Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
RELATÓRIO PROVISÓRIO DO ESTUDO
SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO E INCLUSÃO LABORAL:
O VALOR DO TRABALHO E DAS RELAÇÕES
POAT/80740/2013
OUTUBRO 2013 – JUNHO DE 2015
1
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Índice
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 4
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Situação de sem-abrigo: múltiplas dimensões conceptuais e factores constituintes ....................... 5
Influência de fatores estruturais na situação de sem-abrigo ......................................................... ..10
Pobreza e exclusão social: entre novos e velhos problemas sociais……………………………………………..11
Processos de entrada, manutenção e saída da situação de sem-abrigo ………………………………………14
Trabalho como Prioridade de Intervenção ………………………………………………………………………………….21
METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA APLICADA
Questionário por inquérito ………………………………………………………………………………………………………..26
Entrevista semi-estruturada ………………………………………………………………………………………………………27
Análise dos resultados do estudo quantitativo ………………………………………………………………………….29
Síntese dos resultados do estudo quantitativo ………………………………………………………………………….63
Análise dos resultados do estudo qualitativo …………………………………………………………………………….65
Síntese da análise dos resultados do estudo qualitativo …………………………………………………………….95
CONCLUSÕES GERAIS ……………………………………………………………………………………………………………………100
LIMITAÇÕES DO ESTUDO ………………………………………………………………………………………………………………101
RECOMENDAÇÕES ………………………………………………………………………………………………………………………..102
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ……………………………………………………………………………………………………..104
2
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
RESUMO
A ausência de estudos científicos sobre as dinâmicas laborais e a problemática da situação
de sem-abrigo em Portugal, assim como a perceção da complexidade e multidimensionalidade do
fenómeno para uma efetiva compreensão científica e social do mesmo, encontram-se na base do
estudo Situação de Sem-Abrigo e Inclusão Laboral: o valor do trabalho e das relações realizado em
Coimbra, Aveiro, Vila Nova de Gaia e Porto entre 2013 e 2015. Os resultados obtidos de dois estudos
de vertente quantitativa e qualitativa, derivados da aplicação de 172 questionários e de 14
entrevistas em profundidade a pessoas em situação de sem-abrigo, permitem concluir que o
trabalho constitui, para as pessoas que vivenciam esta situação, a principal ferramenta de promoção
da autonomia e independência e, por conseguinte, de efetiva integração social. Acresce que os seus
processos de mudança, assim como os seus objetivos de vida e perspetivas de futuro são
construídos em torno da inclusão laboral. Por outro lado, as relações com os profissionais das
instituições de apoio são destacadas como as mais influentes, caraterizando-se estes como as figuras
mais significativas neste período das suas vidas. A percepção da indispensável participação ativa de
diferentes interventores (políticos, sociais e comunitários) obriga a uma revisão transversal dos
atuais modelos de intervenção assistencialista na senda da capacitação das pessoas em situação de
sem-abrigo para uma efetiva inclusão social e laboral, através do desenvolvimento de estudos mais
aprofundados e aplicação de programas de apoio específicos direcionados a diferentes grupos.
3
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
INTRODUÇÃO
A evolução e complexidade da problemática de sem-abrigo em Portugal merecem a
atenção de estudos científicos focados na compreensão da sua multidimensionalidade visando a
aplicação dos seus resultados para a adequação e aperfeiçoamento das políticas sociais
implementadas a nível local e nacional. Os parcos estudos nacionais sobre a relação da problemática
e do valor do trabalho e das relações nas pessoas que experienciam a situação de sem-abrigo – uma
vez que incidem maioritariamente em relações de vinculação (Barreto, 2000), caracterização da
problemática (Bento & Barreto, 2002), percursos escolares (Bastos, 2011) ou doença mental nesta
população em específico (Carrinho, 2012), para nomear alguns – vêm confirmar a necessidade
imperativa de uma análise das perspetivas dos indivíduos em estudo no sentido de uma efetiva
estruturação das metodologias de intervenção e definição de políticas sociais de combate ao
desemprego e à exclusão social e laboral.
Seguindo esta premissa desenvolveu-se um estudo inovador no panorama científico nacional
ao possibilitar a análise dos valores do trabalho e das relações em pessoas que experiencia(ram) a
situação de sem-abrigo, confluindo as vertentes quantitativa e qualitativa da investigação realizada.
Deste modo, procurou-se compreender a relação entre os fatores conducentes e de manutenção da
situação de sem-abrigo (dos quais se podem destacar as ruturas familiares e sociais e/ou o
desemprego) e as perceções que as pessoas que vivenciam esta situação assumem sobre o trabalho
e as relações interpessoais e, por fim, a influência de tais perceções na participação ativa dos atores
em estudo na sua inclusão social e profissional. Respeitando uma abordagem holística e
compreensiva do fenómeno, defendida por investigadores de diferentes áreas científicas (Pleace,
2000) e tendo em conta as diretrizes europeias e nacionais de combate à pobreza, exclusão social e
desemprego, este estudo reconhece a necessidade de aprofundar conhecimentos sobre a influência
do desemprego e a falta de ocupação laboral e formativa nas pessoas em situação de sem-abrigo, no
contexto de exclusão social em que vivem e nas dificuldades de acesso a condições de vida dignas.
Neste sentido e, procurando um robustecimento científico de influência prática, o estudo
realizou-se em quatro cidades portuguesas: Coimbra, Aveiro, Porto e Vila Nova de Gaia, abarcando
172 pessoas em situação de sem-abrigo (144 homens e 27 mulheres) que participaram no
preenchimento do questionário por inquérito e 14 pessoas na mesma situação que colaboraram
através de um processo de entrevista. A aplicação dos questionários e a realização das entrevistas
possibilitaram a mobilização de 20 instituições públicas e privadas que disponibilizam apoio social a
pessoas em situação de sem-abrigo, exclusão social e pobreza, através da seleção de participantes e
disponibilização de espaços para a administração dos instrumentos de investigação.
4
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Situação de sem-abrigo: múltiplas dimensões concetuais e factores constituintes
Assistiu-se, ao longo da primeira década do século XXI, a um interesse global crescente a
nível académico e científico sobre a problemática da situação de sem-abrigo (Anderson, 2003). A sua
compreensão obriga a olhar sob diferentes perspetivas todas as dimensões que constituem este
fenómeno. Porém, a complexidade que lhe é própria dificulta esta tarefa, começando pela própria
definição de sem-abrigo. No âmbito dos diversos trabalhos produzidos, permanece ainda a
dificuldade em encontrar uma definição de sem-abrigo que englobe a diversidade de dimensões,
fatores e mecanismos transversais às circunstâncias de cada situação, e, assim, a dificuldade em
desocultar as causas estruturais do fenómeno, indo para além dos seus efeitos mais superficiais e
visíveis. Este passo significaria avançar para além de atuais definições, baseada unicamente na
ausência ou perda de habitação adequada.
A discussão sobre o conceito atravessa todos os estudos existentes na área e a necessidade
de clarificar este construto limita a própria compreensão na medida em que os diversos autores
identificam diferentes medidas de análise e priorizam um fator sobre outro na explicação do
conceito, de acordo com o enfoque do seu trabalho. De entre estes fatores, destacam-se a ausência
de habitação (Muñoz & Vázquez, 1998; Bento & Barreto, 2002) como fator principal, não
desvalorizando a importância de uma noção abrangente do conceito, uma vez que associado à
ausência de habitação encontram-se diversas lacunas de direitos essenciais à dignidade humana.
Outros enfocam a problemática no âmbito da exclusão social o que direciona a sua leitura para uma
perspetiva em termos de intervenção social (Menezes, 2012).
Paralelamente, a diversidade de fatores implicados na problemática em estudo espelha
igualmente as dificuldades de definição de sem-abrigo, dada a sua complexidade e multiplicidade de
dinâmicas e interações de diferentes elementos. As definições que os diferentes países ocidentais
defendem refletem, na sua maioria, o panorama político e cultural da época que se subordina, por
sua vez, às abordagens teóricas e práticas vigentes.
No âmbito científico, as múltiplas (in)definições do construto de sem-abrigo, associadas aos
locais escolhidos para recolha de participantes nos estudos (existe o risco de exclusão de aqueles
que não frequentam esses locais ou não recorrem a serviços de apoio, o que dificulta uma noção
exacta do número de pessoas em situação de sem-abrigo) e a outras caraterísticas relacionadas com
a problemática e que condicionam o processo de recolha de dados (e.g. doença mental e
dependência de substâncias psicoativas), conduzem a variadas limitações dos estudos existentes na
área e dificultam a comparabilidade dos seus resultados (Vásquez & Muñoz, 2001).
Estas
condicionantes, associadas às diferenças entre as várias definições aplicadas (embora a construção
5
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
de uma visão mais completa só poderá surgir do esforço de congregar o que é complementar nessa
diversidade), limitam a adequada caraterização e compreensão da população sem-abrigo e,
consequentemente, dificultam a elaboração de planos estratégicos adequados e o desenvolvimento
de instrumentos de intervenção e ação eficazes. Neste sentido, a clarificação do conceito de semabrigo e o entendimento da sua prevalência (Minnery & Greenhalgh, 2007) e dimensões
subjacentes, são essenciais para que as estratégias de intervenção dirigidas a esta problemática
possam surtir efeitos transformativos, isto é, atuantes ao nível das suas causas estruturais.
Com o objectivo de abranger as diferentes e complexas situações de sem-abrigo e exclusão
habitacional, a F.E.A.N.T.S.A. – Fédération Européenne d’Associations Nationales Travaillant avec les
Sans-Abri desenvolveu uma definição de sem-abrigo (ETHOS1 – European Typology on Homelessness
and Housing Exclusion) (FEANTSA, 2005) que considera as realidades analisadas em diferentes países
europeus, especificamente no que respeita às diferentes situações de habitação. Neste sentido, a
tipologia proposta pretende promover o debate sobre a problemática e servir de ferramenta de
base para o desenvolvimento de políticas e trabalhos de investigação. A sua concepção abrangente
baseia-se no pressuposto que a situação de sem-abrigo não é um fenómeno estático, mas sim um
processo que afeta várias pessoas e famílias, em situação de vulnerabilidade, em diferentes
momentos das suas vidas.
Considerado um passo sem precedentes em Portugal, a Estratégia Nacional para a
Integração de Pessoas Sem-Abrigo – ENIPSA (2009) surgiu, em grande parte, pela insistência da
União Europeia na necessidade em definir e implementar políticas especificamente direcionadas à
população sem-abrigo e na importância de quebrar ciclos ineficazes de intervenções
assistencialistas. Com a (tentativa de) implementação nacional da ENIPSA, a problemática de semabrigo emerge, finalmente, como objeto de discussão pública, em espaços institucionais e sedes
políticas, num país onde o Estado teve, até então, um papel marginal no que toca a orientações
políticas específicas nesta área. Este movimento permitiu o (re)equacionamento das estratégias de
intervenção utilizadas até então, de forma geral pautadas por medidas fragmentadas, desarticuladas
e com caráter de emergência, serviços prestados principalmente por instituições privadas de
solidariedade social e Organizações Não Governamentais (Baptista, 2009).
De fato, apesar do inegável desenvolvimento e expansão do sistema público de segurança
social conquistado na segunda metade da década de 90, traduzido numa melhoria generalizada das
condições de vida e da proteção social oferecida aos cidadãos (Gonçalves, 2002), do investimento do
1
São quatro as categorias da ETHOS:
1.
Sem Tecto: pessoas que vivem em espaços públicos ou que pernoitam em abrigos de emergência;
2.
Sem Casa: pessoas que vivem em acolhimento temporário.
3.
Habitação Insegura: pessoas que vivem em situação de habitação precária (e.g. a viver com amigos ou familiares sem opção de habitação própria), arrendamentos ilegais
e situações de violência doméstica;
4.
Habitação Inadequada: pessoas que vivem em estruturas não adequadas para habitação (e.g. sem condições de habitabilidade).
A sua definição considera as situações de sem-abrigo e exclusão habitacional, defendendo que a separação destas dimensões depende das abordagens que cada contexto nacional
assume, podendo as situações de exclusão habitacional (habitação insegura e habitação inadequada) serem ou não consideradas como situação de sem-abrigo.
6
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Estado na construção de novos equipamentos, na criação de medidas e instrumentos políticos de
combate à pobreza e exclusão, e do esforço de articulação entre políticas sociais e económicas
(Capucha, 2002), Portugal não foi capaz de consolidar os progressos alcançados, nem em reverter o
agravamento das desigualdades e dos problemas sociais que o continuam a marcar. A permanência
desta situação (em cerca de 20 anos de criação de programas de luta contra a pobreza, a taxa de
pobreza anual tem-se mantido na ordem dos 20%) permite questionar se “o problema não está no
que se faz, mas no que fica por fazer” (Bruto da Costa, Baptista, Perista & Carrilho, 2012 p.197).
Com a implementação da ENIPSA, Portugal estipulou uma definição oficial de pessoa em
situação de sem-abrigo 2 influenciada pela abordagem da F.E.A.N.T.S.A. Logo, a ausência de
habitação condigna está na base das suas linhas orientadoras de avaliação e intervenção,
considerando a garantia do acesso à habitação como primordial para a redução do número de
pessoas nesta situação, tal como preconizado na Constituição da República Portuguesa (1976) e na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Considerando a problemática como um processo
abrangente, não limitado às pessoas que vivem na rua, e para o qual confluem diversos fatores
(doença mental, desemprego, falta de habitação, problemas de ordem social, económica e familiar),
a ENIPSA foca-se na importância de abranger diferentes atores sociais num funcionamento
interventivo em rede.
Com um plano de ação para o período entre 2009 e 2015, aponta a utilidade da articulação e
potenciação dos recursos existentes como medida eficaz para evitar a sobreposição e duplicação de
esforços e os seus efeitos perversos, principalmente no que respeita à manutenção e persistência da
problemática (ENIPSA, 2009).
Embora assuma uma abordagem dinâmica, esta Estratégia Nacional peca por não
reconhecer as dimensões de habitação insegura e habitação inadequada (destacadas na ETHOS da
FEANTSA) para uma avaliação e intervenção preventiva das efetivas situações de sem-abrigo. Ao não
estabelecer critérios específicos para a definição de situações de exclusão habitacional duplica-se a
exclusão daqueles que se encontram em graves situações de vulnerabilidade habitacional e social
pois, uma vez que não reúnem as condições formais de integração em programas de intervenção,
ficam condenados à invisibilidade perante as políticas sociais. Ao limitar a situação de sem-abrigo a
situações de sem-tecto e sem-casa limitam-se igualmente as metodologias para levantamento
estatístico representativo das situações a nível nacional e, por conseguinte, as directrizes
interventivas que daí possam resultar.
2
A definição de pessoa sem-abrigo defendida pela ENIPSA (2009) estipula que uma pessoa, independentemente da sua nacionalidade, idade, sexo,
condições socioeconómica e de saúde física e mental, é considerada em situação de sem-abrigo quando se encontra numa das seguintes situações:
•
sem tecto – vivendo no espaço público, alojada em abrigo de emergência ou
com paradeiro em local precário;
•
sem casa – encontrando-se em alojamento temporário destinado para o efeito.
7
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Importa então compreender a complexidade e heterogeneidade da problemática da
situação de sem-abrigo cujas causas e consequências se revelam muitas vezes indistintas. Embora a
maioria das publicações nacionais e internacionais sobre a problemática incida sobre a caraterização
da população, descrição das estratégias de (sobre)vivência na rua e as suas implicações políticas e
sociais aplicando, tipicamente, uma perspetiva social ou psicopatológica (Snow & Anderson, 1987),
ela é concordante no respeitante aos fatores sociais e individuais concorrentes para a situação de
sem-abrigo. Destacam-se, entre eles, a pobreza, o desemprego e o abandono escolar associados a
ruturas familiares, perturbações do comportamento aditivo e perturbação mental, o que reflete (e
importa sublinhar) que a confluência de fatores de ordem social e individual esclarece o surgimento
da situação de sem-abrigo, sendo que apenas um ou outro tipo de fator são insuficientes em explicar
por si só a problemática. Como Nogueira e Ferreira (2007, p. 199) sublinham, podemos considerar
que “a situação de sem-abrigo representa o final de um processo que se associa à pobreza mas que é
distinto desta dado o número e dimensão das clivagens com os vários sistemas. O deficiente acesso
aos sistemas e a existência de fissuras cada vez mais evidentes resultam de vários fatores produtores
de risco de exclusão social. Por sua vez, estes fatores, individualmente ou por influência conjunta,
provocam o aumento desta fratura (entre a pessoa sem-abrigo e os sistemas), num processo de bola
de neve de dimensões cada vez mais complexas.”
Assume-se então que a problemática de sem-abrigo encontra-se integrada no extremo do
que é considerado exclusão social. A noção multidimensional de exclusão social de Rogers (1995 in
Lúcio & Marques, 2010) reporta-se a diferentes dimensões, tais como:
a) «exclusão do mercado de trabalho (desemprego de longo prazo);
b) exclusão do trabalho regular (parcial e precário);
c) exclusão do acesso a moradias decentes e a serviços comunitários;
d) exclusão do acesso a bens e serviços (inclusive públicos);
e) exclusão dentro do mercado de trabalho - ocorrência de um fenómeno de “dualização do
processo de trabalho”: existem empregos ruins, de acesso relativamente fácil - que além de
precários não geram um padrão de renda suficiente para garantir um padrão de vida mínimo;
existem empregos bons, de difícil acesso, que geram níveis de renda e segurança aceitáveis;
f) exclusão da possibilidade de garantir a sobrevivência;
g) exclusão do acesso à terra;
8
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
h) exclusão em relação à segurança, em três dimensões: insegurança física, insegurança em
relação à sobrevivência (o risco de perder a possibilidade de garanti-la) e insegurança em relação à
protecção contra contingências;
i) exclusão dos direitos humanos» (Rogers, 1995, apud Dupas, 1999: 20 in Lúcio & Marques,
2010).
Nesta perspetiva, compreende-se que a exclusão associa-se diretamente à incapacidade de
usufruir de direitos humanos básicos inerentes à dignidade humana e, por fim, à impossibilidade de
exercer uma cidadania plena.
Ressalva-se o valor do trabalho e do emprego, apontados na perspetiva de Rogers, no
assegurar de bens e segurança necessários a uma vida digna de acesso e fruição de direitos humanos
e constitucionais, além de se constituírem como elementos estruturantes da vida do ser humano.
Invocando a posição da União Europeia relativamente à Estratégia Europa 2020, “Ter um emprego é
provavelmente a melhor salvaguarda contra a pobreza e a exclusão, mas não é suficiente por si só
para garantir uma diminuição dos níveis de pobreza ou a inclusão social. Serão necessários sistemas
de segurança social e de pensões modernos, adaptados à crise e ao envelhecimento da população
europeia, para assegurar um nível adequado de apoio ao rendimento e cobertura às pessoas
temporariamente sem emprego. Lutar contra a segmentação ineficaz do mercado de trabalho
constitui uma outra forma de melhorar a justiça social” (Comissão das Comunidades Europeias,
2009, p. 7).
É nesta linha de atuação que o presente estudo reconhece a necessidade de aprofundar
conhecimentos sobre a influência do desemprego e a falta de ocupação laboral e formativa nas
pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo, no contexto de exclusão social em que vivem e nas
dificuldades de acesso a condições de vida dignas, apostando numa abordagem holística e
compreensiva do fenómeno defendida por investigadores de diferentes áreas científicas (Pleace,
2000).
Embora se desconheça a existência de mecanismos de associação causa-efeito do
desemprego para a situação de sem-abrigo, constata-se que as pessoas nesta situação vivenciam
múltiplos desafios e barreiras no acesso e dentro do mercado de trabalho, revelando maiores
dificuldades que a população desempregada em geral devido à manifestação de um maior
isolamento social e incapacidades de diversa ordem (Steen, Mackenzie & McCormack, 2012).
Seguindo o pensamento sobre o impacto de experiências de exclusão social ou em situação
de sem-abrigo, Paugam (2003) considera que a primeira constitui um processo marcado por
diferentes fases, onde o indivíduo experimenta sucessivas ruturas: um distanciamento do trabalho,
9
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
frequentemente acompanhado por um afastamento da vida social, uma crise de identidade,
problemas de saúde, em certos casos, uma rutura familiar, e, por vezes, numa última fase, a adoção
de atitudes e comportamentos de resistência ao estigma social que os marca, encerrando-se sobre si
próprios, incorrendo no risco de dessocialização. O autor designa este processo de desqualificação
social, onde ao longo de 3 fases – fragilidade, dependência e rutura – a identidade da pessoa
transmuta-se, em função da sua vivência da situação e, também, do tipo de relação estabelecida
com os serviços de assistência a que recorre. Mais do que os efeitos da debilidade dos rendimentos
ou da ausência de bens materiais, a desqualificação social é uma provação pela “degradação moral
que representa, para a existência humana” (p.175), dada a humilhação de ter de recorrer ao apoio
de outras pessoas ou de serviços de ação social para poder ter uma vida minimamente decente.
Habitualmente, a situação mais extrema deste processo é associada às pessoas em situação
de sem-abrigo, correspondente à fase da marginalidade. Os marginais estão desacreditados pelos
seus fracassos, tendo de enfrentar quotidianamente a prova da reprovação social por essa
“diferença vergonhosa” (p. 98).
Influência de fatores estruturais na situação de sem-abrigo
Na última década diferentes autores têm defendido uma “nova ortodoxia” (Pleace, 2000;
Busch-Geertsema, Edgar, O’Sullivan, & Pleace, 2010) com base no pressuposto que os fatores
estruturais propiciam as condições de ocorrência da situação de sem-abrigo e que as pessoas mais
vulneráveis a contextos sociais e económicos adversos apresentam problemas de ordem pessoal.
Deste modo, a susceptibilidade às forças macro-estruturais pode explicar a elevada concentração de
pessoas que apresentam dificuldades individuais na população sem-abrigo (Fitzpatrick, 2005).
A situação de sem-abrigo atinge pessoas de ambos os sexos, de todas as idades, raça e etnia
e proveniência. Tem-se assistido a um aumento generalizado em diversos países do fenómeno de
“novos sem-abrigo”: famílias, crianças e jovens em situação de sem-abrigo (Minnery & Greenhalgh,
2007), fruto de diversos fatores de ordem individual, familiar, social, económico e também cultural,
e que recentemente tem agravado as preocupações dos agentes sociais portugueses.
Como pudemos verificar anteriormente, a situação de sem-abrigo é um processo evolutivo,
caraterizado por diversas privações e ruturas que se iniciam muito antes da efetiva situação. Pelo
contrário, tendo considerado a problemática como imóvel, os estudos científicos, estatísticos e
sociais – que prevaleceram durante décadas – reportavam-se unicamente à contagem e
caraterização das pessoas nesta situação.
10
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Nos últimos anos verifica-se a emergência de uma abordagem de percursos (pathways
approach), cuja aplicação tem surgido em distintos temas sociais, e que visa compreender os
percursos de vida das pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo, as suas perceções e
experiências, ressalvando que ficar sem-abrigo não é inevitável ou conducente a estados crónicos
nesta situação (Mayock, Corr & O’Sullivan, 2008). A necessidade de perspetivar a situação de semabrigo como um processo permite compreender as diferentes fases da sua vivência, possibilita a
análise dos fatores que influenciam esta mesma trajectória (Snow & Anderson, 1993) e que
convergem para a complexidade dos processos sociais e económicos que reproduzem e mantêm a
problemática, além de permitir a reflexão sobre a eficácia das respostas (Anderson, 2001) sociais,
políticas e institucionais. Esta autora clama pela urgência de estudos sobre os processos e dinâmicas
existentes na relação das trajectórias de vida com as experiências de habitação dos indivíduos que
vivenciam a situação de sem-abrigo.
A problemática de sem-abrigo agrega múltiplas dimensões relacionadas com doença mental,
dependências e abuso de substâncias psicoativas, comportamentos violentos, trauma, isolamento
social e familiar, problemas familiares e relacionais. Mantém-se a discussão sobre se estas
dimensões se constituem como causas ou consequências durante o processo da situação de semabrigo. Para se atender à abrangência das dimensões constitutivas da problemática em causa, é
necessário incorporar todos os fatores económicos, sociais e psicológicos subjacentes que
potenciam e permitem a manutenção da situação de sem-abrigo (Vázquez & Muñoz, 2001).
Pobreza e exclusão social: entre novos e velhos problemas sociais
Definição e conceitos de pobreza
A construção de uma análise compreensiva do fenómeno da situação de sem-abrigo implica
atender às problemáticas da pobreza e da exclusão social, nomeadamente aos fatores e mecanismos
que contribuem para a sua emergência e reprodução.
Em primeiro lugar, importa esclarecer o que se entende por pobreza e exclusão social no
contexto do presente trabalho. Dada a natureza multidimensional e multiforme destes fenómenos,
existe uma grande diversidade de perspetivas e, consequentemente, de definições e conceitos
associados que, quando vistos como complementares, permitem construir um quadro menos
incompleto sobre os mesmos.
No seguimento do trabalho de Bruto da Costa e colaboradores (2012), consideramos a
definição de pobreza ali apresentada, enquanto “situação de privação resultante da falta de
recursos” (p. 26), como sendo a mais adequada. Subjacente a esta escolha está o entendimento de
11
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
que a resposta à privação (situação de carência) não significa que a falta de recursos esteja resolvida,
o que implica admitir a questão da dependência em relação às ajudas prestadas, enquanto fator
potenciador da manutenção das situações de pobreza. A resolução da falta de recursos significa que
a privação foi solucionada e que a pessoa adquiriu a capacidade de ser auto-suficiente em matéria
de recursos, isto é, que passou a ter uma forma de sustento proveniente de fontes consideradas
normais na sociedade em que vive (rendimentos do trabalho, capital e pensões de reforma ou de
sobrevivência) (idem).
Se, por um lado, a situação de privação está associada à satisfação de necessidades humanas
básicas, por outro, atentar ao problema da falta de recursos implica considerar outras dimensões da
vida humana como o direito à auto-determinação, a participação cívica, aspirações de realização
pessoal, entre outras. Neste âmbito, Sen (2003) considera o fenómeno da pobreza não como um
problema exclusivo da escassez de recursos mas, sobretudo, como a incapacidade da pessoa em ter
acesso a eles, o que constitui uma carência de potencialidades, isto é, a falta de habilitação para
aceder aos recursos e a incapacidade da pessoa em conseguir funcionar autonomamente e
encontrar as condições ideais para concretizar o seu ideal de felicidade. Para o autor, qualquer
esforço dos dispositivos económicos, sociais e políticos de uma sociedade, na criação de processos
de desenvolvimento, deverá ser no sentido de reforçar e expandir as liberdades humanas, sejam
elas associadas a aspectos mais concretos da vida (poder evitar privações como a fome,
enfermidades evitáveis, por exemplo) ou liberdades ligadas ao enriquecimento da vida humana
(literacia, acesso à participação política, à liberdade de expressão, etc.). Associar a liberdade à
pobreza implica considerar esta última como uma “situação de negação de direitos humanos
fundamentais” (Bruto da Costa et al., 2012, p. 22) e que a primeira apenas tem sentido quando as
condições efetivas do seu exercício existem, pois a eficácia da liberdade como instrumento reside na
interligação entre os diferentes tipos de liberdade, podendo um certo tipo de liberdade suportar e
promover outros tipos de liberdade (Sen, 2003).
Ao considerar outras necessidades da vida humana para além das necessidades de
subsistência, impõem-se a distinção entre o conceito absoluto de pobreza e o conceito relativo de
pobreza3. O primeiro tem que ver, sobretudo, com a definição normativa de um conjunto de
necessidades básicas de referência, necessárias à subsistência física (Bruto da Costa et al., 2012),
enquanto o segundo atribui maior ênfase sobre a “privação dos padrões de vida e de atividade
próprios de uma dada sociedade (…) dos níveis de vida mínimos (…) comummente aceites”
(Fernandes, 1991, pp.38-39). Aqui, é introduzida uma outra variável no entendimento acerca da
pobreza e que remete para as dimensões sociais da existência humana, isto é, das relações do
indivíduo com a sociedade em que se insere.
12
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Exclusão social: a marca de uma vulnerabilidade estrutural
Numa perspetiva sistémica, consideremos o indivíduo como parte integrante de vários
sistemas sociais interligados, com os quais estabelece relações: no domínio da sociabilidade (redes
como a família, vizinhança, colegas de trabalho, etc.), no domínio económico (sistemas geradores de
rendimentos, recursos financeiros e mercados de bens e serviços), no domínio institucional (sistema
educativo/formativo, de saúde, emprego, habitação, cultura, justiça, etc.), no domínio espacial (nível
de integração de um dado território) e no domínio simbólico (referências identitárias, construção da
memória individual e colectiva) (Bruto da Costa et al., 2012, pp. 65-71). Estas relações são mediadas
por trocas de recursos, e é neste sentido que a resolução da privação não garante que a situação de
pobreza seja resolvida: a contínua ausência de recursos bloqueia a liberdade de ação da pessoa
sobre o contexto a que pertence e, assim, a diferentes formas de exclusão social.
A situação de exclusão é tanto mais profunda e severa quanto maior for a privação e a falta
de recursos, ou seja, quanto maior for o número de sistemas sociais afetados. Por outro lado, a
relação dos indivíduos com esses sistemas varia entre diferentes graus de exclusão e inclusão. Por
exemplo, uma pessoa pode estar excluída a nível territorial ou espacial e, contudo, esse mesmo
território ser fonte de referências identitárias positivas e de sentimentos de pertença que nutrem o
seu bem-estar individual e as suas relações com outras pessoas. Neste sentido, a exclusão social
constitui um processo que varia entre formas e graus mais ou menos superficiais ou profundos, um
percurso de sucessivas ruturas na relação do indivíduo com a sociedade, nomeadamente com a
família, relações afetivas e de amizade e com o mercado de trabalho e restantes sistemas (Bruto da
Costa, et al, 2012).
Fenómenos marcantes de pobreza e exclusão social não são caraterísticos da
contemporaneidade. Mas, se na época da revolução industrial a pobreza das grandes massas de
trabalhadores resultava da incapacidade destes em acompanharem o progresso, a nova pobreza
deve-se ao próprio progresso económico, marcado pela precariedade do emprego, a desregulação
do mercado de trabalho, a diminuição dos custos diretos (salários) e indiretos (impostos e
contribuições) do trabalho. A nova pobreza reveste-se de um sentimento de “angústia individual
resultante do risco de desemprego, da fraca implicação na vida coletiva, da perda progressiva da
identidade profissional quando o desemprego surge e se prolonga” (Capucha, 1998, p.18,).
Paradoxalmente, porque hoje prevalece o ideal de sociedades igualitárias, onde as
desigualdades mais graves deixaram de ser admitidas como naturais, a pobreza tornou-se intolerável
nas sociedades mais ricas, sobretudo quando estas “transformam o sucesso em valor supremo e
onde domina o discurso sancionador da riqueza, a pobreza é o símbolo do fracasso social e traduzse, muitas vezes, em termos de existência humana, por uma degradação moral” (Paugam, 2003, p.
13
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
24), uma posição afetada de negatividade social no jogo das relações simbólicas entre os grupos
sociais (Clavel, 1998). Ser pobre é ser portador de uma marca existencial que gera angústia para os
outros, pois, num contexto atual marcado pela incerteza e pelo individualismo, reflete a
possibilidade de perda do estatuto conquistado (Fernandes, 1991; Paugam, 2003). Esta reação,
transporta o receio de queda no processo de desqualificação social, materializada numa
segmentação social e económica crescente, geradora de um fosso cada vez maior entre os pobres e
os não-pobres.
O debate sobre a exclusão social é também um debate político, na medida em que deve
procurar descortinar as causas socioeconómicas que estão na sua base, e, também, lançar o
questionamento sobre de que forma a participação de cada um na economia simbólica das posições
sociais, tecida numa trama de relações de interdependência, contribui também para a reprodução
das situações de exclusão.
Neste sentido, o sofrimento individual resultante da situação de exclusão social, é também
socialmente produzido: um sofrimento social experimentado individualmente, sintomático de uma
vulnerabilidade estrutural da sociedade (Soulet, 2007).
Processos de entrada, manutenção e saída da situação de sem-abrigo
Antes de mais, importa esclarecer que a conceção dinâmica de situação de sem-abrigo
assumida neste estudo conflui com a definição defendida pela F.E.A.N.T.S.A., logo a utilização, neste
relatório, do termo população sem-abrigo reporta-se a um grupo estatístico de pessoas definidas
por caraterísticas comuns, neste caso, ausência de habitação permanente e condigna. Não se refere
a uma marca identitária de um grupo social específico, distinto do resto da população, mas sim a
pessoas que se encontram numa determinada fase das suas vidas e durante um determinado
período de tempo em situação de sem-abrigo.
Ao longo deste relatório, é referida a necessidade de uma abordagem mais compreensiva do
fenómeno da situação de sem-abrigo e, simultaneamente, a análise até aqui feita tem revelado uma
necessária leitura abrangente dos fatores estruturais e individuais que concorrem para a sua
existência. Na última década, diferentes autores têm defendido uma “nova ortodoxia” (Pleace, 2000;
Busch-Geertsema, Edgar, O’Sullivan, & Pleace, 2010) com base no pressuposto que os fatores
estruturais propiciam as condições de ocorrência da situação de sem-abrigo e que as pessoas mais
vulneráveis a contextos sociais e económicos adversos apresentam problemas de ordem pessoal.
Deste modo, a susceptibilidade às forças macro-estruturais pode explicar a elevada concentração de
pessoas que apresentam dificuldades individuais na população sem-abrigo (Fitzpatrick, 2005).
14
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
A discussão sobre as causas e consequências da situação de sem-abrigo mantém-se patente
em diversas publicações. Nas últimas décadas diversos autores têm procurado descrever as
trajetórias mais comuns para a situação de sem-abrigo (Fitzpatrick, 2000; Anderson, 2001; Martijn &
Sharpe, 2006), contudo as diferenças das amostras (jovens e adultos) estudadas não permitem obter
conclusões claras sobre que trajetórias poderão potenciar a experiência nesta situação. Nesta secção
são enumeradas trajetórias individuais comuns como possibilidades concorrentes para a situação de
sem-abrigo, dado que se analisou anteriormente a pobreza e a exclusão social fatores estruturais.
Apesar das metodologias e amostras diferenciadas nos diversos estudos, encontra-se algum
consenso entre as diferentes publicações sobre os fatores que poderão potenciar o início de uma
situação de sem-abrigo, destacando-se as perturbações mentais, o abuso de álcool e drogas,
histórias de abuso na infância e adolescência e dinâmicas familiares disfuncionais.
Porém, no que respeita à doença mental, não é consensual que a existência prévia de
perturbações mentais tenha uma relação causal direta com a situação de sem-abrigo. Martijn &
Sharpe (2006) defendem que não se deve excluir a doença mental como fator potenciador da
situação de sem-abrigo, dada a elevada prevalência de perturbações psiquiátricas prévias nesta
população nos diversos estudos sobre estas dimensões. Esta prevalência sugere que a maioria das
pessoas experiencia, pelo menos, uma perturbação mental durante este processo (Buhrich, Hodder,
& Teesson, 2000; Herman, Susser, Struening, & Link, 1997; Kamieniecki, 2001 cf. Martijn & Sharpe,
2006).
Uma vez que cada fator per si não é sinónimo de risco imediato para a situação de semabrigo, torna-se premente compreender os arranjos de relações entre os diversos fatores que
concorrem para potenciar o risco de desenvolvimento da situação. O estudo da temporalidade
dessas relações ao longo da vida dos indivíduos poderá providenciar uma maior clareza neste
sentido. O contributo de Martijn e Sharpe (2006) num estudo sobre percursos de jovens para a
situação de sem-abrigo constitui um exemplo a ter em conta. Os autores identificaram 5 tipos de
percursos prévios à situação: 1 - Abuso/Dependência de álcool e/ou drogas, trauma com ou sem
problemas psicológicos adicionais; 2 – Trauma e problemas psicológicos (ausência de abuso de
drogas e álcool); 3 – Abuso de drogas e álcool e problemas familiares; 4 – Problemas familiares com
ou sem problemas psicológicos; 5 – Trauma. Os percursos 2, 3 e 4 representaram a maioria da
amostra de participantes, o que demonstra, mais uma vez, que um percurso de vida anterior à
situação de sem-abrigo caraterizado por ruturas, privações e abusos de diversa ordem aumentam o
risco de desenvolvimento da situação. Os autores demonstraram igualmente que as vivências em
situação de sem-abrigo amplificam as experiências traumáticas e os problemas psicológicos e de
abuso de álcool e drogas. Embora a amostra deste estudo não seja significativa, os autores seguem
15
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
as sugestões de Craig e Hodson (1998 cf. Martijn & Sharpe, 2006) de analisar o papel cumulativo de
fatores identificados e a sua relação na compreensão do risco para a situação de sem-abrigo.
No mesmo sentido, o estudo de Chamberlain e Johnson (2011), sobre as trajetórias de
adultos para a situação, sublinha que os percursos identificados no seu estudo - crise da habitação,
rutura familiar, abuso de substâncias, doença mental e transição para a idade adulta – não são
modelos causais, dado que estes percursos sofrem igualmente a influência de fatores estruturais e
culturais que limitam as oportunidades dos seus atores. A crise da habitação reflete as dificuldades
emergentes de uma conjuntura crítica a nível económico. O aumento do custo de vida inviabiliza a
manutenção da segurança habitacional, alimentar, escolar, familiar e pessoal de pessoas que
(sobre)vivem com rendimentos mínimos ou médios e que têm dificuldades em assegurar o
pagamento da renda ou prestação da casa, a alimentação diária da família, os custos de educação
dos filhos, entre outros. Acresce ainda o desemprego, cujo peso nesta trajetória é tremendo,
colocando as pessoas numa posição financeira muito frágil que, na presença de um fator
perturbador, poderá resultar em situação de sem-abrigo. Segundo os autores, a rutura familiar
advém ou de ambientes onde domina a violência doméstica, cujas vítimas se vêem obrigadas a
abandonar o domicílio para sobreviver às agressões ou proteger os filhos; ou de divórcios ou
separações que, em alguns casos, resultam de pressões económicas.
A terceira trajetória observada reporta-se ao abuso de substâncias em adultos cujos
consumos se iniciaram no final da adolescência ou início da idade adulta e que se assumiam
inicialmente como consumos ocasionais e recreativos. Contudo, quando os consumos se caraterizam
por um padrão de abuso com efeitos ao nível do emprego (resultando em desemprego) e
dificuldades em manter o padrão de vida anterior devido aos gastos permanentes com os consumos,
o risco de ocorrência da situação de sem-abrigo é agravado.
No que respeita à doença mental, as diferenças das experiências reportam-se à idade de
surgimento da perturbação mental. A trajetória para a situação de sem-abrigo de adolescentes e
jovens adultos (com idades inferiores a 25 anos) com perturbação mental advém da incapacidade
das famílias de gerir os conflitos e os efeitos dos comportamentos desadequados que resultam,
muitas vezes, na expulsão dos jovens de casa ou na fuga destes. Já nos adultos verifica-se um
aumento do risco para uma situação de sem-abrigo quando a perturbação surge mais tarde (com 30,
40 ou 50 anos) e vivem dependentes do apoio de familiares, principalmente dos pais. Após a morte
dos progenitores e perante a ausência de uma rede de suporte familiar mais alargada, a par com
uma ou mais perturbações mentais, a ocorrência da situação de sem-abrigo torna-se comum para
estes indivíduos.
16
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Por fim, a quinta trajetória destaca as tentativas de emancipação de jovens quando atingem
a maioridade. A amostra de participantes desta trajetória é constituída por jovens adultos que
provêm de instituições de acolhimento de crianças e jovens e que experienciaram situações
traumáticas a nível familiar: negligência parental, abusos físicos e sexuais, toxicodependência dos
pais e violência familiar, mas também de jovens que optaram por abandonar a residência familiar
pelos mesmos motivos e/ ou devido a relações conflituosas com os progenitores ou outro adulto
responsável por eles.
Torna-se premente destacar os resultados de Chamberlain e Johnson (2011) que
encontraram um número prevalecente de pessoas na última trajectória (32%). Opondo-se ao que
comummente são consideradas causas da situação de sem-abrigo – as dependências de substâncias
psicoctivas e a doença mental – as ruturas familiares constituem-se como fortes indicadores para
uma vivência nesta situação. Verifica-se assim que a perda ou inexistência de relações interpessoais
familiares protetoras influenciam, de forma determinante, trajetórias de vida que conduzem à
situação de sem-abrigo.
Manutenção e saída da situação de sem-abrigo
O estudo dos fatores precipitantes e da sua conjugação nas trajetórias de vida serve como
meio de compreensão dos processos de entrada na situação de sem-abrigo mas deve servir,
principalmente, como plataforma de desenvolvimento de estratégias de prevenção. Um adequado
sistema de prevenção da situação de sem-abrigo protegerá o indivíduo e/ou uma família de atingir o
extremo da exclusão social e quebrar os ciclos permanentes de privações. Numa intervenção,
quando já verificada a problemática, importa ter presente que a situação de sem-abrigo aumenta a
probabilidade de desenvolver e/ou agravar perturbações psiquiátricas, problemas de abuso e/ou
dependência de álcool e drogas, comportamentos criminosos, isolamento social, comportando um
novo ciclo de vitimização. A compreensão dos fatores precipitantes e dos fatores agravantes – que
também se constituem como de manutenção da situação de sem-abrigo – tem impacto nos
resultados dos serviços de apoio à população nesta situação, não só ao nível do controlo dos riscos
associados como na minimização dos danos decorrentes destas experiências.
O processo de saída da situação de sem-abrigo (seja em situação de sem-teto ou sem-casa) é
deveras difícil, não apenas pelo agravamento do ciclo de vitimização, como acima indicado, mas
também pela marginalização, seja esta efetuada por terceiros ou pelo movimento de auto-exclusão
dos próprios indivíduos. Este processo de marginalização encontra-se enraizado nas atitudes e
comportamentos da sociedade em geral (Shier, Jones & Graham, 2010) que considera as pessoas
nesta situação, principalmente quem pernoita na rua ou em espaços públicos, de forma negativa,
17
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
responsabilizando-as pela sua situação (Minnery & Greenhalg, 2007). Tais atitudes são transversais
às diversas esferas da comunidade onde as pessoas em situação de sem-abrigo procuram integrarse, nomeadamente os proprietários de habitações para arrendamento e empregadores. A
desconfiança existente e a recusa em arrendar habitações ou possibilitar oportunidades de emprego
reforça a vulnerabilidade mantendo-se nesta situação indefinidamente, o que obriga a recorrer às
instituições de apoio e/ou a centros de acolhimento. Em última instância, perpetua-se o ciclo de
dependência e, por conseguinte, a indefinição do futuro das suas vidas.
Por sua vez, a perceção destas atitudes induz as pessoas em situação de sem-abrigo à
descrença numa melhoria das suas condições de vida, o que demonstra igualmente a descrença no
sistema social (Pillinger, 2007) pela ineficácia e/ou inadequação das respostas. O apoio social
existente é largamente insuficiente para permitir a autonomização habitacional, o que alimenta o
ciclo perverso entre a falta de habitação e de trabalho, e a manutenção da situação. Para uma maior
possibilidade de sucesso na saída da situação de sem-abrigo, e respetiva independência dos serviços
de apoio, torna-se importante a obtenção de um meio de sustento que permita auferir um nível de
rendimentos adequado à gestão e manutenção de uma habitação e estabilidade financeira [a par
com a estabilidade de outras dimensões da vida humana associadas ao trabalho (Blustein, 2006) e à
criação de um lar (Parsell, 2012)]. No entanto, as fragilidades sociais e pessoais associadas e a
conjuntura socioeconómica atual não favorecem este processo. Em circunstância de obtenção de
emprego, a inexistência de uma habitação agrava o processo de adaptação ao contexto de trabalho
(tarefas e relações laborais) e consequente desempenho profissional. Por outro lado, a ausência de
uma habitação permanente dificulta a procura e consequente obtenção de trabalho devido à
instabilidade associada, nomeadamente no que se refere às dificuldades de satisfação de
necessidades básicas de proteção, alimentação e segurança.
A abordagem por percursos (pathways approach) emerge como uma perspetiva igualmente
interessante em estudos sobre os processos de saída da situação de sem-abrigo, não apenas porque
não é uma situação de caráter permanente mas também porque são identificados diferentes subgrupos, embora na mesma situação, com vivências distintas (Busch-Geertsema, Edgar, O’Sullivan, &
Pleace, 2010).
Mercado de trabalho como factor de risco
Paralelamente aos fatores de âmbito familiar e individual, acrescem os fatores de ordem
social e económica que podem predispor à situação de sem-abrigo e atuar como factores de
manutenção da mesma.
18
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Para a discussão dos fatores concorrentes para a situação de sem-abrigo, deve imperar uma
perspetiva global que abranja factores de ordem estrutural (nível macro) e de ordem individual
(nível micro) tornando mais clara a compreensão da complexidade do seu cruzamento. Anderson
(2001) faz referência a diversos estudos (Anderson et al, 1993; Breugeland Smith, 1999; Burrows,
1997; Craiget al, 1996; Evans et al, 1994; Fitzpatricket al, 2000) que demonstram a forte associação
da problemática ao desemprego, baixos rendimentos e pobreza. Segundo a autora, as dificuldades
de pagamento das prestações (hipoteca ou crédito) da habitação são agravadas pelas circunstâncias
de pobreza e desemprego, o que aumenta exponencialmente a probabilidade de ficar (em situação
de) sem-abrigo. Os efeitos económicos desta situação dificultam a procura de emprego e o retorno à
independência e estabilidade habitacional para jovens, adultos e famílias.
A estrutura do mercado de trabalho e o sistema de emprego podem atuar como condições
de vulnerabilidade. Por outro lado, as situações de inatividade por motivos de doença, deficiência,
velhice, desemprego ou de precariedade de vínculos contratuais podem também originar ou agravar
processos de empobrecimento. A condição dos indivíduos e famílias perante o trabalho é um dos
aspetos que mais diretamente se associam ao problema da inclusão ou exclusão social, e que se
refletem quer em termos da capacidade de participar na vida comunitária, como de obter
rendimentos. O mercado de trabalho português é ilustrativo desta condição vulnerabilizante, uma
vez que tem funcionado como fator de agravamento das condições de precariedade e exclusão
social. As consequências desta situação prevalecem, quer sobre a geração que viveu as mudanças do
mercado de trabalho do pós-25 de Abril, quer pelas gerações mais novas, que vivem outra fase de
transformação do mercado de trabalho (Ferreira de Almeida et al., 1994).
Algumas especificidades da história social, política, económica e cultural portuguesa recente
contribuíram para a construção de um arranjo de fatores que constituíram condições de
vulnerabilidade para muitas famílias e indivíduos. As mudanças trazidas pelos quadros legislativos
laborais do pós-25 de Abril produziram uma reação no mercado de trabalho: a criação de postos de
trabalho precários, de modo a contornar aqueles imperativos legais (relativos a despedimentos,
segurança social, greve, salários mínimos, atualizações salariais e outros) e que resultaram no
florescimento da economia subterrânea, na manutenção do trabalho infantil, na generalização dos
contratos a prazo (14% do emprego total em 1988) e, para os trabalhadores com contratos
permanentes, no problema dos salários em atraso, fenómeno marcante da década de 80, que teve
enormes repercussões sobre o nível de vida de muitas famílias (calcula-se que cerca de 100 000
trabalhadores tenham sido afectados)4. Dada a pouca flexibilidade das leis laborais, esta prática foi
responsável pelo empobrecimento de numerosas famílias, sobretudo em zonas industriais onde não
4
De referir que em 1984, 40% dos contratos eram a prazo no sector da construção civil, umas das áreas de maior actividade por parte de um grande número
de homens em situação de sem-abrigo.
19
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
existia a possibilidade de criar meios alternativos de subsistência ou de fatores amortecedores
(idem).
À alternativa do desemprego surgiram também certos tipos de trabalho por conta própria,
exercidos de forma isolada, em que o nível dos rendimentos obtidos, bem como as condições de
trabalho, eram, de um modo geral, mais frágeis do que numa profissão por conta de outrem. Para
além do desemprego e das situações de precariedade, o nível de rendimentos do trabalho e, em
particular, dos salários, é uma questão igualmente decisiva. Estas constituem uma variável central
no estudo da pobreza, uma vez que baixos salários acarretam dificuldades acrescidas na obtenção
de bens e serviços para suprir as necessidades mínimas. Particularmente desfavorecidos encontramse os trabalhadores que auferem salário mínimo ou abaixo do mínimo e os desempregados por
longos períodos de tempo constituem uma das categorias de maior vulnerabilidade à pobreza. Por
fim, o trabalho infantil, fenómeno de dimensão nacional implicou para muitos a interrupção da
formação e da escolaridade mínima obrigatória. Diretamente relacionada com as precárias
condições de vida das famílias, é uma expressão visível do alastramento e reprodução geracional da
situação de pobreza, uma vez que a repetência e o abandono escolar que lhe estão associadas
condicionam a obtenção de níveis de qualificação mais elevados no mercado de trabalho,
condenando, assim, os indivíduos à situação de trabalhadores indiferenciados (Ferreira de Almeida
et al., 1994).
Estas descontinuidades estruturais do sistema de emprego em Portugal (segmentação entre
emprego estável e contratos de trabalho precários, entre economia informal e economia formal),
são atravessadas pelas clivagens sociais produzidas pela inclusão ou pela exclusão do sistema
institucional de proteção social, o que produz o risco de novos dualismos (Ferreira de Almeida et al.,
1994). Entre a população empregada, os trabalhadores com contratos a termo certo apresentam
uma taxa de risco de pobreza bastante superior aos que têm um contrato sem termo (OD, s.d.). De
acordo com o Banco Mundial, em 2010 a taxa de Emprego Vulnerável em Portugal, ou seja, o
número de trabalhadores com família não remunerados e trabalhadores por conta própria
representavam 18% da percentagem total. Ao nível europeu, estima-se que 8.5% da população
europeia trabalhadora é pobre (working poor), o que reflete a actual degradação do mercado de
trabalho e a incapacidade do atual sistema económico em garantir a sustentabilidade do emprego
(EC-DGESAI, 2011).
Os dados até aqui apresentados traduzem o percurso de um conjunto de mecanismos
relacionados com a organização do trabalho e permitem concluir que o acesso ao trabalho
condiciona fortemente o risco de pobreza. Hoje, em Portugal o trabalho continua a não ser garantia
absoluta de proteção, residindo o problema não tanto sobre os aspetos da precariedade no
20
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
trabalho, mas sobretudo devido ao nível baixo dos salários, factor principal da manutenção do nível
de desigualdade no país (Bruto da Costa et al., 2012).
Trabalho como Prioridade de Intervenção
A fragilidade laboral intensificou-se nos últimos anos fruto da proclamada crise económicofinanceira, efeito dos processos macrossociais de ajustamento económico e de transformação do
papel social do Estado, não só em Portugal, como na Europa que, nas suas dificuldades de resolução,
agravam a pobreza e as necessidades das pessoas e famílias, cristalizando ciclos de dependência de
apoios sociais e, consequentemente, a manutenção de situações extremamente vulneráveis.
O desemprego e precariedade laboral assumem uma influência negativa tão vasta que afeta
outras dimensões da vida do indivíduo e das famílias. Esta questão é particularmente incisiva
quando se aborda a problemática de sem-abrigo.
A complexidade do fenómeno transfere-se para a compreensão da relação entre o
desemprego e a situação de sem-abrigo. As causas e os fatores de risco para cada uma das
dimensões confundem-se num ciclo que se auto-reforça. A fragilidade financeira e social em que um
indivíduo e/ou uma família se encontra com a perda de emprego(s) assoma o risco de ficar em
situação de sem-abrigo, porém o desemprego per si não justifica a entrada nessa situação, uma vez
que existem outros fatores concorrentes para o desemprego como doença mental, morte de um
familiar ou divórcio/separação (Steen, MacKenzie & McCormack, 2012). É, portanto, difícil prever
que situações de desemprego desencadearão em situações de sem-abrigo, uma vez que não é clara,
através dos dados científicos existentes, a natureza da relação entre o desemprego e a situação de
sem-abrigo.
Pese embora a complexidade da relação entre estas duas problemáticas, a população semabrigo enfrenta dificuldades acrescidas no acesso ao emprego. As múltiplas barreiras pessoais,
estruturais e societais dificultam a demanda por um emprego e, portanto, beneficiar da estabilidade
financeira que lhe está associada, possibilitando a saída da extrema vulnerabilidade social. A maioria
das pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo encontra-se desempregada ou
profissionalmente inativa, porém um número significativo trabalha de forma permanente ou por
períodos curtos (FEANTSA, 2009). Este último grupo executa trabalhos sob condições precárias que
não possibilitam uma estabilidade para a melhoria das suas condições de vida, nomeadamente ao
nível da saúde (física e mental), habitação e identidade pessoal e social. O emprego já não é garantia
de salvaguarda da pobreza ou exclusão social, principalmente quando a sua precariedade e/ou falta
de qualidade impossibilita a saída de uma situação vulnerável ao nível da habitação e qualidade de
21
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
vida. Porém, a obtenção de trabalho com salário condigno é um dos passos fundamentais para a
saída da situação de sem-abrigo e prevenir (re)entradas na mesma, aproveitando o capital humano e
social dos seus atores.
No sentido do que foi referido anteriormente, compreende-se que a evolução da pobreza e
da vulnerabilidade social decorrente das mutações do mercado de trabalho influenciam
negativamente as possibilidades de (re)inserção laboral. Acrescem ainda os estereótipos associados
às pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo. A perceção pública, que se mantém desde o séc.
XX, tem considerado as pessoas nesta situação como desinteressadas em trabalhar. Shier, Jones e
Graham (2010) alertam para o efeito negativo das perspetivas estereotipadas e ancoradas em
assunções não empíricas no alongamento do estigma sobre a população sem-abrigo. Este efeito
impacta os recursos e a natureza das relações com os serviços de apoio e com a comunidade pelo
controlo exercido por essas perceções e atitudes. Os autores sublinham a importância e necessidade
de estudos focados nas perspetivas e perceções das pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo
para análise do impacto no self como forma de aprofundar o conhecimento sobre a problemática,
uma vez que tem sido dominado por estudos (Anderson, Stuttaford & Vostanis, 2006; Anucha, 2005;
Carrol &Trull, 2002; Freund & Hawkins, 2004; Goldberg, 1999 cf. Shier, Jones e Graham, 2010 ) sobre
necessidades específicas de sub-grupos da população sem-abrigo (que são inevitáveis para a
direccionalidade dos serviços de apoio) e caraterização das pessoas nesta situação. O estudo de
Shier et al.(2010) sobre pessoas em situação de sem-abrigo e que se encontram a trabalhar emerge
da necessidade de compreensão das interseções da problemática com a habitação, o mercado de
trabalho e os serviços de apoio. A análise das perceções dos participantes permitiu a identificação de
quatro temas primários: a perspetiva sobre o self e estar sem-abrigo, o impacto da situação na autoperceção, a esperança em situação de sem-abrigo e o significado de uma habitação permanente.
Efetivamente, estar sem-abrigo produz um profundo impacto nas auto-representações das pessoas
que a vivenciam, alinhadas com a perceção pública negativa. Estas conclusões acompanham os
estudos de Boydell, Goering e Morell-Bellai (2000) e Parsell (2010) acerca das implicações da
situação nas identidades pessoal e social, nomeadamente na observação de identidades
desvalorizadas. A dupla estigmatização tem efeitos negativos nas perspetivas de futuro relativas à
habitação e emprego e ao comportamento adoptado no local de trabalho que, na maior parte das
vezes, passa por encobrimento da real situação social do indivíduo com receio de despedimento ou
outras represálias originados dessa perceção pública.
As pessoas que experienciam a situação de sem-abrigo confrontam-se com múltiplas e
distintas dificuldades e necessidades que, por sua vez, dificultam uma eficaz inclusão laboral. Esta
depende igualmente de diversos fatores: estado de saúde física e mental, suporte habitacional e
alimentar estável, capacidade de auto-gestão, redes relacionais de suporte, entre outros. A
22
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
intervenção social que se tem vindo a observar globalmente foca-se em providenciar abrigo (em
formato de quartos em pensões ou apartamentos, ou centros de acolhimento, no caso de Portugal),
alimentação diária e acesso a serviços de saúde (no caso de pessoas com necessidades específicas de
doença física, doença mental e dependências). Apesar de se constituírem como passos essenciais na
intervenção, nomeadamente o abrigo, são insuficientes para a prevenção ou término da situação de
sem-abrigo (Shaheen & Rio, 2007). O evitamento da situação ou de reentrada na mesma depende
essencialmente da capacidade de auto-sustento que, por sua vez, apenas é possível através do
trabalho. E este pode surtir efeitos benéficos no processo de saída da situação de sem-abrigo,
mesmo que tal se realize numa fase ainda inicial, uma vez que, contrariamente ao estereótipo
vigente, as pessoas que vivenciam esta situação manifestam desejo e vontade de trabalhar (idem)
por todas as significações atribuídas ao trabalho. A par da salvaguarda das necessidades básicas de
proteção, alimentação e abrigo, o acesso a um emprego que assegure um rendimento mínimo de
subsistência deve constituir-se como uma prioridade nos planos de intervenção social, mesmo
quando a situação é agravada por dificuldades específicas (doença mental, doença física ou
dependências). A priorização das dimensões com necessidade de resolução mais urgente, consoante
cada situação e escolha manifesta do indivíduo, sejam elas referentes a tratamentos de saúde ou
dependências, não pode relegar para segundo plano a importância de (re)introduzir a pessoa no
contexto de trabalho. Este processo de (re)inclusão laboral deve respeitar as suas competências,
interesses e desejos profissionais através de uma participação activa na (re)aproximação ao mercado
de trabalho, no treino de competências, na formação profissional, não se tornando mero recetor de
programas de acompanhamento formativo e/ou profissional direcionado à população em geral, o
que cria outras limitações ao acesso e manutenção do trabalho. Estes serviços do âmbito do
emprego devem estar associados a uma perspetiva de intervenção integrada e sustentada com
outros serviços de apoio. Shaheen e Rio (2007) esclarecem que o trabalho deve ser uma prioridade
para a saída da situação de sem-abrigo, não através de um processo linear de retirada da situação
(seja da rua ou de um centro de acolhimento) diretamente para um emprego a tempo inteiro e
competitivo, mas que tal deve ser proporcionado o mais brevemente possível e não apenas como
resultado da recuperação de dificuldades específicas. Neste sentido, os autores desafiam as
entidades governamentais e os serviços de apoio social (públicos e/ou privados) a desenvolver
programas interinstitucionais de emprego que os capacitarão com ferramentas de ação mais
eficazes para a (re)inserção laboral.
Num âmbito de (re)estruturação macro-sistémica, a F.E.A.N.T.S.A., na sua Recomendação
aos Estados Membros da UE sobre o Acesso ao Emprego de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo
(2009), destaca a importância de fornecer o mercado de trabalho e os seus atores com diferentes
metodologias e abordagens ocupacionais adaptadas às diferentes trajetórias em situação de semabrigo. A exigência de imediata integração no mercado de trabalho sem se atender simultânea ou
23
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
previamente às outras necessidades observadas e identificadas resulta em ineficácia da inclusão
laboral. A promoção da empregabilidade afigura-se como uma via eficaz para uma efetiva inclusão
que se constitui por atividades de desenvolvimento de competências e capacidades que visam, por
sua vez, a conexão do indivíduo com a vida profissional. Estas atividades destinam-se a melhorias
globais das suas condições de vida no que respeita à saúde, habitação e auto-perceção das suas
capacidades profissionais e sociais.
As múltiplas necessidades vivenciadas pela população sem-abrigo distanciam-na das
políticas e dos organismos de apoio ao emprego pela inexistência de uma abordagem holística e
individualizada, pelo que a F.E.A.N.T.S.A. sugere o desenvolvimento de estratégias de
empregabilidade que apliquem esta abordagem, nomeadamente a abordagem de percursos
(pathways approach). As políticas globais de emprego de cada Estado-Membro da UE devem incluir
estratégias de empregabilidade direcionadas às populações mais vulneráveis, remetendo para a
necessidade de articular os diferentes serviços e interventores: sociais, emprego, formação e saúde.
Em simultâneo, recomenda-se a promoção de serviços de emprego apoiado no âmbito da economia
social como as WISE (empresas sociais para a integração no trabalho) que disponibilizam apoio
individualizado a pessoas em situações socialmente vulneráveis e com múltiplas necessidades,
servindo, igualmente, como base de preparação para a (re)integração no mercado de trabalho
global. Em Portugal têm surgido iniciativas inovadoras – e.g. WelcomeHome - baseadas nesta
abordagem que visa o empowerment de pessoas em situação de sem-abrigo para uma futura e
efetiva inclusão laboral em que os intervenientes sociais (instituições e profissionais) mantêm o
suporte psicossocial. É ainda proposto que a União Europeia assuma, pela sua intervenção e
influência, orientações específicas concernentes às populações com múltiplas desvantagens,
nomeadamente através da promoção de medidas ativas e preventivas laborais para a sua inclusão
no mercado de trabalho. Entre estas destacam-se a identificação inicial e progressiva das
necessidades e aspirações de cada indivíduo e o desenvolvimento de planos de ação personalizados,
assistência adaptada à procura de trabalho e acesso a informação sobre direitos e deveres, emprego
apoiado, formação e educação principalmente a pessoas que ainda não se encontram preparadas
para o mercado de trabalho formal e implementação de qualidade dos serviços sociais no apoio à
inclusão.
Enquanto não se reconhecerem as interações entre os factores estruturais (nível macro
sistémico) e os fatores individuais (nível micro sistémico) e respetivas co-dependências, não será
possível solucionar os problemas e dificuldades persistentes das pessoas em situação de sem-abrigo,
não só de âmbito pessoal como social: a inacessibilidade à habitação condigna, escassez do mercado
de trabalho, a insuficiência de recursos e a diminuição de fornecimento de serviços de apoio (Shier,
Jones & Graham, 2010). Vázquez e Muñoz (2001, p. 9) resumem de forma clara as clivagens que se
24
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
criam com as vivências em situação de sem-abrigo e o consequente desencontro das necessidades
sentidas e os serviços de apoio existentes: After the cut off point at which a person becomes
homeless, it becomes exceedingly difficult to facilitate a return to his or her previous level in society.
The social exclusion that comes with the homeless status is pervasive enough to impact upon almost
all areas of one’s life. In this respect, housing and meals services are in no way sufficient to meet the
real needs of this population. The present preventive services do not attempt to reintegrate the
homeless into social life. The use and development of more complete, flexible preventative
instruments or global reinsertion tools such as programs of assertive community training are ways to
facilitate a solution to the problem of homelessness and focus on the reentry of the homeless into the
society at large.
25
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA APLICADA
QUESTIONÁRIO POR INQUÉRITO
Os objetivos primários da presente investigação foram aprofundados através da sua vertente
quantitativa, tendo sido desenvolvido um instrumento de avaliação – questionário por inquérito que
pressupôs a prosecução dos seguintes objetivos secundários:
•
Caraterização sócio-demográfica da amostra em estudo;
•
Análise dos percursos escolares, formativos e laborais;
•
Exposição dos fatores concorrentes para a situação de sem-abrigo e estratégias de
(sobre)vivência na atual situação;
•
Caraterização das relações com diferentes figuras (familiares, amigos, colegas, profissionais
e pessoas da comunidade) previamente e após a entrada na situação de sem-abrigo;
•
Análise das perceções de bem-estar, saúde (física e mental) e qualidade de vida;
•
Avaliação da gestão de emoções em situação de sem-abrigo;
•
Análise das especificidades das perceções atribuídas ao trabalho;
•
Avaliação das competências e relações em contexto laboral;
•
Enumeração das dificuldades de acesso ao trabalho;
•
Classificação do papel de atividades ocupacionais e formativas;
•
Avaliação do impacto da situação de sem-abrigo na identidade pessoal e social.
•
Avaliação do impacto da situação de sem-abrigo nas perspetivas de futuro, na definição de
objetivos de vida e também na avaliação do apoio institucional local.
Deste modo, o questionário por inquérito respeita estes objetivos estando dividido em 6 seções:
Dados Sociodemográficos, Valor das Relações, Valor do Trabalho, Identidade, Perspectivas de Futuro
e 5 Escalas de avaliação [Escala revista de Valores do Trabalho - EVT-R (Porto & Tamayo, 2003);
Escalas de Afetividade Positiva e Afetividade Negativa – PANAS (Watson, Clark & Tellegen, 1988);
Escala de Satisfação com a Vida – SWLS (Diener et al, 1985); Escala de Auto-Estima de Rosenberg –
RSES (Rosenberg, 1965) e Escala de Solidão - UCLA, Loneliness Scale (Russell, 1988)].
Após a concretização deste instrumento, procedeu-se ao seu pré-teste, junto de 5 pessoas em
situação de sem-abrigo, selecionadas previamente com a colaboração da Associação das Cozinhas
Económicas Rainha Santa Isabel, nas suas instalações em Coimbra. Os participantes preencheram os
questionários individualmente, solicitando pontualmente o apoio das investigadoras que se
encontravam presentes. Após a discussão final conjunta sobre o questionário, os participantes
consideraram o instrumento de compreensão fácil, embora sugerissem a reformulação de algumas
26
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
questões. Na versão original do questionário, introduziu-se o Questionário de Suporte Social,
contudo observou-se que mais de metade dos participantes do pré-teste demonstraram dificuldades
de compreensão e, por conseguinte em responder em conformidade, pelo que se optou pela sua
exclusão do questionário final.
Procedeu-se, de seguida, à reformulação final do questionário e ao estabelecimento de uma
rede de contactos institucionais das cidades referidas que possibilitassem o acesso a pessoas em
situação de sem-abrigo para colaborar no preenchimento do instrumento. Neste sentido, duas
investigadoras deslocaram-se a diferentes instituições em Coimbra, Aveiro, Porto e Vila Nova de
Gaia para apresentar os objetivos do estudo e desenhar um mapa de aplicações do questionário que
se concretizou durante 5 meses, entre Maio e Setembro de 2014. Anteriormente ao preenchimento
dos questionários, realizaram-se sessões de esclarecimento, individualmente ou em grupo, sobre o
estudo e os seus objetivos, sublinhando a confidencialidade dos dados e a não obrigatoriedade em
participar. Portanto, os questionários foram maioritariamente aplicados em contexto institucional,
enquanto outros se efetuaram em contexto de rua, obtendo-se 172 questionários viáveis para
análise estatística.
Posteriormente, durante o processo de análise de dados, cada questionário foi introduzido
numa base de dados utilizando, para o efeito, o SPSS – Statistical Package for Social Sciences,
procedendo-se à análise estatística descritiva e univariada e multivariada da variância.
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Paralelamente à vertente quantitativa da investigação, o estudo qualitativo visou uma análise
aprofundada das trajetórias de vida dos participantes objetivando o enriquecimento da investigação,
através de dimensões não contempladas no questionário por inquérito. Logo, o estudo qualitativo
pretendeu:
Compreender a trajetória de vida dos entrevistados, com enfoque nas vivências de infância e
adolescência e nos processos de transição para a idade adulta;
Apreender o percurso laboral e respetivas condições, nomeadamente as primeiras
experiências de trabalho, as relações laborais e vivências de desemprego;
Analisar o impacto da situação de sem-abrigo nas diferentes esferas do quotidiano (relações
com os diferentes sistemas sociais, auto-perceções, avaliação do processo para a situação de
sem-abrigo e mudanças ocorridas com a mesma);
Reconhecer as perceções sobre os processos de saída da situação de sem-abrigo;
27
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Identificar objetivos e perspetivas de futuro relativamente às dimensões do trabalho e
relações.
Neste sentido, organizou-se um guião de entrevista biográfica semi-estruturada no qual se
identificam as diferentes dimensões do percurso de vida. Concomitantemente à aplicação dos
questionários, realizaram-se 14 entrevistas, em registo áudio, em Coimbra, Vila Nova de Gaia e
Porto, igualmente em contexto institucional ou de rua, com durações variáveis entre 55 minutos e 5
horas e 15 minutos. Ressalva-se que previamente à realização das entrevistas, solicitou-se aos
entrevistados a leitura e assinatura de consentimento informado.
A transcrição de cada entrevista, após a sua fase de realização, possibilitou a análise de
conteúdo clássica de cada uma, cujos resultados serão discutidos na secção seguinte.
28
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUANTITATIVO
A secção referente aos resultados do estudo quantitativo explana a caraterização da
amostra de participantes e os dados estatísticos resultantes do tratamento em SPSS das respostas a
cada um dos questionários. Os dados encontram-se apresentados de acordo com os segmentos do
questionário: Dados Sociodemográficos, valor das relações, valor do trabalho, identidade,
perspetivas de futuro e escalas de avaliação.
Dados Sociodemográficos
I.
a) Idade:
A amostra é composta por 172 participantes, 84.2% do sexo masculino e 15.8% do sexo
feminino, com idades que variam entre os 20 e os 70 anos (M=44.30, S=11.18).
b) Estado Civil:
A maioria dos participantes é solteiro (54.4%) ou divorciado (32.7%).
Quadro 1 | Estado civil
Estado civil
%
Solteiro
54.4
Casado
2.9
União de facto
1.8
Separado
6.4
Divorciado
32.7
Viúvo
1.8
c) Descendência:
Mais de metade dos participantes tem filhos (58.9%), sendo mais frequente a existência de
filhos únicos, seguindo-se fratrias de 2.
50
40
30
20
10
0
1
2
3
4
5
6
Gráfico 1 – Número de filhos
29
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
d) Nível de habilitações:
A maioria dos participantes frequentou ou concluiu o 3º Ciclo do Ensino Básico.
Quadro 2 | Nível de escolaridade
Nível de escolaridade
%
Não sabe ler nem escrever
2.3
Sabe ler e/ou escrever
7.0
1º-4º anos
28.1
5º-6º anos
17.0
7º-9º anos
31.6
10º-12º anos
10.5
Ensino superior
3.5
e) Abandono escolar e reprovações:
Cerca de metade dos participantes abandona os estudos entre os 11 e os 15 anos de idade.
60
50
40
30
20
10
0
até 10 anos
11-15 anos
16-20 anos
21 anos em diante
Gráfico 2 | Idade de abandono escolar
Ao longo do percurso escolar 68.2% dos participantes abandonou os estudos e 65.9%
apresenta pelo menos uma reprovação, maioritariamente no 1º Ciclo do Ensino Básico.
50
40
30
20
10
0
1
2
3
4
5
Gráfico 3 – Número de reprovações
30
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
40
35
30
25
20
15
10
5
0
1º CEB
2º CEB
3º CEB
Ensino
Secundário
Ensino
Superior
Gráfico 4 – Ano de reprovação
Os participantes que abandonaram os estudos apresentam como principal motivo: Para
trabalhar.
Quadro 3 | Motivos de abandono dos estudos
Motivos
Os rendimentos da família não o permitiam
%
26.6
Falta de motivação para continuar
15
Não era bom/a aluno/a
3.9
Para cuidar da família
9.8
Para trabalhar
47.1
Outro
18.4
f)
Percurso de trabalho:
95.8% dos participantes refere ter realizado algum trabalho ao longo da vida, tendo
começado a trabalhar em média aos 16.06 anos de idade (S=4.84; mín=5; máx=42).
67.1% realizou formação (pessoal e/ou profissional) ao longo da vida.
Actualmente, 94% dos participantes encontra-se desempregado, a maioria há mais de 48
meses (4 anos).
31
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
até 12
13-24
25-36
37-48
mais de 48
Gráfico 5 | Tempo de desemprego em meses
Dos 6% que se encontram a trabalhar, 71.4% está a trabalhar há 6 meses ou menos, 14.3%
há 12 meses e 14.3% há 36 meses.
g) Situação de sem-abrigo:
Os participantes encontram-se em situações de sem-abrigo distintas.
Quadro 4 | Situação específica de sem-abrigo
Situação
%
A pernoitar na rua
3.5
A pernoitar em edifícios abandonados
5.3
A pernoitar em albergue
15.9
Num Centro de Acolhimento Temporário
33.5
Em casa de familiares
1.8
Em casa de amigos
7.6
Outra situação
Mais do que uma das anteriores
31.2
1.2
Encontram-se, em média na mesma situação, há 29.27 meses. 60.3% encontra-se até há 12
meses em situação de sem-abrigo, enquanto 14.4% está nesta situação entre 13 e 24 meses e 25.3%
há mais de 24 meses.
53.7% dos participantes encontra-se nesta situação pela primeira vez.
A falta de rendimento, a rutura com a família e o desemprego são os motivos conducentes à
situação de sem-abrigo mais frequentemente apontados pelos participantes.
32
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Quadro 5 | Motivos que levaram a situação de sem-abrigo
Motivos
%
Ruptura com a família
40.8
Desemprego
39.6
Perda de habitação
22
Falta de rendimentos
42.3
Falta de apoio social
16.7
Abuso de drogas e/ou álcool
20.4
Saída da prisão
6
Doença física
6.5
Doença mental
5.3
Violência militar
.6
Divórcio/separação
15.4
Morte de familiar
10.1
Dívidas
3.6
Não sei
1.2
Outro
6
Os participantes apresentam diversas formas de obtenção de rendimentos, sendo que a
maioria é beneficiária do Rendimento Social de Inserção - RSI (53.6%).
Quadro 6 | Formas de obter dinheiro
Formas de obter dinheiro
%
Trabalho remunerado
7.2
Pedir dinheiro na rua
6.6
Pedir dinheiro emprestado
10.8
Arrumar carros
16.3
Pequenos trabalhos sem contrato
25.9
Trabalho ilegal
RSI
Outros subsídios estatais
Pensão/Reforma
Outro
1.2
53.6
3.0
7.2
13.4
87.3% dos participantes utiliza os apoios que as instituições da cidade disponibilizam,
nomeadamente:
33
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Quadro 7 | Tipo de apoio das instituições que utiliza
Apoio
%
Equipas de rua
21.9
Albergues
20.0
Centros de Acolhimento Temporário
33.1
Serviços de alimentação
45.5
Banhos públicos
19.5
Serviços de lavandaria
19.5
Serviços de vestuário
25.5
Atendimento para apoio social
31.8
Serviços de Psicologia
24.0
Apoio jurídico
9.1
Serviços de Saúde
41.3
Outro
6.7
A regularidade mais frequente da utilização dos serviços de apoio é diária.
70
60
50
40
30
20
10
0
Nunca
Raramente
Algumas vezes Quase todos os Todos os dias
dias
Gráfico 6 | Regularidade do uso de apoio
h) Percurso criminal, de dependências e acompanhamento psiquiátrico.
Apenas 13.6% dos participantes costuma consumir drogas, no entanto 44% costuma
consumir bebidas alcoólicas.
34
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
50
45
40
35
30
25
Drogas
20
Álcool
15
10
5
0
Raramente
Algumas vezes Quase todos os Todos os dias
dias
Gráfico 7 | Frequência de consumo de substâncias
51.2% dos participantes teve necessidade de recorrer a ajuda psiquiátrica ao longo da vida e
48.2% teve problemas com a justiça em algum momento da vida.
II.
Valor das Relações
a) Importância das relações
A relação com o pai e com a mãe é apontada com maior frequência como pouco importante
(26.2%) ou nada importante (62.6%), respetivamente.
A relação com amigos e a comunidade é apontada, mais frequentemente, como importante
(41,5% e 34.7%, respetivamente).
A relação com os filhos é predominantemente apontada como muito importante (43.5%).
A relação com os profissionais das instituições de apoio é considerada como muito
importante (50.9%) e importante (40.3%), assim como com os profissionais de saúde (41% - muito
importante e 37.2% - importante).
35
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Quadro 8 | Importância das relações
Nada
Pouco
importante
importante
Pai
8.6
26.2
Mãe
62.6
3.0
Importante
Muito
Não
importante
existe
11.7
12.3
61.1
15
21.6
54.5
Companheiro
2.5
4.4
10.8
19.0
63.3
Filhos
3.1
2.5
10.6
43.5
40.4
Irmãos
8.2
19.5
25.2
31.4
15.7
Avós
2.6
1.9
5.1
9.0
81.4
11.8
17.1
25.0
18.4
27.6
Amigos
5.0
12.6
41.5
24.5
16.4
Colegas de trabalho
5.4
10.1
16.9
10.1
57.4
Patrões/Chefes/Empregadores
5.2
6.5
17.6
12.4
58.2
Profissionais de saúde
5.8
5.8
37.2
41.0
10.3
Profissionais das instituições de apoio
1.3
3.8
40.3
50.9
3.8
Pessoas da comunidade
7.3
18.0
34.7
24.7
15.3
-
6.3
18.8
37.5
37.5
Outros familiares
Outro
Quadro 9 | Pessoas das relações com conhecimento da situação de sem-abrigo
Sim
Não
Não sei
Não
Pai
21.0
11.1
1.9
66.0
Mãe
27.6
12.9
1.8
57.7
Companheiro
29.1
6.3
2.5
62.0
Filhos
32.5
20.0
8.1
39.4
Irmaos
55.4
21.7
5.7
17.2
5.8
8.4
3.2
82.6
Outros familiares
35.7
27.9
14.9
21.4
Amigos
56.5
17.5
10.4
15.6
Colegas de trabalho
23.7
15.8
3.3
57.2
Patrões/Chefes/Empregadores
19.2
13.2
5.3
62.3
Profissionais de saúde
56.9
19.6
9.2
14.4
Pessoas da comunidade
57.3
12.7
12.7
17.3
Outro
47.4
15.8
10.5
26.3
existe
Avós
72.5% dos participantes afirma que as relações pessoais mudaram desde que se encontra na
situação de sem-abrigo.
36
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Quadro 10 | Tipo de mudança das relações
Piorou
Não
Melhorou
mudou
Não
existe
Pai
8.3
20.5
5.3
65.9
Mãe
7.6
20.5
16.0
56.1
Companheiro
3.8
14.5
22.1
59.5
Filhos
13.6
31.1
14.4
40.9
Irmaos
22.3
46.2
10.0
21.5
1.6
10.9
5.4
82.2
Outros familiares
12.5
46.9
11.7
28.9
Amigos
Avós
10.1
46.5
24.8
18.6
Colegas de trabalho
4.8
25.6
10.4
59.2
Patrões/Chefes/Empregadores
6.5
20.2
10.5
62.9
Profissionais de saúde
3.2
47.2
35.2
14.4
Profissionais das instituições de apoio
3.1
43.3
46.5
7.1
Pessoas da comunidade
5.8
47.9
28.1
18.2
-
30
20
50
Outro
b) Caraterização das relações:
As relações com a mãe, o/a companheiro/a e os filhos são caraterizadas pelos participantes
como muito boas (17.4%, 17.4% e 20%, respetivamente).
As restantes relações familiares (pai, irmãos, avós e outros familiares) são caraterizadas,
maioritariamente, como nem boas, nem más.
As relações com os amigos surgem caraterizadas como boas (37.5%).
As relações com os profissionais de saúde (49%) e das instituições de apoio são
maioritariamente classificadas como boas (52.3%) e muito boas (20.9% e 32%, respetivamente)
As relações com pessoas da comunidade são igualmente classificadas como boas (45%).
37
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Quadro 11 | Caracterização das relações
Muito
Má
má
Nem
Boa
boa,nem
Muito
Não
boa
existe
má
Pai
9.5
3.2
13.3
8.2
5.7
60.1
Mãe
4.3
3.7
8.7
13.7
17.4
52.2
Companheiro
1.3
1.3
7.1
9.0
17.4
63.9
Filhos
2.6
1.3
16.1
18.7
20.0
41.3
Irmãos
7.7
6.5
29.7
22.6
16.1
17.4
Avós
1.9
-
7.1
3.2
4.5
83.1
Outros familiares
7.9
2.6
30.5
26.5
7.3
25.2
Amigos
.6
3.2
29.3
37.4
11.6
18.1
Colegas de trabalho
.7
1.3
15.0
13.7
6.5
62.7
Patrões/Chefes/Empregadores
.7
1.3
12.7
12.7
8.7
64.0
Profissionais de saúde
1.3
-
14.4
49.0
20.9
14.4
Profissionais das instituições de
1.3
-
7.8
52.3
32.0
6.5
Pessoas da comunidade
.7
1.3
22.1
45.0
11.4
19.5
Outro
25
-
-
12.5
-
62.5
apoio
c) Apoio para a saída da situação de sem-abrigo
Os participantes consideram-se a si próprios como tendo a principal obrigação de os
ajudar a sair da atual situação – 75.9%. Os participantes consideram que quem realmente os pode
ajudar a sair da atual situação são os profissionais das instituições de apoio – 62.5.%.
Quadro 12| Ajuda
Ter obrigação
Poder
Pedir
de ajudar
ajudar
ajuda
Eu
75.9
57.5
---------
Pai
6.1
6.6
4.5
Mãe
9.7
10.8
11.6
Companheiro
6.0
9.5
12.2
Filhos
4.2
5.4
4.5
Irmãos
9.1
11.4
18.7
Avós
2.4
1.8
1.9
Outros familiares
4.8
4.2
5.2
Amigos
4.8
9.6
29.7
Colegas de trabalho
2.4
1.2
3.2
Patrões/Chefes/Empregadores
3.6
3.6
2.6
Profissionais de saúde
12.0
16.1
17.4
Profissionais das instituições de apoio
45.2
62.5
60.3
Pessoas da comunidade
8.5
17.4
18.7
Ninguém
1.8
1.2
1.3
10.4
10.2
5.2
Outro
38
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
d) Percepção de bem-estar e saúde
Quadro 13 | Percepção de bem-estar e saúde
Muito
Inferior
Igual
Superior
Superior
inferior
Bem-estar quando comparado com
Muito
10.4
29.9
38.6
14.6
5.5
16.5
28.7
13.4
31.7
9.8
12.3
22.7
26.4
30.1
8.6
4.9
25.6
34.1
26.2
9.1
22.3
30.1
12.7
24.1
10.8
outras pessoas
Bem-estar quando comparado com
antes de situação de sem-abrigo
Saúde física quando comparada com
antes de situação de sem-abrigo
Saúde mental quando comparada com
antes de situação de sem-abrigo
Qualidade de vida quando comparada
com antes de situação de sem-abrigo
e) Emoções em situação de sem-abrigo
Verifica-se um equilíbrio na frequência de emoções positivas e negativas, destacando-se:
33.7% dos participantes sente tristeza muitas vezes;
30.5% sente solidão e 28.2% sente desânimo muitas vezes;
30.1% sente esperança muitas vezes.
Quadro 14 | Frequência das emoções
Nunca
Raras
Algumas
Bastantes
Muitas
vezes
vezes
vezes
vezes
11.9
11.3
36.3
10.7
29.8
Tristeza
4.7
15.4
29.6
16.6
33.7
Alegria
5.9
26.6
36.7
14.8
16.0
Prazer
8.9
26.2
26.9
12.5
12.5
Desânimo
9.8
14.1
28.8
19.0
28.2
Felicidade
8.5
21.8
48.5
10.3
10.9
Esperança
6.1
14.7
27.0
22.1
30.1
Satisfação
8.5
21.8
48.5
10.3
10.9
Segurança
9.6
17.4
40.1
16.8
16.2
Afecto
12.0
16.2
32.3
16.8
22.8
Agressividade
34.7
31.1
20.4
6.6
7.2
Tranquilidade
7.1
18.9
32.5
19.5
21.9
Frustração
15.2
20.0
31.5
13.9
19.4
Optimismo
10.2
18.1
31.9
18.7
21.1
Ansiedade
Confiança
6.0
17.4
32.9
21.0
22.8
Solidão
13.8
15.0
24.6
16.2
30.5
Desespero
21.3
21.3
27.8
8.3
21.3
39
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
f)
Relações em situações de crise
Em situações críticas, os participantes referem recorrer aos amigos (29.7%) e,
principalmente, aos profissionais das instituições de apoio (60.3%).
Em momentos difíceis das suas vidas, 67.5% dos participantes confia neles próprios e nos
profissionais das instituições de apoio (47.1%).
Quadro 15| Pessoas em quem confia em momentos difíceis
%
Em si mesmo
67.5
Pai
5.8
Mãe
10.5
Companheiro
14.5
Filhos
9.4
Irmãos
17.0
Avós
2.9
Outros familiares
4.7
Amigos
22.2
Colegas de trabalho
1.8
Patrões/Chefes/Empregadores
3.5
Profissionais de saúde
15.8
Profissionais das instituições de
47.1
apoio
Pessoas da comunidade
10.0
Ninguém
2.3
Outro
9.3
g) Imagem social
Quadro 16| Percepção da imagem que os outros têm de si
Positiva
Negativa
Neutra
Não existe
Companheiro
24.8
6.8
8.7
59.6
Família
39.5
29.6
20.4
10.5
Amigos
52.8
8.0
23.9
14.7
Colegas de trabalho
24.4
5.1
10.9
59.6
Patrão/Chefe
22.7
4.5
10.4
62.3
Profissionais dos serviços a que recorre
70.2
5.6
18.6
5.6
Pessoas da comunidade
53.8
10.0
25.6
10.6
40
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
h) Efeito da situação de sem-abrigo nas relações
30.2% dos participantes considera que as suas relações seriam muito melhores se não
estivesse em situação de sem-abrigo.
35
30
25
20
15
10
5
0
Nada
Um pouco
Bastante
Muito
Gráfico 8 | Relações com outros
i)
Capacidade de criar relações novas
41.9% dos participantes considera não ter dificuldades em criar novas relações.
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Nenhuma
Alguma
Bastante
Muita
Gráfico 9 | Dificuldade em criar relações
41
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
j)
Influência da situação de sem-abrigo no conhecimento das outras pessoas
De acordo com os participantes, a situação de sem-abrigo permitiu conhecer melhor os
outros: Nada (9.6%), Um pouco (32.9%), Bastante (28.7), Muito (28.7%).
35
30
25
20
15
10
5
0
Nada
Um pouco
Bastante
Muito
Gráfico 10 | Conhecimento dos outros
III.
Valor do Trabalho
a) Significados de Trabalho
As respostas dos 172 participantes à pergunta “O que é para si o trabalho” foram sujeitas a
análise de conteúdo clássica, emergindo 5 dimensões comuns:
1. O trabalho como principal meio de sobrevivência e organizador da vida
Exemplos de respostas desta dimensão:
Q18 – “É algo de fundamental e indispensável para o ser humano subsistir”.
Q56 – “É um bem necessário para toda a gente, se não há trabalho não há rendimento
nenhum”
Q59 – “O trabalho para mim é o pão da minha boca”.
Q124 – “É tudo na vida, sem trabalho não se come, não se bebe, o trabalho é uma coisa
essencial, ajuda a nós, às outras pessoas, ao país”.
42
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Q149 – “Fonte de vida, significa independência, estabilidade, sentimento de utilidade,
sentir-me útil na sociedade”
2. O trabalho cumpre uma função de ocupação mental
Exemplos de respostas desta dimensão:
Q61 – “Ocupa a cabeça, o espírito e impede que andemos em más companhias. Gostava de
poder trabalhar para ocupar a cabeça e melhorar a minha qualidade de vida.”
Q68 – “uma ocupação salutar”
Q77 – “Faz-me muita falta. O trabalho é um passatempo, evita o tédio.”
Q133 – “Alívio porque não penso em mais nada e esqueço os problemas. Fico concentrado.”
Q162 – “É importante porque é o meio de me distrair, fazer as coisas com gosto. Ajuda-me a
sobreviver, sem o trabalho não sou nada. Para aprender mais.”
3. O trabalho é a base de dignidade e bem-estar pessoal
Exemplos de respostas desta dimensão:
Q1 – “O trabalho é gratificante (…) quando eu trabalhava andava satisfeito, parecia que
tinha asas para voltar para casa, sabia que era dinheiro ganho com o meu suor”
Q41 – “É saúde. E termos anos de vida.”
Q83 – “Liberdade, significa dignidade do ser humano, faz parte do conjunto da vida. Dá uma
sensação boa de liberdade. E dignifica o ser humano.”
Q124 – “É tudo na vida, sem trabalho não se come, não se bebe, o trabalho é uma coisa
essencial, ajuda a nós, às outras pessoas, ao país”.
Q146– “É muito importante; é das coisas mais importantes a nível pessoa. Porque gosto de
estar ocupado, não me sinto marginalizado.”
4. O trabalho como promotor do desenvolvimento pessoal e social
Exemplos de respostas desta dimensão:
Q25 – “É um local onde crescemos como pessoas e profissionalmente.”
43
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Q34 – “Além do prazer em ser útil ao meu país e ajudar a nossa economia é o garante do
meu sustento e bem estar.”
Q126 – “É uma qualidade de vida. É sentirmo-nos úteis. Estamos a contribuir para uma
comunidade melhor e para garantir o meu sustento”
5. O trabalho como promotor de melhor qualidade de vida
Exemplos de respostas desta dimensão:
Q7 – “É uma coisa muito importante. Se uma pessoa trabalhasse não se encontrava na
situação em como eu encontro”
Q94 – “É um degrau para adquirir estabilidade sócio-económica.”
Q96 – “Para mim era muito importante, para mudar a situação que me encontro e para ter
uma casinha em condições.”
Q118 – “Trabalhar é a única forma que ajuda a resolver os seus problemas, é como uma luz
que te dá apoio e encorajamento, quando se está a trabalhar, a saúde é melhor, está-se
activo.”
Q151– “O trabalho para mim é mito importante porque sem ela não há dinheiro e não da
para subir na vida.”
b) Importância atribuída ao trabalho
Cerca de 70% dos participantes considera que o trabalho é muito importante para si e para as
suas vidas.
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Pouco importante
Importante
Muito
Gráfico 12 | Importância atribuída ao trabalho
44
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
70.2% considera que o trabalho não serve apenas para ganhar dinheiro.
A maioria dos participantes costuma sentir-se bem (41.0%) ou muito bem (47.6%) quando está a
trabalhar.
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Muito mal
Mal
Nem bem, nem
mal
Bem
Muito bem
Gráfico 13 | Sentimentos durante o trabalho
c) Percurso de trabalho
Mais de metade dos participantes considera que as suas capacidades de trabalho foram
bem aproveitadas (52.7), muito bem aproveitadas (32.7), nem bem, nem mal aproveitadas (10.3%)
Mal aproveitadas (3.0%) e Muito mal aproveitadas (1.2%).
60
50
40
30
20
10
0
Muito mal
Mal
Nem bem, nem
mal
Bem
Muito bem
Gráfico 14 | Percepção do aproveitamento das capacidades
45
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Os participantes consideram que o seu percurso de trabalho tem sido Bom (45.6%),
Muito Bom (24.4%), Nem bom, nem mau (20.6%), Mau 5.6% e Muito mau (3.8%).
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Muito mau
Mau
Nem bom, nem
mau
Bom
Muito bom
Gráfico 15 | Percepção da qualidade do percurso de trabalho
d) Relações laborais e avaliação de competências
A maioria dos participantes avalia as suas relações com anteriores colegas e chefes como boas,
60% e 58%, respetivamente.
70
60
50
40
30
Colegas
20
Chefes
10
0
Muito más
Más
Nem
boas, nem
más
Boas
Muito boas
Gráfico 16 | Relações com anteriores colegas e chefes de trabalho
46
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
82.6% sente que se adapta facilmente a qualquer trabalho.
68.1% dos participantes gostaria que o percurso de trabalho tivesse sido diferente.
34% considera-se muito capaz e 29% bastante capaz de lidar com as exigências de um posto de
trabalho.
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Nada
Um pouco
Bastante
Muito
Gráfico 17 | Capaz de lidar com as exigências de um posto de trabalho
e) Trabalho e situação de sem-abrigo
47.2% considera que o que faz diariamente para arranjar dinheiro é uma forma de trabalho.
80.8% sente que é mais difícil arranjar trabalho por estar em situação de sem abrigo.
Quadro 17 | Motivos que dificultam arranjar trabalho
Nada
Um pouco
Bastante
Muito
Aparência física piorou
39.9
31.3
13.5
15.3
Saúde física piorou
50.6
20.4
14.8
14.2
Saúde mental piorou
54.3
23.5
14.8
7.4
Maior dificuldade em lidar com contextos
36.5
36.5
15.7
11.3
51.9
29.4
10.6
8.1
53.4
24.2
11.8
10.6
de trabalho
Maior dificuldade em relacionar-se com
chefes
Perda de competências
47
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
47.9% sente que a situação de sem-abrigo obrigou a trabalhar em áreas diferentes da que gostaria.
35
30
25
20
15
10
5
0
Nada
Um pouco
Bastante
Muito
Gráfica 18 | Dificuldades de regressar ao trabalho
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Muito má
Má
Nem boa, nem
má
Boa
Muito boa
Gráfico 19 |Ajuda dos outros para arranjar trabalho
f)
Importância da ocupação do tempo
57% considera que as atividades de ocupação do tempo são muito importantes para o seu bemestar psicológico e emocional.
48
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
60
50
40
30
20
10
0
Nada
Um pouco
Importante
Muito
Gráfico 21 | Importância dos tempos livres
Quadro 18 – Avaliação da ocupação do tempo em situação de sem-abrigo
Discordo
Discordo
totalmente
Não
Concordo
discordo,
Concordo
totalmente
nem
concordo
É muito importante para mim
3.5
1.8
2.9
32.7
59.1
4.1
8.9
6.5
43.8
36.7
4.1
9.9
11.1
38
36.8
13.8
21.6
13.8
33.5
17.4
8.2
23.5
13.5
32.4
22.4
3.5
5.8
6.4
43.3
40.9
ocupar o meu tempo a fazer o
que gosto.
Quando estou ocupado, não
penso nos meus problemas.
Passo os dias preocupado com a
minha sobrevivência diária.
Em situação de sem-abrigo é
difícil ocupar o meu tempo a
fazer outras coisas.
Tenho muito tempo livre e
poucas actividades para ocupar
os meus dias.
Os dias seriam mais fáceis de
passar se tivesse com que
ocupar o meu tempo.
55% considera a formação pessoal e profissional muito importante para as suas vidas.
87.3% sente que a sua vida teria sido melhor, se tivesse tido mais oportunidades de
formação anteriormente.
49
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
60
50
40
30
20
10
0
Nada
Um pouco
Importante
Muito
Gráfico 22 | Importância da formação para a sua vida na área pessoal e/ou profissional.
IV.
Identidade
a) Dificuldades diárias
A maioria dos participantes manifesta ter nenhuma ou pouca dificuldade em providenciar
alojamento, alimentação, segurança e bem-estar psicológico e emocional.
Quadro 18 | Dificuldades como sem-abrigo
Nada
Um pouco
Bastante
Muito
Alojamento
43.5
21.4
13.4
21.4
Alimentação diária
57.1
22.0
8.9
11.9
Segurança
40.8
31.4
11.8
16.0
Bem-estar psicológico e emocional
30.4
37.5
15.5
16.7
b) Análises pessoais em situação de sem-abrigo
42.0% vê-se a si próprio como uma pessoa sem abrigo.
86.3% considera que a situação de sem-abrigo permitiu conhecer-se melhor a si próprio.
70.2% sente que a situação de sem-abrigo levou a mudar a maneira de ser como pessoa.
50
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Nada
Um pouco
Bastante
Muito
Gráfico 23 | Mudança da maneira de ser
19.6% dos participantes considera que a sua vida não mudou por se encontrar em situação de
sem-abrigo, 39.3% considera que piorou e 41.1% considera que melhorou.
82.6% sente que a experiência em situação de sem-abrigo fez desenvolver novas capacidades
que desconhecia, das quais 72.3% são positivas, 7.4% são negativas e 20.3% nem positivas, nem
negativas.
51.2% considera que é uma pessoa diferente das outras que se encontram sem-abrigo.
60
50
40
30
20
10
0
Positiva
Negativa
Nem positiva, nem
negativa
Não interessa
Gráfico 24 | Opinião das pessoas em geral sobre quem está e situação de sem-abrigo
51
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
V.
Perspetivas de Futuro
a) Situação de sem-abrigo e futuro
35% sente que as vivências em situação de sem-abrigo alteraram bastante as suas
expectativas.
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Nada
Um pouco
Nem
muito, nem
pouco
Bastante
Muito
Gráfico 25 | Alteração das expectativas de futuro
33% sente, dentro de um mês, que a sua vida não será muito diferente da atual, mas 28%
considera que será bastante diferente dentro de um ano.
35
30
25
20
15
Mês
10
Ano
5
0
Nada
Um pouco
Nem
muito, nem
pouco
Bastante
Muito
Gráfico 26 | Expectativas de vida no futuro
52
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Muito mau
Mau
Nem bom, nem
mau
Bom
Muito bom
Gráfico 27 | Sente que será o futuro no geral
b) Objetivos de vida
34% sente que os seus objectivos de vida mudaram bastante desde que se encontra semabrigo.
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Nada
Um pouco
Nem
muito, nem
pouco
Bastante
Muito
Gráfico 28 | Alteração de objectivos de vida
Cerca de 45% indica possuir mais objetivos de vida desde que se encontra sem-abrigo.
53
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Não tem
Menos
Mais
Mesmos
Gráfico 29| Objectivos actuais em comparação a antes de situação de sem-abrigo
c) Saída da situação de sem-abrigo
33% avaliam o processo de saída como difícil, 20% como muito difícil e 29% como nem fácil,
nem difícil.
35
30
25
20
15
10
5
0
Muito dificíl
Difícil
Nem fácil, nem
difícil
Fácil
Muito fácil
Gráfico 30 | Dificuldade para sair de situação de sem-abrigo
54
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
d) Avaliação do apoio institucional
42% consideram que as instituições ajudam muito a garantir alojamento, alimentação,
higiene pessoal e vestuário, contudo 25% e 34% aponta que as instituições nada têm efetuado na
reaproximação à família e na reinserção laboral, respetivamente.
45
40
35
30
25
1
20
2
15
3
10
5
0
Nada
Um pouco
Nem
muito, nem
pouco
Bastante
Muito
Não utilizo
serviços de
apoio
Gráfico 31 – Avaliação do apoio institucional
1.
Alojamento, alimentação, vestuário e higiene pessoal, 2. Procura de trabalho e integração no mercado de trabalho, 3.
aproximação à família, amigos pessoas da comunidade
VI.
Escalas e Correlações entre Variáveis
a) Escalas de Afetividade Positiva e Afetividade Negativa - PANAS
Os participantes revelam indicadores de afetividade positiva inferiores aos da população em
geral.
As mulheres experienciam mais emoções positivas (M= 38.75; SD= 7.09; p =. 029) que os
homens.
55
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
b) Escala de Satisfação com a Vida – SWLS
Os participantes manifestam menor satisfação com a vida (M = 11.61; SD= 5.76)
comparativamente à população em geral .
As mulheres apresentam indicadores mais elevados de satisfação com a vida (M= 14.36; SD=
6.41; p = .010) em comparação com os homens.
c) Escala de Auto- Estima de Rosenberg– RSES
Os participantes revelam um nível de auto-estima inferior ao da população em geral (M= 27.80;
SD= 3.46).
d) Escala de Solidão - UCLA Loneliness Scale
Os participantes manifestam sentir mais solidão do que a população em geral (M= 50.42; SD=
7.49).
Quadro 19 – Estatística descritiva dos resultados das escalas
Total
n
M
DP
Alpha de
Cronbach
VT
144
41.81
7.22
.883
151
32.36
4.99
.737
138
56.66
9.55
.683
146
42.12
6.98
.861
Auto-Estima
152
27.80
3.46
.677
Solidão
155
50.42
7.49
.793
Afectividade
140
35.20
7.84
.828
140
25.64
8.37
.830
157
11.61
5.76
.862
Prestígio
VT
Estabilidade
VT
Realização
Profissional
VT
Relações sociais
Positva
Afectividade
Negativa
Satisfação com a
Vida
56
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Quadro 20 – Diferenças de resultados entre homens e mulheres
Masculino
VT
Feminino
n
M
DP
n
M
DP
t
p
119
41.40
7.32
24
44.00
6.57
-1.62
.109
126
31.97
4.95
24
34.58
4.75
-2.39
.018
118
56.14
9.47
19
60.11
9.79
-1.68
.094
123
41.67
7.04
22
44.82
6.20
-1.96
.052
125
27.88
3.26
26
27.42
4.39
1.68
.095
130
50.32
7.57
24
50.88
7.34
-.330
.742
119
34.61
7.86
20
38.75
7.09
-2.21
.029
118
25.62
8.49
21
25.48
7.99
0.71
.94
131
11.13
5.49
25
14.36
6.41
-2.62
.010
Prestígio
VT
Estabilidade
VT
Realização
Profissional
VT
Relações
sociais
Auto-Estima
Solidão
Afectividade
Positiva
Afectividade
Negativa
Satisfação
com a Vida
57
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Não se verificam diferenças estatisticamente significativas entre os resultados das escalas
aplicadas nas diferentes cidades.
Quadro 21 – Diferenças de resultados entre cidades
Coimbra
Aveiro
Porto
n
M
DP
n
M
DP
n
M
DP
F
p
VT
Prestígio
62
41.79
7.10
10
39.0
11.62
70
42.29
6.63
.899
.409
VT
Estabilidade
67
32.36
5.66
10
31.10
4.31
72
32.46
4.48
.322
.725
VT
Realização
Profissional
59
55.58
9.11
9
59.22
7.41
69
57.38
10.1
5
.892
.412
VT
Relações
sociais
64
42.44
6.81
11
39.64
11.21
70
42.24
6.37
.766
.467
Auto-Estima
69
27.71
3.81
12
27.92
2.94
70
27.93
3.20
.073
.930
69
50.06
8.82
11
50.27
4.13
74
50.84
6.56
.194
.824
Afectividade
Positiva
62
33.81
7.89
9
38.78
6.30
67
36.34
7.64
2.708
.070
Afectividade
Negativa
66
25.71
8.96
8
24.63
6.14
64
25.75
8.16
.065
.937
Satisfação
com a Vida
69
11.68
5.69
13
11.38
4.79
75
11.57
6.03
.016
.984
Solidão
e) Correlações entre variáveis
Verifica-se uma correlação positiva entre os resultados relativos à afetividade negativa e a autoestima (r =.28; p <.01), ou seja, os participantes que experienciam mais emoções negativas revelam
um nível mais baixo de auto-estima.
Verifica-se igualmente uma correlação positiva entre os resultados relativos à afetividade
negativa e a solidão (r =.24; p <.01), ou seja, os participantes que experienciam mais emoções
negativas revelam sentir solidão mais vezes.
58
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Por outro lado, observa-se uma correlação positiva entre os resultados relativos ao nível de
satisfação com a vida e a afetividade positiva (r =.28; p <.01), ou seja, os participantes que revelam
um maior nível de satisfação com vida, experienciam mais emoções positivas.
A correlação positiva entre o valor atribuído aos profissionais das instituições de apoio e a
afetividade positiva (r =.20; p <.05), assim como com os indicadores da Escala de Auto-Estima (r= .20;
p < .05) indica a influência positiva de uma relação de empatia e confiança com os profissionais nas
vivências de emoções positivas e manutenção da auto-estima.
A capacidade de responder eficazmente às exigências de um posto de trabalho revela ter uma
relação direta (correlação positiva) com a afetividade positiva (r= .30; p<.01), ou seja, a vivência de
emoções positivas influencia a motivação para um desempenho laboral eficaz.
59
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Quadro 22 – Matriz de Correlações
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
1
Sexo
1
2
Idade
-.113
1
3
Cidade
-.001
.083
1
4
-.074
.133
-.041
1
-.025
.196*
-.032
.868**
1
-.008
.141
.115
.807**
.743**
1
-.044
.161
-.075
.915**
.870**
.761**
1
8
VT
Prestígio
VT
Estabilidade
VT
Realização
Profissional
VT
Relações
sociais
Auto-estima
-.003
-054
.028
.190*
.157
.162
.119
1
9
Solidão
-.088
.025
.035
.271**
.202*
.249**
.264**
.104
1
10
Afectividade
Positiva
Afectividade
Negativa
Satisfação
com a Vida
-.076
.180*
.196*
.233**
.175*
.224*
.275**
-.042
.168
1
-.223**
-.007
-.016
.062
.010
.187*
-.030
.284**
.237**
-.105
1
-.143
-.207**
-.014
.060
.035
.060
-.030
.059
.003
.275**
-.234**
5
6
7
11
12
12
1
60
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Quadro 23 – Matriz de Correlações
Valor das relações
Afetividade
Afetividade
Satisfação
Auto-
Solidão
com os profissionais
positiva
negativa
com a Vida
estima
(UCLA
das instituições de
(PANAS)
(PANAS)
(SWLS)
(RSES)
Loneliness
apoio
Valor das relações com os
PearsonCorrelation
profissionais das instituições
Sig. (2-tailed)
de apoio
N
Afetividade positiva (PANAS)
PearsonCorrelation
Sig. (2-tailed)
N
Afetividade negativa (PANAS)
Scale)
1
159
,203*
1
,019
134
140
PearsonCorrelation
,014
-,098
Sig. (2-tailed)
,875
,266
134
132
140
-,061
**
-,234**
,459
,001
,007
148
133
133
157
*
**
**
-,008
N
Satisfação com a Vida
PearsonCorrelation
(SWLS)
Sig. (2-tailed)
N
Auto-estima
PearsonCorrelation
(RSES)
Sig. (2-tailed)
N
Solidão
PearsonCorrelation
(UCLA Loneliness Scale)
Sig. (2-tailed)
N
,199
,275
,405
1
-,406
1
1
,018
,000
,000
,922
141
129
130
147
152
-,041
**
**
**
-,366**
-,418
,414
-,299
,625
,000
,000
,000
,000
144
134
133
148
143
1
155
*. Correlation is significant at the 0.05 level (2-tailed).
**. Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed).
61
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
62
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
SÍNTESE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUANTITATIVO
Ao nível do percurso escolar dos participantes verifica-se uma prevalência de baixos níveis
de escolaridade, pautado por insucesso e abandono escolar precoce que ditou um início laboral em
idade jovem ou muito jovem.
Do processo de entrada da situação de sem-abrigo destaca-se a existência de relações
conflituosas e/ou instáveis no núcleo familiar, acompanhada de redes sociais frágeis é um dos
maiores fatores que predispõem à situação de sem-abrigo, para a qual concorrem igualmente as
dificuldades em obter rendimentos que possibilitem a autonomia e independência.
No respeitante ao recurso a serviços de apoio verifica-se uma forte dependência dos
serviços de apoio institucionais, principalmente no que se refere à satisfação das necessidades
básicas: alojamento, alimentação e vestuário.
Salienta-se que, ao longo da trajetória de vida as sucessivas ruturas com os diversos sistemas
sociais potenciam a fragilização do indivíduo na capacidade de controlo do seu percurso podendo
determinar vivências em situação de sem-abrigo e, consequentemente, uma maior dificuldade de
acesso a recursos de autonomização.
Já no que se refere ao processo de saída da situação de sem-abrigo verifica-se um forte
sentido de responsabilidade dos próprios indivíduos para uma saída eficaz da atual situação,
contudo reconhecem uma grande necessidade de apoio institucional através da figura do
profissional.
Quanto à dimensão do trabalho este emerge como a maior dimensão organizadora da vida,
através da retrospetiva dos seus percursos de vida, mas também como o fator principal de saída da
situação de sem-abrigo e estabilizador das suas vidas no futuro.
As dinâmicas da dimensões do trabalho e da situação de sem-abrigo destaca que esta última
dificulta o acesso ao trabalho, à habitação e a uma melhoria das relações pessoais, forjando
(re)adaptações e competências não desejadas.
Manifestamente observa-se uma forte necessidade de ocupação saudável do tempo, como
ferramenta de resistência às vulnerabilidades das situações e como promotora do desenvolvimento
de competências.
A situação de sem-abrigo força a reajustamentos das identidades pessoais e sociais, das
perspetivas de futuro e na definição de objetivos de vida.
63
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
No processo de saída da situação de sem-abrigo sublinha-se a importância dos profissionais
das instituições de apoio como figuras mediadoras entre as políticas sociais e as mudanças práticas
nas vidas de cada uma das pessoas em situação de sem-abrigo através da promoção da autonomia e
independência, pelo acesso ao trabalho, habitação e à comunidade.
A situação de sem-abrigo potencia vivências emocionais negativas, com impacto ao nível da
auto-estima, criando um efeito de bola de neve.
64
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUALITATIVO
Previamente às entrevistas, solicitou-se a colaboração de entidades públicas e privadas para
a seleção de participantes e na disponibilização de espaços físicos, quando possível, para a sua
realização. Procedeu-se ao esclarecimento individual dos objetivos do estudo e das entrevistas,
salvaguardando a identidade e privacidade dos seus participantes, uma vez que as entrevistas
obrigavam a gravação áudio. Para esse efeito, os entrevistados assinaram um Consentimento
Informado sobre a sua participação no estudo qualitativo.
Como já foi referido anteriormente, as entrevistas foram efetuadas ao longo de 5 meses, em
concomitância com o estudo quantitativo, nas cidades de Coimbra, Vila Nova de Gaia e Porto. Em
alguns casos, verificou-se a necessidade de repartir a entrevista em diferentes dias, dada a duração
das mesmas. As 14 entrevistas apresentam uma duração com intervalos variáveis entre 55 minutos e
5 horas e 15 minutos.
Seguidamente à conclusão da fase de entrevistas, procedeu-se à transcrição completa e à
análise de conteúdo clássica (Bardin, 1977) de cada uma, possibilitando a estruturação de um
esquema de categorias (incluindo subcategorias, unidades de registo e unidades de contexto)
comum às entrevistas.
Para cada um dos entrevistados, solicitou-se o preenchimento de uma ficha abreviada de
caraterização sociodemográfica, cujos dados se apresentam de seguida, após o seu tratamento na
base de dados em SPSS.
I.
Dados Sociodemográficos da Amostra
As entrevistas foram realizadas a 9 homens (64.3%) e 5 mulheres (35.7%), com idades
compreendidas entre os 25 e os 64 anos de idade (M=44.07, S=10.81). Na sua maioria são solteiros
(n=10; 71.4%), dois entrevistados são divorciados (14.3%), um é casado (7.1%) e outro é viúvo
(7.1%).
Os níveis de escolaridade da amostra distribui-se entre o 5º e 6º ano de escolaridade (n=6;
42.9%), 1º e 4º ano de escolaridade (n= 4; 28.6%) e o 7º e 9º ano de escolaridade (n=4; 28.6%).
Metade dos entrevistados (50%; n=7) tem filhos, sendo que a média de filhos é 2.
No que se refere à situação de sem-abrigo, mais de metade (57.1%; n=8) encontra-se, pela
primeira vez, nesta situação, sendo que, nos momentos das entrevistas, se encontravam nas
seguintes situações:
65
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
•
Centros de Acolhimento Temporários: 35.7% (n=5);
•
Outras situações (compreendem as situações de sem-casa, em que pernoitam em
quartos pagos através do Rendimento Social de Inserção ou outro apoio estatal ou
institucional): 35.7% (n= 5);
•
Albergues: 21.4% (n=3);
•
Edifícios abandonados: 7.1.% (n= 1).
Mais de metade dos entrevistados (71.4%; n=10) refere utilizar os serviços de apoio
institucional, tais como:
•
Albergues: 21,4% (n= 3);
•
Centro de Acolhimento Temporário: 21.4% (n=3);
•
Serviços de alimentação: 21.4% (n=3);
•
Serviços de lavandaria: 28.6% (n=4);
•
Apoio em vestuário: 14.35 (n=2);
•
Apoio social: 28.6% (n=4);
•
Serviços de Psicologia: 35.7% (5);
•
Apoio jurídico: 14.3% (n=2);
•
Serviços de saúde: 42.9% (n= 6).
Os entrevistados que recorrem aos serviços de apoio indicaram que este recurso é diário
(64.3%, n= 9), sendo que 14.3% (n= 2) recorre algumas vezes a esses serviços.
No que respeita a comportamentos de consumo de substâncias psicoativas, a maioria dos
entrevistados (92.9%; n= 13) refere não consumir drogas, apenas um entrevistado indica que
consome drogas algumas vezes. Já no que respeita ao consumo de bebidas alcoólicas metade dos
entrevistados (50%; n=7) assume o seu consumo, sendo que 66.7% (n= 4) o faz algumas vezes, 16.7%
(n=1) consome todos os dias e também 16.7% (n=1) apenas bebe raramente. Do grupo de
entrevistados que consome bebidas alcoólicas, quatro (28.6%) indicam que, num dia normal de
consumo, bebe 1 a 2 copos. Apenas um entrevistado refere consumir 6 copos ou mais num dia,
menos que uma vez por mês e outro entrevistado refere que esse número de bebidas só o faz uma
vez por mês. Já ao contrário dois entrevistados referem que nunca consomem esse número de
bebidas.
Por fim, metade dos entrevistados (50%; n=7) necessitou de ajuda psiquiátrica ao longo da
sua vida, contudo a apenas 30% (n=3) foi diagnosticado uma perturbação mental, nomeadamente
depressão (21.4%; n=3). A maioria (71.4%; n=10) indica não ter tido qualquer problema com a
Justiça ao longo da sua vida.
66
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
II.
Resultados da Análise de Conteúdo
Da análise de conteúdo individual das entrevistas emergiram 12 categorias comuns que vão encontro das dimensões contempladas no guião de entrevista.
Encontra-se de seguida um esquema simplificado de cada categoria, onde se identificam as subcategorias.
CATEGORIA 1
CATEGORIA 2
CATEGORIA 3
CATEGORIA 4
CATEGORIA 5
CATEGORIA 6
TRAJECTÓRIA DE VIDA E
ACONTECIMENTOS
SIGNIFICATIVOS
CONTEXTOS
RELACIONAIS
PERCURSO ESCOLAR
FORMAÇÃO
OCUPAÇÃO DE
TEMPOS LIVRES
TRANSIÇÕES DE
TRABALHO
Subcategorias
Subcategorias
Subcategorias
Subcategorias
Subcategorias
2.1. Principais figuras
significativas positivas
3.1. Auto-imagem
como aluno/a
1.2. Vivências da
adolescência e
juventude
2.2. Relações
negativas e rupturas
com as diferentes
figuras familiares
3.2. Significado da
escola
1.3. Etapas de
autonomização e
independência
2.3. Relação com os
sistemas
institucionais
1.4.Relações
potenciadoras
vulnerabilidade
idade adulta
2.4. Redes de
sociabilidade e de
suporte
1.1. Experiências
traumáticas de
infância
de
em
1.5. Condições
socioeconómicas de
vida desfavoráveis
2.5. Relação com o
espaço e o território
3.3. Abandono dos
estudos
4.1. Avaliação e valor
atribuído à formação
4.2. Experiências de
formação em situação
de sem-abrigo
5.1. Formas de
ocupação do tempo
em situação de semabrigo
5.2. Formas de
ocupação do tempo
prévias à situação de
sem-abrigo
5.4. Importância da
ocupação do tempo
em processos de
mudança
Subcategorias
6.1. Percurso de
trabalho prévio à
situação de semabrigo
6.2. Significações
atribuídas ao trabalho
6.3. Relações em
contexto de trabalho
6.4. Auto-avaliação
das competências
profissionais
6.5. Vivências das
situações de
desemprego
6.6. Acesso ao
trabalho em situação
de sem-abrigo
67
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 6
CATEGORIA 7
CATEGORIA 8
CATEGORIA 8
CATEGORIA 9
TRANSIÇÕES DE
TRABALHO (Cont.)
PERSPECTIVANDO O
FUTURO
VIVÊNCIAS EM
SIUTAÇÃO DE SEMABRIGO
VIVÊNCIAS EM
SIUTAÇÃO DE SEMABRIGO (Cont).
PROCESSO DE SAÍDA
DA SITUAÇÃO DE
SEM-ABRIGO
Subcategorias
Subcategorias
Subcategorias
6.7. Experiências de
trabalho em situação
de sem-abrigo
7. 1. Objetivos de vida
prévios à situação de
sem-abrigo
Subcategorias
6.8. Perspectivas
futuras acerca de
trabalho
7.2. Objetivos de vida
atuais (em situação
de sem-abrigo)
7.3. Crenças no futuro
8.1.Experiências em
situação de semabrigo
8.8. Reconstruções
das visões sobre o
outro
8.2. Percepções sobre
a situação de semabrigo
8.9. Necessidades
identificadas em
situação de semabrigo
8.3. Imagem
construída da pessoa
sem-abrigo
8.4.Relações em
situação de semabrigo
8.5. Processo de
entrada na situação
de sem-abrigo
8.6. Processos de não
identificação com a
imagem social
dominante da pessoa
em situação de semabrigo
8.10. Mudanças
percepcionadas com
a situação de semabrigo
8.11. Vivências
emocionais em
situação de semabrigo
8.12. Vivência do
estigma social
8.13. Estratégias de
sobrevivência em
situação de semabrigo
Subcategorias
9.1. Avaliação do
apoio institucional
durante a situação de
sem-abrigo
9.2. Motivação
intrínseca para a
saída da situação de
sem-abrigo
9.3. Atribuição da
responsabilidade no
apoio para a saída da
situação de semabrigo
9.4. Dificuldades de
acesso à habitação e
emprego
9.5. Mudanças
percepcionadas na
saída da situação de
sem-abrigo
8.7. Autoconhecimento em
situação de semabrigo
68
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 10
CATEGORIA 11
CATEGORIA 12
CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE
SAÚDE, DOENÇA
MENTAL E
DEPENDÊNCIAS
CONTEXTOS DE
VIVÊNCIAS PARENTAIS
Subcategorias
Subcategorias
Subcategorias
10.1. Imagens
dominantes do Self
ao longo da
trajectória de vida
11.1. Vivências de
perturbação mental
ao longo da
trajectória de vida
10.2. Autorepresentações
actuais
11.2. Vivências de
perturbação mental
em situação de semabrigo
12.1. Sentimento de
competência parental
12.2. Vivências de
afastamento/
separação dos filhos
11.3. Abuso e
dependências de
substâncias
psicoactivas: drogas e
álcool
11.4. Percurso
criminal
69
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Os seguintes quadros possibilitam uma descrição detalhada das subcategorias e respetivas unidades de registo.
CATEGORIA 1
SUB
CATEGORIAS
1.1.
Experiências
traumáticas de
infância
TRAJECTÓRIA DE
VIDA E
ACONTECIMENTOS
SIGNIFICATIVOS
1.2.
Vivências da
adolescência e
juventude
UNIDADES DE REGISTO
1.1.1. Sofrer/assistir a maustratos e violência doméstica
1.1.2.
Vivências de abusos sexuais
1.1.3.
Vivências de abandono dos pais
devido à toxicodependência dos
mesmos
1.1.4.
Memórias positivas associadas à
infância
1.1.5.
Impacto do conhecimento de se
ser criança adoptada
1.1.6.
Abusos psicológicos durante
período de institucionalização
1.2.1.
Mudanças dos sistemas
nucleares de protecção
1.2.2.
Início do percurso de abuso e
dependência de substâncias
(drogas e álcool)
1.2.3.
Alterações da dinâmica familiar,
individual e escolar devido ao
divórcio dos pais
Frequência das
Unidades de Registo
5
Descrição da Subcategoria
4
2
4
2
Abrange diversas experiências vivenciadas no período da infância e criadoras
de sofrimento psicológico e emocional e consequentes traumas revividos ao
longo do percurso de vida. Incluem-se situações de violência doméstica na
família; abandono, negligência e abusos sexuais, físicos e psicológicos por
parte dos pais/progenitores e em regime de acolhimento institucional;
toxicodependência dos pais; institucionalização em criança e impacto do
conhecimento de se ser uma criança adoptada.
2
4
2
Engloba situações geradoras de stress e angústia na família, como divórcio
dos pais e alterações do núcleo familiar protector (substituição ou ausência
de figuras cuidadoras) e alteração comportamental dos indivíduos durante a
fase da adolescência, nomeadamente comportamentos de risco assumidos no
abuso e dependência de substâncias (drogas e bebidas alcoólicas).
1
70
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 1
TRAJECTÓRIA DE
VIDA E
ACONTECIMENTOS
SIGNIFICATIVOS
(Cont.)
SUB
CATEGORIAS
1.3.
Etapas de
autonomização e
independência
1.4.
Relações
potenciadoras de
vulnerabilidade em
idade adulta
1.5.
Condições
socioeconómicas
de vida
desfavoráveis
UNIDADES DE REGISTO
Frequência das
Unidades de Registo
1.3.1. Maternidade/Paternidade
1.3.2.
Serviço militar
1.3.3.
(Re)Início da actividade profissional
como medida de autonomia e
independência
1.3.4.
Ausência de estrutura familiar na
aprendizagem da gestão da vida
diária
1.3.5
Investimento em relação amorosa
como forma de saída de casa
1.3.6.
Abandono da casa do núcleo familiar
marca início de vida independente
2
2
1.4.1. Necessidade de refúgio e
protecção institucional do agressor
1
1.4.2.
Abuso de confiança por parte de
cônjuge
1
1.5.1. Vivência de situações de
privação na infância
7
1.5.2. Situações de privação e outras
dificuldades marcantes na vida
adulta
1.5.3. Percepção sobre a actual
situação de crise
2
Descrição da Subcategoria
Reporta a diferentes momentos de emancipação dos entrevistados que inclui
maternidade/ paternidade em idade jovem (18/20 anos), relações amorosas intensas
(uniões de facto/casamento), tropa, independência resultante de trabalho
remunerado, independência da família e autonomia total (por ausência de controlo de
figuras familiares).
1
1
1
3
4
Abrange as situações reportadas pelos entrevistados de relações abusivas (violência
conjugal e abuso de confiança) que resultaram em ruptura relacional do casal e
proporcionaram momentos de grande vulnerabilidade social.
Reporta circunstâncias de privação na infância e juventude, indicadoras de reprodução
de situações de pobreza do contexto familiar dos entrevistados. São referidas as
dificuldades que, ao longo da vida, conduzem à manutenção da situação de
vulnerabilidade sócio-económica, como dificuldades de acesso ao mercado de bens e
serviços (alimentação, vestuário, habitação, etc.) e aos sistemas geradores de
rendimento. É também registada a opinião dos entrevistados que, na qualidade de
cidadãos, reflectem e avaliam sobre os efeitos da actual situação social, económica,
política e cultural do contexto local onde vivem e do país.
71
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 2
SUB
CATEGORIAS
2.1.
Principais figuras
significativas
positivas
CONTEXTOS
RELACIONAIS
2.2.
Relações
negativas e
rupturas com
diferentes figuras
familiares
2.3.
Relação com
sistemas
institucionais
UNIDADES DE REGISTO
2.1.1.
Pessoas da família consideradas
como influentes e marcantes nas
suas vidas
2.1.2.
Pessoas consideradas como
significativas nas suas vidas
2.2.1.
Relações com as figuras
parentais marcadas pela
instabilidade ou ausência de
afeto
2.2.2.
Distanciamento emocional na
relação com o núcleo familiar
2.2.3.
Inexistência de laços afectivos
na família
2.2.4.
Separação/Divórcio
2.2.5.
Ruptura relacional com
familiares
2.3.1.
Influência nefasta do sistema
institucional no percurso de vida
2.3.2.
Profissionais como figuras de
suporte
Frequência das
Unidades de Registo
11
3
5
4
1
Descrição da Subcategoria
Abrangem-se nesta subcategoria as pessoas (familiares e outros) com quem
os entrevistados estabeleceram vinculações afectivas cuja influência se
estenderam ao longo do seu percurso de vida, pelo seu carácter protector e
afectivo.
Abrange a qualidade negativa de relações com diferentes elementos da
família que se caracteriza por inexistência de laços afectivos, instabilidade ou
distanciamento emocional na relação com os pais e irmãos. Engloba ainda
situações de rupturas nas relações dos entrevistados, nomeadamente com
figuras familiares (pais ou outras figuras cuidadoras) e com pessoas com
quem mantinham relações amorosas ou estiveram casados/as e que
exerceram uma influência negativa nas etapas seguintes das suas trajectórias
de vida.
7
5
2
6
Agrupa as relações dos entrevistados com os diferentes organismos públicos,
nomeadamente o sistema institucional de apoio e protecção social, através
das relações estabelecidas com os diferentes profissionais, considerando-se a
influência destes nas estratégias de coping das suas situações de
vulnerabilidade social. Os profissionais assumem um papel protector e
afectivo para os entrevistados influenciando as oportunidades
percepcionadas de melhoria das circunstâncias de vida.
72
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 2
SUB
CATEGORIAS
2.4.
Redes de
sociabilidade e de
suporte
CONTEXTOS
RELACIONAIS
(Cont.)
2.5.
Relação com o
espaço e o
território
UNIDADES DE REGISTO
2.4.2. A integração na
comunidade local como factor de
suporte
2.4.2.
Importância de estabelecer
relações de empatia com
profissionais de serviços
institucionais de apoio
2.5.1.
O sentimento de pertença ao
lugar como factor de bem-estar
2.5.2.
Percepção da cidade como lugar
de maior acesso a apoios e
oportunidades
Frequência das
Unidades de Registo
2
3
2
2
Descrição da Subcategoria
Identifica os círculos sociais dos entrevistados e a influência dos mesmos em
momentos de tomada de decisão e situações de protecção e apoio, como
pessoas da comunidade e de serviços públicos e/ou privados e os grupos de
amizades.
Agrupam-se as percepções dos entrevistados sobre a sua relação com os
territórios em que vivem, ou viveram, e a medida em que estes constituem
um factor relevante para as decisões dos entrevistados, quer pelo sentimento
de pertença a um lugar e às suas gentes, quer pela presença de infrasestruturas e equipamentos, associados a mais oportunidades e melhores
condições de vida.
73
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 3
SUB
CATEGORIAS
3.1.
Auto-Imagem
como aluno/a
3.2.
Significado da
escola
PERCURSO
ESCOLAR
3.3.
Abandono dos
estudos
UNIDADES DE REGISTO
3.1.1.
Percepção negativa do
desempenho escolar
3.1.2.
Percepção positiva do
desempenho escolar
Frequência das
Unidades de Registo
Reporta-se às auto-avaliações dos entrevistados sobre o seu desempenho
escolar e respectivas competências de aprendizagem.
3
4
3.2.1.
Escola como fonte de segurança
3.2.2.
Perspectiva positiva da escola
3.2.3.
Impacto da revolta pessoal no
percurso escolar
3.3.1.
Desmotivação para a continuação
do percurso escolar
3.3.2.
Influência negativa de grupo de
pares
3.3.3.
Influência de acontecimentos
significativos no percurso escolar
3.3.4.
Desejo de autonomia financeira
1
3.3.5
Início da actividade laboral para
apoiar a família
2
4
Agrupam-se as significações atribuídas à escola, nomeadamente como um
local de refúgio e segurança durante a infância e adolescência ou pelo
contrário como um espaço punitivo.
1
3
2
1
São indicados pelos entrevistados os motivos que os conduziram a desistir de
prosseguir os estudos: desmotivação, influência do grupo de pares, desejo de
trabalhar pela respectiva autonomia financeira e instabilidade familiar.
1
74
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 4
SUB
CATEGORIAS
4.1.
Avaliação e valor
atribuído à
formação
PERCURSO DE
FORMAÇÃO
4.2.
Experiências de
formação em
situação de semabrigo
UNIDADES DE REGISTO
4.1.1.
A formação académica e/ou
profissional percebida como
factor promotor de ascensão
social e de melhor qualidade de
vida
4.1.2.
Crítica ao sistema de cursos de
formação
4.1.3.
Crítica ao sistema de cursos de
formação
4.2.1.
Vantagem da realização de cursos
de formação profissional
4.2.2.
Realização de cursos de
equivalência de habilitações
escolares
4.2.3.
Inadequação do sistema de
cursos de formação em relação às
necessidades e condicionantes de
estar em situação sem-abrigo
4.2.4.
Cursos de formação como fonte
alternativa de rendimento
Frequência das
Unidades de Registo
7
Aqui agrupam-se os diferentes graus de importância atribuídos aos cursos de
formação, destacando-se, por um lado, as suas vantagens para o percurso
profissional e por outro, as suas limitações, onde se contemplam algumas
críticas ao seu funcionamento.
4
1
1
2
1
Engloba as experiências de formação dos entrevistados enquanto se
encontra(va)m em situação de sem-abrigo, apontando as vantagens dos
cursos para o currículo e (re)integração no mercado de trabalho, a par da
equivalência a níveis de escolaridade e também situações de inadequação do
sistema de formação em conflito com as necessidades da situação de semabrigo.
2
75
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 5
SUB
CATEGORIAS
UNIDADES DE REGISTO
5.1.1.
Realização de actividades de
voluntariado de apoio a pessoas
em situação de vulnerabilidade
5.1.
Formas de
ocupação do
tempo em
situação de semabrigo
OCUPAÇÃO DO
TEMPO LIVRE
5.2.
Formas de
ocupação do
tempo prévias à
situação de semabrigo
5.3.
Importância da
ocupação do
tempo em
processos de
mudança
Frequência das
Unidades de Registo
1
5.1.2.
Actividades sociais e lúdicas
5
5.1.3.
Realização de actividades de
desporto
5.1.4.
Actividades ocupacionais em
regime de acolhimento
institucional
5.2.1.
Convívio social em espaço da
comunidade
5.2.2.
Actividades lúdicas
1
Abrange as actividades ocupacionais que os entrevistados realizam em
situação de sem-abrigo, que varia desde a realização de voluntariado a outras
actividades de lazer.
2
1
Reporta-se às actividades mencionadas pelos entrevistados ao longo da sua
vida, destacando determinados períodos, como durante a adolescência.
3
5.3.1.
Importância da ocupação do
tempo para o processo de
recuperação de dependências
5.3.2.
Influência das actividades
ocupacionais no bem-estar
psicológico
2
Agrupa as diferentes atribuições de valor à ocupação do tempo com
actividades que, não só possibilitam a ocupação da mente, mas também a
reorganização das suas circunstâncias de vida.
2
76
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 6
SUB
CATEGORIAS
6.1.
Percurso de
trabalho prévio à
situação de semabrigo
TRANSIÇÕES DE
TRABALHO
6.2.
Significações
atribuídas ao
trabalho
UNIDADES DE REGISTO
6.1.1.
Primeiras experiências de trabalho
em idade precoce
6.1.2.
Primeiras experiências de trabalho na
adolescência
6.1.3.
Diversidade de áreas de trabalho ao
longo do percurso profissional
6.1.4
Múltiplos motivos de saída do
trabalho (abandono do posto,
despedimentos, falências, etc.)
6.1.5.
Influência das perturbações de
adição no percurso de trabalho
6.1.6.
A crise económica como causa da
dificuldade em arranjar trabalho
6.1.7.
Insegurança laboral como factor
vulnerabilizante
6.2.1.
O trabalho serve para adquirir
experiência e conhecimentos
6.2.2.
Trabalho como fonte de rendimentos
6.2.3.
Trabalho como forma de ocupação
mental
6.2.4.
O trabalho possibilita a autonomia e
independência
6.2.5.
Trabalho como fonte de bem-estar
Frequência das
Unidades de Registo
5
7
8
19
Agrega as descrições das primeiras experiências de trabalho dos
entrevistados, que se concretizaram em idade precoce e na adolescência em
diversas áreas tais como restauração, trabalhos manuais, desporto, vendas e
indústria. Seguidamente, apontam-se os diferentes tipos de trabalho
realizados (restauração, construção civil, agricultura, limpezas, transportes,
comércio e indústria) e os motivos de saída dos mesmos (falências das
empresas, despedimentos, doença, dependências, entre outros). Destaca-se
ainda a influência dos comportamentos aditivos no desempenho laboral,
assim como a estrutura do mercado de trabalho atual na estabilidade da vida
dos entrevistados.
3
1
3
1
3
7
Abrange as diferentes concepções de valor do trabalho dos entrevistados,
relacionadas com a aquisição de experiência e conhecimento profissional,
ocupação da mente, fonte de rendimentos e de bem-estar pessoal e também
como base de autonomia e independência.
4
3
77
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 6
SUB
CATEGORIAS
6.3.
Relações em
contexto de
trabalho
6.4.
Auto-avaliação
das
competências
profissionais
TRANSIÇÕES DE
TRABALHO
(Cont.)
6.5.
Vivências de
situações de
desemprego
Frequência das
Unidades de Registo
UNIDADES DE REGISTO
6.3.1.
Características de personalidade
percebidas como promotoras de bom
ambiente laboral
6.3.2.
Relações positivas em contexto
laboral
6.4.1.
Características pessoais que
beneficiam o desempenho
profissional
6.4.2.
Capacidade de aprendizagem e
adaptação a novas funções
6.5.1.
Sentimento de inutilidade associado
à ausência de trabalho
6.5.2.
Dificuldade de ocupação eficaz do
tempo
6.5.3.
Sentimento de impotência e falta de
controlo sobre a própria vida
6.5.4
Importância das redes de suporte
para ultrapassar as dificuldades
resultantes da situação de
desemprego
6.5.5
Desemprego como sinónimo de
privação material
5
6
7
Engloba as avaliações dos entrevistados da qualidade das suas relações com
colegas e chefes, qu primaram pelo respeito, considerando que as suas
caraterísticas de personalidade possibilitaram o desenvolvimento de boas
relações laborais.
Os entrevistados revelam as imagens que têm de si como trabalhadores e no
cumprimento das suas tarefas laborais, sejam as actuais ou passadas,
revelando serem cumpridores e ativos no seu posto de trabalho.
2
5
4
Abrange as vivências emocionais dos entrevistados durante os períodos em
que não realiza(ra)m trabalho profissional e as dificuldades inerentes à
ausência de rendimento.
5
5
2
78
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 6
TRANSIÇÕES DE
TRABALHO
SUB
CATEGORIAS
6.6.
Acesso ao
trabalho em
situação de semabrigo
(Cont.)
6.7.
Experiências de
trabalho em
situação de semabrigo
6.8.
Perspectivas
futuras acerca de
trabalho
UNIDADES DE REGISTO
6.6.1.
A situação de sem-abrigo não é
impeditiva de conseguir trabalho
6.6.2.
Estigma social como obstáculo para
trabalhar
6.6.3. Factores que dificultam o
acesso ao trabalho (aparência, idade,
falta de recursos e espaços
adequados)
6.7.1.
Os trabalhos realizados
caracterizaram-se pela instabilidade
e/ou precariedade
6.7.2.
Trabalhar na instituição social que
apoia pessoas em situação de semabrigo
6.7.3.
Situação de sem-abrigo como
potenciadora de
abuso/discriminação no trabalho
6.8.1.
Problemas de saúde que inviabilizam
um futuro de trabalho
6.8.2.
Desejos de um trabalho que
possibilite a independência
6.8.3.
Proactividade na procura de trabalho
6.8.4
Auto-avaliação de capacidade
actual para trabalhar
Frequência das
Unidades de Registo
3
4
Agrupam-se as diferentes perspectivas sobre o acesso ao trabalho enquanto
vivenciam a situação de sem-abrigo. Enquanto uns consideram que a situação
em si não limita as oportunidades de acesso ao mercado de trabalho, outros
explanam as dificuldades sentidas devido ao estigma social associado.
4
2
Reporta-se a experiências de trabalho que os entrevistados executaram
enquanto se encontra(va)m em situação de sem-abrigo, apontando situações
de abuso e exploração laboral.
2
3
3
3
Mencionam-se as expectativas dos entrevistados em relação ao seu futuro
profissional, desde total descrença a desejo de trabalhar de forma honesta e
(re)obter independência e autonomia, uma vez que sentem as suas
competências profissionais ainda válidas.
3
9
79
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 7
SUB
CATEGORIAS
UNIDADES DE REGISTO
7.1.1.
Realização pessoal
7.1.
Objectivos de
vida prévios à
situação de semabrigo
PERSPECTIVANDO
O FUTURO
7.2.
Objectivos de
vida actuais (em
situação de semabrigo)
7.1.2.
Realização material
Frequência das
Unidades de Registo
1
1
7.1.3.
Indefinição de objectivos de vida
3
7.1.4.
Realização profissional
3
7.2.1.
Objectivos de autonomização e
independência
7.2.2.
Desejos de realização profissional
7.2.3.
Obtenção de um espaço que
garanta privacidade e segurança
7.2.4.
Mudança intrapessoal
7.2.5.
Ter trabalho para poder ajudar a
família
7.2.6.
Ter tranquilidade
Nesta subcategoria os entrevistados identificam os objetivos que foram
desenvolvendo ao longo da sua trajetória de vida, previamente à situação de
sem-abrigo e que se organizam por uma indefinição ou por realização a
diferentes níveis.
9
5
6
Agrupa os diversos objectivos que os entrevistados apontam como
orientadores dos seus percursos, destacando os propósitos a nível
profissional, pessoal e familiar (reunião com os filhos, por exemplo). A
necessidade de saída da situação de sem-abrigo focaliza as suas metas de
autonomia e independência, assim como as mudanças intrapessoais neste
processo.
3
1
2
80
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 7
SUB
CATEGORIAS
UNIDADES DE REGISTO
7.3.1.
Descrença num futuro melhor
7.3.
Crenças no futuro
PERSPECTIVANDO
O FUTURO
7.3.2.
Desejos de (re)encontros
familiares
7.3.3.
Esperança cautelosa de mudança
positiva
7.3.4.
Auto – confiança como força
motriz para a mudança
Frequência das
Unidades de Registo
3
3
Aqui agrupam-se as crenças manifestas dos entrevistados quanto ao seu
futuro, crenças que se caracterizam por esperança e mudanças positivas ou
por alguma incerteza. Destaca-se a importância de reencontros familiares
num futuro próximo.
4
5
(Cont.)
7.3.5.
Desejos de mudanças sistémicas
7.3.6.
Esperança e atitude positiva
como forma de resistência
1
2
81
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 8
SUB
CATEGORIAS
8.1.
Experiências em
situação de semabrigo
VIVÊNCIAS EM
SITUAÇÃO DE
SEM-ABRIGO
8.2.
Percepções sobre
a situação de
sem-abrigo
UNIDADES DE REGISTO
8.1.1.
Impacto emocional dos primeiros
momentos em situação de semabrigo
8.1.2.
Dificuldades de adaptação às
vivências (em regime institucional)
8.1.3.
Vivências com tecto (apoio de amigos
e familiares)
8.1.4.
Singularidades das vivências sem
tecto (em situação de rua)
8.2.1.
Comparação de situações com teto e
sem teto
8.2.2.
Necessidade de se estudar
aprofundadamente a problemática
8.2.3.
A situação de sem-abrigo obriga a
uma desvalorização de dias festivos
8.2.4.
Impacto psicológico das vivências em
situação de sem-abrigo
8.2.5.
Necessidade de ajuda externa/rede
de suporte para a saída da situação
de sem-abrigo
8.2.6. A concepção negativa sobre as
pessoas em situação de sem-abrigo
pode ser esclarecida através de
divulgação de informação
Frequência das
Unidades de Registo
12
11
1
Congrega as diferentes experiências dos entrevistados em situação de semabrigo, nomeadamente a descrição da primeira vez nesta situação e as suas
vivências em situação de sem-tecto (pernoitando na rua ou em edifícios
abandonados) e/ou sem-casa (em regime de acolhimento institucional),
sendo patente o impacto da sensação de desproteção e o medo associados a
estas vivências, as dificuldades de adaptação ao regimes e ambientes de
acolhimento institucional.
22
4
2
1
Incorpora as visões construídas sobre a problemática da situação de semabrigo, partindo das suas próprias experiências. São abordadas as percepções
sobre os outros que se encontram na mesma situação, a necessidade de
compreender de forma mais aprofundada as dimensões pessoais em cada
experiência e de se estruturar uma rede de apoio para uma saída eficaz da
situação de sem-abrigo.
3
4
1
82
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 8
SUB
CATEGORIAS
8.3.
Imagem
construída da
pessoa semabrigo
VIVÊNCIAS EM
SITUAÇÃO DE
SEM-ABRIGO
(cont.)
8.4.
Relações em
situação de semabrigo
UNIDADES DE REGISTO
8.3.1.
A diferença entre quem luta contra a
situação e quem se acomoda
8.3.2.
Demarcação dos outros em situação
de sem-abrigo
Frequência das
Unidades de Registo
4
4
8.3.3.
O outro em situação de sem-abrigo
precisa de apoio psicológico
8.3.4.
Estar sem-abrigo é estar livre
2
8.3.5.
Solidariedade entre quem está sem
abrigo
1
4
8.4.1.
Necessidade de isolamento em
regime de acolhimento
8.4.2.
(Re)aproximação à família
2
8.4.3.
Ausência de contacto familiar
4
8.4.4.
Criação de relações de amizade em
regime de acolhimento com pessoas
na mesma situação
8.4.5.
Ocultação da situação de sem-abrigo
perante os familiares e outras
pessoas
Alude às ideias (re)construídas pelos entrevistados sobre as pessoas
que vivenciam a situação de sem-abrigo, partindo da sua própria
experiência nesta situação, ou seja, os entrevistados descrevem as
suas percepções sobre o outro que também se encontra sem abrigo.
Alguns justificam a diferença entre si e os outros baseado na forma
como vivenciam a situação, outros consideram a necessidade de olhar
aprofundadamente aos problemas de cada um e outros apontam
ainda as características convergentes de quem está sem abrigo.
1
Nesta subcategoria menciona-se o estado actual das relações dos
entrevistados com as diferentes esferas relacionais: família, amigos e colegas
(aqui considerados como pessoas que partilham a mesma situação),
classificadas como ausentes ou aperfeiçoadas.
4
6
83
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 8
SUB
CATEGORIAS
UNIDADES DE REGISTO
8.5.1.
Vítima de violência doméstica
VIVÊNCIAS EM
SITUAÇÃO DE
SEM-ABRIGO
8.5.
Processo de
entrada na
situação de semabrigo
8.5.2.
Choque pela morte de um filho
8.5.3.
Separações/Divórcio
8.5.4.
Exigência das autoridades de
protecção de crianças e jovens
8.5.5.
Perda do emprego
Frequência das
Unidades de Registo
2
1
3
Abrange os diferentes contextos conducentes à situação de sem-abrigo (seja
para uma situação de sem-tecto ou para acolhimento institucional),
destacando-se as situações de violência doméstica, rupturas relacionais e
familiares e perda de emprego.
1
1
8.5.6.
Conflitos na família devido à
dependência alcoólica
(cont.)
8.6.
Processos de
(não)
identificação com
a imagem social
dominante da
pessoa sem
abrigo
8.5.7.
Auto-responsabilização pela
situação de sem-abrigo
8.5.8. Problemas incapacitantes
resultantes da dependência do
álcool
8.6.1.
Quem é sem-abrigo faz disso um
modo de vida
8.6.2.
Identificação hesitante
8.6.3.
Sem-abrigo é quem vive na rua
8.6.4.
Ser sem-abrigo é apenas não ter
casa
1
3
1
1
4
3
Esta categoria apresenta duas posições opostas reveladas pelos entrevistados
quanto às suas identificações com a imagem social dominante sobre quem se
encontra sem-abrigo. Por um lado, há quem se considere uma pessoa semabrigo, embora com resistências, contudo a maioria rejeita identificar-se
como uma pessoa sem abrigo, apontando diferentes motivos: sem-abrigo é
um modo de vida, sem-abrigo é quem vive na rua (por oposição a quem se
encontra acolhido institucionalmente) ou ser sem-abrigo significa unicamente
não ter casa
2
84
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 8
SUB
CATEGORIAS
8.7.
Auto –
conhecimento
em situação de
sem-abrigo
VIVÊNCIAS EM
SITUAÇÃO DE
SEM-ABRIGO
(cont.)
8.8.
Reconstruções
das visões sobre
o outro
UNIDADES DE REGISTO
8.7.1.
Maior controlo na tomada de
decisões
8.7.2.
Descoberta de novas
competências
8.7.3.
Benefício da situação de semabrigo para o auto-conhecimento
8.7.4
Maior compreensão sobre as
desigualdades sociais
8.8.1.
Avaliação das outras histórias de
vida no sentido da valorização da
própria
8.8.2.
Desconfiança no outro em
situação de sem-abrigo
8.8.3.
Resistência em conhecer as
outras pessoas
8.8.4.
Aproveitamento da situação de
sem-abrigo para benefício
próprio
8.8.5.
Mudança percepcionada no
comportamento do outro
Frequência das
Unidades de Registo
1
2
Agrupa as alterações que os entrevistados sentem na sua pessoa durante as
vivências em situação de sem-abrigo. Referem a forma como esta experiência
possibilitou mudanças nas suas acções, pensamentos e auto-imagens.
5
2
1
1
Reporta-se às novas configurações que o outro assume através do olhar dos
entrevistados com base nas suas experiências em situação de sem-abrigo. As
histórias de vida dos outros permitem reequacionar a própria trajectória ou,
pelo contrário, a tensão das situações de sem-abrigo não possibilita o
investimento em “conhecer” o outro. Por fim, menciona-se a descoberta de
uma realidade de exploração da situação para benefício próprio.
1
1
1
85
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 8
SUB
CATEGORIAS
UNIDADES DE REGISTO
8.9.1.
Necessidade de espaço privado
8.9.
Necessidades
identificadas em
situação de semabrigo
VIVÊNCIAS EM
SITUAÇÃO DE
SEM-ABRIGO
(cont.)
8.10.
Mudanças
percepcionadas
com a situação
de sem-abrigo
8.9.2.
Necessidade da presença do
outro, de reconhecimento e de
afeto
8.9.3.
Necessidade de apoio familiar
8.9.4.
Necessidade de preservação da
imagem
8.9.5.
Necessidade de acesso a
recursos para a satisfação de
necessidades básicas
8.9.6.
Necessidade de acesso a
informação sobre os serviços de
apoio existentes
8.10.1.
Perda da estabilidade e
autonomia financeiras
8.10.2.
Degradação da saúde (física e
psicológica)
8.10.3.
Reforço da motivação para a
prossecução dos objectivos de
vida
Frequência das
Unidades de Registo
2
12
3
Engloba as necessidades sentidas pelos entrevistados em situação de sem-abrigo: tais
como a privacidade (nas situações em que se encontram em regime de acolhimento),
o apoio de um amigo ou da família e o acesso a recursos.
1
6
1
2
6
Abrange as alterações sentidas em diferentes esferas da vida dos
entrevistados: estabilidade financeira, saúde física e mental.
2
86
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 8
SUB
CATEGORIAS
8.11.
Vivências
emocionais em
situação de semabrigo
VIVÊNCIAS EM
SITUAÇÃO DE
SEM-ABRIGO
8.12.
Vivência do
estigma social
(cont.)
UNIDADES DE REGISTO
8.11.1.
Sentimento de revolta pela
separação familiar
8.11.2.
Sentimento de vergonha
8.11.3.
Luto pela vida anterior à situação
de sem-abrigo
8.11.4.
Instabilidade emocional
8.12.1.
Discriminação no acesso ao
trabalho
8.12.2.
Sentimento de revolta/injustiça
pelo impacto da discriminação
social
8.12.3.
Imagem negativa errada
associada à situação de semabrigo
8.13.
Estratégias de
sobrevivência em
situação de semabrigo
8.13.1.
A poupança e a privação como
estratégia
8.13.2.
Recurso a serviços institucionais
para garantir a satisfação de
necessidades básicas
8.13.3.
Recurso a construções precárias
e abrigos precários
Frequência das
Unidades de Registo
1
2
Reporta-se às diferentes emoções vivenciadas em situação de sem-abrigo,
desde a revolta, vergonha e instabilidade emocional.
1
2
1
Apontam-se as percepções dos entrevistados acerca das suas vivências em
situação de sem-abrigo sob o estigma social dominante acerca das pessoas
sem-abrigo.
7
4
1
4
2
87
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 9
PROCESSO DE
SAÍDA DA
SITUAÇÃO DE
SEM-ABRIGO
SUB
CATEGORIAS
9.1.
Avaliação do
apoio
institucional
durante a
situação de semabrigo
UNIDADES DE REGISTO
9.1.1.
Empatia e esforço percepcionados no
profissional responsável pela gestão
do caso
9.1.2.
Comparação entre os serviços de
apoio de diferentes instituições
9.1.3.
Sentimento de falta de empenho e
esforço das instituições de apoio
11
1
6
9.1.4.
Importância de supervisionar os
apoios prestados
4
9.1.5.
Efeitos da sobreposição dos serviços
1
9.1.6.
Desadequação e insuficiências das
respostas prestadas pelo sistema
institucional
9.2.
Motivação
intrínseca para a
saída da situação
de sem-abrigo
Frequência das
Unidades de Registo
9.2.1.
A auto-estima e o sentido de
dignidade como factores de
resistência psicológica para a saída
da situação de sem-abrigo
9.2.2
Experiências em contexto
institucional geram motivação para a
saída da situação
9.2.4.
Diligências realizadas para sair da
situação de sem-abrigo
Agrega as apreciações realizadas pelos entrevistados sobre o desempenho e
empenho das instituições no apoio à sua situação em particular e na
problemática em geral, apontando críticas à estrutura do sistema institucional
que na sua perspectiva se encontra desadequado e é ineficaz.
8
8
Agrupa as percepções dos entrevistados quanto à sua motivação no
investimento para o processo de saída da situação de sem-abrigo. Verifica-se
uma auto-responsabilização pela gestão da motivação, considerando-se como
principais atores nessa transição.
1
1
88
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 9
PROCESSO DE
SAÍDA DA
SITUAÇÃO DE
SEM-ABRIGO
SUB
CATEGORIAS
9.3.
Atribuição da
responsabilidade
no apoio para a
saída da situação
de sem-abrigo
(cont.)
9.4.
Dificuldades de
acesso à
habitação e
emprego
UNIDADES DE REGISTO
9.3.1.
Necessidade de apoio familiar
para uma saída eficaz da situação
de sem-abrigo
9.3.2.
Influência do poder político e civil
para a facilitação do processo
9.3.3.
Propostas para os problemas da
pobreza e exclusão social
9.4.1.
Rendimento insuficiente para
uma habitação autónoma
9.4.2.
O acesso a emprego depende das
redes de sociabilidade
9.4.3.
Discriminação no acesso à
habitação
9.4.4.
Discriminação no acesso ao
emprego
Frequência das
Unidades de Registo
3
7
Abrange as figuras a quem os entrevistados atribuem um papel de
responsabilidade e apoio para o sucesso na saída da situação de sem-abrigo,
tais como figuras familiares, profissionais de instituições sociais e o Governo
português.
3
1
2
São enumerados os constrangimentos que os entrevistados vivenciam no
acesso à habitação e a emprego para uma efectiva saída da situação de semabrigo, tais como rendimentos insuficientes e vivências de discriminação,
quer pela própria situação de sem-abrigo, quer pela idade para trabalhar.
1
1
89
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 9
SUB
CATEGORIAS
UNIDADES DE REGISTO
9.5.1.
Reconstrução da identidade
pessoal
PROCESSO DE
SAÍDA DA
SITUAÇÃO DE
SEM-ABRIGO
9.5.
Mudanças
percepcionadas
na saída da
situação de semabrigo
9.5.2.
Reconfiguração das relações
familiares
9.5.3.
Sentimento de pertença como
pilar da saída eficaz da situação
de sem-abrigo
9.5.4.
Papel primordial das próprias
experiências no apoio a novas
saídas da situação de sem-abrigo
Frequência das
Unidades de Registo
2
1
1
Aborda as alterações em diferentes aspectos relacionais que se
proporcionam com a saída da situação de sem-abrigo: a
percepção de mudanças internas ao nível do Self, mudanças na
relação com outras pessoas em situação de sem-abrigo, com
familiares e nas vivências do quotidiano.
4
90
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 10
CONSTRUÇÕES DA
IDENTIDADE
SUB
CATEGORIAS
10.1
Imagens
dominantes do
Self ao longo da
trajectória de
vida
10.2.
Autorepresentações
actuais
UNIDADES DE REGISTO
10.1.1.
Auto-imagens negativas
10.1.2.
Percepção de uma auto-imagem
positiva
10.2.1.
Auto-representações positivas
10.2.2.
Ambivalência nas autopercepções
Frequência das
Unidades de Registo
6
Agrupam-se as imagens pessoais que os entrevistados desenvolveram
durante a sua infância e adolescência.
3
9
Abrange as auto-imagens actuais dos entrevistados, tendo em conta as
vivências ao longo da vida.
7
91
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 11
SAÚDE, DOENÇA
MENTAL E
DEPENDÊNCIAS
SUB
CATEGORIAS
11.1
Vivências de
perturbação
mental ao longo
da trajectória de
vida
11.2.
Vivências de
perturbação
mental em
situação de semabrigo
UNIDADES DE REGISTO
11.1.1.
Desenvolvimento de perturbação
depressiva em momentos críticos
11.2.1.
Apoio de medicação psiquiátrica
em situação de sem-abrigo
11.2.2.
Pensamentos suicidas/tentativas
de suicídio em situação de semabrigo
Frequência das
Unidades de Registo
2
3
Abrange as experiências dos entrevistados relacionadas com perturbações
mentais ao longo da sua trajectória de vida, nomeadamente episódios
depressivos em momentos críticos.
Abarca as situações mentais diagnosticadas e apoiadas com medicação
psiquiátrica, além da manifestação de pensamentos suicidas.
3
92
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 11
SAÚDE, DOENÇA
MENTAL E
DEPENDÊNCIAS
SUB
CATEGORIAS
11.3
Abuso e
dependências de
substâncias
psicoactivas:
drogas e álcool
(cont.)
11.4.
Percurso criminal
UNIDADES DE REGISTO
Frequência das
Unidades de Registo
11.3.1.
Antecedentes familiares de
dependências
5
11.3.2.
Percurso de abuso/dependência
de substâncias
7
11.3.3.
Dinâmicas relacionais
desfavoráveis durante os
períodos de dependência
3
11.3.4.
Adições durante a situação de
sem-abrigo
2
11.3.5.
Tratamentos a dependências em
situação de sem-abrigo
5
11.4.1.
Situações conducentes à entrada
na prisão
3
11.4.2.
Tráfico de substâncias
psicoactivas como forma de
sustento
1
Reúne as experiência dos entrevistados relacionadas com abuso e
dependência de drogas e álcool ao longo da sua trajectória de vida e durante
a situação de sem-abrigo, tendo igualmente em conta as dinâmicas
relacionais e os períodos de tratamento de dependências.
Junta os períodos que os entrevistados descrevem de realização de
comportamentos criminosos que os conduziram ao cumprimento de penas de
prisão efectiva.
93
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CATEGORIA 12
CONTEXTOS DE
VIVÊNCIAS
PARENTAIS
SUB
CATEGORIAS
12.1
Sentimento de
competência
parental
UNIDADES DE REGISTO
12.1.1.
Filhos como organizadores da
vida da mãe
3
12.1.2.
Auto-imagem de pai como
sustento da família
1
12.1.3.
A maternidade como fonte de
sentido para a vida
1
12.1.4.
Vivência de gravidez em situação
de sem tecto
1
12.2.1.
Mães e filhos institucionalizados
mas separados
12.2.
Vivências de
afastamento/
separação dos
filhos
Frequência das
Unidades de Registo
Reporta-se às avaliações que as entrevistadas possuem do seu desempenho
como pais, descrevendo-se como esforçadas, preocupadas e dedicadas.
1
12.2.2.
Necessidade de reestabelecer
papel de mãe
2
12.2.3.
A perda dos filhos como fonte de
desalento
9
Agrupa as situações de separação dos filhos por ordem judicial ou do sistema
de protecção de crianças e jovens, revelando-se a separação familiar como a
maior fonte de sofrimento.
94
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
SÍNTESE DA ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUALITATIVO
Destacam-se as experiências marcantes na Infância e Adolescência pela prevalência de
experiências traumáticas de infância e adolescência e respetivas repercussões na trajetória de vida,
nomeadamente sofrer/assistir a violência doméstica na família, abusos sexuais, situações de
privação e mudanças nos sistemas nucleares de proteção.
Exemplos de Unidades de Contexto que fundamentam esta análise:
E14 –“O meu pai era alcoólico também, e gastava o dinheiro todo… Pagava o que devia, gastava o
dinheiro todo e era pouco pa[ra] casa. Derivado a isso era porrada todos os dia… Não faltava… Fome,
porradinha não faltava… Porque ele era alcoólico, qualquer coisa, era sempre…”(…)Cheguei a fugir
de casa porque ele batia muito… Batia a mim, batia à minha madrasta. Já quando era a minha, a
minha falecida mãe, era igual.”
E12 – “Eu acho que a minha vida deu uma grande cambalhota a partir dos 12 anos, uh… porque aos
12 anos fui violada…(...) E fui… quando eu fui violada aos 12 anos, uh… foi por um senhor, um
lavrador, já tinha quase 60 anos na altura… Depois daí, a minha vida foi dando aquelas cambalhotas.
Andei em psicólogos, o meu pai [es]teve preso… Uh… esse indivíduo também [es]teve preso 7 anos, e
prontos.
E02 - “Os meus pais eram… eram, como é que eu hei-de dizer, ele era, era empregado da Câmara de
Gaia, Nas águas, e a minha mãe era… era doméstica. Lá andamos, um dia ela morre, e eu fui para
um colégio, porque ele não me podia aturar que eu nessa altura era fresco. Fui para o colégio,
passado um ano morreu ele, do colégio fui para o meu tio.”
A nível relacional os pais e avós são identificados como as figuras significativas com maior
influência nas perceções dos participantes sobre a sua trajetória de vida, quer como figuras de afeto
quer como figuras perturbadoras e conflituosas.
Os profissionais das instituições de apoio, durante o processo da situação de sem-abrigo,
assumem um papel de relevo, não apenas como figuras de autoridade e poder de decisão sobre as
suas próprias vidas, como de suporte psicológico e afetivo.
Exemplos de Unidades de Contexto que fundamentam esta análise:
E5 - Os meus pais, porque sempre foram o meu par, sempre me ajudaram em tudo, me
encaminharam sempre para o bom caminho, sem pensaram na minha profissão, sempre me
encaminharam e o meu pai então era uma pessoa muito experiente na área dos negócios, no
95
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
emprego e sempre me acompanharem. Sempre foram as pessoas muito importantes, para mim
foram os meus pais.”
E01 – “(…)amor, carinho, atenção, coisa que eu nunca tive com a minha mãe… da minha mãe ou do
meu pai. Eh… porque o meu pai só foi nosso pai, é só nosso pai de sangue, também já não o vejo há
mais de quinze anos, nem… confesso que nem saudades sinto dele.”
E01 - “(…)tive dez meses lá no Lar de S. H. e pus M. H. à… Foi uma homenagem que eu dei ao Lar de
S. H., pus o nome de M. H.. Depois quando eu fui para o meu plano de autonomia, quando ia para o
meu plano de autonomia eh… eu tinha uma relação muito grande com as irmãs, porque aquilo era
dirigido por irmãs, eh…”; “Eh… sim, portanto a doutora L. é gestora do meu processo, não é o doutor
J., é a doutora L.. E é assim, gosto muito dela, eh… ela tem uma personalidade forte, mas tem de ser
mesmo assim. Eh… e desabafo muito com ela, passo muito tempo no gabinete com ela, e é uma
pessoa sensível, que tem coração.”
Os participantes perspetivam a escola como um espaço de proteção e competência,
considerando que a continuidade dos estudos possibilitaria um percurso de vida mais ajustado e
com melhores condições de estabilidade.
Embora atribuam importância a aprendizagens formais em idade adulta, os participantes
manifestam críticas à estrutura formal dos cursos de formação, principalmente pela inadequação às
suas necessidades e percurso de vida.
A ocupação do tempo com atividades sociais e lúdicas influencia positivamente o bem-estar
pessoal.
Relativamente às conceções de trabalho, este é apontado como a principal fonte de
rendimento e, consequentemente, como a base fundamental de autonomia, independência e bemestar mental, ao promover o sentimento de pertença e utilidade social e laboral. Ao invés as
situações de desemprego produzem um impacto negativo que, pela sua persistência, conduzem a
uma maior fragilização psicológica e a um aumento da vulnerabilidade social que, por sua vez, é
perpetuada pelas situações de exploração laboral e de dificuldades de acesso ao trabalho,
sustentadas no estigma social associado às pessoas em situação de sem-abrigo.
Exemplos de Unidades de Contexto que fundamentam esta análise:
E5 – “É importante porque me ocupa o tempo, me distrai, porque me sinto valorizado, porque sou
uma pessoa dinâmica, sou dinâmico e isso ajuda-me muito na auto-estima, estar ocupado. E no
ramo que eu gosto então.”
96
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
E12 – “O importante é a gente viver a nossa vida e suportarmos a nós, as nossas despesas, sermos
independentes de toda gente, uh, e a maior tristeza que a gente pode ter é a gente não conseguir e
não termos esse trabalho e a gente ter que ser obrigado a ser dependente de alguém. Isso é… E eu
sinto, eu neste momento não estou dependente de nada nem de ninguém, eu estou dependente de
mim. Eu se fizer dinheiro ali, como; se eu não fizer dinheiro ali, eu não como, tenho que ir às
carrinhas. (…) Eu, se tivesse trabalho, eu não pedia nada a ninguém. Eu também tenho o meu
orgulho. Eu se tivesse um emprego, podia ter a certeza que eu ignorava a Segurança Social a cem por
cento, porque aquilo é tudo uma mentira, é tudo uma fachada.”
E8 – “Nunca tive problemas com patrões… Uh, pronto, uns mais agradáveis, outros menos. Uns mais
simpáticos, outros menos mas, por norma, quando chegava ao fim do mês, eles cumpriam e eu
também fazia por cumprir. Nunca fui despedido, [o] que é uma coisa boa que eu tive comigo, [que]
foi sempre nunca dar oportunidade aos patrões… para me despedir, porque eu, ao dar a
oportunidade a um patrão pa[ra] me despedir, estou-me a fragilizar a mim próprio. Uh, [es]tou a
demonstrar que não sou um bom operário.”
E8 – [Desemprego] “Sinto-me inútil. Uma coisa que não serve para nada. Porque eu sinto que não
sirvo para nada, uh…”
A obtenção de um trabalho remunerado que possibilite autonomia e independência é o mais
destacado, uma vez que se consideram aptos para reingressar no mercado de trabalho. Os
participantes consideram que a responsabilidade pessoal e a auto-confiança são os fatores
primordiais para a mudança das suas atuais situações, contudo manifestam uma esperança
cautelosa quanto à mesma.
Quanto a objetivos de vida, a realização profissional surge como o principal objetivo que os
participantes desejam alcançar, como sinónimo de autonomia e independência, paralelamente à
obtenção de um espaço (casa) seguro.
As vivências em situação de sem-abrigo, seja sem teto ou sem casa, são diversificadas,
contudo destaca-se o impacto emocional e psicológico dos primeiros momentos e as dificuldades de
adaptação a contextos desprotegidos (no caso da rua) e às dinâmicas dos regimes de acolhimento
institucional. A fragilidade ou a ausência de relações protetoras dificultam a criação ou
reestruturação de redes de suporte estáveis que viabilizem uma saída eficaz da situação de semabrigo. O estigma social é vivenciado diariamente pelos entrevistados refletindo-se na crescente
dificuldade de acesso a recursos para a satisfação de necessidades básicas, sendo que revelam
processo de resistência psicológica às imagens sociais dominantes num espaço de proteção da
identidade.
97
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Exemplos de Unidades de Contexto que fundamentam esta análise:
E10 – “(…)que nós tamos a falar dos sem-abrigo, que não têm emprego que… nem querem trabalhar
ou, muitas vezes sa… são… que são lhe oferecidas oportunidades e eles recusam, e as pessoas o… que
geralmente dizem: “Ah, não querem, deixa-os andar.” Mas é assim, nós p’ra percebermos um semabrigo, temos que ir ao fundo do problema dele, temos que ir ás raízes. Porque, se ele não quer,
porquê? no que é que ele deixou de acreditar? Nele próprio, em quê? Qua… qual é que foram os
traumas que ele passou? Então, ajudá-lo a resolver, porque não se começa a fazer uma casa pelo
telhado. E se queremos ajudar os sem-abrigo nestas casas, seja aonde for, temos que começar pelo
princípio. Ouvi-los, tentá-los compreendê-los, e mais importante que isso, tentar que eles se
compreendam a eles próprios e se aceitem a eles próprios. E a partir dai, garanto-lhe a si, que o
mundo começa a ser melhor. E os sem-abrigo, se calhar, começam a desaparecer, porque começam
a ter mais força e a ac… acreditar: “ Pera aí, isto não f… a vida não é… não é só assim.” E se
começam a ter mais gosto neles próprios, e quando uma pessoa começa a ter mais auto-estima,
necessariamente começa a… a s… a lutar por ele próprio. (…) Pronto, depois e é assim, será… se
calhar, as pessoas… os sem-abrigo, hoje em dia, isto… isto no merca… mesmo no mercado laboral
são… são tão esta… est…est… estigmatizados, que eles próprios ac… acabam por acreditar ne… que
ne… nesses estigmas que as pessoas lhe apontam, e pois acabam por… isto é… quase um… é quase
um vi… um ciclo vicioso. E não querem porquê? porque acreditam que não conseguem dar um passo
mais á frente, eles tão ali e não saem dali, porque a… as pessoas… eles acreditam, porque muitas
pessoas também o fazem acreditar que é mesmo assim, e eu acho que, pa acabar com os sem-abrigo
ou pa acabar com a discriminação social, devíamos ouvir…”
E8 – “Olhe, uma pessoa entrando numa situação de sem-abrigo é a mesma coisa que ir a um fundo
de um poço. JMS - Porque é muito difícil sair. Uma pessoa quando cai a um fundo do poço… Levantar,
sabe? Se não tiver alguém capaz de lançar uma corda para ele se agarrar à corda e subir para cima,
morre no poço. E o sem-abrigo se não tiverem… Se não tiver um alguém capaz… Uh, também de… Oh
pá, de o segurar, fazer tirar de uma situação coisa, pá. À medida que os anos vão passando, o semabrigo envelhece muito mais rápido, muito mais! Depois envereda por… para… Uh, para… Como é
que hei-de dizer? Para se andar com a cabeça… Oh pá, à roda, para se andar em desequilíbrio. Não é
preciso muito. Ir, basta ir ao Pingo Doce… Um alcoólico… Uma pessoa começa a beber uns copos e,
enfim, por 0,80€ compra um pacote de vinho e pronto, fica com a cabeça perturbada, uh, para
esquecer certos e determinados problemas e anda… E anda sistematicamente… Sistematicamente diariamente - dia após dia, mês após mês, ano após ano, e anda nisto. Se não tiver um alguém capaz
de dizer assim: “Vamos levantar esta pessoa”, é complicado… É muito complicado.”
A construção de relações de confiança com os profissionais das instituições de apoio tem
uma influência positiva na motivação das pessoas em situação de sem-abrigo para a vivência de
processos de mudança. Contudo, os entrevistados reconhecem a insuficiência e inadequação das
respostas existentes mas também criticam a ausência de esforço e empenho para a inovação e
avaliação eficaz das mesmas. Apontam portanto os decisores políticos e a sociedade civil como coresponsáveis na facilitação do processo de saída da situação de sem-abrigo, considerando que este
começa em si mesmos através da auto-confiança e motivação.
98
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Exemplos de Unidades de Contexto que fundamentam esta análise:
E10 – “Olhe, uh é assim, sem querer julgar ou criticar, eu penso que as instituições ou... ou, pronto as
entidades que acolhem sem-abrigos e tudo o mais, sim senhores fazem bom trabalho e tudo o mais,
mas em todas elas falta-lhe algo essencial, que é aquilo que eu já disse: é... é para com... porque háde reparar, mesmo aqui em C. isso passa-se, e não há ninguém que não possa... que possa dizer o
contrário é que, a nível de sem-abrigo, os que vêm p'ra aqui já tiveram no F., do Farol vão pa C. A. e
da C. A. vêm p'ra aqui, é um ciclo vicioso. Ou seja, nas... nas instituições haveria de haver organismos
- se calhar não é culpa das instituições, mas... mas sim do próprio... pronto, do próprio sistema, que é
mesmo assim - havia de haver um tempo disponibilizado p'ra... pa... pa cada utente, p'ra trabalhar o
utente, prepará-lo p'ra uma reinserção. E prepará-lo p'ra uma reinserção, não... não é só arranjar-lhe
trabalho. Isso não lhe vale de nada quando a pessoa em si, não está resolvida emocionalmente, ou
se... os seus traumas, ou seus problemas continuam e persistem. Não basta meter aqui uma pessoa,
tar aqui 6 meses, arranjar trabalho e "Vai lá... vai lá á tua vida." Isso não é ajudá-lo, porque ele vai
acabar, mais cedo ou mais tarde, ir parar ao mesmo sistema. Ou seja, o que falta nestas casas - não
tou a falar desta, tou a falar em todas - é ir ao fundo do problema com cada um.”
E11 - “(…)acho que as assistentes sociais se calhar deviam ir mais vezes para o terreno, porque muita
gente tenta também em desespero… porque lá está, se as pessoas não tem regras, não tem horários,
não tem nada, a assistente social diz para ir lá a uma consulta às duas da tarde e vão para lá e estão
lá uma tarde inteira à espera para ser atendidas, as pessoas não voltam mais. Porquê? A maior parte
dessas pessoas que já são sem-abrigo, já nem rendimentos têm nem nada, dizem assim: “Vou para lá
fazer o quê?”. As pessoas já vão a primeira vez com uma esperança, se falas a essas pessoas para se
sentar uma tarde inteira, muitas vezes para uma consulta que, se calhar até quem a vai atender não
vai saber falar com a pessoa, não vai entender o que a pessoa vai transmitir, muitas vezes desmotiva
o próprio sem-abrigo a lá voltar. Porque o sem-abrigo é sem abrigo, o sem-abrigo tem uma coisa, ele
não tem nada a perder.(…)”
A predominância de imagens pessoais negativas construídas ao longo da infância e
adolescência dão lugar a processos de sobrevivência identitária em situações de grande
vulnerabilidade, através de imagens positivas ou ambivalentes.
O recurso a apoio psiquiátrico durante a situação de sem -abrigo é destacado por alguns
participantes, assim como um percurso de abuso e dependência de substâncias psicoativas (antes e
durante a situação de sem-abrigo).
As mães em situação de sem-abrigo identificam os filhos como os principais elementos
estruturantes das suas vidas, vivenciando a sua perda e/ou separação com grande sofrimento
emocional.
99
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
CONCLUSÕES GERAIS
A análise efetuada dos resultados dos estudos quantitativo e qualitativo permitem concluir
que efetivamente, o trabalho constitui, para as pessoas em situação de sem-abrigo, o principal fator
promotor de bem-estar pessoal e social, enquanto gerador de sentimentos de utilidade. Constitui-se
também como promotor da auto-estima, sendo a principal ferramenta de autonomia e
independência. Por outro lado, a vulnerabilidade decorrente da situação de sem-abrigo potencia
situações de abuso e de exploração no trabalho que, ocorrendo frequentemente de forma ilegal,
colocam a pessoa numa posição ainda mais desprotegida.
As experiências marcantes ao longo da trajetória de vida (especialmente na infância e
adolescência) produzem efeitos potencialmente devastadores, por vezes mais do que a própria
situação de sem-abrigo, verificando-se a cristalização de diferentes formas de resistência psicológica
como forma de sobrevivência (incluindo a proteção da identidade). Situações de privação na infância
e juventude decorrentes de um histórico de pobreza na família, quando associadas a dificuldades
múltiplas ao longo da vida, potenciam situações de vulnerabilidade socioeconómica no futuro (ciclo
vicioso que condiciona a capacidade de acesso ao mercado de bens e serviços e aos sistemas
geradores de rendimento). As relações com familiares (especialmente com pais e filhos) produzem
uma forte influência na capacidade de avaliação do percurso de vida, nas referências identitárias e
na definição de objetivos de vida.
Os profissionais das instituições de apoio adquirem um papel decisivo: protetor, afetivo e de
grande responsabilidade na construção da mudança, tornando-se nas principais figuras relacionais
estáveis. A capacidade de resposta em intervir em períodos de transição (momentos marcantes de
dificuldades) pode ditar a diferença na prevenção da entrada em situação de sem-abrigo e, também,
na saída. Além do apoio na resolução da situação de privação, é apontada como fundamental a
necessidade de reconhecimento humano e de valorização da pessoa em situação de sem-abrigo,
como fonte de perseverança e de esperança na mudança.
Na qualidade de cidadãos, as pessoas nesta situação demonstram grande capacidade de
reflexão e avaliação sobre os efeitos da atual situação social, económica, política e cultural do
contexto local onde vivem e do país.
A prevalência de uma imagem negativa sobre as pessoas em situação de sem-abrigo reforça o
estigma e alimenta uma cultura de exclusão, produtora de mecanismos concretos de bloqueio à
integração destas pessoas.
100
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
LIMITAÇÕES DO ESTUDO
À natureza exploratória deste estudo que procurou seguir uma perspetiva holística e
compreensiva da problemática de sem-abrigo, associam-se diversas limitações inerentes à
metodologia utilizada em ambos os estudos que, por sua vez, dificultam a generalização dos
resultados à população sem-abrigo no geral.
Desta forma, destaca-se que no estudo quantitativo, o questionário aplicado era extenso,
demorando, em média, 45 minutos a preencher, além da necessidade de apoio no seu
preenchimento devido a questões de difícil compreensão. Verificou-se uma amostragem reduzida de
mulheres e de pessoas em situação de sem-teto, pelo que esta amostra não é representativa da
população em estudo.
No que respeita ao estudo qualitativo, houve necessidade de repartir as entrevistas em fases
de realização, o que conduz a momentos diferenciados e, consequentemente, estados de humor
que possam ter influenciado a colaboração nas entrevistas. Uma vez que é um estudo exploratório
não se especificaram múltiplas dimensões que caracterizam estas situações extremas e assim
analisar um nível mais fino das relações entre as mesmas. O número de entrevistas realizadas é
reduzido, pelo que seria importante efetuar mais entrevistas com o objetivo de aprofundar a análise
de conteúdo. Por fim, a maioria das entrevistas foram realizadas em contexto institucional o que
poderá resultar num fator condicionante na colaboração autêntica dos entrevistados.
101
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
RECOMENDAÇÕES
Com base na análise e discussão dos resultados do estudo, considera-se que as
recomendações emergentes devem contemplar transversalmente diferentes níveis sistémicos que
agem na e para a problemática da situação de sem-abrigo.
Portanto a nível macro-sistémico, verifica-se uma dupla necessidade de maior investimento
dos poderes políticos em políticas de prevenção das situações de pobreza e uma urgência de
desenvolvimento de políticas integradas (habitação, solidariedade social, emprego, economia) de
combate à exclusão social e, em particular, à situação de sem-abrigo. Para tal, é imprescindível o
envolvimento contínuo de decisores e atores políticos, sociais e civis na problemática através de
ações concertadas entre os núcleos de investigação, política, sociedade e comunidade.
Paralelamente, torna-se indispensável uma revisão transversal dos modelos e estratégias de
intervenção social desde a prevenção ao acolhimento e reinserção comunitária: social, habitacional,
laboral e relacional e que se deve efetuar através da abertura e facilitação das instituições de apoio,
públicas e privadas, no acesso aos recursos da comunidade local, possibilitando a sua ação nos
processos de inclusão social.
Já ao nível meso-sistémico importa aprofundar a articulação e cooperação interinstitucional
no sentido de adequar as respostas sociais existentes às necessidades de diferentes tipologias de
situação, passando por uma maior flexibilidade no funcionamento das instituições para uma melhor
resposta às especificidades de cada situação, sobretudo em momentos de transição. A comunidade
local surge como um recurso deveras essencial na promoção da inclusão social, investindo-se em
campanhas de sensibilização e consciencialização para a desconstrução simbólica da problemática,
principalmente do estigma social associado às pessoas em situação de sem-abrigo.
Numa vertente mais direcionada aos interventores nesta problemática, incentiva-se o
desenvolvimento de programas específicos, nomeadamente:
•
Programas (individuais e em grupo) de apoio psicológico para a capacitação pessoal e
profissional:
O acompanhamento e aconselhamento psicológico imediato torna-se imperativo para
minimizar o impacto psicológico e emocional de uma situação tão fracturante como é a
situação de sem-abrigo. Neste programa estariam estipuladas diferentes vertentes de
capacitação: pessoal, relacional, social, profissional e comunitária com o objectivo de
promover uma autonomia mais sustentada e articulada com uma rede de suporte.
•
Programas ocupacionais comunitários de cariz cultural, artístico e de participação cidadã
ativa, que promovam a ocupação profícua do tempo e o estabelecimento de relações:
102
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Assumindo as pessoas em situação de sem-abrigo como agentes ativos nestas atividades
(tendo como referência o Grupo Uma Vida como a Arte do Porto), estes programas visariam
a criação de iniciativas de diferente ordem (cultural, artística, comunitária e de cidadania)
com o mínimo de intervenção institucional, reservando a esta unicamente o papel de apoio.
•
Programas de informação sobre as estruturas de apoio social a pessoas em situação de semabrigo:
Ao longo do estudo observou-se que, nas primeiras noites em situação de sem-teto ou semcasa, as pessoas não têm conhecimento da rede social e institucional de apoio, pelo que
uma
informação
sucinta
e
específica
poderá
ajudar
nesse
sentido
(e.g.
desdobrável/brochura).
•
Programas de informação junto da comunidade e rede de empregadores, transformando-os
em elementos facilitadores de processos de mudança:
Visando a desconstrução de ideias socialmente construídas e enraizadas sobre as pessoas
em situação de sem-abrigo e assumindo-as como pessoas com competências profissionais e
sociais, estes programas seriam executados pontualmente em contexto comunitário e
empresarial.
•
Programa de mediação social e comunitária, destinado a pessoas em situação de semabrigo:
Aproveitando o capital humano que as experiências em situação de sem-abrigo possibilitam,
este programa visaria a dotação de competências de mediação entre as instituições sociais e
as pessoas que se encontram nesta situação, promovendo uma maior integração social,
facilitação dos apoios e criação de emprego no mercado de trabalho social.
•
Programas de supervisão e apoio a profissionais com vista a orientar e aprofundar as
relações dos próprios e de outros atores com pessoas em situação de sem-abrigo:
A formação e supervisão contínua das ações dos profissionais nesta problemática
possibilitariam uma adequação e apoio em tempo útil das respostas existentes
promovendo-se uma comunicação melhorada e participada na análise conjunta das
dificuldades, constrangimentos e soluções para a diversidade de situações.
Por fim, sugere-se o desenvolvimento de estudos mais específicos e em contextos
diferenciados que possibilitem a análise das vivências das mulheres e de pessoas em situação de
sem-teto, como também de possíveis diferenças entre as zonas rurais e urbanas e entre as cidades
do litoral e interior do país.
103
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Albuquerque, L., Bomba, T., Marias, I., Rodriques, C. & Matos, G. (2002). Distribuição de
rendimentos e condições de vida. In Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento –
Ministério do Trabalho e da Segurança Social. (2002). Portugal 1995-2000. Perspectivas da Evolução
Social, (pp. 67-85). Oeiras: Celta Editora.
Ali, S. (2013). Poverty, Social Class, and Working. In Blustein, D. (Ed.), The Oxford Handbook of the
Psychology of Working (pp. 3-18). New York, NY: Oxford University Press.
Anderson, I. (2003). Synthesizing Homelessness Research: Trends, Lessons and Prospects. Journal of
Community & Applied Social Psychology. 13, 197-205. doi: 10.1002/casp.721.
Anderson, I. (2001). Pathways through homelessness: towards a dynamic analysis. Research
Seminar,
Urban
Frontiers
Programme:
University
of
Western
Sidney.
Retirado
de
http://www.urbancentre.utoronto.ca/pdfs/elibrary/Anderson_Pathways-Homeless_.pdf
Baptista, I. (2009). The Drafting of the Portuguese Homeless Strategy: An Insight into the Process
from a Governance-Oriented Perspective. European Journal of Homelessness, 3, 53-74.
Bastos, M. (2011). Percursos escolares de pessoas sem-abrigo. (Dissertação de Doutoramento).
Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal.
Barreto, E. (2000). Vinculação e Relações de Objecto dos Sem-Abrigo: Um estudo exploratório.
(Dissertação de Mestrado), Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa, Portugal.
Bento, A. & Barreto, E. (2002). Sem-Amor Sem-Abrigo. Lisboa: Climepsi Editores.
Blustein, D. (2013). The Psychology of Working: A New Perspective for a New Era. In Blustein, D.
(Ed.), The Oxford Handbook of the Psychology of Working (pp. 3-18). New York, NY: Oxford
University Press.
Blustein, D., Kenna, A., Gill, N & DeVoy, J. (2008). The Psychology of Working: A New Framework
for Counseling Practice and Public Policy. The Career Development Quarterly, 56 (4), 294-308. doi:
10.1002/j.2161-0045.2008.tb.00095.x
Blustein, D. (2008). The role of work in psychological health and well-being. American Psychologist,
63(4), 228-240.
Blustein, D. (2006). The psychology of working: A new perspective for career development,
counseling, and public policy. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.
104
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Boydell, K., Goering, P. & Morell-Bellai, T. (2000). Narratives of identity: Representation of self in
people who are homeless. Qualitative Health Research, 10 (2), 5-23.
Bruto da Costa, A. (1998). Exclusões Sociais. Colecção Cadernos Democráticos Fundação Mário
Soares. Lisboa: Gradiva.
Bruto da Costa, A. (cood.), Baptista, I., Perista, P. & Carrilho, P. (2012). Um olhar sobre a Pobreza.
Vulnerabilidade e exclusão social no Portugal contemporâneo. Lisboa: Gradiva.
Busch-Geertsema, V., Edgar, W., O’Sullivan, E. & Pleace, N. (2010) Homelessness & homeless
policies
in
Europe:
Lessons
from
research
(I.S.
Homelessness,
Ed.)
Retirado
de
http://www.feantsa.org/spip.php?article327&lang=en.
Capucha, L. (1998). Nós e eles cá dentro: sobre o mito de um Robinson Crusoe ao contrário. In J.,
Pinto (cood.). Pobreza, Exclusão: Horizontes de Intervenção, (pp. 13-36). Lisboa: Imprensa Nacional
– Casa da Moeda.
Carrinho, P. (2012). A Saúde Mental dos Sem-Abrigo: Comunidades de Inserção. (Dissertação de
Doutoramento). Departamento de Educação, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal.
Chamberlain, C. & Johnson, G. (2011).Pathways into adult homelessness. Journal of Sociology, 1-18.
doi: 10.1177/1440783311422458.
Clavel, G. (1998). A sociedade da exclusão. Compreendê-la para dela sair. Porto: Porto Editora.
Conley, D. (1996). Getting It Together: Social and Institutional Obstacles to Getting Off the Streets.
Sociological Forum, 11 (1), 25-40.
European Commission - Directorate-General for Employment, Social Affairs and Inclusion (2011).
The social dimension of the european 2020 strategy. A report of the social protection committee.
Retirado
de,
http://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=750&langId=en&pubId=5976&type=2&furtherPubs=yes
Estratégia Nacional para Integração de Pessoas Sem-Abrigo: Prevenção, Intervenção e
Acompanhamento,
2009-2015
(2009).
Retirado
de
http://www4.seg-
social.pt/documents/10152/13334/enipsa_2009_2015.
EUROSTAT.
(2012).
Population
and
social
conditions.
Retirado
de
http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_OFFPUB/KS-SF-12-009/EN/KS-SF-12-009-EN.PDF
Fédération Européenne d’Associations Nationales Travaillant avec les Sans-Abri –F.E.A.N.T.S.A.
(2005). ETHOS: European typology of homelessness and housing exclusion. Retirado de
http://www.feantsa.org/spip.php?article120&lang=en
105
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Fédération Européenne d’Associations Nationales Travaillant avec les Sans-Abri –F.E.A.N.T.S.A.
(2009, Maio). Access to Employment for People experiencing Homelessness: Recommendations for
Member
States
and
the
European
Union.
Retirado
de
http://www.feantsa.org/spip.php?article363&lang=en.
Fernandes, A. (1991). Formas e mecanismos de exclusão social. Sociologia, 1, 9-66.
Ferreira de Almeida, J.; Capucha, L.; Firmino da Costa, A.; Machado, F.; Nicolau, I. & Reis, E.
(1994). Exclusão social. Factores e tipos de pobreza em Portugal. Oeiras: Celta.
Ferreira, L. (2005). Dinâmica de rendimentos, persistência da pobreza e políticas sociais em Portugal.
FEP Working Papers. Research – Work in Progress, 178.
Fitzpatrick, S. (2005). Explaining Homelessness: a Critical Realist Perspective. Housing, Theory and
Society, 22 (1), 1-17. doi: 10.1080/14036090510034563
Fitzpatrick, S., Kemp, P., & Klinker, S. (2000). Single homelessness: An overview of research in
Britain. Bristol: The Policy Press.
Gonçalves, J. (2002). Segurança Social em Portugal. In Departamento de Estudos, Prospectiva e
Planeamento – Ministério do Trabalho e da Segurança Social. (2002). Portugal 1995-2000.
Perspectivas da Evolução Social, (pp. 181-214). Oeiras: Celta Editora.
Guerra, I. (1994). As pessoas não são coisas que se ponham em gavetas. Sociedade e Território, 20,
11-16.
Lúcio, J. & Marques, F. (2010) Inclusão Social – do conceito à estratégia: o caso dos sem-abrigo na
Cidade de Lisboa. Actas do Seminário Geografias de Inclusão: desafios e oportunidades 13 de
Dezembro 2010, Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa
ISSN 978-989-97075-0-4
Machado, A. (2012). Trajectórias de Exclusão Social em Mulheres Sem-Abrigo: Um Estudo de Caso.
(Dissertação de Mestrado). Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal.
Mayock, P., Corr, M.L. & O’Sullivan, E. (2008).Young People’s Homeless Pathways. Dublin: The
Homeless Agency.
Martijn, C. & Sharpe, L. (2006).Pathways to youth homelessness. Social Science& Medicine, 62, 112. doi: 10.1016/j.socscimed.2005.05.007.
Martins, A. (2007). As Sem Abrigo de Lisboa (Dissertação de Mestrado). Departamento de Ciências
Sociais e Políticas, Universidade Aberta, Lisboa, Portugal.
Menezes, F.L. (2012). Percursos Sem Abrigo – Histórias das ruas de Paris, Lisboa e Londres.
Lisboa: Mundos Sociais.
106
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Minnery, J. & Greenhalgh, E. (2007). Approaches to Homelessness Policy in Europe, the United
States, and Australia. Journal of Social Issues, 63 (3), 641-655.
Muñoz, M. & Vázquez, C. (1998). Las personas sin hogar: aspectos psicosociales de la situación
española. Intervención Psicosocial, 7 (1), 7-26.
Neves, V. (1997). Elementos para uma abordagem integrada da questão habitacional em Portugal. In
C, Barros e J, Santos (cood.). A habitação e a reinserção social em Portugal, (pp. 23-63). Lisboa:
Editora Vulgata.
Nogueira, S. & Ferreira, J. (2007). A realidade psicossocial dos sem-abrigo: breve contributo para a
sua caracterização. Revista Portuguesa de Pedagogia, 41 (3), 195-205.
Observatório das Desigualdades (s.d.) Risco de pobreza: o efeito negativo do desemprego. Retirado
de http://observatorio-das-desigualdades.cies.iscte.pt/index.jsp?page=indicators&id=73.
Paugam, S. (2003). A desqualificação social. Ensaio sobre a nova pobreza. Porto: Porto Editora.
Parsell, C. (2010). “Homeless is What I Am, Not Who I Am”: Insights from an Inner-City Brisbane
Study. Urban Policy and Research, 28 (2), 181-194.
Parsell, C. (2010).An ethnographic study of the day-to-day lives and identities of people who are
homeless in Brisbane (Doctoral Dissertation, The University of Queensland, Brisbane, Australia).
Retrieved from http://www.ahuri.edu.au/publications/projects/pths936.
Parsell, C. (2012). Home s Where the House is: The Meaning of Home for People Sleeping Rough.
Housing Studies, 27 (2), 127-173.
Pereira da Silva, S. (2011). Viver Com ou Sem Abrigo? Etnografia de Lugares Vagos. (Dissertação de
Doutoramento). Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.
Perista, P. & Baptista, I. (2010). A estruturalidade da pobreza e da exclusão social na sociedade
portuguesa – conceitos, dinâmicas e desafios para a acção. Forum Sociológico, 20 (2), 39-46.
Pillinger, J. (2007) Homeless Pathways: Developing Effective Strategies to address Pathways into,
through and out of Homelessness. Dublin: Focus Ireland.
Pleace, N. (2000). The new consensus, the old consensus and the provision of services for people
sleeping rough. Housing studies, 15 (4), 581-594.
Portugal 1995- 2000. Perspectivas da Evolução Social (2002). Departamento de Estudos, Prospectiva
e Planeamento – Ministério do Trabalho e da Solidariedade. CelaEditora, Oeiras.
Richardson, M. (2012). Counseling for Work and Relationship. The Counseling Psychologist, 40 (2),
190 – 242.
107
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Richardson, M. S. (1993). Work in people's lives: A location for counseling psychologists. Journal of
Counseling Psychology, 40, 425-433.
Rosso, B., Dekas, K. & Wrzesniewski, A. (2010). On the meaning of work: A theoretical integration
and review. Research in Organizational Behavior, 30, 91-127.
Santos, E., Ferreira, J., Albuquerque, C., Almeida, H., Mendonça, M., Silva, C. & Almeida, J. (2010).
Desemprego: experiências de transição. Psychologica, 52 (2), 35-44.
Sen, A. (2003). O desenvolvimento como liberdade. Lisboa: Gradiva.
Shaheen, G. & Rio, J. (2007). Recognizing Work as a Priority in Preventing or Ending Homelessness.
Journal of Primary Prevention, 28, 341-358.
Shier, M., Jones, M. & Graham, J. (2010). Perspectives of Employed People Experiencing
Homelessness of Self and Being Homeless: Challenging Socially Constructed Perceptions and
Stereotypes. Journal of Sociology & Social Welfare, 37 (4), 13-37.
Snow, D. & Anderson, L. (1993). Down on Their Luck: A Study of Homeless Street People. Berkeley:
University of California Press. Steen, A., Mackenzie, D. & McCormack, D. (2012). Homelessness
and Unemployment: Understanding the Connection and Breaking the Cycle. Swinburne Institute for
Social Research: Swinburne University.
Soulet, M. (2007). Vulnerabilidade e sofrimento social. Coimbra. Comunicação apresentada no Ciclo
de Conferências sobre Justiça Social e Precariedade (texto policopiado).
Vázquez, C. & Muñoz, M. (2001).Homelessness, Mental Health, and Stressful Life Events – The
Madrid Experience. International Journal of Mental Health, 30 (3), 6-65.
108
Download

Relatório Provisório do Estudo Situação de Sem Abrigo e Inclusão