CURSO DE FORMAÇÃO DOCENTE EM BIODANZA
ESCOLA DE BIODANZA “SISTEMA ROLANDO TORO” DE BELO HORIZONTE
Água e Biodanza: fontes de vida e integração
Gisele Kimura
GISELE KIMURA
Água e Biodanza: fontes de vida e integração
Monografia apresentada ao Curso de Formação
Docente em Biodanza da Escola de Biodanza
“Sistema Rolando Toro” de Belo Horizonte/MG,
como requisito parcial à obtenção do título de
Professor Facilitador de Biodanza.
Orientador: Sanclair Lemos
Belo Horizonte
ESCOLA DE BIODANZA SISTEMA ROLANDO TORO DE BELO
HORIZONTE
2011
AGRADECIMENTOS
A Liliana Viotti, desde o início minha fonte inesgotável de confiança, afeto e
incentivo. Por ter acendido a vida em mim através da Biodanza e de toda a sua
amorosidade. Por ser minha referência viva de como atuar no mundo através
do Paradigma Biocêntrico.
A Rolando Toro, pela lucidez desconcertante em relação à vida e pela
concepção brilhante do Sistema Biodanza.
A todos os didatas do curso de formação, pelas trocas sempre motivadoras.
Através de cada um, ampliei minha percepção sobre o mundo de um modo
irreversível.
Em especial, a Sanclair Lemos. Não apenas por incentivar-me e compartilhar a
trajetória desta monografia, mas pela profunda inspiração vivencial, por abrir
novos caminhos para a plenitude, por sua abertura e presença.
Aos colegas da turma de formação, pelo aprendizado conjunto e prazeroso.
Por me ensinarem a grandeza e a beleza do fazer junto.
A Eliana Machado, pela revisão cuidadosa e afetiva deste texto.
Aos amigos da Hidrovia, sobretudo Paulo e Rinaldo, que com flexibilidade e
amorosamente me permitem conciliar o universo do trabalho com minhas
emoções e desejos, às vezes conflitantes.
A meus pais e irmãos, pela constituição de grande parte do que sou.
A Renato, meu par ecológico, por compartilhar a vida em todas as dimensões e
pelo apoio incondicional às minhas escolhas.
“A água anônima sabe todos os segredos.
A mesma lembrança sai de todas as fontes”
Gaston Bachelard
.
iv
SUMÁRIO
PREFÁCIO ............................................................................................................ 5
1.
APRESENTAÇÃO ............................................................................................. 6
2.
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 8
3.
OBJETIVOS .................................................................................................. 10
4.
BIODANZA .................................................................................................... 12
5.
6.
4.1.
O que é Biodanza........................................................................................... 12
4.2.
Por que a Biodanza existe ............................................................................. 18
4.3.
Para quê a Biodanza?.................................................................................... 21
4.4.
Conceitos que fundamentam a Biodanza: ..................................................... 23
ÁGUA .......................................................................................................... 32
5.1.
Aspectos físicos e químicos ........................................................................... 32
5.2.
Aspectos biológicos........................................................................................ 41
5.3.
Aspectos metafísicos ..................................................................................... 44
ÁGUA E BIODANZA ........................................................................................ 56
6.1.
Água no modelo teórico da Biodanza ............................................................ 57
6.2.
Elementos-água na Biodanza: Transe, Fluidez e Carícia .............................. 68
7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 78
8.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 81
5
Prefácio
Navegando sobre o Rio da Prata e contemplando suas águas, escrevo essas palavras
carregadas de sentimento e me faço presente neste momento tão significativo e
importante.
Gisele nos oferece neste trabalho uma contribuição original para uma melhor
compreensão dos dinamismos internos do Sistema Biodanza quando vistos por sua ótica
fluídica e potente.
Uma visão liquida ou "hídrica", como diria a própria Gisele em sua percepção da
adaptabilidade, auto-regulação e integração inerentes à Biodanza como sistema e como
prática, e suas correlações com o mundo fluídico, as águas míticas da renovação, as
águas profundas das emoções e dos sentimentos, as águas límpidas e correntes da
purificação e do renascimento, alem de, é claro, a água como elemento responsável pela
existência e conservação da vida.
Nossa autora, com inteligência e clareza, revela uma compreensão ampla e profunda do
Modelo Teórico elaborado por Rolando Toro ao longo dos anos, nos mostra com
simplicidade e poesia as danças da água, suas qualidades e virtudes e sua importância
para a renovação da vida em todos nós. Finalmente, estabelece relações entre as águas
e fluidos em seus diversos aspectos e sentidos, teoria e vivência.
Tudo isso em um texto simples, claro e direto, com poesia e leveza, recheado de termos
"molhados", revelando a própria autora, seus mundos de água, sua capacidade de
adaptação e renovação, navegando com determinação e leveza suas próprias águas e
descobertas.
Me sinto honrado por haver contribuído, o mínimo que seja, com esse trabalho, que é a
culminação de um processo de formação que termina em um começo.
A partir de hoje, Gisele, como Facilitadora de Biodanza, que as águas toquem o céu
infinito.
Com presença e amor,
Sanclair Lemos.
Rio da Prata, 25 de novembro de 2011.
6
1. Apresentação
“Speak to the rock before their eyes, and it will yield its water”
Bíblia Número 20:8
Sou geóloga por formação e trabalho com águas subterrâneas há 13 anos. O
assim denominado ramo da Hidrogeologia trata de compreender os fluxos
subterrâneos e ocultos deste elemento tão vital. Assim, grande parte do meu
trabalho é trazer à tona indícios mais palpáveis do que ocorre com a água no
interior da Terra.
Desde meu início na Biodanza, ao escutar as palavras “água” ou “fluidez” nas
consignas algo em mim despertava de modo particular. Era uma espécie de
cumplicidade, como se estivesse adentrando um universo familiar que me
acolhia incondicionalmente, uma parte de mim e da minha história que era
convidada a se expressar e se renovar. No entanto, ao mesmo tempo era
comum um certo desconforto em vivências de fluidez, notadamente aquelas em
grupos compactos, pois sentia muitas arestas nos contatos. Comecei a notar
que o movimento fluido se tornara algo bem mais difícil do que naturalmente é
ou deveria ser. Este é apenas mais um entre os inúmeros aspectos que
refletem o grau de dissociação e endurecimento existencial ao qual somos
submetidos no mundo contemporâneo.
Anos depois, no processo de formação em Biodanza, quando comecei a
facilitar grupos, outro aspecto me chamou atenção. Durante a preparação das
sessões, ao selecionar vivências que fizessem a transição entre as fases de
ativação e regressão, notei que as vivências que de algum modo convidavam
ao movimento de fluidez se adaptavam perfeitamente a este lugar. Os fluidos
são, por definição, substâncias que se adaptam de acordo com os espaços que
os contêm. Analogamente, as vivências de fluidez traziam a flexibilidade
necessária para unir os pólos da Consciência Intensificada de Si Mesmo e da
7
Fusão com a Totalidade. A água cumpria na sessão de Biodanza o mesmo
papel que cumpre no universo: o de integração.
A partir destas e outras percepções, foi brotando o desejo de me aprofundar na
temática da água dentro do universo da Biodanza, tendo como ponto de origem
minha formação acadêmica e vivência pessoal, que me proporcionaram ao
longo destes anos uma compreensão física da água nos ciclos da natureza e
uma intimidade sensorial com este elemento.
Os caminhos desta monografia foram se delineando por si mesmos à medida
que iniciei a escrita, como o fluxo de um rio. Inicialmente, são apresentados os
principais conceitos do Sistema Biodanza para que o leitor se situe neste
universo. Posteriormente, mergulhamos no elemento Água, a fim de
compreender algumas das características que a tornam uma substância única
e essencial à vida no Planeta Terra, tanto nos aspectos materiais como
simbólicos. Por fim, traçamos alguns paralelos entre as múltiplas funções da
água na natureza e na Biodanza.
Como observação, gostaria de ressaltar que os métodos e a linguagem que
utilizo em meu trabalho como hidrogeóloga têm origem, na maior parte das
vezes, no universo científico cartesiano, onde a subjetividade deve estar isenta
ou pelo menos oculta. Isto significa que nas centenas de trabalhos e relatórios
que escrevi, nunca utilizei a palavra “eu”. Por outro lado, os 8 anos de prática
de Biodanza me ajudaram a dissolver aspectos rígidos da minha existência e
assumir minha pessoalidade. Assim, propositalmente uso a narrativa em 1ª
pessoa neste trabalho, que de certo modo é um marco em minha atual fase de
transição, onde assumo uma nova perspectiva pessoal e profissional também
como facilitadora de Biodanza.
Aqui, novamente a Água cumpriu sua função integradora: através dela conciliei
minha bagagem hidrogeológica com minha história na Biodanza, coisas que
inicialmente pareciam tão imiscíveis, mas que por fim se fundiram de modo
indissolúvel nesta monografia.
8
2. Introdução
“A água, assim, é o olhar da Terra, seu aparelho de olhar o tempo”.
Paul Claudel
O Sistema Biodanza é um convite ao reencontro com a vida em seu sentido
mais amplo. Propõe um resgate de conexões profundas e primordiais do
homem em seus três grandes níveis de vínculo: consigo mesmo, com o outro e
com o universo, alinhado aos conceitos da Ecologia Integral.
A metodologia da Biodanza é absolutamente orgânica, já que evoluiu dentro do
pensamento complexo e da própria percepção dos organismos vivos e de suas
relações entre si e com o planeta. A representação do seu modelo teórico é um
holograma que também pode ser visto como a própria representação da
trajetória de um ser ou da vida como um todo, dependendo da escalas de
observação, como um fractal.
Em Gaia, o superorganismo vivo e auto-regulável que é a própria manifestação
da vida no planeta Terra, todos os elementos da natureza interagem física e
cognitivamente em um equilíbrio dinâmico. Assim também o é nos seres vivos
e no organismo humano, que são microcosmos do universo. Portanto, como
em Gaia e em cada ser, na Biodanza a força intrínseca de cada elemento atua
para a sua auto-organização e autocriação, ou autopoiese1.
Neste trabalho, lanço um foco de luz sobre a Água, deixando que ela seja o
meu fio condutor para ilustrar paralelos entre seus aspectos físicos e
metafísicos em escalas de observação distintas: a água no planeta, nos seres
vivos, no inconsciente coletivo e no Sistema Biodanza.
1
Do grego auto "próprio", poiesis "criação", é um termo cunhado por VARELA, F. MATURANA,
H. e URIBE, R. (1974) para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si
próprios e que, segundo Capra (1996), consiste no padrão de organização da vida.
9
É importante ressaltar que aqui não há qualquer julgamento de valor relativo ou
de importância entre este elemento e os demais, já que tudo é interdependente
na teia da vida. Ao escolher a água como tema, apenas coloco uma moldura
em torno de algo que me é particularmente atraente, mas que continua
existindo tão somente em um contexto único e integrado, dentro de um Todo.
10
3. Objetivos
“Tudo é simples diante de um copo de água.”
Carlos Drummond de Andrade2
Ao escrever esta monografia, meu principal desejo foi deixar brotar a
multiplicidade de associações entre o rico universo do elemento água e alguns
elementos do Sistema Biodanza – este é o objetivo principal do trabalho.
Para
isto,
orientei
minha
pesquisa
no
sentido
de
percorrer
mais
detalhadamente os seguintes pontos, que se constituem nos seus objetivos
específicos:
− Apresentar os principais conceitos e fundamentos do Sistema Biodanza;
− Descrever o elemento Água em seus múltiplos aspectos;
− Tecer conexões entre as funções básicas da água no universo e sua
simbologia arquetípica como fonte da vida, meio de purificação e de
regenerescência;
− Identificar as analogias entre o papel da água na vida e a metodologia
do Sistema Biodanza, com ênfase no modelo teórico e em alguns
elementos que representam aspectos específicos da água dentro da
Biodanza, quais sejam o transe, a fluidez e a carícia;
− Apresentar um conteúdo abrangente e aprofundado do elemento Água
proporcionando sua utilização em consignas de vivências.
Embora não seja um objetivo deste trabalho abordar diretamente o universo da
Biodanza Aquática, há inúmeros elementos aqui que permitem compreender
melhor a ampla dimensão desta extensão.
2
.In: O Avesso das Coisas, p.8 .
11
Por fim, espero que ao final desta leitura, o leitor se sinta mais cúmplice deste
elemento. Desejo também que se sinta motivado a buscar uma conexão cada
vez mais profunda com os demais elementos que habitam Gaia, incluindo si
mesmo. Que esse caminho aconteça dentro de cada um, com a consciência
vivencial de que tudo pertence a um infinito oceano comum, que denominamos
Totalidade, o qual ouso também chamar de Vida e Amor.
12
4. Biodanza
“A força que nos conduz
é a mesma que acende o sol
que anima os mares
e faz florescer as cerejeiras.
A força que nos move
é a mesma que estremece as sementes
com sua mensagem imemorial de vida.
A dança gera o destino
sob as mesmas leis que vinculam
a flor à brisa.
Sob o girassol de harmonia
todos somos um.”
Rolando Toro
4.1.
O que é Biodanza
Uma das definições de Biodanza é:
Biodanza é um sistema de integração humana, de renovação orgânica, de
reeducação afetiva e reaprendizagem das funções originais da vida. A sua
metodologia consiste em induzir vivências integradoras por meio da música, do
canto, do movimento e de situações de encontros em grupo (TORO, 2002,
p.33).
Mais recentemente, Rolando Toro também definiu a Biodanza da seguinte
forma:
Biodanza é um sistema acelerador de processos de integração a nível celular,
metabólico, neuro-endócrino, imunológico e existencial, mediante ambiente
enriquecido com músicas específicas movimentos integradores e carícias que
deflagram vivências (TORO, 2009, comunicação verbal).
Estas definições, no entanto, nem sempre são compreendidas por quem não é
praticante de Biodanza ou por aqueles que não possuem referências internas
dos termos da definição. Sinto que a definição do que é Biodanza pode ser
13
dada de muitas maneiras diferentes, de acordo com cada interlocutor, com o
contexto e o momento da abordagem.
Primeiramente, gostaria de fazer um contraponto à definição de Biodanza
enquanto ‘sistema’ versus ‘processo’, pois em algumas situações me parece
adequado dizer que Biodanza é um processo de desenvolvimento humano.
A definição oficial traz a Biodanza como um “Sistema de integração humana,
de renovação orgânica, de reeducação afetiva e reaprendizagem das funções
originárias da vida...”. Quando falamos em um sistema, nos referimos a um
arcabouço estruturado, um conjunto teórico-prático através do qual se organiza
o conteúdo, a metodologia e a ação da Biodanza. Este sistema, com a sua
metodologia e os seus princípios estruturantes, tem como objetivo principal
promover a integração do ser humano através da indução de vivências, onde
sempre estarão presentes os elementos música, movimento e emoção.
Sistema3:
1. Conjunto de princípios, donde se deduzem conclusões coordenadas
entre si, sobre as quais se estabelece uma doutrina, opinião ou teoria;
2. Corpo de normas ou regras, entrelaçadas numa concatenação lógica e,
pelo menos, verossímil, formando um todo harmônico;
3. Conjunto ou combinação de coisas ou partes de modo a formarem um
todo complexo ou unitário.
Já quando falamos em processo, estamos nos referindo à ação da Biodanza no
indivíduo. Em cada praticante de Biodanza, as vivências e as sessões
deflagram um processo interno de desenvolvimento pessoal, na medida em
que a pessoa esteja presente no aqui-agora e que esteja aberta a vivenciar as
propostas da sessão. Este processo é absolutamente único em cada um, já
que cada ser é único e em cada momento estamos diferentes e reagimos de
modos distintos às situações.
3
MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo, Ed. Melhoramentos,
1998.
14
Processo3:
− Ato de proceder ou andar;
− Sucessão sistemática de mudanças numa direção definida;
− Concatenação ou sucessão de fenômenos;
− Seguimento, decurso;
− Série de ações sistemáticas visando um certo resultado;
− Ação de ser feito progressivamente.
Assim, sinto que a Biodanza é as duas coisas ao mesmo tempo: sistema e
processo.
Retomando a definição que utilizamos, a seguir expandiremos um pouco mais
os demais termos: integração humana, renovação orgânica, reeducação afetiva
e reaprendizagem das funções originárias da vida.
− A integração humana é o processo de reconexão com a vida e os vários
níveis de vínculo do ser humano: consigo mesmo, com a espécie e com
a totalidade cósmica. Esta unidade é reestabelecida da forma mais
profunda e visceral, através da emoção e da afetividade, e não do
aprendizado formal ou da consciência cortical.
− A renovação orgânica é uma função própria dos organismos vivos, que
têm a capacidade intrínseca de auto-regulação. Estudos mostram que
durante estados mais regressivos, ocorre uma maior renovação celular e
regulação global das funções biológicas, diminuindo os fatores de
desorganização e estresse. Na Biodanza, são induzidos estados de
transe que permitem ao organismo promover a sua auto-regulação e
renovação.
− A reeducação afetiva é o resgate da afetividade como um potencial que
todo ser humano possui, mas que carece ser despertado mediante
15
estímulos
específicos
para
gerar
sentimentos
de
amor,
paz,
solidariedade e cooperação
− A reaprendizagem das funções originárias de vida significa reestabelecer
o vínculo com nossos instintos. Os instintos são impulsos primordiais de
vida que têm por objetivo conservar a vida e permitir sua evolução. São
a sabedoria da natureza manifesta em nós, e a sua escuta nos ajuda a
resgatar o ímpeto vital que todos temos.
Na busca por termos que definam a Biodanza, particularmente considero muito
adequada a palavra ‘convite’. Em poucas palavras, diria que a Biodanza é um
convite permanente ao reencontro com a vida, consigo mesmo, com o outro e
com o divino que habita em tudo. A Biodanza nos chama a nos apropriarmos
de nossa existência. É um resgate da humanidade perdida dentro de nós. Aqui,
entende-se humanidade não no sentido antropocêntrico da palavra, colocando
o homem no centro do universo, e sim no sentido afetivo do humano, que se
percebe como uma vida integrada à totalidade, que atua em favor da vida e se
expressa no amor.
Mas tendo em vista esse sistema / processo que convida... vem a pergunta: ao
que ela nos convida ? A Figura 1 apresenta alguns dos termos que traduzem
diferentes faces do que entendo por Biodanza, agrupadas sob a forma de um
esquema. No grupo de palavras à esquerda, estão os termos recorrentes que
se referem ao que a Biodanza faz; no grupo da direita, estão os conceitos que
se combinam ao primeiro grupo para dar sentido à ação da Biodanza. Ao
conectar os dois grupos, surgem inúmeras possibilidades de expressões que
definem a Biodanza, a partir do referencial de que ela se constitui um sistema:
...integração com os 3 níveis de vínculo: eu, o outro e a totalidade
...resgate da sabedoria existencial;
...reaprendizagem da inteligência cósmica;
...redescoberta do prazer;
...renovação do ser
16
Figura 1 – Esquema das possibilidades de definição de Biodanza
Gostaria de fazer também uma compilação de algumas definições que
encontrei durante esta pesquisa e que ajudam a compreender melhor o que é a
Biodanza, sua amplitude e suas possibilidades.
A Biodanza é a "possibilidade do contato puro com a realidade viva, por meio
do movimento, do gesto e da expressão dos sentimentos", utilizando a música,
enquanto linguagem universal, a dança - integrando corpo, alma e a expressão
do ser, plena de sentido, de felicidade, ternura e força. Como diz o próprio
Rolando: "a Biodanza é um modo de convivência com a beleza...em que o
contato é essencial" (TORO, 2002, p. 9).
17
A Biodanza é um convite à expressão e um caminho em direção à saúde. As
emoções que não se expressam alojam-se em nossos órgãos e nos adoecem.
Todo ser humano nasce com potencial para resolver seus problemas. Por isso,
é preciso, progressivamente, reforçar a sua identidade, alcançar a liberdade
interna e, assim, assumir a direção da própria existência. 4
Biodanza é uma pedagogia da arte de viver, uma poética do reencontro
humano e um convite para que se crie uma nova cultura baseada no som da
vida. Seus objetivos são a promoção da saúde, da consciência ética e da
alegria de viver. 5
Biodanza é um sistema visionário cuja base conceitual e metodologia vivencial
visam catalisar processos de desenvolvimento pessoal e coletivo através da
criação de contextos favoráveis à sadia expressão dos potenciais humanos em
uma perspectiva de integração...é um espaço propício para que o processo de
mudança cultural se efetive no âmbito individual e coletivo (FREITAS, 2009,
p.22).
Biodanza é um caminho para reencontrar a alegria de viver. Muda radicalmente
a atitude ocidental estruturada sobre os valores do “Homem sacrificial” para
aquela do Homem que busca o gozo e a plenitude (TORO, Apostila de
Definição e Modelo Teórico, p. 5).
4
Acessado em: http://www.Biodanzario.com.br/oqueeBiodanza.html
5
Acessado em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Biodan%C3%A7a
18
4.2.
Por que a Biodanza existe
Na história das civilizações ocidentais, a humanidade tem sido direcionada a
um paradigma de vida racionalista e cartesiano, em que se privilegia o
pensamento e a consciência analítica sobre tudo. “Penso, logo existo”, dizia
Descartes.
De fato, o avanço tecnológico, o capitalismo e toda a nossa conjuntura sócioeconômica são pautados por uma razão que segue uma lógica própria, teórica,
cada vez mais desvinculada dos referenciais da natureza e dos princípios de
vida que ela nos ensina. O homem começou a acreditar que sua razão o
tornava superior aos outros seres. Sua capacidade de raciocínio permitiu
diferenciá-lo dos demais animais e subjugá-los em seu próprio benefício.
Através do desenvolvimento da tecnologia, ele conseguia compreender a
natureza e modificá-la a seu favor.
No entanto, o que julgava ser favorável para si nem sempre era favorável para
o Todo. Em seu mundo cada vez mais individual e compartimentado, o homem
foi perdendo os vínculos instintivos que o ligavam à natureza e criando uma
sociedade e valores que privilegiam o dinheiro, o consumo e a produção de
bens como fonte de felicidade.
Assim, desconectados das funções primordiais da vida, nos sentimos vazios e
perdidos, cheios de angústias que não conseguimos curar com o dinheiro.
Nossos princípios e valores foram erguidos sobre o vazio do pensamento
sofista de alguns, e não na terra sólida que nos fornece o alimento. Estas
bases voláteis aos poucos se liquefarão, e é preciso substituí-las com urgência
para que o homem não se destrua, a si mesmo e ao planeta. No fundo, não
seria necessário a Biodanza existir. Ela existe porque o homem está doente e é
preciso curá-lo. Ao homem falta amor, no seu sentido mais amplo. Rolando
Toro percebeu isso e, de modo intuitivo, ao longo do tempo, foi buscando um
caminho para resgatá-lo.
19
A frase de Rolando Toro a seguir expressa, resumidamente, o porquê de sua
existência:
A base conceitual da Biodanza provém de uma meditação sobre a vida, ou
talvez do desespero, do desejo de renascer de nossos gestos despedaçados,
de nossa vazia e estéril estrutura de repressão; provém, com certeza, da
nostalgia do amor...A Biodanza é uma ampla transgressão dos valores culturais
contemporâneos, das imposições da alienação da sociedade de consumo e
das ideologias totalitárias. Propõe-se a restaurar no ser humano o vínculo
original com a espécie como totalidade biológica, e com o universo como
totalidade cósmica (TORO, 2002, p.13).
Assim, pode-se dizer que a Biodanza foi criada por Rolando Toro a partir de um
movimento em favor da vida. A seguir apresenta-se um breve resumo da
história da Biodanza, o contexto em que ela surgiu e como evoluiu, pois a
compreensão de sua origem nos fornece subsídios importantes para
entendermos o que ela é hoje em dia.
Rolando Toro Arañeda foi um psicólogo, antropólogo, poeta e pintor chileno,
nascido em 1924.
Em 1965, trabalhava no Centro Estudos de Antropologia Médica da Escola de
Medicina da Universidade do Chile, onde eram realizadas pesquisas sobre
diversas técnicas para uma "humanização da medicina". Essas técnicas
envolviam psicoterapias de grupo, arte-terapia, psicodrama, etc. Rolando
iniciou suas investigações sobre os efeitos da música e da dança em pacientes
mentais do Hospital Psiquiátrico de Santiago e sua abordagem consistia em
estimular as emoções através da dança e do encontro humano, com o objetivo
de trazer harmonia e tranquilidade nos pacientes.
Durante este trabalho, ele observou que as músicas e os exercícios,
dependendo do tipo, levavam a um forte sentimento de identidade e
consciência de si mesmo, ou à regressão - sentimento de diluição da
identidade. Em alguns doentes mentais, percebeu que os estados de transe
aumentavam as alucinações e os delírios e passou a selecionar músicas e
20
danças que reforçassem o sentimento da própria identidade, resultando em um
melhor discernimento da realidade, diminuindo as alucinações e aumentando a
comunicação deles. Posteriormente, observou que pessoas não psicóticas,
porém estressadas, que sofriam de doenças psicossomáticas, melhoravam
sensivelmente quando faziam exercícios que induziam à regressão.
A partir deste eixo norteador, Rolando Toro foi estruturando seu trabalho, de
modo a relacionar a música e o movimento a situações de contato e de
continente afetivo. Criou algumas danças e exercícios a partir de gestos
naturais do ser humano, com finalidades precisas, a fim de estimular a
vitalidade, a criatividade, o erotismo, a comunicação afetiva entre as pessoas e
o sentimento de pertença ao universo, à totalidade. A estruturação dessa
concepção originou a Psicodança.
A partir de então, a Psicodança foi sendo difundida e, em 1970, Rolando foi
convidado a criar a primeira disciplina de Psicodança na Pontifícia
Universidade Católica do Chile, onde era responsável pela disciplina de
Psicologia da Expressão no Departamento de Estética.
Em 1978/79, resultando de vivências, reflexões e discussões sobre a
Psicodança, a palavra Psicodança foi substituída por Biodanza. Desde então, a
Biodanza passou por diversos processos de evolução, até os dias de hoje, em
que ela se espalhou por todo o mundo e vive um momento de franca expansão,
sobretudo na Europa. Nos últimos anos de vida, Rolando Toro dedicou-se
bastante a estudos na área de neurociências, onde recentes descobertas
comprovam cada vez mais as bases científicas e a eficácia da metodologia de
Biodanza nos objetivos a que se propõe.
21
4.3.
Para quê a Biodanza?
A partir da contextualização apresentada anteriormente, fica evidente que são
inúmeras as lacunas e vazios a serem amorosamente preenchidos ou refeitos
no ser humano de nossos tempos. A ação da Biodanza se manifesta
diferentemente em cada ser. Dentre os objetivos e efeitos mais comuns citados
por quem pratica Biodanza estão:
−
Fortalecimento da auto-estima;
−
Ampliação do auto-conhecimento;
−
Aumento da vitalidade;
−
Resgate da capacidade de sentir prazer;
−
Tornar-se mais criativo e flexível;
− Desenvolvimento da capacidade de buscar seus objetivos existenciais;
− Desenvolvimento de valores éticos e ampliação da consciência;
− Ter coragem para fazer escolhas pessoais e profissionais mais
realizadoras e consistentes com suas próprias preferências;
−
Aumento da resistência ao stress e à ansiedade;
− Melhoria da capacidade de comunicação, a empatia e a percepção do
outro, levando a relações mais maduras e construtivas;
−
Melhoria das relações afetivas;
−
Sentir-se pleno e feliz;
−
Sentir-se integrado à natureza.
Porém, certamente afloram muito mais efeitos nas pessoas do que elas podem
compreender ou identificar - nem Rolando Toro poderia listar todos os
benefícios que a Biodanza pode trazer.
Fundamentalmente, entretanto, o propósito da Biodanza está um nível antes
dos efeitos mencionados, na raiz de todas estas questões. Na realidade, a
Biodanza faz uma só coisa: nos conecta com a vida, da forma mais ampla que
se pode entender. Todo o resto são consequências. A partir daí, do momento
22
em que nos tornamos a vida, o centro de percepção do universo, a sabedoria da
natureza se manifesta em nós mesmos e com ela aflora todo o seu poder de
autoregulação e de autocriação – “autopoiese”. Assim, nosso organismo busca
suas próprias soluções para a cura, no sentido de agirmos em favor da vida.
Isto acontece dentro de um processo gradual e progressivo, e na maior parte
das vezes os efeitos são notados aos poucos, porém pode também ocorrer
deles acontecerem em saltos. Mas no fundo o propósito da Biodanza é esse:
trazer de volta a vida escondida em nós, lá dentro, no fundo do coração e
impregnada em todas as células. Nas palavras de Rolando Toro:
Na Biodanza o processo de integração atua mediante a estimulação da função
primordial de conexão com a vida, que permite a cada indivíduo integrar-se a
si mesmo, à espécie, ao universo... O homem atravessou um longo processo
de degradação dos instintos [e assim] perdeu a função de conexão com a vida
que é, nele, completamente atrofiada (TORO, 2002, p. 33).
Os versos abaixo, extraídos da epígrafe de um capítulo sobre o Princípio
Biocêntrico (Castro, 2008, p.24), também expressam esta percepção:
“SACRALIDADE DA VIDA
Entre o sagrado e o profano,
a dança da vida guia.
... Somente guia.”
A Biodanza, a Dança da Vida, guia, somente guia. Diz-se somente, porém
longe de achar que é pouco. Pelo contrário, nos dias de hoje isto é muito, é
exatamente do que precisamos.
23
4.4.
Conceitos que fundamentam a Biodanza:
- Princípio Biocêntrico
O Princípio Biocêntrico é um paradigma que orienta toda a conduta em direção
à geração, manutenção e valorização da vida, no qual se baseia todo o sistema
e as ações de Biodanza. Propõe a potencialização da vida e da expressão
plena dos seus potenciais através de uma mudança nos nossos valores éticos.
O conceito fundamental é de que o universo se organiza em função da vida, de
que ela é o princípio de tudo que existe. Em outras palavras, a vida não existe
em função do universo ou do ser humano, e sim o universo e o ser humano
existem porque há a vida.
O Princípio Biocêntrico compreende o universo como um enorme holograma,
um sistema vivo de grande complexidade. Tudo aquilo que existe, elementos,
estrelas, pedras, plantas, animais, sentimentos, são os componentes deste
sistema vivo maior.
A vida não é simplesmente consequência de processos atômicos e químicos,
mas o programa implicado que guia a construção do universo, a matriz sobre a
qual tudo o mais se desenvolveu. A evolução do universo é, na realidade, a
evolução da vida.
A desconexão dos seres humanos com a matriz cósmica da vida gerou,
através da história, inúmeras dissociações que conduziram à profunda crise
cultural, ecológica e afetiva em que vivemos.
De acordo com o conceito de Rolando Toro, o Princípio Biocêntrico surge de
uma proposta anterior à cultura e se nutre dos impulsos que geram processos
24
viventes, através de fundamentos biocosmológicos e não antrópicos6 ou
teológicos.
O Princípio Biocêntrico está intrinsecamente relacionado à sacralidade da vida.
No Princípio Biocêntrico, não há distinção entre o sagrado e o profano, uma
vez que tudo o que se manifesta nos seres viventes é considerado sagrado.
Assim, a vida acontece no aqui-agora e neste tempo tudo o que se manifesta
vivo é sagrado e deve ser reconhecido e reverenciado como tal. O Princípio
Biocêntrico não admite a hipótese de que esta vida seja uma ilusão, uma
passagem para um outro objetivo maior, pois a vida em si já é o objetivo maior
da existência.
Também não concebe a postulação de dogmas que mutilam a experiência do
estar vivo, através de repressão das manifestações intrínsecas de vida, de
alegria, de sexualidade. Muito pelo contrário, busca resgatar a plenitude dos
sentidos e das expressões de todos os seres, a experiência vivencial do eusagrado, reconhecendo-se como um ser cósmico e divino.
Para Rolando Toro:
O Princípio Biocêntrico ajuda o ser humano a sentir seu tamanho diante do
cosmos: sua pequenez e sua grandeza ao mesmo tempo, e o faz reverenciar e
celebrar a vida. A partir do Princípio Biocêntrico, a vida se organiza como
convivência e coexistência com o divino. O sagrado não se dá em um espaço
mandálico ritual. O sagrado se dá em qualquer circunstância em que vida se
faz presente. Toda a vida é sagrada (TORO, Apostila de Inconsciente Vital e
Princípio Biocêntrico, p. 27).
- Inconsciente Vital
O inconsciente vital é o tecido de fundo comum a todos os seres, a base sobre
a qual se sustenta a vida. É um mecanismo homeostático através do qual os
seres se organizam buscando a conexão com a essência viva do universo. É o
elo que nos conecta a tudo, e que faz com que a vida seja preservada e
6
O Princípio antrópico estabelece que qualquer teoria válida sobre o universo tem que ser
consistente com a existência do ser humano.
25
mantida ao longo dos milhões de anos de sua existência, em qualquer escala
de observação.
Existem muitas bases teóricas antecedentes ao inconsciente vital. Uma delas é
o conceito de autopoiese, desenvolvido por Francisco Varela e Humberto
Maturana. Estes pesquisadores examinaram a organização dos seres vivos e
observaram que existe uma auto-organização intrínseca, uma ordem que se
renova a todo momento como um holograma vivo e cujas mudanças abarcam a
totalidade. Propuseram então o termo autopoiese - geração de si mesmo - para
este fenômeno. Analogamente, Rolando Toro se refere ao inconsciente vital
como uma cognição celular, uma sabedoria intrínseca presente em todas as
células que transmite uma orientação de auto-conservação, coordenando a
regulação orgânica, as defesas do organismo, a renovação dos tecidos e todas
as funções que garantem o sucesso do sistema vivo. Em outras palavras, é
uma manifestação da memória cósmica que organiza a matéria com base em
uma programação de auto-organização que gera e mantém os sistemas vivos.
Poderia se dizer também que o inconsciente vital é uma inteligência
organizadora da vida, uma determinação que não depende do comportamento
nem da intencionalidade. Funciona como uma espécie de alimento aos
instintos, à vivência, aos estados de humor, às sensações corporais, a tudo
aquilo que surge sem participação do pensamento.
O conceito de inconsciente vital está totalmente relacionado ao Princípio
Biocêntrico, reconhecendo uma tendência cósmica geradora e mantenedora de
vida. A Biodanza atua a todo momento com o inconsciente vital, pois ele só
pode ser acessado através da vivência, que é um dos principais mecanismos
de ação da Biodanza.
26
- Modelo Teórico
O Modelo Teórico é uma sistematização não só da teoria e do modelo de
aplicação da Biodanza, mas também da própria vida. Rolando Toro considera o
modelo teórico da Biodanza como um modelo do ser humano cósmico por
abordá-lo em todas as suas dimensões: biológica, psicológica e cósmica. A
visão da Biodanza é a visão do homem como ser no mundo, como criatura
cósmica em completa conexão com a vida, com o Todo.
Na Figura 2, apresenta-se a versão mais recente do modelo teórico, sendo que
ele está em constante mudança e já passou por diversas transformações
desde que foi inicialmente proposto como o eixo horizontal entre a consciência
de identidade e a regressão. Este eixo representa a percepção inicial de
Rolando Toro sobre a pulsação de vida desde as suas primerias pesquisas
com pacientes psiquiátricos, e permanece até hoje como um núcleo importante
do modelo da Biodanza. Ele mostra a pulsação contínua entre os dois estados
opostos e complementares: a consciência de si - movimento centrípeto de
aumento da vivência da identidade, da consciência de si mesmo - e o retorno
ao primordial - movimento centrífugo de vivência de regressão, de dissolução
na totalidade ou fusão com o cosmos - que deve ocorrer em um ser saudável.
A passagem de um pólo ao outro acontece por meio do transe - trânsito. Uma
sessão de Biodanza busca sempre um equilíbrio entre os dois extremos a partir
de vivências integradoras que promovam uma constante reorganização
biológica para dinamização saudável dos potenciais genéticos, levando ao
desenvolvimento evolutivo do ser humano.
Segundo relatado nas anotações de cursos de formação de didatas7, ao longo
de suas atividades, Toro perguntava às pessoas o que elas mais queriam na
vida (paz, saúde, amor, etc.) e decidiu agrupar os principais desejos em 5
categorias de potenciais relacionados a princípios de vida, e não culturais
(como dinheiro, emprego e etc), que correspondem hoje às cinco linhas de
vivência descritas a seguir.
7
Facilitadores de Biodanza habilitados a ministrar aulas no curso de Formação de Docentes
27
Figura 2 – Modelo Teórico da Biodanza de 2008.
28
a) Vitalidade
A linha da vitalidade refere-se ao ímpeto vital, à alegria de viver, à saúde. Esta
linha é gerada a partir de funções de regulação da atividade e do repouso que
mantêm a homeostase, compreendendo os instintos de conservação, de fome,
de sede, respostas de luta e fuga.
b) Sexualidade
A linha da sexualidade não envolve apenas o prazer sexual, mas sobretudo a
sensação de prazer, de vínculo, a sensualidade e contato. Compreende, além
do instinto sexual e do orgasmo, o desejo e a busca do prazer de viver.
c) Criatividade
Diz respeito à inovação, construção, imaginação e instinto de exploração. Está
relacionada à nossa capacidade de nos sentirmos, ao mesmo tempo, a criação,
a criatura e o criador. A manifestação plena desta linha de vivência é a
criatividade existencial, ou seja, a nossa condição de criar a arte na vida em
nossa condição humana, de dar respostas criativas à realidade.
d) Afetividade
A afetividade é um estado de afinidade profunda para com os outros seres.
Está vinculada ao amor, amizade, altruísmo, ao instinto de solidariedade, à
capacidade de empatia, aos impulsos gregários, às tendências altruístas e aos
ritos socializantes.
e) Transcendência
Esta linha da transcendência representa a capacidade de ir além do Eu, de
identificar-se com a totalidade cósmica e experimentar estados de expansão da
consciência. Está relacionada à busca de harmonização com a natureza em
29
sua totalidade, sendo uma função biológica que culmina na experiência
suprema e extasiante de identificação com o universo.
As linhas de vivência foram assim definidas por uma questão metodológica,
porém são todas independentes umas das outras. Assim, foi acrescentado ao
modelo um eixo vertical no Modelo Teórico contemplando as cinco linhas de
vivência que representam a expressão e a integração do potencial genético
humano. No modelo teórico elas partem dos potenciais genéticos e conduzem
à integração do ser, entrecruzando-se para que se potencializem e integrem-se
sinergicamente. Cada indivíduo, com seus potenciais e sua história, terá um
desenvolvimento único, sua ontogênese.
As potencialidades genéticas podem ter, ou não, oportunidade de expressão,
dependendo da atuação dos eco-fatores positivos e negativos, que são os
estímulos gerados no contato com o meio ambiente em sua trajetória, e da
influência dos inconscientes pessoal, coletivo, vital e numinoso.
A integração é o processo resultante da alternância natural dos estados de
consciência - consciência de si e regressão - e da expressão saudável das
linhas de vivência; este processo é dinâmico, criativo e se desenvolve em um
movimento espiral eterno. O indivíduo é único e sua ontogênese também é
única, porém o ciclo é eterno, pois cada ser é na verdade parte da totalidade.
O vínculo com a totalidade, que é uma das formas de expressão do
desenvolvimento de uma identidade integrada, também é um ponto de
mutação. É um ponto de dissolução, em que atuam impulsos de
desorganização e morte, esta como transformação para a renovação - entropia.
A estes impulsos dá-se no nome de Catabasis. Esta desorganização, por sua
vez, remete ao princípio básico de tudo, ao princípio de vida cósmica que é
gerada no caos.
30
De acordo com o Modelo Teórico, as condições cósmicas iniciais para a
gênese da vida se produzem no limite do caos e no princípio de vida cósmica.
Segundo Toro (2002), o universo, com todos os seus processos altamente
complexos de transformação, possui uma regulação cósmica que permite a
constante geração da vida. A vida se gera no caos porque ele é o espaço que
oferece maiores possibilidades de interação entre suas substâncias. As
situações de caos contêm princípios para situações de ordem e a vida é um
movimento do caos para a ordem, não realizado de modo linear, mas de um
constante movimento pulsante entre caos e ordem. A Anabasis é o impulso de
organização de vida que atua no caos.
No Modelo Teórico, as duas espirais sobrepostas indicam dois níveis evolutivos
da vida: uma indica o contexto biocósmico no qual a vida se origina, e a outra,
não separada, mas, ressaltada, revela o "caminho" de desenvolvimento da
espécie humana, sabendo-se, que não há uma trajetória rígida, e sim, sistemas
pulsantes que se interdigitam mutuamente.
A conexão do cosmo com a nossa existência se dá através da filogênese. A
filogênese é o desenvolvimento evolutivo da espécie. Ela acontece pelo
registro da memória genética ao longo do desenvolvimento da espécie humana
desde a sua origem até hoje e carrega em si toda a hereditariedade do
cosmos. Da filogênese vieram os nossos potenciais genéticos individuais, que
são todas as potencialidades contidas nos cromossomos e que são herdadas
geneticamente.
A ontogênese humana vai se criando em consonância com a filogênese por
meio da expressão dos potenciais genéticos da pessoa, desde o seu
nascimento
e
do
período
das
protovivências8.
Os
potenciais
serão
desenvolvidos ou não na existência do indivíduo de acordo com os fatores
epigenéticos aos quais são submetidos.
8
Experiências da infância ou das etapas fetal e perinatal e que são a base da estrutura
psicofísica do indivíduo e do desenvolvimento das linhas de vivência.
31
É a partir daí que a Biodanza atua, e novamente voltamos ao início da
descrição do Modelo Teórico, em seus dois eixos horizontal e vertical – em um
permanente ciclo de renovação da vida.
Segundo Toro (2002), o modelo teórico de Biodanza atual é um sistema semiaberto de relações homeostáticas, que apresenta aberturas sutis a novas
possibilidades de equilíbrio, representadas pelo contato interpessoal, em um
processo aberto de co-criação e de integração - um sistema complexo
adaptativo, como a vida.
32
5. Água
“(...) amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem.
Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas
são tranquilos e escuros como os sofrimentos dos homens.
Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: sua eternidade.
Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar eternidade.”
João Guimarães Rosa
A água é um elemento vital para Gaia, em todas as suas esferas: a geosfera, a
atmosfera, a hidrosfera e a biosfera. Nem sempre visível, ela está presente em
toda parte do planeta: no ar, nas rochas, nos rios, nas células vivas, nos
vegetais, nas calotas polares, no subsolo, e até no fogo como vapor de água
(Miranda, 2004). A água é tão diversa e indefinível que tudo o que se descreve
a seu respeito se restringe apenas a uma particularização.
Neste sentido, este capítulo apresenta uma seleção de alguns aspectos
específicos que auxiliam a compreender um pouco do que o conhecimento
humano descobriu sobre este elemento, tanto na forma de descobertas da
ciência clássica como em sua própria cognição ancestral, tecendo paralelos
entre as formas de manifestação física da água, seu papel nos processos
viventes e as emoções que evocam nos homens, como nos versos de
Guimarães Rosa citados acima.
5.1.
Aspectos físicos e químicos
Como um dos elementos naturais primordiais em todas as culturas, a água é
objeto de teorias e estudos desde os tempos remotos. No entanto, apenas há
menos de 300 anos foi possível desvendar, em nível microscópico, algumas
das características fundamentais que explicam a água como substância vital.
33
A seguir detalharemos algumas destas propriedades, a fim de compreender
com maior profundidade as relações entre o seu comportamento físico-químico
e as suas funções vitais. Mais adiante, correlacionaremos os seus aspectos
físicos e estas funções vitais aos seus níveis mais sutis de percepção enquanto
elemento arquetípico e símbolo universal.
O cientista francês Antoine-Laurent Lavoisier (1743-1794) foi quem demonstrou
que a água era composta de dois elementos químicos: o hidrogênio e o
oxigênio. Mas apenas em 1805 descobriu-se que a proporção entre um e outro
elemento na molécula de água era 2:1, o que conduziu finalmente à sua
fórmula H2O. Mais tarde, verificou-se que esta composição não é assim tão
simples. As moléculas de água tendem a se reunir entre si, formando
polímeros, ou seja, moléculas múltiplas. Deste modo, a depender de alguns
fatores como a temperatura, pode-se encontrar misturas em diversas
proporções: H2O, H4O2, H6O3. Alguns especialistas sugerem até que as
moléculas de água deveriam ser representadas por (H2O)n, indicando
agrupamentos de n moléculas de água (Branco, 2003).
Esta complexidade de sua estrutura na realidade é reflexo de uma estrutura
interna específica, denominada pontes de hidrogênio.
A molécula de água tem uma forma angular, com os átomos de hidrogênio nas
extremidades e o de oxigênio no vértice. Como um átomo de oxigênio tem uma
eletronegatividade maior que a do hidrogênio, há um certo desequilíbrio entre
as cargas elétricas, fazendo com que uma extremidade da molécula se torne
mais positiva e a outra mais negativa, o que origina o fenômeno conhecido
como polaridade (Figura 3). Uma molécula com esse tipo de diferença de
cargas é chamada de dipolo elétrico
34
Figura 3 – Molécula de água – dipolo elétrico
A diferença entre as cargas faz com que as moléculas sejam atraídas umas
pelas outras, as áreas relativamente positivas sendo atraídas pelas áreas
relativamente negativas e por outras moléculas polares. O caso extremo de
atração entre dipolos ocorre quando a molécula é formada por hidrogênio
ligado a átomos fortemente negativos, como o flúor, o nitrogênio ou o oxigênio.
A forte atração que se estabelece entre o hidrogênio e estes elementos é
conhecida como pontes de hidrogênio.
As pontes de hidrogênio são responsáveis pela geometria da molécula. As
direções das duas ligações covalentes9, entre os dois hidrogênios e o oxigênio,
e das pontes de hidrogênio dão origem a uma configuração em tetraedros para
um conjunto de moléculas de água, onde o oxigênio ocupa o centro e o
hidrogênio ocupa os vértices (Figura 4).
Ligações de Hidrogênio
Figura 4 – Estrutura das moléculas de água
9
Tipo de ligação química caracterizada pelo compartilhamento de um ou mais pares de
elétrons entre átomos
35
Estas ligações entre as moléculas de água são estáveis a baixas temperaturas
e a temperaturas ambientes normais, e determinam algumas das propriedades
físicas e químicas da água que a tornam tão peculiar e importante entre os
compostos da natureza, quais sejam:
a) estado físico;
b) calor específico;
c) calor latente;
d) maior densidade no estado sólido;
e) adesão e coesão;
f) tensão superficial;
g) solubilidade.
A seguir serão descritas cada uma destas propriedades, correlacionando-as
com suas funções vitais.
a)
Estado físico
As condições do planeta Terra, aliadas à estrutura molecular da água,
permitem a sua existência nos três estados: sólido, líquido e gasoso –
característica que já a torna singular no planeta. Devido à sua abundância na
natureza, esta ocorrência nos parece normal. Entretanto, a simples existência
da água em estado líquido, à temperatura natural, já é uma situação rara. Entre
todas as substâncias minerais na natureza, apenas o mercúrio e a água se
apresentam em estado líquido na superfície da Terra.
Ao avaliar todos os outros compostos químicos de estrutura molecular
semelhante à da água, tais como os hidretos e óxidos, há uma regra geral
segundo a qual as temperaturas de fusão e ebulição são diretamente
proporcionais ao seu peso molecular. Isto ocorre porque é necessário mais
energia para quebrar as forças que ligam as moléculas umas às outras, quanto
mais pesadas forem.
36
Todas as substâncias com o peso molecular semelhante ao da água (18) são
gases a 20°C, enquanto a esta temperatura a água encontra-se no estado
líquido. Se a água obedecesse à regra geral, sua temperatura de ebulição seria
aproximadamente -80°C e ela só existiria em estado de vapor no globo
terrestre. Uma explicação parcial para isto é que as pontes de hidrogênio
constituem uma força de atração entre as moléculas de água particularmente
elevada, inibindo a sua separação e escape na forma de vapor. Esta
explicação, no entanto, não esclarece por que outras substâncias semelhantes
não apresentam o mesmo comportamento da água.
As condições do planeta Terra também são únicas para a ocorrência da água
nestes três estados. Embora a presença desta substância já tenha sido
identificada em todo o universo, apenas na Terra foi comprovada, até agora,
sua existência em estado líquido (Branco, 2003). Tal fato é atribuído
fisicamente à relação exata entre a massa do planeta e a distância do Sol, que
mantêm a água atraída pela força da gravidade e a temperaturas que não
provocam a sua condensação e nem resfriamento totais.
Por outro lado, é a própria água em estado líquido que desempenhou um papel
decisivo na formação do clima do planeta, dissolvendo a maior parte do gás
carbônico da atmosfera e transformando-o em carbonatos, que se precipitaram
nos oceanos em forma de rocha calcárea. O gás carbônico é responsável pelo
efeito estufa, pois tem a propriedade de absorver as radiações que vêm do sol
e aprisionar as radiações infravermelhas, tendendo a manter temperaturas
elevadas na superfície do planeta. Vênus, por exemplo, possui uma
temperatura de cerca de 400°C. Na Terra, porém, a dissolução do gás
carbônico pela água permitiu seu resfriamento até as temperaturas atuais.
Assim, a água e os demais elementos da geosfera e da atmosfera formam uma
simbiose perfeita que propiciou as condições férteis para a origem das formas
de vida existentes em Gaia.
37
b)
Calor específico
O calor específico é definido como a quantidade de calor necessária para
elevar em 1°C a temperatura de uma substância. A água é o líquido com o
maior calor específico que se conhece, com exceção da amônia líquida
(Hopkins, 1995, citado por Costa, 2001). Isto se deve ao arranjo molecular da
água, que permite que os átomos de hidrogênio e oxigênio vibrem livremente,
quase como se fossem íons livres. Assim, as moléculas podem absorver
grandes quantidades de energia sem que haja grandes aumentos de
temperatura.
Como consequência, a água é capaz de armazenar calor e manter sua
temperatura estável por muito tempo, pois é necessária uma grande
quantidade de calor para mudar a sua temperatura. Graças a esta propriedade,
a temperatura da Terra se mantém quase invariável dentro da perspectiva
planetária – as grandes massas de água dos oceanos absorvem uma parte
significativa do calor do sol que chega ao planeta, sem que sua temperatura se
eleve muito. Analogamente, à noite a atmosfera terrestre não resfria
demasiadamente, pois a água cede parte do calor acumulado durante o dia,
sem que ela mesma sofra queda de temperatura.
A água é, assim, um dos principais agentes reguladores do clima da Terra. Por
sua vez, a relativa estabilidade da temperatura do planeta em cada latitude ou
altitude em cada época do ano é uma propriedade que assegura a manutenção
das formas de vida existentes.
c)
Calor latente
O calor latente é a quantidade de calor que um corpo absorve para mudar de
fase – por exemplo, do estado sólido ao líquido ou do líquido para o gasoso.
O calor latente de vaporização da água é incomumente alto, causado pela
tenacidade das pontes de hidrogênio e pela grande quantidade de energia
38
necessária para que uma molécula de água no estado líquido se separe das
restantes.
Uma consequência disso é que as folhas se resfriam sempre que perdem água
por transpiração. Adicionalmente, grandes quantidades do calor atmosférico
são absorvidas quando a água do mar, dos rios ou do solo é evaporada, o que
ameniza o clima, pois as radiações do sol são muito intensas. Apesar das altas
temperaturas nas regiões tropicais – sobretudo onde não há água, como nos
desertos – e do intenso frio nas regiões próximas aos pólos, as variações são
lentas e perfeitamente suportáveis, devido à abundante presença de água no
planeta. Ou seja, o elevado calor latente da água é outra propriedade
responsável pela estabilidade do clima terrestre.
d)
Maior densidade no estado sólido
Via de regra, as substâncias se dilatam com o calor, diminuindo a sua
densidade devido à maior agitação das moléculas. Entretanto, assim como
algumas outras raras exceções, a água apresenta um comportamento insólito:
a água líquida é mais densa do que a água em estado sólido (gelo) - seu
volume diminui quando a temperatura é elevada até 4°C, para depois voltar a
aumentar acima desta temperatura. Por este motivo o gelo flutua sobre a água
fria em estado líquido.
Tal fenômeno é explicado pela organização molecular da água em estado
sólido, onde cada molécula está rodeada por outras quatro moléculas. Com o
aumento do calor, uma parte das pontes de hidrogênio se rompe, permitindo
que as moléculas se aproximem mais umas das outras, ficando cada molécula
rodeada por outras cinco ou seis, reduzindo o volume total do conjunto. No
entanto, a partir de 4°C, com o aumento da temperatura a água volta a se
dilatar como os demais compostos químicos.
Este comportamento anômalo permite que a água dos rios, lagos e oceanos,
ao se congelarem, formem uma camada de gelo na superfície enquanto o
39
fundo permanece líquido. As consequências disso são vitais para a
manutenção da vida nas águas frias, pois faz com que a água a 4°C fique no
fundo e mantenha mais aquecidas as criaturas que ali vivem. Se ocorresse o
contrário, os lagos e os oceanos nas regiões polares terminariam por ficar
inteiramente sólidos, pois cada vez que a água se resfriasse ela iria para o
fundo dos corpos d’água, formando uma camada cumulativa de gelo nos leitos
dos rios, lagos e mares.
e)
Adesão e coesão
Devido à sua polaridade, a água é atraída por muitas outras substâncias, ou
seja, é capaz de molhar superfícies formadas por essa substância. É o caso
das moléculas de proteínas e os polisacarídeos das paredes celulares, que
também possuem elevada polaridade elétrica. Esta atração entre moléculas
diferentes é chamada adesão, e é devida às pontes de hidrogênio que se
estabelecem entre moléculas. A atração entre moléculas semelhantes é
chamada coesão.
São as forças de coesão que conferem à água uma força de tensão bastante
elevada e permitem a capilaridade. A capilaridade se refere ao processo de a
água subir por um tubo estreito, contra a ação da gravidade. O fenômeno
acontece porque a água adere às paredes do tubo e a tensão superficial tende
a nivelar a superfície, elevando-a e, por coesão, mais água entra na parte de
baixo do tubo10. Além disso, numa coluna de água fina e confinada, como as
que existem no xilema de um caule, a força de tensão pode atingir valores
muito elevados - cerca de –30 MPa - de modo a que a coluna de água é
“puxada” sem quebrar até o topo de árvores. Apenas para ilustrar, este valor
representa cerca de 10% da força de tensão do fio de cobre ou de alumínio
(Taiz & Zeiger, 1998, citado por Costa, 2001).
10
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81gua_(subst%C3%A2ncia)
40
f)
Tensão superficial
É a coesão entre moléculas de água que permite explicar a elevada tensão de
superfície deste composto. As moléculas à superfície de um líquido são
continuamente atraídas para o interior do líquido pelas forças de coesão,
enquanto que na fase gasosa há menos moléculas que, por isso, estão
distantes demais para exercer uma força nas que estão à superfície (Figura 5).
Assim, uma gota de água atua como se estivesse coberta por uma “pele”
apertada e elástica.
Figura 5 - Demonstração esquemática da tensão de superfície11
A tensão de superfície da água é maior que a da maior parte dos líquidos. É a
tensão de superfície que faz com que ela se organize em forma de gotas
esféricas, e que permite que certos insetos andem sobre a água, por exemplo.
g)
Solubilidade.
A solubilidade da água é decorrente de sua polaridade, fruto de sua
organização molecular, tornando-a um composto que se liga facilmente a
outras substâncias.
Quando um composto iônico ou eletricamente polar entra em contato com a
água, é rodeado por moléculas de água – fenômeno conhecido por hidratação.
O tamanho relativamente pequeno das moléculas de água tipicamente permite
11
Fonte: retirado de HOPKINS (1995), fig. 2.3, p. 27
41
que muitas delas rodeiem uma única molécula de soluto. As extremidades
parcialmente negativas do dipolo da água são atraídas pelos componentes
positivamente carregados do soluto, e vice-versa com as extremidades
positivas.
A capacidade de uma substância se dissolver em água depende de ela poder
ou não igualar ou superar as grandes forças atrativas que as moléculas de
água exercem umas sobre as outras. Em geral, substâncias iônicas e polares
como ácidos, álcoois e sais são relativamente solúveis em água, e substâncias
apolares como gorduras e óleos, não.
A grande facilidade da água de se combinar com muitos compostos na
natureza, tais como sais e açúcares, faz com que ela seja conhecida como
solvente universal. Assim, é muito difícil encontrá-la em forma pura no
ambiente, pois está frequentemente misturada em outras substâncias
dissolvidas ou em suspensão. Esta propriedade, como veremos a seguir, é
absolutamente fundamental para a manutenção da vida no planeta.
5.2.
Aspectos biológicos
Os mais antigos filósofos gregos já afirmavam que tudo provém da água.
Embora esta afirmação não possa ser completamente validada na atualidade,
ela indica um pensamento intuitivo de que este elemento guardava uma
relação intrínseca com a vida. Esta noção, por outro lado, é corroborada pelo
atual conhecimento da Biologia, que tem demonstrado que a vida se originou
na água e que ela constitui a matéria predominante em todos os corpos vivos.
Os biólogos Dianna e Mark McMenamin propuseram uma teoria para a
evolução da vida terrestre à qual nomearam hypersea, em que as criaturas
terrestres teriam sido unidas em uma rede de líquidos corporais compartilhados
para poder existir na forma terrestre, a partir da água do mar. Uma das
42
evidências para sua teoria é o fato de que todos os líquidos do corpo humano
apresentam uma composição básica bem semelhante a esta (Aposhyan, 2001).
A maior parte da composição das células e do peso de qualquer ser vivo
compõe-se de água. Nos vegetais, no ser humano e no citoplasma celular de
todos os seres vivos ela constitui cerca de 70% de sua composição, em média.
O Quadro 1 apresenta a porcentagem média de água em alguns órgãos do ser
humano. Já nas folhas esta proporção chega a 80%; nas partes duras do
caule, cerca de 60%; em alguns frutos, como o tomate, 95%.
Quadro 1 - Porcentagem de água em alguns órgãos do corpo humano
Órgão
Cérebro
Pulmões
Fígado
Músculos
Coração
Rins
Sangue
Porcentagem de água
75%
86%
86%
75%
75%
83%
81%
A importância da água para os seres vivos reside no fato de a absorção de
todas as substâncias consumidas e de todas as reações do seu metabolismo
serem feitas por via aquosa. Isto ocorre porque a água, além de ser
quimicamente neutra, é considerada solvente universal – ou seja, é muito
abundante na Terra e possui a propriedade de dissolver um número muito
grande de substâncias químicas minerais e orgânicas, sólidas, líquidas ou
gasosas, facilitando a sua penetração através das membranas celulares e o
seu transporte por todo o organismo.
No sangue, por exemplo, várias substâncias - como sais minerais, vitaminas,
açúcares, e toxinas - entre outras - são transportadas dissolvidas na água. Nas
plantas, os sais minerais dissolvidos na água são levados das raízes às folhas,
assim como o alimento da planta, o açúcar, também é transportado dissolvido
em água para todas as partes desse organismo.
43
Devido às suas propriedades: viscosidade, tensão superficial, grandes forças
de adesão e coesão, a água forma um meio contínuo dentro dos organismos.
Nas plantas, por exemplo, ela penetra na maioria dos espaços capilares,
estabelecendo uma conexão entre as paredes celulósicas e permeando
totalmente o corpo da planta. As propriedades da água também permitem o
desenvolvimento de pressão de turgescência, que confere um elevado grau de
rigidez ao conteúdo celular e à parede celular envolvente. Nas plantas
herbáceas é esta pressão que representa, em parte, o “esqueleto” que fornece
suporte aos caules (Costa, 2001).
Além disso, devido à sua estabilidade térmica, capacidade de acumular calor e
resistência às variações bruscas de temperatura, a água atua como regulador
térmico nos organismos. É essa propriedade que torna a sudorese eliminação do suor - um mecanismo importante na manutenção da temperatura
corporal de alguns animais e também a tamponização da temperatura interna
nos vegetais.
Em outras palavras, através de suas funções primordiais de meio coeso,
dissolução, transporte e estabilização, poderíamos dizer que a água é o
grande agente de transição e integração da vida nos sistemas.
Por todas estas razões, as primeiras formas de vida – assim como a
reconhecemos – surgiram primeiramente na água e só depois de muito tempo
conseguiram migrar para a terra firme, o que exigiu inúmeros mecanismos de
adaptação para a manutenção da água nos organismos.
Partindo da escala do indivíduo em direção à escala dos sistemas, também se
pode afirmar que todos os ecossistemas terrestres existem em função das
estações das águas. A alimentação e a reprodução dos animais e vegetais está
estreitamente relacionada às épocas de chuva e de seca, de modo que este
ciclo representa o principal elemento regulador das fases de vida das diferentes
espécies. As principais adaptações que permitem aos organismos viverem nas
diferentes regiões da Terra estão associadas à obtenção de água.
44
Reciprocamente, as próprias etapas da vida intervêm no ciclo das águas. A
evapotranspiração, ou seja, a soma da água evaporada das superfícies úmidas
e do vapor eliminado das folhas através da transpiração, constitui uma das
causas da formação da umidade atmosférica, das nuvens e das chuvas,
retroalimentando os ciclos climáticos do planeta. Ou seja: a água não é apenas
um agente externo que propicia a ocorrência de vida: muito mais do que isso,
ela faz parte dos ciclos de vida, além de possuir uma dinâmica cíclica própria,
como todo ser vivo.
Movimento, troca, relações, autoregulação – é isto o que possibilita a vida.
Conforme verificamos, a água faz isto na Terra, desde o nível celular até a
escala planetária. A seguir, abordaremos os reflexos destes mesmos aspectos
dentro do universo subjetivo, que extrapola as abordagens das ciências exatas.
5.3.
Aspectos metafísicos
As recentes descobertas da ciência, sobretudo no campo da física quântica,
têm derrubado algumas dualidades estabelecidas no pensamento cartesiano.
Assim, já não fazem mais sentido as discussões sobre a separação matériaespírito, fundadas sobre a afirmação de que os fenômenos mentais ou
abstratos são exteriores ao mundo físico. A matéria e não-matéria formam uma
unicidade. Especificamente em relação à água, gostaria não apenas de
abordar os aspectos deste elemento que extrapolam o seu comportamento
como matéria, através da mera descrição de sua força simbólica, mas
sobretudo tecer paralelos entre a substância concreta e a realidade sutil
inerente a este elemento, ou seja, mergulhar em sua ontologia12.
12 Do grego ontos e logos, "conhecimento do ser", é a parte da filosofia que estuda o ser
enquanto ser, segundo Aristóteles, que se opõe às ciências particulares que "englobam
qualquer parte do ser e estudam as suas propriedades". A ontologia é o estudo da essência
do ser — daquilo que faz com que um ser seja.
45
Dizer que a água é um símbolo universal é algo óbvio – no entanto, por se
tratar de uma das mais legítimas representações arquetípicas por natureza, fica
quase impossível evitar o clichê.
De acordo com Jung (1964), “o arquétipo é uma idéia primordial universal, um
centro vivo carregado de energia que atua como a auto-percepção do instinto,
e que revela a si mesmo através dos símbolos”. Bachelard (citado por Costa,
1999) também adere à noção de arquétipo como “um depósito do grupo, uma
forma fundamental, uma experiência psíquica que se repete/atualiza em termos
universais”. Para ele, os arquétipos são “símbolos-motores (que impelem o
homem à ação), imagens que se enraízam no inconsciente longínquo,
referindo-se a uma arqueologia psicológica”.
Já o símbolo se apresenta como o componente mais concreto; ele encarna
uma adequação ao indizível arquetipal e aos processos racionais (Durand,
1992, citado por Costa, 1999). Mircea Eliade diz que o que caracteriza o ser
humano é o pensamento simbólico, o pensamento que revela a solidariedade
do mundo visível com o mundo invisível. Para ele, o pensamento simbólico é a
linguagem pela qual o sagrado se manifesta e através da qual nos é permitido
compreendê-lo. Durand afirma ainda que:
O símbolo é, portanto, uma representação que faz aparecer um sentido
secreto; ele é a epifania13 de um mistério. Todo simbolismo é, portanto, uma
espécie de gnose14, isto é, um processo de mediação através de um
conhecimento concreto e experimental (DURAND, 1992, citado por DIEGUES,
2005).
Certas experiências fundamentais ocorrem e se repetem por milhões de anos e
formam um resíduo psíquico estrutural que tende a organizar as próximas
experiências de acordo com um padrão pré-existente. Imagens que derivam de
estruturas arquetípicas nos levam a procurar os elementos correspondentes no
meio ambiente. Assim, como aprofundaremos a seguir, temos a água não
13
14
Súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do afeto de alguém
Conhecimento superior, interno, espiritual, que surge de forma intuitiva e que dá sentido à
vida humana, que a torna plena de significado
46
somente como um símbolo, mas um elemento arquetípico por excelência, que
dá matéria às formas e conteúdos, visíveis ou não.
Universalmente as representações da água de fato giram em torno de três
temas dominantes: fonte de vida, meio de purificação e centro de
regenerescência15. Estes três aspectos, contudo, são tão intimamente
relacionados que é difícil estabelecer uma linha divisória entre eles.
Para ilustrar como o conhecimento científico atual correlaciona estes temas,
usaremos o conceito de vida desenvolvido pelos biólogos chilenos Maturana &
Varella: a de “um sistema autopoiético (que se gera a si próprio), de base
aquosa16....” Segundo Capra (1996), a característica que define a vida é o
padrão de organização dos sistemas vivos, que ele reconhece como sendo a
autopoiese. A autopoiese ou “autocriação” é um padrão de rede no qual a
função de cada componente consiste em regenerar continuamente, pela sua
transformação e interação, a rede que os produziu. Toro (2002) associa este
processo cognitivo de auto-organização dos seres vivos ao conceito de
“inconsciente vital”, um dos princípios fundamentais na Biodanza, ou seja, pela
própria definição, quando falamos de vida, necessariamente falamos de
regenerescência.
A purificação, complementarmente, também é um ato de regeneração, pois
envolve a limpeza ou remoção de elementos antigos, nocivos ou sem função. A
purificação é a ação que permitir a renovação ou entrada de novos elementos
que darão continuidade à forma de vida.
Remontando a épocas mais remotas, o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso
(aprox. 540 a.C. - 470 a.C.) já postulava sobre a natureza transitória de todas
as coisas: “Nada é permanente, exceto a mudança”. Segundo ele, este devir se
constituia no princípio verdadeiro do universo, abrigando em si o conceito de
que não existe vida sem regeneração ou regenerescência. Em sua frase mais
15
16
Ato ou efeito de regenerar
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vida
47
célebre, utiliza ainda a metáfora da água para dar substância ao seu
pensamento: “Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio, pois como as
águas, nós mesmos já somos outros”. É interessante notar aqui como o
elemento Água é usado como a imagem de transformação. A metáfora do
fluxo do rio se encaixa tanto em seu movimento macroscópico, como também
do papel transformador da água a nível molecular, como sabemos atualmente.
Esta percepção do movimento constante também foi compartilhada em um
nível de observação mais concreto pelo químico Lavoisier, o mesmo que
demonstrou a composição da água, em sua Lei da Conservação da Matéria:
"Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”
Em outras palavras, não há nada no universo que não esteja em contínua
evolução e transformação. Assim o é com a matéria física, com os organismos
vivos – desde um vírus até o planeta Terra – e por isso mesmo assim também
se manifesta a expressão cognitiva da vida, seja através dos pensamentos, das
ações inatas ou das emoções.
Ainda no pensamento da Grécia Antiga, ressalta-se que Heráclito fazia parte da
corrente dos pensadores “físicos”: filósofos que buscavam entender e explicar
a origem da physis — palavra grega traduzida como natureza, mas cujo
significado engloba também a idéia de origem, movimento e transformação de
todas as coisas. Os filósofos da assim denominada Escola Jônica, inaugurada
por Tales de Mileto (640 - 550 a.C.), observaram a permanente transformação
das coisas umas nas outras e sua intuição básica é de que todas as coisas
eram uma só coisa fundamental, ou um só princípio (arché).
Para Tales de Mileto, a origem de todas as coisas estava no elemento água:
quando densa, se transformaria em terra; quando aquecida, viraria vapor que,
ao se resfriar, retornaria ao estado líquido, garantindo assim a continuidade do
ciclo. Nesse eterno movimento, aos poucos novas formas de vida e evolução
iriam se desenvolvendo, originando todas as coisas existentes.
48
Em sua obra "Metafísica" (Livro I, capítulo III), Aristóteles conta:
Tales diz que o princípio de todas as coisas é a água, sendo talvez levado a
formar essa opinião por ter observado que o alimento de todas as coisas é
úmido e que o próprio calor é gerado e alimentado pela umidade. Ora, aquilo
de que se originam todas as coisas é o princípio delas. Daí lhe veio essa
opinião, e também a de que as sementes de todas as coisas são naturalmente
úmidas e de ter origem na água a natureza das coisas úmidas.17
Estas teorias apenas ilustram a noção arquetípica da água como fonte da vida,
refletindo no plano filosófico os aspectos mais concretos do papel da água no
universo. Intuitivamente, corroboram o conhecimento científico atual que
demonstra que a origem dos primeiros organismos vivos se deu no
elemento água, em grande parte devido a suas características peculiares sobre
as quais discorremos no capítulo anterior.
Na cosmologia da Babilônia, no começo de tudo, quando não havia ainda nem
céu nem terra, apenas uma matéria indiferenciada se estendia desde toda a
eternidade: as águas primordiais. Da mesma forma, uma crista de limo
emergindo das águas é a imagem mais frequente da criação nas mitologias
egípcias: “um grande lótus saindo das águas primordiais foi o berço do sol na
primeira manhã”. Entre os germanos, são as águas correndo pela primeira vez
na primavera que constituem a origem ancestral de toda vida, pois “vivificadas
pelo ar do sul, se juntam para formar um corpo vivo, o gigante Ymir, do qual
procedem os demais gigantes, os homens e até os próprios deuses” (Chevalier
& Gheerbrant, 1997).
Na Ásia, a água é a forma substancial da manifestação, a origem da vida,
como a seiva, e o elemento de regeneração corporal e espiritual; o símbolo da
fertilidade, da pureza, da sabedoria, da graça e da virtude. Os textos hindus já
diziam que tudo era água. Para os chineses, a água é o Wu-ki, o caos, a
indistinção primeira. Em certas alegorias tântricas, a água representa o prana,
o sopro vital. No oriente, é comum recorrer às funções regeneradoras da
água como medicamento e poção de imortalidade.
17
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tales_de_Mileto
49
Logo nos primeiros versículos da Bíblia (Gênesis 1:1-2), conta-se que no
princípio a terra era sem forma e vazia, havia trevas sobre a face do abismo e o
Espírito de Deus pairava sobre a face das águas. O espírito (em hebraico
ruach, palavra feminina) pairava sobre o tohuwabohu (expressão hebraica em
Gênesis 1:2 para expressar o caos originário das águas) dando origem aos
seres em sua ordem. A água como origem do caos também remete à condição
inicial deste elemento para a gênese da vida.
Santo Agostinho ilustra a trindade de uma forma profunda: o amante - Deus; o
amado - o Filho; e o amor, o Espírito. A comunidade sagrada é a fonte da vida
e do amor de onde emergem os seres. O Espírito comunica a vida e também o
amor; é o elo indestrutível que une o Pai e o Filho e que perpassa toda a
criação. Na Bíblia o Espírito de Deus se apresenta por meio de vários
símbolos: o sopro, o vento, a água e a pomba. Aqui, é evidente a associação
do Espírito, como o elo entre o Pai e o Filho, e a água também como elo entre
os seres de Gaia em suas funções de meio e transporte das substâncias vitais.
Na tradição judaico-cristã, a água simboliza, em primeiro lugar, a origem da
criação. O mem hebraico simboliza a água sensível: ela é mãe e matriz - útero.
“Fonte de todas as coisas, manifesta o transcendente e deve ser, portanto,
considerada como uma hierofania18” (Chevalier & Gheerbrant, 1997, p. 16).
As associações da água como feminina e maternal são enraizadas não apenas
nos seus aspectos estéticos ou funcionais, mas sobretudo no forte sentimento
de vínculo, como o próprio amor materno. Marie Bonaparte realizou um estudo
psicanalítico entitulado O ciclo da mãe-paisagem, onde afirma que o amor pela
natureza é um sentimento filial, e que todas as formas de amor recebem um
componente do amor por uma mãe: “a natureza é para o homem adulto uma
mãe imensamente ampliada, eterna e projetada ao infinito”, e “o mar é para
todos os homens um dos maiores e mais constantes símbolos maternos”
(citado por Bachelard, 1997, p. 119).
18
Hierofania (do grego hieros = sagrado e faneia = manifesto) pode ser definido como o ato de
manifestação do sagrado.
50
Outra associação da natureza maternal é destacada através das metáforas
lácteas. Segundo Bachelard:
Para a imaginação, tudo o que escoa é água ou compartilha da natureza da
água. A cor pouco importa: ela dá apenas um adjetivo, designando apenas
uma variedade, pois a imaginação material vai direto à qualidade substancial.
Aprofundando no inconsciente da vida infantil primitiva, toda água é um leite,
pois o leite é, na ordem da expressão das realidades líquidas, o primeiro
substantivo, ou mais precisamente, o primeiro substantivo bucal (BACHELARD,
1997, p. 121)
O trecho do hino védico a seguir exemplifica a associação:
As águas que são as nossas mães e que desejam tomar parte dos nossos
sacrifícios vêm até nós seguindo os seus caminhos e nos distribuem o seu
leite...a ambrosia está nas águas, as ervas medicinais estão nas
águas...águas, levai à perfeição todos os remédios que afugentam as doenças,
para que o meu corpo goze de vossos felizes efeitos e eu possa ver o sol por
muito tempo (BACHELARD, 1997, p. 122).
Mais um traço feminino e maternal da água é que ela é o único dos quatro
elementos que embala, nina e faz adormecer, como uma mãe.
A noção das águas primordiais é quase universal, como também o é a
ambivalência do símbolo como força criadora e destruidora. A imersão nela é
regeneradora, produz um renascimento, mas também se traduz em morte, pois
a água apaga a história e restabelece o ser num estado novo. Como diz
Bachelard: “a água já não é uma substância que se bebe; é uma substância
que bebe” (Bachelard, 1997, p. 57). A morte aqui não deve ser compreendida
como um encerramento, e sim como parte de um ciclo de renovação, e como
tal, parte da própria vida.
Embora complementares, os dois pólos da aparente antítese vida/morte na
simbologia da água fazem emergir toda a sua força. Segundo Bachelard
(1997), às matérias originais ligam-se ambivalências profundas e duradouras.
Uma matéria que a imaginação não pode fazer viver duplamente não pode
desempenhar o papel psicológico de matéria original, pois não pode encontrar
o duplo poético que permite transposições sem fim:
51
É necessário haver dupla participação – do desejo e do medo, do bem e do
mal, do branco e do preto – para que o elemento envolva a alma inteira. A
água, agrupando as imagens, dissolvendo as substâncias, coloca o universo
em movimento singular. Ela torna-se uma espécie de mediador plástico entre
a vida e a morte. Desaparecer na água profunda ou desaparecer num horizonte
longínquo, associar-se à profundidade ou à infinidade, tal é o destino humano
que extrai sua imagem do destino das águas (BACHELARD, 1997, p. 13-14).
Em todos os textos irlandeses, a água é um elemento submetido aos druidas,
que têm o poder de ligar e desligar (Chevalier & Gheerbrant, 1997).
Trazendo a ambivalência criação/destruição para um outro nível de percepção,
retomamos os seus aspectos físicos que a tornam ao mesmo tempo fluida e
homogênea - a água exerce tanto a função de coesão (aglomerante) como a
função de dissolução (emoliente) nos seres vivos. Suas funções múltiplas como
meio contínuo para transporte e como elemento de estabilização podem ser
associadas à Anabasis do modelo teórico da Biodanza e da vida,
correspondendo ao ponto de associação e impulso de organização. Análoga e
simbioticamente, como solvente universal corresponde ao ponto de dissolução
em
que
atuam
impulsos
de
desorganização
e
morte
–
Catabasis.
Simbolicamente, as águas calmas e claras representam a paz e a ordem,
enquanto as águas agitadas significam a desordem, conforme ilustram as
Figuras 6 e 7, respectivamente.
\Figura 6 - Waterlilies, de Monet
Figura 7 - A Grande Onda, de Katsushita Kokusai
52
Como reflete Bachelard:
A água é realmente o elemento transitório. É a metamorfose essencial entre
o fogo e a terra. O ser votado à água é um ser em vertigem. Morre a cada
minuto, alguma coisa de sua substância desmorona constantemente
(BACHELARD, 1997, p. 7).
As águas preenchem uma função psicológica essencial: absorver as sombras,
oferecer um túmulo cotidiano a tudo o que, diariamente, morre em nós
(BACHELARD, 1997, p. 58).
Cada um dos elementos tem a própria dissolução: a terra tem seu pó, o fogo
sua fumaça. A água dissolve mais completamente. Ajuda-nos a morrer
totalmente (BACHELARD, 1997, p. 94).
A antítese também foi captada por Jung (1912), citado por Bachelard (1997, p.
75), evidenciando a imagem do mar como emblemática para o ponto de
encontro vida/morte: “o desejo do homem é que as sombrias águas da morte
se transformem nas águas da vida, que a morte e seu frio abraço sejam o
regaço materno, exatamente como o mar, embora tragando o sol, torna a parilo em suas profundidades...nunca vi a vida conseguir acreditar na morte!”
Ainda mais especificamente em relação à simbologia da regenerescência,
Chevalier & Gheerbrant assim descrevem:
A massa indiferenciada da água, como a representação do oceano, contém
todas as promessas de desenvolvimento e também todas as ameaças de
reabsorção. Mergulhar nas águas, sair delas sem se dissolver totalmente, salvo
por uma morte simbólica, é retornar às origens, carregar-se de novo num
imenso reservatório de energia e nele beber uma força nova; fase passageira
de regressão e desintegração, condicionando uma fase progressiva de
reintegração e regenerescência (CHEVALIER & GHEERBRANT, 1997, p.15).
Os banhos, o batismo e os diversos rituais de imersão são práticas simbólicas
deste desejo primordial em praticamente todas as culturas.
Como instrumento de purificação ritual, do Islã ao Japão, passando pelos
antigos rituais taoístas e a aspersão dos cristãos, a ablução19 tem papel
essencial. É um meio de apropriar-se das propriedades invisíveis da água:
19
Ablução (do latim ablutio, "lavagem") é um rito de purificação, com símbolos, atos e
significados variados presente em muitas religiões, entre as quais o cristianismo, o judaísmo
e o Islão.
53
purificação, estímulo, cura e fecundação, por exemplo. “A natureza das águas
leva à pureza”, escreve Wan-tse. “Ela é o emblema da suprema virtude”,
segundo Lao-tse. Por suas qualidades, a água apara todas as infrações e toda
a mácula. A água do batismo conduz a um novo nascimento, é iniciadora. O
Pastor de Hermas fala daqueles que desceram à água mortos e dela subiram
vivos. A imersão é comparável à deposição de Cristo no santo sepulcro: ele
ressuscita depois na descida nas entranhas da terra (Chevalier & Gheerbrant,
1997, p.18).
Bachelard (1997, p. 140) afirma que “certas matérias transportam em nós seu
poder onírico, uma espécie de solidez poética que dá unidade aos verdadeiros
poemas.” E ainda: “as matérias elementares recebem, conservam e exaltam os
nossos sonhos”. E qual outro elemento senão a água para cristalizar o sonho
do ideal de pureza? A imaginação material encontra na água a matéria
naturalmente pura, ou capaz de purificar, o que possivelmente justifica a frase
a seguir, de Paul Claudel20: Tudo o que o coração deseja pode sempre reduzirse à figura da água.”
Na medicina chinesa, as mais antigas referências aos elementos não os
chamavam de elementos”, e sim de “sede de governo”, “habilidade”, “talento”
ou “material”. Esta ciência tem como princípios básicos a Teoria do Yin-Yang e
a Teoria dos Cinco Elementos.
O surgimento da Teoria dos Cinco Elementos na medicina chinesa representou
um marco, pois os curadores passaram a observar a natureza e, com uma
combinação de métodos indutivos e dedutivos, verificavam padrões e os
aplicavam na interpretação do funcionamento dos organismos e das patologias.
Segundo o Shang Shu, principal tratado escrito sobre este tema, os cinco
elementos são Água, Fogo, Madeira, Metal e Terra, que representam cinco
qualidades inerentes diversas do fenômeno natural, cinco movimentos e cinco
fases no ciclo das estações, relacionando-se intrinsecamente.
20
Positions et prepositions, II, p. 235, citado por BACHELARD (1997, p. 139)
54
Um dos aspectos mais típicos da medicina chinesa é a ressonância comum
entre os fenômenos da natureza e do organismo humano. Cada elemento
engloba inúmeros fenômenos no universo e no organismo, os quais de algum
modo representam qualidades particulares que correspondem a estes
elementos. A água na medicina chinesa está correlacionada ao inverno, à
direção norte, à cor preta, ao sabor salgado e ao clima frio. No corpo humano,
a água tem correspondência no rim e na bexiga. O órgão do sentido associado
é o ouvido, enquanto o tecido correlacionado são os ossos. As emoções e sons
da água nos organismos são o medo e os gemidos, respectivamente.
Na sequência cosmológica da medicina chinesa, a água é o primeiro elemento,
o início, o fundamento dos outros elementos. Corresponde à importância
conferida ao rim como sede do Portão da Vitalidade, que é a residência do Yin
e Yang, o Mar da Essência Jing - um fluido natural que determina o
crescimento, reprodução, desenvolvimento, maturação sexual, concepção e
gravidez, e determina a vida e a morte (Maciocia, 1996).
Além disso, a água é o elemento que representa o Yin máximo, em oposição
ao fogo, que representa o Yang máximo. Estes dois elementos, em conjunto,
formam a dualidade fundamental Yin-Yang na medicina chinesa, que é a
origem e base de tudo, e o seu equilíbrio é crucial ao organismo. O Yin nutre o
Yang, e o Yang consome o Yin. Neste contexto, a água tem as funções de
umedecer e esfriar, durante todas as funções fisiológicas do organismo, para
equilibrar a ação de aquecer do fogo fisiológico.
É interessante observar, no aspecto físico, que a molécula da água é produto
da união de dois gases – um altamente inflamável e outro acelerador da
combustão – e paradoxalmente possui a capacidade de apagar o fogo e, em
estado sólido, reduzir drasticamente as temperaturas. A associação Água/Fogo
no Taoísmo e na medicina chinesa remete a um eterno ciclo de homeostase,
remontando às características intrínsecas da água que a tornam o elemento
fundamental para a regulação térmica de Gaia, tanto na macroescala do clima
do planeta como na escala de cada organismo.
55
O Yin no taoísmo é o princípio passivo, feminino, noturno, escuro e frio. De
certo modo, nos remete às águas profundas e sombrias onde também se
projetam as imagens de morte/vida, o ponto de união emblemático entre o
princípio e o fim – o lugar da renovação, ou o centro de regenerescência, ponto
de eterna repartida para a vida em outras formas, assim como o mar.
Já para a cosmologia hindu, o principio feminino, denominado Prakriti, é a fonte
de toda a criação na natureza, animada ou inanimada. Este princípio ou força
criativa estaria presente em toda a diversidade da vida, e se caracterizaria pela
criatividade, atividade, produtividade, pela conexão entre todos os seres, e pela
continuidade entre a vida humana e a vida natural. Neste sentido, é
especialmente interessante ressaltar os aspectos de conexão entre os seres e
de continuidade entre a vida humana e a vida natural como claramente
análogos às funções da água como o elemento de transição no universo e nos
seres vivos.
É importante ressaltar que aqui não há apologia ao valor do feminino em
detrimento ao masculino. Não se trata de confrontar dualismos de modo
maniqueísta, exaltando qualidades estáticas de um ou de outro. O universo
inteiro encontra-se em estado de equilíbrio dinâmico, com todos os seus
componentes oscilando entre os dois pólos arquetípicos.
Conforme descrito por Capra (1996), o equilíbrio dinâmico representa uma
tendência flexível e instável para retornar ao estado de saúde vital. Neste
conceito, mudanças contínuas são solicitadas para darem respostas criativas
dos organismos aos desafios ambientais, através de vários processos de automanutenção. Esta mesma visão é encontrada na cosmologia hindu, que vê o
mundo como sendo produzido e renovado pelo jogo complementar de criação e
destruição, coesão e desintegração, e tensão entre opostos, bem como na
Teoria Yin-Yang.
56
6. Água e Biodanza
“Na paisagem do rio
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem,
onde a pele
começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem.”
João Cabral de Melo Neto21
Como expressam as palavras de João Cabral de Melo Neto, fundamentalmente
a origem de todas as coisas é uma só. A distinção que fazemos entre elas e
suas denominações em palavras diversas têm sua motivação nas diferentes
percepções sensoriais e emocionais que temos das coisas, sentidas e
transmitidas através dos tempos. Ao abordar o tema “Água e Biodanza”,
inicialmente me coloco na tarefa de permitir que aflorem em mim as minhas
próprias percepções sobre os elos possíveis, para depois organizá-las em
tópicos e substantivos específicos, na forma de um texto. Contudo, minha
intenção verdadeira é que a sensação final do leitor seja próxima à imagem da
unidade lama-rio-pele-homem: a de um contínuo, como de fato o é.
Neste capítulo, a organização de minhas idéias se deu do todo para as partes.
Primeiramente, compartilho minhas associações entre a imagem e substância
da água e o modelo teórico da Biodanza. Intuitivamente, meu raciocínio seguiu
uma lógica própria dos ciclos, permitindo estabelecer elos entre o ciclo das
águas e o ciclo da vida, o qual compartilha a mesma representação simbólica
do holograma vivo com o modelo teórico da Biodanza.
21
João Cabral de Melo Neto, O cão sem plumas (Serial e antes, Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1997), p. 79.
57
Posteriormente, pontuo alguns aspectos específicos da metodologia da
Biodanza que me parecem manifestar características específicas do elemento
Água, sejam elas características funcionais, estéticas ou sensitivas.
6.1.
Água no modelo teórico da Biodanza
A partir do aprofundamento do significado da água para as diferentes culturas,
naturalmente foram surgindo associações entre alguns meios hídricos
específicos e elementos fundamentais do modelo teórico da Biodanza. Estas
associações são descritas em itens distintos a seguir apenas para facilitar a
sua visualização ao longo do texto – e embora a sua organização possa sugerir
um caráter estático a elas, procurei refletir dentro de cada item o seu próprio
dinamismo interno, pois na realidade a grande associação que faço é que o
ciclo da vida, o modelo teórico e o ciclo das águas possuem não apenas
padrões semelhantes, mas também movimentos análogos entre si. Ambos,
Água e o Sistema Biodanza, de repente, surgem como formas distintas de
expressão do Ciclo da Vida.
Caos
Todo o Sistema Biodanza é baseado no Princípio Biocêntrico, que toma a vida
como princípio de tudo o que existe. A partir da visualização do holograma que
representa o modelo teórico da Biodanza e do próprio Homem Cósmico, e
conforme as teorias de Ilya Prigogine, Roger Lewin e outros, o caos é a base
de toda a existência, de onde surgem as condições iniciais para a gênese da
vida. É também para onde tudo retorna em um ciclo contínuo de
transformação. As associações dos elementos no “caldo primordial” geram a
multiplicidade dos fatores iniciais que conduz à criação dos sistemas
complexos, como por exemplo as biomoléculas, as proteínas, os protozoários e
as células (Toro, 2002).
58
Como verificamos anteriormente, a água simboliza a fonte de vida, o caos e o
caldo primordial como nenhum outro elemento. E dentre suas várias formas de
manifestação, o mar ou oceano é o ente hídrico que mais plenamente
corporifica a origem e a primordialidade. A extensão aparentemente sem limites
de um oceano, sua vastidão, sua profundidade e mistério dão forma ao que nos
está oculto, inconsciente: a indistinção primordial. As Figuras 8 e 9 ilustram a
semelhança visual entre a representação do Caos no modelo teórico da
Biodanza e um vórtice no oceano, materializando o que subjetivamente já se
correlaciona. Como símbolo da dinâmica da vida, tudo sai do mar e tudo
retorna a ele.
O oceano é a origem de tudo, o lugar onde surgiram os primeiros organismos
vivos, o lugar dos nascimentos, das transformações e dos renascimentos.
Como água em movimento, o oceano simboliza um estado transitório
ambivalente, entre a vida e a morte, abarcando o eterno ciclo de destruiçãorenovação.
Figura 8 – Vórtice no oceano22
Figura 9 – Caos, no modelo
teórico da Biodanza
Ontogênese e Integração
Dentro do contexto dinâmico do movimento da vida, todo o eixo vertical do
modelo – a filogênese, a ontogênese e a integração - são processos de
regenerescência que se iniciam e finalizam na própria fonte de vida 22
Extraído de http://www.dam-atoll.com/DamAtoll_Ocean_Wave_Energy_Extraction/DamAtoll_Vortex.jsp
59
caos/oceano. Mais especificamente, este eixo representa a evolução biológica
do ser humano, desde o desenvolvimento evolutivo de toda a espécie,
passando pelas suas potencialidades genéticas, o seu processo de
diferenciação seletiva e o seu caminho evolutivo em direção à integração – a
conexão com a unidade – através da expressão interativa das cinco linhas de
vivência.
Na conexão com o Todo, a identidade encontra sua manifestação plena,
percebendo-se ao mesmo tempo como um ser único e como parte da
totalidade. Na compreensão vivencial desta conexão, compreende-se também
que o ciclo da vida nos chama para um retorno à fonte de tudo, para
novamente ressurgir ou gerar-se de novo: enfim, regenerar-se23.
Este caminho, visualmente representado por linhas espirais que representam
trajetórias evolutivas únicas, ganha a forma da água do rio de Heráclito, onde
não se pode banhar duas vezes. Partindo do princípio de que tudo é
movimento, e que nada pode permanecer estático, "tudo flui como um rio", ou
seja, nada persiste, nem permanece o mesmo, nem as águas e tampouco os
seres.
Ao longo da sua vida e do seu caminho descendente até o mar, um mesmo rio
passa por vários estágios cronológicos de desenvolvimento: desde a fase
jovem até sua maturidade. Em cada estágio, possui uma forma distinta de se
relacionar com a terra que o delimita. Os rios jovens possuem elevada energia,
modificando o relevo com mais intensidade e apresentando curso mais
retilíneo. Já os rios maduros apresentam menor resistência ao contato, e
formam curvas suaves e sinuosas em seus leitos, denominadas meandros,
através dos quais contornam os obstáculos em seus caminhos.
23
Gerar ou produzir novamente.
Revivificar.
Reorganizar, reformar, melhorar.
Restabelecer a atividade.
Formar-se de novo.
Acessado em http://www.dicio.com.br/regenerar/
60
Da mesma forma, cada ser vivencia suas fases de vida de modo distinto,
modificando-se ao longo do seu período de existência. Em seu caminho
evolutivo, a cada momento estamos em uma nova condição, já que tudo está
em constante mudança. A trajetória do rio sugere este caminho sem volta,
onde nunca se banha duas vezes. Como ilustrado nas Figuras 10 e 11, os
meandros dos rios apresentam uma forma muito semelhante às curvas dos
espirais evolutivos entrelaçados que representam a ontogênese no modelo
teórico da Biodanza, individualmente representadas pelas linhas de vivência.
Figura 10 – Rio meandrante
no Congo24
Figura 11 – Eixo da ontogênese no
modelo teórico da Biodanza
Novamente, a similaridade estética entre as formas espelha as semelhanças
cognitivas, neste caso entre água/rio e ser, corroborando a indiferenciação
entre corpo e alma, matéria e espírito. Tudo o que existe encontra algum berço
de expressão na dimensão física, em algo que se movimenta e dança.
24
Extraído de http://www.flickr.com/photos/tomfurst/1276756155/
61
Anabasis e Catabasis
Os pontos de intersecção entre o caldo primordial e o eixo vertical seriam
análogos aos momentos de nascimento e morte. O nascimento é a passagem
do caos para a organização intrínseca dos sistemas auto-organizadores,
enquanto a morte seria a desorganização destes sistemas e retorno dos seus
componentes para a matéria-prima do cosmos.
O par simbiótico vida/morte ou criação/destruição no modelo teórico da
Biodanza é denominado pelos conceitos da Anabasis/Catabasis. A Anabasis
representa o ponto de associação e impulso de organização, enquanto a
Catabasis é o ponto de dissolução e desorganização. Como descrito no
capítulo anterior, ambas as funções são antiteticamente simbolizadas pela
água, tanto no imaginário coletivo como através das funções físico-químicas
deste elemento nos organismos.
Metaforicamente, já comparamos o caminho evolutivo de um ser - a
ontogêsese - a um rio. Mantendo essa associação, o momento de nascimento Anabasis - seria a nascente desse rio, enquanto seu momento de morte –
Catabasis - seria a sua foz, onde ele deságua no oceano.
As nascentes dos rios são o lugar onde as águas afloram da terra. Estas
mesmas águas são evaporadas dos oceanos, dos seres vivos e outros corpos
d´água e descendem através das chuvas, as águas associadas à fecundidade
seminal. A partir daí, infiltram-se no solo e passam um período de germinação
dentro da terra, preenchendo os poros do solo, até que lentamente escoam por
gravidade até brotarem na superfície. No ciclo da vida, cada ser é fecundado
por um sêmen, passando por uma gestação interna em um útero que o acolhe
em seu interior até o momento do nascimento, quando brota da mãe, sua terra.
Já o ponto de reencontro do rio com o mar é a sua foz. Neste ponto, tudo se
mistura: águas doces e salgadas não mais se distinguem – rio e mar viram um
só corpo mutável, e as águas tornam-se intermediárias, salobras. Os
62
ambientes estuarinos não são facilmente delimitáveis, pois sofrem a influência
cíclica das marés, que por sua vez variam conforme a estação do ano, a
proximidade com a lua e tantos outros fatores. Porém, é da relativa desordem
inerente a este ambiente que surgem alguns dos ambientes ecologicamente
mais férteis, relevantes e sensíveis na natureza. A Figura 12 traz uma vista
aérea da foz do rio Ganges, após um tratamento das bandas da imagem de
satélite, onde a variedade de cores evidencia a própria variabilidade natural do
ambiente, na constituição diversa das águas e dos sedimentos.
Figura 12 – Imagem de satélite da foz do rio Ganges25
Da mesma forma, o ponto de Catabasis representa uma zona de mistura, de
dissolução – ele tange o estado de integração. Por sua vez, de acordo com a
definição a seguir:
25
Extraído de http://eternosaprendizes.com/wp-content/uploads/2009/07/ESA-Envisat-delta-doGanges-Bangladesh_Sundarbans.jpg
63
Integração é a capacidade de se vincular integralmente em suas dimensões
pessoal, social e espiritual, no sentido de ser inteiro consigo mesmo, com o
outro semelhante e com o mundo, sentindo-se pertencente ao devir inexorável
da totalidade cósmica (FREITAS, 2009, p. 35).
Assim como as marés, o devir é o movimento ininterrupto que dissolve, cria e
transforma todas as realidades existentes, ligando-as umas às outras.
Regressão
O eixo horizontal do Modelo Teórico da Biodanza representa um movimento
contínuo e pulsante entre a consciência intensificada de si mesmo e a
regressão. É um continuum porque entre as duas extremidades existe um
infinito de nuances que abraça todas as possibilidades de experiências do ser
como único, individual, dotado de sua corporeidade e de uma herança genética
singular, e ao mesmo tempo como parte indissociável do cosmos. É pulsante,
pois a cada aqui-agora vivenciamos um estado diferenciado dentro deste
contínuo, entre a experiência da consciência da identidade ou da regressão.
A continuidade e a pulsação dentro deste eixo são essenciais para o
desenvolvimento integrado dos potenciais genéticos, pois é preciso ser capaz
de transitar neste eixo com progressividade e adaptação para a construção de
uma identidade saudável.
Este eixo norteador está profundamente associado à essência do pensamento
sistêmico, que não dissocia a parte do todo e nem considera o todo como a
mera soma das partes. Na verdade, não existe parte sem todo e vice-versa,
assim como não há uma relação temporal de precedência entre estar vinculado
consigo mesmo antes para depois vincular-se ao outro e à Totalidade. Tudo
ocorre de forma simultânea, ou mais do que isso, tudo ocorre de forma
interdependente. A identidade se estrutura na presença do outro e na vivência
intrínseca do pertencimento cósmico.
Como expresso na metáfora a seguir, identidade e Todo são apenas fases
distintas de uma mesma matriz. E não coincidentemente, neste trecho elas são
64
representadas por fases de água: “a identidade é a profundeza do oceano que
encontra expressão nas marés, nas ondas e ondulações da superfície” (Lemos,
1996, p. 21).
Mudando um pouco o enfoque da associação para uma outra escala de
observação, existe uma analogia instintiva entre o eixo horizontal consciência
da identidade-regressão e o princípio de dualidade Yin-Yang do Taoísmo. O
Yin e o Yang são duas forças complementares que compõem tudo que existe,
e do equilíbrio dinâmico entre elas surge todo movimento e mutação. O Yin
representa o princípio passivo, enquanto o Yang representa o princípio ativo,
respectivamente simbolizados, em sua força máxima, pelos elementos água e
fogo. No eixo horizontal do modelo teórico da Biodanza, o pólo da consciência
intensificada de si e do mundo seria o correlato ao Yang, associado ao fogo. O
pólo da regressão seria a expressão do princípio Yin, representado pela água,
abarcando um estado de receptividade e repouso (Figura 13).
Consciência
intensificada de si e
do mundo
Regressão
Yang
Yin
Figura 13 – Associação entre o eixo continuum consciência intensificada regressão e o princípio Yin-Yang26
26
Extraído de:http://www.keywordpicture.com/keyword/fire%20and%20water%20ying%20yang/
65
A regressão é um estado emocional que induz à conexão com potenciais
arcaicos e o retorno às protovivências, não necessariamente vinculado a um
passado temporal no sentido cronológico, e sim a um registro de sensações
primordiais. A tendência a retornar à ordem primitiva, o eterno retorno à origem,
é um impulso arquetípico e vital de reparação biológica.
J. Rof Carballo (citado pro Toro, 2002, p. 116) afirma que se os sistemas
biológicos não fossem capazes de regredir a uma fase embrionária
indiferenciada de desenvolvimento, o organismo perderia um de seus mais
importantes dispositivos de segurança, pois ele possibilita a ocorrência dos
processos regenerativos celulares.
Fisiologicamente, a vivência integrada da regressão inibe as atividades
corticais e ativa as funções colinérgicas ou trofotrópicas, com os consequentes
efeitos fisiológicos:
- dilatação das artérias, frescor e rubor na pele, turgescênia sem transpiração;
- diminuição do ritmo cardíaco;
- aumento das secreção das glándulas lacrimais, salivares e digestivas;
- estímulo da musculatura da bexiga e da emissão de urina;
- predisposição ao sono e ao repouso;
- ativação do eros em geral.
É interessante ressaltar que a própria etimologia do termo trofotrópico - do
grego trophé, “nutrição”, e tropé, “virada, mudança” - remete a si mesmo a
função de renovação orgânica. É interessante notar, também, que este estado
estimula a circulação e atuação dos diversos líquidos no organismo, pois é
através deles que ocorrem as trocas necessárias para a autoregeneração.
Todas estas associações evidenciam como a água representa o elemento
essencial e emblemático deste estado – como elemento da força máxima do
Yin, como meio físico que possibilita a renovação orgânica, como metáfora
para a totalidade. Dentro do modelo operacional da Biodanza, é aqui, no pólo
66
da regressão, que mais intensamente se vivifica a força simbólica da água em
todas as culturas como centro de regenerescência e meio de purificação.
É claro que as funções colinérgicas estimuladas na fase de regressão devem
estar em equilíbrio com as funções adrenérgicas ou ergotrópicas em um
equilíbrio
homeostático.
Porém,
o
modo
de
vida
das
sociedades
contemporâneas leva a um constante estado de alerta, causando fadiga e
stress em maior intensidade e frequência do que o organismo é normalmente
capaz de suportar. Assim, a indução a estados de regressão em um ambiente
integrador é fundamental para o resgate da saúde.
No ser humano, o estado de regressão permite, além reparação biológica, a
reintegração à unidade biocósmica através do abandono do ego. Na Biodanza,
as vivências de regressão são uma passagem ao indiferenciado e buscam
promover a integração, à medida em que se pode ressignificar as vivências de
estados primordiais de uma forma afetiva e sadia.
Neste sentido, o grupo tem um papel fundamental. Ele é a matriz acolhedora, o
útero que assegura a integridade e proteção no trânsito aos estados de
consciência ampliada, no retorno simbólico ao líquido amniótico. Na presença
do grupo, pode-se entregar à música, à vivência, diminuir as funções de alerta
e permitir a passagem para um estado de consciência que normalmente
consideramos como vulnerável em nosso cotidiano. As estruturas culturais que
reforçam a rigidez do Eu se dissolvem, a identidade se torna cada vez mais
permeável para fundir-se à imensidão do outro e do Todo em uma
indiferenciação da matéria-tempo-espaço.
Em nosso dia-a-dia temos poucas ocasiões onde podemos vivenciar este
estado, pois nos vemos cercados de perigos e ameaças que nos fazem estar
sempre em estado de alerta. O movimento lento não responde a uma
solicitação urgente do ambiente, não atende a um objetivo imediato. Assim, ele
amplia o contato com a percepção cenestésica, ao mesmo tempo em que
diminui a atividade cortical.
67
A vivência extrema neste estado é a fusão com a totalidade – a vivência
oceânica onde a identidade pessoal se dissolve e amplia, tornando-se uma
unidade ontocosmológica. Aqui é inevitável evocar a imagem da água
enquanto forma – oceano - e função - solvente universal e meio agregador. “A
vivência de fusionar-se com o Todo é descrita como penetrar em um mar
pulsante de energia” (Lemos, 1996, p. 56).
O oceano é, novamente, a fase da água que materializa a idéia de origem. Os
trechos a seguir ilustram essa associação, ao mesmo tempo em que reforçam
o impulso arquetípico humano de retorno às origens primordiais: “O ser
humano nasce em vivência oceânica, diferencia-se desse oceano para sentirse em si, identidade individual, a totalidade oceânica” (Lemos, 1996, p. 17). E
ainda:
“Nascemos em um estado de
vivência oceânica e paradisíaca,
inteligência
sensorial
e
motora...essa nostalgia27 surge,
talvez, dessa vivência primordial
que anima o ser humano a
reencontrá-la.”
(Lemos, 1996, p. 44-45).
http://mundocognito.blogspot.com/2009/12/profundidade-dos-oceanos.html
Mas para além da imagem oceânica, também é possível remeter a regressão
às fases subterrâneas da água, como sugestionado pelo próprio Rolando Toro:
Durante el estado de regresión induzido em la sesión de Biodanza, el alumno –
como en las cerimônias arcaicas de los pueblos primitivos – vuelve a la gran
fusión subterránea, al estado primordial, pré formal, caótico, a la
indiferenciación y la fusión com todos los gérmenes em la misma matriz telúrica
(TORO, 1991, p. 292).
27
A nostalgia aqui se refere à busca pela Transcendência, ao desejo de reconectar-se com a
vivência plena de si e com o Todo (Lemos, 1996, p. 44-45).
68
As águas subterrâneas são aquelas que ocupam os poros e descontinuidades
dos solos e das rochas abaixo da superfície. Representam a fase da água mais
oculta e desconhecida, já que não são normalmente visíveis ao homem.
Abrigadas no seio da Terra, estas águas absorvem em si os sais e a memória
ancestral das rochas, da terra-mãe, permanecendo em contato com ela às
vezes por centenas de milhares de anos antes de aflorar à superfície. Seu
caráter subterrâneo desperta a associação com uma natureza acolhedora e ao
mesmo tempo misteriosa, maternal e insconsciente, ambas representativas da
origem primordial à qual se retorna no estado de regressão.
6.2.
Elementos-água na Biodanza: Transe, Fluidez e Carícia
No tópico anterior, apresentei algumas associações entre o modelo teórico da
Biodanza e a água em suas diversas fases no ciclo hidrológico. Aqui, gostaria
de ressaltar alguns elementos mais específicos dentro da metodologia do
SIstema Biodanza que guardam uma correlação intrínseca com a água em três
aspectos distintos: meio, forma e conteúdo. São eles o transe, a fluidez e a
carícia, respectivamente.
O transe representa o meio ou veículo no eixo horizontal do modelo teórico que
atua funcionalmente como a água enquanto elemento de trânsito –
especificamente no modelo teórico da Biodanza, do pólo da consciência
amplificada de si mesmo à regressão.
A fluidez é a categoria de movimento que esteticamente representa a água,
simbolizando a corporeidade física deste elemento e a sua expressão plástica
no corpo humano. De um modo relativamente genérico, poderia-se dizer que a
fluidez é a forma da água na Biodanza.
Já a carícia é o elemento sutil que se manifesta no nível emocional, mas que
atua fisiologicamente no sentido da integração e da renovação orgânica, como
a água em sua essência. Considero, portanto, que a carícia possui um
conteúdo existencial análogo às funções vitais da água no universo.
69
Transe
A palavra transe deriva do latim transire, que significa transitar. Na psicologia, o
significado de transe está associado a um estado de consciência onde podem
ocorrer diversos eventos neuro-fisiológicos como: anestesia, hiperamnésia,
amnésia, alucinações perceptivas, hipersugestionabilidade, etc. Na Biodanza, o
termo é empregado para denominar a passagem do estado de vigília normal ao
estado de regressão: o “trânsito” de um estado de consciência mais vigilante a
outro, onde há uma diminuição da consciência da identidade e a entrega ao
continente cósmico, corporificado no grupo (Toro, Apostila de Definição e
Modelo Teórico).
A mudança de estado da consciência provém de mudanças fisiológicas por
meio das quais o indivíduo entra em um estado de extrema receptividade e se
abandona às forças externas e internas, com perda parcial ou total da própria
identidade (Toro, 2002, p. 104).
O transe é uma experiência antiga na humanidade, e está relacionado a um
desejo de vinculação maior à origem e o retorno ao primordial, por exemplo nas
danças religiosas, rituais xamanísticos e cerimônias orgiásticas. Existem
inúmeras formas de induzir o estado de transe. A dança com um ritmo
persuasivo provoca um sentido de comunhão e regressão às fases primárias.
Há também a sugestão e hipnose individual ou coletiva, a auto-indução
mediúnica, as danças giratórias sufis, o sonho dirigido e o consumo de
substâncias psicotrópicas, entre outros.
A vivência do transe pode ser integradora ou dissociativa. Em Biodanza são
induzidos somente transes integrativos, induzidos através de vivências em um
processo de identificação profunda com a música, no qual o indivíduo se deixa
transportar pelo movimento musical até dissolver a percepção entre os limites
externo e interno e “tornar-se a música” (Toro, 2002, p. 104).
70
O transe em Biodanza permite ao indivíduo abandonar a consciência vigilante,
deixando-a dissolver-se no grupo para integrar-se em uma unidade mais ampla
e indiferenciada. A vivência que o indivíduo tem ao sair do transe é de profunda
vinculação consigo mesmo, com os outros e com o cosmos. Segundo Santos
(2009),
esta
experiência
permite
reativar
padrões
primitivos
de
desenvolvimento e reorganizar os impulsos vitais obstruídos ou reprimidos pela
aprendizagem e traz consigo uma abertura a mudanças existenciais:
interesses, perspectivas, valores ou novas formas de sensibilidade.
A associação do transe com o elemento água se inicia a partir da própria
etimologia do termo, no sentido do trânsito ou de um passagem. A água é o
solvente universal, o elemento que solubiliza substâncias vitais nos organismos
e as transporta interna e externamente, devido à sua coesão e continuidade.
As vivências de transe promovem a dissolução dos limites que nos restringem
ao Eu ou ao ego, intensificando a percepção de continuidade e pertencimento a
uma unidade mais ampla, levando aos vários níveis do estado de regressão, já
descrito anteriormente como o lugar emblemático das águas na Biodanza como
fonte de regenerescência e meio de purificação.
Fluidez
A Fluidez é a categoria de movimento emblemática das águas na Biodanza.
Por definição, um fluido é uma substância que se deforma continuamente
quando submetida a uma tensão de cisalhamento28, podendo incluir
substâncias nas fases líquida, gasosa ou plasma. Os fluidos compartilham a
propriedade de não resistir à deformação e apresentam a capacidade de fluir,
também descrita como a habilidade de se adaptar e tomar a forma de seus
recipientes. Dentre os quatro elementos primordiais, a água e o ar são os que
personificam o movimento de fluidez.
28
Força de compressão
71
De acordo com a descrição desta categoria de movimento na Biodanza (Toro,
Apostila de Movimento Humano), o movimento fluido se caracteriza pela sua
continuidade e harmonia pulsante, envolve um deslocamento sensível no
espaço como ondas que se transformam em equilíbrio dinâmico. Analogamente
ao movimento dos fluidos, o corpo não se detém nos obstáculos: os contorna e
segue adiante. No movimento fluido, se estabelece uma conexão sensorial e
adaptação inteligente com o meio envolvente, como se fossem elementos
contíguos: seja o ar, a terra, a água ou o continente afetivo do grupo.
A fluidez é uma categoria de movimento contrária à rigidez.
Durand (1992) construiu uma teoria sobre a hipótese de que “existe estreita
concomitância entre os gestos do corpo, os centros nervosos e as
representações simbólicas”. Adota o pressuposto de que o que motiva a
imagem e dá vigor ao símbolo é um “acordo entre as pulsões reflexas do
sujeito e o seu meio que enraiza de maneira tão imperativa as grandes
imagens na representação e as carrega de uma felicidade suficiente para as
perpetuar”.
Traduzindo esta teoria para o movimento de fluidez, tomando como analogia a
frase seguinte de BACHELARD (1997, p. 87): “tudo deve flutuar no ser humano
para que ele próprio flutue sobre as águas”, pode-se dizer que tudo deve fluir
no ser humano para que ele próprio flua como as águas.
Esta prerrogativa é embasada pelos conceitos fundamentais teóricos da
Biodanza. Rolando Toro propôs um Modelo Sistêmico do Movimento Humano,
onde distingue quatro principais formas de organização do movimento,
resumidamente ilustradas e descritas na Figura 12 e no Quadro 2,
respectivamente (adaptado de Toro, 2002, p. 133 e Santos, 2009, p. 46):
72
Figura 12 – Representação esquemática do Modelo Sistêmico do Movimento
Humano
Movimento
Natural - Graça
Integração
ao Cosmos
Integração sensitivomotora
Movimento
Emocionado
Movimento
Aprendido
Integração
ideo-motora
Integração afetivoerotica-motora
Movimento
Instintivo
Quadro 2 – Formas de organização do movimento propostas por Rolando Toro
Tipo de movimento
Forma de
organização
Instintivo
Organizado pelo
instinto
Aprendido
Organizado pela
consciência
Emocionado
Organizado pela
vivência
Graça
Movimento natural
orgânico
Descrição
Características
Expressão imediata e
instintiva da
potencialidade
motora
Intencionais,
vinculados à
aprendizagem e ao
treinamento
Experiências
espontâneas e
expressivas inerentes
à comunicação
afetiva e erótica
Expressa a
integração e a
evolução dos
movimentos
Equilíbrio, potência,
sinergismo, ritmo,
flexibilidade,
elasticidade
Controle voluntário,
coordenação,
flexibilidade,
resistência
Expressividade,
sintonia, afetividade,
sensualidade
Harmonia, leveza,
fluidez, agilidade
Neste esquema, verifica-se o movimento que expressa a integração plena do
ser, nos níveis ideo-afetivo-erótico-motor, é a “Graça”, uma expressão de
profunda harmonia e interioridade. Os principais atributos que mais
especificamente caracterizam o movimento da “Graça” são a harmonia, a
73
leveza, a fluidez e a agilidade. A fluidez é, portanto, uma qualidade de
movimento que reflete um elevado nível de integração ou fluidez existencial.
Esta idéia é reforçada pelas palavras de Lemos a seguir:
A energia do movimento corporal flui e se conecta ao fluxo e refluxo da
Natureza, ao fluxo do Cosmos, de modo a permitir que a energia flua entre eu e
tu, entre eu e o Universo. É através dessa energia corporal que flui a conexão e
a presença do eu, do tu, do nós, do Universo. Isso é o que caracteriza o
verdadeiro encontro. O encontro é essa percepção dessa energia que flui
verdadeiramente de ser para ser, entre os seres e entre cada ser e o
Universo...As formas leves ou severas de rigidez dissociam e separam o
indivíduo da totalidade hologramática. A energia vital é bloqueada e as funções
orgânicas se transtornam...Se a energia vital está alterada ou bloqueada, se o
indivíduo é rígido corporalmente, ele é rígido também no seu “sentimento de
vida” frente ao mundo. A fluidez interna se bloqueia, as funções orgânicas se
desorganizam, a plenitude se perde e a transcendência se torna o que tem sido
– um conceito filosófico-teórico. (LEMOS, 1996, p. 76-77).
Tal afirmativa encontra ressonância em minhas percepções individuais sobre a
dificuldade do movimento fluido no homem contemporâneo, mesmo em grupos
de Biodanza com algum tempo de prática. Ela é um reflexo da rigidez
existencial imposta pelo mundo atual, que não flexibiliza opções – muito pelo
contrário, nos impõe de maneira determinística valores importados por uma
cultura reducionista baseada no individualismo, na competição, na dominação,
no pensamento analítico linear e na supressão da subjetividade emocional – ou
seja, uma sociedade com bases contrárias às bases que sustentam a vida. Em
outras palavras, a repressão e obstrução dos potenciais genéticos às quais o
homem vem sendo cada vez mais submetido, no nível individual e coletivo, se
refletem na crescente rigidez do seu movimento.
Entretanto, assim como movimento e emoções não se dissociam entre si, não
só o movimento é modificado pelas emoções, mas ele também as modifica. A
proposta da Biodanza é promover a integração, e um dos tipos de integração
que se estabelece é a integração ideo-afetiva-motora: pensar-sentir-agir.
Dentro do grupo de Biodanza, criam-se condições para a expressão sem
barreiras dos nossos potenciais genéticos, ampliando as possibilidades de
sensações e de movimentos. Este ambiente permite que as pessoas se tornem
74
permeáveis e que entrem em contato com suas emoções e as manifestem em
forma da dança.
As vivências de Biodanza que incluem movimentos de fluidez auxiliam o fluxo
contínuo da energia interna, a conexão e troca com o meio externo, a
capacidade adaptativa e a harmonia orgânica. Em geral, também promovem a
desaceleração do metabolismo, embora a qualidade da fluidez também esteja
presente nos movimentos ágeis e mais ativos.
As séries de Fluidez 1 e 2 e as danças livres de fluidez são as vivências iniciais
desta categoria de movimento, que promovem a integração pensar-sentir-agir,
desenvolvem a sensibilidade, a adaptabilidade, a percepção do próprio espaço
e do espaço ecológico (Santos, 2009, p. 233-235). São vivências que atuam na
harmonização neurovegetativa, sendo perfeitamente adequadas para o
momento de transição entre as etapas de ativação e regressão dentro de uma
sessão de Biodanza. Aqui, vale ressaltar uma associação entre a homeostase
promovida pelas séries de fluidez no sistema nervoso neurovegetativo e a
função homeostática que a água promove nos organismos vivos e no planeta,
através da regulação da temperatura interna e do clima da Terra.
Já as vivências de fluidez sensível, danças de fluidez em par ou em grupo se
situam predominantemente na etapa de regressão, onde há um aumento de
atuação do sistema nervoso parassimpático e a intensificação dos efeitos
fisiológicos deste sistema. Conforme mencionado anteriormente, estes efeitos
incluem a promoção e retroalimentação do ciclo de renovação orgânica,
mediado pelo aumento de produção das secreções e da circulação sanguínea,
ou seja, o estímulo das funções da água no organismo.
As vivências de fluidez a dois ou em grupo requerem ainda uma maior
evolução motora, sensibilidade, sincronicidade, reciprocidade, afetividade,
adaptação sutil e empatia com o outro. Os significados existenciais destas
vivências estão relacionados ao estímulo da receptividade e abertura ao outro,
ao ajustamento sensível às mudanças, à harmonia no encontro, à vivência da
75
comunhão e da expressão do Eros indiferenciado, em um nível crescente de
entrega. O extremo nesse sentido é a vivência oceânica de fusão com a
totalidade.
Ao promover o trânsito da etapa de ativação para a etapa de regressão na
sessão de Biodanza, as vivências de fluidez atuam como um meio de
transporte do estado ergotrópico ao estado trofotrópico. São, portanto,
vivências de transe integrador, nos seus diversos níveis, no continuum entre a
consciência intensificada de si mesmo e a fusão com a totalidade. Assim como
os fluidos se adaptam aos seus recipientes, as vivências de fluidez se
adéquam em momentos distintos dentro da sessão de Biodanza.
A fluidez é, portanto, um movimento que dá corporeidade ao elemento água em
múltiplos aspectos na Biodanza, assim como é uma categoria de movimento
que infiltra e transpira integração orgânica no indivíduo. Não é à toa ela se
inspira no movimento dos fluidos e da água.
Carícia
O contato é um primeiro momento de união que possibilita a troca de
mensagens, informações, de fluxos energéticos entre sistemas. No entanto, o
contato físico em si não implica necessariamente na troca de afetos e
emoções, pois ele pode ser rígido, mecânico, sem reciprocidade. A pele, que
contém cerca de 70% de água, é o órgão que ao mesmo tempo nos
individualiza e nos une a tudo o que nos cerca. A rigidez no contato indica o
aprisionamento do indivíduo dentro de si e sua dificuldade em interagir com os
sistemas externos. A experiência sensorial do contato transmite a sensação do
indivíduo de modo inequívoco e indisfarçável.
A carícia é um diálogo corporal afetivo e recíproco, é um contato pleno de
sentido amoroso, um ato de íntimo reconhecimento e valorização da pessoa
como um todo e presentifica uma manifestação da sexualidade e/ou da
afetividade.
76
Ao vivenciar uma carícia de modo pleno, sentimo-nos inteiros no aqui-agora.
As sensações corroboram os efeitos fisiológicos que a carícia proporciona, de
melhoria do sistema imunológico, ativação das funções trofotrópicas e aumento
da auto-estima, com todas as consequências no campo afetivo e sexual.
Na Biodanza, a carícia tem um papel fundamental no processo de mudanças,
pois é uma chave para a dissolução de armaduras corporais, normalmente
associadas a bloqueios psicológicos, que impedem o indivíduo de se
relacionar. O envolvimento em carícias e a fluidificação que se experimenta
no organismo abrem o indivíduo para as trocas, os fluxos vitais que mantêm a
ordem cósmica, tanto no nível emocional como no nível fisiológico. A relação
próxima da carícia com a água é descrita no parágrafo a seguir:
Quando a palma da mão pousa sobre a pele e acaricia docemente, cria um
“pequeno berço”; quando envolve aquele que se toca completamente, com
intensidade, como o elemento água se adere perfeitamente a cada forma,
comunica uma proximidade total, uma fusão. Em nível profundo, a carícia
possui a sabedoria da disponibilidade, da abertura para estar com o outro:
torna-se entrega. A carícia é um ato integrador por si mesmo porque acolhe e
se adapta àquele que encontra, como é característico da água (TORO, Apostila
de Contato e Carícias, p . 22).
A carícia nos conecta com o outro e com o universo, é um dos elos através dos
quais expressamos a nossa identidade e a colocamos em contato com o fluxo
de vida. Ao sentir o pulsar da vida em nós, no outro e no cosmos, nos tornamos
sistemas abertos que permitem o fluxo de energia, cujas ações e
manifestações se auto-regulam em mecanismos orientados para a preservação
da
vida.
Estes
efeitos
sensoriais,
por
sua
vez,
são
paralelamente
acompanhados pelos efeitos fisiológicos do sistema colinérgico, onde ficam em
evidência as funções metabólicas da água como meio de conexão e troca:
aumento das secreções glandulares lagrimais, salivares, digestivas e sexuais.
A carícia também tem reconhecidos efeitos sobre o desenvolvimento da
sexualidade, que é uma manifestação divina da força vital e dos instintos
primordiais que geram e mantêm a vida. Como diz Rolando Toro:
“A força secreta de nossas motivações existenciais é a sexualidade.”
(TORO, Apostila de Sexualidade, p. 4)
77
“Toda nossa existência se desdobra sobre a trama sexual.
A identidade humana se organiza no fluxo natural da energia erótica.
A energia erótica é energia cósmica que gera vida.”
(TORO, Apostila de Sexualidade, p. 3)
A experiência sadia da sexualidade como sensação plena de prazer
cenestésico manifesta no indivíduo proporciona, ao mesmo tempo, um
continente e uma possibilidade de fusão. A união que se materializa no nível
físico pode ressoar nos mais elevados níveis energéticos, atingindo um estado
de comunhão sagrada, de êxtase e plenitude – a conexão com a totalidade.
Não coincidentemente, as expressões físicas orgásticas tanto masculina como
feminina são fluidos.
A afetividade é outra dimensão essencial da natureza da vida, a primeira
característica que se revela no fato de existir. É o fio da teia que proporciona a
organização neguentrópica da vida. É a potência agregadora, cooperativa e
organizadora que permeia as relações e que faz com que elas se renovem,
através das conexões de cada tecido, cada célula em estreita coerência com a
outra, com o órgão, com o organismo biológico.
Diversos autores estudaram as relações entre afeto e o desenvolvimento das
pessoas, como por exemplo René Spitz, Jean Piaget e Frederick Leboyer.
Seus estudos indicaram que o cuidado e o afeto nos primeiros meses de vida
são fundamentais para o desenvolvimento dos aspectos motores, afetivos, de
linguagem e de desenvolvimento intelectual das crianças. Segundo estes
autores, é a afetividade, expressa na carícia, através do toque, do olhar e do
cuidado da mãe vinculada, terna e abundante com o bebê que permite a
conexão hormonal do sistema cerebral arcaico com o córtex, dando
configuração à inteligência afetiva integradora da dimensão emocional e
sentimental do amor com a dimensão da racionalidade, que se desenvolverá
gradativamente, com o nutriente da afetividade.
A carícia na Biodanza é o contato entumecido pelo instinto sexual e pelo amor
– é, portanto, uma forma de água que integra, nutre, permeia e permite a vida.
78
7. Considerações finais
“Estamos mergulhados em vida e a vida está
mergulhada em cada um de nós. O Universo é um
oceano pulsante de vida no qual existimos e o qual
expressamos. Somos isso, esse oceano pulsante de
energia viva.”
Sanclair Lemos29
A água é um elemento de integração que permite a vida. A Biodanza é um
sistema de integração humana que nos conecta com a vida. Assim, seria
natural que Água e Biodanza guardassem entre si relações de profundas
semelhanças, ambas como fontes de vida e integração. Neste trabalho,
busquei identificar alguns dos elementos em comum entre as duas coisas,
notadamente aqueles que demonstram a sua conexão com os processos vitais.
Inicialmente, minha idéia era focar mais especificamente na categoria de
movimento da fluidez. No entanto, minhas descobertas ao longo deste caminho
abriram uma percepção para analogias mais amplas entre a vida, a Biodanza e
a água, afloradas na representação simbólica do Modelo Teórico da Biodanza.
O holograma vivo, que também é o modelo do Homem Cósmico, representa os
processos universais de gestação da vida, pois não se pode conceber um
modelo da vida humana isolado do processo de gênese da vida e de sua
evolução filogenética e ontogenética. Por sua vez, as dinâmicas destes
processos também são encontradas nos ciclos de Gaia, enquanto sistema vivo,
aqui particularizado no ciclo hidrológico.
Assim como no ciclo hidrológico, onde oceanos, rios e lagos são apenas
lugares distintos da água, o caos primordial, as espécies e os indivíduos são
apenas fases distintas de uma mesma matriz: a vida. E através do modelo
29
LEMOS, 1996, p. 53.
79
hologramático, vi como água, Biodanza e vida se expressam de modo
interconectado, dando formas umas às outras.
O eixo central desta monografia foi traçado em torno do elemento água. A
riqueza de possibilidades deste elemento fez com que o tema fluísse em várias
direções, partindo do Modelo Teórico da Biodanza, para outros aspectos
específicos da metodologia da Biodanza: o transe, a fluidez e a carícia. A
seleção desses tópicos se deu a partir de uma escolha, pessoal e subjetiva, de
temas que me pareciam muito claramente “hídricos”. Do mesmo modo, as
associações feitas são embasadas em minhas próprias percepções sensoriais
e cognitivas, ainda que fundamentadas em conceitos teóricos amplamente
difundidos no meio científico. Não excluem, porém, tantas inúmeras
associações possíveis, as quais certamente brotarão dentro de cada um.
Dentre os limites estabelecidos para este trabalho, optei por não abordar
alguns temas específicos tais como as Danças da Água, a Biodanza Aquática e
as categorias de transe, que poderão ser objetos de aprofundamento em
estudos posteriores.
Além disso, é importante ressaltar novamente que não há qualquer
enaltecimento das características ou da importância da água em detrimento a
qualquer outro elemento, e sim apenas um olhar em direção a um tema focal.
Como não há partes sem o todo, não há água sem o universo – todos os entes
são interdependentes no fluxo da vida.
Ao mergulhar no universo da água, entretanto, ficou evidente a infinitude de
espectros que se abrem quando se olha para algo com genuíno interesse e
abertura. Compreendi, de modo vivencial, a visão hologramática do universo30,
teoria segundo a qual o universo inteiro funciona como um holograma, em que
cada uma das partes interpenetra as outras. O princípio hologramático (“holos",
30
Teoria do físico David Bohm,
acesso em http://inconscientecoletivo.net/o-universo-holografico/
80
do grego, inteiro ou todo) apresenta o paradoxo dos sistemas em que a parte
está no todo assim como o todo está na parte.
Cada pequena entidade do Universo reflete o padrão de sistemas infinitamente
maiores, e da própria totalidade – o cosmos. Especificamente em relação à
água, as palavras de Gaston Bachelard expressam bem o conceito: “Uma gota
de água basta para criar um mundo. A água é um embrião; dá à vida um
impulso inesgotável” (Bachelard, 1997, p. 10).
Uma molécula de água, composta por apenas três átomos, contém o todo,
contém a vida. A totalidade do patrimônio genético, por exemplo, está presente
em cada célula. E o que dizer então de um ser humano, em toda a sua
complexidade?
Cada ser é um holograma único, um ente através do qual se pode enxergar
toda a nossa origem comum. Desde os princípios cósmicos de vida, no caos,
passando por toda a evolução da espécie e do indivíduo, um ser humano é a
expressão da multiplicidade da vida e das suas infinitas possibilidades. A
plenitude desta expressão é diretamente relacionada à conexão do ser com o
Todo. A conexão consigo mesmo e com o outro são apenas escalas distintas
da experiência da totalidade, já que todos somos o Todo.
Assim como a água se manifesta como um meio de integração no Universo, a
Biodanza é um caminho através do qual se promovem os vínculos em todas as
dimensões, e que me permitiu ampliar-me em múltiplos sentidos.
Esta monografia reflete minha atual vivência do Todo, espelhada no reflexo do
elemento Água. Mas muito mais do que a riqueza e a diversidade da Água, o
que fundamentalmente se expressa aqui é a beleza e a grandeza da própria
Vida.
81
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