3.2 – Usos
Se a legislação e o tombamento preservaram as características físicas da Avenida
Brasil, o mesmo não podemos dizer do uso. Enquanto o antigo Artigo 40 do Código de
Obras "Arthur Saboya", de 1934 (reiterando Ato Municipal de 1931) estabelecia o uso
residencial unifamiliar como padrão para todo o Jardim América, e o Artigo 39
confirmava a validade das restrições de escritura, a legislação de zoneamento
promulgada em 1972-1973, embora confirmasse esse caráter residencial horizontal para
o bairro ao enquadrá-lo como Z-1, criou uma situação de exceção para a avenida,
enquadrando-a como corredor de serviços.
Essa condição foi confirmada pela nova Lei de Uso e Ocupação do Solo aprovada
pela Câmara de São Paulo em 25 de agosto de 2004, a qual, no seu artigo 247, exige o
cumprimento das restrições contratuais quando houver, prevalecendo a mais restritiva
em relação à legislação. Porém, no parágrafo 1º fica estabelecido que “Os usos
permitidos nos loteamentos referidos no caput deste artigo serão aqueles definidos por
esta lei para as zonas de uso e categorias de vias”. Isso significa que mesmo a escritura
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estabelecendo que “todo edifício, no presente denominado ‘Casa’, será construído ou
adaptado para ser usado para habitação humana e nella não poderão ser feitos
negócios de commercio algum consistente em vender ou offerecer á venda mercadorias
de qualquer natureza (sic)” (vide Anexo A), pelo enquadramento da avenida Brasil como
ZCLz-I e ZCLz-II, o uso não residencial é permitido.
O tombamento pelo Condephaat em 1986, por sua vez, preserva o traçado viário
e a vegetação arbórea, mas não preserva o uso original.
Com o desenvolvimento da indústria automobilística e a priorização do transporte
individual por parte do planejamento urbano paulistano houve um aumento muito grande
do tráfego na cidade. As antigas avenidas residenciais, como a Brasil, mudaram de
papel dentro da morfologia de São Paulo. De logradouros bucólicos, onde os
privilegiados se instalavam para mostrar sua riqueza, viraram corredores movimentados,
com a presença de ônibus e de tráfego de passagem (Figs. 3.2.1 e 3.2.2). Isso levou à
diminuição do interesse das famílias de alta renda de ali morarem, devido ao barulho, à
poluição, etc.
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Figura 3.2.1 – Av. Brasil 1930 – Fonte: (BACELLI, 1982)
Figura 3.2.2 – Foto do autor – Maio de 2006
Por outro lado, esse aumento do volume de carros traz vantagens para o uso não
residencial, levando os proprietários a pressionarem pela mudança na legislação, que
passaria a lhes garantir aluguéis bem mais elevados por seu imóveis. Donde essa
transformação que vemos hoje em relação ao uso.
Para analisar o uso dos lotes da avenida Brasil, dividimos os lotes em três principais
grupos: residencial, não-residencial e imóveis vagos. Dentro do uso não residencial,
agrupamos as ocorrências em quatro principais atividades: bancos; clínicas e
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consultórios médicos; lojas e show rooms de decoração e materiais de construção; e
escritórios em geral. Como uso especial, de caráter institucional, temos a Igreja de
Nossa Senhora do Brasil. Podemos verificar essa distribuição conforme a planta a seguir
(Fig. 3.2.3).
Figura 3.2.3 – Uso do solo - Mapa do autor – Maio 2006
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A divisão primeiramente se deu entre usos residenciais e não residenciais. Porém,
certos usos não residenciais são muito recorrentes na avenida, como é o caso das casas
de materiais de construção e decoração. São sete imóveis nessa categoria, que mesmo
não sendo a de maior número, têm presença marcante na paisagem da Brasil, além de
suscitarem discussões a respeito dos usos que devem ou não ser permitidos na avenida
(figuras 3.2.4, 3.2.5 e 3.2.6). Pela legislação atual qualquer comércio é proibido,
tornando tais lojas clandestinas. Contudo, não se pode dizer que sua presença seja
necessariamente mais ou menos prejudicial do que a de outros usos que são permitidos,
como os bancos, as clínicas médicas e os laboratórios clínicos. O comércio em geral,
porém, deve continuar não-conforme, por seu potencial extremamente agressivo em
relação às condições paisagísticas e ambientais da via, além do problema da geração de
tráfego.
Tudo indica que a presença de empresas ligadas ao mercado de construção e
decoração se beneficia da proximidade da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, que
concentra grande parte das marcas de luxo no setor e se tornou referência paulistana e
mesmo nacional; no entanto as lojas presentes na Avenida Brasil tendem a ser maiores
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e com perfil menos diferenciado. Embora haja algumas que exploram essa imagem de
luxo - como o showroom da Deca - outras se aproximam do padrão médio encontrado
em diversas vias comerciais.
Figura 3.2.4 – Foto do autor – Maio de 2006
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Figura 3.2.5 – Foto do autor – Maio de 2006
Figura 3.2.6 – Foto do autor – Maio de 2006
Outro uso bastante presente é o de consultórios e clínicas médicas, havendo
atualmente oito imóveis com esse tipo de uso (Figs. 3.2.7, 3.2.8 e 3.2.9). A localização
privilegiada e o fácil acesso por automóvel têm atraído unidades ligadas a serviços de
alto padrão (Albert Einstein, Fleury), mas há também clínicas de padrão menos
exclusivo. Trata-se de um uso conforme à atual legislação, mas que pode ser bastante
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agressivo em termos das necessidades de estacionamento, geração de tráfego, veículos
manobrados, etc.
O mesmo se poderia dizer dos cinco bancos encontrados nesse trecho da
Avenida Brasil; não obstante, são agências de pouco movimento se comparadas
àquelas situadas em outras avenidas próximas, como Faria Lima e Paulista. Por esse
motivo bancos e laboratórios, antes permitidos no corredor de uso especial estabelecido
na avenida em 1973 (Z8-CR1), foram proibidos pela nova lei de uso e ocupação do solo
e pelo Plano Regional Estratégico aprovados em 2004, como veremos a seguir.
Há ainda sete imóveis vagos - os altos preços para venda ou aluguel costumam
impor um período mais longo na comercialização dos imóveis - e vinte ocupados por
lojas e escritórios em geral, além da igreja e de mais sete que permanecem como
residências (Figs. 3.2.10, 3.2.11, 3.2.12, 3.2.13 e 3.2.14). Alguns dos escritórios são
discretos e se aproveitam da ambientação protegida por recuos, vegetação e muros;
outros, como agências imobiliárias e que tais, fazem uso dos mesmos recursos visuais
exagerados e geram o mesmo movimento presente nas lojas mais agressivas.
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Podemos observar que a simples divisão entre "comércio" e "serviços" não é
suficiente nem eficaz para diferenciar usos mais ou menos adequados à preservação do
patrimônio ambiental, paisagístico, urbanístico e arquitetônico da avenida. Seria preciso
trabalhar com categorias mais específicas, definindo quais tipos de comércio e tipos de
serviços poderiam ser considerados conformes ou não-conformes, no sentido de
procurar garantir ao máximo essa preservação; ou então estabelecer restrições
especiais quanto ao número e localização das vagas para estacionamento, acesso e
geração de tráfego, limitação da pavimentação dos recuos, manutenção dos jardins e
condições de tratamento das fachadas. Sem isso o quadro legal existente será incapaz
de impedir a descaracterização progressiva dos lotes que ainda mantêm parte
substancial das características originais da avenida, em termos de vegetação e
arquitetura.
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Figura 3.2.8 – Consultório / Clínica médica - Foto do autor – Maio de 2006
Figura 3.2.7 – Consultório / Clínica médica - Foto do autor – Maio de 2006
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Figura 3.2.9 – Consultório / Clínica médica - Foto do autor – Maio de 2006
Figura 3.2.10 – Banco - Foto do autor – Maio de 2006
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Figura 3.2.12 – escritórios em geral - Foto do autor – Maio de 2006
Figura 3.2.11 – Imóvel vago - Foto do autor – Maio de 2006
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Figura 3.2.14 – Residência - Foto do autor – Maio de 2006
Figura 3.2.13 – Igreja N. S. do Brasil - Foto do autor – Maio de 2006
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Abaixo, segue gráfico com a divisão em porcentagem dos usos:
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Há alguns perigos embutidos na atual legislação de uso e ocupação do solo, que
define vários níveis de enquadramento para cada ponto da cidade, com prescrições
muitas vezes contraditórias. A avenida Brasil está inserida na Zona de Centralidade
Linear, na ZER - zona exclusivamente residencial e no corredor ZCLz-II. Assim, para o
uso residencial ficam permitidas as categorias de uso R1, R2h e R2v (residências
unifamiliares isoladas no lote, residências agrupadas horizontalmente no mesmo lote e
residências agrupadas verticalmente no mesmo lote respectivamente) conforme o Artigo
152 da Lei 13.885/04. E para os usos não residenciais, são permitidos os seguintes
usos, conforme o Quadro nº 5, anexo à Parte III da mesma lei:
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Quadro 05 – Anexo a Lei nº 13.885/04 – Fonte DOM São Paulo
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Já o Plano Regional Estratégico da Subprefeitura de Pinheiros, onde está a Brasil,
estabelece no seu artigo 62 que:
“Nos imóveis lindeiros a trechos de logradouros públicos enquadrados como Zona
de Centralidade Linear – ZCLz-II, contidos na ZER – 1 da Subprefeitura de Pinheiros, as
atividades permitidas deverão ser as relacionadas nos incisos I, II e III deste artigo:
I.
as subcategorias de uso R1 e R2h;
II.
os seguintes estabelecimentos e atividades:
a.
escritórios administrativos (sendo vedada a atividade “show rooms”) e sem
operação de venda de mercadorias de firmas, empresas, representações, publicidade e
propaganda; agências de câmbio e de turismo; escritórios de financeiras, corretoras de
seguros, administradoras de bens e incorporadoras; consultórios de especialidades
médicas e odontológicas sem internação ou exames laboratoriais; escritórios de:
consulados e representações diplomáticas; estúdios fotográficos (exceto estúdios de
produção de veículos de massa) e galerias de artes plásticas;
b.
museus;
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c.
estacionamento de veículos, implantados por um ou mais estabelecimentos
de serviços instalados no corredor, sendo vedada a atividade estacionamento
desvinculada de estabelecimentos pertencentes ao corredor;”
Isso coloca a Brasil como um corredor de serviços, não sendo mais permitida
qualquer atividade de comércio e “show rooms”, além de serviços pessoais, serviços de
educação e serviços sociais. As lojas e “show rooms” de móveis, objetos de decoração e
materiais de construção estão proibidos. Bibliotecas e bancas de jornal também. Bancos
e laboratórios clínicos, antes permitidos, também. Além de qualquer comércio de
gêneros alimentícios, mesmo sem consumo no local.
Essa classificação como corredor de serviços se deu pela consenso de que,
genericamente, a atividade de comércio atrai mais pessoas e por conseqüência mais
carros. A intenção para a área, desde o processo de tombamento, é de se preservar as
características locais e residenciais. Porém a Avenida Brasil hoje, assim como outras
vias do Jardim América, tem outro papel no sistema viário da cidade – como veremos a
seguir no item 3.3 – sendo que o tráfego de passagem já é bastante intenso. Então, essa
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restrição quanto ao uso traria mais “tranqüilidade” para o bairro, ou pelos menos não
aumentaria o trânsito já carregado de toda a área.
Um ponto interessante referente ao uso permitido pela legislação é o dos
estacionamentos. A legislação permite a implantação de estacionamentos desde que
sejam vinculados aos estabelecimentos do corredor, mesmo que para servir a vários
estacionamentos. Na Avenida Brasil, todavia, não há ainda nenhum terreno que sirva
exclusivamente como estacionamento, exceto pelo lote situado na esquina da Brasil com
a Rua Canadá, e hoje serve como estacionamento para o escritório de advocacia que
funciona na antiga residência no lote ao lado, estando os lotes atualmente unidos como
se tivessem sido remembrados (Fig. 3.2.15).
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Figura 3.2.15 – Estacionamento – Foto do autor – Maio de 2006
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Do ponto de vista do tráfego, os estacionamentos seriam uma vantagem para
garantir maior fluidez e evitar manobras. Porém, do ponto de vista paisagístico e
ambiental, seriam extremamente prejudiciais, por implicarem muitas vezes na derrubada
das construções e da vegetação. Portanto as recentes mudanças na legislação de uso
referente ao corredor da Avenida Brasil parecem mais preocupadas em evitar o aumento
do tráfego, já pesado, presente na via do que em garantir suas qualidades em termos de
paisagem e ambiente urbano.
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Luis Fernando Correa8