Sistemas Aquíferos de Portugal Continental
SISTEMA AQUÍFERO: TENTÚGAL (O5)
Figura O5.1 – Enquadramento litoestratigráfico do sistema aquífero de Tentúgal
Sistema Aquífero: Tentúgal (O5)
205
Sistemas Aquíferos de Portugal Continental
Identificação
Unidade Hidrogeológica: Orla Ocidental
Bacias Hidrográficas: Mondego e Vouga
Distritos: Aveiro e Coimbra
Concelhos: Cantanhede, Coimbra, Mealhada e Montemor-O-Velho
Enquadramento Cartográfico
Folhas 218, 219, 229, 230 e 240 da Carta Topográfica na escala 1:25 000 do IGeoE
Folhas 19-A, 19-B e 19-C do Mapa Corográfico de Portugal na escala 1:50 000 do IPCC
Folhas 19-A e 19-C da Carta Geológica de Portugal na escala 1:50 000 do IGM
CANTANHEDE
218
MEALHADA
219
19A
19B
MONTEMOR
-O-VELHO
229
230
COIMBRA
240
19C
SOURE
Figura O5.2 – Enquadramento geográfico do sistema aquífero Tentúgal
Enquadramento Geológico
Estratigrafia e Litologia
As formações aquíferas deste sistema, todas de idade cretácica, são, de baixo para cima: os
Arenitos de Carrascal do Aptiano-Cenomaniano; os Calcários de Tentúgal do CenomanianoTuroniano inferior e os Grés de Furadouro do Cenomaniano superior-Turoniano.
Os Arenitos de Carrascal, em geral, compreendem arenitos mais ou menos argilosos, finos
a grosseiros, conglomeráticos, com cascalheiras e seixos e argilas, em geral arenosas. Do
ponto de vista da granulometria, a formação apresenta uma diminuição de calibre dos grãos,
da base para o topo. Assenta em discordância sobre as formações do Jurássico.
Sistema Aquífero: Tentúgal (O5)
206
Sistemas Aquíferos de Portugal Continental
A unidade intermédia do sistema aquífero é constituída pela formação carbonatada
conhecida por Calcários de Tentúgal. Trata-se de calcários, calcários margosos, grés calcários
e margas com textura concrecionada ou apinhoada e com a superfície lapiezada. A transição
para os Arenitos do Carrascal faz-se através de termos com composição margosa e
componente detrítica o que faz diminuir a permeabilidade e ganhar características de
aquitardo.
Nos Grés de Furadouro reconhece-se uma subunidade inferior, essencialmente
quartzarenítica, micácea, fina a muito fina, que para o topo, passa a grés mais grosseiros
friáveis, menos micáceos e argilosos e ricos em areão e seixo fino de quartzo.
Na parte sul e mais baixa o sistema aquífero é recoberto parcialmente pelos Grés de Oiã do
Cretácico (são quartzarenitos e arcosarenitos, médios a finos, com matriz silto-argilosa e no
geral bem consolidados) e por depósitos de terraços fluviais.
Tectónica
Na área abrangida pelo sistema aquífero podem considerar-se duas zonas estruturalmente
distintas (Soares,1966):
• entre a ribeira de Ançã e a serra de Montemor-o-Velho todo o conjunto estratificado é
estruturalmente simples, levemente ondulado por dobras cilíndricas, megascópicas, de
grande raio e charneiras NNW-SSE, mergulhando para SSE. A este dobramento associa-se
um outro, com direcção de charneira praticamente ortogonal à primeira. Neste domínio,
Barbosa et al. (1988) definem o sinclinal de Pena-Tentúgal, estrutura relativamente
extensa, orientada segundo NE-SW;
• a oriente da ribeira de Ançã há maior adensamento de falhas, dispostas segundo três
direcções dominantes: NNE-SSW (rodando a N5º-10º W e/ou N-S); NNW-SSE (rodando a
NW-SE); NE-SW.
Segundo a cartografia de Cabral e Ribeiro (1988), a falha de Zouparria do Monte, com
direcção geral NNE-SSW, que estabelece o contacto lateral dos Arenitos de Carrascal com o
Liásico é activa.
Hidrogeologia
Características Gerais
O sistema aquífero, com uma área de 162 km2 , de produtividade média, essencialmente
poroso, é constituído por materiais detríticos de textura muito variável e estrutura lenticular.
As camadas de natureza argilosa separam as várias unidades aquíferas e dão um carácter
multicamada ao sistema aquífero. Devido à variabilidade da composição granulométrica
também as características hidráulicas podem variar significativamente de local para local. O
substrato do aquífero é constituído por formações carbonatadas do Jurássico médio e inferior,
desconhecendo-se o comportamento hidráulico destas formações em profundidade e por isso a
sua relação hidrodinâmica com as formações arenosas do sistema aquífero.
Atribui-se a espessura média de 70 m para os Arenitos de Carrascal. No entanto,
conhecem-se espessuras de 120±30 m na zona de Tentúgal. Os Grés do Furadouro apresentam
espessura da ordem dos 15 m.
Sistema Aquífero: Tentúgal (O5)
207
Sistemas Aquíferos de Portugal Continental
As camadas do sistema aquífero prolongam-se para sul, sob a cobertura aluvionar do rio
Mondego e da cobertura terciária.
O sistema aquífero apresenta-se como livre (na parte superficial e/ou zonas altas do
aquífero onde se dá a recarga) a confinado (nas proximidades de Tentúgal, é conhecido um
furo repuxante quando da sua construção).
As três unidades do sistema aquífero, embora sobrepostas, são independentes sob o ponto
de vista hidráulico, e apresentam cargas hidráulicas diferentes e águas com características
químicas distintas (Peixinho de Cristo, 1998)
As considerações seguintes baseiam-se na informação obtida a partir de dados de 16 furos
repartidos pela área do sistema aquífero (Quadro O5.1).
Profundidade (m)
Fim Ralos (m)
% Zona Captada
n
Média
16
16
16
88,3
74,2
37
Desvio
padrão
49,7
39,1
18
Mínimo
Q1
Mediana
Q3
Máximo
29,4
25,0
9
50,0
45,0
18
69,5
59,0
35
120,.0
90,0
43
216,0
156,0
69
Quadro O5.1 – Principais estatísticas das características dos furos que interessam o
sistema aquífero
A profundidades dos furos é relativamente baixa. Trata-se de furos para abastecimentos
privados, por isso, com necessidades modestas de captação.
Há furos onde a profundidade do final da zona captante é significativamente inferior à da
perfuração; desconhece-se a razão, mas admite-se que derive da existência de camadas
argilosas de espessura considerável.
A percentagem da zona captante relativamente à perfuração é baixa: a grande maioria dos
casos inferior a 50 %.
Parâmetros Hidráulicos e Produtividade
O caudal da maioria dos furos é pequeno: é inferior a 1 L/s (Quadro O5.2).
Comparativamente com o sistema aquífero Figueira da Foz - Gesteira (captam as mesmas
unidades litostratigráficas) a diferença é substancial. Neste último sistema, os furos são
bastante mais profundos e destinam-se em grande parte ao abastecimento público, ao
contrário do que acontece no sistema aquífero de Tentúgal.
Caudal (L/s)
Caudal específico
(L/s/m)
Nível hidrostático (m)
n
Média
Mínimo
Q1
Mediana
Q3
Máximo
1,9
0,13
Desvio
padrão
3,0
0,14
16
11
0,3
0,01
0,4
0,02
0,8
0,06
2,0
0,18
12,8
0,40
12
-20,8
18,4
-50,0
-40,0
-13,6
-10,0
6,0
Quadro O5.2 – Principais estatísticas das produtividades
Crê-se que as potencialidades do sistema aquífero de Tentúgal estarão mais de acordo com
os resultados de um dos furos inventariados, executado para uma unidade industrial, e de que
Sistema Aquífero: Tentúgal (O5)
208
Sistemas Aquíferos de Portugal Continental
resultou o caudal de 12,8 L/s, com a profundidade de 150 m. Esta afirmação parece também
ser corroborada com os resultados de dois furos executados nestas formações, já fora do limite
definido para o sistema aquífero de Tentúgal, e destinados ao abastecimento público (em
Seixo de Gatões e Fonte Quente): 20 L/s para a profundidade de 125 metros.
Um dos furos inventariados apresentava artesianismo repuxante. Estas condições ocorrem
nas partes baixas do sistema aquífero, isto é, nas zonas de vale que cortam transversalmente o
sistema aquífero e que são eixos de descarga do sistema aquífero.
Com a interpretação de ensaios de caudal em dois furos, pelo modelo de Theis e sua
aproximação logarítmica, calcularam-se dois valores da transmissividade do aquífero:
1,4 m2 /dia e 21,9 m2 /dia.
Valores de transmissividade, estimados a partir de 16 caudais específicos, oscilam entre 1 e
1200 m2 /dia.
Análise Espaço-temporal da Piezometria
O fluxo dá-se genericamente para sul em direcção à planície aluvionar do Mondego. As
linhas de água que atravessam transversalmente o sistema aquífero, em direcção à mesma
planície aluvionar, são eixos de drenagem superficial e de descarga da água subterrânea. A
planície aluvionar do Mondego deve constituir zona importante de descarga oculta do sistema
aquífero.
Não existem elementos que permitam efectuar uma análise espaço-temporal da
piezometria.
Balanço Hídrico
A recarga do sistema aquífero faz-se através das precipitações que caem directamente
sobre a superfície aflorante do sistema aquífero.
Estima-se que a recarga directa pela precipitação seja da ordem de 150 mm/ano, isto é, o
equivalente a aproximadamente 26 hm3 /ano. Admite-se, no entanto, a possibilidade de o
Sistema Aquífero de Ançã-Cantanhede, que lhe serve parcialmente de substrato, poder
descarregar para o Sistema Aquífero de Tentúgal através de fracturas ou de maneira mais
difusa, nas zonas mais baixas e de jusante daquele sistema, onde a carga hidráulica se supõe
superior à carga hidráulica no Sistema de Tentúgal.
O rio Mondego e as ribeiras que atravessam transversalmente o sistema aquífero, são
essencialmente zonas de drenagem da água subterrânea das camadas mais superficiais do
sistema aquífero. No entanto, as ribeiras, em períodos de crescimento e de águas altas,
principalmente naquelas onde há algum aluvionamento, recarregam o sistema aquífero através
de armazenamento marginal.
Em termos médios, as saídas do sistema têm o mesmo valor que as entradas, isto é
26 hm3 /ano. Não se conhecem saídas naturais do sistema sob a forma de nascentes
caudalosas. As saídas naturais do sistema são a drenagem das camadas mais superficiais para
as linhas de água que cortam o sistema transversalmente e para as aluviões do Mondego.
Sistema Aquífero: Tentúgal (O5)
209
Sistemas Aquíferos de Portugal Continental
Qualidade
Considerações Gerais
Apenas se dispõe de três análises: uma de 1990, outra de 1992 e a terceira sem data. As
duas primeira são completas no que respeita ao doseamento dos iões principais enquanto a
terceira é incompleta.
Dado o reduzido número de análises disponíveis, os valores determinados são apresentadas
individualmente (Quadro O5.3)
Profundidade Furo (m)
Data
Condutividade (µS/cm)
pH
Bicarbonato (mg/L)
Cloreto (mg/L)
Sulfato (mg/L)
Nitrato (mg/L)
Sódio (mg/L)
Potássio (mg/L)
Cálcio (mg/L)
Magnésio (mg/L)
Ferro (mg/L)
150
Jan-90
128
6,4
36,.6
19,9
12,5
<0,5
10,3
5,9
8,4
1,7
0,9
50
401
7,1
553,8
32
10
124,3
9,2
2,5
136
Nov-92
100
6,5
23,1
19,8
16,2
0,56
12,2
4,6
7,8
2,6
0,01
Quadro O5.3 – Análises disponíveis para o sistema aquífero Tentúgal
Os dados disponíveis são insuficientes para caracterizar as fácies do sistema. No entanto,
as duas análises completas (Fig. O5.3) dizem respeito a águas de composição mistas, tanto
nos aniões como nos catiões, semelhantes a águas encontradas no sistema aquífero Figueira
da Foz-Gesteira, que é constituído pelas mesmas unidades litostratigráficas.
Figura O5.3 - Diagrama de Piper relativo às águas do sistema
Sistema Aquífero: Tentúgal (O5)
210
Sistemas Aquíferos de Portugal Continental
Qualidade para Consumo Humano
Os VMRs são ultrapassados uma vez nas análises de condutividade, cloreto, cálcio. O pH,
numa das análises é inferior ao intervalo de valores recomendados.
Uso Agrícola
As duas análises completas disponíveis pertencem à classe C1 S1 pelo que representam um
baixo perigo de salinização e alcalinização. A terceira análise é do grupo C2 que representa
risco de salinização médio.
Todos os parâmetros considerados estão dentro dos limites dos VMRs do Decreto-Lei N.º
236/98, de 1 de Agosto.
Bibliografia
Barbosa, B. P.; Soares, A. F.; Rocha, R. B.; Manuppella, G.; Henriques, M. H. (1988) Carta Geológica de Portugal na Escala de 1/50 000, Folha 19-A, CANTANHEDE. Serviços
Geológicos de Portugal. Lisboa.
Berthou, P. Y.; Chancellor, G. R.; Lauverjat, J. (1985) – Revision of the CenomanianTuronian Ammonite Vascoceras Choffat, 1989, from Portugal. Com. Serv. Geol. de Portugal.
Tomo 71. Fasc. 1. Lisboa. pág. 55-79, Lisboa
Cabral; J. e Ribeiro, A. (1988) - Carta Neotectónica de Portugal Continental. Serviços
Geológicos de Portugal, Lisboa.
Ferreira Marques, L.; Ferreira Soares, A.; Simões Lima, L. (1974) - Contribuição para o
Estudo do Cretácico em Portugal (O Cretácico Superior da Marmeleira do Botão). Memórias
e Notícias, Publ. Mus. Lab. Mineral. Geol., Univ. Coimbra, N.º 78. pp. 105-133, Coimbra.
Ferreira Marques, L. M.; Godinho, M. M.; Ferreira Soares, A. (1977) - Contribuição para o
Estudo do Cretácico superior em Portugal - Sedimentação da Formação Carbonatada em
Antanhol e Marmeleira do Botão. Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal. Tomo
LXI. Lisboa. pp. 245-262, Lisboa.
Ferreira Soares, A.; Fonseca Marques, J.; Rocha, R. B. (1985) - Contribuição para o
Conhecimento Geológico de Coimbra. Memórias e Notícias, Publ. Mus. Lab. Mineral. Geol.,
Univ. Coimbra, N.º 100. pp. 41-71, Coimbra.
Lauverjat, J. (1982) - Le Crétacé Supérieur dans le Nord du Bassin Occidental Portugais.
Thèse de Doctorat d’État. Université Pierre et Marie Curie (Paris VI). Paris.
Peixinho de Cristo, F. (1998) - Águas Subterrâneas no Baixo Mondego. Projecto Praxis
XXI 2/2.1/CTA - 156/94.
Rocha, R.; Manuppella, G.; Mouterde, R.; Zbyszewski, G. (1981) - Carta Geológica de
Portugal na Escala de 1/50 000, Folha 19-C FIGUEIRA DA FOZ. Serviços Geológicos de
Portugal. Lisboa.
Soares, A. F. (1966) - Estudo das Formações Pós-Jurássicas da Região de Entre SargentoMor e Montemor-O-Velho (margem direita do rio Mondego). Publicações do Museu e
Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra e do Centro de Estudos
Geológicos, N.º 62, Coimbra.
Sistema Aquífero: Tentúgal (O5)
211
Download

sistema aquífero: tentúgal (o5)