comércio exterior
Saldos comerciais no Brasil:
composição setorial e sustentabilidade
Fernando J. Ribeiro
O saldo comercial brasileiro
tem apresentado um ótimo
desempenho na presente década,
contrastando fortemente com o
que se observou na segunda
metade dos anos 1990. De fato,
a balança comercial saiu de um
déficit de US$ 6,6 bilhões em
1998 para um superávit de
US$ 46,1 bilhões em 2006,
uma variação absoluta de
US$ 52,7 bilhões, o que
corresponde a quase 5%
do PIB do último ano.
A evolução recente tem sido
excepcional mesmo quando
comparada com o período que vai
de 1983 a 1994, quando o Brasil
também registrou superávits
expressivos de forma consecutiva
(Gráfico I). Naquela ocasião,
após um vigoroso ajuste da
balança comercial em 1983-1984
(o superávit foi de quase 9% do
PIB neste último ano), os saldos
apresentaram tendência de queda
nos anos seguintes, evolução
temporariamente revertida apenas
em anos marcados por recessão
e por forte desvalorização cambial
(como 1988 e 1992). Já na
década atual, o ajuste da balança
foi menos dramático do que
o observado em 1983-1984
(em termos de aumento do saldo
como porcentagem do PIB),
mas estendeu-se por um período
mais longo, de 2001 a 2005, com
o saldo atingindo o pico de
5,1% do PIB neste último ano.
É importante lembrar, também,
que no biênio 2004-2005 o saldo
cresceu mesmo diante de uma
recuperação do crescimento
doméstico.
Em 2006 o saldo caiu como
porcentagem do PIB (4,3%),
invertendo a tendência anterior.
No entanto, isso se deveu
exclusivamente à valorização
da taxa de câmbio (que inflou
o PIB medido em dólares), já
que o valor em dólares do saldo
cresceu em relação ao ano
anterior. Em 2007, contudo, o
saldo registra queda tanto em
valores quanto em percentual do
PIB, estimando-se que
recue para cerca de 3,2%.
O atual debate em torno
da balança comercial tem
como cerne duas questões
fundamentais. A primeira refere-se
à composição setorial do
saldo comercial. As indagações
relevantes, sob essa ótica,
são as seguintes: houve
alguma mudança estrutural na
composição setorial do saldo no
período mais recente? É possível
verificar algum avanço significativo
em setores que até alguns anos
atrás eram deficitários ou tinham
superávits pouco significativos?
Houve perda simultânea de
importância dos setores mais
tradicionais? Essas questões
são relevantes, pois o país
sempre contou com alguns
setores produtores de commodities
agrícolas e minerais como
grandes sustentáculos dos
saldos comerciais – soja, minério
de ferro, café, açúcar, celulose e
Fernando Ribeiro é economista-chefe da Funcex.
RBCE - 93
61
A composição dos
saldos é uma questão
eminentemente
microeconômica,
envolvendo aspectos
como vantagens
comparativas e preços
relativos, enquanto que
a sustentabilidade dos
saldos é basicamente
um problema
macroeconômico
carnes. Contudo, o crescimento
recente da exportação de itens
como automóveis, telefones
celulares, aviões e máquinas
e equipamentos poderia ser
um sinal de que estariam em
curso mudanças importantes na
eficiência da estrutura produtiva
do Brasil, com reflexos na
composição do saldo comercial.
A segunda questão refere-se
à sustentabilidade dos
superávits comerciais ao
longo do tempo. Será que
os grandes saldos atuais
representam uma mudança
permanente na situação das
contas externas do país? Com
efeito, muitos especialistas têm
respondido afirmativamente a
essa questão, sustentando que
a estrutura produtiva brasileira
teria passado por profundas
transformações estruturais,
refletidas em ganhos expressivos
de competitividade. Essas
mudanças teriam contribuído
para promover uma nova atitude
das empresas nacionais,
que estariam encarando as
exportações como parte
essencial de suas atividades,
e não apenas como mera
alternativa de mercado em
momentos de evolução
insatisfatória da demanda
doméstica. A manutenção de
um elevado saldo comercial no
período recente, mesmo diante
da queda das cotações do dólar
e do rápido crescimento da
demanda doméstica, dariam
sustento a essa hipótese.
Uma resposta menos otimista
e mais cautelosa é dada por
aqueles que argumentam que o
desempenho recente da balança
resulta primordialmente de
uma conjuntura externa
excepcionalmente favorável,
com forte crescimento da
demanda mundial e dos preços
das commodities. O fato de que
a maior parte do crescimento
das exportações nos últimos
dois anos tem sido determinada
por ganhos de preço, e não
pelo quantum (com o inverso
ocorrendo do lado das
importações), seria uma
evidência clara da validade
desse argumento.
Gráfico I
SALDO COMERCIAL COMO PORCENTAGEM DO PIB - 1980-2007 (EM %)
Fonte: Secex/MDIC e IBGE. Elaboração: Funcex.
62 RBCE - 93
A análise que se segue busca
contribuir para um melhor
entendimento dessas duas
questões. É importante destacar
que, embora ambas versem sobre
o mesmo tema, e estejam
obviamente correlacionadas,
elas devem ser tratadas em
níveis diferentes. A composição
dos saldos é uma questão
eminentemente microeconômica,
envolvendo aspectos como
vantagens comparativas,
tecnologia, preços relativos e
características específicas do
funcionamento de cada mercado.
Já a sustentabilidade dos saldos
é basicamente um problema
macroeconômico, relacionado a
variáveis como a taxa de câmbio
real, o crescimento do consumo
e do investimento domésticos e
a evolução da demanda mundial.
COMPOSIÇÃO SETORIAL
DO SALDO
Processos de rápido crescimento
do saldo comercial, a exemplo do
experimentado recentemente pelo
Brasil, podem trazer em seu bojo
três possíveis padrões dos fluxos
setoriais de comércio:
i) Uma importante mudança na
composição setorial do saldo,
com o aparecimento de novos
setores responsáveis pelo
superávit (inclusive alguns que
eram anteriormente deficitários) e
o declínio relativo de outros, que
reduzem sua contribuição para o
superávit ou se tornam, inclusive,
deficitários. Esse padrão seria
revelador de transformações na
estrutura produtiva do país,
com mudanças no padrão
de vantagens comparativas;
ii) Um aumento generalizado
dos saldos nos diversos setores
(inclusive com queda do déficit
nos setores que tradicionalmente
registravam saldos negativos),
sem que se possam identificar
mudanças relevantes em sua
composição setorial;
iii) Um aumento da
concentração do saldo setorial,
com menor número de setores
contribuindo para o superávit
e maior número de setores
deficitários. É um fenômeno
que poderia estar associado
à “doença holandesa”, situação
na qual o país passa a concentrar
a produção e as exportações
em um número bastante restrito
de setores beneficiados por um
incremento muito significativo dos
preços internacionais de seus
produtos “ tipicamente, bens
classificados como commodities.
A análise que se segue busca
identificar elementos que
permitam relacionar a evolução
do saldo comercial brasileiro,
desde 1990 até o presente, a
algum desses padrões. Nesse
sentido, a Tabela I apresenta
os saldos comerciais médios
referentes a cada um dos
31 setores produtores de
mercadorias (agropecuárias e
industriais) em quatro biênios:
1993-1994, quando se encerrou
o ciclo de superávits iniciado na
década de 1980; 1997-1998,
quando se registraram os
maiores déficits do período pósReal; 2001-2002, quando se
iniciou o novo ciclo de superávits;
e 2005-2006, o último biênio
completo. Com base nos saldos
setoriais registrados nesses
quatro biênios, é possível
discriminar quatro grupos de
setores:
‹ Altamente superavitários:
engloba 12 setores que
registraram elevados superávits
comerciais em todos os biênios
considerados, tipicamente acima
de US$ 1 bilhão/ ano. No biênio
2005-2006, esses setores foram
responsáveis por um saldo
acumulado de US$ 56,3 bilhões,
ou seja, US$ 10,9 bilhões acima
do superávit acumulado do
país no período. Há duas
características importantes nesse
grupo: (i) são, na maioria, setores
produtores de commodities,
com exceção dos setores de
calçados, móveis e, talvez,
alguns produtos siderúrgicos; e
(ii) todos os setores registraram
grande aumento do superávit
entre 2001-2002 e 2005-2006
(em geral, acima de 100%).
‹ Novos superavitários: seis
setores que registraram saldos
inexpressivos em 1993-1994 e
grandes déficits em 1997-1998,
mas inverteram o padrão em anos
recentes, registrando superávits
expressivos em 2005-2006.
De fato, neste último biênio,
o saldo desse grupo foi superior
a US$ 10 bilhões. Os grandes
destaques são Veículos
automotores e Peças e outros
veículos, incluindo também
dois outros setores industriais
importantes (Têxtil e Material
elétrico) e dois setores
produtores de commodities
(Minerais não-metálicos e
Outros produtos alimentares).
‹ Pouco deficitários: o grupo
reúne cinco setores que são
normalmente deficitários, mas
cujos saldos são pouco
RBCE - 93
63
Tabela I
SALDO COMERCIAL POR SETORES DE ATIVIDADE, EM ANOS SELECIONADOS (US$ MILHÕES)
Saldos comerciais médios
Altamente superavitários
1993-1994 (A)
1997-1998 (B)
2001-2002 (C)
2005-2006 (D)
19.846,0
22.075,7
25.550,6
56.285,5
Extrativa mineral
Abate de animais
Siderurgia
Agropecuária
Açúcar
Madeira e mobiliário
Óleos vegetais
Calçados, couros e peles
Café
Celulose, papel e gráfica
Beneficiamento de produtos vegetais
Metalurgia não ferrosos
2.368,0
1.249,0
3.669,2
905,5
877,6
1.110,2
2.376,9
1.951,4
2.054,2
1.243,9
918,0
1.122,5
3.101,0
1.357,3
2.806,4
1.612,4
1.854,2
1.201,9
2.628,5
1.864,6
2.958,4
623,4
1.272,8
795,1
3.221,6
2.940,3
2.555,5
3.169,7
2.190,2
1.967,3
2.643,7
2.338,3
1.398,9
1.325,2
989,1
811,2
8.746,4
8.101,4
7.325,3
6.164,6
5.044,6
3.849,5
3.744,8
3.349,1
3.144,6
2.658,9
2.345,5
1.811,2
Novos superavitários
1.501,2
(3.865,5)
1.794,9
10.254,4
190,8
770,8
99,2
208,1
98,7
133,7
(797,3)
(422,0)
(534,0)
(58,7)
(764,7)
(1.288,9)
1.177,9
1.749,5
394,1
154,0
124,6
(1.805,2)
4.808,2
3.614,8
767,3
535,5
307,7
221,0
Veículos automotores
Peças e outros veículos
Têxtil
Minerais não metálicos
Outros produtos alimentares
Material elétrico
Pouco deficitários
Laticínios
Artigos de vestuário
Borracha
Plástica
Outros produtos metalúrgicos
Altamente deficitários
529,5
(1.345,0)
(464,6)
(523,9)
(193,0)
133,8
195,8
5,2
387,9
(477,8)
(169,8)
(89,5)
(238,0)
(370,0)
(185,6)
(14,1)
(85,7)
(133,9)
(45,3)
(14,1)
(152,4)
(174,0)
(177,0)
(6,6)
(10.247,6)
(24.308,4)
(20.110,6)
(22.996,8)
Elementos químicos
Máquinas e tratores
Farmacêutica e perfumaria
Indústrias diversas
Refino de petróleo e petroquímicos
Químicos diversos
Petróleo e carvão
Equipamentos eletrônicos
(1.212,6)
(1.168,4)
(497,3)
(397,6)
(1.433,5)
(700,5)
(2.791,6)
(2.046,1)
(1.956,9)
(5.581,0)
(1.528,3)
(1.633,7)
(3.528,1)
(1.510,1)
(3.168,4)
(5.402,1)
(1.675,5)
(3.676,6)
(1.728,4)
(1.275,9)
(3.424,2)
(1.823,5)
(2.642,2)
(3.864,4)
(570,6)
(975,5)
(2.199,2)
(2.393,6)
(2.985,5)
(3.076,3)
(4.242,9)
(6.553,4)
Total(1)
11.882,5
(6.725,0)
7.885,5
45.415,5
Fonte: Funcex. Nota: (1) Os saldos totais diferem ligeiramente da soma dos saldos setoriais em virtude da não inclusão de um pequeno grupo de produtos não classificados.
expressivos, exercendo, portanto,
reduzida influência sobre
o resultado da balança comercial
do país. Com efeito, esses
setores somaram um déficit
de apenas US$ 524 milhões
em 2005-2006.
‹ Altamente deficitários:
o grupo é constituído por oito
setores nos quais o país é
64 RBCE - 93
tradicionalmente um grande
importador líquido, e cujo déficit
conjunto foi de US$ 23 bilhões
em 2005-2006, valor semelhante
ao registrado no biênio
1997-1998. Três tipos de produtos
caracterizam esses setores:
petróleo e derivados (Petróleo
e carvão e Refino de petróleo e
petroquímicos), produtos químicos
(Elementos químicos, Químicos
diversos, Farmacêutica
e perfumaria) e produtos
industrializados com nível
tecnológico relativamente mais
elevado (Máquinas e tratores
e Equipamentos eletrônicos),
além de Indústrias diversas.
A taxonomia setorial acima
definida facilita o exame dos
saldos comerciais do Brasil nos
últimos anos e permite identificar,
de forma mais nítida, eventuais
mudanças de sua composição
ao longo do tempo.
Evolução entre os biênios
1993-1994 e 1997-1998:
novos e grandes déficits
Esse período foi marcado por
uma importante queda do saldo
comercial, que afetou quase
todos os setores. A Tabela II
mostra que apenas o grupo de
setores classificados como
“altamente superavitários”
conseguiu promover um aumento
do saldo, basicamente devido
ao desempenho favorável dos
setores de Extrativa mineral,
Agropecuária, Açúcar e Café.
Os setores classificados como
“novos superavitários” sofreram
forte queda de seus saldos
comerciais, passando de
pequenos superávits em 19931994 para grandes déficits em
1997-1998. Em conjunto, o saldo
comercial desse grupo teve uma
variação negativa de US$ 5,4 bilhões,
equivalente a 30% da piora total
do saldo brasileiro no período,
que foi de “US$ 18,6 bilhões. A
maior contribuição para essa piora,
porém, veio mesmo do grupo de
setores “altamente deficitários”,
cujo déficit conjunto teve variação
negativa de US$ 14 bilhões. Dos
setores “pouco deficitários”, veio
US$ 1,9 bilhão.
Fica evidente que a estrutura
produtiva do país não estava
preparada para enfrentar o
impacto de três choques
simultâneos: a redução de tarifas
de importação, o aumento da
demanda doméstica que se
seguiu à redução das taxas de
inflação com o Plano Real e a
valorização da taxa de câmbio
real, também um subproduto
do processo de estabilização.
A composição desses choques
agravou a situação de setores
que eram tradicionalmente
deficitários e afetou, também,
setores ligeiramente superavitários,
mas que apresentavam claras
deficiências competitivas que
os tornavam vulneráveis à
concorrência dos importados.
Só resistiram mesmo os setores
“altamente superavitários”, sendo
que alguns deles ainda sofreram
quedas expressivas de seus
superávits, como Siderurgia,
Celulose, papel e gráfica e
Metalurgia de não-ferrosos.
Nos biênios 1993-1994
e 1997-1998, a balança
comercial do país teria
sido ainda mais negativa
não fosse a contribuição
positiva dos aumentos
de preços de exportação
e da redução dos
preços de importação
registrados no período
Note-se que a piora do déficit
do país entre esses dois biênios
se deu a despeito de um ganho
expressivo de termos de troca,
de 24,1%, que beneficiou a
maioria dos setores. Ou seja,
a balança comercial do país
teria sido ainda mais negativa
não fosse a contribuição positiva
dos aumentos de preços de
exportação e da redução dos
preços de importação registrados
no período.
Evolução entre os biênios
1997-1998 e 2001-2002:
ajuste da balança
A situação se inverteu
radicalmente no período
compreendido entre os biênios
1997-1998 e 2001-2002, como
reação a dois fatores: a
desvalorização cambial que se
seguiu ao estabelecimento do
regime de câmbio flutuante e o
baixo crescimento da demanda
doméstica. O saldo comercial
RBCE - 93
65
registrou uma variação positiva de
US$ 14,6 bilhões no período, com
melhoria em quase todos os
setores. A maior contribuição veio
dos setores classificados
como “novos superavitários”
e “altamente deficitários”. Nos
primeiros, o saldo teve melhoria
de US$ 5,7 bilhões, ou quase
40% da variação total, com
destaque para Veículos
automotores e Peças e outros
veículos, e tendo como exceção
o setor de Material elétrico, cujo
saldo teve queda. Entre os
“altamente deficitários” a variação
do saldo foi positiva em
US$ 4,2 bilhões, com melhorias
mais expressivas nos casos
de Máquinas e tratores e
Equipamentos eletrônicos. Os
setores “levemente deficitários”
também deram uma contribuição
positiva, de US$ 880 milhões.
Entre os setores “altamente
superavitários” o aumento do
saldo foi pequeno, de apenas
US$ 3,5 bilhões, o que se explica
pela evolução bastante negativa
Tabela II
VARIAÇÃO DOS SALDOS COMERCIAIS E DOS TERMOS DE TROCA POR SETORES DE ATIVIDADE,
EM PERÍODOS SELECIONADOS (US$ MILHÕES)
Variação dos saldos (US$ milhões)
Variação dos termos de troca(2) (%)
05-06/01-02
01-02/97-98
05-06/01-02
Altamente superavitários
2.229,7
3.474,9
30.735,0
-
-
-
Extrativa mineral
Abate de animais
Siderurgia
Agropecuária
Açúcar
Madeira e mobiliário
Óleos vegetais
Calçados, couros e peles
Café
Celulose, papel e gráfica
Benef. de produtos vegetais
Metalurgia não ferrosos
733,0
108,3
(862,8)
706,9
976,7
91,8
251,7
(86,8)
904,2
(620,5)
354,8
(327,5)
120,6
1.583,0
(250,9)
1.557,3
336,0
765,4
15,2
473,8
(1.559,5)
701,9
(283,8)
16,1
5.524,8
5.161,1
4.769,9
2.995,0
2.854,5
1.882,2
1.101,2
1.010,8
1.745,7
1.333,7
1.356,4
1.000,0
(2,2)
(21,9)
9,9
16,6
68,4
(4,5)
3,2
21,1
3,7
9,3
10,2
14,2
(11,0)
1,0
(6,3)
14,3
(4,0)
(23,6)
(7,3)
0,3
(30,6)
(14,6)
(1,8)
(0,8)
3,6
(23,7)
24,6
(11,5)
13,1
(13,9)
Novos superavitários
(5.366,7)
5.660,4
8.459,6
-
-
-
Veículos automotores
Peças e outros veículos
Têxtil
Minerais não metálicos
Outros produtos alimentares
Material elétrico
(988,1)
(1.192,8)
(633,2)
(266,7)
(863,4)
(1.422,6)
1.975,2
2.171,5
928,1
212,6
889,3
(516,3)
3.630,4
1.865,3
373,2
381,6
183,1
2.026,2
10,4
43,1
16,4
24,6
0,1
67,1
(12,4)
20,0
(6,1)
(4,9)
(4,8)
(15,2)
(6,0)
(9,8)
9,3
3,5
(3,1)
28,5
Pouco deficitários
(1.874,5)
880,4
(59,3)
-
-
-
(284,7)
(303,6)
(285,2)
(243,1)
(757,9)
292,2
155,7
3,8
104,1
324,7
171,5
(138,3)
(88,3)
(43,1)
38,7
42,2
86,2
(10,0)
(17,1)
(8,0)
33,6
(14.060,8)
4.197,8
(2.886,2)
-
-
-
(744,3)
(4.412,6)
(1.030,9)
(1.236,1)
(2.094,6)
(809,6)
(376,8)
(3.356,0)
281,4
1.904,4
(200,1)
357,8
103,9
(313,5)
526,2
1.537,7
1.104,9
2.701,2
(470,8)
(1.117,7)
438,7
(1.252,8)
(1.600,7)
(2.689,1)
15,5
50,8
51,1
(1,2)
17,1
15,7
33,8
(0,9)
(6,6)
(5,8)
(7,5)
(6,8)
(32,7)
13,9
29,8
3,8
(3,2)
5,7
(12,6)
1,7
(37,1)
(18.607,5)
14.610,5
37.530,0
24,1
(12,2)
1,9
Laticínios
Artigos de vestuário
Borracha
Plástica
Outros produtos metalúrgicos
Altamente deficitários
Elementos químicos
Máquinas e tratores
Farmacêutica e perfumaria
Indústrias diversas
Refino de petróleo e petroquimicos
Químicos diversos
Petróleo e carvão
Equipamentos eletrônicos
Total (1)
97-98/93-94
01-02/97-98
97-98/93-94
Fonte: Funcex. Notas: (1) Os saldos totais não correspondem à soma dos setores devido a um pequeno grupo de produtos não classificados. (2) Há seis setores para os quais não
são calculados simultaneamente índices de preços de exportação e de importação, não sendo possível obter-se os termos de troca.
66 RBCE - 93
dos preços de exportação em
quase todos os setores do grupo.
Aliás, esse período foi marcado
por uma queda expressiva dos
termos de troca do país (“12,2%),
que afetou a grande maioria dos
setores, especialmente os
“altamente deficitários” e os
“novos superavitários”, com
a notável exceção de Peças
e outros veículos. O ajuste
comercial promovido no período
se deu, portanto, por uma
combinação de queda do
quantum importado com aumento
do quantum exportado em
quase todos os setores,
independentemente de sua
situação prévia ser de déficit
ou de superávit.
Em síntese, foi um período
caracterizado por um ajuste
“clássico” da balança comercial,
com desvalorização cambial e
retração da demanda doméstica
objetivando a geração de
superávits para cobrir as
necessidades de financiamento
externo, de maneira semelhante
ao observado no início dos anos
1980. O resultado foi um aumento
do saldo comercial na grande
maioria dos setores, tanto
deficitários quanto superavitários.
Não há, portanto, qualquer indício
de mudança estrutural da pauta
nesse período, muito menos de
aumento da concentração setorial
do saldo comercial.
Evolução entre os biênios
2001-2002 e 2005-2006:
mudanças estruturais?
Nesse período, ocorreu um
fenômeno verdadeiramente novo
na economia brasileira, qual seja,
um aumento expressivo do saldo
comercial (variação absoluta de
US$ 37,5 bilhões, com saldos
crescentes ano a ano) em um
contexto de crescimento da
demanda doméstica e de
valorização do câmbio. Há
indícios, portanto, da ocorrência
de mudanças estruturais no
desempenho do setor externo.
Nesse sentido, a análise da
evolução dos saldos setoriais
apresenta alguns sinais
reveladores: os setores
“altamente deficitários” e
“levemente deficitários” tiveram
pequenas variações negativas
(muito menores, em termos
absolutos, do que as registradas
entre 1993-1994 e 1997-1998)
e, mais importante ainda, os
setores “novos superavitários”
tiveram um forte aumento
do saldo, de cerca de
US$ 8,5 bilhões, com ganhos
especialmente importantes em
Veículos automotores, Peças
e outros veículos e Material
elétrico. Esses números
significaram uma inversão de
seu comportamento histórico.
Por outro lado, o saldo comercial
tornou-se mais concentrado,
uma vez que mais de 80% do
aumento registrado no período
(US$ 30,7 bilhões) deveu-se
aos setores “altamente
superavitários”. Todos os setores
desse grupo tiveram aumentos
expressivos, que variaram de
US$ 1 bilhão na Metalurgia de
não-ferrosos até US$ 5,5 bilhões
na Extrativa mineral.
Há, dessa forma, evidências de
mudanças estruturais na balança
comercial do país, especialmente
no que tange aos setores
“novos superavitários”, mas
também indícios de uma maior
concentração do saldo comercial
nos setores “altamente
superavitários”. Quanto ao
primeiro ponto, é preciso saber
se as mudanças recentes vão se
sustentar ao longo dos próximos
anos, visto que os setores “novos
superavitários” estão sujeitos a
forte pressão competitiva por
conta da valorização cambial.
Já em relação ao segundo ponto,
é certamente um exagero
argumentar que há uma
excessiva concentração da
pauta, ou mesmo sintomas de
“doença holandesa”. Na verdade,
há nada menos que 12 setores
“altamente superavitários”, que
exportam bens bastante diversos,
embora sejam relacionados ou
ao agronegócio ou à exploração
de recursos minerais, nos quais
o país tem claras vantagens
comparativas. Isso reflete mais o
fato de que o país importa muito
pouco desses bens do que uma
eventual concentração excessiva
de nossas exportações nesses
setores. Além disso, esse
setores têm hoje uma
participação menor no superávit
comercial do país do que tinham
em 1993-1994 “ e naquela época
não se manifestavam grandes
preocupações quanto à
composição do saldo comercial.
Outro ponto que deve ser
devidamente qualificado refere-se
à importância dos ganhos de
termos de troca para a melhoria
do saldo do país no período em
foco, especialmente nos setores
produtores de commodities.
Na verdade, a última coluna da
Tabela II mostra que o ganho total
no período foi de apenas 1,9%,
não sendo possível identificar
qualquer correlação clara entre a
variação do saldo e a magnitude
RBCE - 93
67
dos ganhos de termos de troca
entre os setores, nem mesmo
entre os “altamente superavitários”.
O primeiro semestre de 2007
A análise da evolução dos saldos
setoriais no primeiro semestre de
2007 agrega informações
importantes que permitem
qualificar a análise referente aos
anos imediatamente anteriores.
A Tabela III mostra que toda a
variação do saldo comercial do
país em relação ao mesmo
período de 2006 (que foi de
apenas US$ 1,25 bilhão) deveuse aos setores “altamente
superavitários”, cujo saldo
aumentou em US$ 6,3 bilhões.
Quase todos os demais setores
registraram queda do saldo,
inclusive os “novos superavitários”,
que registraram queda conjunta
de US$ 1,57 bilhão “ embora
ainda ostentem um superávit
expressivo.
Outro aspecto importante
revelado pela Tabela III é que todo
o aumento do superávit deveu-se
à melhoria dos termos de troca,
que contribuíram com um
Tabela III
SALDO COMERCIAL POR SETORES DE ATIVIDADE - PRIMEIROS SEMESTRES DE 2006 E 2007 (US$ MILHÕES)
Primeiro
Semestre/2006
Primeiro
Semestre/2007
Variação
absoluta
Variação devida
aos preços
Variação devida
ao quantum
Altamente superavitários
25.745,1
32.079,6
6.334,5
3.463,7
2.299,0
Extrativa mineral
Abate animais
Siderurgia
Agropecuária
Açúcar
Madeira e mobiliário
Óleos vegetais
Calçados, couros e peles
Café
Celulose, papel e gráfica
Benef. de produtos vegetais
Metalurgia não ferrosos
3.964,8
3.609,6
3.044,1
3.131,6
2.174,7
1.818,4
1.334,5
1.697,2
1.436,5
1.408,6
1.077,7
1.047,4
5.179,6
4.955,6
3.842,4
4.128,8
2.352,5
1.912,8
1.859,5
1.929,8
1.828,5
1.645,6
1.333,8
1.110,7
1.214,8
1.346,0
798,3
997,2
177,8
94,4
525,0
232,6
392,0
237,0
256,1
63,3
319,6
347,1
978,6
624,0
76,1
297,9
282,0
218,9
219,6
99,9
895,1
998,9
(181,2)
373,2
18,2
227,1
(49,4)
18,1
36,5
(37,5)
Novos superavitários
4.723,7
3.156,2
(1.567,5)
306,2
(1.874,1)
Veículos automotores
Peças e outros veículos
Têxtil
Minerais não metálicos
Outros produtos alimentares
Material elétrico
2.321,3
1.748,4
251,2
270,2
64,1
68,5
1.880,3
1.011,1
(38,3)
248,1
67,4
(12,4)
(441,0)
(737,3)
(289,5)
(22,1)
3,3
(80,9)
166,9
(92,6)
9,4
23,6
(29,9)
228,8
(607,7)
(644,9)
(299,2)
(45,7)
33,2
(309,8)
Pouco deficitários
(326,5)
(548,9)
(222,4)
62,6
(192,9)
Laticínios
Outros produtos metalúrgicos
Artigos de vestuário
Borracha
Plástica
(1,6)
(101,2)
(84,2)
(63,6)
(75,9)
3,6
(231,9)
(137,9)
(63,1)
(119,6)
5,2
(130,7)
(53,7)
0,5
(43,7)
30,9
31,6
-
(161,7)
(31,1)
-
(12.002,9)
(15.402,9)
(3.400,0)
427,4
(3.370,6)
(335,1)
(785,1)
(1.075,2)
(1.258,2)
(1.546,0)
(927,2)
(2.498,9)
(3.577,2)
(233,1)
(1.412,8)
(1.535,4)
(1.566,1)
(2.270,4)
(2.118,6)
(2.119,6)
(4.146,9)
102,0
(627,7)
(460,2)
(307,9)
(724,4)
(1.191,4)
379,3
(569,7)
97,1
164,1
248,5
(268,2)
(66,5)
117,8
134,6
4,1
(792,2)
(556,6)
(459,2)
(1.125,0)
261,5
(703,2)
19.385
20.632
1.247
4.233
(2.986)
Altamente deficitários
Elementos químicos
Máquinas e tratores
Farmacêutica e perfumaria
Indústrias diversas
Refino de petróleo e petroq.
Químicos diversos
Petróleo e carvão
Equipamentos eletrônicos
Total (1)
Fonte: Funcex. Nota: (1) Os saldos totais não correspondem à soma dos setores devido a um pequeno grupo de produtos não classificados.
68 RBCE - 93
aumento de US$ 4,2 bilhões.
As quantidades transacionadas
contribuíram, isoladamente, para
uma queda de US$ 3 bilhões,
conseqüência de um crescimento
do quantum importado (23,2%)
muito superior ao do quantum
das exportações (10,1%).
Os dados de 2007 indicam
que pode estar ocorrendo algo
semelhante ao que se verificou
no período pós-Plano Real, com
piora generalizada do saldo
comercial – resultado de maior
crescimento doméstico e câmbio
valorizado – e melhoria
apenas nos setores “altamente
superavitários”. Mesmo os
setores “novos superavitários”
apresentam piora, colocando
em dúvida a sustentação de
seus superávits no futuro.
SUSTENTABILIDADE
DOS SUPERÁVITS
Antes de tudo, é necessário
lembrar de alguns aspectos
conceituais que muitas vezes
têm sido ignorados no debate
sobre o saldo comercial
brasileiro. Um país é superavitário
em sua balança comercial
quando há um excesso de
produção de bens em relação à
demanda doméstica, ou seja, um
país só pode ser um exportador
líquido de mercadorias se o valor
de todos os bens produzidos
dentro do país é maior do que o
valor de tudo o que é absorvido
pela demanda doméstica (na
forma de consumo das famílias,
investimento ou consumo do
governo). Isso é o que ocorre no
Brasil hoje – e o oposto do que
ocorreu entre 1995 e 2000,
quando o país registrou déficits
comerciais. Sendo assim, toda
a discussão sobre o futuro da
balança comercial do país
resume-se a um ponto
fundamental: para que os atuais
superávits se sustentem ao
longo do tempo, é necessário
que a taxa de crescimento da
demanda doméstica não seja
sistematicamente superior
à taxa de crescimento da
produção doméstica. Do
contrário, o país só conseguiria
se manter superavitário se fosse
capaz de obter ganhos contínuos
de termos de troca – preços de
exportação crescendo a taxas
superiores às dos preços de
importação –, o que a história
mostra ser um fato muito difícil de
ocorrer, além de ser uma variável
fora do controle das políticas
econômicas nacionais.
Para ilustrar esse ponto, o
Gráfico II apresenta as variações
ano a ano de duas variáveis.
A primeira é a relação entre os
índices da produção doméstica1
e da demanda doméstica2
(chamada de “razão
demanda/produção”). A segunda
é a relação entre os índices
de quantum de exportações e
de importações (chamada de
“razão de quantum”). Essa última
variável mede a evolução do saldo
comercial do país em termos de
quantidades, desconsiderando o
O crescimento da produção doméstica de bens é obtido pela média ponderada do crescimento do PIB
do setor agropecuário com o crescimento do PIB da indústria, conforme dados das Contas Nacionais
do IBGE.
1
Obtida pela média ponderada da taxa de crescimento da formação bruta de capital com a taxa de
crescimento do consumo final (famílias + administração pública), conforme dados das Contas Nacionais
do IBGE.
2
efeito das variações dos
termos de troca. Para facilitar
a visualização no gráfico, as
taxas de variação da razão de
quantum são divididas por 10.
O Gráfico II deixa claro que
há uma relação inversa entre
as duas variáveis, sendo que
elas variaram na mesma direção
apenas em 1994, 1998 e 2005.
Além disso, a variação da razão
de quantum é tanto maior quanto
menor é a variação da razão
demanda/produção (e vice-versa).
É possível também observar
a evolução dessas variáveis
em subperíodos selecionados.
Entre 1993 e 1998, a demanda
doméstica cresceu
consistentemente acima da oferta
(exceto em 1994), provocando
uma queda contínua da razão
de quantum (exceto em 1998,
quando a situação de déficits
externos já era claramente
insustentável). Nesses seis anos,
a demanda doméstica cresceu
4,5% a.a., contra uma alta
de 3,8% da produção. Em
conseqüência, a razão de
quantum teve queda de 14,8%
a.a. e o saldo comercial do
país passou de um superávit
de US$ 15,2 bilhões para um
déficit de US$ 6,6 bilhões. Não
há dúvida de que essa queda foi
intensificada pela valorização
real do câmbio registrada no
período (de cerca de 28%) e
pela conclusão do processo de
liberalização comercial iniciado
em 1990, cujo cronograma de
desgravação encerrou-se
em meados de 1993.
Já entre 2001 e 2005 observou-se
um processo inverso, com a
demanda crescendo sempre
abaixo da produção (exceto em
RBCE - 93
69
Para que os atuais
superávits se sustentem
ao longo do tempo,
é necessário que a
taxa de crescimento da
demanda doméstica não
seja sistematicamente
superior à taxa de
crescimento da produção
doméstica
2005) e com crescimento
contínuo da razão de quantum.
Nesses cinco anos, a demanda
doméstica registrou expansão de
apenas 1,6% a.a, metade da taxa
referente à produção (3,1%).
Como conseqüência, a razão
de quantum cresceu ao ritmo de
10,6% a.a., fazendo com que o
país saísse de um pequeno déficit
comercial para um superávit de
US$ 44,8 bilhões em 2005.
O quadro voltou a se modificar
em 2006 e 2007, com
crescimento da demanda a um
ritmo bem mais acelerado que o
da produção, resultando em forte
queda da razão de quantum. Em
2006, a demanda cresceu à taxa
de 5,2%, contra alta de 3,2% da
produção, havendo uma queda
de 11% da razão de quantum.
O país só logrou aumentar
o superávit comercial no ano
(para US$ 46 bilhões) devido
ao forte aumento dos preços de
exportação (12,5%) em relação
aos preços de importação (7%).
Em 2007, a demanda vem
novamente crescendo a um ritmo
acelerado, devendo fechar o ano
com alta de cerca de 6,5%,
acima dos 5,5% da produção,
provocando uma queda de 13%
na razão de quantum. Com isso,
nem mesmo a melhoria dos
termos de troca deve evitar que o
saldo comercial se contraia para
algo próximo de US$ 40 bilhões.
Tendo em vista esses fatos, qual
poderá ser a evolução do saldo
comercial daqui para frente? A
resposta dependerá da trajetória
de três variáveis que determinam,
em última instância, os ritmos de
crescimento da demanda e da
produção doméstica. A primeira
é a taxa de investimento da
economia. Quanto maior essa
taxa, maior é o crescimento da
capacidade produtiva doméstica,
o que permite que a produção
cresça a taxas elevadas sem
gerar efeitos colaterais nocivos,
como, por um exemplo, uma
aceleração da inflação. Não
por acaso, os países que têm
conseguido combinar um bom
Gráfico II
VARIAÇÃO ANUAL DA RAZÃO DE QUANTUM E DA RAZÃO
DEMANDA/PRODUÇÃO DOMÉSTICA – 1991-2007 (EM %)
Fonte: Funcex e IBGE.
70 RBCE - 93
crescimento doméstico com
a manutenção de superávits
comerciais elevados são aqueles
cujas taxas de investimento são
mais elevadas – tipicamente
os países asiáticos e,
destacadamente, a China,
cuja taxa de investimento se
aproxima de 40% do PIB.
a gerar grandes déficits
comerciais ao longo do tempo.
O inverso ocorre quando o
câmbio está excessivamente
desvalorizado, gerando grandes
saldos comerciais e punindo
os consumidores, podendo,
inclusive, aumentar a inflação
doméstica.
A segunda variável diz respeito
às políticas fiscal e monetária.
São elas que determinam o ritmo
de crescimento da demanda
doméstica, e sua função é
fazer com que esse ritmo
não “descole” do ritmo de
crescimento da oferta. Do
contrário, o país estaria sujeito
a dois problemas: aceleração
da inflação e/ou redução do
saldo comercial. Em economias
razoavelmente abertas, como a
brasileira, o mais comum é que
ocorra uma combinação das duas.
Vale lembrar que o crescimento
do comércio mundial e os
termos de troca são também
variáveis importantes na
determinação da balança
comercial. Contudo, são variáveis
exógenas, no sentido de que
não podem ser influenciadas
pela política econômica brasileira.
Portanto, tudo o que o país
pode fazer é ajustar as variáveis
domésticas às mudanças da
situação externa. Como exemplo,
admita-se que ocorra uma
desaceleração do comércio
mundial, o que implica maiores
dificuldades para exportar, seja
porque os preços dos produtos
comercializados caem
(especialmente os das
commodities), seja porque os
volumes comercializados se
retraem. Isso resulta, normalmente,
em uma desaceleração da
produção doméstica e, portanto,
exige que a demanda também
cresça mais lentamente, para
evitar uma deterioração das
contas externas. Naturalmente,
tudo fica mais fácil para o país
quando o comércio mundial
cresce rapidamente, como tem
ocorrido nos últimos anos.
A terceira variável é a taxa de
câmbio real, que determina
o preço relativo dos bens
produzidos no país vis-à-vis
os produzidos no exterior. Essa
variável age tanto do lado da
oferta doméstica quanto do lado
da demanda. Em termos de
equilíbrio macroeconômico,
é importante manter a taxa de
câmbio em um nível adequado,
de forma a tornar atrativos os
investimentos em produtos para
exportação sem que se torne
punitiva do lado da importação
e do consumo. Uma taxa
excessivamente valorizada tende
a estimular as importações e a
desestimular os investimentos
e o aumento da oferta de bens
domésticos que podem ser
exportados, situação que,
embora seja favorável para os
consumidores domésticos, tende
Nesse sentido, fica evidente que
a atual trajetória da economia
brasileira é, em linhas gerais,
desfavorável à manutenção dos
superávits no futuro, devido à
baixa taxa de investimento,
ao câmbio real nitidamente
valorizado e ao crescimento
acelerado da demanda doméstica.
Não há dúvida de que tal situação
pode ser sustentada ainda por
algum tempo, talvez alguns anos,
visto que o superávit comercial é
ainda bastante elevado. Contudo,
ao se pensar no médio e longo
prazos, será inevitável um ajuste
na economia, podendo-se
imaginar dois cenários. O mais
positivo seria aquele no qual se
registrasse um aumento da taxa
de investimento – o que já vem
ocorrendo nos últimos tempos,
mas a um ritmo que parece ainda
insuficiente – conjugado a uma
gradual desvalorização do câmbio
– sendo impossível estabelecer
qual seria o seu nível ideal.
Nesse cenário, o país poderia
finalmente alcançar o
crescimento sustentável do
PIB, com expansão tanto da
produção quanto da demanda,
sem preocupações quanto a
uma possível deterioração das
contas externas.
Há, contudo, um cenário negativo,
no qual o ajuste se daria no ritmo
de crescimento da demanda
doméstica, para torná-lo
compatível com o baixo
crescimento potencial da economia,
o qual estaria limitado pelo baixo
nível de investimentos. Esse, aliás,
foi o tipo de ajuste que gerou os
grandes superávits comerciais dos
anos 1980 e também os obtidos
a partir de 2001. Embora bemsucedidos do lado da balança
comercial, esse tipo de ajuste é
muito custoso em termos de
queda de renda, desemprego e
inflação. Além disso, significaria,
mais uma vez, abrir mão do
desejado crescimento sustentável.
RBCE - 93
71
CONCLUSÕES
A análise acima leva a algumas
conclusões importantes.
A primeira é que houve reais
mudanças na composição do
saldo comercial brasileiro nos
últimos anos, mas estas se
concentraram nos seis setores
classificados como “novos
superavitários”, com especial
destaque para Veículos
automotores, Peças e outros
veículos e Material elétrico. No
mais, o saldo do país permanece
altamente dependente dos
mesmos setores que dominavam
a pauta na primeira metade
da década de 1990. Entretanto,
a perdurar a evolução negativa
observada no primeiro semestre
de 2007, é possível que as
mudanças verificadas nos setores
“novos superavitários” não se
mantenham no médio e longo
prazos, especialmente se não
ocorrerem novas “ondas” de
investimentos nesses setores.
Uma segunda conclusão
importante é que não há
evidências de ocorrência de
“doença holandesa” no país,
visto que não há nenhuma
tendência perceptível de maior
concentração do superávit
comercial em um ou poucos
setores. É verdade que em
2006 e 2007 o saldo mostrou-se
mais concentrado em setores
produtores de commodities,
comparativamente ao que se
observou entre 2001 e 2004.
Contudo, isso parece representar
apenas um retorno a uma
estrutura semelhante à observada
nos anos 1990, sendo que
esses setores têm hoje uma
participação menor no superávit
comercial do país do que tiveram
72 RBCE - 93
no passado, lembrando
que naquela época não se
manifestava grande preocupação
quanto à composição do saldo
comercial. Pode-se argumentar,
de qualquer modo, que o país
estaria desperdiçando a
oportunidade de consolidar
mudanças importantes que
começavam a se configurar
na presente década.
Outra conclusão importante é que
os termos de troca não tiveram
papel relevante para explicar as
variações dos saldos setoriais em
nenhum dos períodos analisados
até 2006. No primeiro semestre
de 2007, no entanto, eles tiveram
papel fundamental, visto que as
variações de preços vêm dando
uma contribuição positiva para
o saldo comercial em todos
os grupos de setores, ao passo
que as variações de quantum
dão contribuição positiva apenas
nos “altamente superavitários”,
e negativa em quase todos
os demais. Esses números
confirmam a idéia de que esse
grupo de setores está voltando
a ser o grande sustentáculo
dos saldos comerciais do país.
Por fim, com relação à
sustentabilidade dos superávits
comerciais no futuro, não se pode
afirmar que o país esteja livre de
repetir os episódios verificados
ao longo dos últimos 25 anos,
marcados por uma trajetória de
stop and go e baixo crescimento
médio do PIB. O atual quadro
da economia brasileira, com
baixa taxa de investimento,
câmbio nitidamente valorizado
e crescimento acelerado
da demanda doméstica,
é claramente inadequado para
permitir a sustentação futura dos
superávits. Há indícios de que
esse quadro esteja mudando para
melhor, em especial no que tange
ao crescimento expressivo dos
investimentos nos últimos anos.
Além disso, é provável que a
própria redução dos superávits
comerciais promova uma
desvalorização gradual do
câmbio, impulsionando
a produção de bens
comercializáveis.
De qualquer modo, a análise
precedente indica que as
transformações estruturais
que a balança comercial do país
teria registrado até o momento
parecem menos abrangentes
e significativas do que seria
desejável. Na verdade, o país
ainda precisa avançar muito
na direção de uma taxa de
investimento mais elevada e
de maiores esforços de inovação
e desenvolvimento tecnológico
em setores manufatureiros mais
avançados (tendo como pano
de fundo as melhorias na
infra-estrutura, no ambiente
regulatório e na situação
das contas públicas) para
que se afaste definitivamente
a vulnerabilidade das contas
externas e para que o saldo
comercial deixe de ser dominado
por commodities agrícolas
e minerais. „
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Saldos comerciais no Brasil