RESPONSABILIDADE POLÍTICA NA SALA DE AULA: A FELICIDADE PELO
BEM COLETIVO
Henrique Rauch
Pós-Graduando em Filosofia – UCS
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Resumo: Haja vista o conhecimento filosófico transmitido pelos filósofos antigos como
Platão e Aristóteles, vê-se a importância iminente da prática do bem na coletividade a fim de
tornar a sociedade e o homem mais felizes. Com o passar do tempo, o ser humano cada vez
mais se preocupa com as demais áreas do conhecimento como a engenharia, a economia, a
administração, o direito, etc esquecendo-se de que a filosofia nelas está. A busca pela
felicidade voltou-se para a corrida pelo materialismo. A única forma, talvez, de se tentar
mudar esse cenário, é através do ensino em sala de aula. O papel do professor de filosofia está
diretamente ligado à conscientização dos educandos e a busca filosófica da felicidade,
promovendo o bem coletivo e, a partir daí, conquistando a felicidade pessoal.
Palavras-chave: filosofia, responsabilidade política, ensino
Nos dias atuais, é corriqueiro ouvir-se falar de política, crise na política, ética, corrupção,
desonestidade, imoralidade no exercício dos cargos públicos, etc. Realmente a situação
contemporânea não é das mais favoráveis no tocante à conduta do governo em favor da
maioria, aliás, do bem estar público acima de tudo. Cabe ressaltar, sobretudo, que os livros
1
antigos, que nasceram a muito tempo de grandes mentes como Platão1 e Aristóteles2, que
refletiram sobre o melhor para as grandes massas, fazem referência a um bem3 praticado pelo
governante e por todos os que fazem parte da cidade-estado: a prática do bem que tem a
finalidade coletiva da felicidade na polis4. As definições deste bem são refletidas nos textos
antigos, essencialmente em se tratando de um elemento fundamental na recomendação do que
seria uma polis ideal.
O conceito de polis ideal, talvez esteja mais próximo de sua exatidão quando se pensa na
prática do bem que parte do ser individual e projeta-se no coletivo, promovendo um bem estar
múltiplo e em larga escala, se é que se pode assim afirmar. Obviamente que, quando o ser
1
Platão de Atenas (428/27 a.C. — 347 a.C.) foi um filósofo grego. Discípulo de Sócrates, fundador da Academia
e mestre de Aristóteles. Acredita-se que seu nome verdadeiro tenha sido Aristócles; Platão era um apelido que,
provavelmente, fazia referência à sua caracteristica física, tal como o porte atlético ou os ombros largos, ou ainda
a sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes temas. Πλάτος (plátos), em grego significa amplitude,
dimensão, largura. Sua filosofia é de grande importância e influência. Platão ocupou-se com vários temas, entre
eles ética, política, metafísica e teoria do conhecimento. Platão (em grego Πλάτων) nasceu um ano após a morte
do estadista ateniense Péricles. Seu pai, Aristão , tinha como ancestral o rei Codros e sua mãe, Perictione, tinha
Sólon entre seus antepassados. Inicialmente, Platão entusiasmou-se com a filosofia de Crátilo, um seguidor de
Heráclito. No entanto, por volta dos 20 anos, encontrou o filósofo Sócrates e tornou-se seu discípulo até a morte
deste. Pouco depois de 399 a.C., Platão esteve em Mégara com alguns outros discípulos de Sócrates,
hospedando-se na casa de Euclides. Em 388 a.C., quando já contava quarenta anos, Platão viajou para a Magna
Grécia com o intuito de conhecer mais de perto comunidades pitagóricas. Nesta ocasião, veio a conhecer
Arquitas de Tarento. Ainda durante essa viagem, Dionísio I convidou Platão para ir a Siracusa, na Sicília. Platão
parte para Siracusa com a esperança de lá implantar seus ideais políticos. No entanto, acabou por se desentender
com o tirano local e retorna para Atenas. Em seu retorno, funda a Academia. A instituição logo adquire prestígio
e a ela acorriam inúmeros jovens em busca de instrução e até mesmo homens ilustres a fim de debater idéias. Em
367 a.C., Dionísio I morre, e Platão retorna a Siracusa a fim de mais uma vez tentar implementar suas ideias
políticas na corte de Dionísio II. No entanto, o desejo do filósofo foi novamente frustrado. Em 361 a.C. volta
pela última vez a Siracusa com o mesmo objetivo e pela terceira vez fracassa. De volta a Atenas em 360 a.C.,
Platão permaneceu na direcção da Academia até sua morte, em 347 a.C.
2
Aristóteles (em grego Αριστοτέλης) nasceu em Estagira, na Calcídica (384 a.C. - 322 a.C.). Filósofo grego,
aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, é considerado um dos maiores pensadores de todos os
tempos e criador do pensamento lógico. Ele está entre os mais influentes filósofos gregos, junto com Sócrates e
Platão, que transformaram a filosofia pré-socrática, construindo um dos principais fundamentos da filosofia
ocidental. Aristóteles prestou contribuições fundantes em diversas áreas do conhecimento humano, destacandose: ética, política, física, metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, zoologia, biologia, história natural. É
considerado por muitos o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental. Por ter estudado uma variada
gama de assuntos, e por ter sido também um discípulo que em muito sentidos ultrapassou seu mestre, Platão, é
conhecido também como o Filósofo. Aristóteles também foi chamado de "O Estagirita", por ter nascido em
Estagira.
3
Bem: (do latim bene) é a qualidade daquilo que possui excelência moral. Embora todas as linguagens possuam
uma palavra expressando bem no sentido de "ter a qualidade certa ou desejável" e mal no sentido de
"indesejável", a noção de "bem e mal" num sentido moral ou religioso absoluto não é antigo, e surge das noções
de purificação ritual e impureza. Os significados básicos são "ruim, covardemente" e "bom, bravo, capaz" e seus
significados absolutos surgem somente por volta de 400 a.C., com a filosofia pré-socrática, Demócrito em
particular. A moralidade em seu sentido absoluto solidifica-se nos diálogos de Platão, juntamente com a
emergência do pensamento monoteísta (principalmente em Eutifro, o qual pondera o conceito de piedade, como
um absoluto moral). A idéia é posteriormente desenvolvida na Antiguidade tardia, no Neoplatonismo,
Gnosticismo e pelos Pais da Igreja. Este desenvolvimento do relativo ou habitual para o absoluto é também
evidente nos termos ética e moralidade, ambos sendo derivados de termos para "costume regional" (em grego
ήθος e em latim mores, respectivamente).
2
individual projeta uma ação boa nos demais, esta ação provoca uma reação contrária, que é
proporcional à intensidade do primeiro ato realizado. Então, fica fácil concluir que, na gênese
de uma atitude benévola, a reação que retorna ao ser que a originou também é um resultado
bom. Ao contrário disso, se o mal é originado e parte em direção do coletivo, nada de bom se
pode esperar como reação.
Como escreveu Aristóteles, o homem é um ser essencialmente social:
Fica evidente, pois, que a Cidade é uma criação da natureza, e que o homem, por
natureza, é um animal político [isto é, destinado a viver em sociedade], e que o
homem que, por sua natureza e não por meio de acidente, não tivesse sua existência na
cidade, seria um ser vil, superior ou inferior ao homem. Tal indivíduo, segundo
Homero, é “um ser sem lar, sem família, sem leis”, pois tem sede de guerra e, como
não é freado por nada, assemelha-se a uma ave de rapina. (2007, p.56)
Isso significa que o ser humano jamais foi criado para viver em isolamento, além disso, é
extremamente óbvia a necessidade constante do outro, já que o ser humano não é
independente, não produz independentemente os insumos para a própria sobrevivência.
Complementando Aristóteles, Platão escreve:
[369b] Ora – disse eu – uma cidade tem a sua origem, segundo creio, no facto de cada
um de nós não ser auto-suficiente, mas sim necessitado de muita coisa. Ou pensas que
uma cidade se funda por qualquer outra razão? – Por nenhuma outra – respondeu.
[369c] –Assim, portanto, um homem toma outro para uma necessidade, e outro ainda
para outra, e, como precisam de muita coisa, reúnem numa só habitação companheiros
e ajudantes. A essa associação pusemos o nome de cidade. Não é assim? –
Absolutamente. (1949, p. 72)
Uma cidade não nasce do nada. Nasce de uma necessidade essencial do homem que é a
dependência de outros. A especialidade de outros, o auxílio mútuo. O homem é extremamente
dependente do outro que, reunidos numa só habitação organizada se complementam e suprem
as necessidades mútuas.
[369c] –Mas por certo que a primeira e a maior de todas as necessidades é a obtenção
de alimentos, em ordem a existirmos e a vivermos. [...] A segunda é a habitação; a
terceira, o vestuário, e coisas do gênero. [...] Como é que a cidade bastará para a
4
Polis (πολις) - plural: poleis (πολεις) - era o modelo das antigas cidades gregas, desde a Antiguidade Clássica
até o período helenista, vindo a perder importância durante o domínio romano. Devido às suas características, o
termo pode ser usado como sinônimo de cidade. As polei, definindo um modo de vida urbano que seria a base da
civilização ocidental, se mostraram um elemento fundamental na constituição da cultura grega, a ponto de se
dizer que o homem é um "animal político". A polis possuía uma configuração espacial própria: normalmente
ficava justaposta ou circundava a acrópole (a parte alta da cidade, destinada aos templos); possuía um espaço
central público, a ágora, onde também se localizava o mercado; além de um gymnasion. A cidadania de uma
pólis normalmente estava reservada aos homens adultos que ali nasceram.
3
obtenção de tantas coisas? Existirá uma solução que não seja haver um que seja
lavrador, outro pedreiro, outro tecelão? Acrescentar-lhes-emos também um sapateiro
ou qualquer outro artífice que se ocupe do que relativo ao corpo? – Com toda a
certeza. (Idem, p. 72-73)
Platão provoca a reflexão de que se deve exercer a especialização como forma de promover a
justiça e o bem na coletividade. Acima de tudo, ousa-se afirmar que este autor é um tanto
radical. Chega ao extremo de manifestar uma espécie de comunismo, plantando a idéia de que
até mesmo os filhos dos militares e suas mulheres devem ser comuns, para que a
especialidade de guardiões5 da polis seja exercida com intenção apenas de tornar a
coletividade mais propícia de ser vivida, mais feliz assim como os demais que nela se
encontram.
[412e] Portanto, há que escolher, dentre os outros guardiões, homens tais que, depois
de os examinarmos, nos pareçam, durante toda a vida, executar com todo o empenho
aquilo que, em seu entender, será útil a cidade, e, o que o não for, não aceitem de
modo algum fazê-lo. – São esses os que convêm. – Parece-me, por conseguinte, que é
preciso observá-los em todas as idades, a ver se se mantêm firmes nesta doutrina, e se,
levados pela impostura ou pela violência, não se esquecem e abandonam a opinião de
que devem fazer o que há de melhor para a cidade.[...] [416d] Em primeiro lugar,
nenhum possuirá quaisquer bens próprios, a não ser coisas de primeira necessidade;
em seguida, nenhum terá habitação ou depósito algum, em que não possa entrar quem
quiser. Quanto a víveres, de que necessitarem atletas guerreiros sóbrios e corajosos,
ser-lhes-ão fixados [416e] pelos outros cidadãos, como salário da sua vigilância, em
quantidade tal que não lhes sobre nem lhes falte para um ano. As suas refeições serão
em comum, e em comunidade viverão, como soldados em campanha. [451d] – Do
seguinte modo: as fêmeas dos cães de guarda, entederemos que devem exercer
vigilância com eles, como os machos, e caçar com eles, e fazer tudo o mais em
comum, ou devem ficar dentro do canil como incapazes, por causa da criação e
alimentação dos cachorros, enquanto os machos se esforçam e têm a seu cargo todo o
cuidado dos rebanhos? – É tudo em comum – respondeu ele – excepto que [451e]
utilizaremos os seus serviços tendo presente que elas são mais débeis, e eles mais
fortes. [460b] E aqueles dentre os jovens que foram valentes no combate ou em
qualquer outro lugar deve dar-se-lhes, entre outras honrarias e prêmios, uma liberdade
mais ampla de se unirem as mulheres, a fim de que haja pretexto para se gerar o maior
número possível de filhos de homens dessa qualidade. (Ibid., p. 153)
Verifica-se a intensidade com que o autor define o exercício da especialidade na polis a ponto
de extirpar a vontade individual, originando uma responsabilidade coletiva em benefício do
todo, extremamente mais forte do que os pessoais e individualíssimos desejos, como a
propriedade privada, os filhos, as uniões amorosas como o casamento, etc.
5
Na polis, a classe dos guardiões equivale aos militares e têm por responsabilidade prezar pela segurança
coletiva e a ordem.
4
A felicidade já não é tida como um bem pessoal, mas impessoal. Ela está nas atitudes geradas
no individual, mas que têm seu ápice na coletividade da polis. Assim, para os gregos e
principalmente segundo Platão, a polis é mais importante do que o indivíduo isolado. A
felicidade plena consiste em viver bem junto com os demais indivíduos que também
partilham de uma vida na polis.
Esta forte ligação do individuo grego com a sua obrigação de fazer o bem para o grupo, para a
coletividade, para a polis acima de tudo, se pode nomear talvez de responsabilidade política.
Responsabilidade porque há obviamente uma necessidade de se viver entre outras pessoas, há
uma dependência mútua entre os seres humanos e estes vivem na busca incessante da
felicidade. Assim, fazer o bem e promover a felicidade alheia é uma virtude de dois gumes.
Não se trata de uma virtude essencialmente individual, mas tem apenas sua gênese no
individual, desenvolvendo-se plenamente no coletivo, retornando ao homem como sentimento
de satisfação pessoal (felicidade). Estando, pois, convivendo na polis que contém a felicidade
plena e, conseqüentemente vivendo nesta polis feliz, também o é. O homem é responsável no
uso de suas especialidades, promovendo o bem e colocando, sobretudo as necessidades da
coletividade em primeiro plano. É responsável, com isso, de tornar a polis mais harmoniosa,
mais segura, mais feliz. E esta responsabilidade é individual. Individual para poder apenas
gerar a ação que será o primeiro impulso para o bem estar coletivo: a felicidade.
Fala-se política, referindo-se as questões que dizem respeito a polis grega. As atitudes, a
dinâmica da sociedade, da cidade-estado, da polis mais precisamente. Usa-se o termo política
neste caso, para fazer referência as ambientações tidas na coletividade, no grupo organizado,
na cidade grega. Em nenhum momento se pode tomar o termo responsabilidade política
usada até aqui, com referência a sociedade contemporânea, inserida num mar caótico onde
vale a lei do Talião: “Olho por olho, dente por dente”, inversamente ao que os antigos
mencionavam. Hoje, pensando na responsabilidade política, se vê que o esquecimento das
lições de filosofia, principalmente dos grandes pensadores como Platão e Aristóteles.
Esqueceu-se de que o individual deve ser entendido como o reflexo, a reação que vem em
segundo plano, em segundo lugar. Em primeiro lugar preza-se sempre o bem, o bem do outro,
dos outros, para os outros. Fazendo os outros felizes, também se será. Principalmente quando,
indubitavelmente somos dependentes uns dos outros. Contemporaneamente, e para a maioria
dos políticos de hoje, há uma inversão esdrúxula: primeiro se pensa na própria riqueza, no
poder acima de tudo e todos, nas regalias, nas influências, nas relações amorosas; em
5
segundo, ou terceiro ou quarto plano, quem sabe, o bem estar coletivo é contemplado. Mas
isso é um acontecimento muito raro. O coletivo vive como um barco à deriva. Fica vulnerável
a falcatruas articuladas pelas cúpulas partidárias egoístas. A cidade é infeliz. A cidade-estado
é infeliz. O Estado é infeliz, o governo, o mundo, as pessoas o são.
[495c] Ora esses que assim decaem de uma ocupação que lhes quadrava
perfeitamente, deixaram a filosofia solitária e incompleta, vivendo eles mesmos uma
vida que não lhes convém nem é verdadeira, enquanto outros, que são indignos,
entram em casa dela, tal como se fosse uma órfã sem parentes, a desonram e a cobrem
de doestos, como aqueles que dizes que lhe dirigem os que a censuram, quando
proclamam que, dos que convivem com ela, uns não valem nada, e a maioria merece
todas as desgraças. – É isso que se afirma, efectivamente. [...] [495d] outros homens
de pouca valia, ao verem que o terreno ficou vazio, e cheio de belos nomes e de
magnificência, tal como os que escapam da prisão e se refugiam nos templos, todos
contentes, precipitam-se da arte que exerciam para a filosofia; esse são, por acaso, os
mais hábeis na sua ocupaçãozinha. (Ibid., p. 287)
A plenitude da responsabilidade política está, segundo se entende Platão, na vida moral e na
integridade do filósofo. Este manifesta naturalmente seu compromisso político, sendo justo,
bom, leal e conhecedor de tudo o que for relevante para a felicidade dos homens e da polis
como um todo.
O rei-filósofo tem uma natureza pura, pública, e dedica-se integralmente nas ações justas e
condizentes com as expectativas da polis.
Paviani escreve que, segundo Platão, “o governo da cidade deve ser confiado ao rei-filósofo,
cujas condições intelectuais e morais dependem do exercício da dialética que conduz à
intuição das essências e do bem, como ideal supremo” (Paviani, 2003, p. 21). Aquele traz em
seu ser naturalmente a dialética. Ele a exerce de forma que é capaz de acessar o essencial para
a polis, praticando o bem involuntariamente. Seus atos são originados na sua alma devido à
educação que teve, a vivência e a preparação que recebeu.
[500c] – Ora certamente o filósofo, convivendo com o que é divino e ordenado,
tornar-se-á ordenado e divino até onde é possível a um ser humano. Embora em toda a
parte se multipliquem os detractores. – Logo, se surgir qualquer necessidade de cuidar
que se instaure nos hábitos dos homens, particulares e públicos, o que lá viu, sem se
limitar a modelar-se a si mesmo, acaso julgas que será um mau criador de temperança,
justiça e de toda a virtude do povo? – De modo nenhum. (Platão, 1949, p. 296)
O rei-filósofo é o modelo de governante a ser atingido, já que é o mais apto a garantir a
promoção do bem e da felicidade coletiva na polis. Este governante ideal representa a
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referência no que diz respeito à responsabilidade política já que, exercendo naturalmente as
virtudes mais nobres, não necessita de esforço para canalizar seus atos e suas intenções de
atender as necessidades da polis. Todas as suas atitudes já são essencialmente voltadas para a
vida coletiva, o bem estar geral.
A filosofia tem imensa participação na formação do governante. A filosofia ensina que:
[...] a música pode provocar nos ouvintes diferentes efeitos emocionais, como o
lamento (da música lídia) e o efeito relaxante (da música jônica), usado em canções
báquicas. Os gêneros que não produzem efeito moralmente bom devem ser
abandonados. Igualmente relevante é a ginástica. Toda pessoa de bom caráter sabe
usar bem seu corpo. A ginástica é importante para o treinamento militar dos jovens.
Também faz parte da educação física ingerir alimentos simples e saudáveis e cuidar da
moderação na bebida. (Paviani, 2003, p. 30)
Além disso, a filosofia instrui permanentemente o ser humano, ela não forma por completo,
pois não é o conhecimento puro, mas sua busca. É amar a sabedoria. A filosofia é a eterna
corrida pela verdade, disseca as formalidades, as crenças as culturas, a ciência e coloca em
dúvida toda verdade proclamada. Ela não tem medo de nada porque não possibilita o
dogmatismo extremado.
Segundo Chaui:
[...] conflitos entre várias de nossas crenças ou entre nossas crenças e um saber
estabelecido indicam a principal circunstância em que somos levados a mudar de
atitude. Quando uma crença contradiz outra ou parece incompatível com outra, ou
quando aquilo em que sempre acreditamos é contrariado por uma outra forma de
conhecimento, entramos em crise. Algumas pessoas se esforçam para fazer de conta
que não há problema algum e vão levando a vida como se tudo estivesse “muito bem,
obrigado”. Outras, porém, sentem-se impelidas a indagar qual é a origem, o sentido e
a realidade de nossas crenças. É assim que o conflito entre minha vontade e as regras
de minha sociedade me levam a colocar a seguinte questão: sou livre quando quero ou
faço algo que contraria minha sociedade, ou sou livre quando domino minha vontade e
a obrigo a aceitar o que minha sociedade determina? [...] quem não se contenta com as
crenças ou opiniões preestabelecidas, que percebe contradições e incompatibilidades
entre elas, quem procura compreender o que ela são e por que são problemáticas está
exprimindo um desejo, o desejo de saber. E é exatamente isso o que, na origem, a
palavra filosofia significa, pois, em grego, philosophía quer dizer “amor à sabedoria”.
(2006, p.16)
Ainda sobre filosofia, Mondin escreve:
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[...] uma forma de saber e, como tal, tem sua esfera particular de competência; sobre
esta esfera busca adquirir informações válidas, precisas e ordenadas. Mas enquanto é
fácil dizer qual é a esfera de competência das várias ciências experimentais, não é
igualmente cômodo delimitar o campo de pesquisa próprio da filosofia. É sabido, por
exemplo, que a botânica estuda as plantas, a geografia os lugares, a história os fatos, a
medicina as doenças, etc. Mas a filosofia, que estuda ela? No entender dos filósofos,
ela estuda tudo. (1980, p.5)
Assim sendo, embrenhar-se pela filosofia é uma tarefa múltipla, pois ela estuda tudo. Além
disso, e não querendo ser tão simplista, estar na busca pelo conhecimento, ser filósofo,
implica numa formação complexa e diversificada. Considerando então, grosso modo, que a
filosofia é a dedicação a tudo, conclui-se previamente que a intelectualidade de um filósofo
seria imensamente mais qualificada do que um especialista.
Assim, o bem governar da cidade-estado, da polis, está, sobretudo mais adequadamente
indicado ao rei-filósofo. Dotado do poder investido pelos seus semelhantes para administrar a
coletividade, também está preparado intelectualmente para desempenhar o papel de bom
cidadão, desenvolvendo seus atos com vistas ao bem comum, a justiça e a harmonia da polis,
sendo que tudo isso está essencialmente voltado para a busca constante da felicidade plena de
todos os homens que vivem em grupo.
Mas cabe ainda lembrar que promover a felicidade na polis não diz respeito somente ao reifilósofo. Seria mais eficaz e mais adequado para a coletividade se todos os cidadãos
estivessem motivados a fazer o bem acima de tudo, desenvolvendo um ambiente político
extremamente feliz. Em tempos contemporâneos, pode-se pensar, talvez que um dos grandes
responsáveis por este desenvolvimento é o professor, particularmente o com formação
filosófica.
A Filosofia em sala de aula é essencialmente o meio pelo qual se conseguirá conscientizar um
grande número de pessoas, principalmente pessoas que estão no processo de formação e,
depois de terem sido amadurecidas nas questões filosóficas, poderão efetivamente exercer sua
função política com vistas à promoção do bem coletivo e, conseqüentemente, da felicidade.
O papel do filósofo que está na sala de aula é, talvez, mais importante do que o pesquisadorfilósofo. Não querendo menosprezar nenhum estudioso, poder-se-ia afirmar, quem sabe, que o
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professor está mais apto a desempenhar sua responsabilidade política, tem mais condições
operacionais do que um pesquisador de filosofia.
O ferramental utilizado pelo que atua na escola é, obviamente, produzido pelas pesquisas
realizadas nas universidades e refletidas na comunidade científico-filosófica.
Entretanto há uma extrema necessidade de transmitir esse conhecimento filosófico produzido
e/ou pré-existente e seu arcabouço teórico para os indivíduos educandos em fase de formação,
e isto é preocupação principal do professor de Filosofia.
Ao contrário do pesquisador que se encontra entretido com as teorias e leituras acadêmicas, o
professor de filosofia está, acima de tudo, envolvido com a grande massa de indivíduos
capazes de, dependendo do que aprenderão nos bancos escolares, tentar essencialmente
propagar os ideais filosóficos de promoção do bem coletivo, fazendo do meio onde vivem um
ambiente mais propicio a felicidade.
Estar numa sala de aula é estar comprometido com a felicidade, com o bem estar. E é
impossível ser-se individualista ao ponto de não desejar a felicidade coletiva. Apesar de,
contemporaneamente, todas as tendências apontarem para um consumismo individualista,
quiçá poder-se-á ainda sonhar em ser feliz longe do materialismo puro, do consumismo
compulsivo e da ganância pelo poder que gera tanta violência, indiferença e infelicidade entre
os homens.
Mas isso nenhuma ciência aplicada ensina, mesmo com todos os avanços tecnológicos. Isso o
homem não aprende em seu estado de natureza. Não provém dos deuses ou das forças
cósmicas. Mas sim a Filosofia é capaz de iluminar os homens para serem efetivamente felizes
tendo como escopo o bem coletivo, antigamente entendido como promover o bem na polis.
Imagina-se que com o passar do tempo o homem esqueceu-se. Perdeu-se. A Filosofia foi
deixada para trás, pelo caminho. Os homens nos dias atuais interessam-se mais pelas
engenharias, pela matemática, administração, economia, medicina. A Filosofia está órfã e
desligada de tudo. Vã ilusão pensar que a Filosofia é matéria separada das outras áreas de
estudo. É como uma árvore que perdeu seu caule, seu tronco, suas folhas. Nada mais existe
acima da terra. Entretanto mais no fundo, no interior do solo estão grandes raízes. Fortes,
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robustas, cheias de seiva e capazes de transformar o homem naquele que ele sempre sonhou,
sonha e sonhará um dia: num ser realizado e feliz.
Está na sala da aula, enfim, uma grande oportunidade de se transformar a humanidade
radicalmente, tornando através do conhecimento filosófico, o ser humano mais responsável
politicamente.
Os filósofos já sabem de sua responsabilidade. Os professores de Filosofia em sala de aula já
exercem seu papel e são conhecedores de suas obrigações para com a coletividade.
Lastimável que as grandes massas humanas ainda precisem de muito conhecimento filosófico
e, sobretudo, refletir mais profundamente sobre o que é a tão procurada felicidade.
Bibliografia
ARISTÓTELES. Política. Tradução de Politikón cotejada com a tradução inglesa de
Benjamin Jowet e a tradução francesa de M. Thurot. Coleção Obra-Prima de cada autor. São
Paulo: Martin Claret, 2007.
PLATÃO. A República. Introdução, tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. 7a.
Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1949.
PAVIANI, JAYME. Platão & A República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
CHAUÍ, MARILENA. Convite à Filosofia. São Paulo: Atica, 2006.
MONDIN, BATTISTA. Introdução à Filosofia. Problemas, sistemas, autores e obras. São
Paulo: Paulus, 1980.
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