PENTECOSTES 2015
O Espírito Santo vem em auxílio da nossa fraqueza... (Rom 8,26)
O teólogo americano David Tracy escreveu que “nunca se dá uma autêntica revelação da verdade
que não seja igualmente transformadora.” Por outras palavras, não podemos verdadeiramente
encontrar Deus – seja na oração seja no rosto dos pobres ou nos acontecimentos da nossa
própria vida – e permanecermos fechados à mudança. Ao fim e ao cabo, a transformação
pessoal é a prova da autenticidade do nosso encontro com Deus.
Exemplo fascinante é o do nosso Papa Francisco. Paulo Vallely, no seu livro provocador, Pope
Francis – Untying the Knots descreve a evolução notável de Jorge Bergoglio, desde que, como
sacerdote conservador, politica e religiosamente falando, oferecendo resistência às mudanças
radicais apontadas pelo Vaticano II para revitalizar a Igreja, adiando a sua adesão à Teologia
da Libertação, nessa altura em voga na América Latina e centrada na opção pelos pobres, até
que, como Papa, sacode uma Igreja fechada sobre si, complacente, para fazer dela “uma Igreja
que seja pobre para os pobres.” Esta transformação radical, depois de um período difícil da
sua vida anterior como jesuita, segundo Vallely, deve-se às longas horas de oração pessoal
que são parte integrante do seu dia a dia. Vallely vê nele “uma pessoa que sofreu uma profunda
transformação, senão mesmo uma conversão religiosa, que imprimiu nele mudanças profundas e
duradoiras de mentalidade, como pessoa e como político… um homem que se tornou consciente das
suas fragilidades e descobriu, através da oração prolongada, uma estratégia para lidar com elas.”
Apesar da sua agenda apertada, o Papa Francisco continua a dedicar duas horas diárias à
oração pessoal, e da qual nos fala assim: “A oração deveria ser uma experiência que abre caminho à
obediência, uma vez que a nossa pessoa toda é absorvida pela presença de Deus… É então que o diálogo
acontece: ouvimos e deixamo-nos transformar. Olhamos para Deus, mas sobretudo sentimos que Ele olha
para nós… Algumas vezes até me deixo dormir, ali sentado, permitindo simplesmente que Ele olhe para
mim. Tenho a sensação de estar nas mãos de outrem, como se Deus me levasse pela Sua mão.”
Francisco Libermann partilhou experiências muito semelhantes sobre a simplicidade da oração,
a sua importância e o seu poder transformador: “Tornai a vossa oração o mais simples possível,”
escreveu ele a M. Colin em 1845, “Não te preocupes com amontoar muitas ideias ou seguir o método
de S. Sulpício demasiado à risca. A tua oração deveria consistir simplesmente em estar aí, na presença de
Nosso Senhor na humildade e na paz” (N.D. VIII, 37-38). A experiência pessoal de Libermann
ensinou-lhe que as pessoas não se podem encaixar numa estrutura rígida; o Espírito Santo é
quem nos conduz a cada um de acordo com a sua maneira de ser, o seu temperamento, os seus
dons e as suas limitações. Foi Deus quem nos fez como somos e nós temos de encontrar o
caminho que nos liga a Ele, o nosso estilo pessoal e único de oração. Uma intuição muito sua é
que Deus sempre vem ao nosso encontro na realidade da nossa situação. Deus sempre nos
encontra lá onde nós estamos. Na oração, Deus é quem toma a iniciativa; a nossa tarefa é
simplesmente descobrir o caminho que Ele nos convida a tomar.
Para Libermann, a oração pode definir-se simplesmente como atenção amorosa a Deus. O amor
é a medida da qualidade da nossa oração; a nossa atenção a Deus é o que distingue a oração de
todas as outras atividades. Embora fosse consciente das dificuldades do clima, do cansaço a
que estavam sujeitos os seus primeiros missionários em África, Libermann sempre insistiu na
necessidade de uma hora pessoal de oração diária, quaisquer que fossem as pressões do
trabalho pastoral, ou até tivesse a sensação de que o tempo gasto na oração era inútil: “É custoso
ficar aí durante bastante tempo, em oração, quando estamos preocupados com tantos afazeres durante o
dia. Estes afazeres invadem a nossa oração; o tempo do fim da oração aproxima-se e somos inclinados a
dizer que perdemos uma hora da nossa manhã. Sou tentado a dizer a mim mesmo que poderia usar esse
tempo de maneira mais útil do que lutar contra as distrações … mas se pensamos assim, estamos muito
enganados” (N.D. VIII, 398: Carta à comunidade de Dakar, 1846).
Libermann estava convencido do valor da oração porque estava convencido de que a oração
nos transforma gradualmente, ou melhor, Deus, pouco a pouco, transforma-nos através da
oração, modelando-nos até sermos a pessoa que Ele nos chama a ser. Libermann sublinha que a
oração proporciona-nos descobrir a ação de Deus mais claramente nas nossas vidas e na vida
dos outros, a olhar para nós e para os outros com os olhos de Deus; a oração ajuda-nos a vencer
as nossas faltas e fraquezas, libertando-nos das nossas compulsões e da supersensibilidade que
nos engana e prejudica; a oração capacita-nos, gradualmente, para aceitarmo-nos a nós mesmos
com as nossas limitações e aceitar os outros com paciência, delicadeza e paz. Libermann
aprendeu tudo isto com a sua experiência pessoal. A fundação e desenvolvimento da nova
Sociedade reclamou muito do seu tempo e da sua energia, ao mesmo tempo que tinha de
enfrentar uma saúde abalada, a crítica e a incompreensão dos outros e a evidência da
realidade do seu fracasso. Havia ocasiões em que admitiu sentir-se baralhado com tudo isso.
A prática de ‘examinar tudo diante de Deus’, de gastar tempo com Deus, cada dia, quaisquer
que fossem as exigências do trabalho, essa prática ajudou-o a colocar cada coisa no seu lugar e
deu-lhe energia para continuar. Foi na oração que encontrou luz, paciência e serenidade.
“Ação profética é o rosto visível do misticismo,” escreveu a Irmã Sandra Schneiders. “ Só uma vida de
contemplação cada vez mais profunda pode guardar o profeta sintonizado com o sonho de um Deus que
sofre pela humanidade e pelo mundo.” Finalmente, o encontro com Deus na oração levou Jorge
Bergoglio e Libermann ao amor profundo pelos pobres, à partilha de uma visão do mundo
tendo por base a perspetiva dos marginalizados e excluídos e um compromisso profundo pela
criação de um mundo mais igual onde a dignidade de todos seja respeitada e estimada. “Se
estiverdes cheios do amor de Deus… sentir-vos-eis profundamente chocados à vista da miséria das gentes
entre as quais viveis; por conseguinte tal visão estará nos vossos pensamentos sempre, de dia e de noite;
sentir-vos-eis enjoados até à exaustão. Pedireis a Deus que vos ilumine e as abençoe a elas, haveis de
procurar a maneira de tirá-las da cegueira e certamente encontrareis muitíssimos modos de fazer bem a
essas almas…” (Regra Provisória, 'Capítulo 10, Artigo VIII, Glossa).
Por conseguinte, para nós, Espiritanos, a oração não pode ser uma atividade periférica,
relegada para momentos livres, dentro de um horário já bem cheio. A oração está no coração
mesmo da nossa missão de serviço aos pobres nos passos dos nossos Fundadores. “Cultivemos a
dimensão contemplativa, mesmo na barafunda dos deveres mais pesados e urgentes. Quanto mais a
missão te chamar para sair para as periferias da existência, tanto mais deves deixar que o teu coração
permaneça unido ao Coração de Cristo, cheio de misericórdia e amor,” exorta-nos o Papa Francisco.
Que o Espírito do Pentecostes, venha em ajuda da nossa fraqueza quando não soubermos orar
como deveríamos. Que o Espírito continue a modelar a nossa vida pessoal e comunitária (RVE
10), nos conduza pelos novos caminhos da missão (RVE 85) e nos capacite para escutar a sua
voz quando nos fala pela Igreja, pelo meio humano e pelo mundo em que vivemos (44.1).
John Fogarty, C.S.Sp.
Superior Geral
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