movimento de oposição ao regime militar e
estavam empenhadas em reformar as instituições da educação, no sentido de sua
democratização. Razão pela qual, o discurso oficial ganha forte ênfase na dimensão
política, ressaltando a participação da população nas decisões públicas, como meio de
formar o cidadão para a democracia e para a promoção das classes menos favorecidas.
Bem distante, portanto, do discurso proferido até então, cuja característica era
a
despolitização da discussão sobre a administração da educação pública.
Pode-se notar, pela orientação acima, que estamos diante de uma explicação
fundada na sociologia do intelectual de Gramsci, para quem a tessitura da hegemonia é
realizada pelos “intelectuais” que, para ele são todos os que detêm um papel organizativo
na sociedade. O ponto de partida dessa análise afirma que “cada grupo social, ao nascer
(...) cria organicamente um ou mais grupos de intelectuais que lhe dão homogeneidade e
consciência da própria função (...) no campo social e no político” (GRAMSCI, 1982, p. 3).
O problema de Gramsci é como dar voz aos grupos subalternos e como evitar que estes
sejam ideológica e politicamente decapitados nos momentos de mudança histórica, em
virtude da perda dos intelectuais que os representam. Sintonizado com esta tese,
Rodrigues tem plena consciência de seu papel e do papel que o Congresso Mineiro de
Educação poderia cumprir naquele momento importante da transição democrática. Para
ele, a realização do Congresso, pó si só, já representaria um processo inovador e
democrático na educação e, por extensão, no mundo da política. Para ele, se a
“escola é um espaço de formação do cidadão participativo, fica muito difícil
imaginar a formação do cidadão participativo numa instituição onde a participação
é negada. Havia essa questão muito séria (...) que o regime militar havia imposto.
Então a convocação do Congresso geraria uma forma de quebrar isso”
(FONSECA, 2003).
Por outro lado, sabe-se que o governo estadual eleito tinha dificuldades de romper
com alguns setores conservadores que até então tinham estado no poder, em virtude de
inúmeros compromissos, inclusive o de angariar apoios em todos os setores sociais para
um projeto de disputa da Presidência da República. Em nome desses mesmos interesses,
era vital avançar no campo onde a sociedade civil era mais forte, possibilitando grande
visibilidade, como é o caso da educação. Não surpreende, portanto, que para esse setor
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se buscasse, desde a campanha eleitoral, e posteriormente para administrá-lo, um grupo
de educadores progressistas bem relacionados com os movimentos sociais que
compunham a base de uma sociedade civil agora importante politicamente. Do mesmo
modo que não pode surpreender o fato de Rodrigues assumir essa empreitada num
momento histórico tão importante. Como político, o intelectual orgânico não pode fugir à
tarefa de mostrar a direção moral e intelectual à sociedade, na medida em que
compromisso moral e compromisso cultural são inseparáveis, na visão de Gramsci
(1982).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, neste estudo pretendeu-se dar breve notícia acerca das atividades do
Professor Neidson Rodrigues, um intelectual ativista de Minas Gerais, que teve seu nome
alçado ao conhecimento público nacional na década de 1980, pela sua importante
contribuição ao processo de discussão das reformas educacionais que se iniciavam
então. Para isto, partiu-se da revisão do cenário político da época, com preferência para o
estado de Minas Gerais, palco principal das ações desenvolvidas por Rodrigues,
nomeadamente no campo da educação.
Para fundamentar a hipótese de que Rodrigues constituía a representação do
intelectual orgânico agregado aos movimentos sociais do período agudo da
redemocratização do País, lançou-se mão da teoria da hegemonia e da sociologia do
intelectual, ambas desenvolvidas pelo pensador italiano Antonio Gramsci. Viu-se, então,
que a análise desenvolvida por Rodrigues a respeito da conjuntura política da primeira
metade dos anos 80 do século passado, revela seu conhecimento e destreza no emprego
da teoria da hegemonia e da complexa dialética gramsciana. A seguir, procurou-se
ensaiar a análise do papel que Rodrigues cumpre no cenário político do período, à luz das
teses do mesmo autor sobre os intelectuais.
Embora não haja nada conclusivo, fica a certeza de que há um rico veio a ser
explorado se quisermos compreender melhor o sentido da participação política de um
agente histórico que, conquanto possa parecer pequeno, certamente teve uma importante
contribuição para a mudança da nossa cultura política, além de ensinamentos que ajudam
no prosseguimento das ações em prol de uma escola democrática.
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Neidson Rodrigues - Faculdade de Educação da UFMG