FILOSOFIA – 1ª SÉRIE
Capítulo 6 – A filosofia medieval e o poder da Igreja
Introdução – O contexto da filosofia medieval
Toda a atividade filosófica se relaciona sempre com seu contexto, portanto, para pensarmos esse tema, temos que
o relacionar com as condições históricas que foram importantes na formação e desenvolvimento da filosofia medieval.
Podemos afirmar ainda que o exame das principais características dessa filosofia é válido apenas se as situarmos na
realidade mais ampla da Idade Média ocidental, mais especificamente na Europa.
O cristianismo é um elemento preponderante no horizonte cultural dos homens europeus no período medieval.
Sua doutrina e todo o aparato ritualístico da Igreja católica romana condiciona profundamente a totalidade das relações
sociais, o comportamento cotidiano das pessoas e, o que nos interessa em especial, as explicações sobre todas as
coisas da vida.
Dentre os fatores que marcaram a transição do mundo antigo para a Idade Média, que estudamos com mais vigor
na disciplina de História, interessa-nos, na disciplina de Filosofia, as mudanças na mentalidade e a clericalização da
sociedade, aspectos inter-relacionados e que descrevem a importância do cristianismo na configuração sociocultural
da Idade Média europeia, e o poder adquirido pela Igreja católica, sendo ambos, fenômenos históricos determinantes
para os rumos da filosofia medieval.
1.
A cultura cristã e o poder da igreja católica
Devemos lembrar que a religião cristã, em seus primórdios, era severamente reprimida pelos imperadores romanos,
uma vez que a crença em um único Deus, a máxima do amor ao próximo na medida do amor a si mesmo e a irmandade
irrestrita entre os homens eram alguns dos preceitos que direta ou indiretamente se opunham aos postulados imperiais
romanos, como por exemplo, o politeísmo, a divindade dos imperadores e até mesmo o jugo dos romanos sobre outros
povos.
Mesmo com toda a perseguição, a expansão cristã não foi interrompida e um número cada vez maior de pessoas
conformava a condução de suas vidas aos códigos morais da religião, que propunha reconciliação da humanidade com
Deus criador de todas as coisas. A moralidade cristã definia o justo e o injusto, o certo e o errado, o bem e o mal, e
perante esses princípios posicionavam-se os homens preocupados com a salvação de suas almas.
Com a concessão de liberdade de culto dada pelo imperador Constantino em 313, e mais tarde, no ano 380,
tornando-se a religião oficial dos romanos, por decreto do imperador Teodósio, percebemos que o cristianismo não
apenas resistiu às investidas do poder romano, como também sobreviveu ao seu término no ano 476. Se Roma
caiu, o cristianismo fortalecido institucionalmente na Igreja católica permaneceria no centro da cultura europeia e, em
perspectiva mais abrangente, da civilização ocidental.
Ao mesmo tempo em que havia o domínio cultural, ocorria também a clericalização da sociedade, que consistia
na consolidação do clero como corpo social integralmente dedicado à religião e detentor de grande poder explicado por
sua intermediação das relações dos homens com Deus.
A mentalidade do homem medieval é essencialmente cristã. O poder da religião influencia seus modos de sentir,
de pensar, de se comportar, bem como suas escolhas, suas preferências, suas culpas e seus valores morais. Do seu
nascimento até sua morte, tudo estava ligado ao pensamento religioso.
2.
As relações entre razão e fé: a formação da filosofia cristã
O domínio sobre a cultura medieval vai impor consequências de larga extensão para a reflexão filosófica, e temas
outrora consagrados na filosofia antiga, serão redesenhados: o Universo, a criação do mundo, a natureza e a própria
moral, e outros problemas que surgirão serão colocados à especulação racional com sua noção de ser supremo,
identificada ao Deus criador.
Portanto, os princípios doutrinários do cristianismo vão provocar novas bases para interrogações filosóficas que
versam sobre o ser do homem, o ser do mundo e o ser supremo (Deus). Entretanto, surge um problema mais amplo:
as relações entre o saber revelado do cristianismo e o saber racional da especulação filosófica ou, em outras palavras,
a tensão entre razão e fé.
A escolha de quem pensa!
1
Diante desse embate, sob o ponto de vista do cristianismo, há duas questões fundamentais:
a)
Qual o valor real do conhecimento filosófico desenvolvido antes da revelação cristã?
b)
Qual seria a relação entre o conhecimento racional e a verdade revelada no evangelho?
Essas questões serão trabalhadas e discutidas pelos pensadores e filósofos que farão parte de duas correntes,
períodos ou épocas da filosofia cristã, que informamos abaixo:
•
Filosofia Patrística – que vai até o século VII
Em sentido geral, denominamos de filosofia patrística as primeiras tentativas de conciliação dos princípios
doutrinários cristãos com a tradição filosófica grega, ou seja, o empenho dos padres (daí o termo patrística) da
Igreja em sintetizar o conhecimento racional dos antigos com a verdade revelada da religião.
•
Filosofia Escolástica – do século X ao século XIV
A filosofia escolástica, em sentido muito abrangente, indica os estudos realizados nas escolas medievais,
sobretudo a partir da criação das universidades e da recuperação de textos aristotélicos por intermédio dos árabes,
que tanto influenciariam na articulação entre razão e fé proposta pela chamada filosofia tomista de Santo Tomás.
Apóstolo Paulo (9-64) – Recusa o cristianismo como filosofia ou como uma forma de conhecimento, mas algo
absolutamente superior, uma religião de salvação que torna supérflua todas as modalidades de saber filosófico.
São Justino (100-165) – A revelação cristã introduzia ordem no caos da especulação racional. Partindo do conceito
de logos, estabelece uma ponte entre a filosofia grega e o cristianismo. Para ele, não apenas os filósofos gregos,
mas também os profetas do A.T. tiveram em si a presença do logos. Logos aqui é a sabedoria divina que se revelou
plenamente em Cristo. Para esse teórico, o cristianismo é a continuação e o complemento natural da filosofia grega.
Lactâncio (240-320) – Estudando os vários sistemas filosóficos, persuadiu-se de que, esses sistemas possuíam
fragmentos da verdade e a verdade total deveria ser a reunião dessas diferentes partes. Entretanto, Lactâncio faz
uma observação importante: “como fazer para diferenciar o verdadeiro do falso?” O único critério para isso seria uma
sabedoria dada previamente, a sabedoria revelada do cristianismo.
Santo Agostinho (354-430) – A sua máxima é: “crer para compreender, compreender para crer” que afasta
qualquer antagonismo entre saber racional e saber revelado ao sublinhar a necessária complementariedade entre fé e
razão. A razão humana é a presença divina no homem, que lhe facilita o acesso às verdades eternas.
Boécio (480-524) – A partir da interpretação de textos aristotélicos, procura estabelecer o lugar da teologia
cristã no interior do saber filosófico. O filósofo apresenta três níveis de conhecimento: as ciências que se ocupam dos
objetos da natureza, as disciplinas matemáticas e a teologia, sendo que a última, é a forma mais abstrata e elevada
de conhecimento, pois aspira ao saber acerca do que, por si, independe totalmente da matéria, o ser supremo (Deus
criador).
Santo Anselmo (1033-1109) – Faz uso de explicações racionais para desenvolver teses concordantes com as
sentenças do evangelho, não fazendo uso de nenhum expediente que seja exterior à razão. Para esse pensador,
a máxima agostiniana deve ser reduzida a “crer para compreender”, ou seja, a primazia da fé é absoluta. A fé não
depende da razão, é ela própria que se transforma em inteligência.
Tomás de Aquino (1225-1274) – Ao demarcar as fronteiras entre o conjunto de conhecimentos filosóficos e a
teologia, Aquino diferencia a teologia como atividade filosófica daquela que tem como pressuposto os textos sagrados.
Como especulação filosófica, a teologia é o esforço racional do homem para conhecer Deus, dedicação que sempre
será insuficiente se o homem não contar com o suporte da verdade revelada.
Partindo de tudo o que foi observado, a filosofia cristã deve ser entendida não como um modo de vida ditado pela
religiosidade, mas com o sentido no qual a atividade filosófica se caracteriza desde as suas origens: a pesquisa racional
sobre os diversos temas que dizem respeito aos seres humanos.
Conclusão
O reconhecimento histórico de que o poder católico e a cultura cristã fixavam limites ao debate filosófico não deve
nos induzir ao erro de negar a existência da filosofia na Idade Média, tampouco ao equívoco de que o conhecimento de
todas as coisas era algo pronto e definitivo que descartava debates. As discussões filosóficas permaneceram vivas na
medievalidade e envolveram vários filósofos e pensadores do período.
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A escolha de quem pensa!
ATIVIDADES PARA REFLEXÃO DO QUE FOI DISCUTIDO EM SALA DE AULA
01. Defina com suas palavras o que significa filosofia cristã.
02. Defina filosofia patrística e filosofia escolástica.
03. O que devemos entender por clericalização da sociedade da Idade Média?
04. Diferencie conhecimento revelado de conhecimento filosófico.
05. Explique as relações entre cultura e filosofia cristãs na Idade Média.
06. É correto dizermos que o poder da Igreja católica impediu o debate filosófico na Idade Média? Justifique
sua resposta.
A escolha de quem pensa!
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Capítulo 7 – Agostinho: a vida interior e a natureza do tempo
Introdução
Nascido na Numídia, província do Império Romano no norte da África, Aurélius Augustinus (354-430), transformado
em Santo Agostinho pela Igreja católica, é o pensador que, através da sua vasta produção literária, marcou mais
profundamente a especulação cristã. Sua profunda cultura humanista, uma vez que foi professor de retórica, antes
da sua conversão ao cristianismo, tornou-o sensível aos grandes temas que preocupam o ser humano em todos os
tempos: o bem e o mal, a liberdade, o destino do homem, a história e a sociedade.
Santo Agostinho deixou formulado o problema das relações entre Razão e Fé, que será o problema fundamental
da escolástica medieval.
Seu primeiro obstáculo foi a dúvida cética e como a superação da mesma é condição fundamental para o
estabelecimento de bases sólidas para o conhecimento racional, Santo Agostinho, antecipando o cogito cartesiano,
apelará para as evidências do sujeito que existe, vive, pensa e duvida.
Em relação ao platonismo, a posição de Santo Agostinho não é meramente passiva, pois reinterpreta Platão para
conciliá-lo com os dogmas do cristianismo, convencido de que a verdade entrevista por Platão é a mesma que se
manifesta plenamente na revelação cristã. Assim, apresenta uma nova versão da teoria das ideias, modificando-a em
sentido cristão, para explicar a criação do mundo.
1.
Dos conflitos interiores à conversão
Decepcionado com a doutrina do maniqueísmo (doutrina preconizada pelo persa Manes, também conhecido como
Maniqueu, no século III, que misturava princípios do cristianismo com o zoroastrismo — antiga religião dos persas),
Agostinho aproximou-se do catolicismo e passou a ter intimidade com os textos sagrados, mas permanecendo ainda
atado a alguns de seus hábitos mundanos.
Em um dia de agosto de 386, diante de uma profunda angústia e em prantos no jardim de sua casa, ouviu uma voz
que teria soprado em seus ouvidos a necessidade de ler imediatamente as sagradas escrituras e, deparando-se com
um texto escolhido de forma aleatória, deparou-se com um trecho que ordenava o abandono da sua vida profana e a
atenção para as coisas da alma. Agostinho, contemplado com a graça divina, converte-se ao cristianismo e devota a
Deus toda a sua caminhada, uma vez que o criador de todas as coisas, através de sua graça e em detrimento da vida
mundana do pensador, transportou-o para a Cidade de Deus.
Cidade de Deus e Cidade dos Homens são duas dimensões claramente distintas na teoria agostiniana, a primeira
caracterizada pelo amor a Deus acima de todas as coisas, e a segunda, pelo desvirtuamento que projeta o amor de si
em um plano principal. A Cidade dos Homens não é exatamente a sociedade humana na Terra, tampouco a Cidade de
Deus tem sua localização no céu. Os seres humanos, predestinados à salvação, e os anjos que permanecem fiéis a
Deus compõem a comunidade celestial, enquanto a comunidade terrena é formada por anjos decaídos e por homens
que insistem no erro de amar as criaturas em desprezo ao Criador.
2.
O problema da origem do mal
Opondo-se à Cidade de Deus está a Cidade dos Homens, e a última está sob a supremacia do mal, ou então para
sermos claros dentro do pensamento de Agostinho, a Cidade dos Homens é marcada pela ausência do bem. Sobre
esse aspecto, o pensador formula um problema filosófico em seu livro Confissões — Qual é a causa do mal? A essa
questão sobrepõe-se outra, condição prévia de seu esclarecimento, “quem é Deus?”.
Deus não é a Terra, os astros, os seres animados ou inanimados que são sua criação. Deus é então o criador de
todas as coisas. A expressão em latim Ego sum qui sum — eu sou aquele que é por si — teria sido uma das frases
pronunciadas por Deus a Moisés no monte Sinai, revelando-se assim como ser supremo, eterno e imutável em sua
perfeição, pleno de bondade e autor de todos os seres. Deus é o ser absoluto e, como tal, incorruptível.
Diante de tudo isso que é Deus, voltamos à questão do tópico que é a causa do mal, pois fica evidente por essa
explanação que não se pode atribuir o mal a Deus. Agostinho recusa a hipótese de que o mal procederia de uma
matéria caótica preexistente à criação divina, portanto, para o filósofo o mal não existe. Isso pode soar absurdo,
mas não o é. Se pensarmos em Deus como o ser supremo e perfeito que fez todas as coisas com perfeição, se torna
inadmissível a concepção do mal como um ser. Em um vocabulário rigorosamente filosófico, diríamos que o mal é
negado ontologicamente, ou seja, não existe enquanto ser, com substância própria.
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A escolha de quem pensa!
E por que então observamos a presença do mal no mundo? A resposta é simples: o que observamos no mundo e
chamamos de mal é, sob o ponto de vista filosófico de Agostinho, a ausência do bem. O mal não tem um ser próprio, em
vez disso, é o não ser e, por essa negatividade, encerra o que há de mais oposto ao bem supremo, Deus, bondade total.
Se o mal não é produto da vontade de Deus, certamente ele descende de outra vontade, inversa à do Criador. Para
Agostinho, o mal tem suas raízes na consequência do livre-arbítrio humano. O homem é a mais elevada das criaturas
na Terra, feito por Deus à sua imagem e semelhança, e dotado de memória, inteligência e livre-arbítrio ou escolha. E aí
está a resposta: O homem voluntariamente escolheu o “não ser”, escolheu o mal, amando especialmente a si próprio
e esquecendo-se de amar a Deus sobre todas as coisas.
O livre-arbítrio é a causa do mal. Desse mesmo livre-arbítrio procede a salvação como retorno do homem ao Deus
criador, muito embora a vontade humana por si só não seja o suficiente para tanto. A redenção dos homens apenas
se consuma na concessão da graça divina que, conforme Santo Agostinho corrige o livre-arbítrio, redirecionando-o ao
caminho do bem.
3.
Memória, vida interior e felicidade
O conceito de felicidade é reelaborado por Santo Agostinho nos parâmetros de uma filosofia cristã, no interior
da qual a identifica como algo inscrito por Deus na memória dos homens. É por meio da memória que se revela a
profundidade da vida interior dos homens.
Para o filósofo, há diferentes níveis de memória nos seres humanos, sendo sua manifestação básica a evocação de
imagens depositadas pela sensação no interior do homem. As outras coisas, exteriores, são recepcionadas pelo corpo
humano e associam-se à lembrança das coisas das quais compõem imagens na memória. Já a memória intelectual não
apreende apenas as imagens dos objetos do conhecimento, mas a própria realidade dos objetos em si, uma vez que as
imagens são inseparáveis da realidade do conhecimento.
A existência desse conhecimento na memória dos homens corresponde à doutrina agostiniana da iluminação
divina, inspirada na teoria platônica da reminiscência. Para Platão, o conhecimento é um processo de rememoração,
pois a alma humana já contemplou diretamente a realidade no plano das ideias. Em Santo Agostinho, as verdades
eternas são comunicadas por Deus aos homens pela luz eterna da razão, instalando-se na memória. O filósofo chama
isso de Mestre Interior, Cristo, que habita nos homens.
Voltando ao conceito de felicidade, que é reelaborado por Agostinho, precisamos entender que ele distingue
conceitualmente felicidade e alegria. A felicidade é superior ao que se chama ordinariamente de alegria, porque ela
existe somente na verdade divina. Portanto, dentro dessa linha de pensamento, a felicidade para Agostinho é a alegria
verdadeira que é totalmente diferente das alegrias mundanas e, mais ainda, a felicidade é a alegria dos que, acima de
tudo, amam a Deus e se regulam por suas leis eternas.
Por isso que os homens vivem em constantes conflitos internos, porque confundem a alegria como prazer vivido
com os bens terrenos, com os bens eternos provocados pela felicidade de servir e amar a Deus sobre todas as coisas.
Conclusão – As indagações acerca do tempo
Se Deus é eterno, então na plenitude divina não há tempo, o hoje é permanente, sem a antecedência de um ontem
ou a sucessão de um amanhã, existindo o presente, fixo, sempre. Eterna também é a vontade divina, substancialmente
presente em Deus e determinante para o conjunto de sua obra, pois tudo o que existe, o céu, a terra e quantos seres
os compõem, é criação do ser supremo a partir de sua vontade.
Então, se perguntássemos a Agostinho “o que fazia Deus antes da criação ?” a resposta seria: nada. Afinal, a
pergunta é equivocada, pois não há um período anterior à criação, não se pode falar em um antes, e seria absurda a
concepção de um depois, pois o tempo origina-se com a própria criação dos seres mutáveis para os quais, agora sim,
há um pretérito, um presente e um futuro. À eternidade do ser supremo contrapõe-se a temporalidade dos seres criados.
Ainda que o tempo seja uma certa extensão espacial que pode ser medida, calculada e contada, é na alma humana
que localizamos o passado, presente e futuro, sobretudo porque passado e futuro carecem de existência objetiva. Nesse
sentido é que Agostinho, adotando um vocabulário rigoroso, diz que não são corretos os termos passado, presente e
futuro, e que mais exatas seriam as expressões “presente das coisas passadas”, “presente das coisas presentes” e
“presente das coisas futuras”. Pois o que existe, vivido como tal pelos homens, é a recordação (presente) dos fatos
passados, a atenção (presente) ao tempo presente e a expectativa (presente) das coisas que estão por vir.
A escolha de quem pensa!
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ATIVIDADES PARA REFLEXÃO DO QUE FOI DISCUTIDO EM SALA DE AULA
01. Compare a Cidade de Deus com a Cidade dos Homens.
02. Estabeleça a fundamentação filosófica proposta por Agostinho para negar a existência do mal.
03. O que é felicidade, segundo Santo Agostinho?
04. De que forma a rememoração da teoria de Platão é reinterpretada por Santo Agostinho?
05. Explique a noção de tempo dentro da filosofia agostiniana.
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A escolha de quem pensa!
Capítulo 8 – Tomás de Aquino e o projeto de reconciliação entre fé e razão
Introdução
Tomás de Aquino (1221-1274) foi um filósofo e teólogo italiano. Sua obra marca uma etapa fundamental na
escolástica. Em 1879, as suas obras foram reconhecidas como sendo a base da teologia católica. A filosofia de Tomás
de Aquino é conhecida como tomismo. Nasceu em Roccasecca, próximo de Cassino, no reino de Nápoles, ao sul da
Itália.
A obra de Tomás de Aquino é imensa, destacando-se, todavia, duas. Na Suma Contra os Gentios, defende a
compatibilidade entre a razão e a fé, onde procurou conciliar a filosofia aristotélica com os princípios do cristianismo,
em oposição à tendência que predominava na época e que adotava um cristianismo de inspiração neoplatônica. Na
Suma Teológica, trata da natureza de Deus, da moralidade e da missão de Jesus. Nessas e outras obras, deu corpo à
visão cristã do mundo que foi ensinada nas universidades até meados do século XVII, e nas quais se incluíam as ideias
científicas de Aristóteles.
1.
Tomás de Aquino e a natureza do conhecimento
Se a filosofia medieval é controversa, e por muito tempo foi desprezada e interpretada como um retrocesso quando
comparada com sua antecessora, uma vez que para muitos, essa filosofia só interessava aos eruditos ligados ao
catolicismo.
O pensamento de Tomás de Aquino é sempre evocado pelos especialistas para servir como testemunho da
originalidade e riqueza desse período da filosofia. Sua escolha é compreensível e pode ser justificada pelas seguintes
razões:
a)
A natureza do conhecimento esboçada em sua doutrina.
b)
A possibilidade de compatibilizar a filosofia grega com a fé cristã (fé e razão).
c)
O que é oferecido por essa compatibilidade, a nova e importante distinção para duas noções fundamentais
para a filosofia: essência e existência.
Para Aquino, a natureza humana possui uma faculdade para o conhecimento das coisas fornecidas pelos sentidos.
Sem a participação dos sentidos, não teríamos acesso aos objetos. Isso, porém, não é suficiente para se chegar ao
conhecimento. É preciso que o intelecto agente, próprio do ser humano, pense os objetos fornecidos pelos sentidos.
Essa teoria do conhecimento, que não pode ser classificada de empirista ou racionalista, permite a Aquino estabelecer
com clareza como Deus pode ser racionalmente admitido sem necessidade de apelar para causas sobrenaturais.
2.
Fé e razão: verdades reveladas e verdades da razão
Na sua obra Suma Teológica, escrita entre os anos de 1265 e 1273, Aquino expõe longa e detalhadamente a
forma como podemos conciliar fé e razão. Sob seu prisma, existem verdades acessíveis à razão, que a primeira Suma
procurou demonstrar, e essas não ultrapassam, como indicou Aristóteles, os limites do mundo físico. Essa teologia
natural, exposta na primeira Suma, concebe Deus como o “primeiro motor”. Concebido dessa forma, Deus é um
conhecimento tão racional como qualquer conhecimento dos objetos físicos.
No momento em que o conhecimento atinge o próprio ser, e esse ser se revela como todo, é possível estabelecer
os objetos que são as verdades da fé e as verdades racionais. Aquino expõe, como exemplo dessa porção comum entre
verdades reveladas e verdades racionais, cinco vias para a demonstração da existência de Deus.
1a. via – Primeiro Motor Imóvel – Nossos sentidos atestam, com toda a certeza, que neste mundo algumas
coisas se movem. Tudo o que se move é movido por alguém, é impossível uma cadeia infinita de motores provocando o
movimento dos movidos, pois do contrário nunca se chegaria ao movimento presente, logo há que ter um primeiro motor
que deu início ao movimento existente e que por ninguém foi movido, e um tal ser todos entendem: é Deus.
O movimento aqui é considerado no sentido metafísico, isto é, passagem da potência — como sendo aquilo que
uma coisa pode vir a ser, para o ato — aquilo que a coisa é no momento. Deus é ato puro e não sofre mudança, o seu
Ser confunde-se com o Agir.
2a. via – Causa Primeira ou Causa Eficiente – Decorre da relação “causa-e-efeito” que se observa nas coisas
criadas. Não se encontra, nem é possível, algo que seja a causa eficiente de si próprio, porque desse modo seria anterior
A escolha de quem pensa!
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a si próprio: o que é impossível. É necessário que haja uma causa primeira que por ninguém tenha sido causada, pois
a todo efeito é atribuída uma causa, do contrário não haveria nenhum efeito, pois cada causa pediria outra numa
sequência infinita e não se chegaria ao efeito atual. Logo, é necessário afirmar uma Causa eficiente Primeira, que não
tenha sido causada por ninguém. Essa Causa todos chamam Deus. Assim se explica a causa da existência do Universo.
3a. via – Ser Necessário e Ser Contingente – Existem seres que podem ser ou não, chamados de contingentes,
isto é, cuja existência não é indispensável, que podem existir e depois deixar de existir. Todos os seres que existem
no mundo são contingentes, isto é, aparecem, duram um tempo e depois desaparecem. Mas, nem todos os seres
podem ser desnecessários senão o mundo não existiria, alguma vez nada teria existido, logo, é preciso que haja um
Ser Necessário e que fundamente a existência dos seres contingentes, e que não tenha a sua existência fundada em
nenhum outro ser.
Igualmente, tudo o que é necessário tem, ou não, a causa da sua necessidade de outro. Aqui também não é
possível continuar até o infinito, na série das coisas necessárias que têm uma causa da própria necessidade. Portanto,
é necessário afirmar a existência de algo necessário por si mesmo, que não encontra em outro a causa de sua
necessidade, mas que é causa da necessidade para os outros: o que todos chamam Deus.
Do Nada não surge e nem advém o Ser. Como se observa que as coisas existem, não pode ter havido um
momento de Nada Absoluto, pois daí não se brotaria a existência de algo ou coisa alguma.
4a. via – Ser Perfeito e Causa da Perfeição dos demais – Verifica-se que há graus de perfeição nos seres, uns
são mais perfeitos que outros, o universo está ontologicamente hierarquizado — seres racionais corpóreos (animais,
vegetais e inanimados), qualquer graduação pressupõe um parâmetro máximo, logo, deve existir um ser que tenha esse
padrão máximo de perfeição e que é a Causa da Perfeição dos demais seres.
5a. via – Inteligência Ordenadora – Existe uma ordem admirável no Universo que é facilmente verificada, ora,
toda ordem é fruto de uma inteligência ordenadora, não se chega à ordem pelo acaso e nem pelo caos, logo há um ser
inteligente que dispôs o universo na forma ordenada. Com efeito, aquilo que não tem conhecimento não tende a um fim,
a não ser dirigido por algo que conhece e que é inteligente, como a flecha pelo arqueiro. Logo, existe algo inteligente
pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas ao fim, e a isso nós chamamos Deus.
3.
Essência e existência
Para trabalharmos com esse assunto, vamos a um possível diálogo. “O que é Papai Noel?” “Ele existe?”. Tomás
de Aquino nos recomenda nesse tópico, sempre ficarmos atentos à distinção dos planos de análise. Quem pergunta “o
que é?”, está interrogando sobre a essência. Já quem pergunta “existe?”, está na esfera da existência.
Muitos filósofos posteriores debateram o que vem antes, essência ou existência. Podemos afirmar que esses
debates filosóficos sempre revelaram a filiação filosófica de cada autor. Quando predominou a noção de que a essência
precede a existência, podemos notar claramente a influência exercida pela filosofia platônica.
Já a afirmação oposta, de que a existência precede a essência, parece ratificar as teses aristotélicas, uma vez que
para Aristóteles, só podemos conhecer objetos existentes. O que não pertence à esfera do mundo da experiência, não
pode ser conhecido. Sendo assim, primeiramente, o objeto tem que existir, e apenas depois poderemos afirmar algo
acerca de sua natureza.
Conclusão
A filosofia de Tomás de Aquino apresenta a importância do discurso sobre a essência, mas não deixa de afirmar
que mais fundamental ainda é a especulação em torno do ser. Desse modo, a filosofia tomista aponta para a precedência
do ser e, portanto, de Deus, sobre as essências que passaram a existir graças à natureza do Criador.
ATIVIDADES PARA REFLEXÃO DO QUE FOI DISCUTIDO EM SALA DE AULA
01. Escreva sobre a natureza do conhecimento, segundo Tomás de Aquino.
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A escolha de quem pensa!
02. De que forma podemos conciliar razão e fé, segundo a filosofia tomista?
03. Escreva o que você entendeu sobre as cinco vias para demonstração da existência de Deus.
04. O que você entendeu sobre essência e existência?
A escolha de quem pensa!
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