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1. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL
1.1 Esboço Histórico
1.1.1 Evolução Constitucional
O recurso ordinário, que se encontra previsto no atual Texto Constitucional
no inciso II dos artigos 102 e 105, teve sua origem no ordenamento jurídico brasileiro no
final do século XIX com o advento da Constituição de 1891. A primeira Constituição da
República do Brasil, contudo, não cuidou de nomear o recurso cuja competência estava
afeta Supremo Tribunal Federal (art. 59, II e 61, da CR/1891).
A nomenclatura recurso ordinário foi inserida explicitamente com a
segunda Constituição republicana, do ano de 1934, que previa a competência da Corte
Suprema para julgar as causas, inclusive em mandado de segurança, decididas por juízes e
tribunais federais (art. 76, nº 2, II, alíneas “a”, “b” e “c” da CR/1934). Registre-se, também,
que foi por ocasião dessa ordem constitucional que surgiu a expressão recurso
extraordinário (art. 76, III).
A Carta outorgada de 1937, sob o pálio do regime ditatorial, eliminou do
sistema constitucional o instituto do mandado de segurança, mas manteve o recurso
ordinário para as demandas em que houvesse interesse da União e das decisões de última
ou única instância denegatórias de habeas corpus (art. 101, II, 2, “a” e “b”).
Na Constituição Federal de 1946 o recurso ordinário era admitido para
julgar, entre outros, os mandados de segurança e os habeas corpus decididos em última
instância pelos tribunais locais ou federais, quando denegatória a decisão (art. 101, II, “a”).
Observa-se, pois, que em 1946 foi revigorado o instituto do recurso ordinário em mandado
de segurança.
O recurso ordinário, na Carta de 1967, foi disciplinado de maneira
semelhante à Constituição da República de 1946, notadamente no que alude aos mandados
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de segurança e habeas corpus decididos em única ou última instância pelos tribunais locais
ou federais, quando a decisão fosse denegatória (art. 114, II, “a”, “b” e “c”).
Ocorre, porém, que, por ocasião do advento do Ato Institucional nº 6 e da
Emenda nº 1, ambas de 1969, foi extirpado, uma vez mais, o instituto do recurso ordinário
contra decisão denegatória de mandado de segurança.
Em 5 de outubro de 1988, com a restauração do Estado Democrático de
Direito a nova ordem constitucional trouxe significativas modificações no Poder Judiciário,
entre as quais, merece relevo a criação do Superior Tribunal de Justiça o qual passou a
absorver parcela considerável da competência até então afeta ao Supremo Tribunal Federal.
Assim, o recurso ordinário continuou a ter previsão na Constituição da República de 1988,
e o instituto do recurso ordinário em mandado de segurança, por sua vez, ressurgiu para o
Supremo Tribunal Federal (artigo 102, inciso II, “a”), e, bem assim, entre as competências
recursais afetas ao Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, inciso II, “b”).
É de fácil inferência que essa modalidade recursal, que tem seu nascimento e
subsistência no texto constitucional, é, antes e acima de tudo, um meio voluntário de
impugnação de decisões judiciais.
1.1.2
Legislação Infraconstitucional
Segundo se podia observar do Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de
11/1/1973), antes da vigência da atual Constituição Federal, eram cabíveis os recursos de
apelação, agravo de instrumento, embargos infringentes, embargos de declaração e recurso
extraordinário (art. 496). No Capítulo VI, que cuidava “Dos Recursos Para o Supremo
Tribunal Federal”, verifica-se que havia previsão para a apelação cível, para o agravo de
instrumento, para o recurso extraordinário e, bem assim, para os embargos de divergência
(respectivamente, arts. 539, 541 e parágrafo único do art. 546).
Nota-se que a despeito de a EC nº 1 de 1969 prever o recurso ordinário (art.
119, II), o Código de Processo Civil o nominava como apelação cível para o Supremo
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Tribunal Federal, o qual, embora com designação distinta, se tratava do próprio recurso
ordinário constitucional1.
Com a nova ordem constitucional de 1988, se fazia mister uma adequação
da legislação infraconstitucional ao sistema criado para o Poder Judiciário. Assim, em 28
de maio de 1990, veio a lume a Lei nº 8.038, a qual instituiu normas procedimentais para os
processos no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal.
Essa norma legal, em seu artigo 44, revogou, de modo explícito, os artigos
541 a 546 do Código de Processo Civil, que disciplinava o recurso extraordinário e os
embargos de divergência. Por força do mesmo diploma legal, pode-se afirmar que os
dispositivos processuais que tratavam da apelação cível e do agravo de instrumento para o
Supremo Tribunal Federal, também deixaram de existir.
Assim, a Lei nº 8.038/90, também chamada Lei dos Recursos, disciplinou os
recursos extraordinário e especial e os embargos de divergência (arts. 26 a 29), os recursos
ordinários em habeas corpus e mandado de segurança dirigidos para o Superior Tribunal de
Justiça (arts. 30 a 35). Dispôs, ainda, acerca da apelação cível e do agravo de instrumento
provenientes de decisão de primeiro grau, a qual caberia o Superior Tribunal de Justiça
julgar as causas em que fossem partes de um lado, Estado estrangeiro ou organismo
internacional e, de outro, município ou pessoa domiciliada ou residente no País.
Do cotejo entre a Lei nº 8.038/90 e a Constituição da República (art. 102),
observou-se que o legislador infraconstitucional acabou por omitir e, por conseguinte,
desprezar o recurso ordinário em habeas data e em mandado de injunção. De igual forma,
denota-se que não restou considerada a interposição de recurso ordinário para o Supremo
Tribunal Federal, quando denegatória a decisão proferida pelos Tribunais Superiores, no
julgamento do habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de
injunção. Outra imperfeição do diploma legal foi designar a competência do Superior
Tribunal de Justiça para o julgamento de apelação cível, ou seja, atribuiu nova
nomenclatura ao recurso ordinário constitucional, em nítida desarmonia com o preceito
inserido na Constituição Federal2.
VECHIATO JÚNIOR, Walter. Tratado dos Recursos Cíveis. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 425.
No mesmo sentido: MOREIRA, José Carlos Barbosa . Comentários ao Código de Processo Civil. 11a ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 567 e DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo
Civil. 2a ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 190.
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Em dezembro de 1994, entretanto, sobreveio a Lei nº 8.950, a qual, ao
reintroduzir no Código de Processo Civil as regras até então disciplinadas pela Lei dos
Recursos. De igual maneira, a Lei nº 8.950/94, cuidou de eliminar as pechas da Lei n.
8.038/90, exaustivamente criticadas.
Atualmente a estrutura do Código de Processo Civil, no Capítulo VI, do
Título X, encontra-se de acordo com a redação dada pela Lei nº 8.950/94.
1.1.3
Espécies de Recurso Ordinário Constitucional
O recurso ordinário constitucional é uma modalidade de recurso dirigida ao
Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, nas hipóteses disciplinadas no
artigo 102, inciso II e 105, inciso II e reproduzidas no artigo 539, incisos I e II, do Código
de Processo Civil.
Consoante preleciona Aderbal Torres de Amorim, à luz do texto
constitucional, “(...) ordinário é o recurso interponível para o Supremo Tribunal Federal ou
para o Superior Tribunal de Justiça, por três diferentes formas. Nessa medida, a espécie
constitucional do recurso transmuta-se em gênero, ou subgênero; daí as três subespécies:
(a) recurso ordinário para o STF, na improcedência de algumas ações julgadas em instância
única em tribunais superiores (Constituição, art. 102, inc. II, alínea ‘a’); (b) recurso
ordinário para o STJ de certos acórdãos de tribunais regionais federais e tribunais estaduais
aí julgados originariamente, se improcedente a ação (Constituição, art. 105, inc. II, alínea
‘b’), ou também em última instância, se denegado o ‘habeas corpus’ (idem, idem, alínea
‘a’); (c) recurso com idêntica denominação para o STJ de decisões interlocutórias e
sentenças prolatadas por juiz federal nas causa em que forem partes, de um lado, Município
ou pessoa residente ou domiciliada no país, e, de outro, Estado estrangeiro ou organismo
internacional (Constituição, art. 105, inc. II, alínea ‘c’). Neste último caso, procedente ou
improcedente a ação3.
AMORIM, Aderbal Torres de, Recursos Cíveis Ordinários.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.
194.
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Dos artigos 102, inciso II e 105, inciso II, da Constituição Federal, observase que no julgamento do recurso ordinário a ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal e
pelo Superior Tribunal de Justiça, há necessidade de que a decisão da qual originou o
recurso ordinário tenha sido proferida em única instância. A dicção “única instância” traduz
a idéia de que se trata de causa de competência originária dos correspectivos Tribunais
Superiores, quando o recurso for dirigido para o Supremo Tribunal Federal ou tribunais
regionais federais, de justiça estaduais e juízes federais de primeiro grau, se se tratar de
recurso ordinário de competência do Superior Tribunal de Justiça4.
No que alude a expressão “decisão denegatória”, conquanto seja tema a ser
oportunamente apreciado de modo mais detido, não há olvidar que deve ser enfocado do
modo mais amplo possível, a abranger, também, as decisões que extinguem o processo sem
apreciação do mérito.
Nesse contexto, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar o recurso
ordinário, quando os Tribunais Superiores, entendidos como o Superior Tribunal de Justiça,
o Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral e o Superior Tribunal
Militar, no exercício da competência originária afeta a cada um, denegam o habeas corpus,
o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º prevê, expressamente, as hipóteses
de cabimento do habeas corpus (inciso LXVIII), do mandado de segurança (inciso LXIX),
do habeas data (inciso LXXII) e do mandado de injunção (inciso LXXI).
Observa-se, contudo, que, entre os Tribunais Superiores, somente o Superior
Tribunal de Justiça possui a competência originária, constitucionalmente prevista, para
processar e julgar o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado
de injunção (art. 105, I, letras “b”, “c” e “h”).
No que concerne ao Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal
Militar, a própria Constituição da República consignou que cabe à lei dispor sobre a
competência originária desses Tribunais Superiores (art. 111, § 3º e 124, parágrafo único).
Em relação ao Tribunal Superior Eleitoral, a despeito de considerar
expressamente recorríveis as decisões denegatórias de habeas corpus e mandado de
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MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ob. cit. p. 569.
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segurança (art. 121, § 3º), a bem da verdade, se insere neste rol as decisões denegatórias de
habeas data e de mandado de injunção.
Infere-se, assim, que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar o recurso
ordinário em habeas corpus, o recurso ordinário em mandado de segurança, o recurso
ordinário em habeas data e o recurso ordinário em mandado de injunção, quando o
Superior Tribunal de Justiça, ou o Tribunal Superior do Trabalho, ou o Tribunal Superior
Eleitoral ou, ainda, o Superior Tribunal Militar, no exercício de suas respectivas
competências originária, proferem decisão denegatória nos remédios constitucionais
nominados anteriormente.
A competência para o Superior Tribunal de Justiça julgar o recurso
ordinário, por sua vez, se apresenta quando os Tribunais Regionais Federais ou os tribunais
dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, julgam, originariamente, o habeas corpus,
em última ou única instância e denegam a pretensão deduzida no writ. Igualmente, se
denegado o mandado de segurança julgado em única instância pelos Tribunais Regionais
Federais ou os tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, terá cabimento o
recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça.
Outra hipótese em que se verifica a competência recursal ordinária do
Superior Tribunal de Justiça é a que brota do julgamento do juiz federal de primeiro grau
nas causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado,
e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no país (art. 105, II, letra “c”, c.c.
o art. 109, II, ambos da CR). Nota-se que a Constituição da República prevê uma exceção à
regra processual de que contra sentença proferida por juiz de primeiro grau o recurso
cabível é o de apelação5.
Verificadas as espécies constitucionais de recurso ordinário, merece registrar
que a Lei nº 8.950/94, ao revigorar o artigo 539, notadamente o inciso II, letra “a”, do
Código de Processo Civil, desprezou a circunstância de que o habeas corpus não se
circunscreve ao processo penal, mas abarca, também, o direito processual civil quando se
questiona a legalidade de prisão de depositário infiel ou aquela decorrente da falta de
SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. 3ª ed. São Paulo: Saraiva,
2004, p. 575.
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pagamento de pensão alimentícia6. Seja como for, essa falha não é óbice para a
interposição, no Superior Tribunal de Justiça, de recurso ordinário em habeas corpus.
1.1.4
Terminologia
Conforme ressaltado, a designação constitucional de “recurso ordinário” e
“recurso extraordinário” passou a ser utilizada por ocasião do advento da Constituição da
República de 1934.
Colhe-se da atual Carta da República, bem como do próprio Código de
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Processo Civil , a subsistência da divisão estabelecida entre o recurso ordinário e o recurso
extraordinário.
A respeito da classificação dessas modalidades recursais, sustenta Flávio
Cheim Jorge que os recursos extraordinários tem como pressuposto a tutela do direito
objetivo, razão pela qual são tidos por recurso de estrito direito, pois têm em mira examinar
se a norma restou adequadamente aplicada ao caso concreto. Essa circunstância repercute
em um juízo de admissibilidade diferenciado, de modo a impor uma série de condições
específicas para a admissão do recurso. Sob esse enfoque, se inserem no rol dos recursos
considerados extraordinários ou excepcionais o recurso extraordinário, o recurso especial e
os embargos de divergência.
Por outro lado, entende o processualista que os recursos ordinários visam a
proteger imediatamente o direito subjetivo dos recorrentes, sendo que a correta aplicação da
lei somente é visualizada mediatamente. Assim, para o cabimento do recurso ordinário se
mostra suficiente a alegação de injustiça, bem como é permitida a revisão do conjunto
fático-probatório existente nos autos. Como exemplo dos recursos ordinários, são
lembrados o recurso de apelação, o de agravo, os embargos de declaração, os embargos
infringentes e o ordinário constitucional8.
VECHIATO JÚNIOR, Walter. Ob. Cit. p. 426; e, ROENICK, Hermann Homem de Carvalho. Recursos no
Código de Processo Civil e na Lei dos Juizados Especiais Cíveis. Rio de Janeiro: Aide, 2003, p. 164.
7
Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não
mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
8
JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2003, ps. 18/19.
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Essa classificação, entretanto, tem sido questionada quando o Ministério
Público, ao atuar como custos legis o faz na proteção de direito objetivo, isto é, na hipótese
de o Parquet interpor apelação - que está inserida na categoria dos recursos ordinários – na
condição de fiscal da lei9. Outra crítica consiste na impossibilidade de inserção dos
embargos declaratórios, do agravo interno e do agravo de despacho denegatório dos
recursos especial e extraordinário, na categoria dos recursos ordinários ou mesmo dos
extraordinários. Em verdade, os embargos de declaração podem ser opostos tanto contra a
sentença de primeiro grau, como de decisão monocrática ou de acórdão que julga recurso
especial ou extraordinário. Nessa linha de raciocínio, não haveria como qualifica-lo
restritivamente como recurso extraordinário ou recurso ordinário. O agravo interno, de
igual forma, pode ser interposto tanto nos tribunais de segundo grau como no Tribunal
Superior. Mais uma imprecisão verificada consiste no fato de que o agravo, para a corrente
doutrinária acima, é tido como recurso ordinário. Ocorre, porém, que o agravo de despacho
denegatório busca a admissão de recurso especial e recurso extraordinário (art. 544 do
CPC)10.
Em linhas gerais, a par das críticas acerca dos critérios de classificação dos
recursos, pode-se afirmar que os ordinários carregam uma carga de ampla devolutividade,
ao contrário do que ocorre com os recursos extraordinários. Aliás, Celso Agrícola Barbi, ao
reproduzir o magistério de Seabra Fagundes, também seguido por Frederico Marques e
Alcides Mendonça Lima, destaca que entre os critérios utilizados para distingüir o recurso
ordinário do extraordinário, merece relevo aquele que considera “ordinário o recurso em
que o reexame da causa é feito em todos os seus aspectos de fato e de direito. Enquanto
isto, no recurso extraordinário, o reexame é de aspectos especiais, v. g., as questões
atinentes à Constituição e às leis e tratados federais, inclusive as atinentes à disparidade de
interpretação (Dos recursos ordinários em matéria civil, cit., p. 12, n. 9)11.
9
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ob. cit. ps. 254/256, SOUZA, Bernardo Pimentel. Ob. cit. p. 265.
SOUZA, Bernardo Pimentel. Ob. cit. ps. 266/267.
11
BARBI, Celso Agrícola. O Recurso ordinário em mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça,
in Recursos no Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 224.
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1.2 Mandado de Segurança.
1.2.1 Noções Gerais
O mandado de segurança, como remédio constitucional que é, tem em mira
eliminar ou prevenir que atos de autoridade pública, dotados de ilegalidade ou abuso de
poder, tenham a força de afrontar direito liquido e certo de seu titular.
A Constituição Federal determina que: “conceder-se-à mandado de
segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por `habeas corpus` ou
`habeas data`, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade
pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público” (art. 5o,
LXIX).
No âmbito infraconstitucional, a norma que regula o predito instrumento
constitucional nasceu sob a égide da Constituição da República de 1946 e se preservou em
todas as Constituições posteriores, inclusive na atual Carta da República de 1988. Trata-se
da Lei nº 1.533/51 que, complementada com as Leis nºs 4.348/64 e 5.021/66 e legislações
esparsas, estabelece as diretrizes para a defesa contra os atos ilegais emanados do Poder
Público.
A ação mandamental, segundo a concepção inserta na Constituição da
República, pode ser aforada de modo individual ou coletivo. Assim, pois, poderão compor
o pólo passivo da demanda a pessoa física ou jurídica, órgão publico ou universalidade
legal12, partido político com representação no Congresso Nacional, bem como organização
sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há
pelo menos um ano, em defesa do interesse de seus membros ou associados (art. 5o, LXX)
De acordo com sua natureza processual, o mandado de segurança é
considerado ação civil de rito sumário especial13, razão por que o impetrante, ao buscar a
tutela mandamental, deve demonstrar, de plano, por meio de prova documental e de
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de
injunção, “hábeas data”. 16a ed. Atualizada por Arnoldo Wald. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 19.
13
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. p. 23.
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maneira inequívoca, que o ato da autoridade apontada como coatora se reveste de
ilegalidade ou abuso de poder.
Assim, por ocasião da impetração, ou seja, apresentada a petição inicial, o
pleito deverá estar instruído com as provas documentais necessárias à demonstração da
ilegalidade e abusividade do ato praticado pela autoridade pública. Por certo não se admite
que as eivas aflorem no decorrer do procedimento, sob pena de negar a celeridade e
agilidade que natura o mandado de segurança.
Nessa ordem de idéias é que se pode afirmar que o direito líquido e certo
está a traduzir como condição de admissibilidade da ação mandamental, de maneira que,
afastada a sua existência, a extinção do writ é conseqüência natural.
Considerado o direito líquido e certo como condição da ação de mandado de
segurança, não se deve esquecer que existem situações em que a aferição da ausência da
pretensão mandamental poderá se mostrar após exauridas as etapas do mandado de
segurança. Assim, considere-se a hipótese em que o juiz, em sede de cognição sumária,
reconheça a presença do direito invocado e conceda a liminar. Entretanto, após todo o
transcurso do procedimento do writ, isto é, em momento posterior à vinda das informações
e à manifestação do Ministério Público, verifique, em cognição exauriente, não existir o
reclamado direito líquido e certo. Essa situação, pois, redundará, no julgamento do
mandado de segurança sem exame do mérito. Acerca dessa peculiaridade, averba, com sua
habitual clareza, Lúcia Valle Figueiredo:
“É importante assinalar: o direito líquido e certo aparece em duas fases
distintas no mandado de segurança. Aparece, inicialmente, como condição
da ação. É o direito líquido e certo, ao lado das demais condições da ação,
requisito de admissibilidade de mandado de segurança.
Em conseqüência, o próprio conceito de direito líquido e certo incide duas
vezes. Incide de início no controle do juiz. Quando se apresenta a inicial,
impende ao juiz verificar se há – como diz o Professor Sérgio Ferraz –
plausibilidade da existência de direito líquido e certo.
O problema que se coloca, a seguir, é de como aparece o direito líquido e
certo no final do mandado de segurança. É dizer, instruído o mandado de
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segurança, se ao juiz se apresentou o direito como líquido e certo
inicialmente, mesmo assim poderá, a final, o juiz dizer que inexiste tal
direito.
Nessa oportunidade, abrem-se duas opções: é possível, com a vinda das
informações, a verificação, pelo juiz, de que o direito, apresentado
inicialmente como indene de controvérsias, não o é, por não ter o impetrante
exposto todo o contexto factual.
Em outro falar: não foram apresentados os fatos como efetivamente
acontecidos. De conseguinte, o que parecera ao juiz extremamente plausível
de existir, a lume da prova carreada aos autos, pode-se aferir que inexiste.
É necessário deixar clara a existência de dois momentos processuais
diferentes. No primeiro momento, há plausibilidade da existência do direito
líquido e certo; no segundo momento, de cognição completa do mandado de
segurança – portanto, na hora da sentença -, é possível a ocorrência de duas
hipóteses. Primeiro, a inexistência daquela plausibilidade que parecera
presente ao juiz. Neste caso, teremos a extinção sem julgamento de mérito;
ou é possível, ainda, que a hipótese descrita na inicial não leve
necessariamente àquela conclusão, Portanto, não há, pelo mérito,
possibilidade de aquele impetrante vir a ser beneficiado pela concessão da
ordem”14.
O prazo para impugnar, por meio de mandado de segurança, o ato inquinado
de ilegal, a teor do que dispõe o artigo 18 da Lei nº 1.533/51, é de 120 (cento e vinte) dias,
contados do momento em que o interessado teve ciência da ilegalidade praticada.
Arredada a discussão doutrinária acerca da constitucionalidade do lapso
temporal para a impetração do mandado de segurança, tendo em vista o teor da Súmula nº
632 do Supremo Tribunal Federal15, não se deve perder de enfoque que, se transcorrido o
prazo de 120 (cento e vinte) dias, o direito material não ficará desguarnecido, uma vez que
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Mandado de Segurança. 5a ed. São Paulo: Malheiros, 2004, ps. 21/22.
Súmula n. 632 do STF: “É constitucional a lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de
mandado de segurança”.
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o seu titular poderá buscar a tutela jurisdicional por intermédio de outra ação que não a
mandamental.
Tema de suma importância no mandado de segurança e que merece realce
diz respeito à figura da autoridade coatora.
Autoridade coatora é aquela que está intimamente ligada à uma ação ou
inação, cujo reflexo de seu proceder afronta a esfera de um direito protegido pelo
ordenamento. No dizer de Cássio Scarpinella Bueno “autoridade coatora, pois, é a pessoa
que ordena a prática concreta ou a abstenção impugnáveis. Não quem fixa diretrizes
genéricas para produção dos atos individuais. Tampouco o mero executor material do ato,
que apenas cumpre as ordens que lhe são dadas. A autoridade coatora deve ter competência
para o desfazimento do ato. Trata-se, pois, de verificar quem tem função decisória ou
deliberatória sobre o ato impugnado no mandado de segurança e não, meramente, função
executória”16.
A visualização do ato coator e, por conseguinte, da figura da autoridade
coatora, irá repercutir no juízo competente para processar e julgar o mandado de segurança.
Essa competência é revelada pela Constituição da República, com base na qualificação
hierárquica da autoridade coatora.
Assim, focado na Justiça Federal, notadamente em primeira instância, temos
que cabe aos juízes federais processar e julgar “os mandados de segurança e os habeas data
contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais
federais” (art. 109, VIII, CF).
No âmbito dos Tribunais Regionais Federais, a competência para processar e
julgar, originariamente, os mandados de segurança se dá quando o ato emanar do próprio
Tribunal ou de juiz federal (art. 108, I, c, da CF).
Nos Estados, a organização da Justiça Estadual, à evidência, deverá guardar
sintonia com os princípios estabelecidos na Constituição da República e, vinculados a essa
regra, “a competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de
organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça” (art. 125, § 1o, da CF).
BUENO, Cássio Scapinella. Mandado de Segurança. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2004, ps. 20/21. Confira-se,
também, em sentido semelhante: FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Ob. cit. p. 55; e, MEIRELLES. Hely Lopes.
Ob. cit. p. 45.
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Dentro desse contexto, se extrai da Constituição do Estado de São Paulo que
cabe ao Tribunal de Justiça, processar e julgar, originariamente, os mandados de segurança
impetrados contra atos do Governador do Estado, da Mesa e da Presidência da Assembléia,
do próprio Tribunal ou de alguns de seus membros, dos Presidentes dos Tribunais de
Contas do Estado e do Município de São Paulo, do Procurador-Geral de Justiça, do Prefeito
e do Presidente da Câmara Municipal da Capital de São Paulo (art. 74, III, da Constituição
Estadual). Semelhante disposição constitucional colhe-se do artigo 46, inciso VIII, letra
“g”, da Constituição do Estado de Goiás.
Em relação aos magistrados de primeiro grau do Estado de São Paulo, ficará
a cargo dos juízes da Fazenda Pública processar e julgar o mandado de segurança
apresentado contra as demais autoridades do Estado de São Paulo e dos Municípios que o
compõem (cf. DL Complementar n. 3/69 e Lei n. 6.166/88)17.
No que diz respeito à competência originária do Superior Tribunal de
Justiça, para processar e julgar as ações mandamentais, o ato tido por ilegal ou abusivo
deverá emanar dos Ministros de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica ou do próprio Tribunal (cf. art. 105, I, b, da CF).
Por derradeiro, ao Supremo Tribunal Federal, cabe, originariamente,
processar e julgar o mandado de segurança quando o ato ilegal for atribuído ao Presidente
da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de
Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal
Federal (cf. art. 102, I, d, da CF).
A título de mera lembrança, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, do
ano de 1979, já previa a competência privativa e originária dos Tribunais para julgar os
mandados de segurança contra seus próprios atos, bem como dos seus respectivos
Presidentes e os de suas Câmaras, Turmas ou Seções (art. 21, VI, da LC 35/79).
Como se observou, a Constituição da República, ao abrigar o remédio
constitucional do mandado de segurança, também estabelece a competência originária dos
tribunais em que ele deverá ser processado e julgado, levando em conta o critério da
competência hierárquica.
17
8
BUENO, Cássio Scarpinella. Ob. cit. ps. 42/43.
14
1.3 Recurso Ordinário em Mandado de Segurança.
1.3.1 Requisito de admissibilidade.
Consoante já evidenciado, o recurso ordinário em mandado de segurança,
está inserido no bojo das subespécies de recurso ordinário constitucional, trazidas com a
nova ordem constitucional de 1988 e, bem assim, no rol da competência recursal afeta ao
Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.
Segundo estabelece o artigo 540 do Código de Processo Civil, aplica-se ao
recurso ordinário em mandado de segurança, quanto aos requisitos de admissibilidade, os
ditames insertos nos “Capítulos II e III deste Título”, os quais disciplinam a apelação e o
agravo.
O cabimento do recurso ordinário em mandado segurança, tanto para o
Supremo Tribunal Federal, como para o Superior Tribunal de Justiça, pressupõe a
existência de “decisão denegatória” da impetração.
O termo genérico “decisão” há de ser entendido como “acórdão”
proveniente de Tribunal Superior ou de tribunal de segundo grau, pois não é admissível a
interposição para o tribunal ad quem se não foram esgotados os recursos no tribunal a quo.
Assim, impetrado o mandado de segurança originário, o relator, por meio de
decisão singular, entende por indeferir liminarmente a impetração, não cabe a imediata
interposição do recurso ordinário em mandado de segurança. Deverá o impetrante, antes de
recorrer para o órgão ad quem, interpor agravo regimental ou interno, no próprio tribunal,
contra a decisão que indeferiu liminarmente o mandado de segurança. Caso o regimento
interno do tribunal a quo não preveja o cabimento do agravo regimental nessa hipótese,
deverá o impetrante se valer da aplicação analógica do artigo 39 da Lei nº 8.038/90 (Lei dos
Recursos)18, consoante, aliás, precedente do Superior Tribunal de Justiça19.
18
Lei n. 8.038/90, art. 39: “Da decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma ou de relator que
causar gravame à parte, caberá agravo para o órgão especial, Seção ou Turma, conforme o caso, no prazo de
cinco dias”.
8
15
Nessa linha de raciocínio, se for improvido o agravo interno no tribunal a
quo e, por conseguinte, referendada pelo colegiado a decisão singular do relator que
indeferiu liminarmente o mandado de segurança, caberá, desse acórdão, a interposição do
recurso ordinário em mandado de segurança.
Definido que, para a interposição do recurso ordinário em mandado de
segurança, a locução “decisão” tem sentido de acórdão, cabe examinar a extensão do termo
“denegatória”, que se extrai do disposto na Constituição Federal e no Código de Processo
Civil.
Acerca desse tema o jovem processualista Bernardo Pimentel Souza, ao
tratar do recurso ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de Justiça,
perlustra que “a expressão ‘quando denegatória a decisão’, inserta na alínea ‘b’ do inciso II
do artigo 105 da Constituição Federal e na letra ‘a’do inciso II do artigo 539 do Código de
Processo Civil deve ser interpretada em sentido amplo, abarcando o acórdão denegatório da
ordem após o julgamento do mérito do writ, bem como o aresto extintivo do processo de
segurança sem julgamento do mérito. (...) Em suma, à luz do direito brasileiro é possível
concluir que a cláusula ‘denegatória a decisão’ alcança tanto o julgado de improcedência
como a extinção do processo de segurança sem julgamento do mérito. Portanto, todo
acórdão não concessivo da segurança pleiteada originariamente em tribunal regional federal
ou em tribunal local deve ser considerado denegatório, com o cabimento do recurso
ordinário para o Superior Tribunal de Justiça20.
Observa-se, assim, que a locução “denegatória a decisão”, possui uma
amplitude que abrange os acórdãos que apreciam o mérito da segurança, bem como aqueles
que, sem examinar o meritum causae, extinguem o processo.
Na linha dessa ampla extensão do termo “decisão denegatória”, observa-se
que o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que a concessão parcial da segurança
pelo tribunal regional federal ou pelo tribunal local, também revela o cabimento de recurso
ordinário em mandado de segurança, tendo em conta que é uma forma de não conceder o
mandado de segurança em sua plenitude, ou seja, se traduz numa denegação parcial. O
acórdão condutor desse modo de pensar, nessa parte, está assim redigido:
19
20
8
Ag RG no Ag 476.218-SP, Relator Ministro Luiz Fux, 1a Turma, DJ de 02/06/2003.
SOUZA, Bernardo Pimentel. Ob. cit. ps. 578 e 580.
16
“A denegação de parte do pedido impõe o reexame da causa em sede de
recurso ordinário, sem submissão ao juízo de admissibilidade, ínsito ao
recurso especial. E não se justifica outra exegese diante da magnitude do
‘Remédio Heróico’, ação posta à disposição do cidadão pela Carta Magna,
para a defesa dos seus direitos líquidos e certos contra ato de autoridade”21
A corroborar com a posição jurisprudencial, pontifica Humberto Gomes de
Barros que em face do acórdão que conceder parcialmente a segurança, o recurso ordinário
terá cabimento na parte do julgado que reflete a denegação parcial. Por sua vez, ao ente
estatal caberá interpor recurso especial ou extraordinário (se o mandado de segurança for
julgado no STJ) da parte que conceder a ordem22.
Percebe-se que a sucumbência recíproca autoriza a interposição de duas
modalidades de recurso, ou seja, o recurso ordinário em mandado de segurança da parte que
denegar o mandado de segurança e recurso especial ou extraordinário contra a concessão da
segurança.
Definidas algumas peculiaridades específicas que circundam o cabimento do
recurso ordinário em mandado de segurança, denota-se que de acordo com o que estabelece
o artigo 508 do Código de Processo Civil, o prazo para interpor e responder o predito
recurso é de 15 (quinze) dias.
É sabido que, em linhas gerais, na hipótese em que são vencidos autor e réu
poderá ser interposto recurso adesivo (art. 500 do CPC). Entretanto, no caso do recurso
ordinário em mandado de segurança, essa regra não tem aplicação, tendo em vista se tratar
de recurso dirigido precipuamente ao impetrante23. Esse tema, todavia, será apreciado de
21
RMS n. 3.826-AC, Relator Ministro Peçanha Martins, 2a Turma, DJ de 27/06/94. No mesmo sentido,
confira-se, ainda, RMS n. 13.787-RS, Relator Ministro Franciulli Netto, 2a Turma, DJ de 31/05/2004; e, RMS
n. 17.650-GO, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 5a Turma, DJ de 11/04/2005.
22
BARROS, Humberto Gomes. Recursos Cíves Ordinários e Regimentais, no Superior Tribunal de Justiça,
in Doutrina – Superior Tribunal de Justiça/Edição Comemorativa – 15 anos. Brasília: Superior Tribunal de
Justiça, 2005, p. 439.
23
Em sentido contrário, Cândido Rangel Dinamarco assevera que o recurso ordinário, “como verdadeira
apelação que é, em seus objetivos, em seus efeitos e em sua disciplina legal , esse recurso comporta
interposição segundo as normas do recurso adesivo, ditadas no art. 500 do Código de Processo Civil”.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Ob. cit. p. 193.
8
17
modo mais detido quando forem traçadas as diferenças entre o recurso ordinário em
mandado de segurança e a apelação.
O tribunal que originariamente denegar o mandado de segurança é que
definirá a competência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.
Infere-se daí que o recurso ordinário em mandado de segurança brota da competência
originária dos Tribunais Superiores ou dos tribunais regionais federais ou locais, de
maneira que o acórdão denegatório de mandado de segurança que advém de competência
recursal de tribunal, não desafia recurso ordinário.
Outra exigência relativa a apelação, que se aplica ao recurso ordinário em
mandado de segurança, é a regra do artigo 514 e incisos, do Código de Processo Civil,
segundo a qual o recurso deverá ser apresentado em petição escrita, com a devida
qualificação das partes, bem como os fundamentos de fato e de direito e o pedido de nova
decisão.
1.3.2 Procedimento no Tribunal “a quo”.
Do cotejo entre os artigos 540 do Código de Processo Civil com o artigo 247
do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, verifica-se que o recurso ordinário
em mandado de segurança, orienta-se, no tribunal de origem, pelas mesmas regras
orientadoras da apelação, sobretudo no que se refere ao duplo juízo de admissibilidade.
Assim, pois, caberá ao tribunal que decidiu originariamente o mandado de
segurança, realizar o primeiro exame acerca da admissibilidade do recurso ordinário.
Por conseguinte, compete ao presidente ou vice-presidente do Tribunal
Superior ou tribunal regional federal ou tribunal estadual/distrital aferir previamente se
estão presentes os requisitos ou pressupostos genéricos e específicos de admissibilidade do
recurso. Nessa oportunidade, por se tratar de recurso colocado à disposição do impetrante, o
tribunal a quo irá verificar sua condição de sucumbente, bem como se o acórdão denegou a
pretensão mandamental.
8
18
Acerca da feitura do juízo de admissibilidade pelo tribunal que julgou o
mandado de segurança, vem a calhar o magistério de Humberto Theodoro Júnior:
Caberá ao Presidente do Tribunal a quo receber o recurso ordinário, mas
não fará exame do cabimento da impugnativa com os detalhes exigidos pelo
recurso especial ou extraordinário, onde a admissibilidade excepcional do
recurso quase sempre reclama análise do mérito do acórdão recorrido, em
face dos próprios limites traçados pelos arts. 102, nº III e 105, nº III, da C.
Federal.
No recurso ordinário, o exame é apenas exterior e se limitará à comprovação
da qualidade de vencido do recorrente, o caráter denegatório do julgado, a
tempestividade e demais exigências procedimentais”24.
É cediço, ainda, que o juízo de admissibilidade efetivado pelo tribunal local,
se positivo, não tem a virtude de vincular o tribunal destinatário do exame do recurso
ordinário em mandado de segurança. Aliás, nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça
decidiu, quando o Tribunal Estadual recebeu recurso especial como recurso ordinário em
mandado de segurança e admitiu esse recurso, a fim de que fosse examinada pela Corte
Superior a pretensão recursal deduzida. Na oportunidade, ficou consignado que “a decisão
proferida junto ao Tribunal a quo recebendo o recurso especial como ordinário não vincula
esta Corte Superior”25.
De outra banda, se obstada a caminhada do recurso ordinário em mandado
de segurança, tendo em vista o Tribunal a quo ter observado a ausência de requisito para
sua admissibilidade, caberá à parte recorrente interpor agravo regimental para o próprio
Tribunal local, a fim de buscar a reforma do decisum. Essa matéria será apreciada em
seguida, tendo em vista o objetivo de demonstrar, de maneira mais percuciente, que a
posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça merece melhor reflexão.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, in Livro de Estudos
Jurídicos. vol. 5. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1991, p. 94.
25
RMS n. 7.647-RJ, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 16/02/98.
24
8
19
1.3.3 Efeitos.
Superada a primeira etapa referente ao exame de admissibilidade do recurso
ordinário, cumpre perquirir acerca do efeito em que deverá ser recebido.
Em vista do caráter expedito do mandado de segurança, bem como de sua
eficácia imediata, não há espaço para admitir que o recurso seja recebido nos efeitos
devolutivo e suspensivo. Deverá o recurso ordinário, no entanto, ser recebido somente no
efeito devolutivo, da mesma forma que o parágrafo único do artigo 12 determina o
recebimento da apelação em mandado de segurança.
Não se desconhece, contudo, que há respeitáveis entendimentos no sentido
de que o recurso ordinário deverá ser recebido em ambos os efeitos26. Ocorre, porém, que
não se deve esquecer que o Superior Tribunal de Justiça ao decidir essa questão, se
posicionou no sentido de que “o recurso ordinário, consoante definição da legislação de
regência, deve ser recebido no efeito meramente devolutivo”27.
Na mesma linha desse precedente, doutrina Bernardo Pimentel Souza:
“(...) convém relembrar que o recurso ordinário em mandado de segurança
não produz efeito suspensivo. Segundo a tradição do nosso direito, as
decisões proferidas em mandado de segurança são de eficácia imediata,
conforme revela o parágrafo único do artigo 12 da Lei nº 1.533, de 1951. a
propósito, vale a pena conferir o verbete n. 405 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal: ‘Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no
julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida,
retroagindo os efeitos da decisão contrária’”28.
26
De acordo com Cássio Scarpinella Bueno, “como não existe qualquer regra em sentido contrário, os
recursos ordinários serão processados com os mesmos efeitos que a apelação (devolutivo e suspensivo),
aplicando-se a eles, portanto, as considerações do título seguinte. Como só se pode falar em recurso ordinário
quando denegatória a decisão, é correto o entendimento de que esse recurso sempre tem o efeito devolutivo e
o suspensivo. Prevalece, para ele, à falta de lei específica em sentido contrário, a regra do ‘duplo efeito’,
consoante o art. 520, caput, do Código de Processo Civil”. BUENO, Cássio Scarpinella. Ob. cit. p. 119.
27
MC n. 859, Relator Ministro Demócrito Reinaldo, 1a Turma, DJ de 18/12/98.
28
SOUZA, Bernardo Pimentel. Ob. cit. p. 587.
8
20
Com a mesma ênfase, Lúcia Valle Figueiredo sustenta que o efeito
devolutivo é o inerente à sentença proferida em mandado de segurança. Assegura, ainda,
que “como se pode verificar, qualquer sentido há para que a sentença proferida em
mandado de segurança tenha efeito suspensivo. O efeito devolutivo é-lhe inerente. A lei
não poderá, para situações peculiares, ao sabor das conveniências do momento, modificar o
sentido da presteza da garantia constitucional. Caso haja fundado receio de grave lesão à
saúde, à segurança ou à ordem públicas, o remédio que se apresentará é a suspensão da
sentença pelo presidente do tribunal ad quem, se presentes os pressupostos legais, (...)”29.
Observa-se, ainda, que Hely Lopes Meirelles, em sua clássica obra acerca do
mandado de segurança, elucida que “o efeito dos recursos em mandado de segurança é
somente o devolutivo, porque o suspensivo seria contrário ao caráter urgente e autoexecutório da decisão mandamental”30.
1.3.4 Recurso cabível contra decisão que não admite o recurso ordinário em mandado de
segurança.
Conforme já registrado, prevalece no Superior Tribunal de Justiça o
entendimento segundo o qual da decisão proferida pelo presidente ou pelo vice-presidente
da Corte a quo, que obsta a subida do recurso ordinário em mandado de segurança, cabe a
interposição de agravo regimental ou agravo interno.
A Corte Superior afasta, desde logo, o agravo de despacho denegatório dos
recursos excepcionais, disciplinado no artigo 544 do Código de Processo Civil, uma vez
que esse preceito processual somente tem aplicação para o caso de inadmissão do recurso
extraordinário e especial.
29
30
8
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Ob. cit. ps. 231/232.
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. p. 74.
21
Com o fito de melhor visualizar essa assertiva, se faz oportuno trazer
precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
“AGRAVO
REGIMENTAL
EM
AGRAVO
DE
INSTRUMENTO
CONTRA DECISÃO INDEFERITÓRIA DE PROCESSAMENTO DE
RECURSO
ORDINÁRIO
EM
MANDADO
DE
SEGURANÇA.
INCABIMENTO.
1. O agravo de instrumento de competência desta Corte Superior de Justiça
é aquele interposto contra a inadmissão de recurso especial ou, ainda, das
decisões interlocutórias nas causas em que forem partes, de um lado, Estado
estrangeiro ou organismo internacional e, de outro, município ou pessoa
domiciliada ou residente no País, sendo manifestamente incabível a sua
interposição contra decisão do Presidente do tribunal a quo indeferitória de
recurso ordinário em mandado de segurança.
2. Agravo regimental improvido”31.
“PROCESSO CIVIL. SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. AGRAVO
DE
INSTRUMENTO
INTEMPESTIVO
SEGURANÇA.
CONTRA
RECURSO
NÃO
DESPACHO
ORDINÁRIO
CONHECIMENTO.
EM
AG.
QUE
JULGOU
MANDADO
DE
REGIMENTAL.
IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA.
1. O agravo de instrumento insrito no art. 544 do Código de Processo Civil,
não configura o meio processual adequado para se reexaminar decisão
proferida em Recurso Ordinário em Mandado de Segurança julgado
intempestivo. Cabível, nestas hipóteses, o chamado agravo regimental ou
interno, submetendo a decisão que decretou a deserção e obstou, com isso,
eventual subida do recurso, ao crivo do Colegiado de origem.
2. Precedente (Ag. Reg. Ag. N. 367.105-SP).
3. Agravo regimental conhecido, porém, desprovido”32.
31
8
Ag Reg no Ag n. 715.151-MT, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, 5a Turma, DJ de 06/03/2006
22
De acordo com a jurisprudência que prevalece no Superior Tribunal de
Justiça, obstada a subida do recurso ordinário, o recorrente deverá se valer do agravo
regimental ou agravo interno contra a decisão do presidente ou vice-presidente que
inadmitiu o recurso ordinário. Se porventura for mantida a decisão pela turma julgadora do
tribunal a quo, caberá ao impetrante/recorrente, se for o caso, interpor recurso especial do
acórdão que confirmou a decisão atacada. Por outro lado, em princípio, há que se admitir ao
impetrado/recorrido o direito de interpor recurso especial do julgado, proferido no agravo
interno, que reformar a decisão que inadmitiu o recurso ordinário.
Ao que parece, a posição jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça
acerca do recurso cabível contra a decisão que não admite recurso ordinário desnatura o
próprio recurso ordinário, o qual, por brotar de mandado de segurança, deveria ser tratado
com a mesma urgência que o remédio constitucional, ainda mais para confirmar, ou não, a
decisão que obsta que o tribunal destinatário do recurso ordinário possa examiná-lo. Além
do mais, não se deve esquecer que a Corte Superior de Justiça é quem deve realizar o juízo
definitivo de admissibilidade do recurso ordinário.
Conclui-se que o agravo interno ou regimental não ostenta a característica
do recurso cabível para dar caminhada ao recurso ordinário inadmitido.
De qualquer forma, merece ser prestigiado o entendimento no sentido de que
o agravo do artigo 544 do Código Processo Civil não é o meio idôneo para atacar a decisão
que obsta o recurso ordinário. Ocorre, porém, que não se pode desprezar que o Código de
Processo Civil, em seu artigo 540, é explícito ao determinar que para o recurso ordinário,
deve ser aplicada a regra para a apelação, notadamente quanto aos requisitos de
admissibilidade e ao procedimento no tribunal de origem.
Assim sendo, há de prevalecer o agravo de instrumento do artigo 522 e
seguintes do Código de Processo Civil, para o Superior Tribunal de Justiça, como meio
para impugnar a decisão do presidente ou vice-presidente que inadmitir recurso ordinário.
32
8
Ag Reg no Ag n. 388.317-SP, Relator Ministro Jorge Scatezzini, 5a Turma, DJ de 20/05/2002.
23
1.3.5 Procedimento no tribunal “ad quem”.
Efetivado o juízo positivo de admissibilidade, deverá o recurso ordinário ser
remetido para o tribunal destinatário, que poderá ser o Supremo Tribunal Federal, se a
decisão denegatório sobrevier de Tribunal Superior (STJ, TST, TSE e STM), ou o Superior
Tribunal de Justiça se o mandado de segurança for denegado por tribunal regional federal
ou tribunal estadual/distrital.
De acordo com o artigo 540 do Código de Processo Civil, com a chegada do
recurso ordinário em mandado de segurança na Corte excepcional competente, o
procedimento a ser seguido é aquele disposto no respectivo regimento interno.
No caso do Superior Tribunal de Justiça, consoante dicção do artigo 64,
inciso III, combinado com o artigo 248, ambos de seu Regimento Interno, deverão os autos
ser encaminhados ao Subprocurador-Geral da República, o qual terá vista dos autos pelo
prazo de 5 (cinco) dias. Ao depois deverá ser concluso ao relator, o qual verificará se é o
caso de proferir decisão monocrática, à luz do que preceitua o artigo 557 do Código de
Processo Civil.
Arredada a hipótese de decisão solitária do relator, deverá ser pedido dia
para julgamento do recurso ordinário em mandado de segurança pela turma julgadora
competente (art. 9o do RISTJ), nos termos do artigo 13, inciso II, letra “b”, do Regimento
Interno do Superior Tribunal de Justiça.
Da leitura do artigo 551 do Código de Processo Civil, infere-se que o
recurso ordinário em mandado de segurança não necessita que os autos sejam conclusos ao
revisor.
No julgamento do recurso ordinário em mandado de segurança poderão ser
examinadas todas as questões de fato e de direito, podendo ser, por conseqüência, analisado
o conjunto probatório, apreciada matéria envolvendo direito local e, bem assim, de cunho
constitucional. Não se exige o requisito do prequestionamento para essa modalidade
recursal.
8
24
O artigo 515, §§ 1o e 2o, do Código de Processo Civil, aplica-se ao recurso
ordinário em mandado de segurança
Da decisão de mérito.não unânime proferida em recurso ordinário pelo
Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, a qual reformar o acórdão do
tribunal de origem, não cabem os embargos infringentes (cf. art. 530 do CPC).
O recurso ordinário em mandado de segurança não dá ensejo à interposição
de embargos de divergência, nem se presta para demonstrar desarmonia jurisprudencial,
pois essa modalidade recursal serve para eliminar discrepância de julgamento proferido em
recurso especial e extraordinário.
1.3.6
Não incidência da fungibilidade recursal.
Sabem-no todos que, ao contrário do Código de Processo Civil de 1939 (art.
810), o atual sistema processual civil não contempla, de modo explícito, o instituto da
fungibilidade dos recursos.
A fungibilidade recursal consiste na admissão de um recurso por outro,
quando verificada uma situação de ambigüidade ou dúvida razoável, ou seja, o recorrente
acaba por ser conduzido a interpor inadequadamente um recurso por outro que,
efetivamente, o seria o correto.
Prevalece, no entanto, que a dúvida objetiva sobre qual o recurso cabível, ao
lado da inexistência de erro grosseiro, são os elementos autorizadores à aplicação do
princípio da fungibilidade recursal.
A dúvida objetiva traduz a idéia de incerteza sobre qual é o recurso idôneo
para impugnar determinado pronunciamento judicial. Exemplo típico da dúvida ou
incerteza que pode pairar consiste em responder qual o recurso cabível - agravo ou apelação
-, no caso de indeferimento liminar da reconvenção. No particular, denota-se que falta
consenso tanto na jurisprudência, como na doutrina, razão pela qual não se mostra razoável
o recorrente ser penalizado com o não conhecimento do recurso, se apresentar apelação
quando o correto seria agravo.
8
25
O erro grosseiro, por seu turno, está ligado à idéia de não se conceber que o
recorrente interponha um recurso pelo outro, quando o recurso correto se encontra indicado
no texto legal de forma expressa.
Na trilha dessa despretensiosa visão geral acerca do princípio da
fungibilidade recursal, é de elementar inferência que o recurso ordinário em mandado de
segurança, dada sua previsão constitucional, bem como as disposições constantes no
Código de Processo Civil, não tolera ser substituído por outro recurso, pois sua hipótese de
cabimento encontra-se explicitamente regrado nos referidos diplomas normativos.
A propósito, vem a calhar a Súmula n. 272 do Supremo Tribunal Federal,
que dispõe: “Não se admite como recurso ordinário recurso extraordinário de decisão
denegatória de mandado de segurança”.
O Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha de entendimento, assim se
decidiu:
“PROESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE
SEGURANÇA. DECISÃO DENEGATÓRIA. RECURSO CABÍVEL.
ERRO
GROSSEIRO.
PRINCÍPIO
DA
FUNGIBILIDADE.
INAPLICAÇÃO.
O recurso cabível de decisão denegatória de mandado de segurança,
proferida em única instância por Tribunal Regional Federal, é o ordinário,
configurando erro grosseiro a interposição em seu lugar, de recurso especial,
de sorte a afastar a possibilidade de aplicar-se o princípio da fungibilidade
recursal.
Agravo a que se nega provimento. Decisão por unanimidade”33.
Nessa vereda, ante a clareza do texto constitucional, reproduzida na norma
infraconstitucional, não se cogita de qualquer incerteza acerca do cabimento do recurso
ordinário em mandado de segurança, de maneira que não há espaço para contemplar a
aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
33
8
Ag. Reg. n. 70.714-PR, Relator Ministro Demócrito Reinaldo, 1a Turma, DJ de 18/12/95.
26
Esse raciocínio deve ser aplicado, também, à apelação, a qual, conquanto
guarde algumas semelhanças com o recurso ordinário em mandado de segurança, é certo
que não possui estatura constitucional e suas hipóteses de cabimento estão definidas de
forma clara e precisa.
2. APELAÇÃO
2.1 Noções Gerais
No rol estabelecido no artigo 496 do Código de Processo Civil, a apelação
se insere em seu primeiro inciso. Essa posição geográfica no ordenamento processual, bem
demonstra que entre as modalidades recursais, a apelação é o recurso ordinário por
excelência no processo civil brasileiro34.
O recurso de apelação tem por objeto toda e qualquer sentença, ou seja,
tanto a que julga o processo sem exame do mérito (art. 267 – CPC), como a que decide a
causa com apreciação do mérito (art. 269 – CPC) e, bem assim, em qualquer tipo de
processo, isto é, de conhecimento, cautelar, de execução. Da mesma forma caberá apelação
contra sentença proferida em sede de jurisdição voluntária ou contenciosa.
O objeto da apelação, encontra-se regrado no artigo 162 do Código de
Processo Civil, ao dispor que “sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo,
decidindo ou não o mérito da causa”(§ 1o). Essa disposição processual, como bem adverte
Barbosa Moreira, deve ser entendido como o ato pelo qual o juiz põe fim ao procedimento
de primeiro grau, decidindo ou não o mérito da causa35.
34
35
8
NERY JUNIOR, Nelson. Ob. cit., p. 433.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ob. cit., p. 413.
27
Não se pode perder de enfoque, porém, que existem situações em que a
regra segundo a qual da sentença caberá apelação, comporta exceção.
No que se refere ao recurso ordinário constitucional, por exemplo, da
sentença proferida pelo juiz federal de primeiro grau, nas causas em que têm como partes
Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, município ou
pessoa residente ou domiciliada no País, não cabe apelação, mais sim recurso ordinário em
causas internacionais (cf. art. 105, II, “c”, c.c. art. 109, II, da CR).
Entre outras hipóteses de exceção à regra de que da sentença decorre o
recurso de apelação, vem à baila a limitação à atividade recursal prevista no artigo 34 da
Lei n. 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal). Esse dispositivo estabelece que das sentenças de
primeira instância, proferidas em execução, cujo valor não ultrapasse a 50 ORTNs serão
admitidos embargos infringentes e de declaração, os quais deverão ser apresentados para o
mesmo juízo que proferiu a sentença.
De qualquer modo, prepondera a regra segundo a sentença terminativa ou
definitiva, desafia recurso de apelação.
Verifica-se, ainda, que entre as várias regras inerentes à apelação, a previsão
contida no artigo 515 do Código de Processo Civil tem a virtude de se espraiar para todo o
sistema recursal, notadamente no que se refere à questão do efeito devolutivo. Aliás, a
apelação é o recurso que permite ampla atividade cognitiva para o órgão julgador, a
prevalecer seu efeito devolutivo.
O prazo para interposição e resposta da apelação é de 15 (quinze) dias,
sendo permitido, no caso, a apelação adesiva (art. 500 – CPC).
A propositura da apelação poderá ser efetivada pela parte vencida, por
terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, nas causas em que atuou como parte, bem
como nas que funcionou como fiscal da lei (art. 499 – CPC).
A petição inicial deverá conter nome e qualificação das partes (recorrente e
recorrido) e, bem assim, os fundamentos de fato e de direito que autorizam a interposição
do apelo. No que toca o pedido de nova decisão, caberá ao recorrente postular a reforma do
julgado, quando se tratar de error in judicando ou a anulação do acórdão quando
evidenciada a hipótese de error in procedendo (cf. art. 514 e incisos, do CPC).
8
28
Merece ser registrada a regra inserta no artigo 296 do Código de Processo
Civil, a qual confere ao magistrado a possibilidade de se retratar quando indefere
liminarmente a petição inicial. Na hipótese de não ser reformado o decisum e, por
conseqüência, mantida a sentença de indeferiu de plano a petição inicial, serão os autos
encaminhados imediatamente para o tribunal destinatário do apelo.
Seguindo o curso natural, no momento da interposição da apelação, a parte
recorrente deverá demonstrar, de maneira inequívoca, o pagamento do respectivo preparo,
sob pena de não ter seu recurso conhecido. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça, por
decisão de sua Corte Especial consignou que o preparo efetivado após a interposição do
recurso, ainda que este esteja dentro do prazo, configura deserção36.
Ao examinar o artigo 518 do Código de Processo Civil, colhe-se que o
magistrado prolator da sentença, após a interposição da apelação, declara os efeitos que o
recurso será recebido e determina que se dê vista à parte contrária para, querendo,
apresentar resposta. Nessa primeira oportunidade é realizado um juízo prévio de
admissibilidade pelo juiz de primeiro grau. Transcorrido o prazo para as contra-razões, o
magistrado poderá realizar novo juízo de admissibilidade, independente de ter sido, ou não,
apresentada resposta ao recurso de apelação. Harmônico com esse raciocínio, anota
Bernardo Pimentel Souza que “apresentadas as contra-razões, o juiz a quo reexamina se os
pressupostos recursais da apelação estão efetivamente satisfeitos. Aliás, é possível afirmar
que o juiz de primeiro grau pode reapreciar os requisitos de admissibilidade até mesmo
quando o apelado não apresenta resposta ao recurso. Portanto, oferecidas as contra-razões,
ou não, há o reexame do juízo de admissibilidade do apelo pelo juiz a quo. Realmente,
constatando o não-preenchimento de algum dos pressupostos recursais, o juiz de primeiro
grau não admite a apelação anteriormente recebida. Tal decisão também pode ser
impugnada por meio de agravo de instrumento, já que se encaixa na hipótese prevista na
última parte do § 4º do artigo 523. A possibilidade de o juiz a quo reexaminar de ofício a
observância dos requisitos de admissibilidade encontra explicação no princípio da
economia processual, pois nada justifica a remessa dos autos ao tribunal ad quem para
julgamento da apelação que nem sequer cumpre requisito de admissibilidade. Além disso,
36
8
Resp n. 135.612-DF, Relator p/ acórdão Ministro Garcia Vieira, DJ de 29/06/98.
29
os pressupostos recursais configuram matéria de ordem pública, o que explica a permissão
da iniciativa oficial”37.
Ainda sobre o artigo 518 do Código de Processo Civil, observa-se que a Lei
n. 11.276, de 07 de fevereiro de 2006, a partir de maio do corrente ano, insere dois
parágrafos ao dispositivo em comento, bem como lhe confere nova redação. Trata-se da
determinação legal no sentido de que o recurso de apelação nem sequer deverá ser recebido
quando a sentença proferida estiver em sintonia com súmula do Superior Tribunal de
Justiça ou do Supremo Tribunal Federal (§ 1º) e reafirma a possibilidade de o magistrado
prolator da sentença reexaminar os pressupostos de admissibilidade da apelação, após a
resposta, fixando, para tanto, o prazo de 5 (cinco) dias (§ 2º).
Cumpre consignar, também, que em relação aos efeitos da apelação,
segundo dicção do caput do artigo 520 do Código de Processo Civil, a regra é do duplo
efeito (devolutivo e suspensivo). Os incisos I a VII, por outro lado, especificam as situações
pelas quais o efeito deverá ser meramente devolutivo, tendo em vista a circunstância de o
apelo originar de sentença que homologa a divisão ou a demarcação, condena à prestação
de alimentos, julga liquidação de sentença, decide o processo cautelar, rejeita liminarmente
embargos à execução ou julga-os improcedentes, julga procedente o pedido de instituição
de arbitragem e, por fim, confirma a antecipação dos efeitos da tutela.
Considerada a hipótese de admissão do apelo, os autos deverão ser
remetidos para o tribunal de segundo grau, o qual seguirá os ditames dos artigos 547 e
seguintes do Código de Processo Civil. Assim, efetivada a distribuição, deverão os autos
ser conclusos ao relator, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas. O relator, após
examinar a pretensão recursal, poderá decidir monocraticamente, valendo-se da regra
autorizadora do artigo 557. Caso não seja possível a aplicação do mencionado dispositivo
processual, deverá restituir à secretaria com seu “visto” e, também, uma exposição dos
pontos relevantes e controvertidos do recurso. Não cuidando a hipótese de procedimento
sumário, de ação prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 198, III, Lei nº
8.069/90), ou de tema referente à execução fiscal (art. 35 da Lei nº 6.830/80), entre outras,
cabe ao relator determinar a remessa dos autos ao seu revisor.
37
8
SOUZA, Bernardo Pimentel. Ob. cit. p. 295.
30
Efetivado o pedido de dia e devidamente publicada a pauta de julgamento,
dentro do prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a apelação será julgada por decisão tomada
pelo voto de 3 (três) magistrados (art. 555, caput, do CPC). A turma julgadora deve, por
primeiro, reapreciar os requisitos de admissibilidade, para somente após penetrar no exame
do mérito. Findo o julgamento, o presidente anunciará o resultado do julgamento e
designará o relator ou o magistrado vencedor, conforme o caso, para redigir o acórdão.
2.2 Apelação em Mandado de Segurança
Em linhas gerais, a breve exposição acerca das generalidades que circundam
a apelação também se aplica à apelação que brota do mandado de segurança. Assim, a
sentença desde a sentença que rejeita liminarmente o mandado de segurança, até a que
extingue a ação mandamental com ou sem exame do mérito, cabe recurso de apelação (cf.
arts. 8º e 12 da Lei nº 1.533/51).
Merece realce, entretanto, a peculiaridade prevista no parágrafo único do
artigo 12 da Lei n. 1.533/51, o qual prevê a sujeição ao duplo grau de jurisdição da sentença
concessiva da segurança.
A esse respeito, pondera Cássio Scarpinella Bueno que:
“Diferentemente do que se dá para o reexame necessário do sistema
codificado (CPC, art. 475), a aplicabilidade do instituto no mandado de
segurança independe da natureza pública do réu. Como cabe mandado de
segurança para impugnar ilegalidades ou abusos de poder derivados do
exercício de ‘função pública’ eventualmente exercidas por particulares (Lei
n. 1.533/51, art. 1º e §1º), a concessão da ordem nesses casos também estará
sujeita ao reexame. O art. 12, parágrafo único, da Lei nº 1.533/51 não
distingue as hipóteses, exigindo, apenas, o dado objetivo do acolhimento da
pretensão do impetrante”38.
38
8
BUENO, Cássio Scarpinella. Ob. cit. p. 132.
31
Outro ponto de suma importância em relação ao mandado de segurança que
dá origem ao recurso de apelação, se refere ao regramento constante na Constituição da
República acerca da competência originária, para os magistrados de primeiro grau, no
tocante ao processo e julgamento da ação mandamental.
A despeito de ter sido assinalado anteriormente, vale a pena rememorar que
aos juízes federais de primeira instância, compete processar e julgar “os mandados de
segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de
competência dos tribunais federais” (art. 109, VIII, CF).
Em relação à Justiça Estadual foi apresentada a situação do Estado de São
Paulo, o qual, em observância ao artigo 125, § 1o, da Carta da República, estabelece em sua
Constituição Estadual que cabe ao Tribunal de Justiça, processar e julgar, originariamente,
os mandados de segurança impetrados contra atos do Governador do Estado, da Mesa e da
Presidência da Assembléia, do próprio Tribunal ou de alguns de seus membros, dos
Presidentes dos Tribunais de Contas do Estado e do Município de São Paulo, do
Procurador-Geral de Justiça, do Prefeito e do Presidente da Câmara Municipal da Capital
de São Paulo (art. 74, III, da Constituição Estadual). Em primeiro grau, fica a cargo dos
juízes da Fazenda Pública processar e julgar o mandado de segurança apresentado contra as
demais autoridades do Estado de São Paulo e dos Municípios que o compõem, de acordo
com o Decreto-lei Complementar nº 3/69 e Lei n. 6.166/88.
Em se tratando de competência originária previamente estabelecida na
Constituição da República aos juízes de primeira instância, há que se perquirir sobre as
objeções ao exame do mérito da apelação, pelo tribunal destinatário, quando a sentença
julgar extinta a ação mandamental sem apreciação de seu mérito e a causa estiver
devidamente madura para ser decidida. Em outras palavras, deverá ser investigado se o
artigo 515 e seus §§, que se insere no bojo do capítulo da apelação, pode incidir na
apelação em mandado de segurança.
Essa questão será dirimida em conjunto com o exame a ser realizado com o
recurso ordinário em mandado de segurança.
8
32
2.3 Apelação e Recurso Ordinário em Mandado de Segurança
Afinado com a autorização constitucional para interposição do recurso
ordinário em mandado de segurança, o Código de Processo Civil, nos artigos 539 e
seguintes, estabelece que os juízos de origem deverão observar, no que alude aos requisitos
de admissibilidade e ao procedimento, o disposto no capítulo referente à apelação e ao
agravo (art. 540). Na segunda parte do artigo 540 do Código de Processo Civil, está
previsto que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça deverá dispor acerca do procedimento do recurso ordinário em mandado de
segurança.
Por sua vez, o art. 247 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça
prevê: “Aplicam-se ao recurso ordinário em mandado de segurança, quanto aos requisitos
de admissibilidade e ao procedimento no Tribunal recorrido, as regras do Código de
Processo Civil relativas à apelação”.
Desprezada a discussão acerca da possibilidade ou não de o regimento
interno legislar sobre regras processuais, face ao que dispõe o artigo 22, inciso I, da
Constituição da República, cabe traçar as dessemelhanças que norteiam o recurso de
apelação e o recurso ordinário em mandado de segurança.
Das diferenças dessas modalidades de recurso, merece relevo a circunstância
de que ambas as hipóteses, antes e acima de tudo, são espécies recursais autônomas.
Enquanto o recurso ordinário em mandado de segurança tem seu cabimento previsto
expressamente na Constituição da República, a apelação decorre da inserção dentro do
sistema processual civil brasileiro.
A apelação se origina de sentença emanada de juiz de primeiro grau, ao
passo que o recurso em mandado de segurança nasce de acórdão oriundo de Tribunal
Superior, Tribunal Regional Federal ou Tribunal Estadual/Distrital.
Do julgado no recurso em mandado de segurança não há previsão para a
interposição de embargos infringentes. Por outro lado, no que toca à apelação é possível a
interposição dos referidos embargos quando observadas as hipóteses de cabimento inseridas
no bojo do art. 530 do Código de Processo Civil.
8
33
O recurso ordinário, por originar de mandado de segurança, necessita de
exame prévio do Ministério Público Federal para que, somente após cumprida essa
exigência, seja levado o feito a julgamento (RISTJ – art. 248). De outra banda, carece o
Código de Processo Civil de regra específica sobre a necessidade de vista do Ministério
Público em toda e qualquer apelação.
Em relação à apelação, conforme já se anotou, há previsão expressa no
sentido da presença de um de revisor no julgamento desse recurso (art. 551 – CPC). O
recurso ordinário em mandado de segurança, ao contrário, não se submete à essa exigência
legal.
Outra diferença, que foi objeto de consideração preliminar anterior, diz
respeito à impossibilidade de interposição de recurso ordinário em mandado de segurança
adesivo.
No que se refere à apelação, sua interposição poderá se dar de modo
independente ou subordinado. Aliás, sobre esse tema elucida Bernardo Pimentel Souza,
com sua habitual proficiência, que a vedação brota do seguinte raciocínio:
“É que geralmente o recurso ordinário é cabível contra acórdão de conteúdo
negativo. Para facilitar a compreensão do problema, basta imaginar a
seguinte hipótese: diante de parcial concessão da segurança pela corte local,
a pessoa jurídica de direito público interpõe recurso extraordinário para o
Supremo Tribunal federal, impugnando o capítulo do julgado que concedeu
a segurança com esteio em dispositivo da Constituição Federal. Se fosse
possível a interposição de recurso ordinário adesivo, tendo como alvo o
capítulo denegatório da segurança originária, não haveria como cumprir a
regra inserta no parágrafo único do artigo 500”39.
Observa-se, ainda, que de acordo com a regra prevista na primeira parte do
artigo 520 do Código de Processo Civil, a apelação será recebida nos efeitos devolutivo e
39
8
SOUZA, Bernardo Pimentel. Ob. cit., p. 565.
34
suspensivo. O recurso ordinário, no entanto, consoante já foi consignado, deve ser recebido
somente no efeito devolutivo.
Sopesadas as diferenças que caracterizam as duas modalidades de recurso,
cabe ponderar acerca de suas similitudes.
A primeira semelhança diz respeito ao prazo de 15 dias para interpor e
responder ambos os recursos (art. 508 do CPC).
Da mesma forma, consoante anotado, para a apelação e para o recurso
ordinário, o Tribunal de origem deve observar os mesmos requisitos para aferição da
admissibilidade e do procedimento. A propósito, outra peculiaridade caracterizadora da
semelhança entre os referidos recursos diz respeito à necessidade de se submeterem ao
duplo juízo de admissibilidade, ou seja, após devidamente processados, passarão pelo crivo
da instância de origem e, positivada a admissão, será reexaminada a presença dos requisitos
que autorizam o conhecimento da pretensão recursal pela Corte competente para julgá-los.
Em ambas as espécies recursais, o relator está autorizado a decidir, de modo
solitário, se reconhecer que o recurso é manifestamente inadmissível, improcedente,
prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência do respectivo tribunal, do
Supremo Tribunal Federal, ou de tribunal superior, nos exatos termos do artigo 557 do
Código de Processo Civil.
Em se tratando do âmbito da devolução do exame dos temas debatidos na
demanda, na esteira do que dispõe o artigo 515, caput e §§ 1o e 2o, do Código de Processo
Civil, se pode afirmar que os recursos ordinário em mandado de segurança e de apelação
são detentores de devolutividade ampla. Assim, em relação ao recurso ordinário em
mandado de segurança, aplica-se o magistério de que “a apelação é recurso de
devolutividade ampla, como já dito. Importa isso dizer que, na apelação, pode a parte
impugnar a decisão judicial, argüindo-lhe qualquer defeito que entenda existente. O
tribunal ao examinar este recurso ficará adstrito à matéria impugnada (art. 515, caput, do
CPC), devendo decidir o recurso apenas nos limites do pedido vazados nas suas razões.
Dentro dos limites do pedido, porém, a devolução das questões relativas a este pedido é
ampla, como informam os §§ 1o e 2o do art. 515 do CPC”40.
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 528.
40
8
35
Como é de elementar inferência, quanto às matérias de ordem pública, em
ambos os recursos aplica-se a regra segundo a qual o tribunal competente não fica limitado
aos termos das razões recursais, pois está autorizado a reconhecer, de ofício, as matérias
elencadas no artigo 267, § 3o, do Código de Processo Civil. No particular, impera o
denominado efeito translativo que afasta a incidência chamado efeito devolutivo restrito
(arts. 460 e 128, ambos do CPC).
Para rematar, mister se faz advertir que os pontos convergentes e divergentes
apresentados não exaurem as peculiaridades caracterizadoras da apelação e do recurso em
mandado de segurança. O rol apresentado, todavia, tem por escopo alertar para a
circunstância de que antes e acima de tudo, se tratam de espécies recursais que gozam de
autonomia própria.
2.4 Aspectos Relevantes da Inovação Trazida pelo Artigo 515, 3o, do CPC
Indubitavelmente, com o advento da Lei 10.352, de 26/12/2001, o recurso de
apelação sofreu uma das mais significativas mudanças trazidas pela onda de reformas do
Código de Processo Civil, que se iniciou na década de 90.
Cuida-se da introdução de mais um parágrafo ao art. 515 do Código de
Processo Civil, o qual determina ao Tribunal que conheça o mérito da causa, na hipótese
em que o juiz de primeiro grau haja proferido sentença terminativa e, ainda, que o julgado
não tenha examinado os argumentos expendidos pelo autor ou pelo réu.
Essa possibilidade, consoante rememora Estevão Mallet41., já foi
disciplinada no “Codigo do Processo do Estado da Bahia”, em seu art. 1.290, da seguinte
forma, verbis:
MALLET, Estevão. Reforma de Sentença Terminativa e julgamento imediato do Mérito (Lei 10.352), in
Aspectos polêmicos e atuais dos Recursos Cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. vol.
7. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 185.
41
8
36
“Art. 1.290. Tendo o juiz de primeira instancia deixado, por qualquer
motivo, de julgar a causa de meritis, a turma ou juiz da appellação, si entender que isto não
obsta que se conheça do pedido, julgará a causa definitivamente”42
A par dessa peculiaridade, não custa lembrar que o artigo 515 e seus §§
situa-se no Título X (Dos Recursos), Capítulo II (Da Apelação), do Código de Processo
Civil. Conforme se pode verificar, é regra que orienta o julgamento da apelação, ou seja,
cuida-se de norma processual dirigida aos tribunais, órgãos de segunda instância, a quem é
dado julgar a apelação.
Notadamente no que se refere ao § 3o do art. 515, dispõe o Código de
Processo Civil que “nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267),
o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito
e estiver em condições de imediato julgamento”.
Quando ainda na fase embrionária, a justificativa da inserção do referido
dispositivo processual ficou assim registrada na Mensagem n. 1.110/00 do Projeto de Lei n.
3.474, de 2000: “Art. 515. Cuida-se de sugestão que valoriza os princípios da
instrumentalidade e da efetividade do processo, permitindo-se ao tribunal o julgamento
imediato do mérito, naqueles casos em que o juiz não o tenha apreciado mas, sendo a
questão exclusivamente de direito, a causa já esteja em condições de ser inteiramente
solucionada. Anota-se que o duplo grau de jurisdição não é imposição constitucional.
Consoante Carreira Alvim, ‘como o processo não é um fim em si mesmo, mas um meio
destinado a um fim, não deve ir além dos limites necessários à sua finalidade. Muitas
matérias já se encontram pacificadas no tribunal – como, por exemplo, na Justiça Federal e
na dos Estados, as questões relativas a expurgos inflacionários – mas muitos juízes de
primeiro grau, em lugar de decidirem de vez a causa, extinguem o processo sem julgamento
do mérito, o que obriga o tribunal a anular a sentença, devolvendo os autos à origem para
que seja julgada no mérito. Tais feitos, estão, muitas vezes, devidamente instruídos,
comportando julgamento antecipado da lide (art. 330, CPC), mas o julgador, por apego às
ESPÍNOLA, Eduardo. Codigo do Processo do Estado da Bahia Annotado. vol. 2º. Bahia: Typ. Bahiana, de
Cincinnato Melchiades,1916, p. 441.
42
8
37
formas, se esquece de que o mérito da causa constitui a razão primeira e última do próprio
processo”43.
Da exposição de motivos acima, percebe-se, também, que o novel comando
normativo está ligado à idéia de celeridade e economia processual.
À evidência que atrelado aos ideais que ensejaram o mencionado parágrafo
está a necessidade de observância do contraditório, seja em benefício da segurança das
partes, seja em respeito ao devido processo legal. Sobre essa premissa, vem a calhar o
escólio de Eduardo Cambi:
“(...) o tribunal estará em condições para julgar imediatamente uma questão
exclusivamente de direito somente quando o fato for incontroverso. No
entanto, nenhum fato se torna incontroverso antes de ser dada oportunidade
para a parte exercer seu direito de defesa. Por exemplo, tendo o juiz de
primeiro grau indeferido liminarmente a petição inicial (art. 267, inc. I,
CPC), em razão da ilegitimidade de parte (art. 295, inc. II, CPC), não pode o
Tribunal, afastada a carência da ação, julgar o mérito porque o réu, nem teve
oportunidade de integrar a relação jurídica processual. Logo, nesse momento
processual, o fato ainda não era incontroverso, devendo o Tribunal anular a
sentença, para permitir que o processo prossiga o seu curso normal, com a
citação do demandado. Conseqüentemente, a observância do contraditório,
em primeiro grau de jurisdição, é uma condição absolutamente indispensável
para que o Tribunal possa julgar o meritum causae”44.
Com o mesmo raciocínio, acentua Estevão Mallet:
“A possibilidade de imediato exame do mérito, em caso de acolhimento do
recurso interposto contra sentença terminativa, acha-se respaldada na idéia
de obtenção de maior rendimento na atividade jurisdicional. É desejável,
43
Diário da Câmara dos Deputados. Agosto de 2000, p. 44.552.
CAMBI, Eduardo. Mudando os Rumos da Apelação: Comentário sobre a inclusão, pela Lei 10.352/2001,
do § 3º ao art. 515 do CPC, in Aspectos Polêmicos Atuais dos Recursos e de outros meios de impugnações às
decisões judiciais, vol. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 184.
44
8
38
desde que não comprometam as garantias fundamentais dos litigantes, que o
processo ofereça o máximo possível de rendimento, com menor custo e
dispêndio de tempo, em respeito ao princípio da economia processual. É
igualmente desejável que, na medida do possível e respeitadas as condições
pertinentes, leve o processo à decisão de mérito, resolvendo em definitivo o
conflito existente entre os litigantes, finalidade principal da atividade
jurisdicional legal 45.
Um ponto controvertido que brotou com a inserção do § 3º ao artigo 515 do
Código de Processo Civil, consiste na aparente colisão do referido dispositivo com o
princípio do duplo grau de jurisdição.
Nunca é demais lembrar que o duplo grau, como garantia, foi disciplinado
somente por ocasião da vigência da Constituição do Império de 182446.
Ocorre, contudo, que a despeito da falta de previsão expressa nas
constituições que sobrevieram a Carta Imperial de 1824, não há olvidar que a essência do
duplo grau de jurisdição parte do princípio segundo o qual existem tribunais, para
exercerem, além da competência originária, a competência recursal que deriva do exercício
do direito de recorrer.
Esse direito de recorrer, a bem da verdade, não é absoluto, de modo que
pode sofrer limitações. Exemplo típico da mencionada restrição encontra-se no artigo 34 da
Lei n. 6.830/80, o qual prevê que das sentenças de primeira instância, proferidas em
execução, cujo valor não ultrapasse a 50 ORTNs serão admitidos embargos infringentes e
de declaração, os quais deverão ser apresentados para o mesmo juízo que proferiu a
sentença. Ora, se está disposto no Código de Processo Civil que da sentença proferida com
base no artigo 267 ou no artigo 269, caberá apelação (art. 513), denota-se que o artigo 34 da
45
MALLET, Estevão. Ob. cit. p. 187.
Constituição Política do Império do Brazil de 1824: “Art. 158. Para julgar as Causas em segunda, e ultima
instancia haverá nas Provincias do Imperio as Relações, que forem necessarias para commodidade dos Povos”
(cf. www.presidencia.gov.br). Em sentido semelhante, confira-se JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do
Processo Civil na Constituição Federal. 8ª edição. Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 211; ALVIM,
Eduardo Arruda. “Anotações sobre o novo § 3o, do art. 515, do Código de Processo Civil”, in, Linhas
Mestras do Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2004, p. 191.
46
8
39
Lei n. 6.830/80, deixa evidente que não é toda a sentença que será reexaminada pelo juízo
de segundo grau.
Dessa linha de raciocínio observa-se que a submissão do reexame da
sentença ao duplo grau de jurisdição somente não poderia ser mitigado se tivesse sido
elevado, pela atual Constituição da República, à categoria de garantia constitucional, ou
seja, houvesse previsão expressa de que toda a sentença deveria ser reexaminada pelo
tribunal competente, após interposto o recurso de apelação.
Com a percuciência de hábito, Luiz Rodrigues Wambier e Tereza Arruda
Alvim Wambier, concluem com a inserção do duplo grau de jurisdição à categoria de
princípio constitucional e, da mesma maneira, afastam uma pretensa inconstitucionalidade
do art. 515, § 3o, do Código de Processo Civil, quando, nas hipóteses previstas nesse
dispositivo, é suprimido da parte o direito ao duplo grau de jurisdição47.
Sem desprezar a discussão em torno do duplo grau de jurisdição, a reflexão
sobre a incidência do disposto no § 3o do art. 515 do CPC, deve ser focada à luz da
competência originária do tribunal destinatário da apelação. Dentro desse contexto, ensina
de Nelson Nery Júnior que:
“O problema do duplo grau de jurisdição é respeitante única e
exclusivamente à recorribilidade da sentença, ato que encerra o processo
segundo o direito brasileiro vigente (CPC 162 § 1º, 267, 269 e 513).
Algumas questões que se tem levantado sobre o duplo grau não pertencem à
discussão sobre a incidência ou não do princípio. O exemplo mais comum é
o da apelação de sentença de extinção do processo sem julgamento do
mérito, que, quando provida pelo tribunal ad quem, sofre julgamento pelo
mérito sem que o juiz de primeiro grau houvesse decidido o fundo do litígio.
O que ocorre nesse caso, em verdade, é a discussão sobre a competência do
órgão judicante para conhecer e julgar esta ou aquela questão ou causa.
Nada tem a ver com o duplo grau de jurisdição” 48,.
WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER Teresa Arruda Alvim. Breves Comentários à 2a fase da
Reforma do Código de Processo Civil”. 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002, p. 141.
48
NERY JUNIOR, Nelson. Ob. cit. ps. 45/46.
.
47
8
40
Jorge Tosta, como a mesma ênfase, também adverte:
“A questão, portanto, deve ser analisada não sob o enfoque do princípio do
duplo grau de jurisdição, mas sim da competência do juízo ad quem para
reconhecer e julgar a questão de fundo, mesmo quando o juízo a quo não o
tenha feito”49
Acerca desse entendimento, Luiz Rodrigues Wambier e Tereza Arruda
Alvim Wambier50, assinalam que essa inferência pode coexistir com a idéia do duplo grau
de jurisdição, mas devem ser arredados seus entraves, tendo em vista que há previsão legal
expressa no sentido de abrandar a sua incidência.
Deflui, pois, que a permissão legal de que o tribunal competente para o
exame da apelação se pronuncie acerca do mérito, sem que o juízo de primeiro grau o tenha
feito, configura nítida absorção da competência originária.
É estreme de dúvidas que a possibilidade da alteração da competência se
mostra viável, desde que a regra que a determina possua a mesma estatura normativa.
Assim, pois, no caso do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil, não há óbice para a
sua alteração se a regra de competência estiver prevista no próprio Diploma Processual
Civil. O entrave surge, porém, se a previsão da competência originária emanar de norma
constitucional.
Outro ponto que merece reflexão diz respeito ao confronto entre o art. 515, §
3º, do Código de Processo Civil e a proibição da reformatio in pejus. Em outras palavras,
trata-se de verificar se o exame do mérito, realizado pela primeira vez no tribunal
destinatário da apelação poderá ser desfavorável àquele apelou da sentença terminativa,
sem que isso configure reforma para pior.
Conquanto o direito brasileiro não discipline, explicitamente, o instituto da
reformatio in pejus, é certo que o óbice da reforma da situação do recorrente para pior
deriva do próprio sistema processual. O princípio dispositivo, atrelado à devolutividade do
TOSTA, Jorge. O Reexame Necessário em Face do Art. 515, §3o, do CPC, in Do Reexame Necessário.. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 255.
50
WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER Teresa Arruda Alvim. Ob. cit. P. 132.
49
8
41
recurso, se traduz na circunstância de que é devolvido para o tribunal destinatário do
recurso, somente a matéria que o recorrente impugnou e a qual está a almejar nova decisão.
Aliado ao princípio dispositivo, encontra-se a sucumbência como requisito
de admissibilidade para recorrer.
A caracterização da sucumbência se apresenta quando tenha havido no
processo divergência entre a pretensão deduzida pela parte que integra a relação processual
e o que foi decidido no processo, bem como quando o julgado de que se recorre, produziu
um efeito desfavorável à parte recorrente.
Nessa quadra, ilustra o Professor Nelson Nery Júnior:
“Em nosso direito positivo não há regra explícita a respeito da proibição da
reformatio in peius. Essa proibição, que entre nós efetivamente existe, é
extraída do sistema, mais precisamente da conjugação do princípio
dispositivo, da sucumbência como requisito de admissibilidade e,
finalmente, do efeito devolutivo do recurso”51.
Como é de fácil constatação a reformatio in pejus tem aplicação ao tribunal
destinatário do recurso para o qual é defeso agravar a situação do recorrente.
Ocorre, porém, que o agravamento da situação do recorrente deve ser
visualizado à luz do que restou decidido e daquilo que efetivamente foi impugnado. No
caso do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil, a parte recorrente apresenta o
recurso contra a sentença terminativa, ou seja, ataca a matéria que efetivamente foi decidida
pelo juiz de primeiro grau. Por conseguinte, o recorrente não impugna o mérito da causa,
até porque, no caso, nem sequer foi decidido pelo magistrado de primeiro grau. O princípio
dispositivo e da devolutividade estão alinhados com o que efetivamente foi decidido, ou
seja, com a extinção do processo sem exame do mérito.
Quanto a matéria de mérito nem há falar em sucumbência, pois observa-se
que a sentença terminativa não reflete que o recorrente tenha experimentado uma situação
desfavorável ou em desarmonia com o que almejou em sua demanda, uma vez que o
objetivo da ação é a solução do mérito, o qual ainda não se materializou.
51
8
NERY JUNIOR, Nelson. Ob cit. p. 185.
42
Percebe-se, assim, que o artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil não
afronta o princípio da reformatio in pejus tendo em vista que a interposição da apelação faz
com o tribunal atue como Corte revisora da sentença terminativa e, ao julgar o mérito da
ação, o tribunal estará examinando originariamente, ou atuando como se fosse o juízo de
primeiro grau.
Leonardo José Carneiro da Cunha, ao tratar do princípio da reformatio in
pejus do advento do 515, § 3º, do Código de Processo Civil, acentua que:
“(...) havendo a interposição de uma apelação contra sentença terminativa,
estará sendo inaugurado o segundo grau de jurisdição, cuja análise irá
restringir-se a examinar o acerto ou não da decisão de primeiro grau de
jurisdição. Em outras palavras, o segundo grau de jurisdição, ou seja, a
revisão a ser desempenhada pelo tribunal dirá respeito, apenas, à extinção do
processo sem julgamento do mérito. Não haverá, na hipótese, revisão quanto
ao exame do mérito ou à análise da segunda pretensão ou, ainda, no tocante
ao bem da vida pretendido.
Logo, a proibição da reformatio in pejus alcança, apenas, a parcela de
revisão; abrange, tão-somente, o exame da sentença terminativa, que é a
única parte em relação a qual estará havendo segundo grau de jurisdição.
De resto, reformada que seja a sentença terminativa e caso o tribunal venha a
prosseguir no julgamento da lide, houve o exercício do segundo grau de
jurisdição em relação à análise revisional da sentença terminativa, passandose, em seguida, a haver primeiro grau de jurisdição no concernente ao
mérito, à segunda pretensão, ao bem da vida perseguido. E, como se viu, não
há falar em reformatio in pejus quando se está originariamente examinando
a pretensão do autor, ou melhor, não há aplicação da proibição da reformatio
in pejus no primeiro grau de jurisdição.
8
43
Ao aplicar o § 3o do art. 515 do CPC, o tribunal estará exercendo primeiro
grau de jurisdição, não vindo a pêlo cogitar-se da aplicação da proibição do
princípio da reformatio in pejus.52
Definido que no julgamento previsto no § 3o do art. 515 do Código de
Processo Civil não incide a reformatio in pejus, se faz necessário examinar se o dispositivo
processual em comento está dirigido ao magistrado do tribunal destinatário da apelação
como uma faculdade ou exigência normativa.
Merece ser reproduzido, uma vez mais, o disposto no § 3o do art. 515 do
Código de Processo Civil:
“Art. 515. (...)
§ 3o. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art.
267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão
exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”.
Dos princípios que nortearam a inserção do predito dispositivo processual,
se infere, sem maiores esforços, que o termo “pode” há de ser interpretado como um
“dever” do julgador. Assim, evidenciadas as condições de julgamento estabelecidas no
dispositivo processual reproduzido, deverá o tribunal examinar o mérito da demanda.
A Professora Teresa Arruda Alvim Wambier partilha dessa linha de
entendimento ao assentar que:
“Outro problema que surge na interpretação do § 3o do art. 515 é o de se
saber se o tribunal deverá assim proceder ou poderá. Nós nos inclinamos a
dizer que se trata de dispositivo que encerra um dever, como, aliás, ocorre
com quase todos os dispositivos que dizem respeito à atividade do juiz.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Duas Questões em Torno do § 3o do art. 515 do Código de Processo
Civil: sua relação com o Princípio da Proibição da Reformatio in Pejus e sua Incidência no Mandado de
Segurança, in, Revista Dialética de Direito Processual n. 9. 2003, ps. 74/75.
52
8
44
Tratando-se de um dever, isso significa dizer que, estando presentes os
pressupostos, deve o tribunal, necessariamente, por economia processual,
decidir o mérito da causa”53.
Essa linha de pensar, elimina a possibilidade de que o exame da pretensão
deduzida no mérito, está a reclamar um requerimento expresso da parte recorrente.
Como se observou, o julgamento imediato do mérito decorre da
circunstância de o tribunal considerar que a causa se encontra suficientemente madura para
julgamento e, conseqüentemente, sem a necessidade de qualquer diligência.
A título de reforço, é oportuno colher, uma vez mais, as palavras de Estevão
Mallet, ao tratar da desnecessidade de requerimento do recorrente:
“Do que acaba de ser dito no item anterior tira-se que o julgamento imediato
do mérito, em caso de reforma de sentença terminativa, não depende de
requerimento do recorrente. Não cabe argumentar, para justificar solução
diversa, com o caput do art. 515, porque o § 3o constitui exceção à primeira
norma. Tampouco importa o desejo da parte de, com o retorno dos autos ao
juízo recorrido, produzir provas adicionais. De duas, uma: ou as provas que
a parte pretende produzir são pertinentes, ou não. Sendo pertinentes, não
cabe aplicação do § 3o do art. 515, porque não se encontram presentes as
condições para julgamento imediato do mérito no juízo do recurso. Se são
impertinentes as provas, não serão produzidas nem mesmo em primeiro grau
de jurisdição (CPC, art. 130, parte final), por mais que o deseje a parte. A
vontade do litigante é, no particular, irrelevante. O que importa é a
necessidade objetiva da prova”54.
Do que se visualizou até então, o tribunal, ao julgar a apelação de sentença
terminativa, e decidir o mérito da causa, exerce a competência originária do juízo de
primeiro grau e, nem por isso viola o princípio que proíbe a reformatio in pejus. ObservouWAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os Agravos no CPC Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2005, p. 346.
54
MALLET, Estevão. Ob. cit. ps 196/197.
53
8
45
se, ainda, que a aplicação do § 3o do artigo 515 do Código de Processo Civil não se traduz
em mera faculdade para o julgador, nem mesmo um prerrogativa que depende de
requerimento do recorrente. Cabe examinar, por oportuno, as circunstâncias autorizadoras
do julgamento do mérito, ou seja, que a demanda verse unicamente sobre tema de direito e,
por conseqüência, esteja em condições de imediato julgamento.
A primeira circunstância que autoriza a aplicação do dispositivo é de que
seja a “questão exclusivamente de direito”. Essa locução não deve ser focada
restritivamente, no sentido de cuidar, pura e simplesmente, de matéria de direito, pois, a
bem da verdade, não se concebe a idéia da existência de matéria unicamente de direito. É
sabido que do fato é que surge o direito, de forma que a dissociação de ambos não se
justifica. Leciona Estevão Mallet que “nem mesmo no juízo abstrato de constitucionalidade
das normas – em que presumivelmente menos importância poderia ter a realidade concreta
– a separação entre fatos e direito mostra-se cabível, aludindo a doutrina à necessidade de
‘investigação integrada de elementos fáticos e jurídicos’. E tanto é verdade que a Lei 9.868,
ao regular o procedimento para julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da
ação declaratória de constitucionalidade, reconheceu a importância que os fatos podem ter
no exame da controvérsia, admitindo sejam solicitados pareceres ou ouvidos
especialistas”55.
Assim, pois, a correta interpretação ao § 3o, no que se refere à questão de
direito, deve ser realizada levando-se em consideração a circunstância de que os fatos que
emergem da causa sejam efetivamente incontroversos e, bem assim, aceitos pelos litigantes.
Os Professores Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e
José Miguel Garcia Medina, ao discorrerem sobre esse tema elucidam que:
“(...) a expressão matéria de direito, no contexto desse dispositivo, pode
significar, literalmente, matéria de direito pura e simplesmente (no sentido
mais restrito), que assim se tenha revelado desde o início da demanda;
matéria de direito e de fato, mas cujo aspecto fático tenha sido comprovado
por prova documental, submetida ao adequado e imprescindível
contraditório (incidindo aqui, por analogia, o art. 330, inc. I, do CPC);
55
8
MALLET, Estevão. Ob. cit. ps. 190/191.
46
matéria de direito e de fato, mas cujo aspecto fático não tenha suscitado
divergência entre as partes, ou se componha de fatos notórios (art. 334);
enfim, parece-nos que o Tribunal pode afastar a preliminar e decidir a
respeito de processo que ‘esteja em condições de ser julgado’, ou seja, em
que o aspecto instrutório se encontre de tal forma delineado de molde que
não haja séria margem de dúvidas a respeito de quais sejam e de como
tenham os fatos ocorridos. Pensamos, pois, que este dispositivo não deve
incidir única e exclusivamente quando se trate de matéria de direito em
sentido estrito, sob pena de se revelar restritíssimo seu rendimento e sua
utilidade”56
O termo “estar em condições de imediato julgamento”, ou “devidamente
madura”, revela a circunstância de que é defeso ao tribunal examinar o mérito de uma
questão se ela reclamar a dilação probatória. No caso, se faz necessário que reformada a
sentença terminativa, retornem os autos para o juízo de primeiro grau.
Em relação ao procedimento que deverá ser aplicado para o julgamento da
apelação, na hipótese em estudo, deve observar-se o que foi dito por ocasião do exame das
generalidades que circundam o predito recurso. Assim, em princípio pode-se até afirmar
que o relator, de modo solitário poderia afastar a sentença terminativa e examinar, pela
primeira vez, o mérito da demanda. Essa decisão, a teor do artigo 557, § 1o,§, do Código de
Processo Civil, desafia agravo interno.
Tema que merece reflexão é o do julgamento colegiado da apelação, em que
a turma julgadora – composta de três magistrados -, após afastar a sentença terminativa,
entende que a causa está suficientemente apta para ser julgada pelo mérito. Na colheita dos
votos, porém, considere-se que há discrepância entre os julgadores quanto ao mérito.
Conquanto se trate de acórdão não unânime proveniente de apelação, não há espaço para a
interposição de embargos infringentes, pois a sentença de primeiro grau reformada não é de
mérito, conforme determina o artigo 530 do Código de Processo Civil.
WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, e, MEDINA, José Miguel Garcia. Breves
Comentários à Nova Sistemática Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, ps. 269/270.
56
8
47
O único recurso que se mostra adequado é o extraordinário ou o especial,
dependendo da matéria decidida pelo tribunal de apelação. Aliás, no caso do Superior
Tribunal de Justiça, não se pode cogitar da aplicação da Súmula nº 207, que enuncia ser
“inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão
proferido no tribunal de origem”.
Assim, pois, é possível visualizar uma anomalia que repercute na violação à
própria isonomia que deveria ter sido observada para os jurisdicionados. Verifica-se que os
litigantes poderão se deparar com situações semelhantes, mas o direito de recorrer para uns
acaba por ser mais limitado do que para outros, que podem exercê-lo em sua plenitude.
Não merece ser compartilhado, porém, o entendimento de que na hipótese
de o tribunal, por força do artigo 515, § 3º, julgar, por maioria de votos, o mérito da causa,
são cabíveis os embargos infringentes57.
Efetivamente, conforme anotou Nelson Nery Júnior, a falta de debate e
diálogo efetivo com a comunidade jurídica brasileira, se apresenta como a principal crítica
da inserção do referido dispositivo processual58, que, por certo, eliminaria várias anomalias
que se surgem quando da aplicação do § 3º do artigo 515.
Por fim, não custa reiterar, que o recurso destinatário do dispositivo
processual é a apelação, mas antes e acima de tudo, deve-se investigar a possibilidade de o
tribunal destinatário do recurso exercer a competência originária.
3. OBSTÁCULOS PARA A INCIDÊNCIA DO ARTIGO 515, § 3º, DO CÓDIGO DE
PROCESSO
CIVIL
NO
RECURSO
ORDINÁRIO
EM
MANDADO
DE
SEGURANÇA.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Da Redução da Área de Cabimento dos Embargos Infringentes e a
Ampliação do Efeito Devolutivo da Apelação”, in Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Ano VI,
n. 31, Set-Out 2004, p.13.
58
NERY JÚNIOR, Nelson. Ob. cit. p. 47.
57
8
48
3.1 Normas Constitucionais que vedam a incidência do artigo 515, § 3º, do Código de
Processo Civil nos Recursos que derivam do Mandado de Segurança.
Não é demais lembrar que a norma processual em estudo, a qual permite ao
tribunal se pronunciar sobre o mérito sem que o juízo de primeiro grau o tenha feito
previamente, equivale a conferir competência originária ao tribunal destinatário do
recurso59.
Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco, ao tratarem da questão relativa à competência, elucidam que no bojo da
competência absoluta se encontram a competência de jurisdição, que resulta da resposta
relativa a qual justiça é competente, bem como a competência originária, que deriva da
indagação acerca de qual órgão é competente, o superior ou o inferior? 60.
No que se refere ao mandado de segurança, é cediço que a competência para
processá-lo e julga-lo é definida pela natureza e atribuições da autoridade coatora, ou seja,
consoante ensina Castro Nunes:
“A Competência judiciária para o mandado de segurança está assentada em
dois princípios: a) o da qualificação da autoridade como federal ou local, e
b) o da hierarquia, isto é, da graduação hierárquica da autoridade, para
efeito da competência do mecanismo das instâncias em cada uma daquelas
jurisdições”61.
Nessa linha de pensar, se faz necessário examinar a ordem constitucional,
para determinar quali o órgão competente para conhecer, originariamente, do mandado de
segurança.
59
NERY JÚNIOR, Nelson. Ob. cit. p. 47. No mesmo sentido: TOSTA. Jorge. Ob. cit. p. 255, ALVIM,
Eduardo Arruda. Ob. cit. p. 175.
60
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria Geral do Processo. 17a ed. São Paulo: Malheiros, 2001, ps. 232/233 e 241.
61
NUNES, Castro. Do Mandado de Segurança. 8a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 207.
8
49
A propósito, vem à baila, novamente, o magistério de Antonio Carlos de
Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:
“Como se vê, em duas etapas apresenta-se o problema da competência
hierárquica, ou competência em sentido vertical (órgão superior ou
inferior?): primeiro para determinar-se qual deles conhece originariamente
da causa, depois na escolha do órgão que conhecerá dos recursos
interpostos. Naturalmente, o primeiro dos quesitos acima envolve a
determinação da competência de uma das Justiças ou de um dos órgão de
superposição (Supremo Tribunal federal, Superior Tribunal de Justiça), que
não pertencem a nenhuma delas e sobrepairam a todas”62.
Assim, em relação ao primeiro grau de jurisdição, ou seja, dos órgão que
proferem sentença e, por conseguinte, são passíveis de recurso de apelação.
Observa-se da Constituição da República que o legislador constituinte
conferiu aos juízes federais a competência originária para processar e julgar “os mandados
de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de
competência dos tribunais federais” (art. 109, VIII, CF).
Restou definido, pois, que em se tratando de autoridade federal que não se
insere na competência do Tribunal Regional Federal, compete ao juiz de primeiro grau,
originariamente, examinar o mandado de segurança.
A Lei nº 1.533/51, prevê a hipótese de interposição de apelação das
sentenças terminativas e definitivas, proferidas pelo juiz de primeiro grau, em mandado de
segurança originário (arts. 8o e 12).
Considere-se, assim, que o juiz federal, ao processar e julgar mandado de
segurança contra autoridade federal de sua competência originária, a despeito de estar
devidamente instruído o mandamus, entende que deve incidir a regra do artigo 267 do
Código de Processo Civil e extingue o processo sem exame do mérito. O impetrante,
62
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Ob.
cit. p. 233.
8
50
inconformado, interpõe recurso de apelação, com a finalidade de afastar o fundamento da
sentença terminativa.
O Tribunal Regional Federal, por sua vez, ao apreciar o recurso de apelação,
entende não verificadas as causas que ensejaram a sentença que extinguiu o processo sem
exame do mérito. Questiona-se: Pode o TRF fazer uso do § 3o do artigo 515 do Código de
Processo Civil ? A resposta há de ser negativa, uma vez que a competência originária, que,
no particular, decorre da competência hierárquica, é de caráter absoluto e jamais, ou seja,
em nenhuma hipótese, pode ser modificada. Assim, o Tribunal Regional Federal, em
respeito aos ditames constitucionais, e, especificamente, em estrita observância ao princípio
segundo o qual “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente” (art. 5o, LII), não poderá julgar o mérito do mandado de segurança, decidido
por meio de sentença terminativa.
Desprezar essa regra, consiste em desprezar a norma de ordem pública, de
que a competência absoluta (competência hierárquica definidora da competência
originária), não poderá jamais ser modificada.
Nem se alegue que o preceito processual tem aplicação a toda e qualquer
sentença terminativa que dá ensejo à apelação. Ora, a se admitir que uma norma
infraconstitucional tenha a força de absorver uma competência constitucional, significa crer
na premissa de que uma norma constitucional é que deve se adequar ao sistema processual.
Correta, pois, a lição de Nelson Nery Júnior, ao dispor que “se o tribunal der
provimento à apelação, este segundo julgamento terá efeito apenas de cassação, vale dizer,
determina o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau, a fim de que este profira
julgamento sobre o mérito. Entender o contrário seria compactuar com a infringência de
norma de competência hierárquica, já que a causa seria julgada originariamente pelo
tribunal destinatário da apelação. A burla seria, até, mais séria, pois semelhante atitude
feriria o princípio constitucional do juiz natural (CF 5º, XXXVII e LII)63.
Jorge Tosta, não menos contundente, assevera que:
“Ainda sob o enfoque da competência do órgão jurisdicional, quer nos
parecer que o § 3o do art. 515 do CPC acabou criando nova espécie de
63
8
NERY JÚNIOR, Nelson. Ob. cit. p. 46.
51
competência originária dos Tribunais, na medida em que chancela ao órgão
ad quem o conhecimento e julgamento do mérito da causa sem qualquer
pronunciamento anterior do juiz de primeiro grau. Ora, é sabido que a
competência originária dos órgão de jurisdição recursais é traçada pelas
Constituições Federal e Estadual, sendo vedado à lei ordinária ampliar tal
competência”64.
A impossibilidade de incidência da regra do § 3o do artigo 515, como é de
elementar inferência, tem aplicação, também, em relação aos magistrados de primeiro grau
da Justiça Estadual, uma vez que, à luz da regra estabelecida artigo 125, § 1o, da Carta da
República, caberá a Constituição do Estado definir a competência dos respectivos tribunais,
orientados pelos princípios estabelecidos na Carta Magna.
Quando a competência originária para processar e julgar o mandado de
segurança advém dos Tribunais Superiores ou tribunais regionais federais ou tribunais
locais a inobservância das regras constitucionais, acaba por ser ainda mais grave.
É que, se a inobservância da regra de competência originária, prevista na
Constituição Federal, para julgamento do mandado de segurança dos Tribunais Superiores
existir, e for admitida a aplicação ao recurso ordinário do disposto no § 3o do artigo 515 do
Código de Processo Civil, deve-se entender que o Supremo Tribunal Federal, guardião da
Carta Magna está a infringi-la.
Se o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em recurso ordinário, o
mandado de segurança que foi extinto sem exame do mérito pelo Tribunal Regional Federal
ou tribunais locais, utilizando-se do § 3o do artigo 515 do Código de Processo Civil,
acabará por dar uma interpretação ao direito federal em total desarmonia aos preceitos
constitucionais. Significa dizer, que o Superior Tribunal de Justiça, no exercício de sua
competência recursal, constitucionalmente prevista, acabará por invadir, indevidamente, a
competência originária de tribunal, também prevista na Constituição da República, em
respeito a um mandamento infraconstitucional, o que, a bem da verdade, é inconcebível.
64
8
TOSTA, Jorge. Ob. cit. p. 256.
52
Leonardo José Carneiro da Cunha, em suas lúcidas palavras, realça a
impossibilidade de uma Corte ad quem, com base em norma processual, absorver uma
competência prevista em preceito constitucional:
“Ora, a competência originária do STJ está, precisamente, definida nas
hipóteses do inciso I do art. 105 da Constituição Federal, não sendo possível
que uma norma legal altere, modifique ou amplie aquele rol. É que, como
exsurge elementar, as competências constitucionalmente fixadas constituem
normas de interpretação estrita, não sendo legítima ao legislador
infraconstitucional alterá-las. Assim, impetrado, por exemplo, um mandado
de segurança, originariamente, num tribunal de justiça contra o Governador
do Estado ou impetrado um remédio heróico, originariamente, perante um
TRF contra um juiz federal ou contra membro do próprio TRF, não deve o
STJ assumir tal competência e, aplicando o § 3º do art. 515 do CPC, julgar
originariamente, a causa, eis que essas não são hipóteses previstas nas
alíneas do referido inciso I do art. 105 da Constituição da República. (...)
Todas essas considerações atinentes ao recurso ordinário em mandado de
segurança para o STJ aplicam-se, igualmente, à apelação interpostas contra
sentença de juiz de primeira instâncai. Isso porque a competência originária
dos tribunais de justiça está fixada na respectiva Constituição Estadual, não
devendo sofrer alteração por lei ordinária federal, em razão da necessidade
de obediência ao pacto federativo. No tocante à justiça federal, a restrição
parece ser a mesma, eis que a competência originária dos tribunais regionais
federais está prevista, especificamente no art. 108 da Constituição Federal,
não devendo haver alteração por norma infraconstitucional.
Como se sabe, a competência para processar e julgar o mandado de
segurança é definida pela natureza e atribuições da autoridade coatora. Da
mesma forma que um juiz de primeira instância não deve apreciar um
mandamus impetrado contra autoridade sujeita à competência originária de
tribunal, este não deve, igualmente, processar e julgar, originariamente, um
writ contra autoridade sujeita à competência de um juiz singular. Tudo leva
8
53
a crer, portanto, que o § 3º do art. 515 do CPC não se aplica à apelação nem
ao recurso ordinário em mandado de segurança, sob pena de haver
desrespeito às regras constitucionais de competência65.
Diante do que foi exposto, é de fácil inferência que cabe ao aplicador do
direito não se descuidar da observância dos princípios da celeridade e economia processual,
mas não deve fazê-lo de maneira afoita, que evidencie o desprezo a preceitos basilares de
ordem pública e atentatórios à Constituição da República.
3.2 Posicionamento Jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal
No que se refere ao posicionamento jurisprudencial, cumpre lembrar que 3
(três) meses após a vigência da Lei nº 10.352, de 26/12/2001, que inseriu o § 3º ao artigo
515 do Código de Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça afastou a incidência da
regra processual ao recurso ordinário de mandado de segurança, fincado no fundamento,
segundo o qual, por cuidar de recurso cujo cabimento somente se evidencia com a
denegação da segurança, não haveria como adotar a regra processual. Eis os termos da
ementa do mencionado julgado:
“I - CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL – COMPETÊNCIA –
MANDADO DE SEGURANÇA – ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA - ATO
DE COMISSÃO – COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA.
(...) II – PROCESSUAL – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA – PROVIMENTO - JULGAMENTO IMEDIATO DO
MÉRITO (CPC, ART. 515, § 3º).
65
8
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Ob. cit. p. 77.
54
- O novíssimo § 3º do Art. 515 do Código de Processo Civil, não se aplica
no julgamento de recurso ordinário em Mandado de Segurança. É que, neste
tipo de apelo, a competência do Tribunal ad quem manifesta-se secundum
eventus
litis:
somente
acontece,
quando
se
denega
a
Ordem
66
Constitucional .
Consoante se percebe, a questão atinente á competência originária e
hierárquica não foram objetos de manifestacão da turma julgadora.
Em seguida, esse modo de julgar foi abandonado pelo Superior Tribunal de
Justiça e, segundo se pode verificar, tem prevalecido o entendimento de que o § 3º do artigo
515 do Código de Processo Civil tem aplicação no recurso ordinário em mandado de
segurança, fincado no singelo e frágil argumento de que ambos os recursos se assemelham:
“ADMINISTRATIVO – PROCESSO CIVIL – ESCOLTA DE PRESOS –
POLÍCIA CIVIL X POLÍCIA MILITAR.
(...)
2. Afastado o óbice da impropriedade da via eleita e que extinguiu o
processo sem exame do mérito, pode o STJ, com respaldo no art. 515, § 3º,
do CPC, examinar o mérito do mandamus.
(...)
5. Recurso ordinário provido”67
Na mesma linha, há precedente no sentido de que em vista de o recurso
ordinário em mandado de segurança se assemelhar à apelação, deve ser adotada a regra do
§ 3º do artigo 515 do Código de Processo Civil:
“(...)
RECURSO
ORDINÁRIO
EM
MANDADO
DE
SEGURANÇA.
REFORMA DO ACÓRDÃO QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM
66
67
8
RMS n. 14.645-SC, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma, DJ de 26/08/2002.
RMS n. 19.269-MG, Relatora Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ de 13/06/2005.
55
JULGAMENTO DE MÉRITO. VIABILIDADE DO IMEDIATO EXAME
DO MÉRITO DA IMPETRAÇÃO, ATENDIDOS OS PRESSUPOSTOS
DO ART. 515, § 3º DO CPC.
1. Reformando o acórdão que extingue o processo sem julgamento de
mérito, cumpre ao STJ apreciar, desde logo, o mérito da impetração, se
presentes os pressupostos do art. 515, § 3º do CPC, aplicável por analogia.
2. No caso dos autos, a questão de mérito é exclusivamente de direito e não
há empecilho ou pendência a inviabilizar a sua apreciação.
3. Recurso ordinário provido para conceder a ordem”68
A par do respeito aos pronunciamentos acima, verifica-se que a bem da
verdade, embora sejam recursos que se assemelham, são espécies recursais distintas. Antes
e acima de tudo o recurso ordinário tem sua previsão na Constituição Federal, enquanto que
a apelação encontra-se regrada em norma infraconstitucional.
Outra circunstância que não tem sido observada nos julgados reproduzidos
e, data venia, é a questão mais importante, consiste na impossibilidade de transferência da
competência originária para processar e julgar mandado de segurança, conferido pela Carta
da República aos Tribunais Regionais Federais e aos tribunais locais. Essa competência
originária dos tribunais citados, tem sido absorvida indevidamente pelo Superior Tribunal
de Justiça.
Vale lembrar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o mérito
do recurso ordinário em mandado de segurança, obsta a possibilidade de ser interposto
embargos de divergência, os quais, segundo os artigos 496, inciso VIII, e 546, o recurso de
embargos de divergência é cabível para impugnar acórdão proferido por turma do Superior
Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal em julgamento de recurso especial ou
de recurso extraordinário, respectivamente, que esteja em divergência em relação a aresto
prolatado por outro órgão colegiado do próprio tribunal.
Para melhor visualizar essa afirmação, imagine-se a hipótese em que uma
turma do Superior Tribunal de Justiça não adote o § 3º do artigo 515 do Código de
68
8
RMS 15.877-DF, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 21/06/2004.
56
Processo Civil e, por conseguinte, após afastar o acórdão que extinguiu, sem exame do
mérito, o mandado de segurança impetrado em tribunal estadual. Efetivado o exame do
mérito, o tribunal estadual concede a ordem, de modo que a parte vencida interpõe recurso
especial e é improvido no Superior Tribunal de Justiça. De outra banda, suponha-se que
outra turma do Superior Tribunal de Justiça, diante da mesma situação fática, utilize-se da
regra do § 3º do artigo 515 do Código de Processo Civil, e, após afastar a sentença
terminativa do mandado de segurança impetrado originariamente no tribunal estadual,
julgue o mérito da impetração. Essa decisão, contudo, denega a segurança. Por certo, nunca
será possível obter um julgamento uniforme no Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria
discutida nos mandados de segurança, pois, não é possível, na hipótese descrita a
interposição de embargos de divergência.
Infere-se, pois, que a Corte Superior de Justiça deverá rever o tratamento
que tem sido dado ao recurso ordinário em mandado de segurança, proveniente de acórdão
que profere decisão terminativa.
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, não se filia ao entendimento
esposado pelo Superior Tribunal de Justiça e afasta a incidência do § 3º do artigo 515 do
Diploma Processual Civil:
“(...)
RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL – MANDADO DE
SEGURANÇA – DEVOLUTIVIDADE. O DISPOSTO NO § 3º DO
ARTIGO 515 DO Código de Processo Civil não se aplica ao recurso
ordinário em mandado de segurança, cuja previsão, no tocante à
competência, decorre de texto da Constituição Federal” 69.
Na mesma vereda, o precedente a seguir reproduzido, consigna que “com a
competência originária definida no texto constitucional (art. 105, I, “ b”), que não pode ser
alterada por lei processual, há de ser prestigiado o Superior Tribunal de Justiça” e, em
decorrência determina a remessa dos autos para que o mandado de segurança tenha
prosseguimento. Eis o teor da ementa:
69
8
Emb. Decl. No RMS 24.309-4, Relator Ministro Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ de 30/04/2004.
57
“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL.
LEGITIMIDADE PASSIVA. SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO
FEDERAL. IMÓVEL FUNCIONAL. LEI N. 8.025/90. ART. 515, § 3º, DO
CPC.
INAPLICABILIDADE
AO
RECURSO
ORDINÁRIO
EM
MANDADO DE SEGURANÇA.
1. (...)
3. Inaplicabilidade do art. 515, § 3º, do CPC --- inserido no capítulo da
apelação --- aos casos de recurso ordinário em mandado de segurança, visto
tratar-se de competência definida no texto constitucional. Precedentes [RMS
n. 24.309, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ 30.04.2004 e RMS n.
24.789, Relator o Ministro EROS GRAU, DJ 26.11.2004]. 4. Recurso
ordinário julgado parcialmente procedente, determinando-se a remessa dos
autos ao Superior Tribunal de Justiça para apreciação do mérito da
impetração” 70.
Pelo que precede, é de reconhecer que as decisões que não sejam
harmônicas com a interpretação constitucional dada pelo Supremo Tribunal Federal, no
sentido da inaplicação da regra do § 3º do artigo 515 do Código de Processo, em vista da
competência originária do mandado de segurança, por certo, após ultrapassadas as
correspectivas etapas processuais até o julgamento do recurso, acabarão por receber a
devida interpretação constitucional.
Em decorrência, os princípios da celeridade e da economia processual, não
serão prestigiados pelo tribunal que desconsiderar os preceitos constitucionais.
70
8
RMS 22.180-DF, Relator Ministro Eros Grau, 1ª Turma, DJ de 12/08/2005
58
CONCLUSÃO
Sem desconsiderar os respeitáveis precedentes do Superior Tribunal de
Justiça, no sentido da aplicação do § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil, é de ver
que a regra constitucional de competência originária e competência hierárquica do
mandado de segurança, acaba por ser vulnerada. Os recursos que derivam de mandado de
segurança não podem ter sua competência originária absorvida pelo tribunal destinatário do
recurso.
Trata-se de regra de ordem pública, de maneira que o julgamento do mérito
do mandado de segurança, pela primeira vez do mérito, transfere a competência originária
que se encontra explicitamente fixada na Carta Política. Assim a pretexto de prestigiar o
princípio da celeridade e economia processual, não se deve desprezar os ditames insertos na
própria Constituição da República.
Assim, pois, não deve ser adotada a regra do § 3º do art. 515 para os
recursos que brotam de mandado de segurança, uma vez que vulneram a Constituição
Federal ao admitir a mudança da competência originária prevista no ordenamento
constitucional.
8
59
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