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Metal mecânica
A análise de falhas: Parte 1
Fundamentos das falhas,
fratura e o papel do aço
Figura 1.
Exemplificação dos
defeitos presentes
nas estruturas
cristalinas dos
metais a partir da
representação dos
defeitos presentes
na estrutura de um
rebite de aço[5].
Orientação técnica para detectar o problema e identificar a melhor forma para corrigi-lo.
Willy Ank de Morais
Marcus Vinícius de Oliveira Gonçalves
André Varvello Nunes
Celso Sacchetta Filho*
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1. INTRODUÇÃO
Este artigo é o primeiro de uma
série de trabalhos de revisão do
processo de Análise de Falhas em
componentes metálicos, particularmente feitos em aço. Cada trabalho
explora um contexto da análise de
falhas, revisando informações básicas da metalurgia e de ferramentas
de análise de materiais, correlacionando-as com a experiência e a
técnica profissional, a fim de solucionar questões práticas de falhas
na aplicação dos metais em componentes e estruturas. Neste primeiro trabalho serão apresentados
e discutidos alguns aspectos sobre
falha e fratura, os fundamentos da
fratura dos materiais e o papel do
aço neste cenário.
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2. FALHAS
É muito comum associar falha
a uma fratura, geralmente frágil ou
oriunda de fadiga ou ainda corrosão. Mas o conceito de falha é mais
abrangente e genericamente uma
estrutura ou componente pode ser
considerado falhado quando este:
a. Fica completamente inutilizado;
b. Ainda pode ser utilizado, mas
não desempenha sua função
de forma satisfatória;
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c. Apresenta um uso inseguro devido a uma séria deterioração.
Para determinar e descrever os
fatores responsáveis para a falha de
um componente é recomendável a
realização de uma análise de falhas,
cujos resultados são agregados ao
conhecimento histórico técnico empregado no projeto, produção e uso
de componentes e estruturas iguais
ou similares[1]. Uma análise de falhas
é essencialmente um processo de
investigação científica e, como tal,
deve ser executado seguindo uma
metodologia científica. Existem vários procedimentos descritos na
literatura[1-4], porém, de uma forma
geral, esta análise é realizada através
das seguintes etapas:
1. Verificar o histórico e o desempenho prévio existentes do
componente e/ou estrutura,
ou ao menos de seus similares;
2. Estudar o funcionamento
do equipamento ou da estrutura onde ocorreu a falha,
assim como de particularidades presentes ou eventuais;
3. Analisar visualmente como a
falha se manifestou, inclusive
verificando a relação desta falha
com o restante do equipamen-
to ou estrutura(s) existente(s);
4. Separar amostras e executar
uma sequência de testes para
caracterizar e registrar as condições de operação e o desempenho reais da parte falhada,
prioridade deve ser dada aos
ensaios não destrutivos antes
dos ensaios destrutivos;
5. Formular hipóteses com
base nas observações a análises feitas do componente
falhado e validá-las através
dos dados obtidos dos testes
(ensaios) realizados;
6. Obter as causas da falha, listar
as causas-raiz e indicar, ou ao
menos subsidiar, a definição
de métodos para bloqueio.
Genericamente as causas para
a falha da maioria das estruturas/
componentes estão relacionadas
as duas situações[2]:
1. Desvios na fase de projeto,
construção ou operação da
estrutura ou componente.
2. Aplicação de um novo projeto ou material.
Na maioria das análises de
falhas, uma pessoa treinada, ou
um time de pessoas, conseguem
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resolver a maioria dos casos apenas através de observação e análise com emprego de recursos
simples. Para isso é fundamental
que se compreenda os mecanismos de falha nos produtos metalúrgicos, dos quais a fratura é um
dos principais.
3. RESISTÊNCIA DOS MATERIAIS
A resistência mecânica dos metais é, em última análise, definida
pela presença (tipo, quantidade e
distribuição) dos inúmeros defeitos
presentes em sua estrutura cristalina, defeitos estes esquematizados
na Figura 1.
Destes defeitos, as discordâncias possuem papel de destaque
nas propriedades mecânicas. Sua
movimentação é o principal mecanismo pelo qual os átomos se
deslizam uns sobre os outros dentro da estrutura dos metais que é
basicamente deformação plástica.
Sendo assim, quando a resistência
mecânica dos metais é aumentada,
normalmente ocorre uma redução
na capacidade de movimentação
de suas discordâncias[8] e, conse-
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Metal mecânica
quentemente, uma restrição na
plasticidade (ductilidade) do metal.
Podem ser empregados mecanismos especiais de controle microestrutural para se minimizar os efeitos da perda da ductilidade com o
aumento da resistência mecânica.
Tais técnicas implicam na obtenção
de metais com diferentes níveis de
tenacidade já que esta propriedade
depende, simultaneamente, da resistência e da plasticidade[6 e 7].
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4. MECÂNICA DE FRATURA
A grande aplicabilidade dos metais é oriunda dos seus altos valores
de tenacidade, os maiores dentre os
materiais de engenharia. Esta maior
tenacidade é oriunda da conciliação
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entre uma boa resistência mecânica
e uma razoável capacidade de deformação plástica. Mesmo assim, estruturas e componentes metálicos
falham, fraturando-se em várias situações o que incita em um estudo
mais profundo dos mecanismos de
fratura, abordado nos dias de hoje
pela Mecânica de Fratura.
O conceito básico empregado na Mecânica de Fratura é que
o material apresenta concentradores de tensão severos (trincas),
cuja propagação é definida por
um balanço entre a energia liberada pelo carregamento mecânico
e a energia absorvida na deformação plástica ao redor da trinca. As
trincas podem se originar de várias
sx
sy
sxy
sVON MISES
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Figura 2.
Efeito na curva
tensão versus
deformação de um
aço HSLA (0,08%C;
0,65%Mn;
0,030%Nb) pela
introdução de um
concentrador de
tensões (entalhe
mecânico com
raio de 0,30mm)
em corpos de
prova de tração
prismáticos.
Figura 3.
Os três possíveis
modos de abertura
de uma trinca.
Figura 4.
Interpretação do
campo de tensões
ao redor de um
concentrador de
tensões carregado
no modo de
abertura I (Figura
4) conforme
descrito pela
Equação 2. A ponta
do concentrador
de tensões (trinca)
está situada
sempre no meio da
lateral esquerda
das figuras. As
cores vermelhas
indicam valores
mais elevados de
tensão, as cores
azuis valores mais
baixos e as laranjas
intermediários.
formas, mas na maioria dos casos,
a origem destas está vinculada a
concentradores de tensão.
Concentradores de tensão promovem um aumento localizado da
tensão aplicada no componente.
A máxima tensão (σmáx.) que surge
pela presença de um concentrador de tensão pode ser relacionada
à tensão aplicada externamente
(σ0) por meio de medições experimentais de tensão (extensometria
ou outros), por análises numéricas (elementos finitos) ou através
de ábacos. De uma forma geral,
empregam-se valores do fator de
concentração de tensão (Kt) para
descrever a amplificação da tensão
pelo concentrador:
(Eq. 1)
Onde: σmáx. representa a máxima
tensão presente na região do concentrador de tensão; Kt é o fator de
concentração de tensões e σ0 a tensão aplicada no componente (fora
do concentrador de tensões).
O efeito de um concentrador de
tensões intenso pode ser observado pela curva tensão-deformação
mostrada na Figura 2. Apesar do
aumento da resistência mecânica
obtida (+15%), houve uma queda
muito acentuada na capacidade
de deformação plástica (-87%) o
que implicou, para este caso, em
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uma redução da tenacidade para
menos de 20% da apresentada
pelo CP liso.
As trincas podem ser carregados em três modos de abertura: I,
II ou III ou em combinações destes,
conforme ilustrado pela Figura 3.
Um campo de tensões elásticas é
gerado ao redor da trinca, conforme exemplificado para o modo I
pela Equação 2. Nesta equação associa a intensidade deste campo de
tensões a uma constante conhecida como fator de intensidade de
tensões (KI, KII ou KIII).
(Eq. 2)
Onde: σ representa os componentes de tensões normais, τ o
componente cisalhante, KI o fator
de intensidade de tensões, r e θ
as coordenadas polares do ponto
considerado à frente da trinca.
Considerando o critério de Von
Mises como forma de quantificar o
efeito plástico do campo de tensões gerado na ponta da trinca
é possível fazer uma interpretação gráfica do campo de tensões
descrito pela Equação 2, apresentada na Figura 4. Na Figura 5 está
ilustrado um CP de dobramento
com uma trinca, empregado em
ensaios da Mecânica de Fratura.
O CP foi preparado de tal forma a
evidenciar a deformação plástica
na ponta da trinca, conforme indicada na Figura 5.
Como o modo de abertura I é
o mais comum, é normal considerar apenas este modo de abertura como sendo responsável pe-
Figura 5. Um
CP de CTOD já
aberto ilustrando
a geometria e
posição da região
plástica na ponta
da trinca.
los eventos de fratura da maioria
das condições práticas. Considerando este cenário, é possível
considerar a inclusão do valor
do fator de intensidade de tensões no modo de abertura I (K I)
no critério de balanço de energia
considerando um campo de tensões elásticas e obter uma equação elegantemente simples, mas
muito útil no estudo da maioria
das falhas com fratura:
(Eq. 3)
Onde: σ representa a tensão
aplicada no componente, Y é um
fator geométrico (disponível na
literatura, mensurável ou obtido
através de cálculos numéricos), a é
o tamanho da trinca e KI o fator de
intensidade de tensões. A unidade
de medida para KI é tensão x raiz
quadrada de comprimento (exemplo: MPa×m½).
Neste caso, ocorrerá propagação de uma trinca (falha do material) quando a intensidade de
tensões atuante na ponta da trinca (KI) for superior a um valor característico do material (KIc). Desta forma o parâmetro KIc passa a
representar uma forma de quanti-
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Metal mecânica
Tenacidade a Fratura KIc (MPa×m½)
METAIS
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ficar a tenacidade do material na
presença de um concentrador de
tensões intenso (trinca). A esta característica dos materiais, dá-se o
nome de tenacidade a fratura e os
valores de KIc tornaram a forma
mais popular de quantifica-la.
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5. O PAPEL DO AÇO
A amplitude de resistência
mecânica que o aço pode apresentar varia entre os valores de
um material polimérico (plástico)
até de um material cerâmico (de
100 a 2.000MPa). Nenhum outro
material, além do aço, apresenta
uma amplitude tão grande desta
propriedade. Além disso, o aço é o
material de engenharia que apresenta o maior valor de tenacidade
à fratura entre todos os materiais
existentes (de 30 a 300 MPa×m½),
apresentando uma combinação entre resistência mecânica e
plasticidade superior aos demais
metais, como mostra o gráfico da
Figura 6.
Entretanto este tipo de comportamento não era tão óbvio
ao longo do século 20, período
durante o qual houve muitos desenvolvimentos e aplicações dos
novos materiais de engenharia,
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muitos deles substitutos dos aços.
Adicionalmente, surgiram aplicações novas e cada vez mais sofisticadas, exigindo um maior nível de
confiabilidade na aplicação dos
materiais. Apesar de não terem
contribuição exclusiva, estes dois
cenários estiveram e ainda estão
intimamente ligados às duas principais causas de falhas em componentes e/ou estruturas:
1. Desvios na fase de projeto,
construção ou operação da
estrutura ou componente.
Um material de alta tenacidade à fratura apresenta menor probabilidade de falhar
mesmo quando ocorrem alterações na configuração inicial da sua aplicação, como o
surgimento de trincas.
2. Aplicação de um novo projeto ou material. Em muitas
aplicações a tenacidade e
a tenacidade à fratura são
características muito importantes à aplicação, mas nem
sempre são consideradas ou
quantificadas de maneira
a refletir a real necessidade
que a aplicação requer porque simplesmente não foram percebidas como tal.
Mín.
Méd.
Desv.
Pad.
Máx.
Aço Alta
31,6
97,7
42
165
Ligas Ti
13,5
68,6
28
148
Aço Méd.
34,0
66,2
27
110
Ligas Al
12,0
38,9
26
136
Outros Ñ
ferrosos
6,0
15,2
5
27
Figura 6.
Correlação
entre os níveis
de plasticidade
(%Alongamento)
e resistência
(Limite de
Resistência)
de diversas
categorias de
metais e valores
de tenacidade
a fratura KIc
para diferentes
categorias de
metais[8].
6. CONCLUSÕES
Falhas são eventos que ocorrem devido as mais diversas origens, mas muitas associadas pela
conciliação de condições mecânicas e metalúrgicas adversas. É de
primordial importância a compreensão dos mecanismos básicos
para a ocorrência de uma falha e
neste sentido a Mecânica de Fraturas é essencial, pois através dela
é possível correlacionar defeito
(trinca), carregamento mecânico
(tensão) e propriedade do material
(tenacidade à fratura) para esboçar
o cenário onde a falha ocorreu. O
desafio torna-se maior especialmente quando novas aplicações e
novos materiais surgem.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1]
– COLANGELO, V.J.; HEISER,
F.A., Analysis of metallurgical failures, Wiley, London, 1987.
[2]
– WULPI, D.J., Understanding
how components fail. ASM International, Materials Park, 3rd Edition,
2013.
[3]
– MORAIS, W.A.; A Condução
de uma Análise de Falhas. In: GODEFROID, L.B.; CANDIDO, L.C.; MORAIS,
W.A.; Análise de Falhas, ABM, São
Paulo. Cap. 9, 2012.
MAIO/2014
– SACHS, N.W.; Pratical plant
failure analysis - A guide to understanding machinery deterioration
and improving equipment reliability. CRC - Taylor & Francis, Boca Raton, 2007.
[5]
– ENGEL, L.; KLINGELE, H.; An
atlas of Metal Damage. Wolfe Science Books,1981.
[6]
– MAGNABOSCO, A.S.; Resistência Mecânica × Conformabilidade. Módulo 5, Cap.3 p. 481-500. In:
MORAIS, W.A.; MAGNABOSCO, A.S;
NETTO, E.B.M.; Metalurgia física e
mecânica aplicada. 2a Edição. São
Paulo: ABM, 2009.
[7]
– MORAIS, W.A.; Análise das
relações entre as características dos
aços e sua tenacidade. 65o Congresso Anual da ABM, Rio de Janeiro, jul. 2010.
[4]
– MATWEB – Material Property Data. Disponível em http://www.
matweb.com/search/PropertySearch.aspx Acesso em: 26/02/2014.
[8]
8. AUTORES
Willy Ank de Morais
Mestre e doutorando em engenharia metalúrgica e de materiais,
engenheiro metalurgista, técnico
em metalurgia. Professor adjunto
na Faculdade de Engenharia da
Unisanta e consultor técnico na Inspebras. e-mail: willyank@unisanta.
br e [email protected]
Marcus Vinícius de Oliveira
Gonçalves
Engenheiro civil e mestrando
em engenharia mecânica pela Unisanta. Engenheiro de projetos na
Sabesp, técnico da Superintendência de Gestão do Programa de Recuperação Ambiental da Baixada
Santista (TBT). e-mail: [email protected]
André Varvello Nunes
Engenheiro mecânico e mestrando em engenharia mecânica pela Unisanta. Engenheiro da
Transpetro. e-mail: andre.varvello@
gmail.com e [email protected]
Celso Sacchetta Filho
Engenheiro industrial mecânico
e mestrando em engenharia mecânica pela Unisanta. Gerente de
operação na Bohler Técnica de Soldagem. e-mail: Celso.Sacchetta@
voestalpine.com
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(01) – A análise de falhas: parte 1