A propaganda na era JK.
Um estudo exploratório da publicidade em jornal da região de Campinas1.
Flailda Brito GARBOGGINI2 e Felipe Ribeiro Brochado de ALMEIDA3
RESUMO
Trata de pesquisa exploratória qualitativa, tendo como objetivo principal conhecer a publicidade do
período JK. Foram observados e analisados alguns anúncios de jornal, veiculados no período de
governo Juscelino Kubitschek (1956-1961). No arquivo do principal jornal campineiro Correio
Popular, foram investigados e selecionados anúncios, procurando-se verificar como se referiam a fatos
político-econômicos do período, em decorrência da abertura ao capital internacional. Verificou-se
como a publicidade relacionava-se ao crescimento da indústria automobilística no Brasil. Foram
analisados, sob a luz da semiótica, elementos que compõem os anúncios selecionados, procurando-se
identificar a forma, estilo da redação das peças publicitárias. A observação analítica deste material,
sob uma perspectiva teórica, possibilitou realizar reflexões e tecer considerações sobre os progressos
da sociedade regional refletidos nos meios de comunicação.
Palavras-chave: Propaganda, história, mídia jornal, semiótica.
Apresentação
Este projeto teve como objetivo principal conhecer, levantar e classificar anúncios de
jornal, veiculados na década de 50, sobretudo no período de governo Juscelino Kubitschek
(1956-1961), através de uma pesquisa exploratória qualitativa. No arquivo do jornal
campineiro Correio Popular, foram investigados e selecionados anúncios que fazem
referência a fatos políticos e econômicos do período estudado, como o ingresso de diversas
empresas norte-americanas no país – oriundo da abertura ao capital internacional – bem como
peças que fazem alusão ao crescimento da indústria automobilística no Brasil. Foram
analisados, sob a luz da semiótica, elementos que compõe os anúncios selecionados pelo
pesquisador e sua orientadora, assim, percebendo reflexos da sociedade e da polícia brasileira
da época, além de identificar a forma, estilo e a redação das peças publicitárias.
O discurso publicitário pode representar um registro da sociedade de uma determinada
época e lugar, documentando a vida social, política e econômica. Como estudantes, sabemos
que através da publicidade, podemos identificar tipos de referência e valores, positivos e
negativos, marcantes da história da sociedade.
Estudar a mídia, mais especificamente o material publicitário da década de 50
colabora com uma maior compreensão do período em que Juscelino Kubitschek foi presidente
do Brasil, bem como investiga de que forma os aspectos sociais e políticos do país, estavam
representados nas propagandas em Campinas. A observação analítica deste material, sob uma
perspectiva teórica, nos possibilitou realizar reflexões e tecer considerações sobre os
progressos da sociedade refletidos nos meios de comunicação.
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Trabalho apresentado no Congresso de História da Mídia – 2008 – UFF – Niterói no Grupo de PP
Professora da Faculdade de Publicidade e Propaganda e Coordenadora do Centro de Memória da Publicidade
da PUC-Campinas.
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Pesquisador, com bolsa FAPIC, (Bolsa de Iniciação Científica da PUC-Campinas) aluno do curso de
Publicidade e Propaganda da PUC-Campinas.
Como justificativa secundária deste trabalho consideramos que o resgate e a análise do
material colhido contribuíram para o arquivo do Centro de Memória da Publicidade, da PUCCampinas, de nossa responsabilidade.
Com efeito, nesta pesquisa procuramos levantar e classificar anúncios veiculados em
jornal, a partir da metade da década de 50, buscando verificar a forma como a situação
política da época era inserida na publicidade. Esperamos com isso contribuir na recuperação
de material para a preservação da memória da publicidade, podendo assim ser disponibilizado
para futuros projetos de pesquisa e estudos aplicados a área da história da propaganda no
Brasil. Procurou-se então: 1) Compreender a situação política e econômica no Brasil durante
o governo de Juscelino Kubitschek, procurando estabelecer uma relação com a publicidade; 2)
Delinear os estilos e técnicas da criação e produção de anúncios de mídia de jornal durante o
período estudado; 3) Realizar um estudo analítico das peças publicitárias encontradas.
O estudo analítico do material foi realizado, tendo como linha teórica e metodológica a
semiótica, de acordo com proposta de Charles Sanders Peirce, de três anúncios pertencentes à
segunda metade da década de 50, anos em que Juscelino foi presidente da república.
Seguindo também a linha da História Nova, consideramos como Mark Ferro, Fernand
Braudel entre outros, que devemos partir de documentos e registros, como textos e imagens,
para realizar análises e desenhar parte da história de uma sociedade. Efetivamente, um
anúncio publicitário é uma representação simbólica que pode ser retomada para análise pela
relevância de seu sentido, refletindo tendências da sociedade ou de grupos sociais de uma
época.
“O método da pesquisa, partindo da análise de documentos pode ser
combinado com outros materiais para a realização de uma análise mais
completa de determinado assunto. (...) a maioria dos documentos humanos são
reflexos do processo de produção" (ALTHEIDE, 1993).
A análise do material publicitário coletado, realizada sob a luz da semiótica peirceana.
“Na face da referência, a análise semiótica nos permite compreender aquilo
que as mensagens indicam, aquilo a que se referem ou se aplicam. Também
nesta face encontramos três aspectos: o primeiro aspecto deriva do poder
meramente sugestivo tanto sensorial como metafórico das mensagens. O
segundo aspecto deriva do poder denotativo das mensagens, sua capacidade
para indicar algo que está fora delas. O terceiro aspecto deriva da
capacidade das mensagens para representar idéias abstratas e convencionais,
culturalmente compartilhadas” (SANTAELLA, 2002, 60).
De acordo com Peirce, existe uma reação entre signo (“aquilo que representa algo para
alguém”), objeto (“aquilo que representa”) e interpretante (“efeitos que gera”).
“Para os semioticistas, a publicidade é um terreno instigante onde podemos
reconhecer as categorias de uma descrição da significação. (...) Em muitos
países, a semiótica tornou-se, após os anos sessenta, um dos métodos
principais de estudos qualitativos da criação publicitária. Existe nela um
discurso complexo, composto por diversos tipos de signos em sobreposição,
passíveis de análises em vários níveis de profundidade”.(GARBOGGINI,
2005, 03).
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Os anúncios foram analisados em três níveis de interpretação: Análise da forma;
Análise do significado, Interpretação do conjunto.
1. Análise da forma: O anúncio é composto por imagens e textos, além de
outros elementos. Neste nível, foram analisados os aspectos visuais do
anúncio, sem contextualizá-lo. Tudo que foi observado na peça é observado
neste tópico.
2. Análise do conteúdo: Uma vez criado um “mapa físico” do material, neste
nível foram interpretados os textos e as imagens, observando a mensagem
que o anunciante pretendeu transmitir. Procura-se analisar os aspectos
textuais, levando em consideração a linguagem e os recursos lingüísticos
que a propaganda comunica.
3. Interpretação do conjunto: Por fim, foram cruzadas as análises anteriores
para realizar uma interpretação do anúncio com base no contexto históricopolítico-social no qual o anúncio estava inserido. Foi, então, realizada uma
análise geral da peça sem se ater aos fragmentos do discurso, mas sim ao
argumento e mensagem global transmitidos.
Avaliamos que a escolha da teoria de Peirce foi adequada, porque o estabelecimento
dos sentidos coletivos – os que podem ser visualizados no material estudado - é construído
através da publicidade para a venda de idéias e produtos. O comunicador, no caso o
publicitário, seleciona e instala no anúncio os signos da comunicação, e estes são
disseminados e sustentados pela publicidade.
“A construção dos sentidos coletivos só é possível, hoje, por meio da
publicidade. O homem constrói os signos da comunicação empresarial, mas
eles só são disseminados e sustentados pela publicidade, especialmente
quando nos referimos à produção sígnica de massa” (PEREZ, 2004, 142).
Para a seleção de material de análise, foram procurados anúncios que apresentaram em
seu conteúdo alguma relação com as questões discutidas sobre as políticas
desenvolvimentistas do governo JK, como por exemplo, a abertura comercial e a instalação de
indústrias, principalmente, a automobilística e de produtos eletrônicos, com a vinda de
empresas estrangeiras para o nosso país.
Uma pesquisa de caráter exploratório foi realizada inicialmente, tendo como
finalidade recuperar material para o Centro de Memória da propaganda da PUC-Campinas e,
sobretudo, localizar, classificar e analisar os sentidos do material publicitário em seu contexto
histórico. O corpus de estudo deste plano ficou, então, constituído por anúncios de jornal,
veiculados entre 1956 a 1961 na região de Campinas, no período do governo JK,
principalmente, a segunda metade da década de 50.
Os diretores do jornal e os responsáveis pelo arquivo do “Correio Popular”, jornal
pertencente à Rede Anhangüera de Comunicação e local de coleta do material de pesquisa,
demonstraram muita disposição para auxiliar na busca dos anúncios do período procurado.
Por estarem localizados em exemplares com mais de 10 anos, os pesquisadores não possuem
acesso ao material impresso, mas sim ao microfilme das páginas individuais.
Na época, notamos que a publicidade inserida no jornal encontrava-se concentrada na
primeira e ultima páginas das edições, e algumas ficavam dispersas entre as notícias. Todas as
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edições contavam também com a seção dos “classificados”, que ao mesmo tempo são
categorizados como propaganda.
O Jornal Correio Popular e seus primeiros anunciantes
O Correio Popular foi fundado em 4 de Setembro de 1927 pelo então vereador
campineiro Álvaro Ribeiro. No início da década de 50, quando já completava seus vinte e
poucos anos de circulação, o jornal ainda possuía uma tiragem pequena e pouca circulação na
cidade.
Nos primeiros três anos dessa década, o jornal manteve o mesmo formato - eram sete
páginas, só ultrapassando este limite em datas especiais como o aniversário da cidade e a
posse do prefeito. O jornal era composto além da capa, pelos classificados e as sessões
Coluna do povo, sociedade e esporte. Poucos anúncios eram veiculados. Além dos
“classificados”, os que existiam eram quase sempre inseridos na capa do jornal. Na edição de
01/01/1950, apenas duas peças publicitárias foram encontradas: uma da “Companhia
Imobiliária Campineira” e a outra do “Presépio mecanizado” que fora instalado no Largo do
Rosário.
Nos anos seguintes, o jornal cresceu, editorial e comercialmente. Em 1956, já era
impresso com cerca de 12 páginas, no ano seguinte, algumas edições chegaram a ter até 27
páginas. Em 1958, o Correio passou a ter 31 páginas e divisões por cadernos. Os anunciantes
mais freqüentes eram: Casa Nilo (General Electric), Kibon, Casa General (General Foods), A
Soberana, Monark, Elgin, Regulador Xavier, Eternit, A Especialista, Philco, Gulliver,
Reizinho Autopeças, Varig, entre outras.
Apresentamos um exemplo recuperado deste período a seguir:
Data: 05/01/1956
Nota-se que boa parte dos anunciantes eram as lojas revendedoras e distribuidoras dos
produtos na região e não o fabricante propriamente dito. Na década de 50, as agências de
publicidade em Campinas eram embrionárias ainda, sendo que os anúncios na década de 50
eram criados e produzidos no próprio jornal ou por alguns profissionais de gráficas. Alguns
eram realizados fora do país ou em agências de São Paulo.
Um pouco de História do Brasil
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Para compreender o contexto, foi fundamental retomar leituras sobre história e discutir
para compreender o cenário ao qual o estudo ficou inserido. Buscamos verificar de que forma
os aspectos sociais entravam na discussão da publicidade.
Sabe-se que no início da década de 50, o Brasil era ainda um país prioritariamente
agrário e subdesenvolvido. Recém criadas, as associações de profissionais da área de
propaganda ABA (Associação Brasileira de Propaganda) e a ABAP (Associação Brasileira de
Agências de Publicidade), traziam otimismo para o mercado publicitário do país.
Essa década foi um período de transição entre guerras mundiais da primeira metade do
século XX e o período das revoluções comportamentais e tecnológicas da segunda metade.
Sob o governo de Juscelino, o Brasil, cada vez mais, deixou de ser um país apenas rural para
alavancar seu desenvolvimento industrial, atraindo assim, investimentos internacionais.
A população passa, então, a poder optar cada vez com mais ofertas de bens e
multiplica-se a quantidade de produtos e marcas nas lojas e mercados. Aumentando a
concorrência, surge a necessidade de diferenciação de marca e, a partir daí, começam a ser
desenvolvidas e aperfeiçoadas a atividades de comunicação de massa. Assim, também, a
atividade publicitária no país passa a ser tratada com maior profissionalismo.
Breve histórico do governo JK
Antes mesmo do seu início, o governo de Juscelino Kubitschek enfrentou adversidades
políticas que permearam o período de sua indicação como candidato. A aliança PSD-PTB,
partido de JK, foi hostilizada pelos partidos da oposição como a União Democrática Nacional
(UDN). A única forma encontrada para driblar a oposição, era o apoio da opinião pública que,
sobretudo, foi a maneira de garantir a manutenção de Kubitschek no cargo. Era preciso ser
arrojado e o novo Presidente ousou ao anunciar seu programa de governo – 50 anos de
progresso em 5 anos de realizações, com pleno respeito às instituições democráticas.
Com a posse do presidente em 1956, o plano desenvolvimentista foi consolidado num
conjunto de 31 objetivos a serem alcançados em diversos setores da economia, sendo que a
31ª meta era a construção de Brasília e a transferência da capital federal. O governo previa a
modernização e industrialização do país.
“(...) Seu programa de industrialização, associado ao capital estrangeiro,
previa um plano de metas: “50 anos em cinco”. Decidido a reduzir o
desemprego, empenhou-se em um maciço programa de trabalho público que
incluía a criação da nova capital, Brasília. Veio a prosperidade econômica, ao
custo, porém, de uma alta inflação; a dívida nacional do Brasil subiu para
US$ 4 bilhões.” (FOLHA, 1996).
O slogan de campanha e de administração de governo do presidente era “50 anos em
5”, propondo um grande desenvolvimento do país em um curto período de tempo. Até então
marcado pelo progressivo déficit orçamentário e da balança comercial e pela crescente
desvalorização internacional do preço do café, o governo JK teve inicialmente que definir os
instrumentos de política econômica dos quais viria a lançar mão. A abertura ao capital
estrangeiro de investimento no Brasil produz um rápido crescimento industrial – tido como o
maior de toda a história do país, chegando à marca de 80%. A demanda por divulgação dos
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produtos/serviços e ampliação dos mercados consumidores faz com que as empresas e
indústrias instaladas aqui utilizem as técnicas de publicidade e de marketing para suprir seus
objetivos.
O ensino do ofício da publicidade e do marketing se inicia no país com a Escola de
Propaganda de São Paulo, que deu origem à ESPM (Escola Superior de Propaganda e
Marketing). Houve crescimento do número de agências de propaganda em São Paulo –
capital, enquanto em Campinas as agências ainda não existiam, os anúncios eram produzidos
pelas gráficas ou pelo próprio veículo, ou vinham prontos da agência de São Paulo, no caso
das empresas maiores ou mesmo do exterior, sendo traduzidos os anúncios em São Paulo, no
caso da Chevrolet ou da Coca Cola cuja agência já era a McCann-Erickson.
O investimento publicitário das companhias estrangeiras cresceu com a chegada ao
Brasil das agências de publicidade norte-americanas N. W. Ayer & Son, J. W. Thompson e
McCann-Erickson, entre os anos de 1929 e 1931 (RAMOS; MARCONDES, 1995, 33).
Na década de 50, surge a televisão de forma restrita com transmissão em preto e
branco. Aos poucos foi sendo considerada como mais uma possibilidade para a veiculação de
comerciais. Inicialmente foram poucos os anunciantes que se arriscavam a investir num
veículo novo que levou, pelo menos, uma década para se estabelecer de modo compensador
(cf. Garboggini, in PINHO, 1995, 73-91).
Grande parte da veiculação publicitária nos anos do governo de Juscelino Kubitschek
ficou restrita aos meios: revista, jornal e rádio.
A inauguração de Brasília em 1960, no último ano deste governo, foi que gerou um
grande interesse pela compra de televisores, tornando o veículo a partir daí muito mais
interessante para os anunciantes.
Em Campinas não havia uma revista exclusiva da cidade, seus habitantes liam revistas
nacionais da época como Seleções, O Cruzeiro e Manchete. Existiam então, jornais e rádios
campineiros. Verificamos, inicialmente, a possibilidade de recuperar material dessas mídias.
Constatamos não haver, ou pelo menos, não foi encontrado nenhum registro gravado de
comerciais ou programas de rádio nesta cidade da época. Não era fácil a gravação particular e
notamos que as rádios da cidade não tiveram o cuidado de preservar material produzido em
outros tempos. O jornal, ao contrário, ao menos o Correio
Popular, teve a preocupação de registrar e manter em
microfilme volumes de outras épocas. Assim foi feita a
opção de utilizar tal acervo. Daí a escolha por mensagens
impressas veiculadas exclusivamente nesta cidade em seu
principal jornal. Buscamos uma perspectiva da
linguagem e das imagens componente das peças.
Anúncio 1
Jornal: Correio Popular
Data: 19/06/1957
Anunciante: Theodoro Oliva S.A., Com. e Imp.
GM
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Análise da forma
Este anúncio é visualmente simples. Contém poucas imagens e textos indicativos. Não
existe grafismo no plano de fundo, sendo, apenas, os da cor do suporte (papel de jornal) em
que foi impresso.
Na parte superior da peça, o título “nós conhecemos melhor seu Chevrolet!” é escrito
em caixa alta e com borda de espessura mais grossa, chamando atenção do leitor diretamente
para esta área. Logo abaixo, o anúncio é dividido entre o logotipo do serviço automotivo da
Chevrolet, com a ilustração de um mecânico consertando um carro.
Mudando o esquema tipográfico, o texto “Confie-nos sua manutenção” é escrito com
fonte serifada, bem como o texto que segue abaixo “uma organização para bem servi-lo”, este
em caixa alta. Outra imagem é inserida, esta para “marcar” como sendo este, um serviço da
General Motors (GM), através do logotipo da empresa.
Por fim, na parte inferior da peça, indica-se o nome do estabelecimento que presta este
serviço na cidade de Campinas, assim como o endereço e outras formas de contato.
Análise do conteúdo
Relacionando a categoria de pensamento com o anúncio em questão, é possível
identificar ícones, índices e símbolos dentro da categoria secundidade. O desenho do carro
sendo consertado (índice) nos remete ao passado, o tipo de fonte e linguagem também. O
logotipo da GM, um ícone, é responsável pela credibilidade que o publicitário buscou passar
para o emissor, se favorecendo da marca consolidada e reconhecida da empresa.
O argumento: a excelência do serviço, nesse caso, é passado através dos signos
verbais, classificado como símbolo verbal pelo Pierce. São três os símbolos verbais
responsáveis pelo argumento desse anuncio: “nós conhecemos melhor seu chevrolet”,
“confie-nos sua manutenção”, “uma organização para bem servi-lo”. E é através destes
argumentos, que a peça desvenda o apelo emocional que pretende transmitir, mais até do que
o cognitivo que está mais relacionado à categoria deste serviço.
Acerca do ponto de vista do receptor da mensagem, no primeiro momento o ele é
tomado pelo estranhamento em relação a peça e sua intenção. No segundo ele individualiza
cada elemento presente no anúncio (ícones, índices e símbolos) e os entende separadamente.
No último momento ele é capaz de interpretar, fazer associações e entender a coesão interna
da peça, unindo os elementos que na secundidade ele havia avaliado individualmente.
Interpretação do conjunto
Sabe-se que a abertura de mercado, incentivada durante o governo JK, motivou a
instalação de indústrias estrangeiras no país, principalmente a automobilística. Com isso,
houve uma massificação no consumo de carros e serviços automotivos, bem como, uma
supervalorização do rótulo “produto (marca, serviço, empresa) importado” pela população.
Este valor está agregado neste anúncio, quando visualizamos a repetição da marca Chevrolet e
o destaque ao logotipo GM (General Motors). Isto dá status à peça publicitária, uma vez que
este apelo era garantia de qualidade e satisfação durante a década de 50.
Ainda que este fora um serviço praticado por mecânicos brasileiros, que instalados na
região, prestavam a manutenção sob o rótulo da fabricante.
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Anúncio 2
Jornal: Correio Popular
Data: 09/06/1957
Anunciante: Casa Boris/ Philips
Análise da forma
Este é um anúncio com diversos elementos textuais e gráficos. Compondo uma página
inteira do jornal, ele estabelece uma divisão visual: a primeira, na parte superior, que
demonstra o produto e as informações relacionadas, a segunda, na área inferior, promove a
loja anunciante. Começaremos analisar a primeira parcela da peça.
No lado esquerdo, o texto referente a promoção do dia dos namorados, divulga o preço
do produto: “Sugestão para 12 de junho. Para ele ou para ela. Um rádio de Cabeceira com
apenas Cr.$ 199,00 mensais”. Nota-se que algumas palavras são grafadas em caixa alta,
sobressaindo-se ao conjunto da sentença; são elas, sugestão, junho, ele e ela. A direita, no alto
se encontra o logotipo do fabricante Philips (o mesmo que é usado até os dias de hoje), e logo
abaixo a fotografia do produto. Segue uma descrição técnica do rádio, contendo o modelo, e
as inovações que esta versão apresenta. Mais abaixo, o texto “... e lembre-se”, faz a ligação
das duas partes que compõe o anúncio.
Na segunda parte desta peça – a inferior – o publicitário divulga a loja em que o
produto anunciado na área superior está sendo vendido. Para isso, ele utiliza uma gravura de
um casal que posa abraçado, em frente a uma casa. O homem utiliza uma camisa social, com
uma gravata. Ele apóia uma das mãos sobre o cinto, e a outra, posa espalmada, cruzando o
braço da companheira. A mulher veste uma camisa comum, e percebe-se que utiliza uma saia.
Ela se apóia nos ombros do companheiro, ao mesmo tempo em que “ajeita” a gravata dele.
Ambos sorriem.
Já a casa que figura ao fundo, parece ser uma boa construção de uma típica residência
dos anos 50: Com uma entrada em forma de arco, janelas que abrem para fora, uma lareira e
um confortável jardim.
No alto desta área do anúncio, está inserido o seguinte título: “Casados... eternos
namorados”. Em baixo o texto que completa a divulgação da loja. “Para presente ou conforto
do seu lar... artigos da [seta para o nome da loja]”. É notável o constante uso de reticências;
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recurso este ainda pouco explorado pelo estilo de redação publicitária, percebido nos anúncios
do período.
Por fim, no rodapé da propaganda, o nome do anunciante, Casa Boris, seguido pelo
endereço e telefone da loja.
Análise do conteúdo:
Quanto ao texto deste anúncio, devemos analisá-lo em diferentes blocos: O título
inicial apresenta a promoção ao leitor. O uso de algumas expressões em caixa alta define as
palavras-chave para este anúncio. Direciona-o tanto para o homem quanto para a mulher,
dispondo então atender os dois públicos. O preço vem com maior destaque neste bloco, pois
se tratando de uma mecânica de promoção de vendas, merece maior atenção por parte do
leitor. Nota-se então, a estratégia visual de aumentar o tamanho gráfico do preço, reduzindo a
informação que este se trata de apenas uma parcela de um financiamento, assim, colocando a
palavra “mensais”, em escala reduzida.
O logotipo da Philips aparece evidente no alto da folha, logo acima da foto do produto,
concentrando então, o primeiro olhar do leitor para esta área do anúncio. O texto informativo,
por conter informações mais técnicas, não possui grande destaque na peça, servindo mesmo
para respaldar a imagem do rádio com as suas características. No centro, a frase “... e lembrese”, chama o foto do leitor para a área de baixo da peça. Fazendo assim a ligação entre as duas
áreas e dando continuidade a idéia central do dia dos namorados.
Em destaque, sobre um box de cor escura, o ditado “Casados... eternos namorados”
aparece escrito com uma tipografia que imita a caligrafia, agregando uma atmosfera
romântica ao anúncio. Embaixo do texto de apresentação da loja, uma seta direciona para o
nome da empresa. Com isso, percebemos que o publicitário desejou guiar o olhar do leitor
através do anúncio. Diversos elementos provam isto: A divisão em hemisférios, na parte
superior a separação entre os lados, o texto “... e lembre-se”, a seta que aponta a logomarca da
Casa Boris, o rodapé com plano de fundo diferenciado.
Já a gravura que ilustra o anúncio, mostra um casal feliz e satisfeito. Parecem que não
possuem preocupação e que, como sugere o título ao lado, estão sempre enamorados. A figura
da casa ao fundo, faz referência a uma vida estável, em família, com a residência própria, o
que induz o consumo de um eletrodoméstico de lazer, como é o rádio anunciado.
Interpretação do conjunto:
Assim como previamente observado, a entrada das empresas estrangeiras no país foi
auxiliada pela abertura de mercado realizada por meio das políticas desenvolvimentistas de
JK, e o consumo dos produtos trazidos de fora, foi facilitado e ampliado. Custos reduzidos e
uma maior cobertura em números de pontos-de-venda se reverteram em maior investimento
em publicidade para anunciar os produtos que então, estavam sendo comercializados mais
amplamente no país.
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Anúncio 3
Jornal: Correio Popular
Data: 12/06/1958
Anunciante: Ford Motors
Análise da forma
Dentre muitas edições do jornal Correio Popular
pesquisadas, este anúncio destaca-se por ser um dos
únicos a ocupar uma página inteira do jornal. Todos os
outros se restringiam à “ilhas” dentro da folha, ou no
máximo ocupando 1/3 dela.
Iniciando a observação do formato da peça pela parte
superior, nota-se um grande destaque no nome (e nesta
época, o então logotipo) do fabricante, a Ford. Em
tamanho real, as quatro letras bastão ocupam a área de
7,0 x 12,5 cm, ou seja, um espaço relativamente grande
diante dos outros elementos.
Ao lado esquerdo do logotipo, duas frases que comparam
o modelo antigo produzido pela montadora, ao atual anunciado nesta peça: “Do modêlo T,
1907... ao possante F-600” (sic). Ilustrando a analogia, um ícone do modelo do automóvel
antigo. Outro ponto a ser notado, é a grafia da palavra ‘modelo’, escrita ainda com acento
circunflexo.
O slogan da marca segue como uma assinatura ao logotipo: “[Ford] continua o Melhor
Caminhão do Mundo!”. Escrito também em letra tipo bastão, ele se destaca, intermediando a
logomarca e a ilustração do produto.
No centro da peça, a foto do caminhão anunciado ocupa cerca de 30% do espaço.
Explorando toda parte da frente e também a carroceria, o veículo mostra-se robusto, visto que
a foto, sob um ângulo abaixo da linha horizontal que corta o produto em um plano frontal,
causa a impressão de que o caminhão é maior.
Logo abaixo, encontra-se um box com a mesma cor do fundo do anúncio, sobrepondo
a parcela inferior da imagem do caminhão. Observamos que esse recurso gráfico era pouco
utilizado nos anúncios do período.
Inseriram, ainda, informações acerca do motor V-8 do automóvel. Sob o título
“Nenhum outro caminhão apresenta tantas vantagens a preços tão reduzidos!”, blocos de
textos e uma imagem são inseridos para informar das características desta componente.
No espaço inferior do anúncio, o nome do produto aparece ao lado do “selo” brasileiro
da Ford. Por fim, a logomarca dos serviços de peças e acessórios da montadora foi colocado
no canto direito.
Análise do conteúdo:
A análise do significado de uma peça publicitária consiste em relacionar os elementos
presentes com a categoria de pensamento da secundidade, proposta por Peirce.
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Acerca do logotipo, o que se destaca é a dimensão em que foi inserido no anúncio. Por
ser grande, reforça o tamanho e a importância da montadora para o mercado de
automobilístico, não só no Brasil, mas também no mundo. Este sentido de grandeza fica
enfatizado pelo slogan da marca, “(...) o Melhor Caminhão do Mundo!”.
A comparação feita entre os dois modelos de veículos, visa representar o crescimento
que a Ford vinha obtendo no país e a evolução dos seus produtos. Além disso, grande parte
dos títulos deste anúncio foi confeccionada com uma tipologia reta, sem curvas, imprimindo
modernidade ao produto e à marca.
Analisando a imagem do produto no centro do anúncio, é perceptível o apelo
emocional e visual que o criador pretende transmitir: um imponente caminhão, que se
sobressai ente os concorrentes. Efeito causado pelo ângulo em que a foto retrata o veículo.
Os blocos de texto apresentando o motor V-8, cumprem seu dever mostrando a
eficiência do caminhão, como promessa de atendimento à principal expectativa do receptor
em relação ao produto. Os títulos “Maior economia!”, “Maior eficiência!” e “Maior
resistência!” são predicados que prometem outros benefícios de qualidade pretendidas pelo
consumidor visado.
Interpretação do conjunto:
Em seu governo Juscelino Kubitchek voltou-se para uma chamada política
desenvolvimentista, implantando o conhecido Plano de Metas. Dentre seis pilares de
desenvolvimento, a área de transportes recebera um grande investimento público e privado
durante a década de 50.
As rodovias cresciam em larga escala – o que no futuro viria a reprimir o sistema
ferroviário – e a necessidade de veículos que obtivessem melhor desempenho eram cada dia
mais requisitados pelo sistema de transporte brasileiro.
Neste momento então, a demanda por caminhões econômicos, eficientes, e resistentes
era crescente. Fato este muito presente e visível no anúncio analisado, em que estas
características são amplamente exploradas pelo texto.
A expressão “usina de força” utilizada no título do box informativo, remte a todo este
cenário em que a economia brasileira estava passando. Assim como nos transportes, a setor de
energia estava recebendo grandes investimentos por parte do governo JK.
Algumas considerações finais
A partir das leituras, pesquisas e análises realizadas, constatamos que os anúncios
veiculados no jornal Correio Popular, não faziam referência direta ao governo o que aparecia
nas reportagens das revistas e jornais da época. Mesmo se considerarmos anúncios das
revistas “Manchete” e “O Cruzeiro”, observados em paralelo (mas não analisados), o mesmo
acontecia.
Em geral o que se verificou é que cresceram os anunciantes das novas áreas industriais
que surgiam na época como automóveis e eletro domésticos e, conseqüentemente, surgiram
novas empresas prestadoras de serviços de manutenção assim como lojas revendedoras ou
concessionárias de veículos e de produtos, então fabricados no país, assim como peças e
autopeças. Esses passaram a ser anunciantes importantes que cresceram a partir de então
graças aos incentivos desse governo. Essas novas empresas nacionais e multinacionais que
vieram para o Brasil geraram um crescimento no setor de comunicação, passando a necessitar
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de prestadores de serviços empresariais, entre eles as Agências de Publicidade e Propaganda,
além de consultorias de Marketing e de Relações Públicas.
Com o incremento do setor da Comunicação vimos surgir e crescer o número de
cursos do setor como as Faculdades de Comunicação no Brasil. Quanto maior se tornou a
produção desses bens, incentivados pelo governo JK, além do crescimento da malha
rodoviária, novas oportunidades apareceram em termos de consumo de bens industrializados e
mais as empresas cresceram gerando mercado de trabalho e necessidade de realizar uma
comunicação eficiente com seu mercado.
Através desse estudo exploratório entendemos melhor o processo, confirmando a
crença de que a recuperação, classificação e análise de materiais produzidos por profissionais,
ou pelo ser humano de uma maneira geral, em uma determinada época, devem ser realizadas,
pois ajudam a contar às novas gerações os passos percorridos por seus antecedentes.
Para os profissionais pode servir para gerar maior compreensão do passado o que
ajuda no entendimento das transformações da sociedade e dos aspectos profissionais de todos
os setores. Em nosso caso, o das atividades ligadas às Comunicações e por considerar o
discurso publicitário, como reflexo da sociedade de determinado período, acabamos por
defender e aprender com os teóricos que propõem que a preservação dos anúncios antigos
deve ser estimulada para a preservação da história da profissão e, a partir dela, para colaborar,
ajudando a estudar e compreender outros contextos e épocas das empresas e da humanidade.
Por fim, acreditamos que esta pesquisa e estudo contribuíram, ainda que de forma
restrita e localizada, com o acervo do Centro de Memória da Publicidade, projeto de extensão
da PUC Campinas, abrindo um caminho de pesquisa, para que no futuro, outros alunos,
professores e pesquisadores continuem, a partir do acesso ao material publicitário obtido, a
aprofundar seus estudos sobre a história da publicidade desde o âmbito regional até o âmbito
mundial, de acordo com seus interesses ou necessidades.
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A propaganda na era JK. Um estudo exploratório da