PÓS-GRADUAÇÃO X GRADUAÇÃO: ARTICULAÇÃO DO CONHECIMENTO EDUCAÇÃO FÍSICA 1 Mariângela da Rosa Afonso – UFPel RESUMO - Hoje, diante do contexto diferenciado na Pós-Graduação em Educação Física, onde se percebe um amadurecimento das discussões, uma melhor definição das diferentes linhas de pesquisa trabalhadas nos programas de doutorado/mestrado, torna-se significativo um trabalho que está investigando os nexos existentes entre a Pós-Graduação e a Graduação em Educação Física, caracterizando as tensões e medições possíveis para que aconteça a articulação destes dois espaços. Foram priorizados, nas entrevistas e análises de documentos, o conhecimento da estrutura pedagógica e administrativa dos Cursos. Foram investigados dois Programas de Pós-Graduação em Educação Física no Rio Grande do Sul: UFRGS/ESEF e UFSM/ESEF, procurou-se trabalhar com os seguintes aspectos: aspectos históricos estruturais; aspectos pedagógicos e administrativos e os aspectos mais subjetivos, como por exemplo: as relações de poder; nexos Graduação/Pós-Graduação e identidade dos Programas. Foi possível visualizar que os espaços legitimados dentro da Educação Física vão se alternando e vão sendo ocupados por diferentes grupos; os mecanismos de avaliação e os eventos científicos são agentes legitimadores dos poderes; a indefinição da especificidade de Educação Física é um forte componente para que aconteça a fragmentação do conhecimento. A complexidade deste final de século traz consigo uma série de problemas que constituem, de certa forma, desafios para a Universidade. Esta terá que se modificar para fazer frente às mudanças da sociedade. No início deste terceiro milênio, é necessário que cada universidade busque sua qualidade, dentro dos seus limites, procurando aperfeiçoar dia-a-dia o seu sistema de ensino e pesquisa, mantendo-se bem adaptada ao contexto mundial, regional e local e em condições de promover o desenvolvimento humano sustentável, demandado por essa realidade. Santos (1996) aponta que a provável saída seria o equilíbrio dos processos conflitantes de subjetivação e racionalização presidida pela transição paradigmática em que direitos humanos devem se impor sobre a eficiência econômica, e os valores universalistas sejam tão importantes quanto as experiências locais e regionais e as tradições culturais dos diferentes povos e nações. Hoje são fortes os sinais de que o modelo de racionalidade científica está em crise. Santos (1996) diz que esta crise é não só profunda como também irreversível, e acrescenta ainda que estamos a viver um período de revolução científica que se iniciou com Einstein e a mecânica quântica e não se sabe ainda quando acabará; estes sinais nos permitem tão só especular acerca do paradigma que emergirá deste período revolucionário, mas pode-se afirmar com segurança que ruirão as distinções básicas em que se assenta o paradigma dominante. A LDB, no seu artigo 53, coloca no inciso III, a obrigatoriedade universitária: “estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão”. O referido artigo foi regulamentado pelo Decreto nº 2.306 de 19 de agosto de 1997, onde foi incluído a “pesquisa como atividade prioritária e indispensável da universidade”. Neste sentido a LDB se constitui em sinalização dos caminhos a percorrer, não podendo ser tomada como um fim em si mesma. Sua função deve ser de apontar 1 Projeto de Tese apresentado e aprovado em Março de 2002, no Programa de Doutorado em Educação da UFRGS. Orientado pela Profª Dra. Arabela Campos Oliven 2 perspectivas num leque de possibilidades, em especial, na polarização da cidadania competente que se faz concreta na democratização de oportunidades e formas de acesso a um ensino e formação pessoal e profissional de qualidade. De igual forma, favorecendo/provocando uma atuação universitária plena, ou seja, onde o ensino, a pesquisa e a extensão se integram, como princípio e como postura de inserção permanente na realidade social. O CASO DA EDUCAÇÃO FÍSICA Muitas mudanças importantes ocorreram na Educação Física na década de 80, tais como: a implantação dos Cursos de Pós-Graduação stricto sensu, a reestruturação dos cursos de preparação profissional com a implantação do bacharelado e a proposição de múltiplas abordagens para a Educação Física Escolar. Para Tani (1998), embora todos esses progressos, ainda hoje se percebe que a área não tem uma identidade acadêmico-científica claramente definida. O autor acredita que isto se deve ao fato de que a ênfase histórica dos cursos ao ensino e aos problemas profissionais inibiu uma preocupação mais sistemática com a estruturação de um corpo de conhecimentos que fornecesse sustentação teórica e científica à prática e à preparação profissional. Conforme Carlan (1996), o movimento de crítica à Educação Física estabeleceuse um pouco antes da década de 80, quando começa a ser questionada a visão hegemônica do binômio Educação Física escolar/esportes, que surgiu no Brasil na década de 40-50. O esporte entrou na planificação estratégia dos governos ditatoriais, provocando, inclusive, a subordinação da educação física escolar ao esporte, de maior repercussão nos anos 60-70 por intermédio dos programas do MEC via SEED, com o surgimento dos Jogos Escolares Brasileiros (JEBS), visto como um instrumento revelador de talentos esportivos. Nos anos 90, a tônica das discussões são aquelas que procuram compreender a problemática da identidade da área. Na visão de Tani (1998), as ambigüidades terminológicas observadas nas denominações dos cursos de Pós-Graduação, suas áreas de concentração e nas denominações de departamentos e entidades científicas são evidências concretas de uma falta de identidade acadêmico-científica da área. Isto denuncia um quadro muito preocupante, qual seja, “de que a Educação Física brasileira está caminhando para um rumo incerto, apesar de todos os esforços no sentido de elevar o seu status acadêmico”. (Tani, 1998, p.22) Nesse particular, um aspecto muito importante é que, apesar de nos últimos anos ter havido um aumento substancial no número de oportunidades para a discussão e na quantidade de material escrito para a leitura e reflexão, a preocupação com a identidade acadêmica da área ainda se restringe a um grupo muito reduzido de docentes pesquisadores, dentre aqueles que atuam nas instituições de ensino superior. Em razão da ausência de uma identidade acadêmica bem definida, as pesquisas realizadas apresentam uma estrutura interdisciplinar, o que permite inferir que a Educação Física está baseada nos conhecimentos fornecidos por outras várias disciplinas, e neste sentido acontece a fragmentação do conhecimento. As disciplinas curriculares, tanto dos cursos de Graduação como de Pós-Graduação, mantêm correspondência com essa forma de produção de conhecimentos. Aliada a isso, a ausência de uma estrutura que oriente os diferentes conteúdos e formas de investigação tem contribuído para disputas em torno de pesquisas em Educação 3 Física serem realizadas numa concepção de ciências naturais ou humanas e sociais, acompanhadas, ainda, de ideologização e politização das discussões. Hoje, abordando a discussão do campo da produção do conhecimento em Educação Física em suas produções teóricas, diversos autores têm centrado suas preocupações na necessidade da discussão da Educação Física enquanto ciência. Para estes, a discussão poderia se dar muito mais com o enfoque ético, e na possibilidade de aprender a viver com a dinamicidade dos contornos assumidos pela área e não pela idéia de uma identidade única. CONTORNOS METODOLÓGICOS Hoje, diante de todo um contexto diferenciado na Pós-Graduação em Educação Física, onde se percebe um amadurecimento das discussões, uma melhor definição das diferentes linhas de pesquisa trabalhadas nos programas de doutorado/mestrado, tornase significativo um trabalho que está investigando os nexos existentes entre a PósGraduação e a Graduação em Educação Física, caracterizando as tensões e medições possíveis para que aconteça a articulação destes dois espaços. Pressupostos: Existem dois espaços sociais (Graduação/Pós-Graduação) diferenciados quanto à produção do conhecimento. • A falta de uma identidade da área contribui para fragmentação do conhecimento tanto na Pós-Graduação como na Graduação. • A produção e a disseminação do conhecimento na vida da academia são fruto de uma estrutura de poder presente não só na universidade como também na sociedade. • Os espaços sociais dos intelectuais da Educação Física são preenchidos (ocupados) a partir do que é produzido e construído por eles. • São praticamente os mesmos intelectuais que produzem; mantêm as instituições importantes da área, e são eles mais que interferem nas instituições para que estas se modifiquem ou permaneçam como estão. • Existem espaços legitimados dentro da Educação Física e estes são ocupados por diferentes grupos e são modificados de acordo com a concepção de ciência hegemônica de cada momento na Educação Física. • Questões norteadoras: • Quais os nexos existentes entre a Pós-Graduação e a Graduação em Educação Física? • Como é feita a mediação do conhecimento na área? • O que tem favorecido as interfaces nestes espaços diferenciados? • O que tem dificultado esta interface? • Como os espaços de tensão são administrados? Focos de investigação: • Clarificar as condições acadêmicas para a produção de pesquisa na Graduação. • Identificar as ações reveladoras de condições institucionais de aproximação Pós-Graduação/Graduação. 4 • • Identificar tensões institucionais que dificultam a aproximação Pós-Graduação/ Graduação. Desvelar como acontece a fragmentação destes dois espaços e como isto pode interferir na fragmentação do conhecimento da área. O estudo preliminar, quando da defesa do Projeto de Tese em Março de 2002 e aprovado pela banca, ficou centrado na análise das duas Universidades do Rio Grande do Sul que possuem ensino de Graduação e programas de mestrado e doutorado simultaneamente, portanto as: Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foram entrevistados os coordenadores dos Programas de Pós-Graduação, destas instituições, professores que trabalhem apenas com Graduação (estes escolhidos aleatoriamente), de maneira que fosse possível conhecer a estrutura organizacional, histórica e conceitual destes programas; os nexos existentes entre a pós-graduação e a graduação em Educação Física, caracterizando as tensões e medições possíveis para que aconteça a articulação destes dois espaços. Para a operacionalização da proposta de pesquisa foram realizadas entrevistas exploratórias e semi-estruturadas. UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO AO CAMPO Foram priorizados, nas entrevistas e análises de documentos, o conhecimento da estrutura pedagógica e administrativa dos Cursos, o período de criação e sua atual situação frente as avaliações, a questão docente e discente, os nexos possíveis entre a Pós-Graduação e a Graduação. Era nosso objetivo, também, adentrar um pouco nas relações de poder configuradas entre estes dois últimos espaços. No momento de coleta de dados, nos dois Programas de Pós-Graduação em Educação Física no Rio Grande do Sul: UFRGS/ESEF e UFSM/ESEF, procurou-se trabalhar com os seguintes aspectos: Aspectos históricos estruturais; aspectos pedagógicos e administrativos e os aspectos mais subjetivos, como por exemplo: as relações de poder; nexos Graduação/Pós-Graduação e identidade dos Programas PRIMEIRO ENCAMINHAMENTOS CONCLUSIVOS A elaboração de um referencial teórico de apoio baseado em diferentes autores da educação e da sociologia possibilitou adentrar com um olhar mais crítico para a área a ser pesquisada, neste caso a Educação Física. Retomando os referenciais antes trabalhados, podemos ver uma consonância entre o que se colocou como ponto de apoio teórico e o que encontramos nesta primeira aproximação ao Campo. Foi possível visualizar que os espaços legitimados dentro da Educação Física vão se alternando e vão sendo ocupados por diferentes grupos. Os mecanismos de avaliação e os eventos científicos são agentes legitimadores dos poderes, tanto das pessoas quanto das instituições. A indefinição da especificidade de Educação Física é um forte componente para que aconteça a fragmentação do conhecimento. Diferentes orientações teóricas assumidas nos Programas de Pós-Graduação têm dificultado o crescimento e a credibilidade profissional. Foi fundamental a primeira aproximação ao Campo no sentido de confirmar alguns pressupostos, avaliar outros e compará-los com o corpo teórico. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996. CARLAN, Paulo. A Produção do Conhecimento na Educação Física Brasileira e suas Propostas de Intervenção na Educação Física Escolar: análise das pesquisas nos mestrados de educação. Universidade Federal de Santa Catarina- Programa de Pós-Graduação-Curso de Mestrado em Educação, Florianópolis, 1996. Dissertação de Mestrado. SANTOS, Boaventura, de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000 b, v.1. _______. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1996. TANI, GO. 20 anos de Ciência do Esporte: um transatlântico sem rumo?. Revista Brasileira de Ciência do Esporte. Número Especial Comemorativo aos 20 anos de fundação do CBCE, p. 19- 31, 1998