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“Horror ao vácuo” e Teoria do Ímpetus: o nascimento da força
“Há inúmeras pessoas que discutem, sem chegar a conclusão alguma, aquilo que não se pode encontrar na
natureza”.
(Jean Louis Vives, considerado um dos últimos teóricos do Ímpetus)
Nos livros didáticos, é muito comum encontrarmos subentendida a idéia de que foi Isaac
Newton que desenvolveu toda a teoria de forças. Entretanto, ficamos com uma certa dúvida: “... e
antes de Newton, ninguém sabia o que era força?”. Esse texto tem o intuito de mostrar como o
conceito de força se desenvolveu nas “sociedades pré-newtonianas”. No texto seguinte
apresentaremos os estudos de Newton, dos quais foi desenvolvido o conceito de força e sua
relação com o movimento, na forma atual.
Dentre os pensadores da Grécia Antiga, a pessoa que começou a
analisar a existência do movimento foi Aristóteles.
Aristóteles de Estagira (384 a.C. – 322 a.C.) foi um filósofo grego
considerado como um dos maiores pensadores de todos os tempos. Suas
reflexões filosóficas acabaram por configurar um modo de pensar que se
estenderia por séculos. É considerado por muitos o filósofo que mais
influenciou o pensamento ocidental, já que atuou em diversas áreas como
física, ética, metafísica, psicologia e outros.
Dentre os seus trabalhos, temos o “Física” que, nos seus oito volumes, discute como surge
o movimento, o tempo e outras coisas relacionadas à natureza e à sua existência.
Com relação às quedas dos
objetos,
ele
acreditava
que
os
mesmos caiam para se localizarem
corretamente de acordo com sua
natureza: o éter, acima de tudo; logo
abaixo, o fogo; depois o ar, a água e,
por último, a terra. O movimento
vertical
dos
corpos
seria
um
os elementos de Aristóteles
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movimento natural. Por exemplo, uma pedra cai no chão porque ela é feita a partir do elemento
“terra” e, assim, seu lugar natural é ficar abaixo de tudo. Por isso, a pedra tende a cair.
Com relação aos outros movimentos, ele dizia que um corpo poderia ser mantido em
movimento somente durante o tempo em que estivesse em contato direto com um motor de
atividade incessante. Caso parasse esta atividade, ou fosse perdido o contato, o corpo pararia.
Esses motores fariam parte dos corpos celestes, explicando assim a razão deles se
movimentarem no céu. Já os corpos homogêneos (os que não eram celestes) só poderiam ser
movidos por motores externos.
Desta forma, para um corpo se movimentar, é necessário que exista um motor para ele
entrar em movimento. Caso este motor não “trabalhasse” mais, o corpo cessaria o seu movimento.
Assim, é visível aqui que a força está estritamente ligada ao movimento, mas, além disso, é
necessário que a força esteja sempre presente para que o movimento continue.
Para ilustrar esse raciocínio, voltaremos ao exemplo da pedra, só que agora lançada para
frente. Quando a pedra deixa a mão do arremessador, ela se mantém em movimento pelo ar que
fluiria para trás dela, a fim de impedir a formação de um vácuo, já que, para Aristóteles, o vácuo
não podia existir, pois o espaço deve estar cheio de matéria para que os efeitos físicos possam
ser transmitidos por contato direto. Assim, o ar faz o papel de “motor” da pedra, empurrando ela
durante o movimento.
Podemos ver que, para Aristóteles, o movimento se inicia a partir de uma força, e também
continua porque existe uma força, e pára se não existir a força. Assim, podemos concluir que a
força, para Aristóteles, tem o papel de geração e manutenção do movimento.
Na Europa, durante os primeiros séculos da era cristã, época em que a Igreja tinha o
controle de boa parte conhecimento, foram elaboradas poucas hipóteses sobre o conceito de força
e sua relação com o movimento, já que a Igreja reprimia as novas idéias e fazia manutenção das
teorias tradicionais. As idéias de movimento e de força estavam ainda voltadas para Aristóteles, só
que sob um tratamento mais “miraculoso”, como, por exemplo, nos casos dos corpos celestes, em
que os anjos faziam o papel dos “motores internos”.
João Filoponos, escritor alexandrino do século VI, opôs-se aos aspectos físicos dessa
concepção, sendo então declarado herege pela Igreja. Ele pensava que, no começo, Deus aplicou
aos corpos celestes um impulso, uma força motriz própria, que não declinava com o tempo. Além
disso, para ele, um corpo terrestre em movimento não necessitava estar em contato físico
permanente com um motor, pois o ímpeto recebido pelo motor conservava o deslocamento desse
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corpo no espaço. Poderia, portanto, existir um vácuo, já que a “teoria do ímpetus” dispensava um
continuum de matéria para a transmissão de ações mediante o contato físico.
Assim, a teoria de Filoponos nos diz que a força aplica um ímpetus nos corpos que
entravam em movimento. Esse ímpetus, segundo Filiponos é uma qualidade que declinava
gradualmente, os corpos voltavam, com o tempo, ao repouso.
A teoria do ímpetus foi desenvolvida mais tarde em Paris, principalmente por
Jean Buridan (1300-1360). Buridan desenvolveu dois argumentos contra a
concepção do “horror ao vácuo” de Aristóteles. Segundo ele: “... em primeiro lugar,
um pião ao girar não muda de posição; com isso, não pode ser movido pelo ar
deslocado. Em segundo lugar, um dardo de extremidade achatada não se desloca
mais depressa do que um outro pontudo em ambas as extremidades. Se o ar fosse a razão do
impulso, o primeiro deveria ser mais rápido”.
Em ambos os casos, Buridan explica que era o ímpeto a força que imprimia o movimento,
sendo a quantidade daquele proporcional à densidade, ao volume e à velocidade inicial do corpo
móvel. Como Filipono, negava a intervenção de seres angelicais no movimento dos astros e
imaginava os últimos deslocando-se graças a um ímpeto inicial de que eram dotados. Esse
impulso jamais diminuiria, pois não havia resistência do ar, no céu. Podemos ver aqui a diferença
entre o “ímpetus de Filipono”, que diminuía com o tempo, e o “ímpetus de Buridan”, que era
constante durante o movimento.
Entre os séculos XIV e XVI, a teoria do ímpetus se manteve apenas entre seus adeptos, já
que em nenhum momento suas opiniões foram aceitas de modo amplo, prevalecendo a teoria
ortodoxa: o sistema aristotélico-cristianizado,uma releitura de Dionísio e São Tomás das idéias de
Aristóteles.
Como vimos, o estudo do ímpetus estava ligado tanto aos movimentos dos astros, como
aos movimentos de corpos terrestres. Esta teoria será modificada com o “Principia”, de Newton,
que estabelecerá a teoria utilizada atualmente.
Como já foi dito inicialmente, a nossa intenção neste bloco é fazer com que você se
familiarize com a idéia de força, identificando-as tanto na vertical quanto na horizontal para que
logo depois possa ter um olhar crítico ao analisar o conceito de força atual, proposto por Isaac
Newton.
Apoio: Fundo de Cultura e Extensão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo
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