ordem dos enfermeiros | Número 31 | Dezembro 2008
Número 31 | Dezembro 2008 | www.ordemenfermeiros.pt | ISSN 1646-2629
IX Seminário de Ética
10 Anos
de Deontologia Profissional
60 Anos
de Direitos Humanos
2 0 0 7
Ciclo
de
V Debates
Segurança da Informação
2 0 0 0
–
A exemplo de anos anteriores, o V Ciclo de Debates vai realizar-se,
ao longo deste ano nas cinco Secções Regionais da OE. Informações
sobre datas e locais vão sendo disponibilizadas no site da Ordem
dos Enfermeiros e pelas Secções Regionais.
a do Secretariado
8.45H | Abertur
9.00H | Mesa de
VII
abertura
cia Inicial:
9.30H | Conferên
Humana”
“Da Falibilidade
Michel Renaud
Professor Doutor
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10.00H | Interval
dos Enfermeiros
ções da Ordem
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10.30H | Interven
ça nos cuidado
para a Seguran
o da S.R.
Moderador:
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o, Presidente do
Enf.º Amílcar Carvalh
do Centro
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• Conselho Directiv
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– Enf.º Jacinto
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– Enf.ª Lucília Nunes,
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Seminário
X
de Ética
Ética
Seminário de
Segurança
nos cuidados
Debate
12.30H | Almoço
s de Saúde
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14.00H | Seguran
Profissionais
– Papel das Ordens
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do Conselho Jurisdici
Moderador:
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Enf.º Rogério Gonçalv
Intervenções:
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Digníssimo Bastoná
– Dr. Pedro Nunes,
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da Silva, Digníssi
– Dr. J. A. Aranda
Dentistas
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• Ordem dos Médicos da Silva, Digníssimo Bastoná
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– Dr. Orlando Monteir
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Comentadores:
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Prof.ª Dr.ª Ana
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da Saúde
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Dr.ª Maria de Belém
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9.00H
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SETEMBRO
2009
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Enfermeiros
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do CJ Region
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do CJ Region
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Moderador:
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CJ
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– Enf. ª Concei
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– Enf.ª Merícia
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do CJ Region
– Presidente
Bettencourt
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RA da Madeir
– Vogal do CJ
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Regional da
– Enf. José Antóni
Do final de vida
13.00H › Almoço
›
e do CJ
Moderador:
Vice-president
Gonçalves –
Enf. Rogério
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lógica do enferm
16.00H › Confer
ade ética e deonto
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nte do CJ
Nunes – Preside
Enf.ª Lucília
16.30H › Mesa
FOTO: VERA VIDIGAL
Foto: vera vidigal
Debate
de 2006
7 de Novembro
– Fátima
toral Paulo VI
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Inscrições limitadas
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SEMINÁRIO D
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Segurança da Informação
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dos Enferme
de Enfermagem
e estudantes
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ordem de “Ordem
Enfermeiros
ou vale CTT à
demenfermeiro
em www.or
ento por cheque
válida.
o disponíveis
– 15 € (pagam
cédula profissional
e ficha de inscriçã lugares) e à apresentação de
Informação
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elo ao
Evento paral
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Saúde e Bem
nacional de
– Salão Inter
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IX SEMINÁRIO DE ÉTICA
1
ARQUIVO OE
Editorial – Bastonária
Cara(o) Colega
Tal como tem sucedido em anos anteriores,
o actual Conselho Directivo da Ordem dos
Enfermeiros (OE) decidiu dar continuidade à
publicação, na Revista da Ordem dos Enfermeiros, das apresentações realizadas no âmbito do
Seminário de Ética, uma actividade do Conselho
Jurisdicional da OE.
É, pois, com imenso prazer que aqui damos a
conhecer, a todos aqueles que não puderam
participar no evento, e recordamos, aos que
estiveram presentes, os assuntos abordados
pelos mais variados prelectores, no decurso
do IX Seminário de Ética. Como foi divulgado
na altura, a nona edição do Seminário de Ética
teve lugar no Grande Auditório da Faculdade
de Ciências de Lisboa, no dia 26 de Setembro
de 2008.
O tema escolhido pelo Conselho Jurisdicional
foi «10 anos de deontologia profissional – 60
anos de direitos humanos». No ano em que se
assinalaram duas efemérides tão importantes
para a Enfermagem portuguesa e para a deontologia de Enfermagem, seria indeclinável,
para a Ordem dos Enfermeiros, criar um espaço
de reflexão e de debate sobre a profunda e
inquebrável relação existente entre o exercício
da Enfermagem e o respeito pelos direitos
humanos.
Recordo que o Estatuto da OE – Decreto-Lei
n.º 104/98, de 21 de Abril, diploma que criou
formalmente a Ordem dos Enfermeiros – estabelece expressamente na alínea b) do número
3 do Artigo 78.º «o respeito pelos direitos
humanos na relação» do enfermeiro «com os
clientes» como um princípio orientador do
exercício da Enfermagem. Também o número
2 do mesmo artigo refere que «são valores
universais a observar na relação profissional
a) a igualdade; b) a liberdade responsável, com
a capacidade de escolha, tendo em atenção
o bem comum; c) a verdade e a justiça; d) o
altruísmo e a solidariedade; e) a competência
e o aperfeiçoamento profissional». Ainda no
mesmo articulado, saliento a redacção do Artigo 81.º, o qual, entre outros aspectos, define
que «o enfermeiro, no seu exercício, observa
os valores humanos pelos quais se regem o
indivíduo e os grupos em que este se integra
e assume o dever de: a) cuidar da pessoa sem
qualquer discriminação económica, social, política, étnica, ideológica ou religiosa; (….)».
Através da referência a estes três aspectos do
Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, fica claro
que a defesa dos direitos humanos por quem
dedica a sua vida ao exercício da Enfermagem
foi uma preocupação fundamental para os precursores e fundadores da OE. Estou convicta de
que esta preocupação – a par da necessidade
de garantir cuidados de qualidade seguros, no
respeito pelo ser humano enquanto indivíduo único e detentor de direito inalienáveis
– continua presente no dia-a-dia de todos os
colegas. Estamos a falar de princípios basilares
da deontologia profissional do enfermeiro que
nenhum de nós, em momento algum, deve
descurar, quer esteja inserido na prática clínica,
na docência, na gestão, na investigação ou na
assessoria.
O alicerce que a deontologia profissional representa no quadro regulador da profissão é, sem
dúvida, o garante da centralidade dos cuidados
ordem dos enfermeiros
I IXX SSEEM
MIIN
NÁ R I O D
DEE ÉÉTTIICA
CA
2
Editorial (continuação)
Ficha técnica
Propriedade:
Ordem dos Enfermeiros
– Av. Almirante Gago Coutinho, 75
1700-028 Lisboa
Tel.: 218 455 230 / Fax: 218 455 259
E-mail: [email protected]
www.ordemenfermeiros.pt
Director: Maria Augusta Sousa
na pessoa. Daí a relevância que assumem os
direitos humanos como inalienáveis.
Esta perspectiva adquire especial importância
quando, num quadro global de desregulação,
os direitos universalmente consagrados são, em
muitas situações, relegados para segundo plano,
sobrepondo-se meros enquadramentos economicistas aos quais não é alheia a ausência de
condições promotoras de ambientes seguros e
de reforço do profissionalismo que desejamos.
De facto, é imperioso afirmar que a prática profissional em saúde, assente nos deveres deontológicos e na defesa dos direitos humanos, tem
hoje escolhos que trespassam culturas organizacionais onde impera o medo, a insegurança,
a hostilidade, muitas vezes o «faz de conta»
dos números e a autoridade não reconhecida,
por ausência de competências transversais de
quem dirige as organizações.
Neste quadro, reafirmamos que este é o reduto
que continuará, no nosso quotidiano, a ser um
permanente contraponto na adversidade, para
garantir a todos aqueles que nos confiam os
seus cuidados que podem contar com os enfermeiros para salvaguardar os seus direitos.
Ou seja, garantimos que a saúde é um direito
que todos temos o dever de preservar, seja
através da promoção de mais e melhor saúde
para todos, seja através da disponibilização do
necessário suporte qualificado nos cuidados
que cada um necessita quando está doente, em
situação aguda ou crónica, ou ainda na promoção da autonomia, sempre que cada um se vê
confrontado com situações de dependência.
Coordenador: Júlio Branco
Conselho editorial: Carminda
Morais, Élvio Jesus, Germano Couto,
Helena Simões, Jacinto Oliveira,
Manuel Oliveira, Margarida Rego
Pereira, Rogério Gonçalves, Teresa
Oliveira Marçal
Edição: Luísa Neves, Paula Domingos
Colaboraram neste número:
Mas é também nesta senda que aos enfermeiros
está consagrado o direito a condições de exercício adequadas, que suportem o cumprimento
dos seus deveres. Condições que permitam o
desenvolvimento harmonioso das suas competências, a estabilidade no emprego, a formação
e o reconhecimento do valor do seu trabalho.
Ana Sofia R. Monteiro, Daniel Serrão,
José Cerqueira, José H. Silveira de
Brito, Lucília Nunes, Maria Augusta
Sousa, M.ª Conceição Martins, Maria
José Silva, Teresa Carneiro,Teresa
Oliveira Marçal, Sérgio Deodato
Fotos: Vera Vidigal
Secretariado: Tânia Graça
Av. Almirante Gago Coutinho, 75
Será na conjugação destes vectores que os
cuidados seguros se reforçarão, garantindo o
respeito pelos direitos das pessoas a quem são
prestados cuidados.
– 1700-028 Lisboa
Tel.: 218 455 230 / Fax: 218 455 259
E-mail: [email protected]
www.ordemenfermeiros.pt
ISSN: 1646-2629
Consultoria em Língua Portuguesa:
Espero que, através dos contributos que apresentamos ao longo desta edição da Revista
da Ordem dos Enfermeiros, os colegas possam
retirar a mais-valia que os palestrantes pretenderam transmitir, aquando da sua participação
no IX Seminário de Ética.
Letrário – www.letrario.pt
Design Gráfico: Pedro Gonçalves
Paginação, Pré-impressão,
Impressão e Distribuição:
DPI Cromotipo, Rua Alexandre Braga,
21 B, 1150-002 Lisboa
Periodicidade: Trimestral
Tiragem: 57 250 exemplares
Distribuição gratuita aos membros
A sua Bastonária
Maria Augusta Sousa
da Ordem dos Enfermeiros
Depósito legal n.º 153540/00
Ordem dos Enfermeiros – Sede: Av. Almirante Gago Coutinho, 75 – 1700-028 Lisboa – Tel.: 218 455 230 / Fax: 218 455 259
– E-mail: [email protected] | Secção Regional da R. A. dos Açores: R. Dr. Armando Narciso, 2 – 9500-185
Ponta Delgada – Tel.: 296 281 868 / Fax: 296 281 848 – E-mail: [email protected] | Secção
Regional do Centro: Av. Bissaya Barreto, n.º 185 – 3000-076 Coimbra – Tel.: 239 487 810 / Fax: 239 487 819 –
E-mail: [email protected] | Secção Regional da R. A. da Madeira: R. Visconde Cacongo, n.º 35
– St.ª Maria Maior – 9060-036 Funchal – Tel.: 291 241 765 / Fax: 291 237 212 – E-mail: [email protected]
| Secção Regional do Norte: R. Latino Coelho, 352 – 4000-314 Porto – Tel.: 225 072 710 / Fax: 225 072 719 – E-mail:
As afirmações e ideias expressas
[email protected] | Secção Regional do Sul: Rua Castilho, 59, 8.º Esq. – 1250-068 Lisboa – Tel.: 213 815 550 /
nos textos publicados na ROE são
Fax: 213 815 559 – E-mail: [email protected]
da inteira responsabilidade
dos autores das mesmas.
ordem dos enfermeiros
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3
|
ARQUIVO OE
Sumário
o de
dos e e
e os
|
Número 31 | Dezembro 2008 | www.ordemenfermeiros.pt | ISSN 1646-2629
IX Seminário de Ética
10 Anos
de Deontologia Profissional
60 Anos
de Direitos Humanos
Sumário
04 Palavras de abertura
– Enf.º Sérgio Deodato
05 10 anos de deontologia de Enfermagem
– Enf.º Sérgio Deodato
09 Alocução de honra
– Enf.ª Maria Augusta Sousa
12 Deontologia e direitos humanos
– Professor Doutor José Henrique Silveira de Brito
VERA VIDIGAL
VERA VIDIGAL
N.º 31 | Dezembro 2008
VERA VIDIGAL
17 Os direitos humanos e a deontologia profissional
– Professor Doutor Daniel Serrão
20 Os direitos humanos e a deontologia profissional de Enfermagem
– Dr.ª Ana Sofia R. Monteiro, Enf.ª Maria José Silva
24 Os direitos humanos e a deontologia profissional de Enfermagem
– Enf.ª Teresa Oliveira Marçal
29 Os direitos humanos e o Código Deontológico do Enfermeiro
– Enf.º José Cerqueira
33 Fundamentos éticos da deontologia profissional
– Enf.ª Lucília Nunes
46 Desenhando o sentido, perspectivando o futuro
– Enf.º Sérgio Deodato, Enf.ª Conceição Martins e Enf.ª Teresa Carneiro
ordem dos enfermeiros
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4
Divulgação
???
Enf.º Sérgio Deodato
Presidente do Conselho Jurisdicional
A presente Revista da Ordem dos Enfermeiros é exclusivamente
dedicada ao IX Seminário de Ética, organizado pelo Conselho
Jurisdicional e realizado em Lisboa, em 26 de Setembro de 2008.
Esta é a oportunidade de publicar os riquíssimos textos relativos
às excelentes comunicações que preencheram este Seminário.
È também a altura de agradecer a todos quantos fizeram deste
Seminário mais um momento de aprofundamento da reflexão
sobre a ética de Enfermagem.
No ano em que se comemorou o 10.º aniversário da criação da
Ordem dos Enfermeiros e da publicação da deontologia de Enfermagem – através do Decreto-lei n.º 104/98, de 21 de Abril e
também o 60.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, o Conselho Jurisdicional decidiu assinalar estas comemorações, como tema central do Seminário. Assim, construiu-se
como lema: «10 Anos de Deontologia Profissional. 60 Anos de
Direitos Humanos».
Considerando estes direitos como universais, na
medida em que são da titularidade de todas as pessoas, encontramos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma
harmoniosa fonte formal para a sua consagração. É nesta medida
que consideramos os Direitos Humanos como uma base ética
fundamental para os deveres do enfermeiro.
Os textos agora publicados, enquanto comunicações orais do
Seminário, deram origem a um debate bastante profícuo, a
todos os que tiveram oportunidade de participar. Desejo que
sirva, igualmente, como contributo para a reflexão individual de
cada leitor e constitua mais um elemento de desenvolvimento
da ética de Enfermagem. oe
VERA VIDIGAL
A nossa deontologia – que integra os direitos, as incompatibilidades e os deveres do enfermeiro – encontra uma matriz de
protecção dos direitos das pessoas, que constitui uma dimensão
essencial da sua fundamentação ética. O Código Deontológico
do Enfermeiro, que enuncia princípios e valores e
prescreve um conjunto de
deveres para o exercício
profissional de Enfermagem em Portugal, está
construído no respeito
pelos diversos direitos das
pessoas a quem são prestados cuidados.
VERA VIDIGAL
Palavras de abertura
ordem dos enfermeiros
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Divulgação
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5
Enquadramento do IX Seminário de Ética
10 anos de deontologia de Enfermagem
Enf.º Sérgio Deodato
Presidente do Conselho Jurisdicional
O ano de 2008 assinala a comemoração do 10.º aniversário da
criação da Ordem dos Enfermeiros e igualmente os 10 anos de
deontologia de Enfermagem, formalizada em lei. Esta coincidência de comemorações resulta da opção do legislador de colocar
na lei que criou a Ordem – o Decreto-Lei n.º 104/98 de 21 de
Abril – o capítulo da deontologia profissional, onde se inclui o
Código Deontológico do Enfermeiro.
Naturalmente que a previsão de deveres profissionais no exercício
da profissão de enfermeiro é tão antiga quanto a prática profissional dos cuidados de Enfermagem. O enfermeiro sempre assumiu
como dever a prestação do cuidado ao Outro, na satisfação das
suas múltiplas necessidades, promovendo o conforto, procurando
potenciar a sua qualidade de vida e ajudando a viver uma morte
serena. Os deveres do enfermeiro encontraram sempre como fundamento ético a responsabilidade pelo Outro, em todas as fases da
vida e nas diversas situações de saúde ou doença. Neste sentido,
podemos fazer coincidir os deveres profissionais ao agir ético do
enfermeiro, ao qual este se obriga, guiado pelos princípios e pelos
valores que a profissão foi desenvolvendo no tempo.
Todavia, aquando da publicação do Código Deontológico do Enfermeiro, o conjunto dos deveres profissionais são formalizados
e assumem a natural obrigatoriedade enquanto parte de um
diploma legal. Os deveres profissionais passam a ser os enunciados no Código Deontológico, pelos quais o enfermeiro passa a
responder pelo seu cumprimento ou incumprimento. Mantêm-se
como materialização do agir ético, mas ganham força obrigatória
e a coercibilidade da norma jurídica que os impõe como deveres
a serem praticados em toda a relação de cuidado, de tal forma,
que a sua violação implica sanção disciplinar.
Encontrando-se numa lei, podemos concluir que o conjunto dos
deveres evidenciam aquilo que a sociedade onde estamos inseridos espera de nós, enquanto enfermeiros. De facto, a escolha
destes deveres, tendo uma natural fundamentação na ética de
Enfermagem, correspondem a opções do legislador (Assembleia
da República que concedeu autorização legislativa e o Governo
que a elaborou), ou seja, dos legítimos representantes do povo
que os elegeu e, nessa medida, consubstanciam a valoração que a
sociedade faz do nosso agir profissional, neste tempo histórico.
Sendo o fim, a protecção do Outro, a deontologia de Enfermagem, consagra direitos (Artigo 75.º do Estatuto da Ordem dos
Enfermeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 104/98 de 21 de
Abril), determina incompatibilidades (Artigo 77.º) e estabelece
deveres no Código Deontológico, que visam a salvaguarda dos
direitos das pessoas a quem são prestados cuidados. Desta forma,
fica em harmonia a consagração de direitos que o ordenamento
jurídico hoje faz às pessoas e a protecção destes direitos no agir
profissional do enfermeiro, enquanto profissional de saúde.
Assim, partindo da Postilla Religiosa ou do Juramento de Nigthingale, verificamos que o fundamento ético dos deveres profissionais se mantém no actual Código Deontológico do Enfermeiro.
A interpretação que o Conselho Jurisdicional tem vindo a fazer de
cada um dos deveres – bem como dos direitos e das incompatibilidades – tem em conta o referencial histórico da profissão, assim
como o seu desenvolvimento recente, procurando sentidos com
a adequada base ética que os suportem. Colocando a pessoa e a
promoção dos seus direitos no centro da doutrina interpretativa,
verificamos que a essência da esfera de protecção dos deveres se
mantém, porque a natureza humana do cuidado de Enfermagem
não se alterou no tempo. Desta forma, a espiral do desenvolvimento da interpretação da deontologia de Enfermagem – a que
alude o símbolo deste Seminário – tem um traço de continuidade
e de aprofundamento.
As reflexões deste Seminário de Ética constituirão mais um
contributo para o desenvolvimento do trabalho de interpretação
pelo Conselho Jurisdicional, procurando ajudar a sua aplicação
na prática diária dos enfermeiros em Portugal.
ordem dos enfermeiros
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6
Divulgação
???
Recordamos o Capítulo VI do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (integrado no Decreto-Lei
n.º 104/98 de 21 de Abril), dedicado à deontologia profissional.
CAPÍTULO VI
Da deontologia profissional
SECÇÃO I
Direitos, deveres em geral
e incompatibilidades
Artigo 74.º
Disposição geral
Todos os enfermeiros membros da Ordem têm
os direitos e os deveres decorrentes do presente
Estatuto e da legislação em vigor, nos termos dos
artigos seguintes.
Artigo 75.º
Direitos dos membros
1 – Constituem direitos dos membros efectivos:
a) Exercer livremente a profissão, sem qualquer tipo de limitações a não ser as decorrentes do código deontológico, das leis
vigentes e do regulamento do exercício da
enfermagem;
b) Usar o título profissional que lhe foi atribuído;
c) Participar nas actividades da Ordem;
d) Intervir nas assembleias gerais e regionais;
e) Consultar as actas das assembleias;
f) Requerer a convocação de assembleias
gerais ou regionais;
g) Eleger e ser eleito para os órgãos da Ordem;
h) Utilizar os serviços da Ordem.
2 – Constituem ainda direitos dos membros
efectivos:
a) Ser ouvido na elaboração e aplicação da
legislação referente à profissão;
b) O respeito pelas suas convicções políticas,
religiosas, ideológicas e filosóficas;
c) Usufruir de condições de trabalho que
garantam o respeito pela deontologia da
profissão e pelo direito do cliente a cuidados de enfermagem de qualidade;
ordem dos enfermeiros
d) A condições de acesso à formação para
actualização e aperfeiçoamento profissional;
e) A objecção de consciência;
f) A informação sobre os aspectos relacionados com o diagnóstico clínico, tratamento
e bem -estar dos indivíduos, famílias e
comunidades ao seu cuidado;
g) Beneficiar da actividade editorial da Ordem;
h) Reclamar e recorrer das deliberações dos
órgãos da Ordem contrárias ao disposto no
presente Estatuto, regulamentos e demais
legislação aplicável;
i) Participar na vida da Ordem, nomeadamente nos seus grupos de trabalho;
j) Solicitar a intervenção da Ordem na
defesa dos seus direitos e interesses profissionais, para garantia da sua dignidade
e da qualidade dos serviços de enfermagem.
3 – Constituem direitos dos membros honorários e correspondentes:
a) Participar nas actividades da Ordem;
b) Intervir, sem direito a voto, na assembleia
geral e nas assembleias regionais.
Artigo 76.º
Deveres em geral
1 – Os membros efectivos estão obrigados a:
a) Exercer a profissão com os adequados conhecimentos científicos e técnicos, com o
respeito pela vida, pela dignidade humana
e pela saúde e bem-estar da população,
adoptando todas as medidas que visem
melhorar a qualidade dos cuidados e serviços de enfermagem;
b) Cumprir e zelar pelo cumprimento da legislação referente ao exercício da profissão;
c) O cumprimento das convenções e recomendações internacionais que lhes sejam
aplicáveis e que tenham sido, respectivamente, ratificadas ou adoptadas pelos
órgãos de soberania competentes;
d) Exercer os cargos para que tenham sido
eleitos ou nomeados e cumprir os respectivos mandatos;
e) Colaborar em todas as iniciativas que
sejam de interesse e prestígio para a profissão;
f) Contribuir para a dignificação da profissão;
g) Participar na prossecução das finalidades
da Ordem;
h) Cumprir as obrigações emergentes do
presente Estatuto, do código deontológico
e demais legislação aplicável;
i) Comunicar os factos de que tenham
conhecimento e possam comprometer a
dignidade da profissão ou a saúde dos indivíduos ou sejam susceptíveis de violar as
normas legais do exercício da profissão;
j) Comunicar o extravio da cédula profissional no prazo de cinco dias úteis;
l) Comunicar a mudança de domicílio profissional e o novo endereço no prazo de 30
dias úteis;
m) Pagar as quotas e taxas em vigor.
2 – Os membros honorários e correspondentes
estão obrigados a:
a) Cumprir as disposições do Estatuto e dos
regulamentos estabelecidos pela Ordem;
b) Participar na prossecução das finalidades
da Ordem;
c) Contribuir para a dignificação da Ordem e
da profissão;
d) Prestar a comissões e grupos de trabalho
a colaboração que lhes for solicitada.
Artigo 77.º
Incompatibilidades
1 – O exercício da profissão de enfermeiro é
incompatível com a titularidade dos cargos e
o exercício das actividades seguintes:
a) Delegado de informação médica e de comercialização de produtos médicos;
b) Farmacêutico ou técnico de farmácia;
c) Proprietário de laboratório de análises
clínicas, de preparação de produtos farmacêuticos ou de equipamentos técnico-sanitários;
d) Proprietário de agência funerária;
e) Quaisquer outras que por lei sejam consideradas incompatíveis com o exercício da
enfermagem.
2 – Os membros da Ordem que fiquem em
situação de incompatibilidade, nos termos do
número anterior, devem requerer a suspensão
da sua inscrição no prazo máximo de 30 dias
após a posse do respectivo cargo.
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3 – Não sendo os factos comunicados à Ordem no prazo de 30 dias, pode o conselho
jurisdicional regional propor a suspensão da
inscrição.
SECÇÃO II
Do Código Deontológico do Enfermeiro
Artigo 78.º
Princípios gerais
1 – As intervenções de enfermagem são realizadas com a preocupação da defesa da
liberdade e da dignidade da pessoa humana
e do enfermeiro.
2 – São valores universais a observar na relação
profissional:
a) A igualdade;
b) A liberdade responsável, com a capacidade
de escolha, tendo em atenção o bem comum;
c) A verdade e a justiça;
d) O altruísmo e a solidariedade;
e) A competência e o aperfeiçoamento profissional.
3 – São princípios orientadores da actividade
dos enfermeiros:
a) A responsabilidade inerente ao papel assumido perante a sociedade;
b) O respeito pelos direitos humanos na
relação com os clientes;
c) A excelência do exercício na profissão em
geral e na relação com outros profissionais.
Artigo 79.º
Dos deveres deontológicos em geral
O enfermeiro, ao inscrever-se na Ordem, assume
o dever de:
a) Cumprir as normas deontológicas e as leis que
regem a profissão;
b) Responsabilizar-se pelas decisões que toma e
pelos actos que pratica ou delega;
c) Proteger e defender a pessoa humana das
práticas que contrariem a lei, a ética ou o
bem comum, sobretudo quando carecidas de
indispensável competência profissional;
d) Ser solidário com a comunidade, de modo
especial em caso de crise ou catástrofe, actuando sempre de acordo com a sua área de
competência.
Artigo 80.º
Do dever para com a comunidade
O enfermeiro, sendo responsável para com a
comunidade na promoção da saúde e na resposta
adequada às necessidades em cuidados de enfermagem, assume o dever de:
a) Conhecer as necessidades da população e da
comunidade em que está inserido;
b) Participar na orientação da comunidade na
busca de soluções para os problemas de saúde
detectados;
c) Colaborar com outros profissionais em programas que respondam às necessidades da
comunidade.
Artigo 81.º
Dos valores humanos
O enfermeiro, no seu exercício, observa os valores humanos pelos quais se regem o indivíduo
e os grupos em que este se integra e assume
o dever de:
a) Cuidar da pessoa sem qualquer discriminação
económica, social, política, étnica, ideológica
ou religiosa;
b) Salvaguardar os direitos das crianças, protegendo-as de qualquer forma de abuso;
c) Salvaguardar os direitos da pessoa idosa, promovendo a sua independência física, psíquica
e social e o autocuidado, com o objectivo de
melhorar a sua qualidade de vida;
d) Salvaguardar os direitos da pessoa com
deficiência e colaborar activamente na sua
reinserção social;
e) Abster-se de juízos de valor sobre o comportamento da pessoa assistida e não lhe impor
os seus próprios critérios e valores no âmbito
da consciência e da filosofia de vida;
f) Respeitar e fazer respeitar as opções políticas, culturais, morais e religiosas da pessoa
e criar condições para que ela possa exercer,
nestas áreas, os seus direitos.
Artigo 82.º
Dos direitos à vida e à qualidade de vida
O enfermeiro, no respeito do direito da pessoa
à vida durante todo o ciclo vital, assume o
dever de:
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a) Atribuir à vida de qualquer pessoa igual valor,
pelo que protege e defende a vida humana em
todas as circunstâncias;
b) Respeitar a integridade bio-psicossocial, cultural e espiritual da pessoa;
c) Participar nos esforços profissionais para
valorizar a vida e a qualidade de vida;
d) Recusar a participação em qualquer forma
de tortura, tratamento cruel, desumano ou
degradante.
Artigo 83.º
Do direito ao cuidado
O enfermeiro, no respeito do direito ao cuidado
na saúde ou doença, assume o dever de:
a) Co-responsabilizar-se pelo atendimento do
indivíduo em tempo útil, de forma a não haver
atrasos no diagnóstico da doença e respectivo
tratamento;
b) Orientar o indivíduo para outro profissional de
saúde mais bem colocado para responder ao
problema, quando o pedido ultrapasse a sua
competência;
c) Respeitar e possibilitar ao indivíduo a liberdade de opção de ser cuidado por outro
enfermeiro, quando tal opção seja viável e
não ponha em risco a sua saúde;
d) Assegurar a continuidade dos cuidados,
registando fielmente as observações e intervenções realizadas;
e) Manter-se no seu posto de trabalho enquanto
não for substituído, quando a sua ausência
interferir na continuidade de cuidados.
Artigo 84.º
Do dever de informação
No respeito pelo direito à autodeterminação, o
enfermeiro assume o dever de:
a) Informar o indivíduo e a família no que respeita aos cuidados de enfermagem;
b) Respeitar, defender e promover o direito da
pessoa ao consentimento informado;
c) Atender com responsabilidade e cuidado todo
o pedido de informação ou explicação feito
pelo indivíduo em matéria de cuidados de
enfermagem;
d) Informar sobre os recursos a que a pessoa
pode ter acesso, bem como sobre a maneira
de os obter.
ordem dos enfermeiros
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Artigo 85.º
Do dever de sigilo
Artigo 88.º
Da excelência do exercício
O enfermeiro, obrigado a guardar segredo profissional sobre o que toma conhecimento no
exercício da sua profissão, assume o dever de:
a) Considerar confidencial toda a informação
acerca do destinatário de cuidados e da família, qualquer que seja a fonte;
b) Partilhar a informação pertinente só com aqueles que estão implicados no plano terapêutico,
usando como critérios orientadores o bem-estar,
a segurança física, emocional e social do indivíduo e família, assim como os seus direitos;
c) Divulgar informação confidencial acerca do
indivíduo e família só nas situações previstas
na lei, devendo, para tal efeito, recorrer a
aconselhamento deontológico e jurídico;
d) Manter o anonimato da pessoa sempre que
o seu caso for usado em situações de ensino,
investigação ou controlo da qualidade de
cuidados.
O enfermeiro procura, em todo o acto profissional, a excelência do exercício, assumindo o
dever de:
a) Analisar regularmente o trabalho efectuado
e reconhecer eventuais falhas que mereçam
mudança de atitude;
b) Procurar adequar as normas de qualidade
dos cuidados às necessidades concretas da
pessoa;
c) Manter a actualização contínua dos seus conhecimentos e utilizar de forma competente as
tecnologias, sem esquecer a formação permanente e aprofundada nas ciências humanas;
d) Assegurar, por todos os meios ao seu alcance,
as condições de trabalho que permitam exercer a profissão com dignidade e autonomia,
comunicando, através das vias competentes,
as deficiências que prejudiquem a qualidade
de cuidados;
e) Garantir a qualidade e assegurar a continuidade dos cuidados das actividades que delegar,
assumindo a responsabilidade pelos mesmos;
f) Abster-se de exercer funções sob influência de
substâncias susceptíveis de produzir perturbação das faculdades físicas ou mentais.
Artigo 86.º
Do respeito pela intimidade
Atendendo aos sentimentos de pudor e interioridade inerentes à pessoa, o enfermeiro assume
o dever de:
a) Respeitar a intimidade da pessoa e protegê-la
de ingerência na sua vida privada e na da sua
família;
b) Salvaguardar sempre, no exercício das suas
funções e na supervisão das tarefas que delega,
a privacidade e a intimidade da pessoa.
Artigo 87.º
Do respeito pelo doente terminal
O enfermeiro, ao acompanhar o doente nas
diferentes etapas da fase terminal, assume o
dever de:
a) Defender e promover o direito do doente à
escolha do local e das pessoas que deseja o
acompanhem na fase terminal da vida;
b) Respeitar e fazer respeitar as manifestações
de perda expressas pelo doente em fase terminal, pela família ou pessoas que lhe sejam
próximas;
c) Respeitar e fazer respeitar o corpo após a
morte.
ordem dos enfermeiros
Artigo 89.º
Da humanização dos cuidados
O enfermeiro, sendo responsável pela humanização dos cuidados de enfermagem, assume o
dever de:
a) Dar, quando presta cuidados, atenção à pessoa
como uma totalidade única, inserida numa
família e numa comunidade;
b) Contribuir para criar o ambiente propício ao
desenvolvimento das potencialidades da pessoa.
Artigo 90.º
Dos deveres para com a profissão
Consciente de que a sua acção se repercute em
toda a profissão, o enfermeiro assume o dever
de:
a) Manter no desempenho das suas actividades,
em todas as circunstâncias, um padrão de
conduta pessoal que dignifique a profissão;
b) Ser solidário com os outros membros da
profissão em ordem à elevação do nível profissional;
c) Proceder com correcção e urbanidade,
abstendo-se de qualquer crítica pessoal ou
alusão depreciativa a colegas ou a outros
profissionais;
d) Abster-se de receber benefícios ou gratificações além das remunerações a que tenha
direito;
e) Recusar a participação em actividades publicitárias de produtos farmacêuticos e equipamentos técnico-sanitários.
Artigo 91.º
Dos deveres para com outras profissões
Como membro da equipa de saúde, o enfermeiro
assume o dever de:
a) Actuar responsavelmente na sua área de
competência e reconhecer a especificidade
das outras profissões de saúde, respeitando os
limites impostos pela área de competência de
cada uma;
b) Trabalhar em articulação e complementaridade
com os restantes profissionais de saúde;
c) Integrar a equipa de saúde, em qualquer
serviço em que trabalhe, colaborando, com a
responsabilidade que lhe é própria, nas decisões sobre a promoção da saúde, a prevenção
da doença, o tratamento e recuperação, promovendo a qualidade dos serviços.
Artigo 92.º
Da objecção de consciência
1 – O enfermeiro, no exercício do seu direito de
objector de consciência, assume o dever de:
a) Proceder segundo os regulamentos internos
da Ordem que regem os comportamentos
do objector, de modo a não prejudicar os
direitos das pessoas;
b) Declarar, atempadamente, a sua qualidade
de objector de consciência, para que sejam
assegurados, no mínimo indispensável, os
cuidados a prestar;
c) Respeitar as convicções pessoais, filosóficas, ideológicas ou religiosas da pessoa e
dos outros membros da equipa de saúde.
2 – O enfermeiro não poderá sofrer qualquer
prejuízo pessoal ou profissional pelo exercício
do seu direito à objecção de consciência. oe
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Alocução de honra
Enf.ª Maria Augusta Sousa
Bastonária da Ordem dos Enfermeiros
O IX Seminário de Ética que agora iniciamos realiza-se no ano das
comemorações do 10.º aniversário da Ordem dos Enfermeiros.
Há 10 anos, em 1998, era publicado o Decreto-Lei n.º 104/98
de 21 de Abril, em resultado da autorização legislativa concedida
pela Assembleia da República através da Lei n.º 129/87 de 23
de Dezembro. Desta forma, a Assembleia da República devolveu
aos enfermeiros os poderes de auto-regulação.
De facto, considerando os enfermeiros portugueses «uma comunidade profissional e científica da maior relevância no funcionamento do sistema de saúde» e que o «desenvolvimento induzido
pela investigação tem facilitado a delimitação de um corpo específico de conhecimentos e a afirmação da individualização e autonomia da Enfermagem na prestação de cuidados de saúde» – como
refere o preâmbulo do Decreto-Lei que criou a Ordem – o Estado
entregou aos enfermeiros a função de criar regras profissionais, de
zelar pelas qualidade dos cuidados de Enfermagem e de exercer o
poder disciplinar, na garantia dos direitos dos cidadãos.
Todavia, se assim é no plano formal, sabemos que esta decisão
jurídica e política resultou da capacidade que os enfermeiros demonstraram, ao longo de vários anos, de evidenciar a necessidade
da auto-regulação profissional da Enfermagem, como forma de
garantir o desenvolvimento profissional, a par da promoção e da
defesa da qualidade dos cuidados de Enfermagem no nosso país.
No essencial, foi isto que aconteceu há 10 anos: aceitámos,
da sociedade, o desafio de assegurar a protecção das pessoas
que nos confiam os seus cuidados, através da regulamentação
profissional.
Como suporte fundamental à concretização deste desígnio, ao
mesmo tempo que a Ordem foi criada foi também publicada
a deontologia profissional onde se inclui o Código Deontoló-
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Enfermagem e direitos humanos
gico. De facto, o referido
Decreto-Lei n.º 104/98 de
21 de Abril, inclui, no seu
capítulo sexto, a deontologia profissional de Enfermagem, fazendo parte
integrante do Estatuto da
Ordem.
Por isso, comemoramos
este ano o 10.º aniversário da Ordem e da deontologia dos enfermeiros
portugueses.
Decidiu o Conselho Jurisdicional que o IX Seminário de Ética assinalasse também os 60 anos dos direitos humanos, comemorando o 60.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Desta forma, juntamos à reflexão ética deste ano a
ligação entre os direitos humanos e os deveres do enfermeiro.
60 anos da Declaração Universal é um tempo assinalável de vigência no plano internacional de um instrumento de consagração
dos direitos das pessoas. A sociedade tem feito um caminho de
interpretação e apropriação dos direitos humanos, nem sempre
harmonioso e uniforme em todos os cantos do mundo.
Em Portugal, a Declaração foi ratificada apenas em 1978 e hoje
temos um quadro jurídico nacional que fundamenta os direitos
das pessoas na Declaração Universal.
O enfermeiro, profissional do cuidado humano, assume um papel
crucial no respeito, na defesa e na promoção dos direitos das
pessoas de quem cuida. O nosso agir ético centra-se no cuidado
ao outro, respondendo às suas necessidades tendo em vista a sua
máxima independência, no respeito pela sua dignidade e ajudando
na prossecução dos seus projectos de saúde. As intervenções de
ordem dos enfermeiros
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Enfermagem realizam-se no quadro dos valores e princípios profissionais, no respeito, em cada acto, pelos direitos de cada pessoa
em particular e pelos direitos humanos em geral.
de cuidados de Enfermagem, estes servem-nos também de base
ética para a interpretação dos direitos em geral que devemos
promover em cada relação de cuidado.
A relação de parceria que o enfermeiro estabelece com as pessoas suas clientes, sendo uma relação profissional, é, antes de
mais, uma relação humana. As intervenções planeadas são fortemente decorrentes de decisões de natureza científica, tendo em
conta os problemas evidenciados, mas suportam-se igualmente
na ética de Enfermagem. O cuidado realiza-se, assim, através das
melhores escolhas que resolvam o problema de saúde / doença,
centrando-se na protecção de cada direito em especial e no
respeito pelo conjunto dos direitos humanos.
Ouvimos que o símbolo deste Seminário de Ética significa desenvolvimento dos direitos humanos e da deontologia profissional
de Enfermagem.
É com este enquadramento que os direitos e as incompatibilidades, assim como os princípios, os valores e os deveres do
enfermeiro que integram o Código Deontológico, assumem como
base comum a protecção dos direitos das pessoas a quem são
prestados cuidados de Enfermagem. De facto, os direitos dos
enfermeiros visam garantir um exercício no respeito pela ética
e deontologia profissionais. As incompatibilidades destinam-se
a delimitar a esfera de competências de cada profissão, assegurando a necessária isenção e transparência no desempenho do
enfermeiro, de modo a que cada cidadão identifique claramente
qual o profissional de saúde a que se dirige. Os deveres têm como
origem os direitos das pessoas e concretizam-se na salvaguarda
da protecção dos mesmos.
No exercício dos direitos das pessoas, na forma como cada
direito é respeitado pelos outros e pelo enfermeiro, os direitos
humanos servem de base interpretativa, permitindo encontrar
o alcance do âmbito de protecção em cada caso concreto. Na
dúvida sobre como considerar o respeito por um determinado
direito, em cada situação específica de cuidado, socorremo-nos
do conteúdo de cada direito humano e, assim, seremos levados
à intervenção adequada.
Deste modo, fica clara a ligação entre os direitos humanos e a
deontologia profissional do enfermeiro, que é uma relação de
suporte ético, centrada na responsabilidade que o enfermeiro
assume pelo outro e pelos cuidados de que este necessita. Para
além da incorporação directa dos direitos humanos nas decisões
ordem dos enfermeiros
Ao enfermeiro, cidadão e profissional de saúde, cabe um papel
responsável nestes processos de aprofundamento dos direitos
das pessoas e dos deveres profissionais.
À Ordem cabe a responsabilidade de garantir que estes desenvolvimentos se traduzem em melhores cuidados de Enfermagem
prestados aos cidadãos. A sua função reguladora tem, assim,
como finalidade a promoção da excelência de cada cuidado,
utilizando, para tal, os diversos instrumentos de que dispõe.
Partindo do princípio de que a qualidade dos cuidados só é possível com um exercício profissional adequado às necessidades das
pessoas e ao contexto sociocultural em que nos encontramos,
a Ordem assumiu como objectivo a criação de um Modelo de
Desenvolvimento Profissional (MDP) que visa, em última análise,
melhorar a resposta de cuidados de Enfermagem aos cidadãos.
A realização de um período de desenvolvimento de competências
em contexto de exercício profissional, seguinte à formação académica, através de uma prática tutelada, com vista ao exercício
autónomo da profissão, pretende, de facto, garantir a decisão
segura. É em ambiente de prestação de cuidados que o jovem
licenciado ou aqueles que não exercem a profissão há algum
tempo desenvolvem as suas competências com vista a uma
prática segura. É desta forma que podemos assegurar à sociedade que todos os enfermeiros se encontram em condições de
decidir e executar cuidados adequados, de forma autónoma e
responsável.
A continuação do desenvolvimento profissional, no sentido
da especialização em cuidados, justifica-se pela natureza dos
cuidados que as pessoas precisam e pelas respostas que, hoje,
o conhecimento de Enfermagem consegue oferecer. Aos múltiplos factores que influenciam os diversos estados de saúde /
doença das pessoas, a Enfermagem deve responder com cuida-
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dos suportados por um conhecimento aprofundado, só possível
com algum nível de especialização. As especialidades em Enfermagem devem resultar das reais necessidades de cuidados e não
de uma qualquer situação sociopolítica de natureza conjuntural.
Daí que as necessidades de cuidados actuais apontem para especialização em diversas áreas que acompanhem o ciclo vital da
pessoa e as suas situações específicas de saúde / doença.
São dois pilares de desenvolvimento que integram o MDP,
centrado nas necessidades que os cidadãos têm de cuidados de
Enfermagem.
O momento é de discussão com o Ministério da Saúde no sentido
de serem encontradas as melhores formas de operacionalizar
os princípios definidos. As propostas de alteração do estatuto
aprovadas permitirão a sua concretização.
Passados 10 anos desde a criação da Ordem dos Enfermeiros,
estamos, neste ano de 2008, a construir uma etapa fundamental
do nosso percurso de desenvolvimento profissional. Fazemo-lo
no sentido da promoção da profissão de enfermeiro em Portugal,
uma vez que outro não podia ser o nosso agir em resultado do
legado histórico que vimos herdando. A história ensina-nos que o
caminho é feito de desenvolvimento, através da nossa capacidade
conjunta de tomar decisões boas para o futuro.
Mas construímos hoje este projecto de futuro mantendo o
essencial do sentido ético do cuidado: o outro e os seus problemas de saúde / doença. É este o foco central da nossa atenção.
Num tempo histórico em que o contexto nacional e internacional
nos proporciona um campo vasto de possibilidades e um leque
amplo de dificuldades, continuamos, em saúde, a ter de pensar
em desafios.
Sabemos que o acentuado progresso científico e tecnológico
é também acompanhado de inúmeros problemas éticos, que
emergem dos cuidados de saúde, em geral, e de Enfermagem,
em especial. Aos problemas novos devem corresponder também
soluções inovadoras, mas eticamente aceitáveis.
Os enfermeiros não podem isolar-se deste contexto, pelo que
cabe ao conhecimento de Enfermagem revelar horizontes de
soluções para os novos desafios. À profissão e à Ordem dos Enfermeiros compete regular a prática profissional, no sentido de
garantir cuidados adequados à população. A cada um de nós cabe
agir com base no conhecimento actual e nas boas práticas instituídas, no respeito pela ética e pela deontologia profissional.
Este agir ético que nos é exigido e que se espera de nós realiza-se
no quadro dos nossos deveres deontológicos e da interpretação
que vamos conseguindo fazer de cada um deles.
Momentos como o que hoje aqui vamos viver ajudam-nos nesta
tarefa da reflexão ética e deontológica.
Estou certa de que o Conselho Jurisdicional continuará a sua
missão de interpretar os deveres profissionais, incluindo os contributos que daqui sairão.
Estou igualmente convicta de que a CARED – Comissão de Apoio
à Reflexão Ética e Deontológica, presidida pela Sr.ª Enfermeira
Margarida Vieira e que iniciou a sua actividade em 2008 (a cujos
membros aproveito para agradecer a sua disponibilidade para
este trabalho) – irá também contribuir para o aprofundamento
da reflexão ética de Enfermagem.
Desta forma, assumimos a nossa responsabilidade profissional
e institucional de garantir aos cidadãos o desenvolvimento da
profissão de enfermeiro em Portugal, no respeito pelos seus
direitos em particular e no quadro dos direitos humanos, que a
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Professor Doutor José Henrique Silveira de Brito
Docente de Ética na Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade
Católica Portuguesa
Para abordar o tema que me foi proposto, deontologia e direitos
humanos, torna-se indispensável precisar alguns conceitos, de
modo a evitar equívocos. Assim, começaremos por tentar clarificar os conceitos de moral, ética e deontologia, de modo a,
na parte final da conferência, podermos articular a deontologia
com os direitos humanos.
Comecemos pelo termo «moral». Provavelmente, todo o ser
humano passa por experiências que o levam a ter a sensação de que a moral é uma espécie de colete-de-forças, de
força constrangedora, que limita a vida, tal como ela parece
arran car do fundo de si mesmo. Como as normas morais
aparecem, na maior parte das vezes, em formulação negativa
– «não fazer isto», «não fazer aquilo» –, esta sensação ganha
consistência e olha-se a moral como uma série de proibições
que limitam as tendências mais profundas do ser humano.
Em suma, a moral aparece muitas vezes como uma realidade
anti-humana.
O ser humano, enquanto
ser biológico, pode ser
considerado uma coisa
entre as coisas. O que o
distingue, como diz Jean
Ladrière, é o facto de
ele ser uma consciência,
isto é:
«ele percebe, recorda -se, antecipa o
seu futuro, lamenta-se, espera, rejubila,
aflige-se, comunica
as suas impressões, faz promessas, exprime o seu reconhecimento, admira, aprecia, condena, faz apelo ao outro,
dá-lhe a sua ajuda, concebe a realidade da transcendência,
dirige-se ao Altíssimo, e em cada uma das suas operações
sabe, ao menos por um saber implícito e subentendido, o
que está em causa, qual é a natureza da sua caminhada e
o que produz» (LADRIÈRE, 1997: 25).
Outras vezes, contudo, acontece exactamente o contrário: parece que a moral é sinónimo de humano. Esta experiência
aparece mesmo retratada na linguagem de todos os dias,
quando, por exemplo, perante um crime hediondo, se diz «que
desumanidade!», ou, pelo contrário, quando afirmamos que
determinada pessoa é muito humana, para significar que tem
uma grande densidade moral.
Isto é, o ser humano é um ser com consciência, afectado pela
temporalidade, que age. Ele não está determinado, mas vai-se
autoconstruindo mediante as opções que vai fazendo. Ele assume o seu passado e age no presente em função de um futuro
que pretende alcançar. Se, por um lado, o ser humano, a existência, como lhe chama Ladrière, não consegue escapar a si mesma,
e, neste sentido, no ser humano há uma certa passividade, por
outro, o ser humano, a existência, na terminologia do filósofo
que estamos a expor,
Esta constatação de, umas vezes, sermos levados a considerar
a moral como anti-humana e, de outras, ela nos aparecer como
sinónimo de humano mostra a necessidade de ver se a moral é
uma realidade extrínseca ou intrínseca ao ser humano, isto é,
se a moral é constitutiva do ser humano, ou se é uma realidade
que lhe é imposta de fora.
«dispõe de uma capacidade de iniciativa que lhe permite
não somente intervir no seu meio ambiente, mas contribui
para ela forjar por si mesma, a partir dela mesma, a figura
do seu ser futuro. Esta capacidade é o poder de agir, que tem
a sua fonte no querer, que se estabelece concretamente na
decisão e que se manifesta na sua efectividade nas operações
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Deontologia e direitos humanos
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externas nas quais a decisão é posta em marcha» (LADRIÈRE,
1997: 28).
O ser humano é um ser que se autoconstrói, e nessa autoconstrução faz opções, isto é, confronta-se com valores que prefere
ou rejeita. Esta autoconstrução faz-se sempre numa cultura,
pois, como diz um autor, não assistimos à criação do mundo
(LÉVINAS, 1974: 156), e cada cultura contém os modos que a
tradição foi consagrando como caminhos de construção da existência humana. É por isso que se compreende o ponto de vista
de Ricoeur, quando, ao discutir o sentido dos termos «moral»
e «ética», propõe utilizar
«o conceito de moral para o termo fixo de referência e de
lhe atribuir uma dupla função, a de designar, por um lado,
a região das normas, dito de outro modo dos princípios do
permitido e do proibido, por outro lado, o sentimento da
obrigação enquanto face subjectiva da relação de um sujeito
a essas normas» (RICOEUR, 2001: 55-56).
Todas as culturas têm um código moral que rege o comportamento daqueles que a partilham e esses seres humanos que
compartilham essa cultura têm o sentimento de que devem
obedecer às normas morais da sociedade a que pertencem.
O ser humano é, pois, um ser intrinsecamente moral. É um ser
que age de acordo com ou contra o juízo moral formulado pela
sua consciência, que avalia o seu agir de acordo com as normas
que a sua cultura consagrou naquilo que se pode designar como
«o código moral» daquela cultura.
Quando se procura a origem das normas e respectiva justificação, ou quando se procura ver em concreto como podem ser
aplicadas essas normas, passa a tratar-se do que Ricoeur chama
a «ética anterior» e a «ética posterior». É por isso que o autor
diz que, quando se fala de ética, se aponta em duas direcções:
«a ética anterior apontando para o enraizamento das normas
na vida e no desejo, a ética posterior visando inserir as normas
nas situações concretas» (RICOEUR, 2001: 56). Não vamos aqui
desenvolver a problemática da ética anterior, isto é, a origem
das normas e sua justificação, mas, atendendo ao título que me
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foi proposto para esta conferência, desenvolveremos um pouco
o tema da ética posterior.
A moral apresenta um conjunto de valores, princípios e normas
que devem reger o agir humano. Essas normas apontam para
situações-tipo que aparecem na vida humana, isto é, são universais. Ora, a nossa acção é sempre praticada num contexto determinado, numa situação concreta, o que exige a aplicação das
normas àquela situação singular. Perante essa situação, o sujeito
moral normalmente intui a norma que se deve aplicar e procura
encontrar o modo de aplicação que lhe corresponde. É assim que
se vive o código moral na vida diária e essa vivência dá uma certa
consistência à história de vida de cada um, pois que a pessoa vive
as normas dentro de um acentuado grau de coerência, o que leva
a falar-se da vida moral em termos de narrativa.
Sendo a vida do sujeito moral uma só, deve reconhecer-se,
contudo, que certos âmbitos da vida têm certas especificidades
que exigem que se procure descobrir o modo como se aplicam
as normas morais àquele contexto específico, isto é, há necessidade de elaborar éticas aplicadas. Os contextos profissionais,
por exemplo, a área da saúde, o mundo dos negócios, as nossas
relações com a natureza, tal como hoje acontecem, exigem
a vivência dos valores e princípios e a aplicação das normas
atendendo ao contexto da profissão; isto é, torna-se necessário
elaborar as éticas das profissões, as éticas posteriores. E aqui
tocamos a problemática suscitada pelo primeiro termo do título
que me deram: deontologia. Há autores que designam as éticas
aplicadas com o termo deontologia (BERTEN, 477). Outros autores, porém, consideram que as éticas das profissões devem
ser mais do que meras deontologias profissionais, porque as
primeiras são teorias do agir e as segundas, do fazer.
O que se entende por éticas das profissões? Uma ética profissional procura
«oferecer uma ética reflexiva e crítica sobre o saber e o que
fazer profissional, uma ética que tenta orientar as condutas
profissionais, mas entroncando com o pensamento ético
actual e tentando estabelecer um diálogo interdisciplinar
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com os saberes especializados nos quais se baseia o exercício
de cada profissão» (HORTAL, 15).
As éticas das profissões visam o agir em função de valores, princípios e normas morais que regem o comportamento humano
do profissional, isto é, um agir com conhecimento, liberdade
e intenção. Trata-se da teoria que se debruça sobre o agir da
pessoa enquanto sujeito moral, enquanto sujeito que procura a
vida boa, com e pelos outros, em instituições justas (RICOEUR,
1990). Nas palavras de Augusto Hortal:
«A ética ocupa-se em dizer em que consiste [a] actuação
boa que nos faz bons; a ética profissional centra-se, antes
de tudo, no tema do bem: qual é o bem a fazer, ao serviço
de que bens está uma profissão, qual é o tipo de bem que
procura com a sua finalidade» (HORTAL, 193).
A ética é o saber que visa a práxis, no sentido aristotélico do
termo, isto é, é um saber normativo que visa não o que é, mas o
que deve ser; não visa saber como as pessoas se comportam, mas
como se devem comportar, de modo a atingirem uma vida boa
e justa, atendendo ao agir concreto. Como diz França-Tarragó:
a ética profissional é
«o conjunto daquelas atitudes, normas éticas específicas,
e maneiras de julgar as condutas morais, que caracterizam
(os profissionais) como grupo sociológico. O ethos da profissão fomenta tanto a adesão dos seus membros a determinados valores éticos como a conformação progressiva
a uma tradição valorativa das condutas profissionalmente
correctas» (França-Tarragó, 17-18).
A deontologia, por seu lado, é uma teoria do fazer, do praticar.
A deontologia profissional
«formula antes de tudo os deveres e obrigações do profissional, aquilo que há que exigir de todo o profissional no
desempenho das suas funções profissionais. […] A deontologia profissional procura estabelecer um conjunto de normas
exigíveis a todos os que exercessem uma mesma profissão»
(HORTAL, 193)
e, por isso, interessa, em primeira instância, aos profissionais.
Enquanto a ética profissional trata da relação do profissional
ordem dos enfermeiros
como uma pessoa (no caso da ética da Enfermagem, é um assunto que interessa ao enfermeiro e às pessoas que ele cuida),
a deontologia atende fundamentalmente aos problemas de
uma classe.
A deontologia procura regular, de um modo concreto, a prática
profissional, elabora os chamados códigos de ética profissional,
que são um catálogo sistemático que orienta e rege a conduta
dos profissionais hierarquizando valores, princípios, normas e
regras que o colectivo profissional estabelece para regular a
vida dos seus membros, quer nas suas relações mútuas, quer
nas relações dos seus membros com o exterior.
Estes códigos são um instrumento valioso que expressa os princípios e as normas que emergem do papel social do profissional,
promovendo a confiança mútua entre o profissional e uma
pessoa ou instituição. As suas funções principais são:
1. declarativa: enuncia os valores fundamentais que fundamentam a ética profissional;
2. identificativa: uniformizando a conduta, dá identidade e
papel social ao profissional;
3. informativa: informa a sociedade sobre os fundamentos
e critérios éticos específicos que presidem às relações
profissional / pessoa;
4. discriminativa: distingue o lícito do ilícito, o que está ou
não de acordo com a ética da profissão;
5. metodológica e valorativa: dá os parâmetros das decisões
éticas concretas e permite avaliar determinadas circunstância previstas nos códigos;
6. coerciva: dá os parâmetros para o controlo social das
condutas do ponto de vista ético;
7. protectiva: protege a profissão das ameaças sociais
(FRANÇA-TARRAGÓ).
Pelo que se disse, a importância destes códigos deontológicos
é por demais evidente. Eles estabelecem valores, princípios e
normas mínimos que são universalmente exigidos aos profissionais daquela profissão. Neste aspecto, são importantíssimos.
Contudo, não se devem esquecer as suas limitações, tais como:
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E é por aqui que podemos fazer a ligação da deontologia com
os direitos humanos. Os códigos deontológicos são meros instrumentos e não fins em si. O fim que os códigos deontológicos
pretendem atingir é a prática da ética profissional. A enunciação
do modo prático como o profissional deve actuar, que o código
anuncia, visa, entre muitas outras finalidades, levar o profissional a adquirir um determinado comportamento que, uma vez
interiorizado, levá-lo-á a viver mais correctamente a sua ética
profissional. É verdade que o código tem muitas outras funções,
entre elas, permitir a avaliação dos profissionais enquanto
profissionais, reconhecer se determinada pessoa tem ou não
determinada profissão, estabelecer os critérios que permitem
avaliar se alguém é ou não profissional. Eles são constituídos
por regras que indicam os modos de proceder que devem ser a
exteriorização dos valores, dos princípios e das normas morais
que devem ser vividos para que, na respectiva profissão, o ser
humano se realize enquanto pessoa. Os códigos são um instrumento que visa impor maneiras de proceder que deveriam
resultar da procura da vida boa, isto é, da procura da realização
moral do profissional enquanto sujeito moral.
Que valores, princípios e normas são essas? São os do profissional
competente técnica e humanamente; são os que devem presidir
VERA VIDIGAL
poderem induzir a ideia de que a responsabilidade moral do
profissional se limita ao explicitamente referido pelo código e
poderem suscitar desacordos quanto à hierarquia dos valores,
princípios ou regras. Apesar de tudo, são instrumentos educativos muito importantes para a formação da consciência ética
dos profissionais (FRANÇA-TARRAGÓ).
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a uma vida pessoal e social justa e que permitem a realização de
cada um enquanto sujeito moral. Numa sociedade plural como a
nossa, verifica-se um pluralismo moral evidente, mas há um largo
consenso em torno dos direitos humanos como critério que deve
ser assumido quando, em última instância, se pergunta se o ser
humano está a agir bem ou não, de um modo justo ou injusto.
Se, por um lado, a deontologia profissional é a exteriorização da
moral profissional e, por outro, a fundamentação da moral se encontra nos direitos humanos, em última instância a deontologia
profissional tem a sua justificação e o seu critério de avaliação
nos direitos humanos. Em síntese: são os direitos humanos o
critério último de avaliação da deontologia profissional.
Mas este largo consenso em assumir os direitos humanos como
critério último de avaliação da deontologia, para ser consistente,
exige uma fundamentação filosófica dos direitos humanos e,
depois, a procura de um caminho para passar das formulações
abrangentes que encontramos na Declaração dos Direitos do
Homem para a sua concretização específica nas éticas das
profissões.
Não vou agora desenvolver uma tentativa de fundamentação
filosófica dos direitos humanos. Ficarei pela afirmação de que
os seres humanos coordenam as suas actividades através de
acções comunicativas e que estas só são possíveis entre seres
morais cuja comunicação tem como condição de possibilidade
princípios éticos. Esses princípios, pressupostos quer no discurso
teórico quer no discurso prático, que é um prolongamento da
acção comunicativa, são os direitos humanos, pois que, sem
eles, cada ser humano não é considerado um interlocutor válido
(CORTINA).
Mas como encontrar o caminho para passar das formulações
abrangentes da Declaração dos Direitos do Homem para a prática
diária dos profissionais? Atendendo à moral vivida no contexto
cultural em que a pessoa se encontra e, nas éticas profissionais,
recorrendo ao código ético da respectiva profissão. E encontramos aqui mais uma função dos códigos deontológicos: aplicar
à profissão, em regras muito concretas, as grandes formulações
dos direitos humanos.
ordem dos enfermeiros
Prof. Silveira de Brito e a Enf.ª Conceição Martins, do Conselho Jurisdicional
Bibliografia
BERTEN, A; CANTO-SPERBER, Monique (sous la dir.) – Dictionnaire d’éthique et de philosophie morale. t. 1. 1.ª edition.
Quadrige. Paris: P.U.F, 2004.
CORTINA, Adela – Ética sin moral. 3.º Edição. Madrid: Editorial
Tecnos, 1995.
LADRIÈRE, Jean – L’éthique dans l’univers de la rationalité. Saint-Laurent/Namur: Fides/Artel, 1997.
LÉVINAS, Emmanuel – Autrement qu’être ou au-delà de l’essence.
La Haye: Martinus Nijhoff, 1974.
RICOEUR, P. – Le juste 2. Paris: Éditions Esprit, 2001.
RICOEUR, P. – So- meme comme un autre. Paris: Editions du
Seuil, 1990.
HORTAL ALONSO, Augusto – Ética general de las profesiones.
Bilbao: Editorial Desclée de Brouwer, 2002.
FRANÇA-TARRAGÓ, Omar – Ética para psicólogos. Introdución
a la Psicoética. 2.ª ed. Bilbao: Editorial Desclée de Brouwer,
1999. oe
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Professor Doutor Daniel Serrão
Especialista em Bioética
A presente comunicação pretende fazer uma análise pragmática, introduzindo alguns conceitos operativos: ética operativa,
deontologia e direitos humanos. Tenho optado por uma posição
pragmática no que respeita à ética. Além da perspectiva filosófica, vamos procurar encontrar uma forma simples para entender
o sentido e a utilização desta expressão.
Actualmente, ética é, para o homem moderno, uma capacidade da sua inteligência. É uma categoria mental da actividade
cerebral. Assim como somos capazes de pensar com a categoria
lógica do pensamento, também o podemos fazer com a categoria
ética do pensamento, como seres humanos e agentes morais.
A ética é, então, a capacidade especificamente humana que permite que os seres humanos actuem e decidam após a ponderação
de valores. Isto é feito na sua autoconsciência, na sua intimidade.
É aí que se ponderam os valores antes de tomar uma decisão.
Todos praticamos actos de relevância ética, porque tomamos
decisões após ponderamos valores.
VERA VIDIGAL
Os direitos humanos e a deontologia profissional
mada após a ponderação
dos valores individuais é,
por definição, ética. Em
si própria, não é boa nem
má. É simplesmente resultante da ponderação dos
valores individuais.
Há também a questão da
circunstância, uma vez que
o homem é, obrigatoriamente, um ser social e sociável. O ser humano não
existe isolado, existe em relação com os outros, uma relação que
acontece, naturalmente, num universo ético. Eu e o outro somos
um «armazém de valores» e, quando entramos em diálogo, fazemos uma troca, uma comparação dos nossos respectivos valores
individuais. Quando se estabelece essa relação, há uma espécie de
adaptação de valores, que podem ser convergentes ou divergentes.
Assim, entramos naquilo a que chamo ética dialogal.
Os valores nascem exclusivamente das percepções individuais,
da cognição individual. Eu vejo, ouço, palpo, cheiro, tenho uma
relação com o mundo exterior. A partir dessa relação, construo
imagens representativas, de todos os tipos. No mundo exterior está
a natureza e eu transformo a percepção da natureza em valores
individuais, em significados ou significâncias individuais. Ao ver,
ouvir e ler, as pessoas vão arquivar progressivamente valores e
significâncias individuais que têm uma valoração – boas ou más,
gosto ou não gosto, bonito ou feio. O mundo exterior é permanentemente avaliado por todos nós de uma forma simples e natural.
O resultado dessa avaliação fica arquivado na memória.
De uma forma simples, a deontologia refere-se a um determinado
universo de pessoas, por exemplo, médicos ou enfermeiros, que
têm – como todas as pessoas – necessidade de estabelecer as
suas relações numa base de ética individual e de ética dialogal.
Mas, como naquelas profissões muitos actos se repetem constantemente ao longo do tempo, há um conjunto de decisões que
aqueles grupos de profissionais entendem como boas decisões.
Então, atribuem eticidade a determinadas decisões e dizem
que, nas circunstâncias tipificadas, o profissional deve proceder
daquela forma. Há uma cristalização em normas das propostas
puramente éticas. Quando uma decisão passa a ser acolhida por
um grupo profissional, deixa de ser livre e passa a ser, de certa
forma, imposta.
Quando temos de decidir, chamamos à autoconsciência esses
conteúdos e tomamos a decisão. Qualquer decisão que seja to-
O Código Deontológico explica aos profissionais, por exemplo,
que o médico não pode matar os seus doentes. Trata-se de uma
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norma obrigatória. O problema que se coloca é sobre o direito.
É uma norma obrigatória para quem? Para os profissionais que
aderem àquele código, fazendo um juramento, que só cria um
compromisso ético. As Ordens – mas o mesmo não se aplica à
Ordem dos Enfermeiros –, além do seu Código Deontológico,
têm um código disciplinar que aplica penas, como se fosse legítimo que tivessem um direito e uma jurisprudência próprios.
As Ordens profissionais, ao possuírem um Código Deontológico
e um código disciplinar com aplicação de penas suspensas e de
multas, têm um foro privado.
Isto significa que a deontologia ou é uma norma fraca em relação aos profissionais, ou procura fortalecer-se, transformando-se, sem o dizer, em norma jurídica. Esta última aparece com
a organização do Estado moderno democrático. Nessa altura,
entendeu-se que, para a manutenção da coesão social, era necessário que os cidadãos aceitassem um mínimo de obrigações,
transformadas num código de procedimentos – o Código Civil
– e puníveis por um Código Penal.
Mas, na realidade, numa sociedade organizada, democrática, só
pode ser punido o que ofender leis públicas, leis do Estado, não
códigos ou leis privadas de uma determinada profissão. Numa
profissão, estamos num universo ético e deontológico, num
universo de valores e de deveres fundamentados em valores.
As punições – respeitando o código de punições da Ordem dos
Médicos, a que pertenço – são de honra. Se o médico não o
quiser aceitar, nenhum tribunal vai confirmar uma sentença, um
castigo ou uma pena aplicados profissionalmente pela Ordem
profissional ao seu membro. Se ele aceitar, fá-lo por uma questão
de honra, por reconhecer que procedeu mal. Se recusar, não lhe
acontece nada.
O fundamento do universo ético humano são as percepções
individuais, a experiência de vida de cada um, a forma como
cada um interiorizou as suas relações com o mundo. Esta percepção passa por uma leitura emocional das percepções e por
uma análise racional, de inteligência reflexiva, transformando as
percepções em ideias abstractas. Este é o universo com que eu
construo a minha «biblioteca de valores».
ordem dos enfermeiros
Na deontologia, o fundamento da norma é o que a população, por exemplo, de enfermeiros considera que é bom que
seja feito. É uma espécie de consenso. Todos os enfermeiros
acham que, em determinada situação, o bom é fazer desta
maneira. Depois, a norma dita como deve ser feito. Mas, antes
de a norma o ditar, é necessário que os profissionais, entre si,
de uma forma o mais democrática, abrangente e dialéctica
possível, tenham concordado com isso. A origem da norma
deontológica é exclusivamente o consenso entre os membros
daquela profissão. Quando as crenças ou opiniões que dão
origem a esse consenso mudam, a norma deontológica também
tem de mudar.
A questão jurídica, mais universal, que aponta para uma ética global mundial, tem como justificação a paz entre os seres humanos
como condição para a paz entre as nações. Os seres humanos
devem estar em paz entre si, porque aceitam um conjunto de
normas que tendem a criar a paz e a acabar com a violência, a
guerra e a morte.
Os direitos do Homem – referindo-me em concreto à Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948 – são um documento
de pura ética. A utilização da palavra «direitos» é desajustada.
Não se trata de direito jurídico. Muito mais do que de direitos
humanos, fala-se de valores. A Declaração não tem força jurídica
e até diria que não tem peso deontológico. Tem uma grande
dignidade ética, porque diz ao mundo o que cada cidadão, na
sua autoconsciência, deve aceitar.
Entre 1948 e 1966 tentou-se criar uma Convenção dos Direitos
do Homem, ou seja, um documento que tivesse valor jurídico
para os países que o ratificassem. Ao fim de algum tempo, verificou-se que tal não era possível e optou-se pelo Pacto dos
Direitos Civis e Políticos, com um estatuto mais fraco dentro
da Organização das Nações Unidas (ONU). Este documento
foi aprovado por uma parte dos países em 1966. Trata-se de
um texto deontológico, porque também não tem valor jurídico,
não faz com que os Estados tenham de o cumprir, mas cria uma
obrigação moral. Quem adere ao Pacto é como um médico ou um
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Na Europa, no final da Segunda Guerra Mundial – depois de se
ter percebido que o que fez com que as nações entrassem em
guerra foi a não-existência de códigos que estabelecessem a paz
entre as pessoas e os Estados –, foi criado o Conselho da Europa
(1950). Este foi inspirado na Declaração Universal dos Direitos
do Homem, aprovada dois anos antes, e destinava-se a defender
os direitos do Homem e a dignidade de cada ser humano. O seu
objectivo era promover a paz, para que nunca mais houvesse
guerra entre os países que subscrevessem esse documento, que é
uma convenção – tem valor jurídico e é a verdadeira Convenção
dos Direitos Humanos para a Europa.
Na Convenção são consignados direitos e deveres atribuídos
aos cidadãos e que estes podem questionar junto de um
tribunal; é como se fosse um Código Civil. Se houver desrespeito de um cidadão ou de um Estado, pode ser apresentada
uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em
Estrasburgo.
concretas da relação dos biólogos e dos médicos – ou dos
profissionais de saúde em geral – com as pessoas. Sendo uma
convenção de artigos gerais, têm-lhe sido adicionados protocolos.
O primeiro protocolo proibiu a clonagem humana com finalidade
reprodutiva. Em Portugal, país que ratificou este documento em
Abril de 1997, nenhum laboratório de biologia da reprodução
pode fazer clones humanos para reprodução.
Mas foram aprovados outros protocolos, como o Protocolo sobre
Colheita de Órgãos para Transplantação, o Protocolo sobre Investigação Biomédica e o Protocolo sobre Testes Genéticos. Estes
temas são tratados, na generalidade, na Convenção, enquanto os
protocolos abordam estes temas, na especialidade.
Em síntese, quando queremos falar de direitos humanos, é melhor
fazê-lo ao nível da Europa. Além disso, é melhor trabalhar com
documentos jurídicos e não com documentos deontológicos e
éticos, que procuram honrar os critérios da deontologia das profissões, mas não têm eficácia no plano do direito interno. oe
VERA VIDIGAL
enfermeiro que assina o seu Código Deontológico. Estas normas
precisariam de ter um suporte jurídico.
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Um dos direitos incluídos nesta Convenção é que todo o cidadão
tem direito a que lhe seja feita justiça em tempo útil, sendo
que o tempo considerado útil para a resolução dos processos
comuns é de quatro anos. Qualquer pessoa que, em Portugal,
tenha um processo em tribunal durante mais de quatro anos
sem que lhe tenha sido feita justiça, pode apresentar queixa e
o Estado terá de pagar uma indemnização. A pessoa é ressarcida
dos prejuízos de não lhe terem feito justiça em tempo útil e as
penas aplicadas têm sido pesadas.
Com base neste documento jurídico europeu, foi criado outro
texto que se relaciona com a actividade profissional de médicos
e enfermeiros: a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade Humana face às Intervenções
da Biologia e da Medicina. Para o Conselho da Europa, algumas
intervenções da Biologia e da Medicina podiam ser ameaçadoras
para a dignidade do ser humano e ofensivas para os direitos do
Homem. Neste documento são estabelecidas situações muito
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Dr.ª Ana Sofia R. Monteiro
Socióloga, pós-graduada em Sociologia da Saúde, membro
da Direcção da Amnistia Internacional
Enf.ª Maria José Silva
Docente na Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho,
membro da Amnistia Internacional – GL24 de Viana do Castelo
Falar de direitos humanos nesta mesa-redonda e num seminário em que se celebram dois aniversários relacionados com os
direitos humanos obriga a rever, sucintamente, alguns aspectos
importantes da história dos direitos humanos, em geral, e do
direito à saúde, em especial.
Em 1946, a Organização Mundial da Saúde (OMS) consagrou,
pela primeira vez, o direito ao mais alto nível de saúde física e
mental como um direito fundamental.
Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos apresenta os seus 30 artigos, distinguindo-os em direitos económicos,
sociais, culturais, civis e políticos. Rapidamente, o mundo divide-se no modo de os considerar: o Ocidente considera os direitos
civis e políticos os mais prioritários, relegando para segundo
plano os direitos sociais, culturais e económicos. Em contrapartida, os países de Leste valorizam estes direitos, privilegiando o
direito à educação, à saúde e à alimentação.
Só na Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993 a
comunidade internacional defendeu a interdependência dos
direitos humanos. Os quase 50 anos de ausência de efectiva
utilização do trabalho produzido com a Declaração Universal
dos Direitos Humanos resultaram no não-desenvolvimento
dos direitos económicos e sociais em termos da sua definição,
abrangência e conteúdo, impedindo, deste modo, a sua realização
na prática.
ordem dos enfermeiros
Na área da saúde pública,
foi a pandemia do VIH /
SIDA, nos anos 80, que
serviu de alerta, demonstrando como os programas
de saúde pública e os princípios de direitos humanos
estão inter-relacionados1.
Evidenciou-se uma série
de princípios de direitos
humanos, entre os quais
o direito à privacidade,
à não estigmatização e Enf.ª Maria José Silva
à não discriminação em
relação à raça, cor, opção sexual e género, à língua, à religião, à
nacionalidade ou à origem social; e o direito à informação e à
educação relacionados com a saúde. Apesar deste despertar para
os direitos humanos, no que respeita à saúde pública, este não
levou a um esforço no sentido de relacionar, de forma efectiva,
a luta por mais justiça social na área da saúde pública com os
direitos económicos e sociais, incluindo o direito à saúde.
Embora a OMS tenha adoptado a Declaração de Alma-Ata (1978)
relativa aos cuidados básicos de saúde, estabelecendo a saúde
como um direito humano, o mesmo ocorrendo com a Declaração
Mundial de Saúde de 1998, a imaturidade e a controvérsia em
torno do propósito, do conteúdo e da aplicação do direito à saúde
demonstrou que esse tema continua a merecer mais que uma
propaganda, uma verdadeira cultura de direitos humanos.
Com o advento do novo milénio, tanto os governos internacionais como os movimentos de saúde pública têm demonstrado
1
O pioneiro a estabelecer a relação entre saúde e direitos humanos foi o Dr. Jonathan Mann (1947-1998), primeiro coordenador do programa de VIH / SIDA da
Organização Mundial da Saúde (OMS).
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Os direitos humanos e a deontologia profissional
de Enfermagem
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uma tendência para o aumento da consciência e da aplicação
mais sistemática dos direitos humanos, indo-se para além das
questões colocadas pelo VIH / SIDA e estabelecendo-se uma
gama de desafios para toda a comunidade.
A Declaração do Milénio, adoptada em 2000 por todos os 189
estados-membros da Assembleia Geral das Nações Unidas, veio
lançar um processo decisivo de cooperação global para o século
XXI. Nela foi dado um enorme impulso às questões do desenvolvimento, com a identificação dos desafios centrais enfrentados
pela humanidade no limiar do novo milénio e com a aprovação
dos denominados Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
(ODM) pela comunidade internacional, a serem atingidos num
prazo de 25 anos. Erradicar a pobreza extrema e a fome, alcançar
a educação primária universal, promover a igualdade do género
e capacitar as mulheres, reduzir a mortalidade infantil, melhorar
a saúde materna, combater o VIH / SIDA, a malária e outras
doenças, assegurar a sustentabilidade ambiental e desenvolver
uma parceria global para o desenvolvimento foram os objectivos
estabelecidos naquela assembleia.
Para atingir estes objectivos, a Dr.ª Margaret Chan, Directora-Geral da OMS, disse2, em 2007: «Não acredito que consigamos
atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, a menos
que regressemos aos valores, aos princípios e às abordagens dos
Cuidados de Saúde Primários... Décadas de experiência dizem-nos que os Cuidados de Saúde Primários são a melhor via para
o acesso universal, a melhor forma de garantir melhorias sustentáveis nos resultados de saúde e a melhor garantia de que o
acesso aos cuidados será equitativo.»
O International Council of Nurses (ICN) assinalou o Dia Internacional do Enfermeiro de 2008 assumindo o compromisso de
servir a comunidade e de garantir a qualidade de cuidados de
saúde, colocando os enfermeiros na vanguarda dos Cuidados de
Saúde Primários. O desafio está lançado, cabe agora a todos os
enfermeiros desempenhar o seu papel nos diferentes cenários
2
ICN – Servir a Comunidade e Garantir Qualidade: os Enfermeiros na Vanguarda
dos Cuidados de Saúde Primários. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros, 40 pp., ISBN:
978-972-99646-7-1, 2008.
21
de intervenção. Este compromisso encontra-se incorporado,
desde 1953, no Código Deontológico do ICN, que afirma que
«os enfermeiros têm quatro responsabilidades fundamentais:
promover a saúde, prevenir a doença, restabelecer a saúde e
aliviar o sofrimento»3.
Também a Amnistia Internacional, como organização de direitos
humanos, para além de outros aspectos, preocupa-se com as
situações que, na área da saúde, resultam de ou em violações
de direitos humanos.
Existe uma rede de profissionais de saúde que participam em
campanhas, apelos e acções direccionados para esta área, incidindo em temas como: pena de morte, violência contra mulheres
e crianças, VIH / SIDA, refugiados, minorias, prisioneiros, conflitos
armados, tortura e tratamentos desumanos, saúde mental, entre
outros.
Foi lançada pela secção irlandesa uma rede de lobby de saúde
mental da Amnistia Internacional. Tentaremos, também, no futuro, criar um núcleo de saúde na secção portuguesa da Amnistia
Internacional, que se irá juntar às duas redes referidas.
Em 1996, a Amnistia Internacional adoptou a «Declaração sobre
o papel dos profissionais de saúde na divulgação de casos de
tortura e maus tratos» no âmbito da campanha sobre este tema
e defendeu que os profissionais de saúde tinham um papel de
enorme relevância na denúncia deste tipo de casos.
Decorrem actualmente em Portugal campanhas que também
incidem na área da saúde, como por exemplo, a campanha para
a eliminação da violência contra as mulheres e a campanha
«Discriminar não é humano», legados dos Jogos Olímpicos de
Pequim, e «Combater o terrorismo com justiça».
No próximo ano, a Amnistia Internacional dará mais ênfase à
campanha pela dignidade humana que também terá grande
incidência não só na área da saúde, como noutros temas que lhe
3
ICN – ICN Code of Ethics for Nurses. Geneva: ICN, 2006.
ordem dos enfermeiros
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são próximos, tais como o direito à alimentação, ao alojamento
e à protecção social.
Para além deste tipo de responsabilidades, cabe também aos
profissionais de saúde, em geral, e aos enfermeiros, em particular,
a responsabilidade ética para com as pessoas que são submetidas à experimentação, assegurando-se de que são plenamente
respeitados os princípios bioéticos4.
Um dos exemplos de problemas a nível ético que foram levantados ocorreu em 1996, na Nigéria, na cidade de Kano, durante
um surto de meningite. Os profissionais de saúde da Pfizer
efectuaram experiências em crianças com um novo fármaco
e, como resultado, morreram aproximadamente 50 crianças e
muitas mais ficaram com deficiências mentais e físicas.5 Nenhum
dos pais assinou um consentimento informado e muitos deles
nem sequer sabiam que os seus filhos estavam a servir como cobaias, pois foi-lhes assegurado que o medicamento já tinha sido
testado nos Estados Unidos da América (EUA) e que era eficaz.
A suposta comissão de ética que havia autorizado as experiências
não existia na altura e alguns médicos nigerianos consideraram
o documento de autorização falso e forjado.
1994, o ano da descoberta de que o AZT diminui o risco de
infecção do VIH entre mãe e filho (através da experiência 076),
foi também o ano em que a OMS decidiu não apoiar a utilização global do AZT, uma vez que muitos dos investigadores
e profissionais de saúde defendiam que o continente africano
não se adequava a esta terapêutica. Era necessário encontrar
alternativas mais simples e menos dispendiosas e, assim sendo,
o vencedor do Prémio Nobel, Dr. Frederick Robbins, e o Dr. Jackson iniciaram experiências com um novo fármaco denominado
nevirapina. As experiências não poderiam ser efectuadas nos
EUA, pois do ponto de vista ético não seria correcto, nem permitido por nenhuma comissão de ética, privar as grávidas desta
terapêutica com o AZT para testar a eficácia da nevirapina. Os
4
5
São exemplo os contemplados no Código de Nuremberga e na Declaração de
Helsínquia.
Amnistia Internacional - Amnesty International News for Health Professionals,
vol. 10, n.º 12, 2007.
ordem dos enfermeiros
investigadores procuraram então alternativas no hospital de Mulago, em Kampala, no Uganda. O Dr. Jackson sabia que era mais
provável que a nevirapina não tivesse tanta eficácia como o AZT
e, para além disso, existia o problema ético de negar tratamento
ao grupo de controlo. Justificou-se afirmando que as grávidas
deste hospital não recebiam nenhuma terapêutica anti-retroviral,
por isso não lhes estava a ser negado nenhum direito. Afinal de
contas, era necessário apresentar resultados e estes tinham de
seguir o protocolo da experimentação científica6.
Numa conferência, na Costa do Marfim, em 1997, investigadores
do Center for Disease Control (CDC) admitiram terem administrado a um grupo de grávidas meias doses da terapêutica de AZT
e, ao grupo de controlo, placebos. O Dr. Peter Lurie (activista e
6
SHAH, Sonia – Cobaias Humanas: os Testes de Medicamentos no Terceiro Mundo,
1.ª edição, Casal de Cambra: Editora Caleidoscópio, pp. 125-136, 2008.
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O Dr. Lurie não entendia por que razão se realizavam testes deste
tipo quando era possível realizar testes com terapêutica de AZT
de longa duração comparando-os com os de curta duração, no
qual todas as participantes eram tratadas com algo que evitaria
a infecção, como acontecia com as experiências do Dr. Marc
Lallemant, na Tailândia.
Não se entende também porque é que em França e nos EUA, as
grávidas que tinham sido participado nas experiências do regime
076 na altura da descoberta da eficácia do AZT foram imediatamente retiradas dos grupos de controlo e autorizadas a tomar o
novo fármaco para impedir que os bebés nascessem infectados,
mas as grávidas de países em vias de desenvolvimento viram
esse mesmo direito ser-lhes negado.
As comissões de ética aceitam mais facilmente que certo tipo de
experiências que envolvam grupos de controlo com placebos se
realize em países em vias de desenvolvimento. Uma das justificações é que nestes países o tratamento disponível é inexistente
ou de fraca qualidade, portanto o facto de os profissionais de
saúde negarem tratamento às participantes supostamente não
viola os princípios éticos, uma vez que elas não o teriam de
qualquer maneira.
Esta justificação vai contra o Artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os princípios nos quais se fundou
a bioética7.
O que fazer então? Travar o progresso da medicina e deixar de
experimentar novos fármacos? A resposta terá de ser não. Mas
a principal pergunta que deverá ser feita é: «Qual o preço?».
Porque este preço implica, como já foi verificado, a morte de
pessoas que não sabem que estão a ser sujeitas a experiências,
implica deixar que nasçam crianças infectadas com VIH quando
se tem ao lado o anti-retroviral que poderá evitar a infecção,
implica que uma pessoa se torne um corpo para experiências e
seja despojada da sua condição de ser humano que tem direitos
inegáveis. oe
7
Apesar das revisões de 1996 e 2000 e da clarificação, em 2002, do parágrafo 29.º
da Declaração de Helsínquia, a ética da experimentação humana com recurso a
placebos continuar a gerar grande controvérsia.
VERA VIDIGAL
médico) ficou chocado, assim como grande parte da audiência,
uma vez que, se era evidente que meia dose era melhor do que
nada, porque é que precisavam de comprovar isso deixando que
mais bebés nascessem infectados? Descobriu então que o CDC
e o UNAIDS, entre outros, estavam a realizar mais de 15 testes
diferentes com grupos de controlo que recebiam placebos em
vários países em vias de desenvolvimento.
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ordem dos enfermeiros
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Enf.ª Teresa Oliveira Marçal
Vice-presidente do Conselho Directivo da Ordem dos Enfermeiros
Nota Introdutória
Hoje, em Portugal, os enfermeiros podem, neste IX Seminário de
Ética, celebrar 10 anos de deontologia profissional. Fazemo-lo no
ano em que o mundo celebra os 60 anos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos.
Compreende-se, assim, que o Conselho Jurisdicional (CJ) nos
tenha convidado, a cada um de nós, a fazer uma reflexão que
terá de ser feita em torno de dois eixos:
• o da universalidade, da cidadania
• e o da profissionalidade – entendida, no sentido etimológico
de profissão, como «declaração pública», capaz de explicitar
e respeitar o compromisso que um determinado grupo tem
perante a sociedade.
Considero estarmos perante o desafio de fazer desta dupla celebração uma convocação à efectiva procura dos caminhos da
realização do nosso mandato social.
Somos convocados a reflectir sobre o incessante e exigente
movimento de passar de um ideal comum e universal para uma
busca inteligente de soluções competentes e justas para os
problemas de saúde daqueles a quem prestamos cuidados. Esse
movimento será, em primeiro lugar, um movimento ético, um
movimento de cada um de nós, de procura de realização do
«eu».
Mas, simultaneamente, terá de ser um movimento deontológico, marcado por aquilo que é adequado fazer, pelos deveres
dos membros de uma profissão na consecução das actividades
próprias com que está comprometida.
ordem dos enfermeiros
Compromisso que, assumido pela própria profissão, é manifestação
da sua possibilidade de
auto-regulação, apelando
não a uma lógica de obediência mas de responsabilidade.
A deontologia diz -nos
quais os deveres a cumprir, proporciona um conjunto de orientações para
a acção profissional. De um modo auto-orientado, dá-nos as
indicações que nos ajudam no nosso agir quotidiano, nos nossos
processos de tomada de decisão, na salvaguarda da segurança
daqueles de quem cuidamos.
Cabe-me, neste seminário, enquanto elemento do Conselho
Directivo da Ordem dos Enfermeiros (OE), retomar as profundas
relações entre a deontologia profissional e a saúde enquanto
desígnio da humanidade, enquanto direito universal. E esta profunda relação leva-nos a uma outra celebração, a dos 30 anos
da Declaração de Alma-Ata1. Nela (re)assume-se a saúde como
um direito fundamental e apontam-se os Cuidados Primários
de Saúde como sendo a chave para a realização desse espírito
de justiça social.
É neste entrelaçamento que me situarei, num percurso necessariamente breve, que procurarei que seja de partilha das nossas
perspectivas mas, acima de tudo, que seja interpelador.
• Percurso que, partindo dos direitos humanos, a eles permanentemente terá de se reportar.
1
Declaração de Alma-Ata, URSS, 12 de Setembro de 1978.
VERA VIDIGAL
De Alma-Ata à deontologia de Enfermagem
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• Percurso que, retomando Alma-Ata, perspective o nosso compromisso, as nossas responsabilidades de intervenção como
profissionais e como profissão.
Nele surge claramente a referência a grupos mais vulneráveis
da população – crianças e mães – e o seu direito a cuidados e
assistência especiais.
O mandato social da OE e as suas atribuições colocam os cidadãos e as respectivas necessidades de saúde e de cuidados de
Enfermagem seguros no centro de toda a nossa atenção. Por
isso, este compromisso está bem patente na acção da OE desde
a sua criação, bem como no plano de acção para este mandato,
quando nele se afirma como objectivo estratégico «continuar a
reforçar o direito dos cidadãos aos cuidados de Enfermagem»2.
Este direito social, presente desde o acto constitutivo da OMS,
está expresso em muitos dos documentos normativos de que
a humanidade dispõe.
Compreende-se, assim, que esta apresentação se detenha num
primeiro olhar sobre o direito à saúde, ligado aos princípios de
Alma-Ata, seguido de um olhar mais dirigido à intervenção da
OE na procura da consecução desse direito. Procura que implica
a deontologia profissional que os enfermeiros portugueses souberam construir e tomar como sua.
Dos direitos humanos e da Declaração
de Alma-Ata
Assegurar que o fim do milénio correspondia ao pleno reconhecimento deste direito e à garantia da saúde para todos, levou a
que todos os países, em 1978, em Alma-Ata, adoptassem o lema
«saúde para todos até ao ano 2000» e reconhecessem os Cuidados de Saúde Primários como a chave para a sua concretização,
apresentando-os como a mais importante meta social mundial3.
Revisitando a Declaração de Alma-Ata, encontramos a denúncia
de quanto as desigualdades existentes no estado de saúde dos
povos e dentro dos países eram e são, política, social e economicamente inaceitáveis. Continuam, por isso, a constituir objecto
da preocupação comum de todos os países.4
Encontramos nessa declaração valores / princípios como:
Falar de direitos humanos exige reafirmar os seus fundamentos:
a dignidade de toda a «família humana» e a inalienável igualdade dos direitos dos seres humanos.
E é nesta perspectiva que falaremos do direito à saúde, sabiamente
apresentado no Artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos com uma estreita ligação às condições de vida.
Esse artigo inicia-se afirmando que «toda a pessoa tem direito
a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família
a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao
vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto
aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no
desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou
noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.»
• a autonomia e autodeterminação da pessoa para participar
nos cuidados de saúde;
• a justiça social como imperativo que apela à responsabilidade
dos governos;
• a proximidade à pessoa e ao grupo em dinâmicas de referenciação integradas;
• a aplicação dos resultados relevantes da pesquisa social,
biomédica e de serviços de saúde e da experiência em saúde
pública;
• a adequação das actividades às necessidades da população;
• a promoção e a rentabilização dos recursos disponíveis;
• a cooperação entre países, num espírito de comunidade e
serviço, para assegurar os cuidados primários de saúde a todos os povos, uma vez que a consecução da saúde do povo
3
2
Plano de Acção, mandato entre 2008 e 2011.
4
Declaração de Alma-Ata.
Idem.
ordem dos enfermeiros
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de qualquer país interessa e beneficia directamente todos os
outros países.
É bem visível a convergência destes princípios com os pilares
fundamentais dos direitos humanos, retomados pelo Conselho
Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), no seu
importante parecer de 19955, relativo às Questões Éticas na
Distribuição e Utilização dos Recursos Para a Saúde:
•
•
•
•
a dignidade humana,
a participação,
a equidade,
e a solidariedade.
Princípios igualmente inscritos na nossa deontologia profissional, nomeadamente no Artigo 78.º do Código Deontológico.
Desse articulado recordo somente a afirmação do respeito pela
dignidade das pessoas co-autoras do processo de cuidar – a
pessoa cuidada e o enfermeiro. Vou relembrar, ainda, o apelo
que ele nos faz:
• à responsabilidade perante a sociedade,
• ao respeito pelos direitos humanos,
• à excelência no exercício da profissão e na relação com outros
profissionais.
São princípios que terão de ser referência para a nossa acção.
Celebrar as efemérides presentes ao tema deste Seminário é,
portanto, trazê-los aqui e agora.
1. a definição da posição da OE perante os órgãos de soberania
e da Administração Pública em matéria que se relacione com
as suas atribuições;
2. a elaboração e proposta, após audição dos conselhos regionais
e do parecer do CJ, dos regulamentos necessários à execução
do estatuto e à prossecução das atribuições da OE.
No que concerne à primeira área de competência, vejamos,
seguidamente, a posição da OE face à actual reforma dos
cuidados de saúde.
É de todos conhecido que temos defendido que é essencial para
a melhoria das respostas às necessidades em cuidados de saúde
aos cidadãos que a reforma assente na acessibilidade e na
equidade, que seja marcada por lógicas centradas na pessoa e
família, que esteja atenta aos mais vulneráveis e que garanta o
atendimento ao longo de todo o continuum de cuidados, desde
o nascimento até à morte.
Consideramos que, para além de exigir dinâmicas de proximidade, integradas e integradoras, articuladas e inteligíveis para
os cidadãos e os profissionais, a reforma terá de ser feita a
partir:
• da evidência produzida,
• da participação dos diferentes agentes,
• da implicação das organizações profissionais no sentido de
poderem melhor desempenhar os seus mandatos sociais.
Defendemos ainda que a reforma terá de garantir:
E porque os princípios se vivem no terreno e porque me compete
um olhar mais dirigido à intervenção da OE, falemos das acções
feitas e a fazer, falemos da procura da concretização dessas
condições de universalidade, proximidade, equidade e acessibilidade nos cuidados de saúde e de Enfermagem.
Estas questões levam-nos às áreas de competência do Conselho
Directivo, das quais apenas destacarei:
5
Parecer 14/CNECV/95.
ordem dos enfermeiros
• a gestão descentralizada e participativa na saúde,
• o reconhecimento de idêntico nível de dignidade e autonomia
no exercício profissional das diferentes profissões da área da
saúde.
Cumpre-nos também ir apresentando formalmente esta nossa
posição e as suas implicações, em primeiro lugar aos enfermeiros,
reunidos em Assembleia Geral, das quais se destacam as de 2006,
2007 e 2008, e depois ao poder político.
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Porque vos trago aqui estes dados, estas afirmações?
Não o faço para simples demonstração de obra feita, trago-as
no sentido interpelador, porque todos e cada um de nós somos
convocados a dar vida à profissão, trago estas posições porque
elas nos vinculam e responsabilizam.
As tomadas de posição da Ordem, os pareceres emitidos,
ancorando-se no enquadramento para a profissão – de que se
destacam o Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros (REPE), o Código Deontológico, os Padrões de Qualidade
e as Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais – orientam o nosso agir, e não o digo numa mera figura de retórica.
Constituem-se como orientações de natureza profissional que
se inscrevem também no quadro deontológico da profissão,
são directrizes que não podemos ignorar.
Não posso hoje, aqui, referir-me às tomadas de posição da OE, sem
retomar duas delas, que pela sua natureza foram elaboradas pelo
CJ e posteriormente assumidas pelo Conselho Directivo da OE.
• Uma delas, a Tomada de Posição sobre Segurança do
Cliente, decorreu do segundo ciclo de debates sobre cuidados
seguros, e nela se enuncia a perspectiva ética e deontológica
da segurança dos clientes.
• A outra respeita à Delegação, profundamente ligada à anterior, dado que todas as decisões relacionadas com a delegação são baseadas no princípio de protecção da saúde, da
segurança e do bem-estar do público.
Ambas são recurso para a tomada de decisão e vinculam-nos
ao seu cumprimento.
Mas continuando, no que diz respeito à consecução das reformas
da saúde, estas exigem-nos que, como profissionais, sejamos
mais do que actores de papéis predefinidos. Somos chamados
a ser seus co-autores, no sentido pleno deste termo. Exigem
que participemos no vasto processo que vai da sua concepção
política à sua implantação e avaliação no terreno e ao desenho
das correcções convenientes.
27
Se a nossa posição face à reforma dos cuidados de saúde
tem por intenção assegurar o desígnio fundamental da OE de
«promover a defesa da qualidade dos cuidados prestados à
população», ela tem também de preservar as condições para
«o desenvolvimento, a regulamentação e o controlo do exercício» profissional, de modo a podermos cumprir a atribuição
de «zelar pela função social, pela dignidade e pelo prestígio
da profissão de enfermeiro, promovendo a valorização profissional e científica dos seus membros»6.
Estas atribuições, decorrentes da devolução à OE dos poderes
que ao Estado competem no que concerne à regulamentação
e ao controlo do exercício profissional, têm-nos conduzido na
procura e defesa das condições que garantam a excelência do
exercício, tais como o exigir:
• a definição de uma verdadeira política de gestão de recursos humanos,
• a utilização dos indicadores disponíveis para assegurar
dotações seguras nos serviços de saúde,
• a definição de sistemas de informação de Enfermagem e
de Saúde integrados e interoperáveis.
Mas, acima de tudo, temos procurado criar todas as condições para que seja criado um Modelo de Desenvolvimento
Profissional (MDP) que potencie um processo harmonioso
de desenvolvimento de competências do enfermeiro e do
enfermeiro especialista, que seja mais transparente para os
cidadãos e para as entidades empregadoras.
A implementação de um novo MDP como garante de certificação
de competências e da progressiva especialização dos enfermeiros tem vindo a ser trabalhada desde o primeiro mandato
e consideramo-la relevante para a qualidade e segurança dos
cuidados.
O trabalho que agora se inicia com o Ministério da Saúde, quer
de preparação da necessária alteração estatutária, quer de
6
Estatuto da OE – Decreto-Lei n.º 104/98, de 21 de Abril, Artigo 3.º.
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-me-ei apenas naquelas de que éramos não só autores como
destinatários.
Recomendámos, então, aos enfermeiros prestadores de cuidados, gestores, docentes e investigadores que, usando todas as
prerrogativas conferidas pelo exercício do seu cargo:
• assegurassem a implementação das tomadas de posição e de
outras orientações emanadas pela Ordem, na garantia dos
padrões de qualidade, na defesa de dotações seguras e de
outras condições necessárias à segurança dos cuidados;
• garantissem as condições para o processo de desenvolvimento
de competências para o exercício autónomo dos jovens profissionais;
• mantivessem com a OE um diálogo sobre as potencialidades
e os constrangimentos sentidos no exercício profissional, com
implicações para a segurança dos cuidados e a dignidade da
profissão, assim como um diálogo sobre os projectos inovadores no terreno.
aprofundamento do seu dispositivo jurídico e regulamentar, vai
continuar a exigir o nosso e o vosso empenho.
Porque são determinantes para a profissão, e para a sua efectiva auto-regulação, as questões relativas ao desenvolvimento
profissional e à certificação de competências convocam todos
aqueles que o REPE inscreve no seu Artigo 9.º 7: os enfermeiros
das áreas da prestação de cuidados, da gestão, da docência,
da investigação e da assessoria.
Todos são convocados a, na sua esfera de intervenção, tudo
fazerem no respeito pelo enquadramento científico e técnico, deontológico e legal da profissão, na salvaguarda dos
princípios da responsabilidade, do respeito e da excelência
que atrás referimos.
Permitam-me que destaque apenas algumas das recomendações aprovadas na Assembleia Geral de Março de 2008. Deter7
REPE – Decreto-Lei n.º 161/96, de 4 de Setembro.
ordem dos enfermeiros
Recomendámos ainda que:
• participassem na construção e no suporte ao desenvolvimento dos instrumentos necessários ao novo modelo de
desenvolvimento profissional.
Recordar, neste dia de trabalho sobre a nossa deontologia profissional, estas recomendações, dar-lhes-á um novo impulso.
Seremos capazes de, permanentemente, recriar uma noção de
dever responsável, dever que se assume como compromisso
perante cada um de nós, perante aquele que cuidamos, mas
também perante a sociedade.
Vivemos uma época de necessidade, mas sabemos que o futuro depende de mim e de si, de cada um de nós. Depende das
pessoas. O futuro está em aberto. Vamos ser capazes de nele
continuar o desenvolvimento que até hoje a Enfermagem portuguesa tem sido capaz de assegurar, na defesa da qualidade dos
cuidados que presta, em suma, na defesa dos direitos humanos
dos portugueses. oe
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Enf.º José Cerqueira
Vogal do Conselho Jurisdicional
Nesta comunicação, pretendemos «lançar um olhar» sobre os
direitos humanos e a sua ligação à deontologia profissional de
Enfermagem. Não nos propomos perseguir a longa caminhada
histórica do homem pelos seus direitos, nem as raízes históricas
da deontologia profissional de Enfermagem, tão antigas quanto a
prática profissional de cuidados. Situemo-nos em 10 de Dezembro de 1948, dia em que foi proclamada, pela Assembleia Geral
das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este documento pretendeu consagrar a nível internacional
um conjunto de direitos de carácter político, económico, social e
cultural, no pressuposto de que o respeito pelos direitos humanos
permitiria à humanidade viver num mundo mais consentâneo
com a dignidade da vida, e, talvez, com os sonhos humanos de
uma felicidade possível.
Também a comunidade profissional de Enfermagem em Portugal,
desde a publicação do Decreto-Lei n.º 104/98 de 21 de Abril,
diploma que aprovou o Estatuto da Ordem dos Enfermeiros,
está dotada de um Código Deontológico que constitui também
um documento jurídico, com função normativa e vinculativa, em
que os enfermeiros, individualmente, têm o dever de responder
às promessas feitas e aos compromissos assumidos perante a
sociedade, no respeito pela dignidade de cada pessoa.
Assim, quando analisamos a Declaração Universal dos Direitos
Humanos e a relacionamos com o Código Deontológico do
Enfermeiro, podemos verificar que existe uma correspondência
manifesta entre a fundamentação de ambos, ou seja: o respeito
pela dignidade humana.
A dignidade humana é o verdadeiro pilar a partir do qual decorrem
os outros princípios, valores e deveres, e que tem de estar presente,
VERA VIDIGAL
Os direitos humanos e o Código Deontológico
do Enfermeiro
de forma inequívoca, em
todas as decisões e intervenções. Daí que a mesma
se encontre consagrada na
primeira norma do Código
Deontológico: o n.º 1 do
Artigo 78.º do Estatuto da
Ordem dos Enfermeiros,
(onde o Código Deontológico se inclui, do Artigo
78.º ao Artigo 92.º).
A Declaração Universal
dos Direitos Humanos dirige-se à protecção dos direitos hoje
reconhecidos a todas as pessoas, independentemente do lugar
onde se encontram. Do mesmo modo, o Código Deontológico
do Enfermeiro assume como fundamento ético a protecção dos
direitos das pessoas a quem são prestados cuidados. É o que
retiramos da própria formulação de cada dever do Código, em
que cada dever se destina à protecção de um ou mais direitos.
Nesta perspectiva, no preâmbulo da Declaração Universal dos
Direitos Humanos estão inscritas duas considerações que nos
parece importante referir: «o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos
iguais e inalienáveis, que constitui o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo» e também que «os povos das
Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano
e na igualdade de direitos».
De igual forma, o Código Deontológico do Enfermeiro prescreve
no n.º 1 do Artigo 78.º, como já vimos, que «as intervenções de
Enfermagem são realizadas com a preocupação da defesa da
liberdade e da dignidade da pessoa humana e do enfermeiro»;
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isto é, e nas palavras de Margarida Vieira1, ao enfermeiro pode
dizer-se: cuida de tal forma que as tuas acções preservem a
dignidade e liberdade da pessoa.
E, se a defesa da dignidade das pessoas envolvidas na relação
de cuidado estabelecida entre a pessoa e o enfermeiro deve
fazer parte do compromisso deontológico, sabemos bem que
a dignidade designa realidades tão fundamentais e profundas
que se torna difícil explicitá-la numa definição propriamente
dita. No entanto, aprofundando a reflexão sobre este princípio,
caminhamos para o conceito de ser humano como «fim em si
mesmo» de Kant. Para Kant, o ser humano é um valor absoluto,
fim em si, o que significa que nunca pode ser transformado em
instrumento ou meio para atingir outro fim. A dignidade está, assim, ligada ao respeito pela pessoa, e significa que o ser humano
VIEIRA, Margarida – Ser Enfermeiro: Da Compaixão à Proficiência. Universidade
Católica Editora Unipessoal, Lda., 158 pp., ISBN 978-972-54-0195-8.p101, 2008.
Salientámos que, segundo Kant, é digno algo que não tem
preço. Tudo o que tem preço pode ser substituído, como é o
caso daquilo que nos serve de instrumento para outra coisa,
que pode efectivamente ser substituído por outra coisa. Assim,
não tendo preço, e não podendo ser considerado como instrumento para outra coisa, o ser humano, tendo a sua dignidade,
é um fim em si.
Como prestadores de cuidados, gostaríamos de acautelar
que não entendemos o conceito de dignidade enclausurado
em categorias empíricas, como por exemplo a racionalidade
e autonomia que podem ser questionadas em situação de
VERA VIDIGAL
1
é digno de respeito total. Neste sentido, a dignidade refere-se
ao outro ser humano em primeiro lugar, ou seja, é o outro que
deve ser respeitado por mim e por nós. No entanto, em sentido
contrário, dado que eu sou um outro para o outro, a dignidade
é-me também devida nesta qualidade.
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vulnerabilidade. A dignidade é uma qualidade axiológica que
não admite um «mais ou menos», não se pode ter mais ou
menos dignidade, como não se pode ser mais ou menos pessoa.
A dignidade é própria de todos os seres humanos sem excepção, ou seja, é independente de um conjunto de características
em determinados estados de vida ou condição de saúde. Aliás,
neste sentido se pronunciou o Conselho Nacional de Ética para
as Ciências da Vida2 na sua extensa «Reflexão ética sobre a
dignidade humana», ao concluir que «todo o ser humano, por
ser, é o maior valor, e este sobressai quando é mais agredido,
violentado, ignorado ou negado».
Assim, a dignidade ética do ser humano, entendida como exigência de respeito, está na base dos direitos inalienáveis do homem,
e poderá encontrar nela fundamento necessário e suficiente para
uma dimensão jurídica e deontológica da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, com o beneficio de lhe conferir uma
visibilidade social, política e profissional.
De facto, valores fundamentais como a igualdade, justiça e solidariedade, bem implícitos na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, estão também plasmados em todo o articulado do
Código Deontológico.
Sendo assim, as intervenções autónomas e interdependentes de
Enfermagem são realizadas com a «preocupação da defesa da
liberdade e da dignidade da pessoa e do enfermeiro», onde a
igualdade, a solidariedade, a verdade e a justiça, a competência
e o aperfeiçoamento profissional são valores universais a observar na relação profissional, face à responsabilidade inerente ao
papel assumido perante a sociedade no respeito pelos direitos
humanos e pela excelência do exercício, conforme está consagrado no Artigo 78.º do Código Deontológico do Enfermeiro.
Neste itinerário a percorrer entre a Declaração Universal dos
Direitos Humanos e os deveres dos enfermeiros no respeito
pelos direitos humanos consagrados no Código Deontológico,
2
CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA – Reflexão ética
sobre a dignidade humana. In Documentação. Lisboa: Presidência do Conselho de
Ministros, vol. VI, 1999.
31
fazemos uma paragem obrigatória na sua melhor expressão, ou
seja, no Artigo 81.º, onde o enfermeiro assume deveres relativos
aos valores humanos.
Consagra este artigo que o enfermeiro, no seu exercício, observa
os valores humanos pelos quais se regem o indivíduo e os grupos
em que se integra.
Assim, no respeito pela autonomia e dignidade de cada pessoa,
os enfermeiros comprometem-se a respeitar e fazer respeitar
as opções políticas, culturais, morais e religiosas das pessoas
ao seu cuidado e a criar condições para que possam exercer,
nestas áreas, os seus direitos. De facto, numa sociedade cada
vez mais plural, revela-se de particular importância o respeito
pelos valores e pelas crenças individuais de cada um dos nossos
clientes. É neste contexto que o enfermeiro se compromete a
cuidar da pessoa sem qualquer discriminação económica, social,
política, étnica ou ideológica e, ainda, a abster-se de juízos de
valor sobre o comportamento da pessoa assistida, não lhe impondo os seus próprios valores no âmbito da consciência e da
filosofia de vida.
Ainda segundo o mesmo artigo, e tendo sempre como horizonte
a liberdade e dignidade do ser humano, a deontologia obriga os
enfermeiros a respeitarem os direitos específicos das pessoas
em situação de especial vulnerabilidade ou seja: proteger e
defender as crianças de qualquer forma de abuso; promover
a independência física, psíquica e social e o autocuidado das
pessoas idosas com o objectivo de melhorar a sua qualidade
de vida e, ainda, colaborar activamente na reinserção social das
pessoas com deficiência.
Seguindo o mesmo enquadramento, propomo-nos, numa abordagem sumária, a referir alguns dos direitos humanos presentes
de forma evidente nos 15 artigos do Código Deontológico do
Enfermeiro (CDE). Assim, é porque a pessoa tem direito à protecção dos seus direitos e a ser cuidada sem discriminação que
o enfermeiro assume o dever de observar os valores humanos
e de proteger os direitos da pessoa, conforme consagrado no
Artigo 81.º do CDE – (Dos valores humanos).
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32
É porque a pessoa tem direito à confidencialidade e à protecção
da vida privada que o enfermeiro assume dever de sigilo, conforme
consagrado no Artigo 85.º do CDE – (Do dever de sigilo).
É porque a pessoa tem direito à intimidade que o enfermeiro
assume o dever de proteger os sentimentos de pudor e interioridade, conforme consagrado no Artigo 86.º do CDE – (Do
respeito pela intimidade).
É porque a pessoa tem direito ao respeito pela dignidade em
fim de vida, que o enfermeiro assume o dever de defender e
promover o direito do doente à escolha do local e das pessoas
que deseja que o acompanhem neste acontecimento universal
da vida humana, conforme está consagrado no Artigo 87.º do
CDE – (Do respeito pelo doente terminal).
A deontologia profissional constitui-se como um conjunto de
normas, alicerçadas em princípios da ética da Enfermagem, que
procura definir modos de agir bons, no respeito pelos projectos
de saúde de cada um. Assim, na procura dos fundamentos éticos
para os deveres profissionais do enfermeiro, encontramos nos
direitos humanos uma base essencial, porquanto constituem a
esfera nuclear de protecção de cada pessoa a quem prestamos
cuidados.
É porque a pessoa tem direito à vida, à integridade física e à igualdade que o enfermeiro assume o dever de respeitar a integridade
biopsicossocial, cultural e espiritual da pessoa e de participar nos
esforços profissionais para valorizar a vida e a qualidade de vida,
conforme está consagrado no Artigo 82.º do CDE – (Dos direitos
à vida e à qualidade de vida).
É porque a pessoa tem direito a receber cuidados em tempo útil
que o enfermeiro assume o dever de prestar cuidados e assegurar
a continuidade dos cuidados, conforme consagrado no Artigo
83.º do CDE – (Do direito ao cuidado).
É porque a pessoa tem direito à autodeterminação que o enfermeiro assume o dever de informar e esclarecer quanto aos
cuidados de Enfermagem, conforme consagrado no Artigo 84.º
do CDE – (Do dever de informação).
ordem dos enfermeiros
Neste sentido, o agir profissional de Enfermagem deve não
apenas respeitar, mas promover e defender, os direitos de cada
pessoa e, nesta medida, contribuímos para a promoção e a defesa
dos direitos humanos.
Para terminar, gostaríamos de referir que, por imposição do
tema proposto, foi dada ênfase aos direitos humanos e ao
compromisso deontológico do enfermeiro. No entanto, cada
um de nós, como pessoa e profissional, tem também direitos e
deveres que se expressam de forma correlativa. E a sociedade tem
tendência a olhar-nos como «profissionais corajosos», «pessoas especiais». Contudo, como afirma Wanda Horta, somos
tão-somente «gente que cuida de gente» e, como tal, temos
de cuidar bem de nós próprios, para posteriormente cuidarmos
bem dos outros. oe
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Enf.ª Lucília Nunes
Presidente do Conselho de Enfermagem
No contexto do IX Seminário de Ética, foi-me proposto estruturar
os fundamentos éticos da deontologia profissional do enfermeiro. Pode ser interessante, durante um espaço de tempo reflexivo, fazer convosco o caminho de indagar acerca dos princípios
em que se ancora a práxis do enfermeiro. Por isso, não pretendo
abordar profundamente os deveres ou o normativo deontológico.
Vamos centrar-nos no campo que Ricoeur designou por «ética
anterior», pois sem esta ética, a deontologia seria como uma
casa sem alicerces...
I. Da deontologia
A moral é atravessada pela norma – se tem «lei», «regra», é
desta esfera; parâmetros que indicam o que se pode ou não
pode fazer. Naturalmente, não há regras para tudo... Ou melhor,
apesar de as normas existentes (jurídicas, morais...), muitas
vezes ficamos na dúvida sobre como agir recta e correctamente.
Isto porque ou não existem normas que se apliquem concretamente, ou não as conhecemos, ou não as sabemos interpretar
bem.
No dia-a-dia, debatemo-nos frequentemente com problemas
que carecem de que formulemos juízo ou, se preferirem, julgamento moral, e para os quais pode não existir uma norma concreta. Felizmente, diria. Até porque a realidade não se amansa
nem se aquieta sob as regras.
O acto que realizamos, consciente e voluntário, supõe a participação livre de quem age – e quando se adere às normas, é,
ainda assim, da liberdade de cada um escolher seguir a regra.
Uma convicção íntima ou pessoal há-de presidir aos nossos
actos, diremos assim, até porque não poderia tratar-se de
uma adopção mecânica, impessoal, ou de uma imposição das
normas.
Todos os códigos (de direito civil, de direito penal,
de direito canónico, de
trânsito, deontológicos)
ditam normas que prescrevem deveres, estabelecem regras que devem ser
obedecidas. Estes códigos
têm todos em comum
uma origem – lugar e data,
além dos autores – e um
fundamento ético. A sua
génese, na organização
social e política, tem um sentido próprio. E, fundamentalmente,
delimitam, configuram.
Foi Jeremy Bentham que usou, pela primeira vez, a palavra
deontologia, no título de um tratado de moral publicado postumamente em 1834: Deontology or the Science of Morality.
Etimologicamente, é o discurso ou tratado acerca daquilo que
se deve fazer.
Assim, a deontologia toma como objecto do seu discurso o «a fazer», aquilo que, por dever, se nos impõe como tarefa indeclinável,
quer enquanto projecto, quer enquanto realização concreta.
Em formato simples, a deontologia é o estudo ou tratado dos
deveres próprios de uma determinada situação social ou, no nosso
caso, profissional. Compreensivelmente, pressupõe uma teoria geral da acção humana, isto é, uma ética geral e uma teoria especial
de acordo com a(s) tarefa(s) humana(s) em questão. Associando
as duas ideias, podemos seguir a concepção de que a deontologia
profissional seja «o conjunto de normas jurídicas, cuja maioria tem
conteúdo ético e que regulam o exercício de uma profissão»1.
1
GUEDES DA COSTA, Orlando – Direito Profissional do Advogado. Coimbra: Almedina, 2003.
ordem dos enfermeiros
VERA VIDIGAL
Fundamentos éticos da deontologia profissional
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De onde, uma deontologia profissional trata de garantir o bom
exercício da profissão, alicerçando-se, por um lado, nos princípios
éticos e, por outro, na sua própria regulamentação – ou seja, na
auto-regulação que decorre da formulação e defesa de um padrão de competência. Por isso, a auto-regulação profissional tem
sido perspectivada como o sentido último da responsabilidade
dos profissionais.
encontram presentes, mesmo quando mais difusos ou mais ideológicos – diria que uma espécie de cristalização dos princípios
e valores pensados sobre a experiência ética de ser enfermeiro.
Por isso, a deontologia é vista como algo construído a partir do
interior da profissão, resultante duma reflexão própria sobre
a prática, e não como algo imposto de fora, por exemplo, pelo
Estado.
Notemos que o ético não é algo estranho a nós – envolve um
juízo e determina, em si, uma escolha, uma direcção para agir.
E a escolha não é fruto da arbitrariedade, antes se constituindo
como expressão máxima de um conjunto de valores.
A Enfermagem é uma profissão que tem uma finalidade moral
e ao enfermeiro é exigível que regule a sua actividade por uma
ética profissional. Vejamos que, de acordo com o enquadramento
conceptual, afirmamos que o «exercício profissional da Enfermagem centra-se na relação interpessoal de um enfermeiro e uma
pessoa ou de um enfermeiro e um grupo de pessoas (família ou
comunidades).»2
Se pensarmos que a deontologia visa disciplinar uma actividade
profissional, estabelecer regras direccionadas para a vivência
profissional, o pressuposto é que a ética encerra em si a ideia
do valor pelo qual se age e que é fundamental, tanto do ponto
de vista interno – da concepção própria – como externo – na
relação social e com o colectivo.
Fechamos mais o círculo, se quiserem, colocando a deontologia
como dimensão ética aplicada do agir profissional.
II. Da procura dos princípios éticos na ancoragem
da deontologia
A Enfermagem é uma profissão, e, como mostraram muitos
estudos, a definição de um conjunto de normas e valores
próprios constituiu uma dimensão essencial do processo de
profissionalização.
Entendemos, neste contexto, profissão como uma construção
social e histórica, através da qual foram sendo incorporadas, em
momentos diferentes e com intensidades diferentes, diversas
componentes, entre as quais podemos destacar um processo de
socialização em determinados valores, sistematizado, por vezes,
sob a forma de um código.
No tempo e na estruturação como profissão, os enfermeiros
foram identificando os princípios e os valores, que sempre se
ordem dos enfermeiros
Partindo da premissa que, quer o enfermeiro, quer as pessoas
clientes dos cuidados de Enfermagem possuem quadros de valores, crenças e desejos, decorre que o enfermeiro se distingue
pela formação e experiência – e, de modo central para o que aqui
nos interessa – por respeitar os outros numa perspectiva multicultural. Assim, evidencia-se o princípio humanista de respeito
integral pelas pessoas.
Mais afirmamos que a «relação terapêutica promovida no
âmbito do exercício profissional de Enfermagem caracteriza-se
pela parceria estabelecida com o cliente, no respeito pelas suas
capacidades e na valorização do seu papel». Por isso afirmamos
que os «cuidados de Enfermagem tomam por foco de atenção
a promoção dos projectos de saúde que cada pessoa vive e persegue»3. Posto isto, regressemos à demanda da finalidade. Quais
os fins que a Enfermagem persegue? O que queremos?
Com a pessoa, ao longo de todo o ciclo vital, (1) «prevenir a
doença e promover os processos de readaptação», (2) «promover a satisfação das necessidades humanas fundamentais e
a máxima independência na realização das actividades da vida,
2
3
ORDEM DOS ENFERMEIROS – Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros, 2001.
Idem, p. 8.
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considerando a adaptação funcional aos défices e a adaptação
a múltiplos factores»4.
Premissas
O enfermeiro e
as pessoas
possuem
quadros de
valores, crenças
e desejos.
Perspectiva
humanista de
respeito integral
pelas pessoas.
Caracterização da profissão
Finalidades
da acção
Centra-se na relação interpessoal
entre um enfermeiro e uma pessoa
ou um grupo de pessoas.
Relação terapêutica caracteriza-se
pela parceria estabelecida com o
cliente, no respeito pelas suas capacidades e na valorização do seu papel.
A procura do
interesse e do
bem-estar do
outro.
Cuidados de Enfermagem tomam
por foco de atenção a promoção dos
projectos de saúde que cada pessoa
vive e persegue.
Podemos agora recentrar na preocupação com as implicações
éticas do ser enfermeiro. Existe uma dimensão ética deste agir,
própria, que nos leva a firmar a existência de uma ética de
Enfermagem.
Quais os fundamentos dessa ética? E, antes, qual a noção de
fundamento?
A noção filosófica de princípio e de fundamento
Na linguagem clássica falava-se de princípio – Aristóteles atribuiu
à «arqué» várias acepções, sintetizadas por Comparato5:
(1) o sentido do começo de uma linha ou de uma estrada, o
ponto de partida de um movimento – físico ou intelectual;
(2) o elemento primeiro e imanente do futuro, ou seja, algo que
evolui ou se desenvolve – podem ser exemplo as fundações de
uma casa;
(3) a causa primitiva e não imanente da geração ou de uma
acção – portanto, os pais em relação aos filhos ou um insulto
em relação a um combate;
4
5
Idem, p. 9.
Cf. COMPARATO, Fábio Konder – Fundamento dos Direitos Humanos. Instituto
de Estudos Avançados da Universidade de S. Paulo. Disponível em http://www.iea.
usp.br/artigos (20. Agosto, 17:50). Sd.
35
(4) a palavra «princípio» também se usa para designar a pessoa,
cuja vontade é causa de movimento ou de transformação;
(5) e, ainda, é princípio, numa demonstração lógica, as premissas
em relação à conclusão.
Foi preciso chegar a Kant para o desenvolvimento da noção de
princípio para fundamento. Na «Fundamentação da Metafísica
dos Costumes»6, abordando com profundidade o problema do
imperativo moral, irredutível a qualquer outro fundamento anterior, Kant quer encontrar o último fundamento da moralidade, a
que viria a chamar «imperativo categórico», isto é, um princípio
que é fundamento último para todas as acções humanas. Na sua
obra, «A Religião nos Limites da Simples Razão»7, a noção de
princípio ético, no sentido de razão justificativa, foi inteiramente
substituída pela noção de fundamento.
Enquanto na teoria geral do Direito, a noção de fundamento
diz respeito à validade das normas jurídicas e à fonte de irradiação dos efeitos decorrentes, na filosofia moral procuramos
o princípio ético, que justifica (se formos kantianos) a conduta
humana.
Uma das tendências marcantes do pensamento de hoje é a
convicção generalizada de que o verdadeiro fundamento não
deve ser procurado na esfera da revelação religiosa nem numa
abstracção metafísica como essência imutável de todos os seres
humanos. Se o direito, por exemplo, é uma criação humana, o seu
valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que
o fundamento não é outro senão o próprio homem, considerado
na sua dignidade substancial de pessoa.
6
7
KANT – Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 1992.
KANT – A Religião nos limites da simples razão. Tradução de Artur Morão.
Lisboa: Edições 70, 1992. Kant compreende que a religião não é um objecto do
conhecimento teórico e sim da disposição prática subjectiva, o que pressupõe, no
seu ponto de partida, que a moral conduz à religião e não o contrário. A religião
racional tem como princípio a formação moral do indivíduo, que torna sensível a
percepção da lei moral para o homem, que por sua vez, procura dentro de si um
princípio subjectivo que possa orientá-lo na formulação de máximas morais para
a sua vida. Verdadeiramente, pode dizer-se que a vontade é livre se as leis da acção
são dadas pelo próprio sujeito da acção, de forma autónoma. Ou seja, a famosa
máxima do «pensar por si mesmo».
ordem dos enfermeiros
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Como é que passamos para a ideia de dignidade humana? Para
responder, precisamos de tomar posição sobre a essência do
ser humano. Ou seja, temos de formular uma antropologia
filosófica, pois é a concepção que temos do ser humano que
orienta as outras formulações. Já nos filósofos antigos se destacou a concepção do ser humano, aliás, a pergunta «O que é o
homem?» é fundante da reflexão filosófica. Diria Protágoras que
«o homem é a medida de todas as coisas». Afirmava Plotino que
«o lugar do homem é entre os deuses e as feras». Sem dúvida
que a especificidade da condição humana se foi modificando,
tendo, por isso mesmo, um carácter histórico.
Digo hoje que uma das características essenciais do homem – e
não estou a escamotear a racionalidade – é a razão axiológica, ou
seja, a nossa capacidade de apreciação de valores (éticos, estéticos, religiosos, políticos...) e de livre escolha em relação a eles.
E se não é possível fundar a ética com recursos a princípios
puramente formais, pois que o suposto da ética é a Pessoa humana, na sua racionalidade e afectividade, pode fundar-se nas
preferências axiológicas.
O homem é um ser dotado de vontade, ou seja, da capacidade
de agir livremente. E voltamos a chegar a Kant, naturalmente,
com o «homem como fim em si mesmo». E ao imperativo categórico que ouvimos já muitas vezes – «age de modo a tratar
a humanidade, não só na tua pessoa mas na de todos, como um
fim e jamais como um meio». Ponto assente, então.
Do ponto de vista filosófico, «princípio» remete-nos para o início,
para a ausência de algo anterior, pois que ele mesmo inicia. Causa
primeira, fundamento de que derivam outras proposições, com
nexo lógico, de consequência ou de relação subordinada. Pensando
numa teoria da acção, podemos assim retomar a ideia do agir
em que «agere» significa tanto comandar como desencadear um
processo, imprimir um movimento. O princípio instala-se como
«o começo», inspirador e fundador do que se sucede.
O princípio, na realidade, não obriga nem impõe – ou não fosse
ele do domínio da ética. Mas o princípio é gerador da norma,
ordem dos enfermeiros
que enquanto enunciado de aplicação obrigatória, já saiu da
esfera da ética para a do direito. Entendendo o princípio como
requerido pela ética, a norma como sendo do campo do direito,
a sabedoria prática tem a ambição de conciliar ambos, em situação concreta, singular, de conflito e incerteza. Claramente,
coloco aqui a concepção de Ricoeur, de que o horizonte é de
procura de uma vida boa, com e para com os outros, em
instituições justas.
Assim, quem formula os princípios são as pessoas, na assunção
de que se possa viver bem e uma vida boa. A ideia directriz é
que os princípios fundamentam os procedimentos e que estes
viabilizam a construção de uma sociedade livre e equitativa.
Então, que princípios estarão colocados, cuja finalidade da acção
do enfermeiro possa ser a procura do bem-estar e do que cada
um entende como «qualidade de vida»?
Princípios do agir próprio do enfermeiro
O primeiro que pode parecer-nos relevante é o facto de tomarmos conta da vida. Poderíamos pensar num princípio de
protecção da vida, e não de direito à vida porque este, sendo
um direito, seria ele mesmo fundamentado num princípio ético.
Princípio este que proclamaria o valor da vida e a exigência ética
da protecção da vida. Sendo assim, percebemos que proteger a
vida pode ser feito de várias formas.
Protejo a vida quando actuo no sentido de prevenir que ela
esteja em risco ou venha a poder ser colocada em causa. Protejo
a vida quando ela está ameaçada e intervenho com cuidados
de reparação. Protejo a vida quando coloco taipais de protecção em redor de andaimes, para evitar que quem vai a passar
se magoe. E sigo o mesmo princípio quando lavo as mãos ou
quando asseguro o bom funcionamento dos equipamentos.
Este eventual princípio de protecção da vida tem um amplo
espectro de aplicações... Na nossa área de acção, tanto justifica
a protecção ou promoção da saúde como justifica a intervenção
curativa e os tratamentos. De que vida se trata? Do ponto de
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vista ético, da vida humana. Que tem, ela mesma, condições de
ambiente para existir. Por isso, protecção da vida humana. Mas
também protecção do ambiente, dos meios necessários à vida. É
para proteger a vida que se deve proteger a água, por exemplo.
Portanto, não será difícil consensualizar que este não seria um
princípio específico.
A dimensão que o torna mais específico pode ser pensá-lo na área
da saúde? Mas não poderemos trocar por protecção da saúde
– não apenas porque é hoje considerada um direito civilizacional, o que implica que a sua salvaguarda é responsabilidade da
sociedade e das suas instituições democráticas, como, no nosso
caso, é assumido como direito constitucional.
Aliás, o direito à saúde literalmente entendido seria um estranho
e curioso direito, que ninguém poderia assegurar e, portanto,
ninguém poderia ter como dever. Por isso, o direito reporta a
cuidados de saúde com o correlativo dever de desenvolver esforços tendo em vista a recuperação da saúde, a prevenção da
doença ou a reabilitação e reinserção das pessoas.
Realmente, não se consegue assegurar o (desejável) fim de
garantir um determinado nível de saúde e existem inúmeros
factores que aqui intervêm (sejam eles pessoais, sociais, culturais ou organizacionais). O direito a cuidados de saúde é uma
exigência primária do direito à vida.
Podemos pensar que temos por valores finais a preservação
da vida e a diminuição do sofrimento. Estes fins operacionalizam-se com meios políticos, isto é, a protecção da saúde
como um direito de todo o cidadão, considerando que toda a
vida é importante em si, desagua na razão de dever do Estado.
É, hoje, um direito democrático dos cidadãos que se estabeleceu a partir de uma racionalidade comunicativa, como diria
Habermas, na qual a razão se constitui, fundada no diálogo, na
argumentação e, portanto, no reconhecimento do outro como
sujeito ético e político.
Por detrás da implementação prática das políticas públicas ressentem-se conflitos ético-políticos seja pelas pressões de uma
37
ética mais utilitarista, como defendem alguns, ou de uma ética
da «responsabilidade» como definia Weber, que dá mais ênfase
aos resultados a serem obtidos.
Portanto, reconhecemos que a protecção da saúde não basta
como princípio, pois tomar conta da vida humana acompanha
para lá dos limiares onde a protecção da saúde é possível e
acompanha nos processos de morrer. Temos de recuar um pouco
mais e equacionar um princípio ético, que se coloque antes das
normas e das leis, e que estas dele derivem.
Os fins são o que se visa, o que se quer alcançar como resultado
final. Os princípios serão de onde se parte, fornecem os critérios
que orientam as decisões que conduzem aos fins. Não será, então,
o bem-estar que se pode colocar como princípio. Aquilo que se
visa, que se tem como fim, não pode ser princípio... A Enfermagem tem como finalidade o bem-estar das pessoas, com conforto,
sem ou com o menor sofrimento possível, com capacitação do
outro para o autocuidado.
É porque somos pessoas que a nossa vida não é meramente
biológica. E o facto de nascermos pessoas confere, a cada um,
dignidade. A dignidade é o princípio e assumir-se-á como valor,
ao constituir-se como critério das decisões.
O princípio da dignidade humana é um princípio ético que
tem repercussões na deontologia como tem no direito ou na
moral. E porque a dignidade diz respeito ao ser humano, nela se
ancoram a autonomia, o respeito pelas escolhas de cada um, a
tolerância activa face às diferenças, o respeito pelas opiniões e
convicções pessoais. E o princípio da dignidade humana pertence,
se quisermos, à ética anterior. É, aliás, reconhecido, no Código
Deontológico do Enfermeiro, como princípio geral, pois «as intervenções de Enfermagem são realizadas com a preocupação
da defesa da liberdade e da dignidade da pessoa humana e do
enfermeiro»8.
8
DL 104/98, SECÇÃO II, Código Deontológico do Enfermeiro, Artigo 78.º, n.º1.
ordem dos enfermeiros
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Princípio
Ética
anterior
Dignidade
humana
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Decorrentes
Travessia pela norma
Autonomia.
Respeito pelas
escolhas de cada
um, opiniões
e convicções
pessoais.
Tolerância activa
face às
diferenças.
«As intervenções de
Enfermagem são
realizadas com
a preocupação
da defesa da liberdade
e da dignidade
da pessoa humana
e do enfermeiro»
Princípio
Ética
anterior
Fundamento
ético do agir
Autonomia.
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Dignidade
humana
Diria que o cuidado humano é o eixo que permite que seres
humanos percebam e se reconheçam uns aos outros, pois existe
um compromisso, uma responsabilidade profissional. O cuidado
como uma forma de relacionamento com o outro ser humano e
com o mundo, enfim, como uma forma de viver plenamente.
Cuidado humano dirigido ao tomar conta da vida. O cuidado
emerge quando nos preocupamos com alguém, quando nos
responsabilizamos, nos fazemos profissionalmente presentes.
Funda-se num interesse pelo bem-estar do outro, pelo despender
atenção ao outro.
Bem vistas as coisas, o cuidado pode bem ser um imperativo
moral das profissões de saúde. Temos então o cuidado humano,
que se assume como respeitador da pluralidade e da diversidade. Da multiculturalidade. Portanto, o cuidado não ignora
o outro, nem a sua autonomia, nem o seu desenvolvimento.
Não substitui o outro quando ele precisa de apoio parcial.
Promove o desenvolvimento do outro e a optimização das
suas capacidades.
Se imitássemos Kant e construíssemos um imperativo, diríamos:
«Age sempre de tal maneira que a tua acção de cuidado seja
protectora da vida e da dignidade humanas».
Respeito pelas
escolhas de cada um,
opiniões e
convicções pessoais.
Tolerância activa face
às diferenças.
Fundamento
ético do
agir do
enfeImeiro
«As intervenções
de Enfermagem
são realizadas com
a preocupação da
defesa da
liberdade e da
dignidade da
pessoa humana e
do enfermeiro»
O cuidado
humano
dirigido ao
tomar conta
da vida
«Age sempre de tal maneira que a tua acção de cuidado seja protectora
da vida e da dignidade humanas.»
Como é que, atravessando a norma, se transforma em princípio
da ética aplicada à acção do enfermeiro? O modo específico
como o enfermeiro operacionaliza este princípio?
ordem dos enfermeiros
Decorrentes
Travessia pela
norma
Existe uma relação anunciada entre a preocupação da defesa
da dignidade e da liberdade. Não tomemos, portanto, uma pela
outra. Seres humanos igualmente dignos e livres, eis quem são os
destinatários dos cuidados do enfermeiro. Mas colocados numa
posição assimétrica, uns em relação aos outros. Se pensarmos
num eixo de dar e receber, há uma clara assimetria na relação
entre o enfermeiro e a pessoa de quem ele cuida. Como é que
se equilibra esta assimetria? Já lá iremos....
Vejamos quais são os valores universais9 a observar na relação
profissional. Trata-se de um conjunto. Podia aqui evocar a formulação da teoria dos conjuntos e a concepção abstracta de que o
que os torna conjunto é terem uma propriedade comum. Ao caso,
terem sido formulados como os valores universais da práxis do
enfermeiro. Quatro pares e um isolado. Isolada está a igualdade,
que aparece sozinha. Depois, quatro pares: «a competência e o
aperfeiçoamento profissional», «o altruísmo e a solidariedade»,
«a verdade e a justiça» e a «liberdade responsável», sendo que
este tem um descritivo associado – «com a capacidade de escolha, tendo em atenção o bem comum».
Tomo a liberdade de os organizar em torno de eixos ligeiramente
diversos:
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DL 104/98, SECÇÃO II, Código Deontológico do Enfermeiro, Artigo 78.º, n.º 2.
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• inerentes ao papel assumido perante a sociedade – a liberdade responsável; a verdade e a justiça;
• centrados no outro – a igualdade; o altruísmo e a solidariedade;
• virados para o exercício da profissão – a competência e o
aperfeiçoamento profissional.
Porquê assim? Os valores valem como critérios orientadores da
decisão. E a própria actividade dos enfermeiros tem preconizado
três princípios orientadores da acção, a saber:
a) a responsabilidade inerente ao papel assumido perante a
sociedade;
b) o respeito pelos direitos humanos na relação com os clientes;
c) a excelência do exercício na profissão em geral e na relação
com outros profissionais.
E como estes são princípios da ética aplicada, da acção, posso
pensar que existem princípios éticos anteriores, em que estes se
ancoram e fundamentam.
Resta identificar quais são...
Valores universais na
relação profissional
igualdade
altruísmo e
solidariedade
liberdade responsável
verdade e justiça
competência e
aperfeiçoamento
profissional
Travessia pela norma
e ligação aos princípios
orientadores
Fundamentos
éticos
centrados no outro
(respeito pelos direitos
humanos)
??
inerentes ao papel assumido
perante a sociedade
(responsabilidade...)
??
virados para o exercício
(excelência do exercício)
39
estabelecemos no dia-a-dia. A assunção de um pacto decorre
de um contacto estabelecido – habitualmente, por parte das
pessoas que recorrem aos enfermeiros (directamente ou indirectamente, através dos serviços de saúde) podendo igualmente
acontecer que seja o enfermeiro a estabelecer o contacto (em
situações de saúde comunitária, saúde escolar ou no trabalho,
entre outros).
E em cada contexto – de acordo com modalidades diferentes – o
pacto de cuidado reveste-se de formas diversas, podendo ir do serviço público ao privado, ao regime liberal e até ao voluntariado.
Julgo o pacto posterior ao compromisso, pois é necessário que
o enfermeiro seja enfermeiro (isto é, tenha um título profissional) e tenha assumido a responsabilidade de prestar cuidados
de Enfermagem, de acordo com determinados padrões, previamente a estar em situação efectiva de contrato ou de prestação
de serviço. Assim, a precedência é claramente do compromisso
sobre o pacto.
Comprometemo-nos a cuidar profissionalmente das pessoas,
em termos abstractos. É requisito deste compromisso que exista
um perfil de competências – a aquisição de competências na
formação inicial é enriquecida e desenvolvida, no tempo e nos
contextos de prestação de cuidados, através da reflexão sobre
a acção.
Reorganizando, a Enfermagem tem como essência e especificidade o cuidado ao ser humano na área da saúde.
??
Vejamos um a um.
A responsabilidade é inerente ao papel assumido perante
a sociedade – portanto, decorre – é consequente – de um
compromisso profissional de cuidado humano, que é, em
meu entender, anterior ao pacto de cuidado, concreto, que
Assim se entende que o foco de atenção dos cuidados seja «a
promoção dos projectos de saúde que cada pessoa vive e persegue» relevando-se que, ao longo de todo o ciclo vital, se procura
«prevenir a doença e promover os processos de readaptação
após a doença, procura-se a satisfação das necessidades humanas fundamentais e a máxima independência na realização das
actividades da vida diária».
Por isso se desenvolvem actividades de promoção, prevenção,
recuperação e reabilitação da saúde, actuando em equipas
ordem dos enfermeiros
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multiprofissionais a todos os níveis de organização dos serviços
de saúde.
Valores universais na
relação profissional
igualdade
altruísmo e
solidariedade
liberdade responsável
Travessia pela norma e ligação aos princípios
orientadores
??
Fundamentos
éticos
centrados no outro
(respeito pelos direitos
humanos)
verdade e justiça
inerentes ao papel assumido
perante a sociedade
(responsabilidade...)
competência e aperfeiçoamento profissional
virados para o exercício
(excelência do exercício)
Compromisso
profissional
de cuidado
humano
Se quisermos, o compromisso profissional de cuidado é o princípio que suporta a responsabilidade e de onde ela deriva.
Vejamos o segundo, neste processo de «andarmos para trás».
O respeito pelos direitos humanos na relação com os clientes
é princípio orientador da actividade.
Vale perguntar o que se entende por direitos humanos. Enquanto
reivindicação moral, os direitos humanos nascem quando devem e podem nascer. Como bem realçou Norberto Bobbio, não
nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Para
Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado mas um
constructo, uma invenção humana, em constante processo de
construção e de reconstrução.
A concepção contemporânea dos direitos humanos começou no
pós-guerra, como resposta às atrocidades e horrores cometidos
pelo regime nazi. Estamos a falar do envio de 18 milhões de pessoas para campos de extermínio, da morte de 11 milhões, seis dos
quais judeus. E o conhecimento dos factos provocou o esforço de
reconstrução dos direitos humanos como paradigma e referencial
ético a orientar a ordem internacional contemporânea.
O maior marco desse esforço data de 1948, 10 de Dezembro.
Inaugura a concepção da universalidade e da indivisibilidade dos
ordem dos enfermeiros
direitos humanos. Universalidade, porque a convicção é de que a
condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente
moral, dotado de unicidade existencial e dignidade.
Indivisibilidade, porque há uma visão integral dos direitos, sejam
eles civis e políticos ou sociais, económicos e culturais.
Se a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH)
afirma que «todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e em direitos» é justamente porque os homens não
são iguais por natureza – se assim fosse, o conteúdo dessa declaração seria, no mínimo, supérflua. A esfera pública caracteriza-se
pela igualdade – por natureza, os homens não são iguais; só o
acto político pode gerar igualdade.
A liberdade e a igualdade não são dados de facto, existentes,
mas valores a defender. Nesta perspectiva, a DUDH é um instrumento político da igualdade e, mais ainda, há quem afirme
que forneceu o lastro axiológico e a unidade valorativa a um
campo do direito.
Disse Nobbio que os direitos humanos nascem como direitos
naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos
particulares (quando cada constituição incorpora declarações de
direito) para encontrarem a sua plena realização como direitos
positivos universais.
O sistema internacional de protecção dos direitos humanos é integrado por tratados internacionais de protecção que reflectem,
sobretudo, a consciência ética contemporânea, partilhada entre
os Estados, na medida em que invocam o consenso internacional acerca de parâmetros mínimos de protecção (o «mínimo
ético irredutível»).
Para quem assume uma postura crítica diante do mundo da
produção intelectual sobre os direitos humanos, dois aspectos
chamam a atenção: (1) a enorme dimensão quantitativa e (2)
o carácter predominantemente pacífico da evolução conceptual…
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«Nascidos como resposta política contingente e concreta a
um acontecimento monstruoso, impensável a priori, tal como
o Holocausto, o seu desenvolvimento teórico esteve marcado
por um extraordinário consenso universal baseado no repúdio
mundial do plano insano de aniquilação em massa de um povo.
O enorme consenso político promoveu amplo consenso teórico
e este, objectivamente, o empobrecimento intelectual do seu
desenvolvimento.»10
Paradoxalmente, enquanto cresce o carácter conflituoso da
política em ternos críticos de direitos humanos, ou seja, enquanto se multiplicam as violações dos direitos mais elementares, expande-se incessantemente a lista de direitos humanos
referentes ao desenvolvimento económico e social. «É verdade
que o maior acolhimento dos direitos humanos contribui para
a paz social. No entanto, não é menos verdade que a paz social
e a estabilidade democrática são o único ambiente onde os
direitos humanos podem desenvolver-se de forma genuína e
sustentável»11.
Mas se, numa primeira fase, a protecção dos direitos humanos
foi marcada pela tónica da protecção geral, com base na igualdade formal, percebe-se que é insuficiente considerar a pessoa
de forma genérica, geral e abstracta.
41
categorias vulneráveis e devem ser vistas nas especificidades
e particularidades da sua condição social.
Como afirma Boaventura, «temos o direito de ser iguais quando
a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza»13. Por isso,
uma dupla necessidade: de uma igualdade que reconheça as
diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou
reproduza desigualdades.
Ao lado do direito à igualdade surge o direito à diferença.
Qual o fundamento ético? O respeito à diferença e à diversidade.
O facto de a pessoa ter dignidade própria é uma convicção
relativamente recente, no percurso histórico-filosófico da
humanidade – quando Kant, em 1785, escreveu que as pessoas têm valor absoluto, e devem ser consideradas «sempre
e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como
meio»14, estava a definir o que faz com que o ser humano seja
dotado de dignidade especial. É também superconhecida a sua
afirmação de que
«No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade.
Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se, em vez
dela, qualquer outra coisa como equivalente; mas quando
uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não
permite equivalente, então ela tem dignidade.»15
Faz-se necessária a especificação do sujeito de direito na sua
particularidade. Assim, determinados sujeitos de direitos ou
determinadas violações de direitos exigem uma resposta específica e diferenciada. «Ao processo de expansão dos direitos
humanos soma-se o processo de especificação de sujeitos de
direitos.»12 É neste cenário que as mulheres, as crianças, as pessoas portadoras de deficiência, os migrantes, são consideradas
E esta dignidade da pessoa é o núcleo essencial dos direitos
humanos fundamentais.
10
Todavia, se trouxe de Kant a ideia de respeito – da dignidade e
da pessoa como fim-em-si-mesmo – iria a Hegel buscar a ideia
11
12
MÉNDEZ, Emilio Garcia – Origem, sentido e futuro dos direitos humanos: reflexões
para uma nova agenda. In SUR Revista Internacional de Direitos Humanos. Ano
1, n.º 1, Rede Universitária de direitos humanos, pp. 7- 20. (cit. p. 7), 1.º semestre
2004.
MÉNDEZ, idem, p. 16.
PIOVESAN, Flávia – Direitos sociais, económicos e culturais e direitos civis e
políticos. In SUR Revista Internacional de Direitos Humanos. Ano 1, n.º 1, Rede
Universitária de direitos humanos, pp. 21-47 (cit. p. 29), 1.º semestre 2004.
13
14
15
SANTOS, Boaventura de Sousa – Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In Reconhecer para Libertar: Os Caminhos do Cosmopolitismo Cultural.
Rio de janeiro: Civilização,. p. 458, 2003.
Kant, Immanuel – Fundamentação da Metafísica dos Costumes. (1785) Trad. Paulo
Quintela. Lisboa: Edições 70,. p. 69, 1986.
Idem, p. 77.
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de reconhecimento16. Talvez por ser mais básica, mas sobretudo
por implicar a relação com o olhar do outro.
O significado de «reconhecimento» remonta à filosofia de Hegel que usou o conceito para descrever a estrutura interna da
relação ética entre dois sujeitos. Para o jovem Hegel (à época),
o processo de formação da identidade tem como pressuposto o
reconhecimento recíproco entre sujeitos, de modo que somente
quando um indivíduo vê confirmada a sua autonomia pelos
demais é que pode chegar a uma compreensão completa de
si mesmo como sujeito social. Em termos semelhantes, sugere
Charles Taylor que a identidade é construída dialogicamente, a
partir da relação do sujeito com os demais membros da sociedade de que faz parte.
A dignidade é, realmente, efeito do reconhecimento recíproco
que fazemos uns aos outros. E tendo a noção de que o ser humano é capaz de se elevar acima das circunstâncias imediatas
do seu ambiente para colocar questões sobre o sentido do real
e da vida. Ademais, nós não conferimos dignidade às pessoas
– fazemos o reconhecimento da dignidade. E é este reconhecimento da dignidade que constitui, assim o afirma o preâmbulo
da Declaração Universal dos Direitos do Homem, «o fundamento
da liberdade, da justiça e da paz no mundo».
o caminho percorrido com a pessoa. As modalidades de ajuda
têm de ser ajustadas a cada um, de acordo com as suas necessidades.
Este caminho é o de tornar autónomo tanto quanto seja possível, no sentido de ajudar a prover a força, a vontade ou o
saber, daí que releve a expressão do autocuidado. O trabalho do
enfermeiro desenvolve-se no sentido de se tornar dispensável,
de que o outro deixe de necessitar da ajuda por se bastar a si
mesmo. A finalidade é, claramente, autonomizar, no sentido do
autocuidado, reconhecendo no outro a condição de pessoa, ser
em projecto e em desenvolvimento.
Entendo, portanto, que o reconhecimento do outro é fundamento para o princípio orientador do respeito pelos direitos
humanos, do mesmo modo que o compromisso de cuidado é
fundamento para a responsabilidade profissional.
Valores universais
na relação profissional
igualdade
altruísmo
e solidariedade
liberdade responsável
Posta esta divagação, voltemos ao nosso assunto. Ou seja, a
identificação do fundamento ético do princípio orientador da
actividade, que é o respeito pelos direitos humanos. Agora,
parece muito mais fácil responder... O fundamento é o reconhecimento do outro.
Um cuidado profissional que pode – tem de ter a capacidade
de – realizar uma trajectória com diferentes modalidades: quer
seja em substituir, ou seja, fazer por alguém; em ajudar, num
fazer com a pessoa; em orientar, em termos de ensinar para;
em encaminhar para outros recursos, dirigir para; e em avaliar
16
Vidé Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Reflexão ética sobre
a dignidade humana. Documento de Trabalho. 26/ CNECV/ 1999. Disponível
(20.08.2006, 16h) em http://www.cnecv.gov.pt/NR/rdonlyres/C718779C-F74743D0-A3D0-67F394F937EC/0/P026DignidadeHumana.pdf.
ordem dos enfermeiros
verdade e justiça
competência e aperfeiçoamento profissional
Travessia pela norma e
ligação aos princípios
orientadores
?? Fundamentos
éticos
centrados no outro
(respeito pelos direitos
humanos)
Reconhecimento
do outro como
pessoa
inerentes ao papel
assumido perante a
sociedade
(responsabilidade...)
Compromisso de
cuidado
virados para o exercício
(excelência do exercício)
??
Vamos ao terceiro princípio orientador da actividade, a excelência do exercício na profissão em geral e na relação com
outros.
A excelência do exercício remete-nos para um dever que é esperado e que o conteúdo profissional exige, de carácter fiduciário,
ou seja, assente na confiança. Entendemos que a vida em sociedade, em geral, e na saúde, em particular, assenta sobre redes
de confiança, que repousam sobre a crença no cumprimento
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das promessas ou dos compromissos. Estamos perante a relação
entre a obrigação profissional e a protecção da pessoa através
da excelência do exercício.
De base, entendemos que a excelência é uma exigência ética,
antes de ser deontológica. A qualidade dos cuidados demanda
níveis de realização, entrecruzados da capacidade científica, da
execução técnica e da relação interpessoal. Parece-nos que, além
dos aferidores profissionais (padrões de qualidade), da avaliação
das práticas e da gestão do risco, a personalização do cuidado
é traço universal da qualidade.
De base fiduciária, estruturada a partir da confiança, a relação
de cuidado prometeu-se ao nível do melhor possível ou, pelo
menos, ao mínimo desejável, abaixo do qual não se cumpre o
prometido e se lesa quem se confia ao cuidado. Estamos na
esfera da competência ou do poder como capacidade para.
No plano ético, cada um de nós é responsável pelo outro e,
neste sentido, cuidador do outro. A obrigação especial dos enfermeiros mediará no sentido da persecução da excelência e da
protecção das pessoas – do que nos parece resultar a relação
com aferidores de excelência (comummente designados legis
artis) e a valoração do respeito (próprio e do outro).
Mais do que limitar-se a seguir os aferidores de excelência, a
qualidade dos cuidados reporta a uma assistência qualificada
à pessoa, detectando e reduzindo os factores que possam
despersonalizar, desrespeitar. Por isso, ergue-se a questão das
condições exteriores (por exemplo, os contextos e recursos do
exercício profissional nos locais concretos), assim como a da
diferença do que a qualidade representa para cada um.
A procura da qualidade é a demanda da excelência em cada
acto profissional, parecendo-nos que se distancia da auto-complacência tanto quanto de uma satisfação extática com o já
alcançado. O cuidado na acção decorre da obrigação profissional
assumida para agir de determinado modo. Os adquiridos são
uma espécie de pedras, de degraus, sobre os quais não é suposto
que se fique, mas de onde se prossiga para o nível seguinte.
43
Portanto, do desenvolvimento da capacidade... ou melhor, da
competência.
Valores universais na
relação profissional
igualdade
altruísmo e
solidariedade
liberdade responsável
verdade e justiça
competência e
aperfeiçoamento
profissional
Travessia pela norma e
ligação aos princípios
orientadores
?? Fundamentos
éticos
centrados no outro
(respeito pelos direitos
humanos)
Reconhecimento
do outro como
pessoa
inerentes ao papel
assumido perante
a sociedade
(responsabilidade...)
Compromisso
de cuidado
virados para o exercício
(excelência do exercício)
Competência
– poder enquanto
capacidade
Façamos agora a prova final – «a prova dos nove» – do sentido
destes fundamentos.
Procurando articulá-los e verificar se não se contradiz a ideia
de princípio fundante.
Síntese dos fundamentos éticos da deontologia
A cada ser humano incumbe a ética tarefa de desenvolver a sua
potencialidade, de auxiliar o outro neste sentido de persecução
dos projectos de uma vida boa, relevando igualmente a obrigação
de participação no mundo. Diria Ricoeur, que se trata de procurar «o sentido de uma vida boa, com e para com os outros, em
instituições justas».
A cada enfermeiro incumbe a tarefa de agir no sentido de se
desenvolver, de prestar um cuidado equitativo e excelente, que
se reflecte na melhoria na qualidade de vida da pessoa.
(1) Respeitar os direitos do outro, com base no fundamento do
reconhecimento do outro como pessoa,
(2) assumir a responsabilidade numa perspectiva que se ancora
no encargo confiado e no compromisso profissional,
(3) e procurar a excelência, fundamentada na sua competência
para agir, no seu poder-capacidade.
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Esta é a nossa tese, portanto.
Que os fundamentos éticos da deontologia são:
(1) reconhecimento do outro como pessoa,
(2) compromisso profissional,
(3) competência para agir, no seu poder-capacidade.
Princípios
ética anterior
Travessia
pela norma
Responsabilidade
Dignidade
humana
Respeito pelos
direitos humanos
Liberdade
Excelência do
exercício
Ética de
enfermagem
O cuidado
humano
– dirigido ao
tomar conta
da vida
Respeito
por si e pelo
outro
Aferidores
de excelência
Fundamentos
éticos da
deontologia
Compromisso
de cuidado
Reconhecimento
do outro como
pessoa
Competência
– poder enquanto
capacidade
tica dos cuidados, a indivisibilidade da pessoa e, portanto, não
poder ser abordada como a doença de um órgão ou em função
de uma necessidade específica – neste sentido, a linguagem
técnica mais corrente atraiçoa, por vezes, este princípio. Quando
se afirma que alguém é hipertenso, está-se perante a fusão
da entidade nosológica com a
pessoa, a confusão entre ser e
«Age sempre de tal maneira que a tua acção
ter uma condição patológica.
As pessoas não são as doenças
de cuidado, inspirada pelo compromisso
que têm...
Afirmei que o princípio da dignidade humana ancora o princípio
do cuidado humano, no agir do enfermeiro. Portanto, faltaria
ancorar os fundamentos da ética posterior (ética aplicada, deontologia) na ética anterior (filosófica). Chegam-nos dois – a
dignidade e a liberdade.
Sendo certo que temos um compromisso profissional, por um
lado, cada um de nós escolheu
tê-lo, ou seja, ser enfermeiro;
profissional, reconheça o outro como pessoa
e, por outro, é possível enraizáO cuidado protector carece da
lo numa «ética da promessa»,
e se ancore na atestação de competência.»
reciprocidade da confiança e
relacionando-o com o poder da
do respeito pelo outro, como
confiança que depositamos uns
pessoa única, que se radica no reconhecimento do outro. Connos outros, confiança esta que provém de compromissos mútuos
sequentemente, o processo de cuidado constitui-se como uma
e da vivência em organismos constituídos por acordo. Nesta
relação interpessoal, em que a competência da enfermeira se
confiança se estabelece a entrega e a aceitação de encargo (por
fundamenta no seu compromisso de cuidar do outro e na intenção
isso, confiado), pelo que estaremos na esfera da responsabilidade
de o afirmar como pessoa, configurando um cuidado protector.
fiduciária, exactamente assente sobre os vínculos que a confiança
entretece. E os nossos utentes entregam-se ao nosso cuidado.
Portanto, indo ao «mais atrás», ao anterior, o que possibilita o
Note-se que do fundo ético da dignidade da pessoa decorrem
reconhecimento da dignidade da pessoa é o reconhecimento do
outros princípios basilares. Apontamos, pela relação com a práoutro como pessoa.
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A condição de pessoa é o requisito e a base para todas as derivações, desde a dignidade à liberdade. E considerar o outro
diferente de si em incontornável alteridade só não se transforma
em distância por via da compaixão e da solicitude. E aqui, já
saímos do fundamento para o processo, o recurso operativo.
É atendendo à fragilidade da pessoa, com destaque para o respeito por si, pelo outro próximo, por cada um, que se exige visão
prospectiva e cuidado na acção.
Os enfermeiros escolheram comprometer-se ao cuidado ao outro, no trajecto vital da finitude irrecusável, da fragilidade e da
vulnerabilidade; é verdadeiramente autónomo o enfermeiro capaz de conduzir o seu trajecto na convergência do compromisso,
da capacidade e da atestação. Deixem-me evocar o primeiro
dever da deontologia.
a) «Exercer a profissão com os adequados conhecimentos científicos e técnicos, com o respeito pela vida, pela dignidade
humana e pela saúde e bem-estar da população, adoptando
todas as medidas que visem melhorar a qualidade dos cuidados e serviços de Enfermagem».
45
– «exercer a profissão» –, o reconhecimento do outro como
pessoa e a atestação de competência, quer ao nível cognitivo
(dos conhecimentos), quer operativo (adoptar medidas). Não só
não encontramos contradição – um princípio importante para
quem pensa – como sai reforçada a convicção de que são estes
os fundamentos éticos da deontologia.
Em quem posso confiar para cuidar de mim no momento em
que estou vulnerável para cuidar de mim mesmo? No enfermeiro. Entendo, portanto, que o reconhecimento do outro, com
recurso à solicitude, niveladora das assimetrias, é fundamento
para o princípio orientador do respeito pelos direitos humanos do
mesmo modo que o compromisso de cuidado é fundamento para
a responsabilidade profissional e que a competência, enquanto
«poder para», fundamenta a excelência do exercício.
E os princípios primeiros são a dignidade e a liberdade, respectivamente, condição de nascer pessoa e princípio da moralidade,
em Kant.
Reformulo, agora, o imperativo ético prático da deontologia dos
enfermeiros:
Voltemos a olhar para a frase:
adoptando todas as medidas
que visem melhorar a qualidade dos cuidados e serviços de
Enfermagem;
Que é a práxis real e concreta
O «com» assinala o que tem de lá
estar.
Conhecimentos + respeito pela vida
e pela dignidade humana +
VERA VIDIGAL
Exercer a profissão ....................
com os adequados conhecimentos
científicos e técnicos, ...............
com o respeito pela vida, pela
dignidade humana
e pela saúde e bem-estar
da população
Daqui derivará que os processos sejam de fazer recurso à solicitude e à compaixão, bem como à demanda concreta da qualidade
do que se faz. Mas isto seria outra conversa... oe
respeito pela saúde e bem-estar
que são realmente a nossa
«diferença específica»
Como se realiza? É operativo este
«adoptar TODAS as medidas» que
cumpram o fim de melhorar a
qualidade...
Reencontramos os princípios orientadores – responsabilidade,
respeito pelos direitos humanos e excelência do exercício.
Mas atrás, em suporte anterior, encontramos o compromisso
ordem dos enfermeiros
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Texto final do IX Seminário de Ética 2008
Enf.º Sérgio Deodato, Enf.ª Conceição Martins e
Enf.ª Teresa Carneiro
Conselho Jurisdicional
O exercício de Enfermagem e a protecção
das pessoas
O exercício profissional da Enfermagem centra-se na prestação
de cuidado ao outro, assumindo-se que «os cuidados de Enfermagem centram a atenção na promoção dos projectos de saúde
que cada pessoa vive e persegue»1. O cuidado concretiza-se
numa relação interpessoal entre a pessoa e o enfermeiro, e,
sendo de natureza profissional, toma como objecto da relação
o outro e as necessidades de cuidados do outro. É, por isso, uma
relação que, não subtraindo a pessoalidade dos dois intervenientes, se dirige de forma terapêutica à ajuda do outro.
Nesta relação de cuidado, a pessoa encontra-se, frequentemente,
com alterações do seu estado de saúde, o que lhe confere uma
especial vulnerabilidade. De igual modo, dependendo do estádio
de desenvolvimento do seu ciclo vital, as pessoas podem apresentar-se aos cuidados de Enfermagem com dependência parcial ou
absoluta. Assim, o enfermeiro, ao prestar cuidados, toma como
objecto do seu papel social a pessoa e a sua condição particular
decorrente do estado de saúde / doença.
Do nascimento à fase final da vida, o enfermeiro responsabiliza-se pela prestação do cuidado, na defesa da protecção de cada
pessoa. O cuidado de Enfermagem não surge isolado, enquanto
resposta a um problema determinado, mas inclui a pessoa na
sua totalidade única. É neste sentido ético que o enfermeiro
concretiza a responsabilidade pelo outro.
1
ORDEM DOS ENFERMEIROS – Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem. Enquadramento Conceptual. Enunciados Descritivos, 2002.
ordem dos enfermeiros
A defesa dos direitos
como uma dimensão
da protecção das
pessoas
A protecção das pessoas pode
ser reflectida de diferentes
perspectivas, consoante as
diversas dimensões em que
essa protecção se concretiza.
Uma dimensão fundamental
integra o respeito pelos direitos das pessoas.
A pessoa, considerada nos cuidados de Enfermagem, é um ser
com direitos, que entra na relação de cuidado com o enfermeiro,
com a sua titularidade plena. Enquanto cidadão, vê atribuído
pelo Estado um conjunto de direitos que permite a sua vivência
em sociedade.
Em Portugal, a Constituição da República Portuguesa consagra
um leque amplo de direitos, garantindo, assim, o exercício
da cidadania. Esta consagração constitucional fundamenta o
exercício de cada direito por cada pessoa em particular, nos
termos em que as leis determinam.
O reconhecimento da titularidade dos direitos fundamentais
é dever de todos, assim como o respeito pelo exercício num
ambiente de liberdade responsável, de cada um em especial. Ao
Estado e à Administração Pública Portuguesa – onde a Ordem
dos Enfermeiros se inclui – cabe um papel de promoção e protecção relativas à efectivação dos direitos pelas pessoas.
É nesta medida que a Ordem dos Enfermeiros assume a responsabilidade institucional de fomentar a promoção e a defesa
VERA VIDIGAL
Desenhando o sentido, perspectivando o futuro
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dos direitos das pessoas a quem são prestados cuidados de
Enfermagem, em especial, a aos cidadãos, em geral. Para tal,
as suas atribuições devem ser interpretadas no sentido do fim
último da garantia da qualidade dos cuidados de Enfermagem,
«assegurando a observância das regras de ética e deontologia
profissional», como enuncia a formulação do seu desígnio
fundamental, formalizado no n.º 1 do Artigo 3.º do seu Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 104/98, de 21 de Abril.
Garantindo a qualidade dos cuidados, a Ordem dos Enfermeiros
defende os direitos das pessoas.
Esta defesa da qualidade dos cuidados de Enfermagem não
consubstancia um princípio abstracto, de onde não decorrem
actividades concretas por parte da Ordem dos Enfermeiros.
Materializa-se na definição de padrões de qualidade, na criação de normas de boas práticas profissionais, na tomada de
posições políticas sobre assuntos específicos da saúde e na
emissão de pareceres sobre problemas concretos. Do mesmo
modo, a garantia da qualidade dos cuidados de Enfermagem
em Portugal integra uma componente muito significativa da
interpretação e defesa da aplicação das normas da Deontologia
Profissional.
De facto, no uso do seu poder regulamentar enquanto entidade pública, compete à Ordem interpretar os direitos dos
enfermeiros no sentido da protecção dos direitos das pessoas,
uma vez que os direitos consagrados no Artigo 75.º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, integram eles próprios uma
dimensão de protecção das pessoas clientes de cuidados. Por
exemplo, quando a alínea c) do n.º 2 deste artigo consagra o
direito a «usufruir de condições de trabalho», acrescenta que
estas condições de exercício visam assegurar «o respeito pela
deontologia da profissão e pelo direito do cliente a cuidados
de Enfermagem de qualidade».
Do mesmo modo, as incompatibilidades previstas no Artigo
77.º do Estatuto destinam-se a proteger as pessoas de eventuais conflitos de interesses que pudessem existir em resultado do desempenho de actividades diferentes pela mesma
pessoa.
47
Finalmente, os deveres do enfermeiro, que decorrem dos
princípios e valores profissionais que integram o Código Deontológico2 dirigem-se directamente à protecção dos direitos
das pessoas.
Desta forma, a interpretação formal que a Ordem dos Enfermeiros faz da deontologia profissional de Enfermagem,
nomeadamente através dos pareceres emitidos pelo Conselho
Jurisdicional, assume como fundamento ético o respeito pela
dignidade humana, da qual os direitos individuais constituem
um seu corolário.
É neste sentido que o Código Deontológico enuncia como dever
geral, na alínea c) do Artigo 79.º, que o enfermeiro assume o
dever de «proteger e defender a pessoa humana das práticas que
contrariem a lei, a ética ou o bem comum, sobretudo quando
carecidas de indispensável competência profissional».
Quando o Código Deontológico prescreve no seu Artigo 83.º o
dever de prestar cuidado «em tempo útil», fundamenta este
dever no «respeito do direito ao cuidado na saúde ou doença».
Ou seja, a responsabilidade pela prestação de cuidado ao outro
decorre do direito atribuído a este, no âmbito de um direito
mais amplo de protecção da saúde, que a Constituição da
República Portuguesa estabelece para todos os cidadãos, no
seu Artigo 64.º.
Do mesmo modo, ao prescrever no seu Artigo 82.º o dever de
«atribuir à vida de qualquer pessoa igual valor» e defender a
«vida humana em todas as circunstâncias», o Código Deontológico suporta-se no «respeito pelo direito da pessoa à vida durante todo o ciclo vital». Igualmente, a consagração do direito
à vida pela Constituição, no seu Artigo 24.º, encontra protecção
especial na deontologia profissional de Enfermagem.
O direito à autodeterminação, que constitui uma dimensão do
princípio da dignidade humana consagrado no Artigo 1.º da
Constituição e no n.º 1 do Artigo 78.º do Estatuto da Ordem
2
Incluído no Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (Artigos 78.º a 92.º).
ordem dos enfermeiros
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dos Enfermeiros (Código Deontológico) encontra também
protecção especial no Código. O respeito pelo consentimento
para os cuidados de Enfermagem constitui uma manifestação
essencial deste direito, encontrando-se estabelecido como
dever na alínea b) do Artigo 84.º.
Assim e com esta interpretação, a Ordem dos Enfermeiros
tem contribuído para a clarificação do quadro deontológico da
profissão, no respeito pela base ética que o suporta e na relação formal adequada com o ordenamento jurídico do País. No
centro desta regulamentação, encontra-se a pessoa e a especial
protecção dos seus direitos pelos cuidados de Enfermagem.
Os direitos humanos e a deontologia profissional
de Enfermagem
Quando nos referimos aos direitos das pessoas, estamos a
considerar uma esfera ampla de direitos, em que se podem
identificar diversas categorias. Como pano de fundo ou base
ética de suporte, encontram-se os direitos humanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 10
de Dezembro de 1948 pela Assembleia Geral da Nações Unidas,
constitui um documento histórico para a protecção das pessoas
no mundo. Inscrevendo os diversos direitos que os países conseguiram considerar por consenso, formaliza em texto escrito
a definição de cada um. O ser humano passou, assim, a contar
com um instrumento que pode ser utilizado para a regulação
da sua vida em sociedade.
Em Portugal, a Declaração Universal foi ratificada apenas em
19783, mas desde 1976 que constitui uma base interpretativa
para os direitos consagrados na Constituição. De facto, o n.º 2
do Artigo 16.º da Lei Fundamental estabelece que «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais
devem ser interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem». Assim, na dúvida
3
Publicada no Diário da República, I Série A, n.º 57/78, de 9 de Março de 1978,
mediante aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
ordem dos enfermeiros
sobre o alcance de um determinado direito, este é determinado
com base na formulação dos direitos humanos.
Desta forma, quando reflectimos os direitos das pessoas, a partir
dos deveres deontológicos do enfermeiro, devemos discutir a
sua esfera de protecção, nos termos em que os direitos humanos correlacionados o fazem. Assim, podemos considerar
que a Declaração Universal dos Direitos Humanos constitui
um fundamento ético essencial à deontologia profissional do
enfermeiro em Portugal.
À Ordem dos Enfermeiros cabe promover o desenvolvimento
da reflexão neste sentido, garantindo que a interpretação
institucional realizada concretize esta premissa. A cada um de
nós, compete participar neste desenvolvimento e apropriar-se
da reflexão ética e da interpretação da Deontologia, em cada
relação de cuidado que estabelecemos. oe
2 0 0 7
Ciclo
de
V Debates
Segurança da Informação
2 0 0 0
–
A exemplo de anos anteriores, o V Ciclo de Debates vai realizar-se,
ao longo deste ano nas cinco Secções Regionais da OE. Informações
sobre datas e locais vão sendo disponibilizadas no site da Ordem
dos Enfermeiros e pelas Secções Regionais.
a do Secretariado
8.45H | Abertur
9.00H | Mesa de
VII
abertura
cia Inicial:
9.30H | Conferên
Humana”
“Da Falibilidade
Michel Renaud
Professor Doutor
o
10.00H | Interval
dos Enfermeiros
ções da Ordem
s – perspectivas
10.30H | Interven
ça nos cuidado
para a Seguran
o da S.R.
Moderador:
Conselho Directiv
o, Presidente do
Enf.º Amílcar Carvalh
do Centro
Intervenções:
o
• Conselho Directiv
sidente do CD
Oliveira, Vice-pre
– Enf.º Jacinto
onal
• Conselho Jurisdici
CJ
Presidente do
– Enf.ª Lucília Nunes,
Enfermagem
• Conselho de
CE
, Presidente do
Oliveira
is
Delfim
Enf.º
–
Directivos Regiona
dos Conselhos
• Representante
do CDR do Sul
a Abranches, vogal
Regionais
– Enf.ª Madalen
de Enfermagem
dos Conselhos
• Representante
Centro
do
vogal no CER
– Enf.º Paulo Lopes,
Seminário
X
de Ética
Ética
Seminário de
Segurança
nos cuidados
Debate
12.30H | Almoço
s de Saúde
ça nos Cuidado
14.00H | Seguran
Profissionais
– Papel das Ordens
onal
do Conselho Jurisdici
Moderador:
es, Vice-presidente
Enf.º Rogério Gonçalv
Intervenções:
rio
• Ordem dos Médicos
Digníssimo Bastoná
– Dr. Pedro Nunes,
uticos
• Ordem dos Farmacê
mo Bastonário
da Silva, Digníssi
– Dr. J. A. Aranda
Dentistas
rio
• Ordem dos Médicos da Silva, Digníssimo Bastoná
o
– Dr. Orlando Monteir
iros
ma Bastonária
• Ordem dos Enferme
de Sousa, Digníssi
– Enf.ª Maria Augusta
alização
o para a Contratu
Comentadores:
adora da Comissã
Escoval, Coorden
Prof.ª Dr.ª Ana
Saúde
Parlamentar da
da Saúde
te da Comissão
Roseira, Presiden
Dr.ª Maria de Belém
AL ID AD E
E CO N FI D EN CI
IN FO RM AÇ ÃO
EM
D E EN FE RM AG
D A PR ÁT IC A
AS
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Q UE ST
S
PRO FI SS IO N AI
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AO CU ID AD O
D O D IREI TO
I
II
II I
IV
RM AG EM
V ÉTICA DE ENFE
A
V I FINAL DE VID
OS
N O S CU ID AD
V II SEGURANÇA
SS IO N AL
LI D AD E PRO FI
V II I RESPONSABI
Anfiteatr
o Jurisdicional
ões finais
sidente do Conselh
17.00h | Conclus
Martins, Vice-pre
Enf.ª Conceição
8.45H
› Abertura do Secreta
9.00H
› Mesa de abertur
SETEMBRO
2009
riado
a
profissional»
nsabilidade
Honra: «Respo
Bastonária
Alocução de
– Digníssima
Augusta Sousa
– Enf.ª Maria
Enfermeiros
da Ordem dos
ção»
autodetermina
a
: «Proteger a
Berta Cerdeir
edonda
Ana
– Enf.ª
10.00H › Mesa-r
e Consentimento
• Informação
cional (CJ)
Jurisdi
ho
– Vogal do Consel
ades para decidir
etências e inabilid
• Das incomp
Jurídico do CJ
ia – Assessor
Alberto Duarte
– Dr. Nuno Lampre
idade – Enf.
menores de
em
al
Region
• Consentimento
al da Secção
do CJ Region
– Presidente
da RA dos Açores
Moderadora:
do CJ
la Amaral – Vogal
Enf.ª Manue
lo
11.30H › Interva
recusa(s)»
– Vogal
edonda: «Da(s)
Salomé Matos
11.45H › Mesa-r
cliente – Enf.ª
RA dos Açores
• Recusa(s) do
Regional da
al da Secção
Silva – Vogal
do CJ Region
– Enf.ª Isabel
a
profissional
RA da Madeir
• Recusa(s) do
Regional da
a
al da Secção
Fátima Figueir
do CJ Region
ência – Enf.ª
ão de Consci
Objecç
da
al do Sul
• O caso
Secção Region
Regional da
– Vogal do CJ
Secção
Moderador:
nte do CJ da
Gomes – Preside
Enf. José Luís
Centro
Regional do
livre
o»
ico de trabalh
Deodato
edonda: «Mosa
– Enf. Sérgio
14.30H › Mesa-r
agir profissional
• Critérios do
– Vogal do CJ
de Posição:
Enunciados
• Mosaico de
consentimento
Do sigilo; Do
CJ
› Da delegação;
-presidente do
Vice
–
ção Martins
crianças;
– Enf. ª Concei
protecção das
seguros; Da
– Enf.ª Merícia
› Dos cuidados
s para o ensino
al da Secção
Das recomendaçõe
do CJ Region
– Presidente
Bettencourt
a
RA da Madeir
– Vogal do CJ
Fraga
o
Regional da
– Enf. José Antóni
Do final de vida
13.00H › Almoço
›
e do CJ
Moderador:
Vice-president
Gonçalves –
Enf. Rogério
eiro»
ência final:
lógica do enferm
16.00H › Confer
ade ética e deonto
«Responsabilid
nte do CJ
Nunes – Preside
Enf.ª Lucília
16.30H › Mesa
FOTO: VERA VIDIGAL
Foto: vera vidigal
Debate
de 2006
7 de Novembro
– Fátima
toral Paulo VI
o do Centro Pas
Inscrições limitadas
1
à lotação
SEMINÁRIO D
E ÉTICA
Segurança da Informação
dade
Responsabili
l
Profissiona
bro de 2007
28 de Setem
das Nações lhões 2 e 3)
FIL – Parque
Pavi
FIL (entre os
tius
Pavilhão Mul
de encerramento
de saúde
profissionais
iros”)
– gratuito | Outros
dos Enferme
de Enfermagem
e estudantes
s.pt.
ordem de “Ordem
Enfermeiros
ou vale CTT à
demenfermeiro
em www.or
ento por cheque
válida.
o disponíveis
– 15 € (pagam
cédula profissional
e ficha de inscriçã lugares) e à apresentação de
Informação
da sala (800
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VIII
elo ao
Evento paral
os da
-Estar
Saúde e Bem
nacional de
– Salão Inter
10/08/07 16:14:22
ordem dos enfermeiros | Número 31 | Dezembro 2008
Número 31 | Dezembro 2008 | www.ordemenfermeiros.pt | ISSN 1646-2629
IX Seminário de Ética
10 Anos
de Deontologia Profissional
60 Anos
de Direitos Humanos
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