425 ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 1594/00 Data: 30.11.2000 DECISÃO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE PASSOS - MG Juiz Presidente: Dr. CARLOS ROBERTO BARBOSA Aberta a audiência foram, de ordem do MM. Juiz Presidente, apregoadas as partes. Ausentes. Colhidos os votos dos Srs. Juízes Classistas, a Vara proferiu a seguinte decisão: Vistos etc. VALTER GOMES DA SILVA, qualificado nos autos, ajuizou ação trabalhista em face de CIA. AÇUCAREIRA RIO GRANDE, alegando, em síntese: que interpusera cinco ações trabalhistas em face da presente ré; que as verbas decorrentes de sua dispensa foram postuladas nos autos n. 1114/98; que em tal feito a ré fora condenada à entrega das guias do segurodesemprego; que, apesar da entrega destas guias, não conseguira receber o benefício, já que na data de fornecimento já não mais se encontrava desempregado; que a multa de 40% dos depósitos do FGTS não fora vindicada nos processos n. 02/1802/97 e 02/913/ 98; que deverá ser reconhecido e resguardado seu direito de postular futuramente determinada verba. Pleiteia as parcelas elencadas na inicial, dando à causa o valor de R$1.758,22. Defendeu-se a ré, por escrito, aduzindo: que sobre o pedido de indenização substitutiva do segurodesemprego incidem os efeitos da coisa julgada; que o autor litiga de má-fé em relação a este pedido; que a dispensa do autor fora levada a efeito em 08.07.98, devendo ser aplicada a prescrição total no presente caso; que a multa de 40% do FGTS, conforme confessado na exordial, não fora postulada anteriormente, pelo que deverá ser declarada sua prescrição; que a ação trabalhista não é meio próprio para reconhecimento e declaração de direito de pleitear futuramente o recebimento da multa de 40% sobre o FGTS que resultar devido nos autos n. 913/98; que é estatal a responsabilidade pelo pagamento do seguro-desemprego; que cumprira sua obrigação ao entregar as guias de tal benefício; requer, por cautela, compensação de valores pagos, autorização para descontos legais, observância dos afastamentos de quaisquer natureza e apuração em regular execução. Acostaram-se documentos. Manifestação do autor, na ata de f. 79. À falta de outras provas, encerrou-se a instrução processual. Arrazoaram os litigantes. Inconciliados. Relatados, em apertada síntese. Passa-se a decidir. A inviolabilidade do direito à segurança traduz princípio alcandorado em predicamento constitucional (caput do artigo 5º). Por certo que uma das modalidades desta garantia é a proteção à coisa julgada, expressamente disposta no inciso XXXVI do seu artigo 5º. O fenômeno da coisa julgada é de elevada relevância para o estudo dos pronunciamentos jurisdicionais decisórios e da eficácia que lhes é inerente. O artigo 467 do CPC conceitua Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. - Belo Horizonte, 32 (62): 425-430, jul./dez.2000 426 a coisa julgada material como “a eficácia, que torna imutável a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. O dever estatal de prestar a tutela da jurisdição, quando regularmente invocada, consiste na composição da lide, na solução do conflito intersubjetivo de interesses, mediante ato específico e exclusivo, a sentença de mérito. Prestada a tutela jurisdicional, qualquer órgão da jurisdição fica processualmente impedido de reexaminar o litígio decidido, porquanto a coisa julgada, como pressuposto negativo da relação processual, veda e torna inadmissível esse reexame. A coisa julgada material é, conseguintemente, a autoridade da res iudicata, tendo força de lei nos limites da lide e das questões decididas, como declara o artigo 468 do CPC. Como ensina CARNELUTTI o julgado é a decisão de uma lide e, por essa razão, os limites do julgado são os limites de seu próprio objeto, vale dizer, os limites se lançam sobre o julgado da lide: porque é a decisão de uma lide, o julgado não pode ser mais que tal decisão; mas aquilo que é, o é para todos, não somente para as partes. Para ser acolhida a argüição de res iudicata, haverá de concorrer, entre as duas causas, a tríplice identidade de partes, pedido e causa de pedir (§ 2º do art. 301 do CPC). Configura-se, destarte, a coisa julgada quando há identidade de fato e de relação jurídica entre as duas demandas. O núcleo da petição inicial é o pedido, que representa a conclusão da exposição dos fatos e dos fundamentos jurídicos; estes são premissas do silogismo, que tem no pedido a sua conclusão lógica. A manifestação inaugural do autor é chamada pedido imediato, no que se relaciona à pretensão a uma sentença, a uma execução ou a uma medida cautelar; e pedido mediato é o próprio bem jurídico que o autor procura proteger com a sentença. Assim, o pedido imediato põe a parte em contato direto com o direito processual, e o mediato, com o direito substancial. Para que uma causa seja idêntica à outra, requer-se identidade da pretensão, tanto de direito material, como de direito processual. A causa petendi, por sua vez, não é a norma legal invocada pela parte, mas o fato jurídico que ampara a pretensão deduzida em juízo. Todo direito nasce do fato, ou seja, do fato a que a ordem jurídica atribui um determinado efeito. A causa de pedir, que identifica uma causa, situa-se no elemento fático e em sua qualificação jurídica. Ao fato em si mesmo dá-se a denominação de “causa remota” do pedido; e à sua repercussão jurídica, a de “causa próxima” do pedido. (GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, v. I, ed. 1981, n. 15, p. 83) A essência da coisa julgada, do ponto de vista objetivo, consiste em não se admitir que o juiz, em futuro processo, possa de qualquer maneira desconhecer ou diminuir o bem reconhecido no julgado anterior. Estabelecidos esses indispensáveis parâmetros, o exame do pedido formulado via autos n. 02/1114/ 98 (f. 47/9) dá a conhecer que naquela oportunidade o autor postulara a condenação da ré à entrega do documento hábil para receber o segurodesemprego, sob pena de fixação de multa pelo atraso no fornecimento, além Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. - Belo Horizonte, 32 (62): 425-430, jul./dez.2000 427 de pagamento do valor do benefício. Sobre esse pedido houveram pronunciamentos judiciais, com trânsito em julgado (doc. f. 54/63). Por sua vez, em rápido bosquejo, constata-se que na presente demanda o autor postula a condenação da ré ao pagamento de quatro parcelas do seguro-desemprego, ao argumento de que não fora contemplado com o benefício, posto que quando do fornecimento das guias já não mais se encontrava desempregado. Como mencionado anteriormente, a sentença faz coisa julgada sobre o pedido e só se circunscreve aos limites da lide e das questões decididas (art. 468 do CPC). Embora aludido dispositivo legal limite a força da coisa julgada à lide e às questões decididas, o certo é que, para o Código de Processo Civil, “Passada em julgado a sentença de mérito, reputarse-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.” (art. 474) Portanto, a coisa julgada material abrange o deduzido e o deduzível. Por isso, não se podem levantar, a respeito da mesma pretensão, questões argüidas ou que o poderiam ser, se com isto se consiga diminuir ou atingir o julgado imutável e, conseqüentemente, a tutela jurisdicional nele contida. Aplicação do princípio clássico tantum indicatum disputatum vel quantum disputari debebat. A finalidade prática do instituto exige que a coisa julgada permaneça firme, embora a discussão das questões relevantes tenha sido eventualmente incompleta; absorve ela desse modo, necessariamente, tanto as questões que foram discutidas como as que poderiam ser. Seja dito que só quando há incompatibilidade entre a sentença passada em julgado e o novo pedido (eventualmente omitido no processo primitivo) é que se pode falar em solução implícita, nos moldes do dispositivo ora examinado, porquanto é nas soluções das questões que a coisa julgada encontra seus limites objetivos. Apenas, por epítrope, cumpre lembrar ao demandante que a obrigação do empregador consiste em fornecer os formulários para habilitação no programa do seguro-desemprego, sob pena de responder, diante da omissão, por indenização fixada em valor equivalente, desde que cause, propositalmente, o dano ao empregado. Ora, no caso em exame a falta de percepção do benefício social não decorreu de ato lacunoso da ré. Ao enfoque do pedido formulado no item “2”, do exórdio, busca o postulante o pagamento da multa de 40% sobre os depósitos do FGTS reconhecidos no processo n. 02/1802/ 97 (f. 11 e seguintes), dizendo que tal pedido não fora relacionado nos autos n. 02/1114/98 (f. 47 e seguintes). Entrementes, nesse particular, incidem também os efeitos da coisa julgada, ora reconhecida de ofício, nos termos do § 3º do artigo 267 do álbum processual civil. Isso porque, através do decidido às f. 23/35, a ré foi condenada ao “... recolhimento do FGTS sobre todas as parcelas deferidas nesta ação, bem como sobre todos os salários e demais verbas quitadas pela empresa a partir de outubro de 96”. (sic) Por sua vez, nos autos n. 1114/ 98, consta a condenação da ré ao pagamento da multa de quarenta por cento sobre o saldo do FGTS, em Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. - Belo Horizonte, 32 (62): 425-430, jul./dez.2000 428 atendimento à postulação do autor no sentido de que lhe fosse deferida a multa de 40% sobre o saldo do FGTS existente na sua conta vinculada, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença (sic - itálicos adicionados). Seguindo a argumentação descrita em linhas transatas, entendemos que o pedido vestibular, constante do item “2”, já foi apreciado, vedes que a ré, anteriormente ao distrato, já havia sido condenada ao recolhimento do FGTS sobre as verbas deferidas nos autos n. 02/1802/97, sendo, em seguida, condenada ao pagamento da multa de 40% dos aludidos depósitos, levando em conta os valores constantes da conta vinculada do empregado. Bem de ver que a liquidação levada a efeito nos autos que condenou a ré ao pagamento da multa de 40% (f. 65) é cronologicamente posterior à liquidação constante dos autos n. 1802/ 97 (f. 38), que condenou a ré ao recolhimento dos depósitos do FGTS. Ora, se nos valores liquidados à f. 65 não está incluída a multa de 40%, segundo postulado, trata-se de discussão que deveria ser dirimida no processo de execução, não podendo tal quizila ser apreciada nesta oportunidade, pena de ressurgimento de questões já decididas. Dessa arte, impõe-se o acolhimento da coisa julgada em relação aos pedidos de seguro-desemprego (item “1”) e multa de 40% sobre o valor do FGTS (item “2”), extinguindo-se o feito, sem julgamento do mérito, forte no inciso V do artigo 267 do álbum processual civil. Por último, pretende o postulante o pronunciamento judicial para “... que seja reconhecido e declarado o direito de pleitear futuramente contra a reclamada o recebimento da multa de 40% sobre o FGTS que resultar devido ao mesmo por força de sentença proferida nos autos do processo n. 02/ 0913/98...”. (sic - omissis) Nessa discussão, cumpre assinalar que por jurisdição é de entender-se a atribuição, o poder-dever do Estado de tutela do direito. Dal che si desume, con assoluta chiarezza, che il risultato, o funzione globale, che, nella ratio della legge, ispira l’attività giurisdizionale, considerata globalmente, è la tutela dei diritti (MANDRIOLI. Corso di Diritto Processuale Civile - I/10). O dizer o direito se dá em razão de algum obstáculo verificado no mundo fático para que determinada situação jurídica, apta a produzir efeitos jurídicos, assim os produza. É o que escreve THEODORO JÚNIOR: “Para desempenho da função acima, estabeleceu-se a JURISDIÇÃO, como o PODER que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica concreta que, por força do direito vigente, disciplina determinada situação jurídica.” (Processo de Conhecimento, I/ 45) Como entre o pedido da parte e o provimento jurisdicional se impõe a prática de uma série de atos que formam o procedimento judicial (isto é, a forma de agir em juízo) e cujo conteúdo sistemático é o processo (THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 54), cumpre examinar a jurisdição enquanto atividade vinculada à relação jurídica substancial que tornou-se controvertida pelo conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida na lição de CARNELUTTI. Esta atividade jurisdicional do Estado, como se vê, não Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. - Belo Horizonte, 32 (62): 425-430, jul./dez.2000 429 se restringe ao dizer o direito, uma vez que atua para satisfazer um direito já declarado ou para acautelar-se quanto à operatividade do direito a ser declarado. ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS conclui: “Estabelecidas, assim, as finalidades específicas da atividade do Estado, no exercício da jurisdição, podemos defini-la como o poder-dever do Estado de compor os litígios, de dar efetivação ao que já se considera direito, devidamente acertado, e de prestar cautela aos processos em andamento ou a se instaurarem, para que não percam sua finalidade prática.” (Manual, I/8) A jurisdição, pois, é una, repartindo-se, enquanto objetivos específicos, em razão de pretensão deduzida, em funções. A ordem constitucional confere ao particular e aos entes públicos o direito à prestação jurisdicional. Vale dizer, assumindo o monopólio do poder jurisdicional, assume o Estado a obrigação de cumpri-la. Neste cumprimento - poder/dever - estará vinculado, de um lado, ao ordenamento jurídico enquanto regulador do desenvolvimento da relação jurídicoprocessual; de outro, à pretensão deduzida. A natureza da função jurisdicional é dada, precisamente, pela pretensão deduzida. Se se trata de composição de um conflito, se se trata da satisfação de uma pretensão já reconhecida ou, finalmente, se se trata de impedir que o tempo, enquanto fator modificativo de situações jurídicas, torne inócuo o resultado da própria atividade jurisdicional, ter-se-á a função jurisdicional cognitiva, executiva ou cautelar, correspondendo - a cada uma delas - o respectivo processo - relação jurídica. Na hipótese dos autos, a pretensão deduzida no item “3” tem indiscutível objetivo de função cautelar da jurisdição, procurando o autor resguardar repercussões de eventuais direitos reconhecidos em outro processo. Oportuno frisar que, tratando-se a medida interposta de ação declaratória, não há incidência em tal caso de efeitos prescricionais, que não têm repercussão em pedidos desta natureza. De outra forma, sabido e ressabido que despiciendo é o nomen iuris conferido pela parte na inicial. Qualifica-se a jurisdição pela pretensão deduzida, pelo pedido feito, representando o bem da vida procurado pelo autor. Acontece que o meio processual utilizado pelo autor não corresponde às previsões contidas no artigo 172 do Código Civil Brasileiro e artigos 867 e ss. do Código Civil de Ritos. A mistela perpetrada pela parte autora, valendo-se de medida cautelar típica, em processo de conhecimento no qual vindica o pagamento de determinadas parcelas, importa em escolha de rito não correspondente à natureza da causa, acarretando o indeferimento da inicial (inciso V do artigo 295 do CPC) e, conseqüentemente, a extinção do feito, sem julgamento do mérito, segundo contido no inciso I do artigo 267 do estuário jurídico por último mencionado. De assinalar que o rito processual previsto nos artigos 867 e ss. do CPC não guarda adaptação com o rito ordinário trabalhista. Quanto ao enquadramento do autor nas penas da litigância de má-fé, por força do contido anteriormente, podese concluir por um procedimento temerário, deduzindo pretensão sobre fato que já foi objeto de apreciação judicial. Portanto, nos termos do artigo Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. - Belo Horizonte, 32 (62): 425-430, jul./dez.2000 430 18 do Código Civil de Ritos, fica o autor condenado ao pagamento da multa de um por cento do valor da causa, bem assim ao pagamento da indenização à parte contrária, desde logo, fixada em vinte por cento sobre o valor da causa (§ 2º do mesmo artigo). Isso posto, a 1ª Vara do Trabalho de Passos - MG, sem divergência, EXTINGUE, sem julgamento do mérito, o pedido inicial, declarando os efeitos da coisa julgada, em relação aos pedidos constantes dos itens “1” e “2”, e o indeferimento da inicial, no concernente ao pedido eriçado no item “3”, nos autos em que VALTER GOMES DA SILVA contende em face de CIA. AÇUCAREIRA RIO GRANDE, nos termos dos Fundamentos que passam a compor esse decisório (quando consta do dispositivo a motivação faz coisa julgada - Pontes de Miranda), ficando o autor condenado ao pagamento, a favor da ré, da multa de um por cento do valor da causa, bem assim ao pagamento da indenização, fixada em vinte por cento sobre o valor da causa. Custas, pelo autor, no importe de R$35,16, calculadas sobre R$1.758,22, valor dado à causa. Dispensada a intimação dos litigantes. Encerrou-se a audiência. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. - Belo Horizonte, 32 (62): 425-430, jul./dez.2000