MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Estado do Maranhão
2º Ofício Cível
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 5ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO
ESTADO DO MARANHÃO
Distribuição por dependência aos autos do processo n.° 2003.37.00.008868-2
U R G E N T E – Risco de dano ambiental e a comunidades remanescentes de quilombos
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio dos Procuradores
da República signatários, com supedâneo no art. 129, III, da Constituição Federal, no art. 5º,
caput, da Lei n.º 7.347/85 e no art. 6º, VI, “a” e “b” da Lei Complementar n.º 75/93, vem propor
AÇÃO CAUTELAR INOMINADA, com pedido de liminar, em face de
AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA, pessoa jurídica
de direito público, com endereço no SPO, Área 5,
quadra 3, bloco A, Brasília/DF, CEP 70610-200 CNPJ
86.900.545/0001-70, a ser citada na pessoa do seu
representante legal;
ALCANTARA CYCLONE SPACE, empresa binacional
brasileira-ucraniana, com endereço no ST SCN Quadra
02, Bloco A, n° 190, 603, Edifício Corporate F. Center,
Asa Norte, Brasília/DF, CEP 70712-900, CNPJ
07.752.497/0001-43, a ser citada na pessoa do seu
representante legal.
FUNDAÇÃO APLICAÇÕES DE TECNOLOGIAS
CRÍTICAS – ATECH, pessoa jurídica de direito
privado, com endereço à Rua do Rócio, 313, 11º Andar,
Vila Olímpia, São Paulo/SP, CEP 04552-000, CNPJ
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2º Ofício Cível
01.710.917/0001-42, a ser citada na pessoa do seu
representante legal,
pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expendidos.
DOS OBJETIVOS DA DEMANDA
A presente Ação Cautelar incidental à Ação Civil Pública em epígrafe
destina-se à preservação de direitos das comunidades remanescentes de quilombo no
município de Alcântara, em especial aquelas denominadas Manuna e Baracatatiua, em face de
atos perpetrados pelas requeridas, os quais representam lesão à integridade da posse dos
territórios étnicos respectivos, bem como afetam os recursos ambientais da região e o modo de
fazer e viver dos integrantes dos grupos étnicos locais.
Os atos das requeridas consistem em aberturas de estradas e obras
de pré-engenharia, não acobertadas licitamente pela Administração ambiental, que
impactam negativamente as comunidades remanescentes de quilombo, as quais aguardam a
titulação das suas terras, consoante o contexto apresentado na inicial da actio principal.
Além disso, constata-se a realização de prospecções, perfurações e
demarcação nas áreas tradicionalmente sob posse das comunidades, impactando-as
negativamente em seu modo de viver, consoante avaliação antropológica e depoimentos
colhidos, em atividades destinadas à futura instalação do sítio de lançamento “Cyclone 4”, em
empreendimento binacional desenvolvido pelo Brasil e Ucrânia, consoante tratado internacional
firmado.
Assim, pretende-se a imposição de obrigação de não fazer às
requeridas, com a cominação de multa, consistente na abstenção da implantação de obras,
instalações e serviços que afetem a posse do território étnico dos remanescentes de
quilombo, conforme mapa apresentado no feito principal, sem o consentimento das
comunidades
afetadas,
até
que
seja
ultimado
o
processo
de
identificação,
reconhecimento, delimitação e titulação das terras respectivas, em curso no INCRA, na
forma do art. 68 do ADCT da CF/88 e Decreto Federal n.° 4.887/93, em discussão na Ação Civil
Pública n.° 2003.37.00.008868-2.
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DOS FATOS
Do conjunto de empreendimentos espaciais em Alcântara, estado do Maranhão – o
projeto Cyclone-4 e os novos sítios de lançamento.
De
administrativo
n.º
acordo
com
as
informações
1
1.19.000.000223/2001-39
e
no
coletadas
Inquérito
no
Civil
procedimento
Público
n.°
1.19.000.000066/2008-382 (ainda em tramitação na Procuradoria da República no Maranhão),
foi constatada, inicialmente no mês de novembro de 2007, a partir de trabalhos em campo de
pesquisadores vinculados aos Programa de Pós-Graduação em Ciência Sociais e de relatos de
moradores locais, a ocorrência de um conjunto de trabalhos desenvolvidos pelas ora
requeridas, diretamente ou através de empresas contratadas para a sua execução, na zona
rural de Alcântara/MA, os quais afetavam as comunidades remanescentes de quilombo,
indicadas na Ação principal3.
Para melhor compreensão do caso, deve-se inicialmente atentar que
atualmente o Estado Brasileiro pretende desenvolver um conjunto de empreendimentos no
município de Alcântara, de acordo com a Política Nacional de Atividades Espaciais4, através de
duas unidades:
1. Centro de Lançamento de Alcântara: destinado a “prover, na região
equatorial, serviços de lançamento de veículos para missões suborbitais e orbitais”, sendo que
tais
atividades
estarão
“sob
responsabilidade
do
Departamento
de
Pesquisas
e
Desenvolvimento – DEPED, do Comando da Aeronáutica.”; e do
2. Centro Espacial de Alcântara: criado “para o suporte às atividades de
lançamentos comerciais previstos no PNAE (...), subordinado diretamente à Agência
Espacial Brasileira.”
1 Instaurado em 09 de abril de 2001, para apurar a adoção de medidas, por parte da União, atentatórias aos direitos
individuais e coletivos dos moradores de diversos povoados e agrovilas situados nos arredores do Centro de
Lançamento de Alcântara.
2 Instaurado em 31 de janeiro de 2008, para apurar a possíveis irregularidades no licenciamento ambiental de um
conjunto de empreendimentos desenvolvidos pela União, Agência Espacial Brasileira e Alcântara Cyclone Space
em face das comunidades remanescentes de quilombo em Alcântara, MA.
3 Autos do Processo n.° 2003.37.00.008868-2
4 De acordo com as informações do Programa Nacional de Atividades Espaciais – PNAE, pag. 52. AGÊNCIA
ESPACIAL BRASILEIRA. Programa Nacional de Atividades Espaciais: PNAE/Agência Espacial Brasileira.
Brasília: Ministério da Ciência Tecnologia, Agência Espacial Brasileira, 2005.
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Nesse contexto, o Estado Brasileiro firmou com a Ucrânia o Tratado
sobre a Cooperação de Longo Prazo na Utilização do Veículo de Lançamento Cyclone-4, em
21 de outubro de 2003, o qual foi promulgado pelo Decreto n.° 5.436, de 28 de abril de 2008.
Tal tratado foi precedido de um Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o
Governo da Ucrânia sobre Salvaguardas Tecnológicas relacionadas à Participação da Ucrânia
em Lançamentos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, em 16 de janeiro de 2002.
Para o cumprimento do primeiro ajuste, a União comprometeu-se a
desenvolver a infra-estrutura geral do empreendimento binacional para o lançamento de
veículos espaciais, de acordo com as exigências técnicas necessárias, responsabilizando-se
pelo seu regular licenciamento.
No mesmo ato, delineou-se a criação da empresa Alcântara Cyclone
Space5, a qual ficaria responsável pelo desenvolvimento e a operação do Sítio de Lançamento
do Cyclone-4, em Alcântara/MA, para a realização de operações espaciais de natureza
comercial. A Agência Espacial Brasileira permaneceu como autoridade competente para a
cooperação de longo prazo na utilização do veículo de lançamento.
Haveria a ampliação da área de lançamento hoje existente em
Alcântara, desvinculada das atividades militares, a ser formada por três novos sítios
específicos, sendo o primeiro deles situado entre as comunidades de Mamuna e Baracatatiua,
correspondente à anexa ilustração.
Constatou-se que a empresa Alcântara Cyclone Space, em conjunto
com a Agência Espacial Brasileira, visando à implantação do sítio de lançamento do veículo
espacial “Cyclone 4”, dera início a uma série de estudos, prospecções, demarcações e obras
de pré-engenharia, com impacto na posse das comunidades quilombolas visando a viabilizar o
início das obras necessárias ao empreendimento, através da Fundação Aplicações de
Tecnologias Críticas – ATECH6, .
A conduta das requeridas, iniciadas antes da conclusão do processo de
identificação, delimitação e titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombo
5 A portaria n.º559, de 31 de agosto de 2006 (constante no DOU n.°170, de 4 de setembro de 2006) fez publicar o
estatuto da empresa binacional Alcântara Cyclone Space, de acordo com o qual ela teria por objetivo o
desenvolvimento e a operação do local de lançamento do foguete Cyclone-4 localizado no Centro de
Lançamento de Alcântara, incluindo sua infra-estrutura para preparação e lançamento do veículo lançador, bem
como a prestação de serviços comerciais de lançamento, com capital dos dois países.
6 Nesse sentido, conferir as respostas apresentadas ao MPF pela ATECH, no P.A 1.19.000.000223/2001-39, que
segue em anexo à inicial.
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mencionadas na Ação Civil Pública principal, ameaça parcialmente a integridade do território
étnico que se pretende assegurar na forma do art.68 do ADCT da CF/88, objeto da lide em
andamento, inovando a situação de fato sub judice.
Dos atos ilícitos praticados pelas requeridas e a ameaça à posse do território étnico das
comunidades remanescentes de quilombo.
Nesse sentido, identificou-se que a Fundação ATECH estaria a realizar
obras de demarcação – através da colocação de marcos no interior das comunidades e em
diversas áreas verificadas – prospecção, coleta de amostras biológicas, além da abertura de
estradas e ramais de comunicação, com a supressão de vegetação local, nas regiões próximas
aos povoados de Mamuna e Baracatatiua.
De acordo com as informações obtidas, tais trabalhos se destinariam,
em parte, à elaboração dos estudos ambientais exigidos pela legislação, bem como à préengenharia do novo sítio de lançamento.
A atividade de abertura de estradas, contudo, deu-se ilicitamente, de
modo a ameaçar a integridade do território das comunidades e perturbando o modo tradicional
de vida, não se relacionando aos estudos ambientais, nem às licenças e autorizações que
detinham as requeridas.
As atividades das requeridas assim foram descritas em ofício datado de
19 de dezembro de 2007, subscrito pelo Sr. Roberto Lorenzoni Neto, em nome da ATECH,
litteris:
“Em agosto de 2007, concomitamente com a operação da
Binacional, a Atech, contratada por uma das componentes da
ACS, a Yuzhnoye State Ofice, acima mencionada começa a fazer
trabalhos técnicos para reconhecimento e avaliação das infraestruturas em Alcântara e dos serviços de pesquisa e préengenharia para avaliação da viabilidade da implantação do
Complexo de Lançamento do Cyclone-4, na área sugerida em
Alcântara, isto munida das devidas autorizações e prévios
conhecimentos governamentais”
Acontece que, malgrado a afirmação de que estaria a ATECH “munida
das devidas autorizações e prévios conhecimentos governamentais”, tal situação não se
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verificou com relação a todas as atividades efetivamente desenvolvidas no território étnico
relacionado a essas comunidades
O IBAMA comunicou ao MPF a lavratura de autos de infração, embargo
de obras e a constatação do descumprimento dessa medida administrativa pela Fundação
ATECH, ao desenvolver as atividades em benefício da Alcantara Cyclone Space7, em razão da
supressão de vegetação nativa para abertura de acessos na mata, com a criação de
estrada de mais de seis quilômetros de extensão, sem as devidas licenças e
autorizações dos órgãos ambientais competentes.
Tal situação também foi constatada pelo Ministério Público Federal, que
realizou inspeção in loco, constatando também a abertura das estradas, na mesma época em
que ocorrera a lavratura do auto de infração do IBAMA.
Assim, pode-se constatar a ocorrência de dano ambiental, consistente
na supressão não autorizada de vegetação em estradas abertas pelas empresas
executoras de estudos de viabilidade e pré-engenharia na área, sem a devida
autorização do órgão estadual competente.
A conduta das requeridas constitui-se, ainda, em inovação ilícita na
situação de processo em curso, afetando, à medida em que ocorre o paulatino apossamento
de nova área, a integridade do território étnico cuja proteção, na forma do art.68 do ADCT da
CF/88, almeja o MPF – através da Ação Civil Pública em epígrafe, em curso na 5ª Vara da
Seção Judiciária do Maranhão.
Com efeito, a Ação Civil Pública (autos n.°2003.37.00.008868-2)
proposta em face da UNIÃO, INCRA, Fundação Cultural Palmares e Agência Espacial
Brasileira, com pedido de obrigação de fazer, consistente na promoção, andamento e
conclusão
do
procedimento
administrativo
voltado
ao
reconhecimento,
identificação,
delimitação, demarcação e titulação das comunidades remanescentes de quilombo, ainda está
em curso, bem como não houve ainda a conclusão dos trabalhos do INCRA de identificação,
delimitação, demarcação e titulação das terras respectivas8.
7 Auto de Infração n.° 571523-D e Auto de Embargo/Interdição n.° 415840. O auto de infração 130941-D foi
lavrado em face da desobediência do anterior.
8 Observe-se que a conduta do INCRA, no presente caso, pode ser considerada morosa, diante dos prazos que
foram fixados na assentada de audiência realizada no ano de 2006, no qual o Excelentíssimo Senhor Juiz Federal
determinou que os trabalhos de titulação deveriam ser concluídos em 180 dias, de modo desvinculado da AEB.
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Acontece que, no laudo antropológico, que instruiu o procedimento
administrativo anexo à exordial, restou clara a identificação das comunidades ora diretamente
atingidas (Mamuna e Baracatatiua) pelos trabalhos da Agência Espacial Brasileira, Alcântara
Cyclone Space e Fundação ATECH, como áreas possivelmente integrantes da complexa
realidade étnica existente no munícipio de Alcântara aptas a receber proteção na forma do
art.68 do ADCT da CF/88.
Nesse sentido, vale a pena a menção ao laudo pericial contido nos
autos, que afirma categoricamente que as comunidades de Manuna (ou Mamona) e
Baracataiua encontram-se inseridas no território étnico de Alcântara, na condição de
remanescentes de quilombos, litteris:
"Sim, há fatores históricos, identitários e de conflito étnico que
fundamentam essa assertiva. Uma análise crítica da formação
histórica de Alcântara e dos atuais antagonismos sociais mediante
a implantação da base de lançamento de foguetes possibilita a
compreensão do processo de emergência destas comunidades
remanescentes de quilombos, desfazendo a auto-evidência das
interpretações oficiosas de senso-comum que só focalizam
Alcântara do prisma da decadência de uma aristocracia agrária
dos tempos coloniais."
Tais comunidades remanescentes de quilombo, antes ameaçadas pela
possibilidade de deslocamento compulsório das suas áreas, na fase de "Transferência e
Assentamento III" nos moldes do anterior projeto de expansão do Centro de Lançamento de
Alcântara, encontram-se sob o risco de uma limitação do uso dos recursos naturais e,
consequentemente do seu modo de fazer e viver, face à adoção de providências executivas de
obras necessárias à viabilização dos sítios de lançamento do projeto Cyclone-4, em
decorrência do Tratado firmado entre o Brasil e a Ucrânia – notadamente a abertura de
estradas no interior do território étnico, sem o consentimento das comunidades, para a
realização de trabalhos técnicos de pré-engenharia e estudos ambientais.
As requeridas, com essa medida, colocam em risco o território das
comunidades e atingem, para além de um aspecto patrimonial, as práticas sociais que
compõem a sua integridade cultural e étnica.
Em face das situações mencionadas – que afetaram concretamente o
ambiente em Alcântara – buscou-se apurar a existência de eventual afetação das comunidades
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próximas às obras executadas e aos trabalhos realizados, no que tange aos seus modos de
viver e fazer.
Do mesmo modo, buscou-se apurar a existência de consetimento, por
parte dos mesmos grupos étnico-sociais, para a realização dos trabalhos de pesquisa e
abertura de estradas no interior dos territórios e das comunidades.
Duas fontes foram consultadas pelo Ministério Público Federal:
integrantes das comunidades, através de depoimentos de moradores de Alcântara, bem
como o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do
Maranhão, através dos Antropólogos e Professores Dr.ª Maristela de Paula Andrade9 e Dr.
Benedito Souza Filho10, que apresentaram informação técnica sobre os impactos dos
trabalhos desenvolvidos pela Alcântara Cyclone Space, através da ATECH, nas populações
tradicionais em Alcântara/MA, elaborada em razão dos trabalhos e pesquisas já desenlvolvidos
pela Instituição de Ensino Superior naquela área.
Em primeiro plano, deve-se destacar as informações técnicas prestadas
pelos Professores da UFMA, que minundenciaram a atuação das empresas, bem como da
Agência Espacial Brasileira, na região de Alcântara, além de analisar os múltiplos e complexos
impactos que essas condutas representam nas populações tradicionais.
O primeiro aspecto destacado pela Professora Maristela de Paula
Andrade refere -se "à invasão e ameaça à área de extrativismo das mulheres", na seguinte
forma, litteris:
Com as primeiras perfurações realizadas em Mamuna, sem o
aval das instâncias de decisão respeitadas pela comunidade (Associação de
Moradores e Delegacia Sindical), a empresa realiza trabalho em áreas onde
as mulheres praticam o extrativismo. (grifos nossos)
Nos esclarecimentos prestados a essa Procuradoria a
ATECH/ACS menciona que realiza serviços de pré-engenharia na área
sugerida pela AEB11. Nas visitas de surpresa que fez à Mamuna e à
Baracatatiua, porém, não foi explicado que tipos de trabalho seriam
desenvolvidos, nem se os chamados “serviços de pré-engenharia” poderiam
implicar na utilização de maquinário pesado e se isto, por sua vez, poderia
9 Antropóloga, professora associada I do Depto de Sociologia e Antropologia e do PPGCS/UFMA.
10 Antropólogo, professor do PPGCS/UFMA, bolsista PRODOC/CAPES.
11 (nota dos autores da informação técnica) Interessante notar que a AEB é signatária do Acordo Judicial firmado,
em 26.09.2006, no qual o Juiz Dr. Carlos Madeira determina que o INCRA titule o território quilombola de
acordo com o laudo antropológico e, portanto, essa Agência tem conhecimento de que a área que sugere à ACS/
ATECH encontra-se dentro desse território. Dizer que está trabalhando “na península de Alcântara”, neste
contexto, nada mais é que uma tentativa de escamotear o fato de que atua dentro do território quilombola.
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provocar danos imediatos ou futuros a áreas consideradas fundamentais à
reprodução material e social das famílias.
De acordo com Dona Maria José, moradora de Mamuna, algumas
perfurações realizadas pela ATECH/ACS12, em seus trabalhos preliminares,
encontram-se recursos utilizados pelas famílias como o guajuru e o murici,
além de mamona e coco babaçu. Os dois primeiros são frutos nativos muito
consumidos e também comercializados pelas famílias 13. Os dois últimos são
matérias-prima – o primeiro cultivado e o segundo nativo – com as quais as
mulheres produzem azeite. O primeiro é destinado fundamentalmente à
comercialização e o segundo ao consumo e também à comercialização,
sendo que ambos permitem a entrada de recursos monetários às famílias.
Um dos pontos de perfuração realizado em Baracatatiua pela GEOCRET, empresa contratada pela
ATECH/ACS. Foto realizada pelo autor desta Informação Técnica.
Em conversa mantida com Dona Maria José a este respeito, ela
mencionou que as primeiras perfurações realizadas pelas empresas
contratadas pela ATECH são um sinal evidente de que o acesso aos
recursos disponíveis em distintos ecossistemas pode ficar comprometido,
alterando consideravelmente o funcionamento de atividades que regem a
economia das famílias. Referindo-se à organização econômica do grupo e,
especificamente, à divisão sexual do trabalho, ela mencionou que, no
período chamado de inverno – o período das chuvas – “o brilho é dos
homens”, aludindo principalmente à atividade da pesca; naquele outro,
denominado de verão – período da seca – a trabalhadora ressaltou que “o
brilho é das mulheres”, numa referência à atividade de extração de frutos e
produção dos azeites de mamona e babaçu.
12 (nota dos autores da informação técnica)A empresa parou com as perfurações neste povoado, pois a comunidade
exigiu que os trabalhos não continuassem. Apesar disto, os engenheiros continuaram a freqüentar o local, a
pretexto de fazer compras nos pequenos comércios e, assim, tentam cooptar seus moradores para que concordem
com sua entrada na área.
13 (nota dos autores da informação técnica)Vide PAULA ANDRADE, Maristela de e SOUZA FILHO, Benedito
(orgs), op.cit.
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A referência ao que chama de “brilho dos homens e brilho das
mulheres”, mostra como as famílias pensam e vivem a divisão sexual do
trabalho familiar relativo aos ecossistemas disponíveis. O desenvolvimento
de atividades da ATECH/ACS nessas áreas estratégicas deixa as famílias
apreensivas, pois mesmo a empresa alegando que não haverá
remanejamento de famílias, já conseguem perceber, claramente, que haverá
expropriação territorial dessas áreas indispensáveis à reprodução material e
social das famílias.(grifos nossos)
Uma
equipe
de
pesquisadores
ligados
ao
GERUR/PPGCS/UFMA14, atendendo aos objetivos de projeto de extensão
dos Departamentos de Sociologia e Antropologia e de Geociências da UFMA
esteve no povoado Mamuna nos dias 19 e 20 de janeiro de 2008. Puderam
constatar, caminhando com Dona Maria José pelo interior do povoado, que a
estrada aberta pelas empresas ligadas à ATECH, destruíram boa parte de
um babaçual de que se servem as mulheres da comunidade. Esse trecho de
estrada é continuidade daquela aberta entre Baracatatiua e Mamuna que, de
acordo com o depoimento do pesquisador Carlos Aparecido Fernandes,
também vinculado ao GERUR/PPGCS, tem cerca de três quilômetros. (grifos
nossos)
Estrada aberta pela GEOCRET, empresa contratada pela ATECH/ACS. Foto realizada pelo autor desta
Informação Técnica.
Como se pode perceber pelas fotos, a vegetação suprimida pelas
máquinas, para abrir a estrada de aproximadamente 5 metros de largura,
conforme constatado pelo autor deste Informe, in loco, representa capoeira
14 (nota dos autores da informação técnica) Josoaldo Lima Rêgo, doutorando em Geografia na USP, professor
substituto da UFMA, Leonardo Coelho, bolsista de iniciação do CNPq no Curso de Ciências Sociais da UFMA,
Thays Fernanda Silva Santos e outros.
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bastante alta, com presença de palmeiras diversas. Tais áreas são deixadas
em repouso pelas famílias para serem cultivadas em ciclos agrícolas futuros,
sendo apropriadas e manejadas, igualmente, para atividades extrativas e de
alimentação de animais.
(....)
Quanto às áreas de cultivo, os prejuízos já se fazem sentir. A
estrada de cerca de 3 km que as empresas contratadas pela ATECH abriram
entre Baracatatiua e Mamuna, suprimindo grande quantidade de vegetação15,
destruiu a roça do Sr. Alex Moraes, nesta última localidade. (grifos nossos)
Em seguida, os autores da informação técnica aponta “a perturbação
dos sistemas nativos de autoridade e o desrespeito às instâncias legais de
representação da comunidade”, enquanto conseqüência da ação das requeridas na região.
“As próprias regras de inserção de membros de outras
localidades, baseadas no código costumeiro, passaram a ser abaladas após
a interferência da Aeronáutica, desde os anos 80. Agora, a ATECH/ACS e
suas contratadas exploram esta situação, ao se dirigirem, desde a primeira
vez em que estiveram no povoado, não aos chamados herdeiros e nem ao
representante da Associação (na pessoa de seu presidente, o Sr. João da
Mata), mas a um comerciante local. Depois, os engenheiros da Terra Byte e
da Geocret passaram a freqüentar o povoado e a tentar criar laços com
alguns de seus moradores, insistindo no seguinte argumento: “nós iremos
ganhar essa questão mesmo e, depois, dos que forem nossos amigos,
compraremos peixe, azeite, a eles daremos carona. Não faremos isto para os
que não forem nossos amigos. Se não ficarem do nosso lado, como será
nossa convivência depois?”.16
Essa maneira de dirigir-se aos nativos, extremamente
colonizadora, usa o expediente de desrespeitar as estruturas internas de
decisão da comunidade, sejam as tradicionais, baseadas nos costumes, que
levam em conta a autoridade dos herdeiros, sejam as legalmente
constituídas, como a Associação de Moradores da Comunidade. Desta forma,
a empresa não se dirigiu, nas primeiras visitas, nem à herdeira, nem à
representante sindical e nem ao presidente da Associação. Depois, sem
consultar a comunidade, passou a realizar perfurações em alguns pontos do
povoado. Chamada por essas lideranças, foi avisada de que não deveria
continuar os trabalhos.
Depois disto, por ocasião da reunião do Comitê de
Desenvolvimento Sustentável de Alcântara, ocorrida em 16.12.2007, a
15 (nota dos autores da informação técnica)Em reunião com técnicos do IBAMA, os autores desta informação
técnica foram informados de que, neste órgão, no Maranhão, não tramitou nenhuma licença para supressão de
vegetação com vistas à construção dessa estrada.
16 (nota dos autores da informação técnica)Depoimentos dados à Flavia Moura, que esteve no local preparando
matéria jornalística no dia 19 de Janeiro de 2008.
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comunidade de Mamuna se posicionou novamente, desta feita em caráter
oficial e de forma coletiva, contra a entrada da empresa no lugar17. A plenária,
perguntada pelo Sr. Reinaldo Mello, que se apresentou então como Diretor de
Suprimentos da ACS, se a empresa poderia entrar na área para realizar seus
trabalhos, respondeu em coro: “NÃO”. Ele então disse: “e se entrarmos assim
mesmo?”
Desrespeitando essa decisão coletiva, tomada num fórum
institucionalizado, na presença de autoridades legalmente constituídas (os
conselheiros do CENDSA, os representantes sindicais) a ATECH, depois
disso, foi ao povoado e demarcou pontos, colocando placas onde se lê:
“ATECH, protegido por lei” 18. Para tanto, convenceu a delegada sindical e o
presidente da Associação de que seria “muito bom ter esses pontos já
marcados, pois se eles quisessem fazer uma estrada, já teriam o serviço
feito”19. Interessante notar, neste sentido, que os pontos se encontram ao lado
da escola e da Igreja e que, dificilmente seus moradores passariam uma
estrada no meio do povoado.”
A partir da informação técnica apresentada, pode-se constatar que a
intervenção das requeridas afeta não apenas o ambiente físico local, com a supressão não
autorizada de vegetação, para a abertura de estradas irregularmente. Na verdade, existe a
ameaça de violação ao modo de reprodução social, com a afetação das formas de obtenção
dos recursos naturais, em afronta ao art. 14, 1º, da Convenção 169 da OIT, promulgada pelo
Decreto 5.051/2004, à medida em que ocorre a possível vulneração do meio utilizado para a
obtenção dos recursos naturais essenciais à preservação do grupo. Litteris:
Artigo 14
1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de
propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente
17 (nota dos autores da informação técnica)Nessa ocasião, estava presente a antropóloga Joyza Madeiro, do MPF,
como observadora. A reunião foi presidida pelo Dr. Muniz, engenheiro eletrecista, em nome da Prefeitura de
Alcântara. Estiveram presentes, além dos conselheiros, dos movimentos sociais e entidades representativas locais
(MABE, MOMTRA, STTR) representantes do CLA, na pessoa do Sr. Enildo Rabelo Braga e outros; o Sr. Reinaldo
Mello pela ACS e outros desta empresa; funcionários da Terra Byte e um geógrafo da Allerce Soluções Ambientais
LTDA; uma advogada da ACS, Dra. Ana, ex integrante do GEI pela AGU. Esteve presente também autora deste
documento, como observadora do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais e do GT Quilombos da
Associação Brasileira de Antropologia.
18 (nota dos autores da informação técnica)Tais pontos foram visualizados por Carlos Aparecido Fernandes,
pesquisador do GERUR/PPGCS e morador de Alcântara e pelo Sr. Aniceto, presidente do STTR, em visita que
fizeram à área no mês de janeiro de 2008. Afirmaram que tais placas são duas, assim descritas: de metal,
possuindo aproximadamente 10 cm de diâmetro e encontrando-se fincadas no chão, próximo ao poste de energia
elétrica junto à escola e junto à Igreja do povoado.
19 (nota dos autores da informação técnica)Segundo depoimento do Sr. João da Mata, presidente da Associação de
Moradores de Mamuna em 27.12.2007, na sala do Mestrado em Ciências Sociais.
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ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas
medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de
utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles,
mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas
atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser
dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores
itinerantes.
O que se depreende da conduta das requeridas é a ocorrência de
situação de apossamento de área integrante de povoados, utilizada para o plantio de roças e
extrativismo, prejudicando o espaço existente e utilizado para a sua reprodução social. Não
ocorre apenas a afetação de um espaço físico, mas a perturbação de uma forma tradicional de
organização, constitucionalmente protegida pela dicção dos art.215 e 216 da CF/88, além do
art.68 do ADCT do texto constitucional.
Frise-se que tal situação foi corroborada pelos depoimentos prestados
ao MPF por moradores locais, que afirmaram a interferência da empresa, por meio da
demarcação de áreas, inclusive internas aos povoados, ao lado de igrejas e escolas, além da
abertura de estradas.
Nesse sentido, confira-se o depoimento prestado por Maria de Fátima
Ferreira, moradora do povoado de Mamuna, em Alcântara, litteris:
"QUE a Alcântara Ciclone Space está destruindo a terra que a
sua comunidade cultiva há mais de cem anos. Que as divisões de
terras entre as regiões, como a do Pau Amarelo, Cancela Velha,
Cabeça de Preto e Ponta da Cerca estão sendo destruídas pela
empresa, causando richas, por exemplo, entra Mamuna e Baracatatiua.
Que sabe a empresa Ciclone Space realizou um acordo com a
comunidade de Baracatatiua, onde a empresa estaria autorizada a
fazer todo o trabalho necessário ao empreendimento aeroespacial na
região, mas que a mesma acabou por invadir os domínios do povoado
de Mamuna, com as realizações de largas estradas nas áreas de roça,
com a derrubada de bacurizeiros e pau-amarelos, além da exploração
de terras muito próximas à cabeceira do rio da Mamuna, o que, com a
incidência mais fortes das chuvas, tornou o rio barrento, em prejuízo à
saúde dos moradores. Que os picos que dão origem às estradas
ocasionaram a destruição de muitas palmeiras, árvores que servem à
comunidade na produção de côco, azeite, abanos, mençabas e
carvão. Que em reunião, a comunidade decidiu fazer uma barragem
em 18 de fevereiro, para que a empresa não prosseguisse com seus
trabalhos, pelo forte receio de que tudo o que a comunidade tinha podia
se perder. Que a comunidade mantem vigília sobre a área e espera que
autoridades maiores, na esfera federal, venham a manter um diálogo e
se prontificar sobre a titulação e proteção das terras pertencentes aos
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remanescentes quilombolas. Que tem medo que a comunidade sofra
com a proibição à pesca e ao cultivo de muricis, juçaras, guajurús e
mamona. Que teme que a implantação da Ciclone Space na região
provoque mais miséria e uma perda acentuada dos valores que ligam a
população às terras em questão, pois não imagina que as promessas
da empresa como a de gerar empregos ou realizar melhorias no
município se concretizem."
Maria José Lima Pinheiro, por sua vez, ao ser ouvida pelo MPF
declarou, litteris:
"QUE as estradas foram abertas pela empresa GEOCRET, em
janeiro de 2008, sabendo disso pelos nomes apostos nos caminhões
da empresa, passando no interior do território que reconhecem
pertencer à comunidade Mamuna, em mata verde, após uma reunião;
QUE houve também uma reunião com a empresa Alcantara Ciclone
Space, dia 20 de fevereiro de 2008, na qual esta propôs que a
comunidade apresentasse as suas propostas, como reivindicação de
escolas, moradias, para realizar o empreendimento, explicando que
seria uma forma de compensar os impactos que a comunidade de
Mamuna viria a sofrer; QUE medida proposta pela empresa não foi
aceita de imediato, ficando de ser marcada uma nova reunião, para
discussão dessas propostas, a serem apresentadas pelos integrantes
da comunidade. QUE, por não aceitarem o início dos trabalhos das
empresas, a comunidade fez uma “barricada” impedindo o trabalho da
responsável pela pesquisa no solo da comunidade e continuará até o
momento em que a titulação das terras de Alcântara for efetivada no
nome das comunidades quilombolas. QUE esclarece que “barricada” é
a colocação de porteiras, no meio da estrada existente, para limitar o
acesso dos veículos da empresa, para cessar o seus trabalhos de
pesquisa, mas que não há limitação a circulação de pessoas, desde
que não realizem os trabalhos questionados; QUE enquanto não
houver a titulação, a comunidade não conversará com a empresa, não
havendo qualquer hipótese de acordo até a referida titulação."
E, de forma contundente, a Srª Militina Garcia Serejo declarou:
"Que no dia 19 de fevereiro, a empresa Ciclone Space, representada
pelo seu diretor de suplementos, Reinaldo Melo, disse que não
adiantaria discutir sobre a implantação do empreendimento, que só
restaria à comunidade oferecer uma lista de compensações, capazes
de diminuírem os prejuízos ocorridos. Que no dia 20 de fevereiro, às 14
horas, a comunidade de Mamuna apresentou à uma comissãoda
Ciclone Space composta por Reinaldo Melo, Laura e por Denilson as
suas reivindicações, que são a titulação das áreas quilombolas de
Alcântara, que a empresa retire as suas máquinas do território, que a
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comunidade possa viver em paz e que a Ciclone Space não apareça
mais nos seus domínios"
Além disso, a analista pericial em Antropologia do Ministério Público
Federal, Joíza Madeiro, participou de reunião havida em Alcântara, no Conselho Municipal de
Desenvolvimento, em 15 de dezembro de 2007, na qual foi possível constatar a ausência de
assentimento e esclarecimento dos envolvidos, consoante memória de reunião produzida,
existindo a expectativa de conclusão dos trabalhos de identificação, delimitação, demarcação e
titulação das terras dos remanescentes de quilombo pelo INCRA, pendentes de conclusão há
três anos.
Da inexistência de consentimento para a realização dos trabalhos de todas as
comunidades afetadas pelos trabalhos das requeridas.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT,
promulgada no Brasil pelo Decreto 5.051/2004, sobre povos indígenas e tribais, contém uma
exigência fundamental para a proteção dos territórios de populações tradicionais, em especial
das comunidades indígenas e das comunidades remanescentes de quilombo – a necessidade
de consentimento dos interessados para o uso dos seus territórios, quando ela implicar a
transferência do domínio ou posse para pessoas estranhas aos seus membros. Litteris:
Artigo 17
1. Deverão ser respeitadas as modalidades de transmissão dos
direitos sobre a terra entre os membros dos povos interessados
estabelecidas por esses povos.
2. Os povos interessados deverão ser consultados sempre
que for considerada sua capacidade para alienarem suas terras
ou transmitirem de outra forma os seus direitos sobre essas
terras para fora de sua comunidade.
A Convenção 169 da OIT é plenamente aplicável às comunidades
remanescentes de quilombo, cujo território deve ser objeto de titulação em seu benefício,
consoante determina o art. 68 do ADCT da CF/88.
Acontece que, embora não tenha sido concluído o procedimento
administrativo de identificação, delimitação, demarcação e titulação das áreas junto ao INCRA,
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as comunidades tradicionais de Alcântara que se apresentam como remanescentes de
quilombo, de acordo com o laudo pericial juntado aos autos da ação principal, ocupam um
conjunto de terras onde se desenvolvem as ações de pré-engenharia destinadas a viabilizar o
empreendimento – notadamente, mais uma vez, a abertura de estradas.
As áreas ocupadas devem ser protegidas, sob pena de se tornar inócuo
o trabalho do INCRA, eis que pode ocorrer, simplesmente, a consolidação de uma situação de
fato, com a paulatina redução do território étnico por atos que, a pretexto de verificar a
viabilidade de um empreendimento futuro, acabam por implicar em redução das áreas de
tradicional obtenção de recursos naturais por meio do extrativismo, mediante o paulatino e
continuo apossamento de novas terras pelo empreendedor.
No mesmo sentido, a conclusão dos professores da UFMA, litteris:
“Na realidade, a empresa tenta privilegiar a intervenção na base
física da zona que lhe interessa, sobre a qual desenha ações
correspondentes, elidindo o fato de que não age sobre o que
chama de “península de Alcântara”, mas sobre o território de
comunidades que, por sua vez, integram um território étnico
identificado por um laudo antropológico. Ela perfura, rasga
estradas, derruba a vegetação de espaços físicos que são
pensados e vividos por esses grupos como fundamentais à
sua reprodução física e social e que, como tal, foram
pensados pelos constituintes quando inseriram o Artigo 68
nos ADCT da Constituição de 88.”
A situação criada, a partir do início dos trabalhos em curso, deu-se sem
o consentimento dos moradores das comunidades afetadas, que se dividiram quanto à
aquiescência aos trabalhos desenvolvidos. Enquanto a comunidade de Baracatatiua,
aparentemente, consentiu com a realização dos trabalhos, os integrantes do povoado de
Mamuna se opuseram.
A conclusão da negativa de assentimento da comunidade de Mamuna
decorre de várias fontes – os depoimentos tomados dos moradores locais, pelo MPF; a
realização de trabalho antropológico, em informação técnica apresentada à Procuradoria da
República no Maranhão pelo Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da UFMA,
além da observação direta da situação pela analista pericial em antropologia do MPF, em
reuniões da qual participou.
Maria de Fátima Ferreira e Maria José Lima Pinheiro declararam,
respectivamente, ao MPF:
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"Que em reunião, a comunidade decidiu fazer uma barragem
em 18 de fevereiro, para que a empresa não prosseguisse com
seus trabalhos, pelo forte receio de que tudo o que a comunidade
tinha podia se perder. Que a comunidade mantem vigília sobre a área
e espera que autoridades maiores, na esfera federal, venham a manter
um diálogo e se prontificar sobre a titulação e proteção das terras
pertencentes aos remanescentes quilombolas."
"QUE houve também uma reunião com a empresa Alcantara
Ciclone Space, dia 20 de fevereiro de 2008, na qual esta propôs que a
comunidade apresentasse as suas propostas, como reivindicação de
escolas, moradias, para realizar o empreendimento, explicando que
seria uma forma de compensar os impactos que a comunidade de
Mamuna viria a sofrer; QUE medida proposta pela empresa não foi
aceita de imediato, ficando de ser marcada uma nova reunião, para
discussão dessas propostas, a serem apresentadas pelos integrantes
da comunidade. QUE, por não aceitarem o início dos trabalhos das
empresas, a comunidade fez uma “barricada” impedindo o
trabalho da responsável pela pesquisa no solo da comunidade e
continuará até o momento em que a titulação das terras de
Alcântara for efetivada no nome das comunidades quilombolas.
QUE esclarece que “barricada” é a colocação de porteiras, no
meio da estrada existente, para limitar o acesso dos veículos da
empresa, para cessar o seus trabalhos de pesquisa, mas que não
há limitação a circulação de pessoas, desde que não realizem os
trabalhos questionados; QUE enquanto não houver a titulação, a
comunidade não conversará com a empresa, não havendo
qualquer hipótese de acordo até a referida titulação."
Repita-se à exaustão: configura-se, além do ilícito ambiental, um ato de
apossamento indevido do território destinado – de acordo com o laudo pericial – à titulação das
áreas de remanescentes de quilombo, em forma de assenhoramento não consentido de
porções de terras que, anteriormente, serviam aos usos e formas de reprodução social das
comunidades tradicionais.
Ademais, em reunião realizada em Alcântara, com a presença de
representantes da AEB, do INCRA e da Alcântara Cyclone Space, foi ressaltado pela Analista
Pericial em Antropologia do MPF, Joíza Madeiro, que acompanhou o ato, a insatistação dos
moradores do povoado de Mamuna, quanto à natureza dos trabalhos a serem desenvolvidos e
seu adequado esclarecimento aos diretamente atingidos, chegando a demonstrar, inclusive, a
oposição aos trabalhos realizados, consoante a anexa memória de reunião.
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DO DIREITO
DA PLAUSIBILIDADE DO DIREITO
Da impossibilidade de apossamento pela AEB e ACS de terras destinadas às
comunidades remanescentes de quilombos, na forma do art.68 do ADCT da CF/88, antes
da conclusão do processo de identificação, reconhecimento, delimitação e titulação. Da
mora do INCRA
A Constituição Federal de 1988 assegurou em seu texto a proteção
das terras que estejam ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos
diretamente no art. 68 do ADCT, aos estabelecer que a elas seria “reconhecida a propriedade
definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos.”
Trata-se de um direito que se relaciona intimamente com a proteção
conferida aos diversos grupos sociais formadores da sociedade brasileira, cujo respeito é
exigido do Estado pelos art.215 e 216 do texto constitucional, atribuindo aos seus modos de
criar, fazer e viver a condição de integrante do patrimônio cultural brasileiro.
Nesse contexto, as terras dos remanescentes de quilombo não se
apresentam apenas com um aspecto patrimonial, em uma perspectiva econômica. Cuida-se,
em verdade, do espaço onde se desenvolvem um conjunto de práticas sócio-ambientais que
estão imbricadas na constituição da identidade desses grupos e dos sujeitos que os integram,
afigurando-se, além de moradia (art. 6º, caput, da CF/88), como patrimônio cultural. Assim, a
proteção dessas terras é uma exigência para a afirmação da dignidade humana de um grupo
étnico, portador de especial papel na formação histórica brasileira, essencial para a sua
persistência.
Por essa razão, ainda que o mencionado direito à terra das
comunidades remanescentes de quilombo encontre-se nas disposições transitórias da
Constituição, ele cuida de uma obrigação permanente do Estado, cuidando-se na lição de
Daniel Sarmento, de verdadeiro direito fundamental, inserido fora dos catálogo assim
formalmente nominado pela dicção constitucional. Litteris20:
20 SARMENTO, Daniel. A garantia do direito à posse dos remanescentes de quilombo antes da desapropriação.
Disponível
em
<http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/institucional/grupos-de
trabalho/quilombos-1/documentos/Dr_Daniel_Sarmento.pdf>
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“Privado da terra, o grupo tende a se dispersar e desaparecer,
tragado pela sociedade envolvente. Portanto, não é só a terra que
se perde, pois a identidade coletiva também periga sucumbir.
Dessa forma, não é exagero afirmar que quando se retira a terra de
uma comunidade quilombola, não se está apenas violando o direito
à moradia dos seus membros. Muito mais que isso, se está
cometendo um verdadeiro etnocídio.
Por isso, o direito à terra dos remanescentes de quilombo pode ser
identificado como um direito fundamental cultural (art.215, CF),
que se liga à própria identidade de cada membro da comunidade.”
Para a concretização desse direito fundamental à terra das
comunidades remanescentes de quilombo, foi editado o Decreto nº 4.887/03, o qual regula o
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação relativo
a esses territórios, atribuindo tal responsabilidade ao INCRA.
No caso concreto, observa-se que o procedimento iniciado no
INCRA, após a propositura da Ação Civil Pública, não foi concluído, malgrado a determinação
resultante da audiência realizada em 27 de setembro de 2006, segundo a qual a autarquia
agrária, deveria, in verbis:
“(...), no prazo de 180 dias, promover o andamento e a conclusão
do processo administrativo voltado para a titulação definitiva das
terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos identificados
no laudo antropológico, devendo este trabalho ser realizado nos
moldes do Decreto n. 4.887/2003 desvinculado o trabalho
desenvolvido pela Agência Espacial Brasileira.” (autos do processo
nº 2003.37.00.008868-2)
Atualmente, o procedimento no INCRA (n.° 54230.002401/2006-13)
não esgotou sua tramitação, apesar da determinação judicial e do considerável lapso temporal
transcorrido. Houve a conclusão do relatório técnico de identificação e delimitação, o qual ainda
se encontra pendente de publicação, o que abrirá a fase de contestação e análise,
procedendo-se, em seguida, aos trabalhos de titulação, a depender da complexa situação
dominial de cada imóvel existente na região.
Assim, as comunidades remanescentes de quilombo de Alcântara
continuam a sofrer com a mora do INCRA em concluir as suas atividades.
Entretanto, enquanto os trabalhos do INCRA não são concluídos,
não se pode permitir que outras instituições integrantes da Administração Pública, a exemplo
da AEB, ou com a participação da União, no caso da ACS, causem lesão de difícil (ou
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impossível) reparação aos integrantes das comunidades, mediante a consumação de atos de
apossamento, preparatórios da implantação de grande empreendimento espacial.
A obrigação do Estado Brasileiro de proceder à titulação das terras
das comunidades remanescentes de quilombo, imposta pela CF/88, origina correlatamente o
dever de abstenção dos seus órgãos e entes administrativos, quanto a atos lesivos à
integridade do território étnico.
É dizer: não se pode admitir que, enquanto uma autarquia (INCRA)
promova os procedimentos tendentes à titulação da área, um outro ente (AEB, ACS e
Fundação ATECH) promova a supressão de áreas que integrariam – de acordo com o laudo
pericial que instrui a Ação Civil Pública – o território étnico de Alcântara, ainda que mediante a
abertura de estradas ou obras nomeadas de serviços de pré-engenharia.
Nesse sentido, deve-se observar que o Brasil é signatário da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada pelo Decreto
5.051/2004, o qual estabelece a exigência de consentimento da comunidade para atos que
impliquem o deslocamento, além da obrigação de o Estado Brasileiro proteger a posse das
áreas, litteris:
Artigo 14
1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de
propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente
ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas
medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de
utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles,
mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas
atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser
dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores
itinerantes. (grifos nossos)
2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias
para determinar as terras que os povos interessados ocupam
tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de
propriedade e posse.
Artigo 16
2. Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses
povos sejam considerados necessários, só poderão ser efetuados com
o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com pleno
conhecimento de causa. Quando não for possível obter o seu
consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser
realizados após a conclusão de procedimentos adequados
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2º Ofício Cível
estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes públicas,
quando for apropriado, nas quais os povos interessados tenham a
possibilidade de estar efetivamente representados.
É bem verdade que os atos mencionados não representam o
imediato e simples deslocamento das comunidades de Mamuna ou Baracatatiua. No entanto,
existe substancial afetação do acesso aos recursos naturais disponíveis à comunidade,
necessários a sua subsistência, o que pode conduzir à necessidade de deslocamento, se
houver o agravamento das condições materiais de vida do grupo, caso não haja a
implementação de medidas compensatórias ou mitigadoras dos impactos, o que não se
verificou adequadamente até hoje.
Assim, não é apenas a propriedade das terras dos remanescentes
de quilombo que é objeto de tutela jurídica. A posse das áreas, enquanto não concluído o
processo de titulação no INCRA, não pode ser objeto de supressão ilicitamente por entes
ligados à União, considerando-se o âmbito da proteção conferida pelo art. 68 do ADCT da
CF/88, em leitura integrada com a Convenção 169 da OIT21.
Do risco de dano ambiental e ao patrimônio cultural brasileiro.
A Constituição da República prescreve que “as condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados” (art. 225, § 3º).
A norma constitucional, em louvável atenção ao princípio do
desenvolvimento sustentável, instituiu a responsabilidade civil ambiental independente da
aferição da culpa do poluidor/degradador. Tal preceito normativo, tem como base a teoria do
risco, segundo a qual aquele que aufere os benefícios de uma atividade deve amargar o ônus
de ter de reparar os danos por ela causados.
Dessa forma, para configuração do dano ambiental apenas se exige a
comprovação do dano e do nexo causal entre este a atividade exercida pelo degradador. A
responsabilidade prescindirá de culpa, nos termos do artigo 14, § 1º da Lei 6.938/81, in verbis:
21 Vale observar que a mencionada Convenção 169 da OIT trata efetivamente de matéria relativa a direitos
humanos, possuindo vigência e eficácia no ordenamento jurídico brasileiro desde a sua promulgação, em nível
supra-legal, nos termos do entendimento que principia a ser esposado pelo E. STF, como se colhe da ementa do
HC 90.172, cujo relator foi o Min. Gilmar Mendes, ao fazer referência à posição preponderante no RE
466.343/SP
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2º Ofício Cível
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste
artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência
de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio
ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério
Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor
ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao
meio ambiente.
No caso concreto, deve-se observar que o IBAMA atestou a ocorrência
de infração ambiental, por meio de auto respectivo e embargos lavrados. A Superintendente do
IBAMA no Maranhão participou ao MPF que a autarquia ambiental:
“realizou duas vistorias recentes na área, quando foi constatada a
supressão irregular de vegetação para a abertura de caminhos
de acesso. A irregularidade, identificada na primeira vistoria,
motivou a lavratura do Auto de Infração n.° 571523-D e do
Termo de Embargo e Interdição n.° 415840-C (cópias anexas).
Na segunda vistoria foi constatado que novos ramais foram
abertos, desrespeitando o Termo de Embargo e Interdição e
ensejando nova autuação (vide auto de infração n.° 130941-D –
cópia anexa). As demais medidas administrativas a cargo deste
Instituto relativas ao episódio já estão sendo tomadas.”
Além do dano ambiental, existe a obrigação de o Estado Brasileiro
promover o respeito às populações tradicionais, o que decorre dos art. 215 e 216 da CF/88,
mediante “a garantia a todos o pleno exercício dos direitos culturais”.
Além disso, os “bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, incluindo “os seus modos de criar, fazer
e viver” consubstanciam o patrimônio cultural brasileiro (art.215, caput, II, da CF/88).
Assim, a redação do texto constitucional coloca em evidência o
reconhecimento da existência de diversos grupos formadores da sociedade brasileira, que não
se encontra homogeneizada pela mítica união de povos, mas marcada pela diversidade das
várias populações tradicionais existentes em seu interior.
Nessa toada, deve-se reconhecer que a obrigação constitucional não se
refere apenas à proteção de uma memória, dos monumentos, das invenções passadas. Cuida
o art.215, II, da Constituição de atribuir a qualidade de bem jurídico ao modo de viver e fazer
dessas comunidades tradicionais.
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2º Ofício Cível
Diversos dispositivos constitucionais corroboram esse entendimento,
como os artigos 231 e 232, além do art.68 do ADCT. Em todos eles, que se articulam em
simbiose com os dispositivos da Ordem Social relativos à cultura, percebe-se a necessidade de
proteção de um território, enquanto espaço no qual se desenvolvem relações sociais dignas de
salvaguarda normativa, pelo seu valor histórico e social no Brasil. Desse modo, não se protege
a terra como um bem patrimonial, mas como integrante de um conjunto elementos que
conferem identidade a um grupo.
No contexto, ainda, foi editado pelo Executivo Federal o Decreto
6.040/2007, o qual institui a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e
comunidades
tradicionais,
aplicável
expressamente
às
comunidades
indígenas
e
quilombolas, o qual dispõe ser um dos objetivos do Estado a garantia aos povos e
comunidades tradicionais dos seus territórios, o acesso aos recursos naturais que
tradicionalmente utilizam para a sua reprodução física, cultural e econômica (art.3º, I). Além
disso, o instrumento normativo é expresso ao assegurar os direitos dos povos e das
comunidades tradicionais afetadas direta ou indiretamente por projetos, obras e
empreendimentos (art.3º, IV).
Não bastassem esses dispositivos, foi incorporado ao ordenamento
jurídico brasileiro, em posição hierarquicamente qualificada, a referida Convenção 169 da OIT,
sobre Povos Indígenas e Tribais, que, já em seu art.4º define que “deverão ser adotadas as
medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os
bens, as culturas e o meio ambiente dos povos interessados.”
A Convenção 169 da OIT também estabelece, em seu art.14, litteris:
1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de
propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente
ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas
medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de
utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles,
mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas
atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá
ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos
agricultores itinerantes.
2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para
determinar as terras que os povos interessados ocupam
tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de
propriedade e posse.
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Além disso, sobre o deslocamento de comunidades protegidas pela
Convenção 169 da OIT, esta é expressa ao referir, em seu art.16, que
2. Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses
povos sejam considerados necessários, só poderão ser efetuados
com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com
pleno conhecimento de causa. Quando não for possível obter o seu
consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser
realizados após a conclusão de procedimentos adequados
estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes
públicas, quando for apropriado, nas quais os povos interessados
tenham a possibilidade de estar efetivamente representados.
Por fim, a mera utilização de recursos ambientais pertencentes a
territórios de populações tradicionais é objeto de especial proteção, na forma do art.15 da
Convenção, litteris:
1. Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes
nas suas terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos
abrangem o direito desses povos a participarem da utilização,
administração e conservação dos recursos mencionados.
Assim, a proteção jurídica às populações tradicionais decorre
diretamente do texto constitucional, encontrando densificação na Convenção n.°169 da OIT,
promulgada no Brasil pelo Decreto n° 5.051/2004, a qual possui status normativo supra legal,
por se tratar de convenção relativa à Direitos Humanos, nos termos do entendimento que
principia a ser esposado pelo E. STF, como se colhe da ementa do HC 90.172, cujo relator foi
o Min. Gilmar Mendes, ao fazer referência à posição preponderante no RE 466.343/SP
Desse modo, a conduta dos requeridos, ao desrespeitar a legislação
ambiental e não considerar as especificidades étnicas da comunidade afetada, quanto à posse
e ao uso dos recursos ambientais, põe em risco a integridade de bens ambientais em
Alcântara, bem como descumpre o dever constitucional de proteger as populações tradicionais
titulares do direito referido no art.68 do ADCT da CF/88, lesionando os art.215 e 216 do texto
constitucional.
Da necessária ponderação de interesses no caso concreto.
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A pretensão ora apresentada ao Poder Judiciário exige ainda a
consideração dos valores constitucionais que se apresentam no caso concreto, em um
exercício de ponderação dos interesses presentes, sob o prisma da CF/88.
Quanto ao tema, para a identificação desses valores, vale trazer à lume
as manifestações da AEB e da ACS, em respostas apresentadas ao MPF. Primeiramente, a
Agência Espacial manifestou-se, litteris:
“O PROGRAMA NACIONAL DE ATIVIDADES ESPACIAIS – PNAE tem
como objetivo geral promover a capacidade do País para utilizar os
recursos e as técnicas espaciais na solução de problemas
nacionais e em benefício da sociedade brasileira, sob pena do
“BONDE DA HISTÓRIA DA CONQUISTA DA
AUTONOMIA
TECNOLÓGICA e da COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL”, uma
vez que o domínio das tecnologias espaciais é vital para qualquer
nação, porque, hoje e no futuro, os países não integrantes da
exploração espacial estarão à margem da história, da evolução
científica e das oportunidades do mercado espacial.
Tendo em vista o disposto no artigo 3º, da Lei n.º 8.854, de 10 de
fevereiro de 1994 (lei de criação da AEB), e nos termos do Decreto n.
1.332, de 8 de dezembro de 1994, que aprova a atualização da Política
Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais – PNDAE,
pode-se afirmar que o Programa Espacial Brasileiro é
induvidosamente estratégico para o desenvolvimento soberano do
nosso país, tendo em vista que, reitere-se, somente os países
dominam a técnologia espacial poderão ter autonomia na elaboração
de cenários de evolução global capazes de levar em conta tanto os
impactos da ação humana, quanto os dos fenômenos naturais, e serão
estes os países em condição de sustentar posições e argumentar nas
mesas de negociações diplomáticas.
Não por outra razão é que essa realidade fática requer seja
implementada a estrutura do Centro Espacial de Alcântara; que se
aumente e aprimore a base de recursos humanos dedicados às
atividades espaciais, e que se criem oportunidades de
comercialização de produtos e serviços de natureza espacial (...)”
A ACS, em sentido semelhante, assim se manifestou, litteris:
Torna-se crucial, portanto, que se veja a ação governamental de
implantação do CEA de uma perspectiva superior, e que se analise o
seu projeto sob a ótica do fim a que se destina, sobretudo,
considerando que não haverá lesão para as comunidades porventura
envolvidas, ressaltando-se que é nessa área que serão implementados
os futuros sítios de lançamento dmandados por parcerias
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internacionais, como no caso do CYCLONE-4 em decorrência do
Tratado celebrado entre o Brasil e a Ucrânia, de que resultou a
instalação, em 2007, da ALCÂNTARA CYCLONE SPACE – ACS.
A esse respeito, o ofício n° 04/SSRE/42, de 19/02/2008, oriundo do
Centro de Lançamento de Alcântara, distingue a divisão da área da União no município em três
segmentos: a primeira, correspondente ao CLA, será destinada às atividades do PNAE; ao
passo que a segunda será conferida à AEB, para a implantação dos sítios de lançamento
para a comercialização. O restante seria afetado às comunidades quilombolas.
Há que se observar, assim, que as áreas pretendidas pela ACS e AEB,
entre as mencionadas comunidades quilombolas de Mamuna e Baracatatiua seriam destinadas
aos lançamentos comerciais a serem operacionalizados pela empresa binacional, consoante os
termos do Artigo 2º, do Tratado sobre a utilização do veículo de lançamento Cyclone-4,
promulgado pelo Decreto n° 5436/200522.
Assim, pelo exame do material ofertado ao MPF, é possível identificar a
alegação da existência de interesses nacionais relacionados ao desenvolvimento tecnológico e
à afirmação da soberania nacional, pelos empreendedores, a serem desenlvidos enquato
integrantes da definição política de atuação do Estado Brasileiro.
Não obstante, deve-se observar que tais valores, afirmados pelos
empreendedores na condição de interesse público não são absolutos, envolvendo-se em uma
situação de aparente conflito com o direito à terra das comunidades remanescentes de
quilombo e o direito à cultura, como acima explicitados.
Nesse caso, a solução a ser buscada passa pela ponderação dos
valores constitucionais em aparente conflito, considerando as circunstâncias do caso e as
várias dimensões dos interesses. Acerca da atividade de ponderação dos bens constitucionais,
confira-se a lição de J.J. Gomes Canotilho23, litteris:
22 Art.2 . O objetivo do presente Tratado é definir as condições para a cooperação de longo prazo entre as partes
sobre o desenvolvimento do Sítio de Lançamento do Cyclone-4 no Centro de Lançamento de Alcântara, e a
prestação de serviços de lançamento para os programas nacionais espaciais das Partes, assim como para clientes
comerciais
Art.3. A Alcântara Cyclone Space, que é um entidade internacional de natureza econômica e técnica, é criada
pelo presente Tratado para a operação e os lançamentos do Veículo de Lançamento Cyclone-4, a partir do Centro
de Lançamento de Alcântara e será regida por seu estatuto, segundo as diretrizes a seguir: (...)
g) Assegura-se à Alcântara Cyclone Space o direito exclusivo de prestar serviços comerciais de lançamento do
Veículo de Lançamento Cyclone-4.
23 A lição, apesar de oriunda do Direito Português, é aplicável ao estudo do caso constitucional. CANOTILHO, J.J.
Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Lisboa: Almedina.
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“Quando é que, afinal, se impõe a ponderação ou o balanceamento ad
hoc para obter uma solução dos conflitos de bens constitucionais? Os
pressupostos metódicos básicos são os seguintes. Em primeiro lugar, a
existência, pelo menos, de dois bens ou direitos reentrantes no âmbito
de protecção de duas normas jurídicas quem, tendo em conta as
circunstâncias do caso, não podem ser “realizadas” ou “optimizadas”
em todas as suas potencialidades. Concomitantemente, pressupõe a
inexistência de regras abstractas de prevalência, pois neste caso o
conflito deve ser resolvido segundo o balanceamento abstracto feito
pela norma constitucional.”
Diante dessas premissas, deve-se observar que o direito à terra do
art.68 do ADCT da CF/88 apresenta-se como um direito fundamental, relacionando-se com
os art.215 e 216 do texto constitucional. A adoção de medidas que o tornem efetivo impõe-se
com mais força ainda após a ratificação pelo Brasil da Convenção 169 da OIT, que tratando de
direitos humanos, incorporou-se ao ordenamento jurídico em posição supra-legal.
Trata-se, em uma pespectiva social, de assegurar a um conjunto de
comunidades historicamente marginalizadas desde a sua origem, como quilombos, respeito às
suas formas de vida e organização, regularizando uma situação jurídica de posse da área
existente há centenas de anos.
O Estado, nesse período, manteve-se omisso na prestação de serviços
públicos a essas comunidades negras rurais, mostrando-se apenas na sua face repressiva – a
perseguição aos fugidos da escravidão, conforme relata o laudo antropológico. Agora, entes
ligados à União se fazem presentes na área, causando insegurança aos moradores, como
revelam os depoimentos acima transcritos.
Por outro lado, o Programa Espacial Brasileiro – de inegável
importância para o país e definido como de interesse público – desenvolve-se, nas
comunidades de Mamuna e Baracatatiua, pretendendo se instalar entre os dois povoados,
antes mesmo da regularização das terras que, consoante prazo fixado em audiência judicial,
deveria ser concluída em 180 dias. As áreas pretendidas destinam-se à operação de
lançamentos comerciais, a serem explorados por uma empresa binacional.
Apareceria aqui o interesse do Estado Brasileiro no desenvolvimento
da ciência e tecnologia, na forma do art.218 da CF/88. No entato, a análise da situação – em
especial a partir dos termos do Tratado firmado com a Ucrânia para o uso do veículo de
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lançamento Cyclone-4 – permite verificar que a área mencionada nesta ação cautelar destinarse-ia notadamente a usos comerciais, como se observa da seguinte passagem, litteris:
"Art.2 . O objetivo do presente Tratado é definir as condições para a
cooperação de longo prazo entre as partes sobre o desenvolvimento do
Sítio de Lançamento do Cyclone-4 no Centro de Lançamento de
Alcântara, e a prestação de serviços de lançamento para os
programas nacionais espaciais das Partes, assim como para clientes
comerciais
Art.3. A Alcântara Cyclone Space, que é um entidade internacional de
natureza econômica e técnica, é criada pelo presente Tratado para a
operação e os lançamentos do Veículo de Lançamento Cyclone-4, a partir
do Centro de Lançamento de Alcântara e será regida por seu estatuto,
segundo as diretrizes a seguir: (...)
g) Assegura-se à Alcântara Cyclone Space o direito exclusivo de
prestar serviços comerciais de lançamento do Veículo de
Lançamento Cyclone-4.”
Assim,
deve-se observar a necessidade de se ponderar
os
mencionados interesses, com a distinção da específica finalidade comercial nos novos sítios
de lançamento em face dos interesses legítimos dos remanescentes de quilombo, decorrentes
dos art.68 do ADCT e 215 e 216 da CF/88, os quais devem preponderar, no caso concreto,
por se tratar de medidas que conferirão maior efetividade a direitos fundamentais de um
grupo étnico historicamente marginalizado em face do Estado.
Ademais, a medida cautelar ora requerida não significa prejuízo
permanente ao programa espacial brasileiro, bastando que o Estado cumpra com celeridada a
sua obrigação doméstica (titulação das terras de quilombo), para que se possa dar
continuidade ao empreendimento.
DA URGÊNCIA NA CONCESSÃO DA MEDIDA
A medida pleiteada justifica-se, ao lado dos fundamentos jurídicos
apontados, pela urgência na resolução do problema, uma vez que existe situação fática capaz
de gerar fundado receio de dano grave ou de difícil reparação (periculum in mora).
A ação dos empreendedores prejudica o reconhecimento do direito à
terra, à medida que impõe paulatina redução das áreas de acesso aos recursos naturais,
sendo certo que a reparação não será possível, pois os prejuízos a serem causados são de
natureza extrapatrimonial. Pretende-se, com a medida, garantir o respeito às formas de
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organização e ao modo de vida de comunidades tradicionais, não se tratando apenas de uma
questão fundiária a ser resolvida.
Ademais, mesmo após a autuação e embargo administrativo do IBAMA,
a requerida ATECH persisitiu nas suas atividades, em benefício da AEB e da ACS, sendo
lavrado novo auto de infração24, demonstrando a indisposição dos empreendedores em não
acatar as decisões dos entes de fiscalização ambienta, em janeiro/fevereiro do corrente ano.
Os depoimentos dos trabalhadores, por sua vez, evidenciam a
existência de situação de conflito, com a colocação de "barricadas" pelos moradores de
Mamuna, que se sentem prejudicados pelos atos atentatórios à posse.
Esse conjunto de circunstâncias evidenciam a urgência da situação,
com a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, para restauração da situação de
legalidade, com efetivo respeito às populações tradicionais.
DOS FUNDAMENTOS PARA A CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR
A concessão de medida liminar em sede de Ação Cautelar pressupõe a
probabilidade de existência do direito alegado (fumus boni iuris), bem como uma situação fática
capaz de gerar fundado receio de dano grave, de difícil ou impossível reparação (periculum in
mora) em provimento jurisdicional de cunho instrumental.
Nesse sentido, o Código de Ritos autoriza a concessão de liminares em
processo cautelar sem a audiência das partes, a saber:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,
total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no
pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se
convença da verossimilhança da alegação e: (Redação
dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação; ou (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº
8.952, de 13.12.1994)
Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente
autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares
sem a audiência das partes.
24 Com relação a esse fato, foram remetidas cópias dos documentos pertinentes ao Núcleo Criminal desta PR/MA,
para apuração da eventual prática de ilícito penal.
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Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos,
que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o
juiz determinar as medidas provisórias que julgar
adequadas, quando houver fundado receio de que uma
parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da
outra lesão grave e de difícil reparação.
Outrossim, a jurisprudência do Egrégio TRF da 1ª Região é pacífica
pela admissibilidade de medidas liminares inaudita altera parte em Ação Cautelar, desde que
preenchidos os requisitos legais, verbis::
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. LIMINAR EM
AÇÃO
CAUTELAR.
REQUISITOS
PREENCHIDOS.
DEPÓSITO DO VALOR. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE.
MULTA ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DE NORMAS
TRIBUTÁRIAS. POSSIBILIDADE.
1. Para a concessão de liminar, faz-se necessária a
existência concomitante de seus dois requisitos, quais
sejam, o perigo na demora e a plausibilidade da tese
alegada.
2. Vislumbra-se o periculum in mora ante a possibilidade da
autora ter que suportar os efeitos das providências contidas
na autuação da ANVISA, acarretando restrições à atividade
do contribuinte, bem como o fumus boni iuris diante do
posicionamento adotado neste egrégio Tribunal no sentido
de admitir o depósito judicial do valor em discussão, quando
não se trate de débito tributário, invocando, por analogia, o
disposto no art. 151 do CTN, que estabelece, no seu inciso
II, como uma das formas de suspensão da exigibilidade do
crédito tributário, o depósito de seu montante integral.
Ademais, a LC 104/01, que alterou o Código Tributário
Nacional, acrescentando o inciso V ao citado art. 151,
passou-se a admitir a suspensão da exigibilidade do tributo
até mesmo sem efetivação de depósito, quando concedida
medida liminar ou tutela antecipada, em outras espécies de
ação judicial que não o mandado de segurança.
3. Se o Código Tributário Nacional admite que o depósito do
montante integral e a concessão de liminar, em qualquer
tipo de ação judicial, têm a faculdade de suspender a
exigibilidade do crédito tributário (art. 151, II e V), com tanto
mais razão é legítima a suspensão da exigibilidade de
crédito fiscal, não-tributário, já que a multa administrativa
transforma-se em dívida ativa, equiparando-se a débito
tributário, para fins de suspensão de sua exigibilidade.
Precedentes desta Corte.
4. Agravo de instrumento não provido.
(AG 2004.01.00.033278-4/DF, Rel. Desembargador Federal
Antônio Ezequiel Da Silva, Sétima Turma, DJ de
13/01/2006, p.87)
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2º Ofício Cível
Na espécie, a plausibilidade do direito vindicado mostra-se plenamente
justificada pelos motivos elencados, dos quais exsurge que a construção irregular em área de
remanescentes de quilombo carece de todo e qualquer amparo jurídico, constituindo-se ainda,
em inovação na situação fática sub judice.
Nesse sentido, confira-se a jurisprudência, litteris:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO CAUTELAR.
DESBLOQUEIO DE RECURSOS DO FUNDO DE
PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. AUSÊNCIA DE
REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DE MEDIDA
CAUTELAR.
1. A tutela cautelar tem em mira assegurar o resultado
útil para o processo principal, no caso, a ação
ordinária, onde é discutido em profundidade o direito,
mantendo o estado de fato da demanda até o desfecho
da lide principal.
2. A redação primitiva do art. 160 da CF/88 previa a
impossibilidade de retenção do Fundo de Participação dos
Municípios para satisfação de crédito de autarquia federal.
Após a nova redação do parágrafo único do art. 160, que
veio com a Emenda Constitucional nº 03/93, surgiu a
possibilidade de bloqueio da verba destinada ao Município
inadimplente, não havendo, desde aí, fumus boni iuris a
guarnecer o pedido de liminar de desbloqueio. Precedentes
desta Corte.
3. Ausente um dos requisitos para a concessão da medida
cautelar, correta a sentença que julgou improcedente o
pedido.
4. Remessa oficial e apelação não providas.
(AC 1998.01.00.023673-9/BA, Rel. Juiz Federal Carlos
Alberto Simões De Tomaz (conv), Sétima Turma, DJ de
26/05/2006, p.60)
Há de se atentar que a presente demanda tem uma base probatória
idônea capaz de apontar a impossibilidade de execução das obras e realização dos serviços
pelas requeridas. Nesse contexto, ressalte-se que foram realizadas vistorias in loco, pelo
Ministério Público Federal (consoante auto de vistoria) e do IBAMA (Auto de Infração e o Termo
de Embargo), cujas conclusões foram uníssonas quanto aos fatos lesivos ao ambiente, com a
supressão não autorizada de vegetação.
Ademais, existe informação técnica apresentada pela Universidade
Federal do Maranhão, atestando os prejuízos ao grupo étnico, bem como depoimentos de
moradores das comunidades, referindo a situação narrada e afirmando o perigo das condutas
para a reprodução social.
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DOS PEDIDOS
ISSO POSTO, requer-se de Vossa Excelência:
1) A intimação da Agência Espacial Brasileira, para se manifestar acerca dos pedidos
formulados, no prazo de 72 horas.
2) A concessão de medida liminar, para que os requeridos se abstenham da implantação
de obras, instalações e serviços que afetem a posse do território étnico dos
remanescentes de quilombo, conforme mapa apresentado no feito principal, sem o
consentimento das comunidades afetadas, até que seja ultimado o processo de
identificação, reconhecimento, delimitação e titulação das terras respectivas, em curso
no INCRA, consoante o art. 68 do ADCT da CF/88 e Decreto Federal n.° 4.887/93, em
discussão na Ação Civil Pública n.° 2003.37.00.008868-2;
3) Seja confirmada a medida liminar deferida, para condenar aos requeridos a se abster
da implantação de obras, instalações e serviços que afetem a posse do território étnico
dos remanescentes de quilombo, na forma acima referida.
DO REQUERIMENTO DE CITAÇÃO
Requer o MPF a citação da requerida para responder aos termos da
pretensão ora deduzida, no prazo legal, bem como a intimação do IBAMA (endereço na Av.
Jaime Tavares, n. 25 – Centro) e da União (com endereço na Advocacia-Geral da União no
Estado do Maranhão), para que possam manifestar o seu interesse na lide.
Pede o Ministério Público a juntada de cópias do Inquérito Civil Público
e do Procedimento Administrativo mencionados25, quanto aos documentos mencionados nesta
25 Para evitar a reprodução de numerosos documentos, procedeu-se à cópia somente dos documentos diretamente
relacionados à inicial e defesa dos requeridos, sendo que cópia integral poderá ser apresentada, caso haja
necessidade.
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exordial, em anexo, como prova das alegações formuladas, além da produção de outras que se
fizerem necessárias no curso da instrução, notadamente a oitiva das testemunhas indicadas e
a realização de inspeção judicial.
Dá-se à causa, haja vista tratar-se de bem inestimável, o valor de R$
2.000,00 (dois mil reais).
São Luís (MA),15 de maio de 2008.
ALEXANDRE SILVA SOARES
Procurador da República
TIAGO DE SOUZA CARNEIRO
Procurador da República
REGIS RICHAEL PRIMO DA SILVA
Procurador da República
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