História do Brasil nos quadros do Sistema Colonial Mercantilista
O sistema colonial é o conjunto de relações entre as metrópoles e suas
respectivas colônias em uma determinada época histórica. O sistema colonial que nos
interessa abrangeu o período entre o século XVI e o século XVII, ou seja, faz parte do
Antigo Regime da época moderna e é conhecido como antigo sistema colonial.
Segundo o seu modelo teórico típico, a colônia deveria ser um local de
consumo (mercado) para os produtos metropolitanos, de fornecimento de artigos para
a metrópole e de ocupação para os trabalhadores da metrópole. Em outras palavras,
dentro da lógica do “Sistema Colonial Mercantilista” tradicional, a colônia existia para
desenvolver a metrópole, principalmente através do acúmulo de riquezas, seja através
do extrativismo ou de práticas agrícolas mais ou menos sofisticadas. Uma Colônia de
Exploração, como foi o caso do Brasil para Portugal, tem basicamente três
características, conhecidas pelo termo técnico de “plantation”:
_ Latifúndio: as terras são distribuídas em grandes propriedades rurais
_ Monocultura voltada ao mercado exterior: há um “produto-rei” em torno do
qual toda a produção da colônia se concentra (no caso brasileiro, ora é o açúcar, ora
a borracha, ora o café...) para a exportação e enriquecimento da metrópole, em
detrimento da produção para o consumo ou o mercado interno.
_ Mão-de-obra escrava: o negro africano era trazido sobre o mar entre cadeias
e, além de ser mercadoria cara, era uma mercadoria que gerava riqueza com o seu
trabalho...
O sentido da colonização – A atividade colonizadora européia aparece como
desdobramento da expansão puramente comercial. Passou-se da circulação
(comércio) para a produção, No caso português, esse movimento realizou-se através
da agricultura tropical. Os dois tipos de atividade, circulação e produção, coexistiram.
Isso significa que a economia colonial ficou atrelada ao comércio europeu. Segundo
Caio Prado Jr., o sentido da colonização era explícito: "fornecer produtos tropicais e
minerais para o mercado externo".
Assim, o antigo sistema colonial apareceu como elemento da expansão
mercantil da Europa, regulado pelos Interesses da burguesia comercial. A
conseqüência lógica, segundo Fernando A. Novais, foi a colônia transformar-se em
instrumento de poder da metrópole, o fio condutor, a prática mercantilista, visara
essencialmente o poder do próprio Estado.
As razões da colonização – A centralização do poder foi condição para os
países saírem em busca de novos mercados, organizando-se, assim, as bases do
absolutismo e do capitalismo comercial. Com isso, surgiram rivalidades entre os
países. Portugal e Espanha ficaram ameaçados pelo crescimento de outras potências.
Acordos anteriores, como o Tratado de Tordesilhas (1494) entre Portugal e a
Espanha, começaram a ser questionados pelos países em expansão.
A descoberta de ouro e prata no México e no Peru funcionou como estímulo ao
início da colonização portuguesa. Outro fator que obrigou Portugal a investir na
América foi a crise do comércio indiano. A frágil burguesia lusitana dependia cada vez
mais da distribuição dos produtos orientais feita pelos comerciantes flamengos
(Flandres), que impunham os preços e acumulavam os lucros.
Capitanias hereditárias – Em 1532, quando se encontrava em São Vicente,
Martim Afonso recebeu uma carta do rei anunciando o povoamento do Brasil através
da criação das capitanias hereditárias. Esse sistema já havia sido utilizado com êxito
nas possessões portuguesas das ilhas do Atlântico (Madeira, Cabo Verde, São Tomé
e Açores).
O Brasil foi dividido em 14 capitanias hereditárias, 15 lotes (São Vicente estava
dividida em 2 lotes) e 12 donatários (Pero Lopes de Sousa era donatário de 3
capitanias: Itamaracá, Santo Amaro e Santana). Porém, a primeira doação ocorreu
apenas em 1534.
Entre os donatários não figurava nenhum nome da alta nobreza ou do grande
comércio de Portugal, o que mostrava que a empresa não tinha suficiente atrativo
econômico. Somente a pequena nobreza, cuja fortuna se devia ao Oriente, aqui
aportou, arriscando seus recursos. Traziam nas mãos dois documentos reais: a carta
de doação e os forais. No primeiro o rei declarava a doação e tudo o que ela
implicava. O segundo era uma espécie de código tributário que estabelecia os
impostos.
Nesses dois documentos o rei praticamente abria mão de sua soberania e
conferia aos donatários poderes amplíssimos. E tinha de ser assim, pois aos
donatários cabia a responsabilidade de povoar e desenvolver a terra à própria custa.
O regime de capitanias hereditárias desse modo, transferia para a iniciativa privada a
tarefa de colonizar o Brasil. Entretanto, devido ao tamanho da obrigação e à falta de
recursos, a maioria fracassou. Sem contar aqueles que preferiram não arriscar a sua
fortuna e jamais chegaram a tomar posse de sua capitania. No final, das catorze
capitanias, apenas Pernambuco teve êxito, além do sucesso temporário de São
Vicente. Quanto às demais capitanias, malograram e alguns dos donatários não só
perderam seus bens como também a própria vida.
Estava claro que o povoamento e colonização através da iniciativa particular
era inviável. Não só devido à hostilidade dos índios, mas também pela distância em
relação à metrópole, e sobretudo, pelo elevado investimento requerido.
Governo geral (1549) – Em 1548, diante do fracasso das capitanias, a Coroa
portuguesa decidiu tomar medidas concretas para viabilizar a colonização. Naquele
ano foi criado o governo-geral com base num instrumento jurídico denominado
Regimento de 1548 ou Regimento de Tomé de Sousa. O objetivo da criação do
governo-geral era o de centralizar política e administrativamente a colônia, mas sem
abolir o regime das capitanias.
No regimento o rei declarava que o governo-geral tinha como função coordenar
a colonização fortalecendo as capitanias contra as ações adversas, destacando-se
particularmente a luta contra os tupinambás.
A compra da capitania da Bahia pelo rei, transformando-a numa capitania real
é sede do governo-geral foi o primeiro passo para a transformação sucessiva das
demais capitanias hereditárias em capitanias reais, Por fim, no século XVIII, durante o
reinado de D. José I (1750 - 1777) é do seu ministro marquês de Pombal, as
capitanias hereditárias foram extintas
Com a criação do governo-geral, estabeleceram-se também cargos de
assessoria: ouvidor-mor (justiça), provedor-mor (fazenda) e capitão-mor (defesa).
Cada um desses cargos possuía, ademais, um regimento próprio e, no campo restrito
de sua competência era a autoridade máxima da colônia. Assim, com a criação do
governo-geral, desfazia-se juridicamente a supremacia do donatário.
Tomé de Sousa (1549-1553) – O primeiro governador-geral foi Tomé de Sousa.
Com ele vieram todos os funcionários necessários à administração e também os
primeiros jesuítas chefiados por Manuel da Nóbrega. Começava, então, a obra
evangelizadora dos indígenas e, em 1551, criava-se em Salvador o primeiro bispado
no Brasil, sendo o primeiro bispo D. Pero Fernandes Sardinha. Com o segundo
governador viria ainda outro contingente de jesuítas, entre eles, José de Anchieta
Apesar de representar diretamente a Coroa, algumas capitanias relutaram em
acatar a autoridade do governador-geral tais como as de Porto Seguro, Espírito
Santo, Ilhéus, São Vicente e Pernambuco. Esta última, de Duarte Coelho, foi a que
mais se ressentiu da intromissão do governo-geral. Recusando a autoridade do
governador-geral o donatário de Pernambuco apelou para o rei, que o favoreceu
reafirmando a sua autonomia.
Consolidação do governo-geral – Duarte da Costa (1553 – 1558), que viera em
substituição a Tomé de Sousa, enfrentou várias crises e sua estada no Brasil foi
bastante conturbada.Desentendeu-se com o bispo D. Pero Fernandes Sardinha e teve
de enfrentar os primeiros conflitos entre colonos e jesuítas acerca da escravidão
indígena. Além disso, foi durante o seu governo que a França começou a tentativa de
implantação da França Antártica no Rio de Janeiro.
Esses problemas foram solucionados pelo terceiro governador-geral, Mem de
Sá (1558-1512). Com ele, finalmente, se consolidou o governo-geral e os franceses
foram expulsos.
Predomínio dos poderes locais – Todavia, apesar da tendência centralizadora do
governo-geral, a centralização jamais foi completa na colônia. Vários obstáculos
podem ser mencionados.
O primeiro deles estava na própria característica
econômica da colônia. A sua economia era de exportação, voltada para o mercado
externo. O comércio entre as capitanias era praticamente nulo. Além disso, as vias de
comunicação inter-regionais eram inexistentes ou muito precárias.
Daí a predominância dos poderes locais representados pelos grandes
proprietários. Até meados do século XVII, as câmaras municipais eram ocupadas e
dominadas por esses grandes proprietários, que se autodenominavam "homens
bons".
Evolução administrativa ate 1580 – D. Luís Fernandes de Vasconcelos, nomeado
sucessor de Mem de Sá foi atacado por piratas franceses que impediram a sua
chegada ao Brasil.
Nessa época, a preocupação com a conquista do Norte fez com que o rei de
Portugal, D. Sebastião (1557 - 1578), dividisse, em 1572, o Brasil em dois governos.
O norte ficou com D. Luís de Brito e Almeida e o sul com Antônio Salema tendo como
capitais, respectivamente, a Bahia e o Rio de Janeiro
Em virtude do tamanho do Brasil, almejava-se com essa divisão maior
eficiência administrativa. Entretanto, como esse objetivo não fora alcançado, a
administração foi reunificada em 1578. O novo governador nomeado, Lourenço da
Veiga, governou de 1578 a 1580. Nesta última data, Portugal foi anexado pela
Espanha, dando origem à União Ibérica, que perdurou de 1580 a 1640.
A Base Econômica da Colonização
O Açúcar – Ao contrário dos espanhóis, os portugueses não tiveram a sorte de topar,
logo de inicio, com minas de metais preciosos. Por isso, a fim de não perderem a
posse da terra, foram forçados a optar pela colonização de base agrícola. E nisso
Pernambuco foi um importante modelo.
Os portugueses não eram propriamente inexperientes na cultura açucareira
pois já a praticavam nas ilhas do Atlântico (Açores e Cabo Verde).
O açúcar é de origem indiana. Na época das Cruzadas ele foi introduzido na
Europa e chegou a ser produzido, embora em escala modesta, na Sicília (sul da
Itália). Trazido da Índia, o açúcar es distribuído por Veneza. Devido á sua raridade e
ao seu elevado preço, o açúcar era comprado e consumido em pequenas
quantidades.
A grande revolução no mercado açucareiro ocorreu com a produção das ilhas
do Atlântico, cuja distribuição na Europa foi dada à Holanda, que, assim, quebrou o
monopólio veneziano. É nesse contexto que irá se dar a produção brasileira.
Forma de ocupação da terra: a grande propriedade – Desde a instalação das
capitanias hereditárias, os donatários estavam obrigados a distribuir terras para
promover o povoamento e iniciar a valorização econômica da colônia. Dava-se o
nome de sesmarias às terras assim distribuídas. Ao sesmeiro (quem recebia a
sesmaria) cabia a propriedade plena da terra, sem nenhum vínculo de dependência
pessoal. Assim, o falo de receber uma sesmaria do donatário não convertia ninguém
em vassalo desse donatário, como era comum no regime feudal.
Era dever do sesmeiro ocupar efetivamente a terra e fazê-la produzir no prazo
máximo de cinco anos. O não-cumprimento dessa cláusula implicaria uma multa e,
em caso extremo, na perda da sesmaria. Por isso, a sesmaria era concedida apenas
àqueles que comprovassem dispor de recursos suficientes para tornar a terra
produtiva.
Uma sesmaria tinha em médIa uma a quatro léguas (entre 6 e 24 quilômetros)
e através dela a Coroa esperava atrair pessoas de posse e povoadores. E, de fato, os
sesmeiros transformaram-se na camada dominante colonial dos "homens bons".
O engenho como unidade produtora – O engenho não era apenas o local de fabrico
do açúcar. Por esse termo entendia-se a grande Iavoura, que era uma unidade
produtora típica da colônia, em que se produzia não apenas o açúcar, mas tudo mais
de que se necessitava.
De acordo com Antonil – jesuíta do inicio do século XVIII –, havia dois tipos de
engenho: os engenhos reais, movidos á água, e os trapiches, que utilizavam tração
animal (cavalos e bois).
O engenho era composto por casa-grande, senzala, casa do engenho e capela.
A casa-grande era a residência do senhor de engenho. A senzala era a
habitação dos escravos. Um engenho de porte médio contava com cinqüenta
escravos; nos grandes, a cifra subia para algumas centenas.
Muitos engenhos possuíam destilarias: local de produção de aguardente usada
no escambo de escravos na África. Alguns existiam exclusivamente para esse fim: as
engenhocas ou molinetes, de proporções menores e menos dispendiosas.
As terras do engenho eram formadas por canaviais, pastagens e áreas
dedicadas ao cultivo de alimentos. A parte destinada ao cultivo da cana era dividida
em partidos, explorados ou não pelo proprietário.
No segundo caso, as terras eram cedidas aos lavradores, que eram obrigados
a moer sua produção no engenho do proprietário. Eram as chamadas fazendas
obrigadas, nas quais o lavrador recebia apenas a metade da sua produção em açúcar
e ainda pagava o aluguel pela utilização da terra.
Existiam também os lavradores livres, proprietários de suas próprias terras, que
moíam a sua cana em qualquer engenho, mas ao preço de deixar nas mãos do
senhor de engenho a metade do açúcar produzido.
Os lavradores livres e de fazendas obrigadas não eram camponeses, mas
senhores de terras e escravos e, como tais, pertenciam à camada dominante da
sociedade.
Especialização da economia: a monocultura – A agricultura canavieira tinha um
caráter extensivo: o seu crescimento se dava pela incorporação de novas terras de
cultivo e não
pela melhoria técnica.
A economia colonial, especializada na produção açucareira, era dependente
dos estímulos externos, que faziam contrair ou expandir as áreas de cultivo. Nos
períodos em que o mercado europeu mostrava-se particularmente favorável, a
totalidade da área de cultivo era ocupada pelo canavial e toda energia voltava-se para
o trabalho do setor principal, abandonando-se muitas vezes a cultura de subsistência.
Esse fenômeno possibilitou o
surgimento de uma agricultura que passou a
fornecer, nessas circunstâncias, os produtos alimentares aos moradores dos
engenhos. A base desse setor de subsistência era a mandioca.
Ao mesmo tempo, desenvolvia-se a pecuária, cuja origem remontava ao
governo de Tomé de Sousa, que trouxe algumas cabeças de gado e continuou a
importá-las de Cabo Verde. Primitivamente o gado era utilizado como força de tração
e transporte. Tração nos engenhos trapiches e transporte de lenha para os fornos e
das caixas de açúcar até os locais de
embarque. Com o gradual aumento do
rebanho, o gado começou a ser utilizado também como fonte de alimentação.
De inicio, o gado criado no próprio engenho. Com a multiplicação do rebanho, o
senhor de engenho foi obrigado a separar o gado do canavial e, na etapa seguinte, a
pecuária tornou-se uma atividade independente do engenho. Os seus criadores
penetraram no sertão em busca de pasto. Saindo da Bahia e de Pernambuco,
seguindo sempre as margens dos rios, o gado tomou duas direções: uma delas para o
sul, pelo rio São Francisco em direção a Minas Gerais, e a outra para o norte, através
de vários rios, atingindo o Maranhão.
A atividade criatória teve, assim, importantes conseqüências para a colônia, ao
estimular a penetração no sertão nordestino, interiorizando o processo colonizador.
Constituição do Escravismo Colonial
O primado da fé – No século XVI, quando teve início o povoamento do Brasil, a
sociedade portuguesa era ainda estamental. Aceitava-se, por principio, a sua divisão
em nobres e plebeus. Os povoadores que aqui chegaram, em sua maioria de origem
plebéia, viam a nobreza como modelo ideal e aspiravam atingir no Brasil essa
condição.
Assim, na época em que se iniciava a colonização, os povoadores tinham
como valores a fé, a honra e o interesse, nessa ordem. A fé era representada pela
Igreja e pelo clero. A honra, pela nobreza. E o interesse, pelos comerciantes. A busca
do interesse próprio, ou lucro, não deveria estar acima da fé e da honra. Exemplo: se
um povoador escravizasse os índios buscando explorá-los sem se preocupar em
cristianizá-los, e através da riqueza assim obtida procurasse igualar-se à nobreza,
esse povoador seria considerado um homem cobiçoso. O interesse convertia-se, em
tal circunstância, em cobiça – que era tida como um vício muito grave.
Oficialmente,
o
povoamento
do
Brasil
não
fui
encarado
como
um
empreendimento comercial. D. João III (1521-1557) disse, aliás claramente, que "a
principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para [que
a] gente dela se convertesse à nossa santa fé". Manuel da Nóbrega, numa carta a
Tomé de Sousa, escreveu que a intenção de D. João III não foi povoar tanto por
esperar da terra ouro nem prata que não os tem, nem tanto pelo interesse de povoar e
fazer engenhos, nem por onde agasalhar os portugueses que lá em Portugal sobejam
e não cabem, quanto por exaltação da fé católica e salvação das Almas".
Essas seguidas declarações não oram palavras vazias, Os jesuítas colocaramnas em prática.
Jesuítas contra povoadores – Os jesuítas levaram a sério o caráter missionário
que o rei de Portugal quis imprimir ao povoamento do Brasil. Com isso, muito cedo os
jesuítas chocaram-se com os povoadores na questão da escravização do indígena.
Para se compreender a posição dos jesuítas, é preciso analisar com muita
atenção os seus objetivos.
Os jesuítas não eram contrários à escravização do índio, mas se opunham à
sua escravização indiscriminada, como pretendiam os colonos.
Para os jesuítas, a escravidão deveria ter um objetivo religioso e não
econômico. Escravizar para cristianizar e não para obter apenas lucro. E, como os
colonos pretendiam escravizar os índios tendo em vista exclusivamente o próprio
interesse, tal atitude foi interpretada pelos jesuítas como expressão da cobiça que
eles condenavam.
Porém, para cristianizar os índios, os jesuítas compreenderam muito
rapidamente que, antes, era preciso dominá-los, através de meios violentos se fosse
preciso.
O rei de Portugal colocou-se, em princípio, a favor dos jesuítas, pois a
escravização indiscriminada dos índios pelos colonos era muito arriscada: a ameaça
constante de revolta dos índios aconselhava prudência.
Manter tanto quanto possível não só os índios mas também os povoadores em
paz e ordem, a fim de que os indígenas participassem do comércio e, finalmente, se
convertessem à fé católica, vinha a ser o objetivo último e declarado do Estado
português
Como os jesuítas, o rei não era contrario à escravidão, Concordou que a
escravização se limitasse aos índios hostis e inimigos aprisionados em “guerra justa”.
E chamava-se "guerra justa" a que fosse feita com a som autorização. Os índios
aliados foram declarados livres e os cristianizados não podiam ser escravizados.
Todavia. em reconhecimento à necessidade de braços para a lavoura, a
legislação foi várias vezes alterada, mas permaneceu o fato de que o Estado
estabelecia, de um modo ou de outro, restrições a livre escravização dos índios.
Os colonos sempre encontraram meios para burlar a legislação e escravizar ou
manter no cativeiro os índios protegidos por lei. Mas a verdade é que a atuação
enérgica dos jesuítas e as restrições legais continuaram como obstáculo perturbador
aos objetivos dos colonos.
Apesar de tudo, o trabalho indígena foi amplamente utilizado no processo de
montagem da economia açucareira. À medida que essa economia começou a se
expandir,
ampliou-se
constantemente
a
necessidade
de
mão-de-obra,
cujo
fornecimento requeria alguma regularidade.
Tudo isso acabou pesando na decisão de substituir o índio pelo africano.
O tráfico negreiro – Estabelecer regras claras e restritivas de acesso à mãode-obra indígena tinha o sentido de refrear a cobiça dos povoadores, entendendo-se
por isso o estabelecimento de limites para a ação econômica, a fim de que o amor a
Deus não fosse substituído pelo amor à riqueza.
A solução para esse problema, que obstruía os interesses dos colonos, mas
também da burguesia comercial metropolitana, foi o tráfico negreiro, que articulou os
interesses de ambos.
Mais ainda: o tráfico negreiro solucionou o problema em todas as frentes.
Trazendo da África os trabalhadores necessários para o engenho, retirou-se dos
jesuítas o principal de seus argumentos contra a escravização. O Estado português,
por sua vez, abandonou a sua política indigenista em favor de uma política colonial.
De início, o tráfico negreiro era feito sob direta administração da Coroa ou
mediante venda de licenças a particulares, cobrada segundo uma taxa estipulada por
„peça‟ de escravos, ou, ainda, pelo arrendamento de áreas definidas. Porém, a Coroa
não se empenhou nunca, com seriedade, em tomar a si o encargo de traficar
diretamente, de maneira que esse comércio sempre esteve sob a iniciativa de
particulares, destacando-se os portugueses de ascendência judaica.
Convém observar, entretanto, que o tráfico de escravos existiu em Portugal em
período bem anterior a colonização do Brasil. Os dados cronológicos variam, mas
sabe-se que em 1448 já havia um comércio regular de escravos em Portugal. Mais
tarde, escravos foram vendidos também na Espanha.
Na África, as áreas de procedência dos negros os subdividiam em dois grandes
grupos étnicos: os bantos, capturados na África equatorial e tropical, na Guiné, no
Congo e em Angola, e os sudaneses, da África oriental, do Sudão, do norte da Guine
e de Moçambique.
Entre os anos 1580 e 1590 existiam perto de 10 mil escravos africanos em
Pernambuco e 4 mil na Bahia. Entre 1500 e 1600, o número total de africanos no
Brasil não ultrapassava 50 mil. No século XVII, o número elevou-se para 560 mil e no
século seguinte já eram 1 891 400 escravos africanos. Entre 1811 e 1870 a cifra caiu
para 1 145 400, totalizando 3 646 800 escravos africanos trazidos ao longo de todo o
período colonial. Até 1640, os portugueses eram virtualmente os donos absolutos do
tráfico, quando então holandeses, ingleses e franceses entraram no negócio.
A substituição do escravo índio pelo africano ganhou impulso no final do
governo de Mem de Sá, por volta de 1570, e já em 1630 tinha se tomado tem
processo irreversível.
Escravismo colonial – À medida que o tráfico negreiro se intensificou e se
transformou num elemento estrutural da colonização, a escravidão foi se convertendo
em escravismo, portanto num sistema.
O escravismo colonial, diferentemente do escravismo antigo, greco-romano,
foi estruturalmente mercantil, porque a produção açucareira estava voltada ao
mercado, almejando o lucro. Os escravos eram produtores de mercadorias a serem
vendidas pelos senhores de engenho.
Por outro lado, o próprio escravo era adquirido através do comércio entre
senhores de engenho e traficantes que pertenciam a burguesia metropolitana.
Portanto, o escravismo colonial estruturou-se como sistema integrando três
camadas sociais: o escravo, o senhor de engenho e a burguesia metropolitana, na
qual se inclui o traficante de escravos.
Como o próprio nome indica, o escravismo colonial é um sistema que se
baseia numa dupla exploração: a escravista e a colonial. E, conforme se observa no
esquema:
A exploração escravista refere-se à exploração dos senhores de engenho sobre os
escravos. Teoricamente, os grandes beneficiários seriam os senhores de engenho.
Ocorre, entretanto, que, tendo a exploração um caráter colonial, a maior parte da
riqueza acabava se transferindo para as mãos da burguesia mercantil e, também,
para o Estado metropolitano.
O sistema colonial – A relação comercial entre Brasil e Portugal foi regulamentada
pelo Estado, de acordo com o espírito mercantilista. A mais importante medida
estabelecida pelo rei foi o exclusivo metropolitano, conforme expressão da própria
época, que obrigava o Brasil a fazer o comércio “exclusivamente” com Portugal.
Privado assim da liberdade comercial, os senhores de engenho eram forçados
a vender a sua produção açucareira aos comerciantes portugueses e a comprar
deles, com exclusividade, as suas manufaturas.
A principal conseqüência disso foi que a burguesia metropolitana tinha
condições de impor tanto o preço de compra do açúcar, quanto o de venda de seus
produtos manufaturados. Desse modo, ocorria uma dupla exploração colonial: a
burguesia metropolitana comprava o açúcar a preço abaixo do mercado e vendia os
seus produtos a preços acima do mercado. Por fim, esse mesmo açúcar era
revendido tanto em Portugal quanto na Europa a preço de mercado, elevando ainda
mais o lucro dos comerciantes portugueses.
Portanto, o que chamamos de escravismo colonial era um sistema complexo
de dominação composto, essencialmente, pelos seguintes elementos: exploração
escravista e expropriação colonial apoiadas pela dominação política.
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