Aventuras do Perilo
1 - O EMPRESÁRIO
Charles Guimarães Filho
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ÍNDICE
Inauguração Triunfal do Escritório
Viajando Encostado no Coisa Ruim
Babel no Beco do Bafo do Bode
Acima de Amontoado no Coisa Pior
Maracanã em Dia de Grande Jogo
Doce Lar no Bairro de Malfica
Mais um Bendito Dia de Labuta
Carregado no Comboio Surubão
Volta ao Recanto do Guerreiro
Êxito na Tradicional Mem de Sá
Notícia Lamentável e Agradável
O Despachante que virou Prefeito
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INAUGURAÇÃO TRIUNFAL DO ESCRITÓRIO
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Na cidade do Rio de Janeiro, envolto por uma multidão de papéis
na sua frente, nos seus lados, em cima e embaixo, está o
despachante PERILO, sentado atrás da escrivaninha do seu
escritório de nome “DESPACHA TUDO”.
O despachante ousado tem como sobrenome Saraíba Xangô por
ser um cafuzo fruto de uma união entre um africano angolano e
uma indígena xocó. Nascido e criado em Nossa Senhora dos
Embrulhados em Sergipe, tem quarenta e sete anos, cabelos
cacheados, olhos fechados, puxados e de cor esverdeada. É
devoto de São Todos os Santos do Mundo com Nossa Senhora
das Santas de Nada. Não chega a ser solteiro e nem casado é um
amancebado sete vezes tendo com cada concubina dois filhos,
ao todo é pai de cerca de trinta filhos. Quem faz as contas
sempre fica intrigado, mas é que entre um amasiamento e outro
amassamento ele não consegue ficar sem nada o que fazer e em
conseqüência acaba sempre como progenitor de gêmeos ou
quase sempre trigêmeo.
O escritório de Saraíba Xangô está sendo inaugurado hoje numa
edificação na Avenida Mem de Sá, na Lapa. Ele tem na porta
uma destacada placa amarela com letras bem avermelhadas
dizendo: “Dr. Perilo – Especialista em Serviços Corriqueiros”. Seu
interior é composto de uma única sala minúscula que comporta
apenas o chefe com sua mesa de escrita, cadeira de rodinha e
estante de livros, e com muito sacrifício em pé os seus dois
únicos funcionários: uma secretária e um auxiliar administrativo.
As mesas-de-cabeceira, assentos e prateleiras para esses seus
empregados, segundo a jura daquele que dirige a empresa, estão
sendo providenciadas.
A secretária é IRAMAIA, sua anciã avó materna, uma recém
imigrante de Porto da Folha do sertão sergipano, vestida com
uma saia de palha, um soutien rosa choque, um cocar cheio de
penas de arara e uma penca de chaves nas mãos.
O adjunto administrativo é MUNGAMBALA, seu idoso tio avô por
parte de pai, um negão corpulento do tipo “armário”, porém por
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demais medroso. Ele veio recentemente da África e está sempre
vestido com um bubu que é uma túnica larga de cor branca,
chapéu, muitos colares e um cajado. Só para registrar quando
chegou ao Brasil, conheceu no cais do porto Shirley Michelly e
imediatamente ficou noivo.
Tudo e todos estão quietos naquela pasmaceira, alguns até
roncando, quando sem que ninguém esperasse bate na porta um
possível cliente. O funcionário Mungambala fica assustado, a
funcionária Iramaia fica bocejando, mas já o chefe Perilo
esfregando os olhos se movimenta com grande velocidade de
gestos dirigidos aos seus funcionários e ao mesmo tempo
parentes para que se afastem daquele acesso fechado e não o
abra em hipótese nenhuma. Rapidamente Dr. Perilo apanha o
telefone do gancho e começa em voz alta a simular uma
conversa.
PERILO: Mas é claro, Dr. Teófilo Cabral, pode ficar tranqüilo! Nós
vamos ganhar esse negócio! O juiz já deu parecer favorável!
Sei... sei... Como? Meus honorários? Não se preocupe, o senhor
pode pagar o outro milhão na semana que vem ... é claro!... Sem
problemas!... O senhor me dá licença agora que eu tenho um
outro cliente aguardando... obrigado ... um abraço!
Vestido com melhor terno do falecido disponibilizado por uma
viúva, sapato de bico fino emprestado, camisa aberta exibindo
um símbolo cristão num cordão tipo de bicheiro misturado com
gigolô que foi achado na rua, bem como relógios, pulseiras e
anéis imitando ouro ganhos numa aposta, lençinho no varal do
vizinho e flor branca numa campa de cemitério disputam o bolso
do paletó, com tudo isso em cima ... ele não titubeia, bate o fone
no gancho com força e impolutamente vai abrir a porta.
PERILO: Pois não, em que posso ajudar o nobre uniformizado, a
Vossa Senhoria, o general ... general ...
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Lá de fora se escuta a resposta “Eu sou Irineu e vim instalar o
telefone.” O então com o uniforme é convidado a entrar. Ao
penetrar no recinto se visualiza um sujeito baixinho e magrinho
de macacão azul com capacete cinza, luvas amarelas e botas
pretas com um crachá de identificação “AME = Acompanhadora
dos Moribundos da Escuta; Telefonia Fixa; IRINEU; Instalador”.
PERILO: Que bom general Irineu, eu estava gastando uma
fortuna com celular. Agora mesmo, eu acabei de fazer uma
ligação para os Estados Unidos. Mas, o general fique a vontade
para fazer o seu serviço, enquanto eu vou fazer o meu.
Catando vários papéis picados, acaba por despertar atenção de
sua avó que está cabreira.
IRAMAIA: Netinho Perilo, para que está juntando tantos
papeizinhos picados?
PERILO: Para me limpar do número dois. Afinal, minha solene
secretária, funcionária graduada cheia de chaves, eu sou a favor
da ecologia, precisamos reduzir o gasto com papel higiênico.
IRAMAIA: Mas, aqui nessa coisa não tem nenhum papel
higiênico. Até na minha tribo que era uma tribo não faltava uma
coisa como essa. Isso aqui é uma porcaria.
PERILO: Ainda não Vossa Senhoria, só daqui um pouquinho é
que vai estar.
IRAMAIA: Netinho eu não sou proprietária de imóvel alugado,
eu não sou senhoria, senhorita, eu sou simplesmente uma
senhora que está informando que aqui nessa coisa não tem
nenhum papel higiênico. Até na minha tribo ...
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PERILO (interrompendo): Pode ficar despreocupada porque a
autoridade principal aqui presente já está providenciando o
suprimento deste material de escritório.
IRAMAIA: Material de escritório!
PERILO: Material de limpeza?
IRAMAIA: Materiaaal de limpeeezaaa. Material de higiene. Até
na minha tribo ...
PERILO (interrompendo): ... isso vira lixo. Podem crer nas minhas
palavras: “Se o lixo é um problema. O melhor resíduo que existe.
É o que não foi gerado e nem comprado, mas sim improvisado.”
Vamos ver. Temos aqui papel picado, precisamos urgentemente
de ...
Com os bolsos e uma das mãos cheias de papéis picados ele se
abaixa e com a outra mão pega debaixo de sua escrivaninha um
cesto com um grande vaso cerâmico. E vai para o sanitário com
ele sob o olhar muito ... muito ... mais muito aflito de seu tio.
MUNGAMBALA (desconfiado e nervoso): Sobrinho Perilo, com
Funza! Para aonde pensa que vai levá-lo?
PERILO: Eu Perilo não sou um confunza, pois não sou o feminino
de confuso. Eu sou é um cafuzo e aqui no Brasil se diz cafuzo e
não confunza. Mas, respondendo a Vossa Majestade com esse
seu cajado, digo com esse seu cedro imperial, de modo claro ao
meu preclaro explicito escuro que não só penso como vou fazer
as minhas necessidades nele e atirá-las por esta janela do
terceiro andar. Afinal, eu sou a favor da ecologia, precisamos
reduzir o gasto com água, bem como dar vida as coisas, inclusive
a esse vaso.
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MUNGAMBALA (chocado): Dar vida ao Funza!
PERILO (falando para si): Eta idioma pobre esse da África, para
eles tudo leva funza. Como um bom lamarckiano vou me
adaptar. (falando para o tio): Se o chamam de Funza funza na
África funza, então tudo bem funza. Funza funza a partir deste
momento funza deixará de ser um vaso inerte funza.
MUNGAMBALA (chocadíssimo): Saiba que Funza é a origem do
nosso povo, ele veio do céu, adotou a forma humana e vive
solitário e invisível debaixo da superfície da terra. Quando ele
quer ficar próximo de nós, ele se transforma ...
PERILO (apertado interrompe): ... espera um pouquinho meu
ilustre auxiliar administrativo, vamos deixar a prosa para depois
porque o negócio aqui está feio.
MUNGAMBALA (a beira do infarto, completa o que estava
dizendo): ... ele ... ele ... o Funza se transforma em um grande
vaso de cerâmica guardado em um cesto.
Após muitos estrondos naquele banheiro, sai Perilo inteiramente
aliviado com o vaso com todo resquício de que foi acolhedor de
coisas não agradáveis. Ele o entrega ao seu tio.
PERILO: O que o distinto imperador estava mesmo dizendo
sobre este vaso vivo que me foi de grande utilidade.
O tio segurando o vaso, cajado no chão, se ajoelha e em
reverência vai com a cabeça no chão três vezes dizendo ...
MUNGAMBALA (balbuciando): Fuunzaaa. Perdão. Fuunzaaa.
Perdão. Fuunzaaa. Perdão.
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PERILO: Isso eu já aprendi que Fuunzaaa quer dizer vaasooo.
Mas, não foi perdão não, foi um bruto de um cagalh ..
Pára sua palavra faltando duas letras e um acento ao perceber o
baixinho e magrinho uniformizado funcionário da telefônica AME
ao seu lado com a mão estendida dando a entender que a
instalação foi realizada com sucesso e que deseja receber uma
gorjeta. Perilo o cumprimenta com sua mão não lavada aquela
mão estendida.
PERILO: Ah sim general, missão já foi cumprida, telefone
instalado. Então, já vai? Eu compreendo que já é tarde demais.
IRINEU: Não, ainda é cedo.
PERILO: Ainda é cedo! Mas, não queremos atrasar as suas
obrigações para com a nação. Obrigado pela dedicação e até a
próxima se Deus não permitir.
Sem dar nenhum indício de ir embora.
IRINEU: Como Vosso Doutor sabe, nós pai de família, um simples
empregado, é um aperto só. Isso sem falar na causalidade
retribuidora, no carma, ...
Perilo simula com a boca que o telefone está tocando e atende.
PERILO: Alô. Sr. Teófilo Cabral, pode comemorar! O juiz acabou
de me telefonar dizendo que deu parecer favorável! Ah, sobre o
milhão pode depositar na conta do general Irineu. Passar bem.
Põe o telefone no gancho e se dirige ao instalador, apertando a
sua mão em sinal de despedida.
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PERILO: Passar bem também. Aliás, com um milhão quem não
fica bem, não é verdade? Corra logo para o banco a fim de pegar
o dinheiro, sabe como é, demorou dançou.
IRINEU: Como pode ter falado se o plugue do fio do telefone
ainda não foi encaixado na tomada?
PERILO: O general é um sujeito modesto mesmo. O senhor é um
gênio. Inventou tomada sem necessidade de plugue e plugue
sem necessidade de tomada. Parabéns. Agora, não se esqueça
de pegar o dinheiro. Bom dia, até logo, ...
Sem dar nenhum indício de ir embora.
IRINEU: Como Vosso Doutor sabe, nós pai de família, um simples
empregado, é um aperto só. Isso sem falar nos Vedas, ascese, ...
PERILO (falando para si): Nossa! Esse buçanha é pior do que
pegar um fio desencapado. (falando para Irineu): Ah sim,
homem da elite! Eu também como pai de família, ainda pouco
também estive num aperto danado. Quem me salvou foi esse
serviço de Angola, algo valiosíssimo, origem do nosso povo.
Apanha Funza das mãos de seu tio, deixando o parente ainda
mais abilolado.
PERILO: Como o trabalho do fidalgo foi excelente, leva esse
Funza pelos seus brilhantes préstimos prestados a “Despacha
Tudo”.
Com o vaso na mão, mas continuando a não dar nenhum indício
de ir embora.
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PERILO: O fidalgo achou que foi pouco, não foi? Saiba que eu
também. (falando baixo com sua avó): Cadê minha magnânima
secretária aquele par de medalhas que trouxe daquela santa
terrinha de Porto da Folha do sertão sergipano?
IRAMAIA: As medalhas de Jaci Sumá? A Deusa da Proteção Total
da nossa tribo xocó? Dos nossos ancestrais?
PERILO (falando baixo com sua avó): Serve qualquer uma, pode
ser Jaci Sumá ou essa Deusa ou até um retrato de um falecido da
família.
Enquanto ela vai com as chaves na tanga, resmungando, pegálas na gaveta.
PERILO (falando para si): Vamos ver se com as medalhas ou com
o retrato esse pidão se manca e vai embora.
Ela pega o par de medalhas na gaveta com todo carinho para
mostrá-las o seu objeto de fervor, quando elas lhe são extraídas
pelo seu neto. Com peito estufado e barriga para dentro.
PERILO: Aaateençããoo tropa de funcionários do “Despacha
Tudo”, todos perfilados em posição de sentido, vamos
condecorar o general Buçanha, digo Irineu, esse elevado
“fardado” com o Funza na mão em respeito ao nosso povo e aos
nossos ancestrais.
Põe uma medalha no peito do funcionário da telefônica e a outra
medalha lhe entrega na mão que está livre, ou seja, que não está
segurando aquele vaso fedido.
PERILO: Guarde general esta medalha na fronha de seu
travesseiro para sua atenta recordação do privilégio em ter
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servido aguerridamente o Despacha Tudo. Leve Vossa Senhoria
esta outra medalha da Deusa da Proteção Total sempre no seu
peito como defesa, resguardo, guarda, salvada e salvaguarda de
modo a não possibilitar qualquer desproteção, de maneira que
nada de complicado e tenso possa lhe chegar um milímetro
sequer, perto de si.
Ergue os punhos e grita.
PERILO Viva o Buçanha, digo: Viva o Irineu.
Também com os punhos para o alto, gritam.
IRAMAIA E MUNGAMBALA: Viva.
PERILO (gritando mais alto): Viva o Irineuuu.
IRAMAIA E MUNGAMBALA (mais alto): Vivaaa.
Abraçando o baixinho e magrinho recém condecorado vai lhe
dirigindo pela porta a fora, quando aparece o gigante musculoso
furioso chefe do narcotráfico daquela região da Mem de Sá todo
cagado desde a cabeça até os pés, indagando “Quem foi o
homem morto que atirou merda pela janela?”. Perilo, sem que o
funcionário da telefonia percebesse, apontou para o vaso fedido
de excrementos humanos que Irineu carregava em suas mãos. O
furioso ao cheirá-lo, incorporou o dragão da maldade e começou
a distribuir sopapos e pontapés naquele uniformizado da AME
recém condecorado com a medalha da Deusa da Proteção Total,
só que a consumação da surra não foi testemunhada, já que o
chefe daquele recinto gentilmente fechara a porta dizendo
“Fiquem a vontade”.
MUNGAMBALA (branco de tão nervoso): Mas, o Funza!
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PERILO: Francamente, por que de tanta preocupação Vossa
Majestade, ele está em boas mãos, está com o general, a pessoa
certa na hora certa. Se o quer tanto de volta vá lá, diga ao rei da
drogaria que ele é seu.
O telefone toca, a secretaria fica de cócoras e apanha o telefone
do gancho e o auxiliar administrativo desmaia.
IRAMAIA: Iramaia do “Despacha Tudo”, bom dia. Com quem eu
falo? Qual o seu telefone e o seu CPF?
PERILO: Pra que isso?
Ela tapando a boca do telefone com uma de suas mãos.
IRAMAIA: Ah! Tudo quanto é lugar pede isso. Até em Porto da
Folha quando o cacique ...
PERILO (interrompendo): Seja objetiva minha secretária, pede só
o endereço.
IRAMAIA: E o assunto?
PERILO (todo garboso): Não esqueça Vossa Senhoria que o nome
aristocrático de nosso empreendimento diz tudo: Despacha
Tuuudooo.
Destapando a boca do telefone.
IRAMAIA: Por favor, seu endereço. Ah sim: “Comunidade do
Beco do Bafo do Bode, sem número”. Correto. “Se atendemos a
domicílio?”. Claro! Essa nossa coisa atende tudo, não esqueça
que o nome aristocrático de nosso empreendimento diz tudo:
Despacha Tuuudooo.
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Ela desliga toda feliz pelo seu grandioso desempenho, enquanto
a chefia não estava nada feliz por sua secretária ter chamado
pela segunda vez sua exemplar empresa de coisa. Mas como ele
não tinha tempo a perder para honrar o seu compromisso com o
primeiro cliente que ligara, dá tapas no rosto do desmaiado a fim
de conclamar o seu alto funcionário e digno imperador.
PERILO: Augusto Mungambala vamos que o trabalho, o ofício, o
afazer nos espera.
MUNGAMBALA (meio desmaiado ainda): Meu nome não é
Augusto.
PERILO: Eu sei que não, estou lhe chamando de majestoso.
MUNGAMBALA: Meu nome também não é Majestoso.
PERILO (falando para si): Pobre é um problema, é um despojado
vou dar um linguajar rasteiro, um bem baixo, pois só assim é que
eles entendem. (falando para o tio): Asqueroso Mungambala,
vamos que o assalto, o roubo, o furto, o latrocínio, o saque nos
espera.
MUNGAMBALA (põe-se de pé num só pulo): É pra já.
Mungambala pega seu cajado e lá vai ele de bubu, chapéu e
colares. Enquanto Perilo põe um óculo escuro fruto de um furto
na praia, pega sua enorme maleta que foi “garfada” na esteira
do desembarque em aeroporto e desce as escadas do edifício
olhando atentamente para todos os lados para ver se o gigante
musculoso rei da drogaria ou o baixinho e magrinho
uniformizado general ainda estavam por ali.
Chegando à rua, Mungambala como sempre recebe uns fiu fiu
acompanhados da pergunta “aonde a boneca vai com esse pau
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na mão?”, só que ele não agüentando mais essas gozações
encosta-o perto de duas pessoas que estavam brigando, e
promete nunca mais usar cajado. Já o chefe recebe dois
“santinhos” de um candidato a presidente da república,
anunciando o dia do comício aqui no Rio de Janeiro, os introduz
na maleta para não ser indelicado com os entregadores e as
divindades.
No meio de sua andança Perilo é cortejado por uma mulher da
vida nada fácil com os dizeres “Que tal a comida aqui,
gostosão?”. Ele muito lisonjeado agradece dizendo “Muito
obrigado, imaculada e decente senhora pela sua atenção, porém
estou sem apetite, pois acabei da almoçar em casa”. A fim de
ganhar uns trocados, ela insiste indo no seu pé de ouvido: “E esse
armário fantasiado que lhe acompanha, não estaria
interessado?” Cochicha no ouvido dela “Vossa Santidade, aquilo
não é fantasia, este armário é travesti.” Decepcionada, faz uma
cara de nojo e se afasta. Ao mesmo tempo, em que se aproxima
um pivete pedindo uma moeda de um real, ele altruisticamente
consulta os seus bolsos e chega à conclusão: “Infelizmente, ser
do futuro, só tenho duas moedas de cinqüenta centavos.”
E continua andando até perceber uma feira, o que lhe deixa
contente, vai até uma barraca e compra sal grosso, na outra
adquire incenso, mais adiante arruda e alho, e parte com o
recém desmaiado para aquele endereço do cliente.
Para sorte deles vem chegando quem os levará até lá: o ônibus
666 da linha Sucursal do Inferno com destino a Capetalândia, o
transporte conhecido pela população como o Coisa Ruim.
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VIAJANDO ENCOSTADO NO COISA RUIM
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Entram no ônibus superlotado, um encostado no outro, o chefe
freia o seu empregado para que eles não passem a roleta e assim
não paguem a passagem. O trocador JACK, de corpo esquálido,
olhos roxos e fundos, cara de maluco com uma bola furada e
amassada na cabeça de modo a ficar como se fosse um chapéu
cônico e alto de cor vermelha, casaco coral, isso sem contar a
afinidade com um crucifixo enorme no peito, tomando sorvete de
casquinha. Ele nem repara que eles não passam a roleta por
estar olhando atentamente para o que tem dentro de um saco.
PERILO (falando para o trocador): O que esse de crucifixo no
peito, mitra na cabeça e casaco coral presta de tanta atenção?
Enfim, o que esse cardeal do ônibus dos dinheiros e moedas vê
com profundidade as profundezas deste tecido grosseiro aberto
apenas de um dos lados?
Ele com gestos sinistros o convida para compartilhar da sua
visão. Aceitando o convite vai com sacrifício até o saco e fica ...
PERILO (espantado): ... caramba o que esse pescoço de senhora
está fazendo aí cheio de sangue?
JACK: Fala baixo, essa aí é a minha sogra. Cada dia eu trago um
pedaço dela para não dar na pinta que eu o Jack ...
PERILO (interrompe por visualizar um negócio): ... seu “Jack – O
Trocador Estripador”.
JACK (falando baixo): Psiu! Não fala esse nome alto.
PERILO: Perdão, eu pensava que Vossa Eminência também fosse
trocador, quer dizer que o cardeal é apenas estripador?
JACK (falando baixo): Psiu! Não fala esse nome alto.
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PERILO: Eu também não gosto desse nome para o cardeal, para
Vossa Eminência cai bem o de esquartejador.
JACK (falando baixo): Será que não entende. Nada que associe
com eviscerar, chacinar, trucidar.
PERILO: Por que então em vez de estripar não poderia ser
estriper.
JACK: Estripe! Eu? Esquelético, cadavérico, desalinhado,
desleixado, ...
PERILO (complementando): Não esquece de imundo, repugnante
e sórdido. (pausa): Mas, o que estávamos falando mesmo, hein?
JACK: Isso é que eu não esqueço nunca, achar que posso ser
estripe.
PERILO: Achar não, eu tenho certeza. Quer ver?
Falando para uma mulher magérrima que está no banco mais
próximo do trocador
PERILO: A esbelta aí, deve fazer parte do Clube das Mulheres
Anoréxicas, pergunto a selecionada: gostaria de assistir um stripteaser?
Muito contrariada começa a fazer gestos para o trocador que faz
com que Jack preste muita atenção.
PERILO: Conhece a freqüentadora do Clube? A expectadora de
strip-teaser?
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JACK: É a mudinha que o pessoal chama de “Já Morreu em
Silêncio”. Ela está dizendo com a linguagem dos sinais que “Em
primeiro lugar, anoréxica é a mãe; segundo não me orgulho de
não ter dinheiro e consequentemente de não poder comer;
terceiro, gostaria muito.” (pausa): Ela disse muito? Muito!!!
Então, eu sou um estripe?
PERILO: E dos melhores. Tira logo essa roupa.
Cinco minutos depois estava o trocador inteiramente nu com o
corpo todo lambuzado de sorvete, sobre o constrangimento de
todos os passageiros exceto o da mudinha “Já Morreu em
Silêncio”.
JACK (contente e preocupado): Esse negócio de strip-teaser é
bom mesmo. Mas, o transporte da sogra como é que fica?
PERILO (com empáfia): Cardeal Jack – O Trocador Estripedor - é
com orgulho que eu comunico que os seus problemas no
transporte acabaram. Permita-me apresentar.
Cumprimenta o trocador e lhe dá o cartão da empresa.
PERILO: Como pode ver no meu cartão, eu sou Dr.Perilo –
Especialista em Serviços Corriqueiros – dono da firma
conceituadíssima “Despacha Tudo” que cumpre qualquer
exigência. Este que está aqui comigo é um alto funcionário desta
companhia.
Jack e Mungambala se cumprimentam.
PERILO: Ele pode levar estes pedaços ao pouco, por um “galo”.
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MUNGAMBALA (falando baixo para o sobrinho): Eu não! Eu
tenho um pavor danado de defunto.
JACK: Mas, eu não tenho galo, nem galinha e nem pintinho, para
pagar o carreteiro.
MUNGAMBALA (pensando com nervos a flor da pele): Eu um
carreteiro? E de pescoço de sogra!
PERILO (para o trocador): Como não tem Cardeal Jack! Deixa a
modéstia de lado, olha quantos “galos” você tem aí na sua frente
para troca. Nós somos uns carreteiros, mas não somos careiros
não.
Enfia nos bolsos toda a féria do dia daquele ônibus, apanha o
saco com o pescoço dentro e entrega para o seu tio que fica todo
nervoso. Ainda antes de saltar daquele veículo ...
PERILO: Caro jovem carniceiro sanguinário, fique sabedor que
você tem idade para ser meu filho, então me sinto na obrigação
de lhe dar uns conselhos. Saiba filho, que matar a sogra isso todo
mundo faz, nem que seja no pensamento. Eu quero ver é você
com todo esse potencial de torturador e assassino atuar numa
guerra. Então lá vai o meu conselho.
Com as mãos para cima em prece.
PERILO: Vá para os Estados Unidos que está sempre
promovendo luta armada contra nações, raças, homossexuais,
artistas, premiados com o Nobel da Paz, assassinando
presidentes. Lá o seu valor vai receber aceitação da legitimidade,
aqui não você vai ser sempre um marginal tido como malvado,
um desalmado. Pense como as sogras do mundo inteiro vão ficar
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felizes com seus genros sendo destroçados nessas disputas
acirradas, nessas hostilidades sem fim.
MUNGAMBALA (falando para si): Até bem pouco o maluco era
cardeal, agora é marginal.
Trocador completamente despido de roupa e do controle
emocional agradece a orientação e reconhecimento do seu
mérito. Até que o destino dos dois familiares chega, enquanto o
do choroso está por vir. Eles saltam na subida de uma favela,
dando adeus para o interior ainda faz o seu último
pronunciamento.
PERILO: Não esqueça meu filho dos conselhos deste pai que
tanto te ama, rume para onde tiver atrocidade, guerra. Seja ela
militar ou civil, fria ou quente, bacteriológica ou química.
MUNGAMBALA (falando para si): Pai que ama!? Que conselhos!
O ônibus parte ouvindo-se o compulsivo choro de Jack, O
Trocador Estripador; ao mesmo tempo em que se vêem pernas
bambas sem resistências e se escuta ...
MUNGAMBALA (inquieto): Guerra? Guerra de nervos, isso sim.
Ausência de paz em que me encontro com esse pescoço de
sogra dentro desse saco.
Os familiares sobem o morro para chegar à Comunidade do Beco
do Bafo do Bode.
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BABEL NO BECO DO BAFO DO BODE
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MUNGAMBALA (trêmulo): O que eu faço com esse saco e o seu
conteúdo indo para o ápice desse morro carioca?
O sobrinho chefe, por um lado, constatando que o seu auxiliar tio
está quase desmaiando novamente, por outro lado, vê uma
idosa subindo com dificuldades por não ter fôlego e nem mãos
para carregar as suas compras, toma uma decisão, pega o saco
das mãos do auxiliar tio, e bem intencionado vai até a senhora.
PERILO: Por acaso, a senhora gosta de pescoço? Está carregando
um para fazer uma canja? Gostaria que eu lhe desse um pescoço
bem grandão para fazer um canjão?
Ela de tão cansada só consegue salivar, balançar a cabeça
afirmativamente e abrir o dedo mindinho deixando cair o
embrulho com aquele pescoço de frango pequeno. Ele pega o
embrulho e deposita aquele saco com pescoço de sogra na
cabeça dela de forma que ela não perca muito o equilíbrio,
apenas perca um pouco mais de fôlego. Ele sai de fininho e ela
parece que vai agradecer, só que se desequilibra e desce morro
abaixo.
MUNGAMBALA: O que foi aquilo?
PERILO: Aquilo foi excesso de ambição e de ignorância por não
conhecer o provérbio “Mais vale um pescoço pequeno na mão
do que um grandão na cabeça.” No entanto, não sejamos
saudosistas, para nós é uma coisa do passado, o presente é o
que importa, é ele que nos impulsiona para o nosso cliente que
aguarda.
MUNGAMBALA: Mas, como achar o local?
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PERILO: Pára de fazer tantas perguntas e observe que a resposta
pode estar na sua frente.
MUNGAMBALA (espantado): Naquela confusão!
Um aglomerado de pessoas em circulo os esperam sem que eles
consigam ver o que tem dentro. Ao se aproximarem é recebido
por um capenga chamado CAMACHO que foi o indivíduo que lhe
telefonou, visivelmente portando uma moto, armamentos
pesados e uma máquina fotográfica. Ele sem camisa exibe o
corpo tatuado com a imagem de um anão e os dizeres “sou
tarado por violar nanico”.
CAMACHO: Como eu disse para a irmãzinha lá do “Despacha
Tudo” que despachem esse despacho da minha porta, que tirem
imediatamente essa macumba que foi feita para mim. (furioso):
E me dê um indício de quem seja o autor para que eu seja autor
de mais um assassinato de ...
PERILO: ... anão. Pois, sua tara em forçar nanico a fazer o que ...
Desinteressado naquele assunto Camacho aponta sua máquina
fotográfica e começa a tirar fotos da macumba.
PERILO: Pode deixar seu capanga capenga que isso é pra já.
CAMACHO: Hei escuro amarelado! Que intimidade é essa? Exijo
respeito. Sou reconhecido aqui como o Camacho, o Lento
Vagaroso.
PERILO (falando para aquele aglomerado de pessoas): Por favor,
por favor, se afastem para que possamos ver a macumba feita
por um anão insatisfeito ou ciumento para o grandioso cambeta
do seu Lento Vagaroso.
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Todos vão se afastando obedientemente e ao irem se afastando
se percebe uma tigela de barro cheia de farofa amarela e arroz
branco com velas acesas, um peru vivo, um galo morto e um
defunto todo crivado de bala.
MUNGAMBALA (falando agitado para Perilo): Será que ele é
fotógrafo? Mas, armado desse jeito ele deve perseguir ...
PERILO: ... celebridades e figuras públicas para obter imagens
inéditas.
MUNGAMBALA (falando agitado para Perilo): Mas, que
celebridades e figuras públicas? Esse peru vivo e esse galo
morto?
PERILO: Claro que não. Deve ser o defunto. (pensando): Eu não
sou crismado e nem cismado, não sou supersticioso e muito
menos ... cora ... joooso.
CAMACHO (preso no seu querer): E aí os do Despacha Tudo, tudo
sobre controle?
Perilo com uma tentativa de sorriso, só que amarelo. Ombros
arqueados, desalinhados, com um mais alto que o outro.
Passando a mão no pescoço. Mãos juntas. Olha para o lado, para
cima, para baixo, às vezes enviesado. Cobre a boca e fala.
PERILO: Na verdade, nosso Papa ...
CAMACHO (desconfiado): Ô marrom, você já me chamou de
capenga, agora de Papa, por que Papa?
PERILO: Por ser o líder e chefe de estado dessa Comunidade que
papa todos os anões que cruza no seu caminho.
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CAMACHO (garboso): Ah! Isso é verdade. Não deu e nem
obedeceu vai pro valão. Como é que me reconheceu?
PERILO: Cada Papa tem seu próprio brasão pessoal que serve
como um símbolo de seu pontificado. O seu é essa tatuagem e
dizeres espalhada por todo o seu corpo. Além disso, observei o
papamóvel daquela moto. (formal): Vossa Santidade, o Sumo
Pontífice, o Servo dos Servos de Deus, o Vigário de Cristo, o
vigarista de todos nós, ...
CAMACHO (interrompendo): ... hei, hei! Pode parar. Esse
finalzinho eu não estou entendendo.
PERILO (tentando consertar): Vigarista de todos nós por ser o
sacerdote dos nossos sonhos: um padre patife, um pároco
pilantra e um presbítero pérfido. Todavia, isso não interessa, o
que interessa é que eu trouxe um feiticeiro da África que
controla essa macumba num instante.
CAMACHO: E cadê a autoridade?
Perilo aponta o dedo disfarçadamente para o seu tio, indicandoo como a autoridade no assunto.
CAMACHO: É esse negão que veio consigo?
PERILO: Exatamente Vossa Santidade, ele é o macumbeiro
Mungambala.
MUNGAMBALA: Eu sou o quê!!!
PERILO (falando baixo para o tio): Veja bem, nós não podemos
desapontá-lo, afinal, esse é o nosso primeiro cliente e ele está
armadaço. Vá lá para o centro e segura a mão do falecido.
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MUNGAMBALA (falando baixo para o sobrinho, muito nervoso):
Você sabe que eu tenho pavor de defunto.
PERILO (sussurrando): Mas, é melhor segurar do que virar outro
defunto. Vá antes que desmaie novamente.
MUNGAMBALA (convicto e medroso): Isso é verdade.
Lá foi ele correndo para o centro segurando a mão do defunto e
clamando por “Salve-me Dandalunga”.
CAMACHO (estupefato): Hei o que é isso?
PERILO: Ele está pedindo que a senhora da fertilidade e da Lua
lhe dê ...
CAMACHO (indignado): Que falta de respeito com o cadáver é
esse? Embora fosse meu inimigo, mas era um bom sujeito,
macho, não era de ficar dando nada por aí não.
PERILO: Ele é do candomblé bantu e está falando em ...
Ele pára e fica contemplando uma mulata de quinze aninhos com
um traseirão de respeito que vai chegando e ele com esforço
completa a frase que estava dizendo.
PERILO: ... kibunda.
CAMACHO (brabo): O que é isso falecido com o pára-choque da
minha mana???
PERILO: Não é nada disso, eu estava dizendo que a macumba
está sendo desfeita na língua kimbundo por aquele seguidor da
Kimbunda ...
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CAMACHO (percebendo algo errado): Eu só conheço brancomoreno e o negro-claro, veio você amarelo-escuro com esse
negão que está amarelando. Se isso acontecer esse negroamarelo vai ser sacrificado para apaziguar a ira daquele falecido
esburacado ali.
PERILO (falando baixo para o tio): Ouviu o seu futuro! Tira logo a
roupa e fica só de cueca, segura esse sal grosso com esse galho
de arruda, enquanto acendo incenso e passo alho no seu sovaco
para dar uma aliviada aqui nos presentes. (falando para os
presentes): Respeitável público. O grande bruxo que veio
diretamente de Angola para atender ao pedido do seu Manco,
ou bem melhor, do seu Acambetado, digo do seu Coxo, ou seja,
não digo mais nada senão a barra vai ficar pesada. A não ser, ...
com exceção, o anunciar a espetacular, ... a magnífica revanche:
“Mungambala” versus “crivado de bala”.
O público aplaude o negão de cueca.
MUNGAMBALA (falando baixo para o sobrinho): Que história de
revanche é essa? Eu nem conheço esse cara.
PERILO (falando baixo para o tio): Isso lá é hora para conhecer
pessoas, fica frio.
MUNGAMBALA (tremulo): Mais do que eu já estou segurando a
mão dessa pedra de gelo desse cadáver. Acho que vou desmaiar.
PERILO (falando baixo para o tio): Segura a onda amarela.
Favelado gosta de encrenca, de luta. Dá uma chave de braço
nele, que eu conto até dez e proclamo você como vencedor. O
manco vai ficar contente porque o cara foi seu inimigo, embora,
agora nesse funeral, ele o considera um bom sujeito.
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MUNGAMBALA (falando baixo para o sobrinho, suando frio):
Você sabe que eu tenho pavor de defunto.
PERILO (sussurrando): Mas, é melhor ganhar uma luta do que
perder a vida.
MUNGAMBALA (convicto e medroso): Ah, isso é verdade.
CAMACHO (percebendo algo errado): Não sei não, está
parecendo que esse negão ta amarelando mesmo. Já perdi a
paciência, o pavio que era curto já foi aceso por ali e por ...
PERILO (nervoso): ... Alá! Bem que desconfiava de que ele não
era cristão, não era Papa, porque a sua busca é por algo nobre,
algo ...
CAMACHO (sem paciência): Cadê a minha R15, seus moleques?
Eu já disse para vocês não brincarem com ela. Podem brincar
com as pistolas, rifles, metralhadoras, bazucas e granadas, mas
essa carabina eu já disse que não, isso é uma relíquia do meu
falecido pai em combate com a polícia.
As crianças começam a procurar entre aquele farto armamento
pesado, até que uma delas fica muito feliz por ter sido o felizardo
que a encontrou, chega até ao Camacho e em atitude respeitosa
a entrega. A facção rival, que estava lá em cima assistindo com
carinho aquele início de ritual, talvez funeral, insegura com o
AR15, começa a atirar lá para baixo. Os de baixo se divertem,
exceto o tio agitadíssimo e o sobrinho completamente irrequieto
que ficaram mais saltitante que o manco naquele tiroteio.
Aqueles dois familiares desceram o morro a toda só que um
deles de cueca e o outro, além daquele embrulho com aquele
pescoço de frango pequeno, também com o sobrevivente da
macumba debaixo do membro superior entre o ombro e a mão.
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MUNGAMBALA (ofegante): O que é isso sobrinho preso no seu
braço?
O chefe tenta esconder ainda mais, só que o acobertado com a
cabeça de fora grugrulha fazendo o tradicional “glu glu glu”.
PERILO (mais ofegante ainda): Honestamente, não sei o que
esse peru está fazendo aqui.
MUNGAMBALA: Vai ver que pegou o peru do Papa como uma
forma de pagamento.
PERILO: Papa não e deixe de ser materialista e desrespeitoso.
Saiba você que esse peru foi a única coisa que ficou vivo naquela
macumba, ele é um sobrevivente, um traumatizado
emocionalmente, o coitado precisa de um lar. Eu vou levar ele lá
para casa, para lhe proporcionar uma terapia e dar um trato
nele.
Para sorte deles vem chegando quem os levará até lá: o trem A
Besta do Apocalipse 13 com destino ignorado, conhecido pela
população como o Coisa Pior.
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ACIMA DE AMONTOADO NO COISA PIOR
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Este, além de cheio, está lotado de torcedores do flamengo para
ver o jogo no maracanã. Com muita sorte eles conseguem ficar
apoiados numa perna, a outra fica em algum lugar ignorado. O
corpo de Perilo adquire uma forma de espiral, sua maleta na
cabeça e o peru em cima dela com os óculos escuros do chefe.
Colado está o negão do TIÃO o torcedor gg (grande e gordo) com
boné, camisa, camisinha e várias bandeiras da nação rubro
negra, assistindo aquele corpo fazendo forma de rolo e apoiando
a ave no céu do ônibus, resolve então enaltecer o dono.
TIÃO: O doutor é flamenguista e do bom mesmo, vem até com
esse urubu pendurado na cabeça. Isso não vai ficar assim.
Pega duas bandeiras cada uma enrolada num pau de madeira
maciça e dá uma para o Perilo e a outra deposita na maleta
como presente para o peru que ele pensa ser um urubu.
PERILO: Mas, que pau pesado, hein seu ...
TIÃO: ... Sebastião O Silva, ou seja, o SOS, seu criado. Isso é
madeira de lei, nem cupim rói, dá para dar cada porrada. Hoje é
dia do vascaíno ser premiado.
Ainda admirado com aquele flamenguista e urubu do bom.
TIÃO: Mas, isso não pode ficar assim.
Além disso, oferece dois ingressos para que ele e a ave fossem
ver o jogo.
TIÃO: Não se preocupe que esses ingressos são imitações quase
que perfeitas. Acabamos de fazer lá no meu cafofo. Qualquer
coisa falsificada que precise ...
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PERILO (interrompe por visualizar um negócio): Como o que?
TIÃO: Eu atuo na Receita Federal do Brasil, CPF, Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica, Declaração de Imposto de Renda,
Pessoa Física, Declarações da Pessoa Física, Certidão Negativa de
Pessoa Jurídica e Declaração do Imposto sobre a Renda da
Pessoa Física.
PERILO: Pelo que eu escuto trabalha no Ministério da Fazenda?
TIÃO: Semelhante, é como se fosse. Tome meu cartão com meu
nome e telefone, mas já de antemão aviso quando telefonar não
adianta pedir para falar com Sebastião O Silva, eu sou mais
conhecido por Tião Trambiqueiro, o Ministro da Fazenda.
PERILO (interrompe por visualizar um negócio): Vossa Excelência,
O Ministro Tião Trambiqueiro, é com orgulho que eu comunico
que os seus problemas no trambique acabaram. Permita-me
apresentar.
Cumprimenta sua excelência e lhe dá o cartão da empresa.
PERILO: Como pode ver no meu cartão, eu sou Dr.Perilo –
Especialista em Serviços Corriqueiros – dono da firma
conceituadíssima “Despacha Tudo” que cumpre qualquer
exigência. Este que está aqui comigo ...
Procura o seu auxiliar tio naquele ônibus empilhado de gente,
sem conseguir avistá-lo.
PERILO (continuando): ... que estava comigo, é um alto
funcionário desta companhia. (pausa): Como o amigo ministro
Tião Trambiqueiro é muito generoso, eu também tenho uma
coisa para lhe dar por apenas dez reais.
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Abre a maleta o que deixa o peru lá em cima um tanto inseguro,
mas consegue pegar um dos “santinhos” de candidato a
presidência da república que lhe foi entregue na porta do edifício
de sua firma, lá na Mem de Sá.
PERILO: Aqui está, qualquer coisa que você precise nesse seu
ramo de trambigagem, qualquer coisa mesmo, não faça
cerimônia, procure nesse comício esse meu irmão que está se
candidatando a presidente da nação brasileira e porque não
dizer da nação ... da nação ... (gritando): ... danação rubro negra.
Quando ele falou isso. Tião com apito na boca convoca e a
bateria aceita e começa a tocar o hino do flamengo, mulatas
começam a requebrar. Isso não pára, não pára, só pára, quando
chegam ao estádio. O tio e o sobrinho desprovidos do livre
arbítrio são arrastados para fora daquele veículo com aquela
massa de passageiro gritando “Meeengooo. Meengooo”. Eles
estão no ....
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MARACANÃ EM DIA DE GRANDE JOGO
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Com a corrida desenfreada para a entrada do maracanã se abre
um vazio com apenas uma pessoa naquele espaço. Era um cego
de sobrenome BELAVISTA com a camisa do Vasco da Gama.
Perilo atenciosamente se aproxima daquele sem visão ocular e
de perigo, embora lembrando do Tião.
PERILO (pensando): Flamenguista safado não me deu os dez
reais. Mas, quem sabe se esse vascaíno cego de óculos escuro e
bengala não comparece com algum. (falando com o cego):
Perdido por aqui, meu clarividente?
BELAVISTA: Nada disso! Sou Belavista, estou completamente
orientado, concentrado no meu achado.
PERILO: Um mestre focado.
BELAVISTA: Exatamente.
PERILO: Um dirigente máximo de uma instituição de ensino,
como de uma universidade. Pelo visto estou diante de uma
Vossa Magnificência.
BELAVISTA: Eu sou um magnífico é de um malandro.
PERILO: Aquele de soltar pipa no ventilador? Jogar bola de gude
no carpete?
BELAVISTA: Isso mesmo, como você soube?
PERILO: Pelo seu jeito, dá para ver que você é um malandrão da
pesada.
BELAVISTA: Confere, gente boa, boa gente, gente ...
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PERILO (interrompe por visualizar um negócio): ... seu “Belavista
vulgo Madame Satã” é com orgulho que eu comunico que os
seus problemas na malandragem acabaram. Permita-me ...
BELAVISTA (interrompendo): Não permito coisa nenhuma, até
que você retire de imaginar que eu possa ser o Madame Satã,
por acaso você é mais cego do que eu para não ver que não sou
negro, muito menos pobre e marginal, e muito menos um ...
PERILO: Claro que não. No máximo supor que seja uma
reencarnação. Agora, com certeza, um transformista.
BELAVISTA: Transformista! Eu?
PERILO: Sim, porque acabou de transformar a vida desse seu
pobre criado. Permita-me apresentar.
Cumprimenta sua malandragem, para ele Madame Satã, e lhe
dá o cartão da empresa.
PERILO: Como pode ver no meu cartão, eu sou Dr.Perilo –
Especialista em Serviços Corriqueiros – dono da firma
conceituadíssima “Despacha Tudo” que cumpre qualquer
exigência.. Este que está aqui comigo é um alto funcionário ...
BELAVISTA: ... mas, eu não estou vendo ninguém ...
PERILO: ... isso não importa. O que importa é a concentração no
achado desse malandraço.
BELAVISTA: Estou plenamente de acordo, começamos a nos
afinar.
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PERILO: Por acaso esse seu achado se trata de algo que lhe foi
extraviado, olvidado, inutilizado ou naufragado? Algo que lhe
deixou perturbado, arruinado ou derrotado? Algo irrecuperável?
BELAVISTA: Ainda não sei se foi extraviado quanto menos se vai
ser recuperado.
PERILO: O que!?
BELAVISTA: A minha mulher. Estou desconfiado que ela tenha
um amante. Dizem que ele é um português. A única coisa que
me disseram é que ele talvez se chame Joaquim.
PERILO: E o que você precisa para encontrar ele aqui?
BELAVISTA: Apenas de uma entrada. Como eu sou malandro já
vim até com a camisa do Vasco.
PERILO: Madame Satã ..., digo o malandrão do Belavista quer
comprar a minha?
BELAVISTA: Mas, você teria o desprendimento de deixar de ir ao
jogo para me servir, para servir aos meus propósitos de
encontrar o cretino daquele português que talvez se chame
Joaquim?
Pegando o cartão do Tião Trambiqueiro.
PERILO: O que eu não faço pelo amigo. Tome a entrada, na mão
do cambista há essa hora você ia “morrer” nuns cem reais, deixo
por setenta.
BELAVISTA: A única nota que eu tenho é essa de cem.
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PERILO: Não tem importância, eu tenho troco.
Pega uma das moedas de cinqüenta centavos.
PERILO: Aqui está.
BELAVISTA: Mas, isso é uma moeda.
PERILO: Pois é Vossa Magnificência, uma moeda de trinta reais.
BELAVISTA: Mas, isso não existe.
PERILO: Não existia, homem de pouca fé. Graças ao governo, ele
acabou de lançar pela manhã para facilitar o troco dos
deficientes visuais. (pausa): E como prova da minha boa vontade
lhe cedo também essa bandeira do Vasco no valor de cinqüentas
reais por aquela moeda de trinta que lhe dei. Assim, o
malandrão do meu amigão leva vantagem e pode ir mais
disfarçado ainda.
BELAVISTA: Você faz isso por mim? Que amigão caridoso, que
Deus lhe dê em dobro tudo que me deu.
Abraça Perilo com todas as forças por todos os lados, que tenta
se desembaraçar.
PERILO: Não precisa incomodar o Ser Supremo, deixa as coisas
como estão aqui embaixo dessa maneira mesma. Não quero
receber em dobro do que lhe fiz, pois o que fiz foi algo
completamente desinteressado, generoso, oblativo, ...
Na dúvida, meio temente a Deus, procura fazer uma bondade ao
cego. Passava por ali um português grandão e fedorento, camisa
Cruz de Malta, cara de maluco, chamado DEMENTÃO.
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PERILO: Hei amigo, meu nome é Perilo.
No meio daquele barulho o portuga não entende direito.
DEMENTÃO: O que! Perigo?
PERILO: Perigo não, Peeeriiilooo. Ouviu seu Doidão.
DEMENTÃO: Doidão não, Dementão. Sou o único português no
mundo que praticou a desobediência civil.
PERILO: Então me obedeça: tome um banho e leva esse cego
para bem longe de mim, não gosto de sentir mal-cheiro e nem
presenciar desgraça.
DEMENTÃO: Banho nem pensar e o Vasco não vai perder não.
(estranhando): Mas, o que essa bandeira está fazendo aqui?
PERILO: É para atender ao pedido das torcidas organizadas em
trazer a paz para o estádio de futebol.
DEMENTÃO: Eu também concordo com essa confraternização,
acho linda festa assim.
PERILO: Então, posso confiar meu amigo Madame Satã ao
senhor? Vai lhe proteger a qualquer custo?
BELAVISTA: Madame Satã é a pu...
PERILO: ... pujante protegida do pugnaz pusilânime, pulha,
punguista, purgante, purulento, puxa-saco desse purtuguês.
DEMENTÃO: Não precisava tantas considerações a seu respeito.
Pode confiar seu Perigo, palavra de maluco.
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E lá vai aquele cego malandro todo feliz com proteção ao lado,
amigo no coração ao longe e sem dinheiro no bolso, com a
camisa do Vasco, uma bandeira do Flamengo, uma entrada
falsa, com um único objetivo gritar pelo nome Joaquim para ver
se alguém se apresente e confirme aquela suposição de que sua
mulher o traiu com um português. Porém, pelo que está se vendo
ele está sendo barrado na roleta e puxado por um braço pela
torcida do Flamengo e pelo outro pela do Vasco. Dementão está
tentando cumprir a promessa de maluco em protegê-lo, tiros são
desferidos sem que se saiba a autoria. Belavista está feito cego
em tiroteio .... Quer saber de uma coisa, não vale a pena
continuar assistindo aquele espetáculo deprimente antes do
jogo.
MUNGAMBALA (falando para si): Quando me deparar com um
apaixonado, eu vou dizer que ele é mais perdido que cego em
maracanã.
Sobrinho e tio vão se afastando em direção do ...
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DOCE LAR NO BAIRRO DE MALFICA
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Finalmente ele está chegando a casa no bairro do Malfica com
aquela maleta num lado e o peru de óculos no outro. Quando ele
vê o seu vizinho Maurício, aquele encanador (para muitos um
enganador) que como de costume vem embriagado e urina no
poste. A criançada que trocava figurinhas vendo aquela ave
esquisita corre na direção gritando “É meu! É meu!”, enquanto
isso o bebum tentava por o falecido para dentro das calças.
PERILO (falando para as crianças): Calma que ele é estrangeiro,
ele veio de fora. Seu nome é Maurício e ele é um peru. Quando
vocês quiserem falar com ele comecem dizendo “Maurício, seu
peru de fora”, que ele faz glu glu glu que é linguagem de seu
país. Tudo bem? Vamos fazer um teste eu vou entrar com ele no
portão da minha casa e quando eu der o sinal vocês gritam daí:
“Maurício, seu peru de fora”.
Perilo com a ave, abre o portão da sua casa, enquanto o bebum
cambaleando e falando sozinho sem que ninguém entendesse
uma palavra, tenta abrir o portão da sua casa geminada com a
do despachante. O sóbrio dá o sinal e a garotada berra.
VOZES: “Maurício, seu peru de fora”.
O bêbado invocado por pensar que aquilo era com ele, pega
pedras e começa a tentar jogar na garotada só que uma delas
acerta no seu xará o peru.
PERILO (por conta com a pedra atirada no seu peru): Ô Maurício
não lhe estou entendendo.
MAURÍCIO (com aquela voz de bêbado): Seiii per ... feitameentii
o que estou dizeeenduu.
PERILO: Nem fazendo quanto mais dizendo.
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Perilo entra em casa muito do aporrinhado com o acontecido
com aquele peru tonto com aquela pedrada. Logo de cara dá
com EVA com quem vive junto e chama de dona Encrenca, mais
seus dois filhos: ÉLCIO de oito anos apelidado de barbante; ADÃO
de sete apelidado de chorão.
PERILO: Veja só o que aquele nosso vizinho encanador de peru
de fora fez.
Ela sensível e assustada.
EVA: Comigo é que não foi.
Ela com as mãos na cadeira.
EVA: Eu não quero saber de vizinho encanador, eu quero saber
desses 171 na minha frente enganador.
Ele tira do bolso aquele embrulho com aquele pescoço de frango
pequeno.
PERILO: Olhe o que eu trouxe exclusivamente para você.
EVA: Não mude de assunto. Não é nem Natal e você já encheu a
cara desse peru de cachaça. Saiba que hoje é o dia das mães,
quero ver qual é o meu presente.
ADÃO (chorando): Eu também quero o meu.
PERILO: Mas, você não é mãe.
ADÃO (chorando mais forte): Eu quero.
ÉLCIO: Por que a mamãe não quer o seu peru?
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PERILO: Ih! Esse aí está mais perdido que Adão no dia das mães.
ÉLCIO: Qual é o nome desse peru?
PERILO: Maurício, em homenagem ao nosso vizinho encanador.
Mas, vamos deixar dessa conversa fiada, eu quero saber como
foi sua aula no colégio.
ÉLCIO: Ah! O senhor poderia me dar uma ajuda. O professor na
aula de história perguntou para a gente dizer alguma coisa sobre
a descoberta do Brasil, o que eu digo?
PERILO: Talvez seja conveniente, quem sabe, a bem da verdade,
afirmar que todos os tripulantes das caravelas que chegaram
aqui já morreram.
ÉLCIO: Puxa pai! Como o senhor é inteligente.
PERILO (garboso): Às vezes eu dou uma dentro.
Olhando para o outro filho. Como pai justo que pretende ser ...
PERILO (cobrando do Adão): E você já aprendeu a tabuada de
um?
ADÃO (ainda chorando): Eu quero.
PERILO: Eu não perguntei se você quer aprender, eu quero saber
se você já aprendeu a tabuada de um.
Como o choro e o “Eu quero” continuaram.
EVA: Adão vai representar o Tarzan hoje à noite na escola, não
vai meu filho?
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Nada de parar aquele chororó.
EVA: Meu filhinho vai todo a caráter, não vai?
PERILO: Não esquece de por as meias nele.
EVA (por conta): Onde já se viu Tarzan de meia. Isso é ridículo.
ADÃO (ainda chorando): Eu quero.
PERILO: Está vendo o garoto está dizendo que quer meia.
EVA (emocionada): Se eu por meia nos pés dele, o que vai ser da
sua vida? Ele pode ficar inseguro e dividido no rumo ... Como ele
vai tocar ...
PERILO (interrompendo): Uma coisa de cada vez. No tocante
antevejo que em seu futuro, do jeito que chora esse menino, ele
vai tocar choro, vai ser instrumentalista que toca choro. Agora, a
respeito de rumo da divisão se esta for como de caule ou galho,
do jeito que chora esse menino, estes ramos pendentes rumarão
para o chão, vai virar que nem aquela planta chamada chorão.
Agora no paraíso da casa de Perilo, tem-se Eva e Adão chorando
copiosamente.
ÉLCIO (querendo sair daquela choradeira): Pai eu vou soltar pipa.
PERILO (também querendo sair daquela choradeira): Espera aí.
Como pai responsável que sou, vou doar meu tempo para que
no futuro nunca possa dizer que seu progenitor não dialogasse
consigo.
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Os dois saem disparados para os fundos onde está o peru. O filho
está apanhando alguma coisa quando ...
PERILO: Não mexa no meu enorme rolo de barbante. Você sabe
que é nele que eu me exercito ao dar e fazer voltas. Aliás, se sair
por aí com ele vão lhe chamar pelo apelido. Aliás, por que lhe
chamam de barbante?
ÉLCIO: Por que eu vivo com o rolo.
PERILO: Como assim? Aqui em casa só tem eu, a sua mãe, o gato
chaninho e vocês dois. O peru não conta porque ele é recente.
O peru faz uma cara de quem não gostou de ser rejeitado.
ÉLCIO: Pois é pai, é assim que lhe chamam.
PERILO: Como assim? Eu sou um sujeito destorcido, estirado.
ÉLCIO: Acho que não, eu ouvi dizer que o significado de seu
nome Perilo quer dizer “que se torce, rodeia”. Eles dizem que o
senhor é um enroscado, um engabelador, um embrulhado. O
Gaudêncio chega a dizer que o senhor é um embromador.
PERILO (interrompendo): ... quem? Aquele gozador, que se
diverte com qualquer coisa. O que ele diz de mim? Diga se tem
coragem de repetir.
ÉLCIO: Também diz que o senhor é mais enrolado do que briga
de polvos.
PERILO: Viu como não conseguiste repetir o que eu era e passou
para fazer comparação, isso é sinal de que tu acreditas no seu
pai. Não ligues não meu filho. O mundo é ingrato mesmo, não
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reconhece o esforço de como sou um exposto a verdade, um
descoberto ao bem e um exibido ao belo.
Eva, recuperada, escuta aquelas abóboras pequenas.
EVA: Fala sério.
PERILO: Estou falando sério. Eu sou um aberto ...
EVA (interrompendo): ... você! Você é um baita de um
escondido, se esconde até do gay da nossa rua. Você é um
tremendo de um oculto, se oculta até do padre da nossa
paróquia.
PERILO: Aqueles espanhóis! Também pudera: o gay ficou
aborrecido e o padre completamente constrangido.
EVA: Você queria o que? Levou os dois inocentes para visitarem
a zona dizendo que era um local tombado pela Unesco como
patrimônio da humanidade. E ainda deu uma de guia turístico e
cobrou cinqüenta reais de cada um.
PERILO: E eu lá tenho culpa que a Unesco está explorando o
pessoal.
O filho mais velho volta para dentro de casa levando o peru,
enquanto o filho mais novo continua berrando que também
quer. Nos fundos os pais continuam conversando.
EVA: Por falar em exploração o meu pai está uma arara contigo.
Você prometeu que ia levá-lo num lugar que ele nunca
esqueceria. Ele perdeu a liberdade e a aposentadoria.
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PERILO: Mas, esse é o preço de quem quer participar de uma
coisa tão legal. Por acaso o sogrão não gostou do bingo?
EVA: Que legal se essas casas são ilegais e ele acabou preso. Que
sogrão se você não casa nunca comigo.
PERILO: Isso você sabe que eu estou providenciando.
EVA: Mas, para quando?
PERILO: E eu lá tenho culpa que a justiça eleitoral, do trabalho e
militar seja lenta.
EVA: Mas, o que essas justiças têm a ver com o nosso
casamento?
PERILO: Você só quer casar apenas no religioso? Eu não, o meu
amor é tanto que quero casar no religioso, no civil, e até no
eleitoral, no trabalho e no militar. (sonhando): Já pensou o nosso
casamento no eleitoral, o povo elegendo o nosso casamento?
EVA: Só ia ter voto nulo e rasurado, se bobear até o seu. Deixa
de enrolar eu quero saber é do prazo.
PERILO: O prazo entre o civil e o religioso é um pouco
demorado. Todavia, contudo, estou ... (mudando rápido de
assunto): Mas, por que o sogrão não gostou do bingo?
EVA: Por acaso você não sabe que o meu pai é completamente
surdo? O pessoal cantava a pedra e ele ali que nem um bocó.
PERILO: Sim, mas, pelo menos ele fez um social. Saiu, deu uma
volta, conheceu a cartela de um bingo, foi preso. Para sua
pretensão de ser delegado de polícia isso é muito importante.
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Pára, por estar ouvindo algo interessante lá dentro.
PERILO: O que é isso Élcio?
Lá de dentro, barbante informa o que está acontecendo.
ÉLCIO: Acho que o peru sabe o nome dele, pois toda vez que falo
Maurício ele faz glu glu glu.
PERILO: Vai treinando filho.
A noite desce e o treinamento em nenhum momento é suspenso,
nem o berreiro é cessado por algum tempo embora a mãe tenha
lhe vestido a sua fantasia de Tarzan com meias. Eis que irrompe
um incêndio na mata em frente onde se ouve um intenso alarido
de expectadores. O despachante movido pela vocação de ser
aquele que despacha corre na direção daquele fogaréu e diante
de todos arria as calças e dá um baita de uma mijada. Feito este
ato de bem-te-vi, de beija-flor, volta para casa com a consciência
tranqüila de ter feito a sua parte, deita na cama para dormir o
sono reparador de um justo e digno trabalhador e ecologista
solidário com o capinzal.
Pela manhã, como sempre acorda, com a sua vizinha de frente
apelidada de PORRETA. Uma atormentada nordestina lésbica
grávida cheia de filhos, vestida sempre com um vestido de noiva
todo surrado, por ter sido abandonada na porta da Igreja há
vinte anos atrás. Ela abre a porta quando há intenso tiroteio
entre a polícia e o tráfico, e começa armando um barraco.
PORRETA (gritando): Vamos parar com esses tiros, seus
perdidos, sem direção. Vocês assim vão acabar acordando as
crianças.
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E por incrível, o tiroteio sempre pára, e o Perilo vai sempre até
ela para lhe dizer a mesma coisa depois que ela ainda está ....
PORRETA (gritando e ameaçando): Da próxima vez que eu ouvir
vocês atirando, eu vou aí e ...
PERILO (interrompe por visualizar um negócio): ... barraquista
sacerdotisa Porreta é com orgulho que eu comunico que os seus
problemas de tiroteio acabaram. Permita-me apresentar.
Cumprimenta-a e lhe dá o cartão da empresa.
PORRETA: Ô Perilo me poupe de ler esse seu cartão. Eu já estou
até careca de tanto ler o que tem dentro. O que eu não sei por
que você me chama de barraquista sacerdotisa.
PERILO: Barraquista por ser uma bahaísta ao professar a fé
Baha’i. Sacerdotisa porque nos tarôs clássicos, a papisa é
representada pela imagem de uma mulher da casa dos 40 anos,
vestida com trajes cerimoniais como esse seu clássico vestido de
casamento, aparência atormentada e grávida, simbolizando uma
figura materna. Nos clássicos fala daquilo que é escondido e
maquiado, de assuntos secretos que não podem vir à tona para
que a situação permaneça a mesma, ou que precisem vir à tona
para que a situação possa evoluir. Os pilares reafirmam a
dualidade expressa pelo número dois da Suma Sacerdotisa. Sua
essência é o paradoxo, daí simbolizando também uma figura
paterna. (pausa): Contudo, isso não é relevante no momento. O
que realça é ... (com imponência): Vossa Reverendíssima, a
“Despacha Tudo”, por um módico vinte reais, lhe dá um
atestado de que a senhora é a mãe do PAC, mãe da “Pacificação
do Adormecer das Crianças”.
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PORRETA (toda orgulhosa): Mãe do PAC não, eu posso ser é o
pai. E aí tem negócio.
PERILO: O atestado de paternidade é um pouco mais caro, tem
que fazer DNA, mas, lhe faço uma promoção, deixo por
cinqüenta reais.
Ao voltar com setenta reais dela ele vê o gato chaninho na sua
cama e a sua mulher fazendo uma faxina na sala com tudo que
tem direito: aspirador de pó ligado, balde com água, vassoura
caindo. Ele disposto a testar o sistema nervoso de chaninho pega
o bichano e atira ele no meio daquela zoeira e fecha a porta do
quarto. O gato sem possibilidade de voltar de onde veio sai doido
pela janela pisando no peru que dormia lá fora. Este acordando
assustado faz glu glu glu. Quando a criançada escuta e de longe
...
VOZES: “Maurício, seu peru de fora”.
O peru bem treinado diante daquele chamamento continua
fazendo glu glu glu e o bêbado invocado abre a porta, pega
pedras e mais uma vez tenta atirá-las na garotada só que uma
delas novamente acerta no seu xará.
O tempo passa e lá está o nosso herói, o despachante Perilo, com
toda aquela indumentária e apetrechos que lhe é próprio. Dá um
beijo na patroa, um cascudo no “barbante”, fecha a boca do
“berrador” e acaricia a cabeça do peru que está toda enfaixada
de gases devido às pedradas do seu xará. Sobre o gato não se
tem notícias. O que se sabe é que hoje é ...
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MAIS UM BENDITO DIA DE LABUTA
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Mais um tempo passa e ele está chegando à porta de seu
escritório quando vê sua avó varrendo.
PERILO: Mas, o que a Vossa Senhoria, brilhante secretária do
“Despacha Tudo” está fazendo ao varrer escada à cima com
chaves na tanga?
IRAMAIA: Neto Perilo, isso foi idéia sua. Você disse para varrer
como se fosse uma caminhada para o céu.
Quando mal consegue suspirar, olha espantado para seu tio com
a cara toda inchada.
PERILO: Mas, o que Vossa Majestade, o insuperável auxiliar
administrativo do “Despacha Tudo” andou fazendo para merecer
ficar com essa cara desse jeito?
MUNGAMBALA: Sobrinho Perilo, isso foi orientação sua.
PERILO: Então, só pode ter sido algo que não se pode deixar de
cumprir. Qual foi a ordem que lhe dei?
MUNGAMBALA: Disse que mulher é igual a macarrão. A gente
enrola, enrola, enrola ... e come! Pronto, a minha noiva Shirley
Michelly me deu um tabefe.
PERILO: Se por acaso aquele inviolável que deve inspirar
respeito foi desrespeitado por aquela vadia.
MUNGAMBALA: Vadia! A minha noiva?
PERILO: Imperador. Empregue esta outra cantada com a mesma
desocupada e sem empenho que lhe esbofeteou. Fale o que ela
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quer escutar, como: “Oi gatinha, se vi alguém como você antes,
foi apenas nos meus sonhos.”.
MUNGAMBALA: Essa cantada é muito boa, vou anotar. Minha
noiva vai adorar.
IRAMAIA: Por isso que eu não quero saber mais de homem.
PERILO: Não se preocupe não porque a recíproca deve ser
verdadeira. Mas, vamos entrar e deixar esses assuntos
domésticos de lado, para anotarem as reluzentes idéias e
orientações que andei tendo durante a viagem de ônibus que fiz
para chegar aqui.
Lá dentro, ele começa ...
PERILO: Primeira idéia: encaminhar papéis junto às repartições
públicas para obter o registro da criação de buzina para avião a
fim de evitar acidentes. Segunda: tramitar papéis para obter
licença da invenção de sauna ao meio dia no deserto a fim de
evitar impontualidades. Terceira: despachar ...
Batem na porta. Os três correm para atendê-la e não vêem
ninguém. Fecham a porta correndo pensando ser alguma
assombração. Mas, tornam a bater na porta novamente. Muitos
assustados vão na ponta do pé e abrem a porta rapidamente
quando escuta alguém pigarrear na altura do chão. Olham para
baixo e vêem um anão de nome HÉRCULES.
HÉRCULES (enfezado): Não estão me vendo aqui não?
PERILO: Como não, seu anão.
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HÉRCULES: Anão não, eu tenho uma estatura um pouco mais
baixa que a regular.
IRAMAIA: Um pouco!
MUNGAMBALA: Um pouco muito?
PERILO: Eu gosto de pessoas modestas.
HÉRCULES: Meu nome Hércules diz tudo.
IRAMAIA: Hércules!
MUNGAMBALA: Hércules?
HÉRCULES: Sim Hércules. Sou homem de força extraordinária,
valente e robusto, para mim não tem tempo ruim, minhas
pretensões são grandiosas, importantes e ilimitadas.
PERILO: Então, vou lhe apresentar a Camacho sem sobrenome
na Comunidade do Beco do Bafo do Bode, sem número.
HÉRCULES: Como achá-lo se nem sobrenome e número tem?
PERILO: Basta dizer a senha “vem Cámacho pro seu pigmeu”.
HÉRCULES: Eu vou abrir uma confecção de calças só para ...
PERILO (interrompe por visualizar um negócio): ... seu “Hércules
Tampinha” é com orgulho que eu comunico que os seus
problemas na confecção de calças acabaram. Permita-me
apresentar.
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HÉRCULES: Isso é desnecessário porque eu sei aonde venho e o
que eu quero é abrir uma confecção de calças só para ...
Cumprimenta o anão e lhe dá o cartão da empresa.
PERILO: Como pode ver no meu cartão, eu sou Dr.Perilo –
Especialista em Serviços Corriqueiros – dono da firma
conceituadíssima “Despacha Tudo” que cumpre qualquer
exigência. Estes que estão aqui comigo são altos funcionários
desta companhia.
O anão com muito custo trepa na cadeira, depois na mesa e lá
do alto.
HÉRCULES (irritado): E eu por acaso sou um baixo cliente que
não podem acabar de me deixarem concluir o que eu quero?
PERILO (para os familiares): Fiquem calados para que o
imperador, esse espirro de ...
HÉRCULES (mais irritado): ... espirro de que?
PERILO: Esguicho de genialidade possa concluir que quer ...
HÉRCULES: Abrir uma confecção de calças só para um muito
pouco de homens enormes como eu.
IRAMAIA: Um muito pouco?
MUNGAMBALA: Um muito!
PERILO: Eu gosto de pessoas soberbas, excessivas, corrompidos,
pesados, cheio do dinheiro. (falando para o anão): Por acaso, a
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Vossa Majestade, o distinto imperador é abastado, no popular
um rico?
HÉRCULES: Que nada! Eu estou colhendo ovo assustando
galinha.
PERILO: Então, como um imperador teso que nem o
Mungambala, como um pretendente, um pretendente de
pretendente a cliente nosso, o nosso herói da mitologia grega
quer ... quer ... quer o quê nessas tristes condições?
HÉRCULES: Que me despachem para a concretização do meu
sonho.
PERILO: Ótimo! Sabendo das pretensões do borrifo é meio
caminho andado.
Abre a maleta, procurando por qualquer coisa e acha aquele
outro disponível “santinho” e entrega para o anão.
PERILO: A outra metade do caminho é ir a esse comício.
HÉRCULES: Um anão num comício! Se eu for vou ser o sujeito
mais ansioso na face da Terra.
PERILO: Na face da Terra não, pelo seu tamanho na bunda de
homem isso sim. Não se intimide, controle a sua ansiedade e
depois a gente conversa.
HÉRCULES (estufa o peito): Se esse é o seu despacho então sigo
essa sua resolução, esse seu prestar serviço de ...
IRAMAIA (complementando antecipadamente): ... de qualquer
maneira.
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MUNGAMBALA (rindo): ... de aproveitar-se da ingenuidade
alheia.
PERILO (ralhando com o tio): Não sejam brincalhões com esses
nossos exercícios de funções obrigatórias de cumprir qualquer
exigência, sejam sim uns celebrantes de um ato religioso do
serviço da nossa empresa, um feiticeiro por encomenda como
foi naquela favela do manco, um auxiliar administrativo mais
sério do que aquele defunto que ontem você apertou a mão.
(falando para o anão): Vá Hércules, siga o seu destino.
Basta que o anão saia todo contente pisando nas pontas dos pés
para que o telefone tocasse.
IRAMAIA: Iramaia do “Despacha Tudo”, bom dia. Com quem eu
falo? Qual o seu telefone e o seu CPF?
PERILO: Pra que isso?
Ela tapando a boca do telefone com uma de suas mãos.
IRAMAIA: Ah! Não vem não, tudo quanto é serviço pede isso.
Por que essa coisa vai ser diferente.
PERILO: Coisa! Deixe de falar de si, seja objetiva e peça só o
endereço. Não podemos perder tempo, daqui a pouco o Teófilo
Cabral pode ligar ...
IRAMAIA: Que cara é esse que eu só escuto e nunca vi.
PERILO: Ele é que nem Deus.
Não adianta, só depois de meia hora de conversa no telefone
com o desconhecido cliente.
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IRAMAIA: Aqui estão registrados: nome da pessoa, endereço e
assunto.
O chefe lê e fala para o seu auxiliar administrativo.
PERILO: O trabalho nos ... Ih! Vamos logo.
MUNGAMBALA (sério): Só espero que não seja de desova e nem
de macumba que nem o de ontem.
Põe seus óculos escuros, pega sua maleta e desce as escadas do
edifício ainda olhando para todos os lados para ver se o gigante
musculoso rei do narcotráfico ou o baixinho e magrinho
uniformizado general Irineu ainda estavam por ali. Não estando
e andando acabam ...
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CARREGADOS NO COMBOIO SURUBÃO
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Eles vão pegar o comboio Surubão na Rodoviária, só que Perilo
vê os espanhóis – PADRE XAVIER e o gay YASY YATERÉ -, tenta se
esconder, porém não consegue. Os dois vêm em sua direção
parece que a coisa vai ficar preta, só que ...
PADRE XAVIER (sorridente): Quanto tempo, hein. Como vai a
família? Estamos sentindo sua falta lá na paróquia.
YASY YATERÉ (alegre): Vai viajar? Curtir um fresquinho, não é?
PADRE XAVIER: Não queremos mais lhe atrasar, essa longa
viagem. Não podem perder esse comboio, pois ele o único, o
próximo só daqui uma semana.
Os espanhóis abraçam efusivamente o brasileiro e o africano.
PERILO (pensando): Sacerdote e gay, e ainda por cima são da
Espanha e de Lua. Às vezes ficam constrangido e aborrecido,
outras vezes são descontraído e divertido.
Eles entram numa carroça puxada por bois em direção a periferia
sob adeus intenso dos espanhóis.
MUNGAMBALA (invocado, fica resmungando): Não gosto de
homem de preto e nem de rosa.
O Surubão parte e os arrabaldes de uma cidade com o passar do
tempo vão ficando cada vez mais para trás. Pela frente só tem
capim e vaca, é sinal que a zona rural está se aproximando, o
que deixa os bois da carroça muito animados.
MUNGAMBALA: Sabia que nós íamos para tão longe? Isso aqui é
roça.
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PERILO: Paciência, nosso cliente pode ser um grande fazendeiro.
Há sinal de que está querendo escurecer e o comboio não chega
ao destino. O chefe balançando as pernas, bufando ...
PERILO (impaciente): Que bosta!
MUNGAMBALA: É só o que eu vejo meu patrão e sobrinho.
Com a cabeça do lado de fora da janela, vêem na estação do
trem uma placa designando “Muito Além do Subúrbio”,
deixando-os muito contentes a ponto de ficarem pulando dentro
da carroça. Ali saltam. O chefe ajeita o terno, passa aqueles
sapatos bico fino nas calças para limpá-los, arregaça as mangas
do paletó para sobressair os relógios, pulseiras e anéis imitando
ouro, passa a mão no lençinho e rosa que disputam o bolso do
paletó, olha novamente para aqueles registros de sua avó
secretária. Notando que na bilheteria daquela estação o
vendedor de bilhetes já ia embora corre na direção dele, só que o
vendedor não ia não, ele foi, ficando aquela bilheteria e aquela
estação anoitecida sem ninguém, sem nenhuma alma viva.
MUNGAMBALA (meio medroso): Que negócio é esse!
PERILO: Deixe-me ver. (lendo novamente aqueles registros): Pela
minha interpretação do assunto “Vingança do XY” trata-se de
um negócio imperdível para a gente nunca esquecer.
MUNGAMBALA (receoso): Esquecimento, perdão, ou seria um
castigo. Uma desforra! Quem é o casal que tem seus nomes
começando por X e Y?
PERILO: Casal eu não sei, só me lembro daqueles espanhóis que
estavam presentes na nossa saída: o Padre Xavier e o gay Yasy
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Yateré. Xavier é um nome forte de origem da região conhecida
como País Basco, o Brasil teve um Presidente da República
descendente de bascos, foi o general Emílio Garrastazu Médici,
que governou o país na década de setenta do século XX, durante
o regime militar.
MUNGAMBALA (irrequieto): Está bem, ta bom, e o outro?
PERILO: Yasy Yateré é o nome de uma importante figura da
mitologia guarani, cujo significado literal é pedaço da Lua.
MUNGAMBALA (assustado): Mas, então isso parece ...
PERILO (na sua, sem notar o desespero do tio): Sua aparência?
Ele é descrito como um homem de pequena estatura, ou talvez
uma criança, aloirado e às vezes com olhos azuis. Tem uma
aparência distinta, algumas vezes descrita como bela ou
encantadora, e carrega um bastão ou cajado mágico. Habita na
mata, sendo considerado o protetor da erva-mate. Algumas
vezes é visto como protetor dos tesouros escondidos.
MUNGAMBALA (concluindo): ... parece uma vingança. “Vingança
do XY” quer dizer vingança de Xavier e Yasy por você ter levado
aqueles espanhóis para o meretrício. Agora estamos
“morroados” nessa escuridão por todos os lados, sem um puto
de um humano.
PERILO: Não fique preocupado. Vamos aproveitar essa
oportunidade para sermos os bandeirantes do século XXI. Vamos
penetrar nesse sertão carioca em busca de riquezas minerais.
Abre a sua enorme maleta e pega a bandeira do flamengo com
aquele pau resistente, tudo de propriedade do peru.
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PERILO: Nesse momento tenho a honra de encarregá-lo como o
bandeirante mor que segure neste pau duro e erga esta
bandeira o mais alto possível como símbolo do desbravador que
somos.
MUNGAMBALA (cismado): Hei! Que negócio é esse de segurar
... Lembre-se de que eu fiz uma promessa ...
PERILO: ... eu já lhe disse que negócio é esse, você é que não
presta atenção. Você vai segurar essa bandeira que é o símbolo
do tipo prospector, voltadas para a busca de pedras ou metais
preciosos.
MUNGAMBALA (cismado): Lembre-se de que eu fiz uma
promessa ...
PERILO: ... promessa de africano não vale.
Pára de falar por estar vendo um matuto que se aproxima com
um jegue.
PERILO (falando para o tio): Que língua deve falar aquele
Mazzaropi que vem ali com um asno? Como aqui é zona rural vai
ver que esse jeca fala ruralês.
MUNGAMBALA: Lá em Angola quem nasce na zona rural fala
português.
Os quatro ficam próximos dando a perceber que o jeca está de
chapéu de palha e lenço no pescoço.
PERILO (falando com o que vem): Homem cafuzo quer saber
nome?
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MAZZAROPI: Tonho.
PERILO (falando com o tio): Vejo como falo bem o ruralês.
MUNGAMBALA (perguntando a Tonho): E o do jumento?
MAZZAROPI: Toinho.
PERILO (falando com Tonho): Homem cafuzo fica comovido ao
ver pai e filho tão unidos nesta terra virgem.
MUNGAMBALA (estupefato): Mas, está chamando o homem de
burro!
PERILO (falando para o tio): Não fique melindrado com a
sinceridade. Mas, não percamos tempo com a taxonomia.
MAZZAROPI: Vós me cês dão licença que ...
PERILO (interrompe por visualizar um negócio): ... seu “Tonho
Tatu” é com orgulho que eu comunico que os seus problemas no
trânsito acabaram. Permita-me apresentar.
Cumprimenta o da área rural e lhe dá o cartão da empresa.
PERILO: Como pode ver no meu cartão, eu sou Dr.Perilo –
Especialista em Serviços Corriqueiros – dono da firma
conceituadíssima “Despacha Tudo” que cumpre qualquer
exigência. Este que está aqui comigo é um alto funcionário desta
companhia.
Mungambala cumprimenta a dupla Tonho e Toinho.
MAZZAROPI: Descupa, mas não sei lê não.
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PERILO: Então, vamos direto ao negócio.
Pegando uma cópia de uma empresa de despachante.
PERILO (falando para tonho): Vossa Alteza – Duque Tonho -, sou
um profissional que se encarrega do encaminhamento,
tramitação e despacho de papéis junto às repartições públicas,
especialmente para obter registros, licenças etc.
“Despacha Tudo”, tradicional no mercado, tem orgulho em
prestar serviços de qualidade, garantindo ao cliente total
comodidade e eficiência. Destacamos aqui alguns dos serviços
prestados por nossa equipe de profissionais.
Sobre Veículos temos: 1° Emplacamento de Veículo zero
quilômetro; Licenciamento; Transferências; Certidões; Recursos
de Multas; IPVA; Registro e transferência de veículos blindados
junto ao Exército; Defesa de Pontuação da CNH.
Sobre Documentos Pessoais: Passaporte; Vistos Consulares;
Carteira de Identidade; Carteira de Habilitação; CPF.
Certidões: Atestado de Antecedentes Criminais; Certidões
Negativas de Cartórios; Certidões de Registro de Imóveis;
Certidões de Débito com a Prefeitura; Certidões Negativas dos
Distribuidores da Capital; CND INSS, FGTS, Receita Federal;
Documentos para transação imobiliária.
Sobre Estrangeiros: Permanência no país; Prorrogação de
estada; Emissão de RNE e CPF; Contrato de Trabalho; Carteira
profissional; Carteira de Habilitação.
O burro se deita e começa a inicialmente a dormir e depois a
roncar.
PERILO (continuando): Temos também serviços especializados
em Financiamentos, CDC, Leasing e ...
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Observando que os dois demais estavam cochilando. O que está
com a palavra acorda os três.
PERILO (passando um pito): Admira-me muito que Vossa Alteza Duque Tonho - não esteja escutando as vantagens que pode
obter.
MAZZAROPI: Qal por exemplu?
PERILO: Como a de trocar esse burro velho e sonolento por ...
Toinho zurra.
MAZZAROPI: Quandu Toinho zurra é pra qui o outru baixe as
urelhas.
PERILO (falando para o tio): Isso é verdade, faça o favor
Mungambala de baixar suas orelhas. (continuando): Mas,
continuando. Oferecemos um financiamento para burro novo,
fazemos seu emplacamento caso ele corra demais temos recurso
de multa. Um detalhe: tem até garantia de fábrica. O carburador
e cano de descarga de burro são avançadíssimos. Podemos
também até por uma armadura no bichano e registrá-lo como
um veículo blindado junto ao Exército. Oferecemos inclusive
carteira de habilitação de burricos. Aproveita para tirar um
atestado de antecedente criminal a gente sabe que aqui há
muito atropelamento em formiga. Importante, você como
estrangeiro, pedir uma permanência no país ou uma
prorrogação de estadia. (falando para o tio): Mungambala note
que todo índio, caipira, gosta de trocar presente. Me dá essa
bandeira. (falando para Tonho): Enfim, para começar a nossa
transação comercial, dou uma mostra de nossa lisura, leve esta
bandeira que eu fico com esse burro caquético.
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Toinho zurra mais uma vez, só que dessa vez foi mais forte.
PERILO (falando para Tonho): Ouviu, até esse outro está de
acordo. Qualquer coisa Duque é só voltar aqui que a gente troca.
O despachante montando em Toinho parte com seu tio a pé
acenando para o roceiro que retribui agitando a bandeira do
flamengo.
PERILO (falando para si, todo contente): Ainda bem que deixei
aquele pau do Tião Trambiqueiro com aquela Vossa Alteza.
E assim eles estão de ...
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VOLTA AO RECANTO DO GUERREIRO
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Uma semana depois o cavaleiro vem chegando ao lar, a
criançada que trocava figurinha vendo aquele mamífero
esquisito correm na direção gritando “É meu! É meu!”, enquanto
isso o africano peregrino a pé, cheio de bolha, se atira no chão
de tão cansado.
PERILO (falando para as crianças): Calma que o bicho não é um
estrangeiro, ele é um migrante interno, veio de dentro do país.
Seu nome também é Maurício e ele é um burro. Quando vocês
quiserem falar com ele comecem dizendo “Maurício, seu burro
de dentro”.
Um dos garotos pergunta que som que esse bicho faz. Perilo
gentilmente fala para o interessado “Comece a falar que
descubrirá”. E como de costume disse que iria fazer um teste,
entraria com o burro no portão da sua casa e quando ele desse o
sinal eles gritassem: “Maurício, seu burro de dentro”. E a cena se
repete, o vizinho pega pedras e acaba acertando no peru que
estava quieto lá dentro.
PERILO: Ô Maurício não consigo lhe entender.
MAURÍCIO (com aquela voz de bêbado): Seiii per ... feitameentii
o que estou dizeeenduu.
PERILO: Nem fazendo quanto mais dizendo.
MAURÍCIO (bêbado): Voocêê é que ... não sabe, seu tonto.
PERILO: Você é que não sabe o que diz.
MAURÍCIO (bêbado): Mas, sei ... o que ando fazendo.
PERILO: Bebendo, ora.
85
MAURÍCIO (bêbado): E fu...
PERILO: Só se for a paciência dos outros. Dá-me licença que eu
tenho coisa mais importante a fazer.
Perilo entra em casa com aquele burro.
EVA: Não é nem Domingo de Ramos e você está celebrando
entrando aqui com esse jumento. Saiba que já se passaram uma
semana, quero ver qual é a desculpa e o meu presente como
mãe de seus filhos.
ADÃO (chorando): Eu também quero o meu.
PERILO: Eu estive fora essa semana para poder imitar Jesus que
entrou com um jumento a fim de mostrar que é muito
importante ser humilde e que o importante é fazer o bem as
pessoas, fazer amor e não a riqueza, o status.
EVA: Que conversa é essa de fazer amor. Fazer amor com quem?
PERILO: Controle seu pensamento pervertido, sua fariséia, pois,
isso aqui que conto é um conto santo. Até o Adão, nosso filho,
está chorando.
EVA: Mas, isso lá conta.
PERILO: O que conta é que quantas vezes não ficamos o dia todo
chateado porque não ganhamos um presente, quando o
importante é receber bem o Pai dos filhos. Dizer para esse
provedor: “Para que presente? Se sua presença é mais
importante.” (pausa): O que conta é que Deus não vê o que
vestimos o que temos ou o que compramos, ele vê nosso
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coração, a humildade que carregamos conosco, o amor pelo
próximo.
Como Élcio está fazendo a Primeira Comunhão.
ÉLCIO: E Jesus?
PERILO: As pessoas meu jovem Élcio receberão Jesus com
desprezo por estar em um jumento? Não, pelo contrário, eles
glorificaram sua vinda, reconheceram sua humildade e amor,
sabiam que ele era o Salvador independente de como entrara na
cidade; mas aqueles que aclamaram na sua entrada em
Jerusalém foram os mesmos que pouco tempo depois o
mataram e suspenderam na cruz, na sexta-feira santa, três dias
antes da ressurreição. A cruz é o sinal por excelência deste
tempo quaresmal, tempo de morte, mas também de uma vida
gerada a partir da cruz.
Élcio aplaude e Toinho zurra. E como um milagre ... Eva está
totalmente emocionada com lágrimas nos olhos.
EVA: Está bem, está bem, você tem razão. Deixemos de lado
essa coisa de presente, de mãe de seus filhos, mas, quanto
àquela promessa de casamento?
PERILO: Isso é uma outra questão quando ...
EVA (alterada): ... essa é a questão. Quando?
PERILO: Você sabe que você foi a minha primeira namorada,
nem beijar eu sabia, você é a única mulher que eu realmente
amei. Casaremos o mais breve possível. E na condição de recémcasado posso afirmar que direi “Até é que a morte nos separe.”.
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EVA: Primeira! Só eu sou a sétima concubina. Mas, está bem,
está bem, você tem razão. Deixemos de lado também essa coisa
de sua esposa, mas, só me explica uma coisa: por que não pode
ser hoje o casamento?
PERILO (falando para si): O Adão saiu igualzinho a mãe. (falando
para ela): Porque o seu pai não está preparado.
EVA (alterada): Peeeriilooo. Que estória é essa que o meu pai
não está preparado?
PERILO: Ele ainda não realizou o seu sonho de ser delegado de
polícia.
EVA: Se depender disso, a gente nunca vai se casar.
PERILO: Não seja pessimista. Ele tem a condição essencial para
ser um excelente delegado.
EVA: A de ser surdo? Daqui a pouco vai me dizer que ele precisa
ser cego também.
PERILO: Isso seria ideal para essa função. Não viu nada, não
escutou nada.
EVA (debochando): Na sua conta, também não é condição ser
desprovido de fala?
PERILO: Já isso é condição para ser Presidente da República.
Aliás, pensando bem, pode até falar, desde que seja abobrinha,
besteira e cascata.
EVA (alterada): Peeeriilooo. Meu pai está preparado siiimmm.
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PERILO: Acho que se a gente casar hoje ou amanhã ou daqui
uma semana, um mês, ou sei lá quando, o “sogrão surdão” não
vai conseguir dizer que em briga de marido e mulher ele não se
mete. Pois, se agora ele já mete o bedelho.
EVA: Sim, mas sempre ao seu favor.
PERILO: Sim, mas isso não é de graça não, ele cobra bem. Na
última vez foi uma nota de mil reais.
EVA: Mil reais! Essa nota não existe.
PERILO: Isso não vem ao caso, o que vem ao caso foi a alta
quantia pedida pelo velho.
A noite chega e todos vão dormir.
Pela manhã, como sempre acorda com a barraquista ...
PORRETA (gritando): Vamos parar com esses tiros, seus sem
direção. Vocês assim vão acabar acordando as crianças.
O tiroteio pára e .... para encurtar. Volta para casa com setenta
reais e encontra a família reunida com inclusão de Toinho e a
permanência do sumiço do chaninho. O chefe da casa já todo
arrumado para ir para o trabalho, como “saidera” conta uma
piada.
PERILO: A ONU resolveu fazer uma grande pesquisa mundial. A
pergunta era: "Por favor, diga honestamente, qual sua opinião
sobre a escassez de alimentos no resto do mundo". O resultado
foi desastroso. Foi um total fracasso. Os europeus não
entenderam o que é "escassez" Os africanos não sabiam o que
89
era "alimentos" Os argentinos não sabiam o significado de "por
favor". Os nortes americanos perguntaram o significado de "o
resto do mundo". Os cubanos estranharam e pediram maiores
explicações sobre "opinião". E o congresso brasileiro ainda está
debatendo o que é "honestamente".
Os únicos que se manifestaram rindo foram o peru fazendo glu
glu glu e o burro fazendo ió ió ió, o que faz a garotada lá fora
gritar.
VOZES: “Maurício, seu peru de fora” e “Maurício, seu burro de
dentro”.
O encanador Maurício ao sair com toda fúria e pressa do mundo
escorrega e se estatela no chão. Perilo ao ver aquele corpo
estirado no chão, como uma pessoa humanitária corre para ver o
que aconteceu e poder socorrer. Só que era o outro ...
PERILO: Mungambala, o que você está fazendo deitado aí no
meio da rua? Desmaiou novamente. Acorda, levanta logo daí,
vamos deixar de preguiça por que o trabalho nos ...
E lá vão tabefes no rosto do auxiliar tio.
EVA (aflita): Periiiloooo.
PERILO: Não se preocupe, não é agressão não, é caridade, eu só
estou acordando o desmaiado.
EVA (muito preocupada): Não é sobre isso que estou lhe
chamando, é sobre a caridade com o Maurício?
PERILO (apressado): Dá milho com cachaça e troca os gases dele.
90
EVA (agitada): Eu estou falando do outro Maurício, o nosso
vizinho Maurício Abreu, que se abriu todo e está quebrado no
chão.
PERILO (apressado): Mas, afinal, o seu sobrenome é Abreu ou
Abril.
EVA (inquieta): Ele está todo aberto desde seus supercílios até as
carnes da perna, inclusive o zíper de sua calça exibindo ...
PERILO (apressado): Isso você mesmo pode fazer sozinha, não
precisa de mim.
EVA (contente e assanhada): É claro que eu vou botar o peru
para dentro.
PERILO (apressado): Eu não gosto que ele fique do lado de fora,
a garotada é muito curiosa, ponha-o para dentro e não esqueça
de dar milho com cachaça e trocar os gases dele.
EVA (agitada): Eu estou falando do outro Maurício, o nosso
vizinho Maurício Abreu, que está todo quebrado no chão.
PERILO (apressado): Pega a vassoura e junte os cacos. Olha
mulher, agora eu não posso conversar, estou indo para o
trabalho. De noite a gente retoma esse assunto, esse
palavreado.
EVA: Mas, que assunto, que palavreado, o pobre do homem está
acidentado. (se dando conta): É, mas peru de acidentado não
tem dono, não é verdade?
Pega Toinho e o peru. O primeiro ele monta sobre protesto do
montado, o segundo ele entrega ao sujo e abatido que é o cujo
91
tio erguido. Este sem entender o que havia ocorrido, o que está
ocorrendo e o que está por ocorrer.
MUNGAMBALA: Onde estou? Para onde vou?
PERILO: Isso é lá hora para ficar filosofando, vamos que o
trabalho nos ... e com total ...
92
ÊXITO NA TRADICIONAL MEM DE SÁ
93
94
Pelas avenidas e ruas movimentadas e congestionadas da cidade
que parecia estar em festa, eram buzinadas, risadas e caçoadas
do tipo “Aí negão hein, segurando no peru.” e “o de baixo
carregando o de cima”. Mas, tudo deu certo porque conseguiram
estacionar numa daquelas cabines da polícia militar próximo ao
edifício que surpreendentemente ...
MUNGAMBALA: Mas, que fila enorme que dá volta pelo
quarteirão e termina na porta do ... (abismado): ... edifício onde
se encontra o Despacha Tudo! O que se passar ali sobrinho?
PERILO (todo orgulhoso): Ali ocorrer um vender, um transitar
para negociar.
E se põe a andar rápido para entrar no edifício.
MUNGAMBALA: Como assim?
PERILO: Eu fiz uns prospectos e entreguei na última vez que
tivemos aqui, há uma semana atrás, para uns desocupados que
moram aqui na calçada deste edifício para distribuir pela
redondeza.
MUNGAMBALA: Eles fizeram isso em troca de que? Só pode ser
de cachaça.
PERILO: Que idéia sórdida que vocês fazem desses nossos
inquilinos.
MUNGAMBALA: Inquilinos!
PERILO: Inquilinos sim, pois cada parte da calçada agora tem um
preço, a parte coberta é a mais cara, como se fosse o camarote,
já o meio fio é a mais barata, como se fosse a geral.
95
MUNGAMBALA: Todos aceitaram esta proposta.
PERILO: Proposta não. Contrato. Registrado em cartório. A bem
da verdade que tem uns que não quiseram, mas esses eu
empreguei na Despacha Tudo com um salário diário de
quinhentos reais.
MUNGAMBALA: Mas, isso é o que vai me pagar por mês.
PERILO: Por falar neles, lá vem um ali.
MUNGAMBALA: Aquele cabeludo fedido todo rasgado e
descalço, e ainda por cima com uma capa de chuva toda furada.
Aquele é ...
PERILO: ... o Cerca Lourenço que nem você, só falta as bolhas
nos pés.
O FORTUNA se aproxima.
PERILO: O que o meu afortunado empregado deseja?
FORTUNA (avisa educadamente): Patrão desculpa a ousadia
desse criado chamado Fortuna, me desculpe mais há uma
semana que eu não recebo o meu salário diário.
O patrão olha fixamente para o empregado, sorri rápido.
PERILO: Caro meu afortunado Fortuna, está desculpado.
FORTUNA: Mas, o pagamento?
PERILO: Amanhã, sem falta Vossa Alteza – Príncipe Fortuna.
96
FORTUNA: Posso confiar, doutor?
PERILO: Que nem as palavras de delegado: “tomaremos
providências”. Que nem a de dentista: “não vai doer nada”. Que
nem a de advogado: “esse processo é rápido”.
FORTUNA (desconfiado): Não sei não, isso está parecendo
resultado de CPI.
PERILO (falando para si): Pobre custa para ter certeza. Vou falar
para as massas. (falando para o Fortuna): Que nem as palavras
de pobre: “Se eu fosse milionário espalhava dinheiro pra todo
mundo”. Que nem a de ladrão: “Isso aqui foi um homem que me
deu.” Viciado: “Essa vai ser a última.” Ou então quando pego no
flagra: “Estava só segurando pra um amigo”.
FORTUNA: Ah! Estou entendendo. Na prática é como comprar
lata de leite e caixa de fósforos pela metade, votar pelo que foi
prometido e ser governado pelo não cumprido.
PERILO (entusiasmado): Viu como o príncipe pegou fácil. Vossa
Alteza é um cara muito inteligente. Saiba que eu vou lhe vender,
..., vender não, vou lhe dar um diploma superior. Pode escolher.
Tira da maleta, dois diplomas e mostra.
FORTUNA: Um tem uma cobra enrolada num cajado e o outro
uma taça com a serpente nela enrolada. Por que dessas formas
de rolos?
PERILO: Saiba que o primeiro é o bastão de Esculápio, ...
MUNGAMBALA: Esculacho?
97
PERILO: Ninguém quer causar danos a, nem destruir, pelo
contrário, causar saúde, salvar. Esculápio é o símbolo da
medicina. O segundo diploma, aquele que tem uma taça com a
serpente nela enrolada é internacionalmente conhecida como
símbolo da profissão farmacêutica. Sua origem remonta a
Antigüidade, sendo parte das histórias da mitologia grega. Tudo
começou com um centauro: Chiron.
FORTUNA: Está bom, está bom, já estudei demais mitologia
grega, pode ser o diploma de medicina mesmo.
PERILO: Espera só um instante que falta a assinatura do Reitor.
(falando para o tio): Assina aqui Mungambala.
FORTUNA: Mas, esse cara que nem eu, isso eu não quero não,
posso ser mendigo, porém não sou otário não.
PERILO: Está bem, então leva essa aprovação em concurso
público. Essa você mesmo pode assinar.
FORTUNA: Cara tu é não é fácil!
PERILO: E você um cara difícil de fazer negócio.
FORTUNA: Não acredito!
PERILO: Ainda por cima é um homem de pouca fé.
FORTUNA: Eu! Eu sou de uma banda ...
PERILO: De Umbanda! Não acredito mesmo. Então me diga de
quem você é filho. Por acaso é de Xangô?
FORTUNA: Eu não sou de uma banda pobre.
98
PERILO: Banda podre! Saiba que eu descendo de Xangô. Meu
nome é Perilo Saraíba Xangô.
FORTUNA (irritado): Não é nada disso. Eu sou filho da ...
PERILO: Ainda por cima não tem respeito a sua progenitora.
FORTUNA: Eu sou filho da burguesia.
PERILO: O Mungambala, isso é que é esculachar, avacalhar, está
dizendo que é filho da vaca, não tem um mínimo de respeito.
Conta outra. Em primeiro lugar, príncipe não é burguês. Em
segundo lugar, mendigo não é príncipe. Em terceiro lugar,
mendigo não é burguês.
FORTUNA: Eu vou contar outra. Saiba muito bem que
desrespeito é algo que faz alguma coisa parecer ser o que não é.
Pare de embobinar os outros.
PERILO: Como assim?
FORTUNA: Não sabe não? Então você vai me conhecer, eu sou
filho de rico, do criador do Papatudo, eu era professor de
português e vou lhe dar vários sinônimos de embobinar para
você escolher. Que tal ensaboar? Ou quem sabe complicar,
atrapalhar, embaraçar? Ou contornar, enlaçar, envolver? Ou
embrulhar, empacotar, dobrar? Ou ainda enganar, embair,
englobar? Talvez abrigar, agasalhar, cobrir? Esconder, ocultar,
embromar?
Ou prefere rimas de enrolador como: disfarçador, entalador,
escavador, salteador, ensopador, desviador, coalhador,
espiralador?
99
PERILO: Cumpro-lhe dizer que na qualidade de despachante do
juiz, o proferido é que não sou enrolado e muito menos um
enrolador.
FORTUNA: E por que não?
PERILO: Segundo o despacho do juiz, por ser eu incapaz de
adquirir forma de rolo, de ficar em volta, embrulhar, atrapalhar,
causar confusão, levar ao engano, erro, nem usar de artifícios
para adiar ou retardar decisão, tarefas etc.
FORTUNA: Para mim você é tudo isso, agora se não é, então o
que você é?
PERILO: Pois não, é com orgulho que eu comunico que os seus
problemas de informação acabaram. Permita-me apresentar.
Cumprimenta Fortuna e lhe dá o cartão da empresa.
PERILO: Como pode ver no meu cartão, eu sou Dr.Perilo –
Especialista em Serviços Corriqueiros – dono da firma
conceituadíssima “Despacha Tudo” que cumpre qualquer
exigência. Este que está aqui comigo é um alto funcionário desta
companhia.
FORTUNA (debochando): Despacha é nada! Despachante?
PERILO: Sim despachante que rima com
estonteante, constante, penetrante, palpitante ...
exorbitante,
FORTUNA (interrompendo): ... cambaleante, ondeante, vazante,
saltitante, dissonante, redundante, ...
100
Depois de meia hora de oferecer rimas com despachante, pára
por ver aquele a quem dirigia sua palavra, não estava acordado
e nem irritado, apenas dormindo ninado. Resolve acordá-lo.
PERILO: Por que você me interrompeu? Eu estava quase
chegando numa solução para o nosso problema.
FORTUNA: Saiba que eu tenho boa memória. Ninguém me
engana mais de uma vez.
PERILO: Isso lá é vantagem. Vantagem é se você tivesse péssima
memória porque pensaria que está sendo enganado pela
primeira vez e não estaria ai irritado desse jeito. Cuide mais do
seu fígado.
FORTUNA: Você não engana não, por que você não paga os
outros o que deve?
PERILO: Não pago porque fiz voto de pobreza.
Fortuna vira a costa, está indo embora falando alto.
FORTUNA: Ah! Vá se f ...
PERILO: Não posso porque fiz voto de castidade.
Volta irado.
FORTUNA: Fala mais alguma coisa para ver só.
Mudez total.
FORTUNA: Não vai falar não, vai ficar calado é?
101
MUNGAMBALA: É que ele também fez voto de silêncio.
FORTUNA: Aahh! Vão os dois para aquele lugar.
E saiu batendo forte suas pernas pela rua.
MUNGAMBALA: Que príncipe estressado esse mestre, hein?
PERILO: É que o salário de professor é pequeno e eles vêm fazer
bico aqui na rua. Até que eu estava pagando bem a Vossa Alteza.
MUNGAMBALA: Quinhentos reais não eram? O que eu ganho
num mês não é? Por falar em receber ...
PERILO (desviando): ... é isso aí Vossa Majestade, imperador é
superior a príncipe. Portanto, vamos lá para receber aquele
povaréu de clientes, que estão dando volta no quarteirão.
MUNGAMBALA (intrigado, se perguntando): O que esse povaréu
estará querendo? O que tem escrito naquele prospecto?
Eles sobem pela escada cumprimentando em cada degrau cerca
de cinco pessoas, o que deu para contar mais de duzentas
possíveis vítimas. Até que chegam à sala do escritório e
encontram a secretária fazendo pelo telefone vendas
particulares no expediente de trabalho e com uso do indevido da
telefonada.
IRAMAIA: O prato do Sushi À Caramiolas estou cobrando ... O
que é esse prato? É peixe cru, enrolado na gororoba da vovó.
MUNGAMBALA (falando para o patrão): A cunhada está fazendo
escola, hein sobrinho?
102
PERILO: Como assim! Aqui só se forma dois tipos de
despachantes: o documentalista e o aduaneiro. O
documentalista promove o processamento de expedientes,
requerimentos e recursos em assuntos administrativos e fiscais
de interesse de seus comitentes, ele desempenhará suas
atividades e pautará sua conduta profissional de acordo com o
código de ética baixado pelo Conselho Federal dos Despachantes
Documentalistas.
MUNGAMBALA (espantado): Código de ética!!!
PERILO: Por que do seu espanto? (falando para ela): Ó grandiosa
funcionária desliga logo isso porque o deus Teófilo Cabral está
para fazer uma remessa por telefone de dólares e euros.
Ela interrompe.
IRAMAIA: Tem cliente perguntando que curso é esse que essa
coisa vai dar? Pois, ele leu ao contrário do que a gente diz.
PERILO: O que o Detran diz?
IRAMAIA: Diz que o curso para despachante está encerrado.
PERILO: E o que a nossa coisa diz, ou melhor, a nossa valorosa
empresa diz?
IRAMAIA: Dizemos que o curso para o Detran vai começar.
PERILO: Então. Um termina e o outro começa, não há nenhuma
incompatibilidade de interesses, são clientelas diferentes. Uns
são os que querem ser despachantes. Outros são os otários que
querem integrar o corpo de funcionários do Detran.
103
IRAMAIA: Mas, quem é que vai dar esse curso?
PERILO: Estou diante dele.
Dele era Mungambala, só que ele não está nem aí para o que foi
comunicado por ele estar em outra, ainda traumatizado com o
que escutara há pouco.
MUNGAMBALA: Código de ética!!!!!!
PERILO: Esquece imperador esse código de ética isso não vale
coisa nenhuma. Com ele não se ganha dinheiro. A lembrança
aqui é outra. Fique sabendo que resolvi investir na sua pessoa
por sentir que tem muito espírito de busca. Vais freqüentar um
curso de formação de mágico, de um dia apenas de uma aula de
meia hora, com o dinheiro que ganha aqui dá para pagar essa
bagatela. Assim feito, saí de auxiliar administrativo e passa a
professor do curso para o Detran, passando a receber o dobro
do que ganhou até agora.
Em outra, ainda traumatizado com o que escutara.
MUNGAMBALA: Código de ética!!!!!!!!!
PERILO: Não, não se preocupe Vossa Majestade. Esse curso não
vai ser dado em nenhum poder legislativo.
MUNGAMBALA (trocando de aflição): O que esse povaréu estará
querendo?????????
O
que
tem
escrito
naquele
prospecto??????????
PERILO: Isso é fácil, isso o imperador vai saber agora. Abre a
porta minha considerada secretária.
104
A porta se abre e a sala fica sem nenhum espaço de tantas
pessoas querendo comprar bilhetes premiados, uns queriam o da
Loto, outros da Loteria Federal, alguns outros ... e uma especial
outra: SHIRLEY MICHELLY.
SHIRLEY MICHELLY: Não encostam em mim não, hein! Saibam
que eu gosto, hein! Você aí o bonitão vem aqui pra frente.
MUNGAMBALA (trocando novamente de aflição): O que esse
povaréu estará querendo na frente, atrás, ao lado da minha
noiva?????????
Já está quase anoitecendo e a fila não terminava, alguns
queriam até da milhar do jogo do bicho e a noiva de
Mungambala deitada. Dinheiro rolava e toma bilhetes de tudo
quanto tipo. Não agüentando mais de tanto ganhar dinheiro e
carimbar bilhetes, Perilo manda Mungambala comprar rojões,
foguetes, busca-pé. Passa um tempo e lá vem ele com todos os
empregados de uma loja de fogos de artifícios. Dá um real para
cada um com a missão de acender tudo o que foi comprado e
soltar a partir daquela sala, passando pelo corredor, escada e no
quarteirão. Mas, pediu que esperassem uns cinco minutos
enquanto ele fosse embora. Contudo antes, por ser um
gentleman.
PERILO: Fiquem todos a vontade, os meus funcionários e esses
recém contratados vão servir vocês a contendo. Qualquer coisa
saiba que não recebo reclamação. Até qualquer dia, aqui na
Terra ou no Céu.
Ele apressadamente desce pela escada cumprimentando em
cada degrau cerca de cinco pessoas. Até que chega à porta do
edifício e tome mais apertos de mão, até que chega naquele
posto da polícia militar onde estão o burro e o peru. Quando
105
irrompem estrondos e mais estrondos, a ponto do policial que
estava cochilando acordar para ver aquele cenário tão bucólico
que o faz recordar de seus bons tempos nos confrontos com a
marginalidade, nota-se até o correr de algumas lágrimas de seus
olhos Parecia realmente um cara sentimental. Como o burro e o
peru estavam completamente apavorados, foi só desamarrar
Toinho e Maurício (o que não é Abreu) e subir na garupa de um e
agarrar as pernas do outro para que em disparada chegassem
cedo em casa para receberem ...
106
NOTÍCIA LAMENTÁVEL E AGRADÁVEL
107
108
Lá os três receberam a triste notícia que o outro Maurício estava
todo engessado, perna para cima, braço para baixo, todo
enfaixado que não se via nem o rosto. Aliás, apenas Perilo ficou
triste, o burro e o peru tiveram sentimento contrário por
lembrarem das pedradas recebidas. Ele falando para todos da
família, exceto o desaparecido do chaninho.
PERILO: Estou penalizado pessoal, estou pensando em como
atenuar a aflição e possibilitar que Maurício recupere logo a
capacidade de se locomover para que a gente possa continuar
fazendo tudo o que tem direito para ... (brilhante intuição): ...
Eureca! Vou criar uma muleta com rodinha.
Silêncio, com exceção dos “aplausos” dos glu glu glu e ói ói ói. E
foi assim que...
109
110
O DESPACHANTE QUE VIROU PREFEITO
111
112
Dois anos se passaram. No Palácio da Cidade do Rio de Janeiro,
numa sessão solene marcada por forte emoção e pela presença
maciça de autoridades da Federação e do Estado, o despachante
Perilo Saraíba Xangô acabou de ser empossado no cargo de
Prefeito do Rio de Janeiro, e durante seu discurso de posse
afirmou que vai atuar para garantir os seus dois pontos
programáticos vitais: a ética e o desenrolamento na vida pública.
Quando estava dizendo que estava ali para cumprir qualquer
exigência, foi interrompido por um atentado terrorista do seu
opositor – Senhor Vereador Rui Duradouro – que soltou
bombinha, diabinho maluco, estrelinha e um forte pum.
Restaurada a ordem, ele disse.
PERILO: É por essas e outras que resolvi ampliar o meu poder de
chefe do lar dos Saraíba Xangô e chefe do escritório “Despacha
Tudo” para chefe dos cariocas a fim de ...
Foi aparteado e aporrinhado por Eva Silva e Souza, a
recentíssima primeira dama do município. Ele pego de surpresa,
desnorteado pelo perigo a vista, quase desmaiando que nem seu
tio, fica sem iniciativa, e escuta Eva dizer:
EVA: ... a fim de consumar as núpcias comigo, acertei? Antes,
porém, gostaria de dizer que eu e mais vinte e quatro
personagens que conviveram com o atual prefeito, e pelo jeito
futuro marido, afirmo que todos gostariam de prestar uma
homenagem a essa autoridade máxima do Município do Rio de
Janeiro.
E a solenidade que estava marcada para terminar à uma hora da
tarde com a boa tarde do Prefeito Perilo, só que já são mais de
meia noite o que talvez ele tenha que dizer “Bom dia” e mais
algo como um singelo “muito obrigado a todos pela presença.”
113
Para não aborrecer o leitor vamos fazer uma síntese do que
constou a homenagem, tirando obviamente tudo que é puxasaquismo tão apropriado a um prefeito em vias de iniciar o seu
mandato. Os personagens se apresentaram e falaram por cerca
de meia hora cada um. Para ser bem resumido para poder
acabar esse livro, vamos dizer em que pé estes personagens
estão na imaginação do autor.
Eva Silva e Souza além de continuar externando sua esperança
de casar algum dia com Perilo, almeja ser a responsável pela
recém criada Secretária Extraordinária do Desenvolvimento do
Patrimônio Particular do Prefeito.
Adão foi o primeiro do sexo masculino a se tornar carpideira, ou
seja, um profissional feminino cuja função consiste em chorar
para um defunto alheio. Está para ocupar cargo na Prefeitura.
Élcio se tornou empresário do irmão, fazendo o acordo
monetário entre a carpideira masculina e os familiares do
falecido. Também está para ocupar cargo na Prefeitura.
Sogrão surdão casou com a dona do bingo que funciona
clandestinamente, ela apaixonada por ele contratou um
cantador de pedras que também canta com a língua dos sinais, o
que fez com que o surdo não saísse mais daquela jogatina a
ponto dele conseguir realizar o seu sonho, o de ser chamado
para chefiar uma delegacia policial.
Iramaia ao varrer as escadas do corredor do “Despacha Tudo”
acabou achando as duas medalhas da Deusa da Proteção Total
que vem lhe protegendo do risco de se tornar rica. Ela se tornou
a funcionária mais graduada do “Despacha Tudo”, com assento
estabelecido na ex-cadeira do ex-chefe e ficou conhecida como
Vossa Senhoria em Serviços Corriqueiros por subalugar
ilegalmente a sala para os ambulantes guardarem suas barracas
e muambas. Cada vendedor tem seu espaço reservado trancado
com um cadeado do qual só a “senhoria” tem a chave.
114
Mungambala ao identificar no Instituto Médico Legal o corpo
daquele rei do narcotráfico encontrou o Funza, só que dentro
dele estava depositado um tóxico caríssimo de rara qualidade.
Hoje ele é o atual imperador do narcotráfico da Lapa. Essa Vossa
Majestade se casou com Shirley Michelly.
Shirley Michelly era aquela noiva do cais do porto que lhe
esbofeteou pela segunda vez devido aos conselhos do ex-chefe
“Oi gatinha, se vi alguém como você antes, foi apenas nos meus
sonhos.”
Irineu depois daquela surra sem possibilidade de revide esse
buçanha foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz e como Vossa
Senhoria criou uma eficiente rede de telefonia móvel por meio de
pombos correios, bem como banda larga e amarga pra trouxa
que promete e não cumpre nem os dez por cento mínimos por
estar sempre rodando ou parada.
Jack o trocador estripador foi para os Estados Unidos e
participando de suas inumeráveis guerras externas, internas,
semi-externas e semi-internas como torturador foi condecorado
inúmeras vezes a ponto de não ter mais lugar no seu peito para
medalhas. Na falta do capelão ele se distinguiu pela doutrina,
piedade e prudência na condução dos assuntos religiosos, feito
este que levou seu comandante militar na presença do batalhão
o nomear primeiro cardeal. Vossa Eminência toda a noite faz
strip-teaser para a mudinha “Já Morreu em Silêncio”.
Já Morreu em Silêncio ++++++++++++++++++++++++++++++++++
Camacho após aquele tiroteio em que ficou saltitante bateu o
recorde de salto com vara na Paraolimpíadas e alcançou seu
sonho de criança em ser paparazzo na Vila Mimosa.
Tião Trambiqueiro é o atual Ministro da Fazenda do recém
empossado Presidente da República, para ele esta autoridade
máxima no cenário nacional continua sendo irmão do maior
flamenguista que conheceu com aquele urubu na cabeça.
Belavista com aquela forte emoção que passou no maracanã
onde quase perdeu a vida e quase recuperou a vista, hoje como
115
um homem de quase visão já não vive mais em dúvida, mas sim
feliz em Portugal com sua esposa e o português Joaquim que o
enganara por ser flamenguista. Este lusitano como Reitor da
Universidade de Lisboa coadjuvado diretamente por pró-reitores
arrumou uma boca para o corno como vice-reitor.
Dementão depois daquele acidente previsto no Maracanã o
pirado se conscientizou de que era fedorento mesmo e hoje a sua
vida está destinada em buscar o psiquiatra que vai curá-lo.
Maurício que é Abreu e está todo entrevado largou a bebida por
não ter mão para segurar o copo, ou melhor, a garrafa, e muito
menos abertura na boca, tudo isso devido aos gases e gesso total
proveniente do estabaco com a criação da muleta com rodinha.
No entanto, continua afirmando que ainda está fazendo, ou
melhor, fu...
Padre Xavier deixou a batina para se casar com o Yasy Yateré.
Yasy Yateré. Tornou-se o primeiro ex-gay na história, bem como
está para adotar trigêmeos e abrir uma casa de tolerância.
Porreta hoje é capitã da Unidade de Polícia Pacificadora tendo
como consorte a tenente Belinda. Nas horas vagas ela é a
sacerdotisa de uma divindade com seios, nádegas sinuosas e um
órgão sexual masculino ereto, representando o falo.
Hércules abriu a empresa “Vossa Majestade” de confecções de
calças masculinas ggg e virou um império nessa especialidade, é
claro que não ficou rico porque sua clientela era pequena.
Mazzaropi ao transformar aquela madeira de lei em um vedor se
tornou o maior prospector da América Latina em localizar água
subterrânea, petróleo, e outros recursos. Ele foi reconhecido pela
nobreza recebendo o título de Duque.
Fortuna depois daquele episódio de não receber o salário diário
ficou tão irritado que preferiu voltar à profissão de professor de
português e retornar a vida mansa de filhinho de papai cheio da
grana. O criador do Papatudo investiu de tal maneira nesse seu
descendente rebento que o transformou no príncipe da literatura
dos moradores de rua ou sem-teto que vivem em extrema
116
carência material, não podendo garantir a sua sobrevivência
com meios próprios.
Chaninho foi internado numa casa de repouso para gatos devido
aquele estresse que passou com aspirador de pó ligado quase lhe
sugando para dentro daquele saco, balde com água que quase
foi motivo de seu afogamento, vassoura caindo que o deixou
com síndrome de terremoto.
Peru que não é Abreu se tornou o chefe da torcida organizado do
flamengo quando faz glu glu glu todos manifestam alegria e
começam a gritar “mengo”, quando se exibe abrindo as penas e
as pernas todos escondem o que tem de valioso na parede e
começam a gritar “meedo”.
Toinho está se formando em Psiquiatria para trabalhar na UPA e
não no UPA, ou seja, seu desejo é trabalhar na Unidade de
Pronto Atendimento e não na União Protetora dos Animais.
Teófilo Cabral, segundo Perilo, está para surgir no próximo
episódio das Aventuras de Perilo – O Prefeito.
____________________________________________________
Rui Duradouro que não foi considerado por Eva por ter
aparecido apenas no final e como oposição ao seu marido.
_____________________________________________________
Finalmente, tudo acaba com o Prefeito Perilo quebrando o
“protocolo do bom senso”, pois em vez de dizer apenas “Bom
dia, muito obrigado a todos pela presença.” ele ameaçou a todos
com “por favor, sentem-se, para que eu encerre com apenas
duas palavras…”
_____________________________________________________
117
Obs.: a seguir se mostra a situação de Maurício no banheiro da
Prefeitura às cinco horas da manhã quando terminou o discurso
do Prefeito Perilo Saraíba Xangô – O Enrolador.
FIM
118
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