UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
WILLIAM SPINOLA SILVEIRA
“REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO: A TRANSIÇÃO DA
CENA MUDA NO CINEMA BRASILEIRO.”
SÃO PAULO
2010
WILLIAM SPINOLA SILVEIRA
“REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO: A TRANSIÇÃO DA
CENA MUDA NO CINEMA BRASILEIRO.”
Dissertação de Mestrado apresentada à
Banca Examinadora, como exigência parcial
para a obtenção do título de Mestre do
Programa de Mestrado em Comunicação,
área de concentração em Comunicação
Contemporânea da Universidade Anhembi
Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra.
Maria Ignês Carlos Magno.
SÃO PAULO
2010
S591r
Silveira, William Spinola
Representações de gênero: a transição da cena muda no cinema
brasileiro / William Spinola Silveira. – 2010.
148f.: il.; 30 cm.
Orientadora: Maria Ignês Carlos Magno
Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Anhembi
Morumbi, São Paulo, 2010.
Bibliografia: f. 141-147.
1. Comunicação. 2. Representação. 3. Gênero. 4. Cinema Mudo.
5. Cinema Brasileiro. I. Título.
CDD 302.2
WILLIAM SPINOLA SILVEIRA
“REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO: A TRANSIÇÃO DA
CENA MUDA NO CINEMA BRASILEIRO.”
Dissertação de Mestrado apresentada à
Banca Examinadora, como exigência parcial
para a obtenção do título de Mestre do
Programa de Mestrado em Comunicação,
área de concentração em Comunicação
Contemporânea da Universidade Anhembi
Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra.
Maria Ignês Carlos Magno.
Aprovado em: 28/09/2010
____________________________________
Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno.
____________________________________
Profa. Dra. Sheila Schvarzman
____________________________________
Profa. Dra. Tânia Callegaro
“... imagem é psique.”2
Carl Gustav Jung.
2
Segundo citação de: HILLMAN, James. Psicologia Arquetípica. São Paulo: Editora Cultrix,
1988, p. 10.
Dedicatória
Às mulheres da minha vida: Ana Maria e Fernanda.
Agradecimentos
Ao Mestre Marcello, o “Giovanni de Tassara”, que nos idos dos anos
sessenta, deixava perplexas milhões de crianças brasileiras, a buscarem
na sua imaginação como possível seria palitos de fósforos ganharem vida e,
tal qual soldados, marchar, fiat lux., nas telas de TV em puro preto e branco.
Sem saber que entre elas, eu estaria. Quiçá, daí, meu gosto curioso pela
publicidade, pelo comercial, pelo filme. Ele que por Lilith se enamorou; a este
feliz escravo da paixão e dos saberes, agradeço.
Dos homens, falo de poucos, citando agradecido a Rogério Ferraraz,
Luiz Antonio Vadico, Gelson Santana e Vicente Gosciola, sempre interessados,
sempre disponíveis, corretos.
Agradecer a Bernadette Lyra, igualmente devo. Ela que a todos ilumina
generosa, com sua contagiante vontade e disposição pela vida e por dividir
conosco o conhecimento, o degustar de saberes, atenta, despretensiosa.
A ela faço unir Sheila Schvarzman , que tantos recursos me emprestou
e conhecimentos ofereceu. Então, como a que montar trilogia, falar
da professora Maria Ignês Carlos Magno, a me orientar caminhos, sem limitar
horizontes e estilo. Que soube ler minhas dúvidas, partilhar as agruras
e encaminhar meus parcos saberes, um obrigado muito especial.
A esse conjunto de pessoas, chamado Mestrado de Comunicação,
que desde a primeira vez, maravilhado, intui e nominei, a reconhecer como
se raça fosse: a dos “Homus Amabiles”. Agradecer a todos, pelo nome de Ilka
Moya, sua digna representante, o faço.
De outra trilogia quero falar, em tom ainda mais alto A dos sempre
amados. Menuxa, que na história buscou abrigo aos seus questionamentos e
que sempre os partilhou comigo, quando apoio preciso; lá estava e estará.
Abraço amigo, sentir irmã, saberes largos e profundos. A Zulmira e Albery ,
meus pais, por suas escolhas que me permitiram ser e me saber, meu olhar
eterno agradecido.
RESUMO:
Esse estudo tem o objetivo de ampliar as discussões sobre as
representações femininas em um dos campos da comunicação visual – o
cinema –, aos fins dos anos de 1920 e início da década que se seguiria.
Reconhece que, ao lado de documentários, filmes de ficção representam uma
dimensão importante da vida social e dos próprios processos socioculturais de
um determinado período. E, numa perspectiva multidisciplinar, propõe associar
princípios da comunicação e da história ao enfoque de gênero, buscando
identificar os fundamentos da construção cultural das diferenças entre os
papéis do masculino e do feminino. Seu caminho será o de estabelecer
recortes que mais bem definam as diferentes representações femininas em
uma amostra qualitativa de filmes selecionados como indicadores do final de
uma era técnico-narrativa. E, finalmente, procura identificar os propósitos
dessas representações em um momento de importantes mudanças no cenário
brasileiro.
Palavras: Representação; Gênero; Cinema Mudo; Cinema Brasileiro
ABSTRACT:
This
study
has
the
objective
of
increasing
the
discussions
on the feminine representations in one of the fields of visual communication the cinema - to the late 1920s and beginning of the decade that followed.
Recognizes
that,
along
with
documentaries,
fiction
movies
represent
an important dimension of social life and of the socio cultural processes
of a given period. And in a multidisciplinary perspective, it proposes to associate
the principles of communication and history to the focus on gender,
trying to identify the fundaments of the cultural construction of the differences
between the roles of male and female. Its path will be to establish approaches
that better define the different representations of women in a qualitative
sample of films selected as indicators of the end of an age-technical narrative.
And finally, attempts to identify the purposes of these representations
at a time of important changes in the Brazilian scenario.
Key-words: Feminine Representation; Gender: Silent Film; Brazilian Movies
LISTA DE FIGURAS
Braza Dormida
55
Figura
Cena
Descritivo
Página
1
1
O cenário metropolitano
54
2
2
Figurino de protagonista
54
3
3
Questões
55
4
4
O passeio público
55
5
5
A busca
56
6
6
Na massa, as minorias.
56
7
7
Nas patas, a sorte.
57
8
8
Adornos
57
9
9
Compromisso pagão
58
10
10
Lembranças
58
11
11
Lembranças
59
12
12
Lembranças
59
13
13
Contornos
60
14
14
Contornos
60
15
15
Contornos
60
16
16
Classificado
61
17
17
Novas companhias
61
18
18
Em roda
62
19
19
Braços abertos
62
20
20
Pecados e pecadores
63
21
21
Pecados e pecadores
63
22
22
Pecados e pecadores
63
23
23
A força do bem
64
24
24
A escrita do mal
64
25
25
Mensagem
65
26
26
Escândalo
65
27
27
Desconhecido
65
28
28
Incondicional
66
29
29
Escapes
66
30
30
O valor da rosa
67
31
31
O brinde
67
32
32
Surpresa aos ouvidos
68
33
33
Aos olhos do dono
68
34
34
Corpo a corpo
68
35
35
Sobrevida
69
36
36
A César
69
37
37
Passaportes
70
Fragmentos da Vida
76
Figura
Cena
Descritivo
Página
38
1
Indefesa
76
39
2
A tudo vê
76
40
3
Destino certo
77
41
4
Caçador e caça.
77
42
5
Dominador e dominada.
78
43
6
Em seus lugares
78
44
7
Agradecida
79
45
8
Dívida
79
46
9
Insucesso
80
47
10
Distância
80
48
11
Intervenção
81
49
12
A despedida
81
50
13
Apraz
82
51
14
Sinais
82
52
15
Doce utopia
83
53
16
A fé une,
83
54
17
revela,
84
55
18
relembra
84
56
19
reprime e redime.
84
Lábios sem Beijos
88
Figura
Cena
Descritivo
Página
57
1
O cenário
88
58
2
complementação
88
59
3
O Tutor do comportamento
feminino
60
4
Face a face, a
protagonista
89
89
61
5
A reprimenda
90
62
6
O desafio
90
63
7
Apelo ao compromisso
91
64
8
Relações clandestinas
91
65
9
Paixão e aventura
92
66
10
Paixão e aventura
92
67
11
Zangadinho
92
68
12
Primeiro encontro
93
69
13
Espaços
93
70
14
Supremacia
93
71
15
Recuo
94
72
16
Entre mulheres
94
73
17
Decreto
95
74
18
O reencontro
95
75
19
Hiato
96
76
20
Surpresa
96
77
21
Limites
97
78
22
Permuta masculina
97
79
23
Namoro
98
80
24
Enamorados
98
81
25
Dúvidas
99
82
26
O beijo
99
83
27
Identidade
100
84
28
Dilema familiar
100
85
29
A tragédia
100
86
30
O drama
101
87
31
Vingança
101
88
32
Mentiras
102
89
33
O outro lado da moeda
102
90
34
Miragem
102
91
35
A confissão
103
92
36
A mensagem
103
93
37
O imaginário
104
94
38
Revelação
104
95
39
O real
105
96
40
Na direção
105
97
41
Espelho
106
98
42
A decisão
106
99
43
O resgate
107
100
44
Mais surpresas
107
101
45
Perplexa
108
102
46
Esperança
108
103
47
Certeza
109
104
48
Ao som das cascatas
109
105
49
Balelas
110
106
50
Nas coxias
110
107
51
Amor verdadeiro
111
Mulher
116
Figura
Cena
Descritivo
Página
108
1
Defensivas
116
109
2
Ordem padrasta
116
110
3
Aparências
116
111
4
Prover
117
112
5
Entre olhos
117
113
6
À lida
118
114
7
Arrumar
118
115
8
Louças
119
116
9
Roupa lavada
119
117
10
Pernas
120
118
11
A focar
120
119
12
A espreita
120
120
13
Prazer sedutor
121
121
14
Olhares estrangeiros
121
122
15
Ombro amigo
122
123
16
Senhor dos sonhos
122
124
17
Frágil razão
122
125
18
Obscuro sedutor
123
126
19
A chantagem
123
127
20
Pálida resistência
123
128
21
Portas se abrem
124
129
22
Coração e alma
124
130
23
Seduzida
124
131
24
Acorde infeliz
125
132
25
Reação de rejeitado
125
133
26
Altar caído
125
134
27
Aos braços da mãe
126
135
28
Protegei
126
136
29
Braços atados
126
137
30
Sem eira, nem beira
127
138
31
Abraço amigo
127
139
32
Doação ímpar
128
140
33
Porto conhecido
128
141
34
Entre outros altares
129
142
35
Torpes olhares
129
143
36
Ledo engado
130
144
37
Altar.
130
145
38
Gastando sola
130
146
39
Entre Evas e Liliths?
131
147
40
Quarto de mulheres
131
148
41
Sem ilusão
132
149
42
Passaporte em bastão
132
150
43
Sem opção
132
151
44
Assim se espelha
133
152
45
Desmaio providencial
133
153
46
Providencial abraço
134
154
47
Falas
134
155
48
Fora de jogo
135
156
49
Amargores
135
157
50
Reconhecendo
135
158
51
Declaro
136
159
52
Felizes para sempre.
136
LISTA DE QUADROS
Quadro I
Censo populacional das cidades de
Cataguases, São Paulo e Rio de
Janeiro. 1920
p.
38
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1
CAPÍTULO I
Imaginário
cinematográfico
e
representações de gênero.
1.1. As
matrizes
históricas
11
da
representação feminina.
13
1.2. O cinema como fonte de estudo das
representações femininas.
20
1.3. As representações de gênero no
cinema.
CAPITULO II
24
Uma tela em mutação: Alteração do
cenário brasileiro.
2.1
30
Os desafios da modernidade: a mulher
e a busca do controle social.
31
2.2. Os
dados
reais
da
situação:
distribuição de homens e mulheres.
35
.
2.3
Recortes na historiografia do cinema
nacional.
CAPÍTULO III
44
Janelas de um tempo – Análises dos
filmes.
48
3.1. a. BRAZA DORMIDA (1928)
52
3.2. b. FRAGMENTOS DA VIDA – (1929)
73
3.3. c. LÁBIOS SEM BEIJOS - (1930)
86
3.4. d. MULHER – (1931)
113
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
138
FONTES E
BIBLIOGRAFIA
141
ANEXOS
Fichas Técnicas Completas dos filmes
148
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem por objetivo primordial o estudo relacional
de figura(s) feminina(s) em filmes de ficção produzidos em três distintos
núcleos de desenvolvimento da produção cinematográfica nacional: as cidades
do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Cataguases (MG). Seu recorte temporal
situa-se entre o final da década de 1920 e início da que se segue.
Se sustenta na interdisciplinaridade, buscando em métodos da história,
da psicologia social, da comunicação social e da antropologia, entre outras
áreas do conhecimento, a construção de um arcabouço teórico indispensável
para a decodificação de suas mensagens e possíveis leituras.
A eleição do estudo de filmes de ficção ou de sucessivas imagens
em movimento sustentadas por um roteiro previamente determinado pressupõe
que a transmissão de mensagens imagéticas possa suprir, com sucesso,
lacunas de comunicação em uma sociedade profundamente demarcada
pelo analfabetismo e pelos altos números da imigração estrangeira.
Nesse contexto, a representação física da mensagem pretendida associada
à diversão, pois que o cinema tem em si mesmo esse objetivo, afigura-se como
meio
pedagógico
ideal
na
construção
de
papéis
de
gênero,
em um momento em que aos valores de uma acanhada sociedade rural
se opunha uma efervescente e mal assimilada modernidade urbana.
Reconhece-se, de imediato, que o cinema, sem excluir o imaginário,
graças ao seu diferenciado e abrangente arcabouço físico traz, entre outras,
uma nova dimensão estética, de olhar, de representação, de identificação,
de
espaço
corpóreo
e
privado,
de
extracorpóreo
e
extradomiciliar.
Ele escancara as portas do mundo à mulher analfabeta ou semianalfabeta,
ilustrada nos limites do ser olhada sem se olhar, sem reconhecer seu corpo,
suas expressões e suas necessidades. E, como se espelho fosse,
permite desmistificar e encarnar o conceito reproduzido, desejado e aceito,
dos papéis de gênero (o feminino e o masculino) nas diversas situações
do cotidiano.
No que se refere ao trabalho, por exemplo, ilustrava como era bem mais
nítida a separação entre os sexos. Uma discutível afirmativa sobre as distintas
e inerentes condições naturais ou inatas dos indivíduos definiu o espaço
público como masculino e o privado – o domicílio – como o ambiente feminino.
Algumas atividades ali realizadas, necessárias à reprodução diária da família,
como lavar, passar, cozinhar e limpar, tomar conta dos filhos e os cuidados
com a saúde foram entendidas como próprias das mulheres. Subtendia-se
que elas as executavam por instinto, sem um necessário aprendizado e sem
maiores esforços.
Fechando o círculo do espaço doméstico, exaltava-se a figura
do provedor. Naturalmente mais bem preparados para os desafios próprios
da acirrada competição no mercado de trabalho, os homens eram
encaminhados às escolas e/ou aprendiam enquanto realizavam as tarefas
pertinentes a cada atividade. O exercício da profissão masculina foi assim
valorizado. A escolha dessa última dependia, evidentemente, do estrato social
ao que pertencia cada individuo. Não por acaso, entre as camadas sociais mais
bem aquinhoadas, as famílias procuravam garantir para seus filhos o acesso
a uma educação que lhes permitissem adotar o título de doutor, mesmo que
esse tratamento fosse uma mera cortesia social.
Essa era, apenas, uma diferenciação inicial que aqui se observava entre
o gênero masculino e o feminino. Por serem criadas no interior do ambiente
doméstico, sob a estrita vigilância materna e autoridade paterna, obedecendo
a uma hierarquia de valores morais subscrita pelo catolicismo, subtendia-se
que, sempre ocupadas, as mulheres jovens teriam seus naturais instintos
sexuais controlados e sublimados. Tal exigência não se estendia de maneira
tão rígida, porém, aos homens jovens de uma mesma família. Destes
se perdoava, como se inevitável fosse, ou até mesmo se esperava, a iniciação
sexual antes do casamento.
Os jogos de sedução – o flerte, o namoro e o casamento – constitui,
porém, um dos símbolos de uma sociedade urbana e, embora sujeito a regras
de conduta, um espaço inerente à modernidade. Passo a passo, avanços
e recuos, a escolha de seu cônjuge começa a ser realizada pelo indivíduo
diretamente
interessado.
O
amor
torna-se
uma
emoção
valorizada
na constituição de uma nova família. No entanto isso não significa que,
de imediato, a supervisão e aprovação paterna houvessem sido desprezadas.
Longe disso. A seleção do (a) companheiro (a) não é feita ao acaso.
Valorizam-se as redes de solidariedade, os laços familiares e as perspectivas
de independência econômica do novo casal. E, para tanto, cabe a figura
paterna garantir que a escolha deva ser realizada entre indivíduos do mesmo
estrato social.
Nesse sentido, a cidade oferece inúmeras oportunidades. Diferente
dos limites estreitos de convívio social observados numa sociedade tipicamente
rural, ela permite uma maior circulação de novos conceitos, novas ideias,
e novos comportamentos. Evidencia o eterno confronto de definição de limites
entre gerações sucessivas. O embate entre tradição e modernidade torna-se,
aqui, muito mais acirrado. Assim o fazendo, oferece claras oportunidades
de análise para um observador. E, dentre estas, utilizar filmes de uma época
selecionada como a principal fonte documental de pesquisa permite
a realização de um recorte cronológico que possa dar conta de alguns
fundamentos e mudanças referidos anteriormente.
Trata-se, em resumo, de discutir, via imagens contemporâneas em
movimento, o significado de uma modernidade brasileira que se traduzia pela
efervescência reformista de um período caracterizado pelas discussões sobre
a especificidade nacional e pela necessidade de incorporar um enorme
contingente de estrangeiros que mal falavam a língua portuguesa. E, ainda,
marcado
pelo
fim
do
ciclo
da
economia
cafeeira,
pelo
impacto
da industrialização que se instalava, por sucessivas medidas de reformulação
da paisagem urbana, notadamente nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo
e, na representativa Cataguases, a fechar um contexto de propositura
de análise, pelo controle das massas populares que, na saída do campo para
a cidade, se engajaram nesse processo, para o que se evidencia:
“(...) quando em 1910, meus pais vieram residir em Cataguases,
já encontraram uma cidade civilizada, de indústrias numerosas,
comércio sólido, instruída e liberal. Havia uma liberdade política
e religiosa de fazer inveja a outros municípios da Zona da Mata,
3
não menos importantes. (...)” .
Cidade, tida e dita como interiorana, mas, cuja representatividade, quer
ao modernismo, quer ao cinema 4, como se oásis fosse, possa iluminar nosso
olhar sobre um Brasil que também se modificava fora dos grandes centros
urbanos. E que, na área social, promovia intensos debates sobre a redefinição
da família brasileira e, dentro dela, dos papéis sexuais de seus homens
e mulheres. Consubstanciado pela promulgação do Código Civil, de 1916,
esse novo ordenamento social encontrara suas raízes na sociedade patriarcal.
Com poucas
alterações
substantivas,
ele
seria
a
matriz
referencial
do casamento indissolúvel, dos direitos e deveres do marido e da esposa,
dos filhos, da distribuição da herança e de todas as outras questões relativas
à constituição da família, entendida, então, como a célula primária e natural
da nação.
Uma ordem social fundamentada, em seu aparato jurídico, pela natureza
e pelos papéis sexuais que ela teria determinado desde os tempos imemoriais
para homens e mulheres. Em nome da família e de sua proteção optou-se pela
manutenção da tradição milenar, definindo-se que, devido a características
inatas como arrojo e força física, aos homens competiam o prover e o domínio.
Às mulheres, “dóceis e frágeis”, cabia a submissão ao chefe do domicilio.
Corresponderia esse modelo a uma legitima representação social? Ou seria ela
uma construção histórica, fundamentada na natureza (fisiologia), que traduziria
relações de poder? Ou teria sido este um meio adequado de interiorização
de uma mensagem que, usando uma nova roupagem, reafirmava valores
tradicionais?
Para responder essas questões optou-se, de início, pela análise
de filmes produzidos na terceira fase do cinema nacional (1922-1933),
adotando-se a classificação de Paulo Emílio Salles Gomes, autor da primeira
3
RUFFATO, Luiz. Os ases de Cataguases: uma história dos primórdios do Modernismo.
Cataguases: Instituto Francisca de Souza Peixoto, 2009, p. 28. A citar declaração testemunhal
de Humberto Mauro.
4
Que, em três de março de 1926, exibe “Na Primavera da Vida”, inaugurando o primeiro longa
de direção de Humberto Mauro.
tentativa de periodizar sua historiografia.5 Reconhece-se que questionamentos
levantados por outros historiadores do cinema brasileiro sobre a pertinência
dessa periodização, realizada sob a perspectiva da produção, apenas reforçam
o seu caráter pioneiro. E, como tal, não impediriam a adoção desse marco
temporal que era, evidentemente, o que melhor correspondia ao momento das
profundas transformações sociais que a sociedade brasileira conhecia e que
estão referidas anteriormente.
No entanto, um balanço da produção desse período mostrou ser inviável
a
realização
completa
dessa
primeira
proposta.
Um
dos
motivos
foi a impossibilidade de recuperar todas as películas então produzidas,
notadamente em função da precariedade do suporte físico utilizado na sua
realização. Outro fator foi a opção pelo detalhamento de mensagens que,
em alguns momentos, demandaram o exame de cada fotograma, formando
uma sequência que mais bem pudesse dar conta de seus possíveis
significados. A saber, o método de análise empregado e o volume
de informações produzido acabaram por exigir uma redução no universo
amostral a ser pesquisado.
A solução encontrada passa, também, pela redução do período desse
estudo. O ano de 1930 foi a data mediana de referência adotada, mas não
a única, por sinalizar algumas das mais importantes transformações daquele
momento. Sabe-se, em primeiro lugar, que naquela ocasião se encerrava
o círculo da Primeira República ou da política do café com leite, a saber,
a predominância paulista e mineira nos destinos da Nação. E ainda que, sob
o impacto da crise da Bolsa de Valores de Nova York, de 1929, a economia
brasileira sustentada pela exportação cafeeira entrava em profunda recessão.
Ou seja, a sociedade brasileira, em seu conjunto, enfrentava desafios
substantivos
que
acarretariam
mudanças
não
menos
significativas.
O fundamental era definir permanências e modificações que esses fatos
determinaram.
5
Ver GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: trajetória do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1980. Essa obra é composta por três ensaios. Panorama do Cinema Brasileiro:
1896/1966, escrito em 1966; Pequeno Cinema Antigo, de 1969; e Trajetória do
Subdesenvolvimento, de 1973. No primeiro deles encontra-se uma proposta inicial de
periodização da história do cinema no Brasil, ao mesmo tempo em que consagra a filmagem de
Alfonso Segreto, em 19 de junho de 1896, como seu marco inicial.
Para tanto, tornou-se necessário a eleição de uma amostragem
qualitativa,
representativa
dos
desafios
e
propostas
modernizadoras
do período. Baseando-se em Paulo Emilio Salles Gomes, Maria Rita Galvão
e Jean Claude Bernardet6, pioneiros no estudo da história do cinema brasileiro,
foi possível determinar, em primeiro lugar, que os núcleos de produção fílmica
estavam, ao final da década de 1920, espalhados por várias regiões do país.
E que esse era, também, o momento em que Humberto Mauro7, considerado
pela crítica especializada como o diretor e roteirista que melhor associava
ficção ao documentário, realizava as suas produções iniciais, em Cataguases
(MG) e na Capital Federal.
Dentre os filmes que, Humberto Mauro, dirigiu e roteirizou, destaca-se
aqui “Braza Dormida”, de 1928, por permitir uma rica leitura da representação
contida do interior em contraposição aos valores entendidos, então, como
progressistas da cidade do Rio de Janeiro. Ou de uma situação de confronto
entre o tradicional e o moderno, mediado pelos valores do trabalho
e a intermediação dos mais velhos na educação dos mais jovens, resgatando
o destino dos protagonistas, claramente caracterizados como pertencendo
às camadas mais abastadas da sociedade.
Dele também é a direção de “Lábios sem Beijos”, de 1930, cujo roteiro
e produção inicial são de responsabilidade de Ademar Gonzaga.8 A cidade do
Rio de Janeiro marcada pelo contraste entre símbolos da modernidade – o
espaço público – e o tradicional – o recolhimento do ambiente domiciliar e de
redes de solidariedade – é o lócus da produção. Distingue-se como marco
referencial para os estudos de gênero por trazer uma mulher como o ponto
focal do roteiro. Em torno dela, de suas amigas, familiares e rede de
relacionamentos é que se definem os comportamentos sociais desejáveis nas
relações amorosas entre jovens de “distinção” da sociedade carioca, tida como
a Meca da moda da vida social brasileira.
6
Ver GOMES, op.cit.; GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Crônica do Cinema Brasileiro. São Paulo:
Ática, 1975; e BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro.
Metodologia e Pedagogia. São Paulo: Annablume, 1995.
7
Não obstante reconhecer a sua importância para a historiografia do cinema brasileiro, uma
análise específica da obra de Humberto Mauro, objeto de várias teses e dissertações, foge aos
objetivos desse trabalho. Sempre que necessário, porém, aqui e nos capítulos que se seguem,
na associação entre ficção e documentário, esse assunto será retomado.
8
As informações das revistas da época dão conta desse filme ser um projeto de Ademar
Gonzaga. Face às dificuldades enfrentadas que inclui a substituição da protagonista, Humberto
Mauro acaba por assumir as filmagens.
Entre os selecionados, “Fragmentos da Vida”, produzido e roteirizado
por José Medina, em 1929, realizado na cidade de São Paulo, outro símbolo
nacional de progresso e modernidade. Antecipando os efeitos econômicos
nocivos da crise da bolsa de Nova York, seu roteiro enfatiza a importância
do trabalho e sua correlação com o exercício do destino masculino: o papel
de provedor e protetor. E, em menor escala e por contraste, referenda o fado
coadjuvante e redentor da figura feminina. Não por acaso, as cenas – em sua
maioria – enfatizam o espaço público, pois a marginalidade é o correlato
do individuo sem a dignidade do trabalho.
A completar os propósitos desta dissertação, formando um quarteto
de filmes, selecionou-se “Mulher”, de 1930, dirigido por Otávio Gabus Mendes
e roteirizado por Ademar Gonzaga. Nesse, realizado no Rio de Janeiro e como
o próprio nome indica, observam-se as agruras e desventuras da protagonista,
sujeita aos desajustes econômicos e emocionais de uma família típica
ou tipificada das camadas populares. Diferente das heroínas aqui analisadas,
a associação entre a mulher e o trabalho explicita, aqui, as atividades
domésticas realizadas no interior do domicílio, onde reina inconteste a figura
lasciva do padrasto.
As oportunidades de análise de papéis de gênero nos quatro filmes
acima identificados devem permitir tornar mais clara as diferenças entre
as representações das jovens das camadas populares e as dos estratos sociais
mais favorecidos. Se das primeiras se exigia a execução de alguma atividade –
o trabalho doméstico, pelo menos – para as segundas ficam evidentes o ócio
e a busca de entretenimento. Em comum, porém, todos subentendem
a necessidade de sujeição da figura feminina aos ditames do pai educador
(representado, também, pelo tio ou pelo padrasto) ou do marido protetor.
À figura de um homem que, permanentemente, a mantinha sob a sua guarda
e tutela. Independente do contexto socioeconômico em que está inserida,
a figura masculina está associada à realização de uma atividade produtiva.
Quer seja exercendo atividades de direção ou supervisão, quer seja
um profissional liberal ou, ainda, um trabalhador braçal é o trabalho que
o personagem realiza que lhe garante o reconhecimento social entre os seus
pares. A contrapartida, como se apresenta nas demais obras, é a ausência
de significado: a indignação moral, a marginalização e os destinos trágicos
como a prisão ou o suicídio.
Entre estes cenários se apresentam diversas e enriquecedoras
oportunidades de análise. Dentre atividades típicas do interior às realizadas
na cidade foi possível encontrar, por exemplo, o trabalho realizado em vários
setores da economia – nas tarefas rurais, urbanas e na prestação de serviços.
E, é claro, reafirmam o reconhecimento social do trabalho masculino
em detrimento das atividades femininas realizadas dentro de casa. Em nenhum
momento as mulheres são explicitamente apresentadas como chefes
do domicílio, como responsáveis por si e pelos seus. Embora, em alguns
casos, possam ser as provedoras materiais da família, elas não são sequer
consideradas ou reconhecidas como tal, nem por si ou por terceiros.
Tais afirmativas, ainda que precoces, têm por objetivo reafirmar aqui
a pertinência de adotar o enfoque de gênero – ou dos mecanismos
de construção cultural da diferença entre os sexos – nos objetos da pesquisa
aqui realizada. Se a fonte principal desse estudo são os quatro filmes
supracitados, vale reafirmar que dados provenientes de artigos publicados em
revistas especializadas e em jornais da época permitem uma melhor
compreensão das mensagens explícitas e implícitas que eles transmitem.
Tal cuidado, evidentemente, tem por objetivo evitar possíveis anacronismos.
Definida a amostragem, privilegiando o seu caráter qualitativo, cumpria
sistematizar,
acatando
críticas
e
sugestões
provenientes
do
exame
de qualificação, os parâmetros teóricos e históricos adotados nesta dissertação
de mestrado. Ela será estruturada em três capítulos, seguidas das
considerações finais, como se pretende explicitar nos próximos parágrafos.
Na
elaboração
do
Capítulo
I
–
Imaginário
cinematográfico
e representações, partiu-se de condutos discutidos, analisados e reelaborados
em
estudos
desenvolvidos
no
curso
de
pós-graduação.
Esses encaminharam o entendimento da significância e do significado
do
imaginário
na
arquitetura
da
psique
humana
e
sua
práxis
nos comportamentos e visões culturais. Explicitaram como mitologemas
puderam traduzir ou deixar transparecer as imagens desejadas e demandadas
em cada sociedade, em temporalidades distintas, desde as pinturas rupestres
às telas de LCD. Buscou-se, assim, seu ethos na história, em particular
na historiografia do cinema brasileiro e, no enfoque de gênero, a observação
da construção das diferentes representações de papéis sexuais.
O Capítulo II – Uma tela em mutação: alteração no cenário brasileiro
se propõe a revelar, com inúmeras e complementares fontes de pesquisa,
as possíveis “fotografias” dos cenários de um Brasil perturbado e reativo. 9
De um lado, enquadra as suas emergentes mudanças sociais, culturais,
econômicas, jurídicas, políticas e, em especial, as de enfoque de gênero
em suas representações do feminino e do masculino. E de outro, posterior,
visita o meio cinema como fonte documental em que as interpretações dessas
realidades foram armazenadas e trazidas à memória.
O Capítulo III – Janelas de um tempo: análises fílmicas procura
examinar evidências empíricas da construção cultural das diferenças entre
os sexos nos quatro filmes supracitados: “Braza Dormida”; “Lábios sem Beijos”;
“Fragmentos da Vida” e “Mulher”. Sustenta-se na fonte documental
por excelência – o filme ou a imagem em movimento que traduz o conteúdo
de um roteiro pré-determinado – associando seu estudo aos registros escritos
que, ao longo de cada película, complementam a transmissão das mensagens
visuais. Realiza uma análise baseada na seleção prévia de fotogramas
que podem ou não formar quadros sequenciais, sendo que cada um deles
foi, por convenção, chamado aqui de cena que possa ser contextualizada,
por si só ou de forma agrupada, sem perder de vista a lógica narrativa
do roteiro.
Sob essa perspectiva, a pesquisa e a análise encaminham o estudo
do cotidiano ou de uma redefinição do campo político, frente ao deslocamento
de uma interpretação histórica baseada, preferencialmente, no poder
das instituições publicas, da Igreja e do Estado, para a da esfera do privado
e do domicílio.10 Em um momento de representação das camadas médias
da sociedade brasileira o olhar romantizado de roteiros explicita e amplifica,
9
Segundo citação literal de Francisco Gracioso, Diretor-Fundador e Professor da Escola
Superior de Propaganda e Marketing – ESPM, em aula inaugural da primeira turma
de Pós-Graduação em Comunicação e Marketing, da mesma escola, em março de 1981,
dando conta de que “... é nesse cenário – perturbado e reativo – onde se multiplicam
as possibilidades criativas”.
10
Ver MATOS, Maria Izilda S. de. Por uma história da mulher. 2ª Ed. Bauru (SP): EDUSC,
2000, p. 11.
como se positivos fossem, valores e comportamentos, direitos e deveres,
trabalho e ociosidade, entre outros atributos das camadas mais favorecidas.
Em contraposição, aproximando-se de uma visão mais realista, as camadas
populares são representadas graficamente em tela, como o negativo dessa
mesma sociedade e traduzem a exigência de superação de seu lado mais
obscuro. Duas perspectivas antagônicas e complementares que enriquecem a
discussão e conformam nos papéis de gênero, um espelho pedagógico da
modernidade pretendida.
Capítulo I – Imaginário cinematográfico e representações de gênero.
O cinema é um veículo de comunicação massivo, que funcionou e ainda
funciona como propagador de um mundo idealizado, difundindo modos de ser,
ter e comportar-se, a serem assimilados pelo senso comum de seu espectador
tão rapidamente quanto forem se tornando mais desenvolvidas as tecnologias
que o sustenta.11
Essa sua característica indiscutível – a reprodução de imagens
em movimento – em seus elementos iconográficos e simbólicos, sonorizados
ou não, torna o cinema um rico elemento de análise do ideário
de modernização de determinados períodos. Disso decorrem algumas
das primeiras aproximações para seu estudo: a definição do aparato
tecnológico que o sustenta ou dos meios necessários ao registro de imagens.
Não menos importante, de maneira concomitante, é procurar apreender
a amplitude do impacto das representações que disponibiliza.
Nesse sentido é possível verificar como modelos tecnológicos (e nesse
caso específico – a produção cinematográfica), são capazes de conotar
e auferir distintas significâncias e relevâncias em diferentes temporalidades
e espaços.12 Tornam-se competentes, entre outras importantes concepções,
para alterar em curtíssimo período cronológico (do ponto de vista da história
como ciência), as percepções coletivas, aparentemente pétreas, tais como
corpo, concreto, imaterial, mente. Na constatação, como se exemplo casual
fosse, de que faz parte do imaginário coletivo contemporâneo uma percepção
precípua de força e/ou de corpo, diferentes das interiorizadas no início
da revolução industrial.
Assim, hoje, potencializa a visão de redução do objeto, diversa
da compreendida em um passado próximo, a se fazer superação e sublimação
do potencial tecnológico sobre o concreto. O corpo e o gigantismo (simbólicos
primários de força) perderam, nos tempos da pós-modernidade, da cibercultura
11
Ver CRUZ, Joliane Olschowsky da. Mulher na Ciência: Representação ou Ficção. São
Paulo: ECA/USP, 2007, p. 23. Tese de doutorado.
12
Ver FELINTO, Erick. A Religião das Máquinas. Ensaios sobre o Imaginário na Cibercultura.
Porto Alegre: Sulina, 2005.
e da virtualidade, tal significância em prol da transcendência. Ou, em outras
palavras,
quer-se
ver
na
redução
do
corpo
material
do
objeto
–
na miniaturização ou nanotecnologia – a expressão máxima da divindade
tecnológica. Pois que, mesmo de forma utópica, a infinita redução poderia fazer
com que um aparato tecnológico pudesse transcender sua parte material
e, à maneira de um Pinóquio, humanizar-se.13
E, assim o fazendo, pode ser entendido, tal qual um...
“... demiurgo que produz não apenas novos mundos e seres, mas
que também pode se recriar indefinidamente. Do lado do corpo,
igualmente
se
manifestam
duas
fantasias
essenciais:
desmaterialização e hibridação. A noção de que a consciência
não necessita de uma materialidade para operar é incrivelmente
libertadora”.14
Mais ainda, ousando conotar que a tecnologia e o objeto dela
representante se tornem uno, visto que é o seu “invólucro protetor”
15
e que
só por ele possa ser representada. Tecnologia essa que, igualmente,
só é materializada e/ou tangibilizada na condição sine qua non da existência
de um objeto. A torná-los uma coisa só, prisioneiros entre si na sua
interdependência existencial, condição primária dessa análise. Passa, assim,
a ser extensão do humano, similar a que McLuham 16 preconizara sobre
os meios de comunicação. Que, em superior proposta afirmativa, a de que
o homem enquanto criador ao se mesclar com o objeto tecnológico, agora
humanizado e servil, pudesse se transformar em divindade e, como tal, eterno,
a dominar e a escravizar, ao seu prazer e mando – Cronos.
Essa é uma das intrigantes possibilidades de representação do humano:
seu corpo, seus limites, suas realizações, suas fantasias e, entre tantas outras,
suas infinitas possibilidades de expressão e de domínio nas telas dos cinemas.
Singular simbiose entre tecnologia e imaginação transforma-se em matériaprima da história, propiciando, em diferentes geografias e temporalidades,
13
Ver SILVEIRA, William Spinola. Contribuições ao Imaginário Tecnológico. São Paulo:
Anhembi Morumbi, 2009. Monografia apresentada à disciplina Comunicação e Teorias
do Contemporâneo, no Mestrado em Comunicação. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2009.
14
Ver FELINTO, 2005. Opus cit., p. 48.
15
Termo que define embalagem. Ver RABAÇA, Carlos Alberto & BARBOSA, Gustavo.
“Dicionário de Comunicação”. Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1978, p. 178.
16
Ver MCLUHAM, M. Revolução na Comunicação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
tantas releituras da realidade construída quantas forem as intenções de seus
criadores e os números de suas criaturas, sujeitos/objetos da diversão
e da pedagogia.
1.1.
As matrizes históricas da representação feminina.
No desenvolver dessa pesquisa foi possível constatar, praticamente
desde o seu início, que imagens e ideias estão intimamente relacionadas.
Mudanças, comportamentais ou não, começam na formação de imagens;
novas imagens mentais correspondem a ideias novas ou reforçam ideias
tradicionais.
Assim, como preconiza Cruz, é possível afirmar que por:
“(...) imagens mentais entendemos as imagens que se formam
no cérebro e só verificáveis por um único ator – o que as imagina.
Tais imagens podem ser resultado da interação com o mundo
através dos olhos, criadas no interior da mente que pensa, ou ainda
um hibrido das duas operações, daqui para frente designada
por representação. Dizemos que há comunicação quando o ator
que imagina é eficiente em construir, na mente de um interlocutor,
imagens semelhantes àquelas que estão em sua mente. Isto requer
o domínio de um código específico por parte do emissor
da mensagem, o ator que imagina. Para comunicar oralmente ou por
meio da escrita o código é a língua partilhada pelos atores, além
da tradução das imagens para esta língua”.17
Logo, como passo anterior ao estudo da imagem em movimento –
o cinema, exterior aos indivíduos que são receptores das mensagens que
ele transmite, torna-se imperativo um primeiro recorte epistemológico; trata-se
de reconhecer as diferenças entre o processo de pensamento racional, próprio
de cada indivíduo e sua representação e assimilação no âmbito do coletivo.
Ou colocando em outros termos, sabe-se que:
“cada cultura engendra e põe em circulação seu modo de ver,
costumes, permissões e interdições através de representações
17
Ver CRUZ, 2007. Opus cit., p. 29. Grifos da autora. Embora se reconheça a importância
de distinguir a diferença entre o processo de construção do pensamento individual para
o do coletivo, diversidade que mais bem pode ser explicada pelas teorias da psicologia social,
é nas representações sociais coletivas que se concentra o foco dessa análise.
quase tangíveis, entendidas e partilhadas e ainda cuidadas pelos
18
indivíduos de cada grupo”.
E para se estudar como as ideias são partilhadas socialmente
em blocos de significado coerente e resistente a mudanças, a teoria
das representações sociais é um importante referencial.
Da psicologia social emerge, assim, a noção de representações sociais
entendidas como um fenômeno, em seu aspecto dinâmico de mecanismos
mentais mobilizados constantemente na função de isolar uma percepção sobre
determinada coisa e de criar um sistema de conceitos que a explique –
os sistemas de referência.19 Corrobora e complementa essa proposição geral
trazendo-a para mais perto do objetivo dessa pesquisa, a afirmativa de Luiz
Antônio Vadico referindo-se ao potencial imaginativo do cinema, como uma
expressão própria da tecnologia, e para quem:
“... como tudo que diz respeito ao Tempo, o imaginário criado
a respeito destas viagens no cinema é constituído de fortes
componentes sociais e históricas.”20
A este caldo somam-se as não menos significativas e substantivas
análises de Alfred Adler, Carl Gustav Jung e James Hillman, que, entre outros,
tornam a questão da representação ainda mais aguda ao fornecer alguns
dos primeiros indícios de diversidade e ao conotar diferentes concepções
metafóricas relativas ao homem e a mulher, desde os idos da antiguidade.
“A consciência humana falha, de acordo com a psicologia baseada
na alma, porque a natureza metafórica da alma tem uma
necessidade suicida (Hillman1964), uma afinidade com o mundo
das trevas (Hillman 1979 a), uma morbidez (Zigler 1980),...aquele
sentido de fraqueza (Lopez-Pedraza, 1977,1982), de inferioridade
(Hillman 1977c), de mortificação (Berry1973), de masoquismo
18
Idem, p. 31. Grifo da autora.
Idem. A autora sustenta seu estudo adotando a teoria de representação social, apoiando-se
em Moscovici, como se pode observar na p. 42 e seguintes.
20
Ver VADICO, Luiz,“ A „Viagem no Tempo‟ Através de Suas Mediações. Um Panorama sobre
o Surgimento e Evolução do tema através da Literatura e do Cinema”. Texto disponível em
http://www2.anhembi.br/publique/media/mestrado_comunicacao/viagem_no_tempo.pdf
e acessado em 21/07/2008. Meu grifo.
19
(Cowan 1979), de escuridão (Winquist 1981) e de fracasso (Hillman
21
1972b) é inerente ao método metafórico em si.”
Levando-se
em
conta
esses
recortes,
observa-se,
também,
que as concepções metafóricas relativas ao gênero feminino teriam sido
amalgamadas no contexto da família, sob o poder paterno que acompanha
sempre a autoridade marital.
Sua origem remontaria aos textos sagrados
dos Vedas, Árias, Brâmanes e Sutras para os quais a família é considerada
como grupo religioso sob a chefia paterna. 22 No contexto familiar, a mãe
é uma figura relativa, concebida em relação ao pai e ao filho, delas reflexa,
como que a requerer trilogia. Pouco, ou quase nada, se fala sobre
a sua situação de mulher dotada de aspirações próprias que nada possa
ter a ver com a do marido ou filho. Essa é a realidade social na qual ela
foi inserida. Na qual a sua existência só é referendada à exata medida que
se presta a complementar e/ou atender as significativas existências
dos demais.
A figura paterna, por sua vez, tem funções sociais e jurídicas
plenamente
reconhecidas.
Encarregado
de
velar
pela
boa
conduta
dos membros do grupo familiar (mulheres e crianças) e, como o único
responsável por suas ações frente à totalidade da sociedade, tem o direito
absoluto de julgar e punir.
Tais pressupostos também ficaram transparentes na cultura grecoromana 23 e na judaico-cristã. No primeiro caso, baseado na natureza, o legado
aristotélico considerava que o homem personificava o divino – a forma – sendo
sinônimo de pensamento e inteligência e a mulher o princípio negativo –
a matéria – cuja única virtude era vencer a dificuldade de obedecer. 24
No segundo, dois textos bíblicos, minimizando o discurso igualitário de Cristo,
21
Ver HILLMAN, James. Psicologia Arquetípica. São Paulo: Cultrix, 1988, p. 47/8.
Ver BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado. O mito do amor materno. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1985, p. 25 e seguintes. Trata-se de estudo polêmico que procura desmitificar,
sob ótica multidisciplinar, o caráter inato e natural do amor materno. Como tal, contribuiu
decisivamente para os avanços de estudos políticos das diferenças entre o feminino
e o masculino.
23
Idem, p. 29. Segundo Badinter, Aristóteles pensava que a menstruação era a matéria a que
o esperma dava a forma. A inteligência, virtude da humanidade, só era transmitida, portanto,
pelos homens.
24
Idem, p. 32. Em citação atribuída a Aristóteles.
22
também trouxeram sérias consequências para as mulheres. Do Gênesis
sobressai a eterna traição feminina e sua responsabilidade pelo pecado
original. Da Epístola aos efésios, a recomendação catequista de São Paulo
pressupõe esclarecer a igualdade entre pessoas que não são idênticas,
identificando uma hierarquia e convocando, gentilmente, as mulheres
a se sujeitarem aos seus maridos.25
Essas concepções carregam, como se indissolúveis fossem, desde
aqueles tempos imemoriais e pelos espaços dentro e afora, a eterna sina
das mulheres. Traduzem suas mais pérfidas e terríveis virtudes, que pudessem
transparecer dissimuladas, tal como em um retrato de Dorian Gray, se ousado
fosse descortinar. Um quadro impuro e obsceno cujo olhar masculino devesse
desviar e não pactuar. Pois que, o Masculino é o Espírito, a Montanha, a Luz 26,
a Força, o Superior, o Destro. A se fazer repetir, inclusive, desde os vitorianos
olhares, ao recitarem o Eclesiastes 25, entre outros versículos, que “toda
maldade é pequena se comparada à maldade da mulher: que a sorte
do pecador recaia sobre ela” e “foi pela mulher que o pecado começou,
e é por causa dela que todos nós morremos”. 27
Ao reconhecer, portanto, as infinitas possibilidades de associação entre
tecnologia e imaginário, o enfoque de gênero tornou-se uma exigência dessa
análise, a se fazer filtro de sua visão construtiva, quando revisitadas foram
as culturas que contribuíram na fundação do que fosse o entendimento
das representações do feminino e do masculino. Fez-se necessário retornar
aos idos dos períodos “Aurignaciano” e “Gravettiano”28
para assistir
a uma visão de igualdade entre os sexos, aos tempos de preponderância
da procriação e perpetuação da espécie humana. Um elemento fundamental
para a melhor compreensão das diferenças que se seguiriam.
25
Idem, p. 35.
“Roubada” de Lilith, que mantém uma ligação com a palavra grega law, que é relacionada
com lux (latim), light (inglês), licht (alemão), dando uma idéia de luz, ou ver com uma visão
penetrante, ver à noite, libertar-se da obscuridade.
27
Ver Bíblia Online Canção Nova, Eclesiástico 25. Os versículos 12 a 26 se referem,
genericamente, aos necessários cuidados/precauções a serem tomados pelos fiéis no trato
com a mulher. Texto acessado em 02/07/2010 e utilizado nos dias atuais.
28
O período Aurignaciano situou-se entre 34.000 e 30.000 a.C., evoluindo na Ásia Ocidental
ao norte, à Mesopotâmia, ao Afeganistão e a Europa Ocidental. Cultura esta, que foi base
da Gravettiana (30.000 a 25.000 a.C.), que se estendia ao sul da Rússia à Europa Central,
percorrendo Espanha, França e Itália. Povos caçadores de mamutes e artistas, habitando
em moradas ao ar livre.
26
E, ainda, voltar à remota era babilônica, contemporânea à primeira
cidade, em geografia que fez rascunhar os escritos das prostitutas, filhas
fecundas do anonimato, do agrupamento humano, das primeiras moedas, onde
encontraram ventre e habitat. A navegar, então, entre os rios Tigre
e o Eufrates, a caminhar pelos relevos gregos e romanos, territórios onde
se fundam os alicerces da história e da tradicional cultura ocidental, aqui
notadamente, as que fundamentaram a também chamada cultura brasileira
em seu espectro mais amplo. E recuperar, em terrenos e tempos
que se construíram as concepções iconográficas e psicológicas das primeiras
mulheres, a saber, de Lilith e sua provável sucessora, mas certamente
contradita Eva.
Tratava-se de apreender imagens dos tempos primevos que puderam
fazer conotar e desconstruir o que pudesse ser obsceno na figura de Eva;
a ressaltar que obsceno, citando Hyde, é uma corruptela do vocábulo scena,
que em seu significado literal é “fora de cena”, ou seja, aquilo que
não se apresenta normalmente na vida cotidiana.29 Aquilo que se esconde
ou que se encontra nos traços da personalidade de Lilith em suas diversas
representações, oferecendo sustentação aos ditos de Jung – “...imagem
é psique.”30 Assim, ao analisar as imagens das representações de um gênero,
caberia uma leitura relacional dos pensares do seu dicotômico, tal e qual
considerar o côncavo pelo seu convexo.
A dualidade entre as figuras de Lilith e Eva não daria conta, porém,
de novas necessidades de representações do gênero feminino na construção
de seus inerentes papéis sociais. Embora muitos autores considerem e ainda
ponderem que eles são essencialmente duais.
“Nas representações da tecnologia podemos perceber o mito
da natureza dual da mulher como mãe-virgem, neutra e obediente,
31
ou vamp-prostituta, ameaçadora e fora de controle”.
29
Ver RAMOS, Fernão Pessoa. Teoria contemporânea do Cinema. V. I e II. São Paulo:
SENAC, 2005, p.18. Citando Hyde, 1973, p.12.
30
Segundo citação de: HILLMAN, James. Psicologia Arquetípica. São Paulo: Editora Cultrix,
p.10
31
Ver HOLLANDA. Heloísa (org). 3. Quase Catálogo. Estrelas do Cinema Mudo. 1908-1930.
Rio de Janeiro: Ciec, 1991, p.11.
Uma observação redutora, pois o senso comum indica que a figura
de mãe nem de longe pode ser considerada sempre obediente e, muito menos,
neutra. Constituem papéis femininos que, como camisas de força, foram
circunscritos pela supremacia masculina: o patriarcalismo – um conjunto
de regras autoritárias aplicáveis a toda sociedade – e o machismo –
a expressão individual dessa pretensa superioridade. E, paradoxalmente,
sustentados pela efetiva participação das mulheres que, como mães
e educadoras, se tornaram dentro do domicílio, retransmissoras de valores
“naturais” de domínio e submissão previamente definidos pelo sexo
do individuo.
Séculos
após
com
o
advento
do
cristianismo,
em
meados
dos novecentos, a imagem de Maria, a virgem que intermedia o sagrado
e o profano, são reforçados como uma terceira via que, se não refunda a
família, lhe confere os decisivos contornos do catolicismo. E, ao retomá-la,
evidencia pela submissão aos desígnios do pai e a dedicação ao filho, uma
santidade que a opõe a demarcar qual ferro quente, o diferencial dos pecados
de Eva. Torna-se uma entidade fundamental, que houvesse catalisar ou servir
ao pensamento autoritário da Igreja Católica e do Estado Nacional. Instituíramse, assim, pelo menos, uma tríade, de personas a cumprir seus diferentes
papéis sexuais, sociais, culturais, políticos, e ideológicos. Constituíram
arquétipos a serviço da manutenção do status quo masculino.
Corroboram com esta trivial configuração de modelares imagens
de
mulheres que
se
prestariam fantoches,
nas relações de
poder
pelo orquestrar masculino às assemelhadas, como que por um descuido,
as três formas milenares de se relacionar com o mundo. Lilith, indo contra
o
mando
masculino
na
busca
de
dominação
e
de
poder,
no questionamento/embate ao antropocentrismo de seu gênero oposto.
Eva ou, como querem alguns, Pandora, a se esquivar, a evitar o confronto,
na criação de um mundo introspecto, recusando a busca do conhecimento
e acatando a responsabilidade pelas mazelas sociais. Por fim Maria,
em direção às pessoas, na submissão, na busca de filiação, maternidade
e afeição, elo entre o eterno e o mortal.
Compuseram um cenário dinâmico que se fez alterar, em meados
do século XIX, quando pensadores europeus, ofereceram visão a um novo
direcionamento às representações femininas, ao se fazer observar, tal qual
em citação literal de Peter Gay para quem, segundo Lecky:
“(...) o culto medieval da Virgem Maria serviria para elevar a mulher
„pela primeira vez‟ a sua „posição de direito, e a santidade
da franqueza foi reconhecida, assim como a santidade
da dor‟. A mulher „não era mais a escrava ou brinquedo do homem‟
e se elevou, através da Virgem Maria, em „objeto de homenagem
32
reverente‟. Em suma, „o amor foi idealizado‟”.
Muda o olhar, porém, grandes mudanças dificilmente ocorrem de forma
abrupta. Ainda convivem ditames, dando a entrever:
“A notável abundância do século XIX, de pinturas, histórias
e poemas descrevendo mulheres devoradoras de homens atesta
o medo que permeava a cultura burguesa. Havia fêmeas destruidoras
da potência, tomadas de empréstimo da mitologia (...) fatais como
Dalila (...) desejosas de subverter o controle exclusivo dos homens na
esfera pública.”33
Representações perturbadoras a exigir, finda esta dissertação, entre
outras constatações, verificar se nos selecionados filmes e brasileiro cenário,
se fizeram constituir como a trindade de personas imaginárias reunidas num
único corpo feminino. Imagens que serão passíveis ver a seguir, as que como
de melhor tom, Morin nominou Virgem, Vamp e Divina. Mulheres
que serviram, neste ou naquele momento, tal qual um plano de diferentes
formas aos roteiros dos mandatários a inundar o cotidiano. Representadas
no cinema, sustentadas pela ficção ou pelo documentário, elas se prestam
a ilustrar os ditames morais de uma sociedade sexualmente hierarquizada.
32
Ver LECKY, William E. H.. History of the rise and influence of the spirit of rationalism
in Europe. Apud GAY, Peter. A experiência burguesa. Da Rainha Vitória a Freud. O cultivo
do ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.305.
33
Ver GAY, 1995. Opus cit., p. 304.
1.2.
O cinema como fonte de estudo das representações femininas.
Dando sequência a esse estudo faz-se necessário retomar ao conceito
primário de gênero que, por tal condição, é de vital importância à melhor
análise da fonte documental aqui utilizada.34 Ressalta-se, assim, pelos ditos
literais de Ana Maria Ramaglia, no introito de seu Capítulo 1. “Faces do gênero
feminino” que
“Gênero não se limita a sinônimo de sexo, ou seja, enquanto sexo
se refere à identidade biológica de uma pessoa, gênero está ligado
à sua construção social como sujeito masculino ou feminino.
Entendendo gênero fundamentalmente como uma construção social
– e, portanto histórica – teríamos de supor que esse conceito
é plural, ou seja, haveria variações de feminino e masculino... “35
E, ainda, reforça-se esse conceito na especial companhia de Morin que,
ao referir-se ao „star system‟ surgido com o aparecimento do cinema, afirmou:
“Grandes arquétipos polarizam o „écran‟. A virgem inocente
e silenciosa, de grandes olhos crédulos, de lábios entreabertos
ou gentilmente desdenhosos, a vamp, trazida das mitologias
nórdicas, e a grande prostituta, trazida das mitologias mediterrâneas,
simultaneamente distinguem-se e confundem-se no seio do grande
arquétipo da mulher fatal. Entre a virgem e a mulher fatal desabrocha
a divina, tão misteriosa e soberana quanto a mulher fatal,
tão profundamente pura e destinada ao sofrimento quanto a jovem
virgem”.36
Três
representações
complementares,
renegam
distintas,
uma
antagônicas
aparente
simplicidade
e
por
e
dão
vezes
conta
da complexidade paradoxal da figura feminina na cultura cinematográfica.
Como se três notas musicais fossem, a compor infinitas sinfonias. E, como tal,
se transformam em uma rica fonte de observação social.
34
Parte substancial do conteúdo aqui apresentado foi anteriormente desenvolvida
em monografia do curso de Pós-Graduação. Ver SILVEIRA, William Spinola.
Relações de gênero no cinema: representações femininas e o imaginário social. São Paulo:
Anhembi Morumbi, 2009.
35
Ver RAMAGLIA, Ana Maria. A mulher urbana brasileira no mercado de trabalho conforme
revistas Cláudia e Barbara. São Paulo: Anhembi Morumbi. 1999, p. 7. Dissertação
de Mestrado.
36
Ver MORIN, Edgar. Les Stars. Paris: Ed. Galilée, 1984, p. 20. Meus grifos.
Uma primeira aproximação do estudo das representações femininas
no cinema exige, porém, estabelecer uma primária e, aparentemente, óbvia
distinção. Diferente de outras fontes históricas trata-se, aqui, da análise
de imagens em movimento, quase sempre sequenciais, que permitem tanto
a captação da realidade como observada pela câmara – o documentário –
ou como a elaboração de uma narrativa – a produção de um filme definido
em função de inúmeros gêneros cinematográficos que compõem o conjunto
fílmico atual.
Dos curta aos longa metragens, os gêneros cinematográficos podem,
vistos rapidamente, abranger categorias tão dispares como drama, ação,
romance, comédia, animação, guerra, westerns, pornografia (hard e soft core),
ficção científica, cults, entre outros, abordando temas díspares e, com o auxilio
da tecnologia, não a extrapolar os limites da imaginação humana, mas,
sim, definindo seu potencial plausível e momentâneo.
Nesse cenário tão abrangente para maior clareza de análise, torna-se
necessário estabelecer alguns elementos prévios de classificação. 37 Vista
em três tempos, a história do cinema, à semelhança de outras divisões
de temporalidade redutoras, se apresenta dividida em um período clássico,
no qual a narrativa é linear – começo/meio/fim, a narração é atemporal
e apresenta um roteiro lógico, transparente, calcado em arquétipos como
bem versus mal, promovendo destinos extraordinários ao herói, um espetáculo
demarcado e onisciente. Nele não cabem dúvidas, nem questionamentos.
A mensagem é transparente, lógica e absoluta.
Em
oposição,
os
filmes
do
período
moderno
transitam
por temporalidades definidas, ousam mostrar o improviso, as dúvidas,
o relativo, o finito, o ambíguo, e o incerto. Cultuam o anti-herói e o ordinário.
Não por acaso, sofrendo os efeitos arrasadores da destruição, o cinema
europeu no pós-guerra confronta com o neo-realismo, alguns dos valores
37
Segundo, Schvarzman, “... os cortes cronológicos, ciclos ou denominações de período
derivam (...) mais dos movimentos históricos, econômicos e até mesmo da história da arte
do que propriamente fílmicos ou estéticos. Se de 1929 a 1945 se pode falar numa “Maturidade
do Cinema Clássico”, é lógico que a datação, ainda que tome por base a passagem do mudo
para o sonoro, a data coincide também com a Crise de 1929, da mesma forma que 1945,
se marca o final da 2a. Guerra marca também o surgimento do neo-realismo”.
Ver SCHVARZMAN, Sheila. Historia e historiografia do cinema brasileiro: objetos
do historiador. Revista Especiaria. Universidade Estadual de Santa Cruz, Bahia, 2008, p. 9/10.
intrínsecos ao pensamento clássico: honra, desapego, altruísmo e heroísmo
estão entre os valores questionados.
Indo além, no cinema pós-moderno observa-se a enorme influência
da cibercultura ou, colocando de outra forma, como o cinema se apropria
da sua representação. Uma afirmativa aparentemente simples que, segundo
Meneses, se traduziu na procura de novos parâmetros e instrumentos
de análise que articulam esforços da sociologia, antropologia, filosofia,
semiótica, psicologia e psicanálise, comunicação, cibernética, ciências
da cognição.38 Tempo e espaço tornaram-se dimensões redutoras da hiperrealidade almejada e como tal foram abandonados em função das novas
possibilidades
da
destemporalidade
e
do
desespaço.
O
cósmico
–
nova fronteira do conhecimento, vivência a superação das limitações humanas
– é o referencial.
Um breve levantamento dos recursos tecnológicos empregados
na elaboração de um filme mais bem dá conta da distinção entre os três
períodos supracitados. A iluminação avança do jogo de luzes, passando pelo
contraste entre a luz e a sombra até chegar à escultura da luz. Das primeiras
fitas magnéticas à digitalização, a captura das imagens concretas passou
pela
montagem,
pelo
corte
até
atingir
a
trucagem ou
a
inserção
de imagens digitalizadas por computadores. A sonorização, por sua vez,
evoluiu da função co-narrativa, passando pela de ambiente, até chegar
ao imagético. Com o emprego da cibercultura a imaginação estabelece
na indústria cinematográfica o limite da realidade plausível.
Dada essa enorme diversidade, como diria Meneses, o tratamento
do visual e, nesse caso, da cinematografia, exige integrar três modalidades
de tratamento analítico: o estudo do filme ou documento visual como registro
produzido pelo observador; o documento visual como registro ou parte
do observável na sociedade observada; e, finalmente, a interação entre
observador e observado.39 Tais cuidados se fazem necessários, pois não estão
38
Ver MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “Fontes visuais, cultura visual, História visual.
Balanço provisório, propostas cautelares”. Revista Brasileira de História. Vol.23, nº. 45.
São Paulo: ANPUH, 2003, p. 12. Texto disponível em http://www.scielo.br/rbh.
39
Opus cit., p. 6.
apenas vinculados à mudança social, ao dinamismo da vida social,
às indústrias da ilusão, à comunicação de massas, e semelhantes.40
É o ponto de partida para temas vinculados à cibernética com as radicais
alterações que introduziu, ao final do século XX, com a imagem virtual.
Esta chamou a atenção para dois aspectos que certamente passarão
a integrar, daqui por diante, toda proposta de estudo de imagem (e não apenas
da virtual). Um deles é a necessidade de desvincular a problemática essencial
da representação da existência de um referente empírico, à vista da existência
de imagens figuradas sem referente.41 O outro aspecto é a obrigação, que fica
patente, de dar atenção à construção da imagem, às condições técnicas
e sociais de sua produção e consumo.
São essas algumas das constatações que permitem Schvarzman afirmar
que,
“... no presente, o cinema antes visto com desconfiança
ou desinteresse pelo historiador, por não passar de uma diversão
popular, por construir justamente mundos autônomos, fantasiosos
e de escape, ganha um outro relevo: é lugar das construções
e projeções do imaginário, da aferição de sensibilidades e práticas
sociais, lugar da representação”.42
Por sua vez, recorrer à história do cinema implica em analisar
a mensagem realizando a critica interna e externa da fonte.
em
sua
dimensão
material,
é
possível
determinar
Estudada
quais
são
as formas/tamanhos que a mensagem pode assumir; os elementos utilizados
na sua confecção; as técnicas empregadas na sua fabricação, dando conta,
portanto, dessa dimensão específica.43 Independente da forma com que
a mensagem é produzida, ela traduz um universo simbólico – uma dimensão
abstrata – abarcando signos, símbolos, conteúdos, sentidos, construção
argumentativa, entre outros pressupostos.
Falta, agora, melhor definir a oposição entre as representações
femininas e masculinas, e como ela se apresenta ao olhar da indústria
40
Idem, p. 8.
Idem, p. 8.
42
Ver SCHVARZMAN, 2008. Opus cit., p. 4. Meu grifo.
43
Ver SILVEIRA, William Spinola. O processo da comunicação. São Paulo: CEINTER, 2005.
41
cinematográfica. Seria ela conivente e/ou desafiadora? Melhor ainda, seria
possível analisar imagens femininas e masculinas sabendo de antemão que
suas identidades, independente da biologia, são culturalmente construídas?
E que, assim sendo, se faria necessário cuidar para não cair na armadilha
mais comum: o uso de termos antagônicos para expressar uma hierarquia
de significados?44
1.3.
As representações de gênero no cinema.
Em sua obra mais conhecida, Gisela Bock desenvolve a tese de gênero
como o campo primário no qual as relações de poder se desenvolvem.
Ela
baseia
sua
proposta
na
“di-vision
du
monde”,
de
Pierre
Bourdieu e nas suas referências às diferenças biológicas, notadamente
as que
se referem à divisão do trabalho de procriação e de reprodução,
operando como a ilusão coletiva mais bem fundamentada. 45 E em Maurice
Godelier, para quem não é a sexualidade que assombra a sociedade,
mas a sociedade
que assombra o corpo sexuado, isto é, as diferenças
relativas ao sexo entre
os corpos são frequentemente invocadas como
testemunhos das relações sociais, um fenômeno que não tem nada a ver
com a sexualidade.46 Trata-se da legitimação do poder.47
Por outro lado, ao levantar a questão do estudo dos filmes realizados
no período clássico da história do cinema faz-se necessário destacar, segundo
escrito de Schvarzman que, enquanto fonte primordial de pesquisa, dois teriam
sido os fatores que comprometem a sua utilização.48 O primeiro deles,
é de ordem tecnológica: o uso do nitrato, material explosivo, como suporte
fílmico, impedia sua conservação por períodos acima de seis meses.
44
Ver BOCK, Gisela. Challenging Dichotomies: Perspectives on Women‟s History. In OFFEN,
Karen et allii (eds.) Writing women‟s history, international perspectives. Bloomington: Indiana
University Press, 1991, pp. 1-23. Para essa autora, o estudo das relações dicotômicas permite
definir a ausência de equilíbrio político entre homens e mulheres, pois aos primeiros
foi reservado o universo da cultura, do público e do trabalho em contrapartida à natureza,
ao privado e à família.
45
A autora refere-se à BOURDIEU, Pierre. Le Sens Pratique. Paris: Editions de Minuit, 1980,
p. 246/247, 333/461, e especialmente p. 366
46
A referência pode ser encontrada em: GODELIER, Maurice. The Origins of Male Domination.
New Left Review, 127, 1981, p. 17.
47
Idem, p. 44/45.
48
SCHVARZMAN, 2008. Opus cit., pp. 7/8.
O segundo, deriva da ausência de interesse econômico e de reconhecimento
do valor cultural de uma película.49
Se esses fatores comprometem a realização de uma análise exaustiva
sobre a produção global do cinema clássico, a solução encaminha, nesse
momento, para uma prévia definição de critérios de análise de alguns
exemplares do período. Estabelece-se, em primeiro lugar, que a realidade
sócio-econômica constituiu o pano de fundo sobre o qual, quer seja à maneira
de escapismo ou de sustentação do status quo, os filmes foram produzidos.
E que, ao final do século XIX e princípios do seguinte, o estágio
e desenvolvimento do capitalismo privilegiaram a construção de identidades
de gênero que mais bem condiziam com essa realidade.
A família e os seus parâmetros de sustentação foram essenciais nesse
momento. Nas palavras de Scott, ela era o ambiente natural que propiciava
as qualidades de disciplina individual e o ordenamento necessário à saúde
e a prosperidade da sociedade. As qualidades de um bom trabalhador, como
ordem, assiduidade e pontualidade contrastavam com as do individuo de mau
caráter,
o
turbulento,
difícil
de
governar,
preguiçoso,
dissipado
e imprevidente.50 Nesse ideário, o casamento e a formação da família eram
incentivados, cabendo ao Estado à promoção de sua existência e bem-estar.
O papel da moral era encontrar meios para cuidar e proteger a família como
uma instituição natural, hierárquica e repressiva. 51
A figura da mulher era evocada em função de suas qualidades “naturais”
e de sua “natural” dependência: a maternidade. E a projeção da ordem moral
e social desejável se fez em termos bem definidos de diferenças sexuais,
da
divisão
espacial
entre
a
casa
e o
trabalho,
da
divisão
física
entre a força muscular do homem ligada à produtividade e a fragilidade
feminina (física e moral) associada à maternidade e a domesticidade. 52
O reforço da família e, dentro dele, o tutelamento das mulheres baseavam-se
49
Segundo essa autora, apenas um pouco mais de 3.000 filmes, realizados entre 1894 e 1912,
puderam ser resgatados por terem sido depositados como cópias em papel – fotografias –
na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, em Washington D.C., tendo em vista
a preservação de direitos autorais. Idem, p. 8.
50
Ver SCOTT, Joan W. Gender and Politics of History. Revised Edition. New York: Columbia
University Press, 1999, p. 130.
51
Opus cit., p. 133.
52
Idem, p. 162/4.
em argumentos que as aproximavam de uma criança – censo moral deficiente,
tendência exagerada à vingança e ao ciúme, histeria, pouca inteligência, entre
outros – e só seriam neutralizados pela maternidade e religião que lhes daria
exemplos de abnegação, paciência e altruísmo.
É bem verdade que nada era tão linear assim. Como técnica o cinema
vivenciou,
pelas
mãos
e
olhos
de
seus
inovadores,
a
obviedade
e a curiosidade própria da experimentação da reprodução, ora histórica
em filmes épicos de curta metragem, nos de enunciação sacra ainda em 1896,
ou mesmo nos de reprodução em cenários de peças teatrais conhecidas
sob uma nova ótica, a da lente. Em enquadramentos básicos e fixos
tal qual um olhar cativo do espectador, agora privilegiado ao centro do palco
quando cortinas se abrem. A obra passava pela lente e não seu reverso.
De forma especial pela rusticidez e simplicidade do aparelho de nome
cinematógrafo dos irmãos Lumière que não apenas gravava as imagens, mas,
igualmente, as projetava, a custo acessível de larga produção e reprodução;
as pulverizava. Haveria também de, e não menos óbvia, buscar representar
a estética do corpo e do sexo, mais como experiência cênica e estética
e eventualmente pela trivialidade (em seu sentido vil), simplificação narrativa
e custos de cenário, que pelo eventual produto mercantil que dele pudesse
advir. Ver-se, rever-se, descobrir.
Porém, e bem mais que isso, se trata de verificar de como a função
educativa dos filmes foi fundamental, neste período. Que reforçava e abrangia
todos
esses paradigmas.
A
figura
masculina
é
novamente
reeleita,
por excelência, como protagonista das mensagens pedagógicas a serem
difundidas. A mulher assume a condição de coadjuvante. A “escada” e prêmio
do e ao herói ou martírio e sina ao bárbaro vencido. Assim, saltam aos olhos
a eterna disputa entre a civilização e a barbárie, entre a lei e desordem, entre
o bem e o mal.
Nesse
contexto
cinematográfico,
onde
as
instituições
são
constantemente desafiadas, a mulher tem papéis muito bem definidos.
Cabe a ela, naturalmente, fazer a distinção entre o bem e o mau e privilegiar
a vitória do primeiro. Solteira e submissa aos pais, ela ajuda a mãe a cuidar
dos irmãos e na realização das tarefas da casa e da propriedade em que
vivem. Como recompensa é encaminhada a um namoro casto, ao casamento
com o herói e ao subentendido, viveram felizes para sempre. As outras, as que
questionam, conformam o outro lado do espelho, sem o direito a miragens.
São as prostitutas, as doentes, as sofredoras, as que são abandonadas pelos
bandidos, os únicos tipos de homens que por afinidade amoral, delas
se aproximam.
Longe, porém, de alcançar os níveis de desenvolvimento da indústria
cinematográfica estrangeira, o cinema brasileiro se mantivera, na década
de
20,
com
criação
de
sucessivos
documentários
institucionais.
Para Bernardet, o grosso da produção do período.
“(...) não era nem ficção nem longa-metragem, mas documentário
e curta-metragem. O bloqueio do mercado levava os cineastas
a se concentrar sobre o cinejornal e o que chamaríamos hoje
de filme institucional: era basicamente essa produção que sustava
os produtores, fazia circular algum dinheiro na área da produção,
mantinha, bem ou mal, equipamentos e laboratórios, impedia que
a produção brasileira sumisse completamente das telas, e desse
ao publico alguma imagem cinematográfica de sua sociedade.
O filme de ficção era antes uma exceção, o mais das vezes facultada
pela produção documentária”.53
Logo não é estranho entender que enfrentando o impacto das restrições
proibitivas do pós-guerra e o das profundas transformações socioeconômicas
e culturais do período, as películas produzidas oscilam entre a preservação dos
valores tradicionais da sociedade brasileira e sugerem, mais do que explicitam,
novos modos de ver o mundo. Como o afirma Galvão, referindo-se ao cinema
paulistano:
“O cinema que se tem é de uma mediocridade atroz – medíocre
nos meios, na forma, no conteúdo, na repercussão (ou na ausência
dela). No entanto, o que é extraordinário, este cinema existiu.
Importa pouco o mérito da questão, e entrar em considerações
estéticas não teria o menor sentido”.54
53
Ver BERNARDET, 1995. Opus cit., p. 117.
GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Crônica do Cinema Paulistano. São Paulo: Atica, 1975, p. 11.
Neste estudo, um dos pioneiros sobre a historiografia do cinema brasileiro, a autora chama
atenção para a pouca bibliografia então disponível. E destaca a imprecisão de citações, pois
recorreu frequentemente, a recortes de jornais e revistas não datados e/ou com informações
imprecisas de procedência. Daí o recurso às entrevistas com os agentes diretamente
envolvidos como forma, também, de preservação da memória do período.
54
Os documentários, nos ditos de Schvarzman, se restringiam a exibição
de atividades sociais e políticas – os rituais do poder - ou de imagens
grandiosas e exóticas da natureza brasileira – o berço esplendido.55
Não por acaso, o momento político nacional atravessava um período de ruptura
democrática: o Estado, Igreja Católica e empresariado industrial se aliaram
para implantar o modelo de incorporação da classe operária previamente
identificada por Joan Scott. Daí o rigor da censura prévia, a dificuldade
de aprovação de roteiros, a rigidez da moralidade pública e o próprio papel
secundário da produção fílmica nacional.
Representam forças que mediam os confrontos entre os modelos que
se constituíam acerca do feminino e o cotidiano de mulheres de carne e osso,
com efeitos diferenciados, dependendo de cada contexto social. 56 Procuram
reprimir as reivindicações femininas que começavam a levantar questões
concretas e prementes sobre a sua situação subalterna. Elas lutavam por uma
educação liberal e profissional, pelo direito ao voto e pela emancipação.
Exigiam ser reconhecidas como chefes de domicílio, pois ao longo do tempo
e na ausência de um marido, elas iam à luta e sustentavam suas famílias.
Mas, esse era um aspecto da realidade brasileira que havia sido, até então,
varrido para baixo do tapete.
Esse era um momento de confronto. As primeiras reivindicações
feministas tiveram por objetivo persuadir as mulheres descontentes com
a “romântica” vida doméstica que
“a verdadeira feminilidade era compatível com a participação na vida
política e nas profissões liberais, antes que elas pudessem
desacreditar dos sermões dos clérigos, políticos, antropólogos
e editorialistas”.57
Forças antagônicas que estão a colidir com as demandas do ser
e se fazer, ter-se e comportar-se mulher e que, como ondas de um tsunami,
preconizam o confronto nos arrecifes do tradicional com a chamada
modernidade e, dentro dela, de seus papéis de gênero. Modernidade esta,
55
Ver SCHVARZMAN, 2008. Idem, p. 11.
Ver GONÇALVES, Andréa Lisly. História & Gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p. 40.
57
Ver GAY, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória à Freud. A educação dos
sentidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 157.
56
que tem um maior eco e que se faz eclodir por todos os meios e mensagens
e, não menos, no cinema da época. Cabe, então, resgatar esse embate,
a chegada dessa maré transformadora nas nossas praias e nos seus rochedos,
nos anos aqui descritos, deste litoral até seus mais distantes rincões.
Capítulo II - Uma tela em mutação: alteração do cenário brasileiro.
Antes de revisitarmos o tecido tupiniquim, invadido e costurado mais
que nunca por outras “tribos”, muitas “caiapós”58, cabe mesmo que em breve
panorâmica, revisar o tempo em que esta visita se dará – uma década
em ebulição. Falamos de mudanças em um momento clássico por excelência –
uma sociedade rural e patriarcal que recentemente substituíra, sem incluir,
a mão-de-obra escrava pelo trabalhador imigrante, em processo inicial
de urbanização e industrialização – e, notadamente, de sua essencial
representação de papéis distintos para homens e mulheres. A família, célula
mater do tecido social, continuaria a ser apreendida agora, não diferente
do passado, como a intermediadora natural de novas e desafiadoras relações.
Negavam-se contradições, pois é inegável que “a partir de 1789, a vida
das mulheres jamais seria a mesma...”59 e embora os reflexos dessa mudança
tivessem se feito sentir ao sul do equador de forma retardatária, eles finalmente
aqui chegariam, feito ondas,
a exigir profundas transformações.
E essas
se manifestariam, também, na discussão do espaço e do lugar da mulher,
evocando para tanto razões médicas, religiosas, jurídicas e políticas.
Uma polêmica em torno dos limites, mas não do essencial, pois não
se perdia de vista que
“Quando o influente filósofo Filão, o Judeu, que viveu
aproximadamente à mesma época que Cristo, interpretou a Queda do
Homem e a expulsão do Paraíso como uma alegoria, considerou
Adão a encarnação da razão, desencaminhada por Eva,
a encarnação da sensualidade. Os grandes moralistas, (...). jamais
puseram em dúvida que toda mulher é de fato uma eterna Eva.
Não era necessário ser um misógino trovejando contra a mulher
por considerá-la a fonte de toda corrupção moral para ver nela
um poço de lascívia. E é exatamente assim que a mulher
foi considerada através dos séculos – até o século XIX”.60
O que mudara não era esse pensamento conservador, mas contexto
socioeconômico em que ele seria inserido. Em particular, nas condições
58
Caiapós, que tem por tradução literal: “o fogo que vem antes.”
Ver GAY, 1995. Opus cit., p. 292.
60
Ver GAY, 1988. Opus cit., p. 111.
59
de trabalho e nas novas formas citadinas – um espaço de temor e liberdade –
de intermediação entre homens e mulheres. Um enorme desafio foi delegado
à inteligência nacional e ela abraçou uma discussão interminável sobre
as causas dos desafios e das ameaças à família brasileira nesse momento
de transformações modernizantes. Em busca de soluções e baseando-se
em argumentos pseudocientíficos, a figura feminina representada no cinema,
tornou-se o ponto central dessa polêmica.
2.1. Os desafios da modernidade: a mulher e a busca do controle social.
O
Brasil
mudara
profundamente
ao
romper
o
pacto
político
que sustentara por mais tempo que qualquer outro país das Américas,
o
sistema
escravocrata.
Buscava
meios
e
medidas
para,
ao
final
do século XIX e nas décadas que se seguiriam, inserir-se no contexto
das mudanças exigidas pelo sistema capitalista mundial. E essas não
se restringiam a adoção de medidas relativas à sustentação de seu modelo
econômico. Implicavam no controle autoritário da maioria da sua população
que se encontrava à margem dos benefícios provenientes da economia
cafeeira. Uma enorme massa populacional que, concentrando-se em poucos
centros urbanos, abandonava os limites da pobreza e buscava alcançar
os quadros da estabilidade financeira.
As cidades, ao mesmo tempo em que propiciavam novas frentes
de trabalho, surgiam como focos de rebelião que demandavam o controle
social. Os casos de revolta popular contra a exigência de vacinação ensinaram
a necessidade de emprego de força policial. As reivindicações por melhores
salários, diminuição da carga horária e melhores condições de trabalho
reforçaram a lição. Como ocorrera em países capitalistas do hemisfério norte,
a solução do enfrentamento entre o capital e o trabalho passaria também, aqui,
pelo controle das massas populares. E, para tanto, reservou-se às mulheres,
um papel fundamental. Em torno delas se rediscutiu a família brasileira
que se redefinia.
Razões médicas, numa total demonstração de desconhecimento
da fisiologia feminina, associavam o ciclo menstrual à histeria e reforçavam
a necessidade masculina de controle das mulheres. Motivos religiosos,
ignorando as altíssimas taxas de mortalidade no parto e valorizando
o sofrimento como expressões do amor divino, associavam relações sexuais
o império da procriação e impediam a adoção de medidas de controle
da natalidade. Juristas, baseando-se na tradição aristotélica, no direito romano
e no napoleônico, associavam a mulher a uma criança e a colocavam
sob a tutela do pai e do
marido. E, finalmente, razões políticas
de uma sociedade excludente foram coniventes com a manutenção
de aproximadamente metade de sua população fora dos quadros da cidadania.
Após décadas de discussões, numa explicita situação de subordinação
feminina, as relações no seio da família brasileira encontrariam, como o quer
Ismênia Tupy, sua sustentação legal pela promulgação do Código Civil, de
1916, que:
“(...) definira a família como formada pelo vínculo indissolúvel
do casamento civil e estabelecera, numa ordem hierárquica,
os direitos e deveres de maridos e suas esposas. Enquanto que
àqueles conferira o status legal de cabeça do casal, a estas colocara
sob a tutela do marido. Aos primeiros, determinara o controle
dos bens e das pessoas que constituíam uma família; as segundas
delegara o cuidado da prole e do marido. Reduzia-se ao domicílio
o espaço feminino e ignoravam-se quaisquer outras formas
de organização familiar”.61
Nesse contexto jurídico, que ecoará de maior tom nos anos próximos,
como dito anteriormente, a figura da mulher era evocada em função de suas
qualidades “naturais” e de sua “natural” dependência: a maternidade e o recinto
doméstico. E a projeção da ordem moral desejável sobre o conjunto social
se fez em termos bem definidos de diferenças sexuais, da divisão espacial
entre a casa e o trabalho, da distinção fisiológica entre a força muscular
do homem ligada à produtividade e a fragilidade feminina (física e moral)
associada à maternidade e à domesticidade.62
61
TUPY, Ismênia S. Silveira T. Retratos femininos: gênero, educação e trabalho nos censos
demográficos. 1872-1970. São Paulo: FFLCH/USP, 2003, p. 26. Tese de Doutorado.
62
SCOTT, 1999. Opus cit., pp. 162/4.
O reforço da família e, dentro dela, o tutelamento das mulheres
basearam-se,
também,
em
argumentos
médicos
que
subordinava
a sexualidade feminina à maternidade, se sustentava em um vago discurso
de origem cristã, e chegava às raias do absurdo, pois afirmava que
“... para evitar a prostituição, a mulher deveria ser submetida a uma
educação que incluísse princípios morais, que buscasse
o fortalecimento do sentimento de pudor e que impedisse
63
a indolência, a vaidade e a ambição”.
Esses requisitos aproximavam a mulher adulta de uma criança – censo
moral deficiente, tendência exagerada à vingança e ao ciúme, histeria, pouca
inteligência, entre outros – e só seriam neutralizados, segundo o “cientificismo”
da época, pela maternidade e pela religião que lhes daria exemplos
de abnegação, paciência e altruísmo. E, ainda, um pouco pela educação
que prepararia um pouco melhor a futura esposa e mãe.
Ainda, segundo Maria Izilda Matos, no período de referência desta
análise
“Os médicos viam a mulher como produto de seu sistema reprodutivo,
base de sua função social e de suas características comportamentais:
o útero e os ovários determinariam a conduta feminina desde
a puberdade até a menopausa, bem como seu comportamento
emocional e moral, produzindo um ser incapaz de raciocínios longos,
abstrações e atividade intelectual, mais frágil do ponto de vista físico
e sedentário por natureza; a combinação destes atributos, aliada
à sensibilidade emocional, tornava as mulheres preparadas para
64
a procriação e a criação dos filhos”.
Alguns manuais sexuais da época, escritos por médicos especialistas,
dão melhor conta dessa visão “científica” das mulheres das camadas mais
favorecidas. Para acalmar os homens, ingleses afirmavam que a mulher
é naturalmente frigida e não tem o menor desejo de ser tratada como
uma amante; alemães afirmavam que se uma mulher for bem-educada,
o seu desejo sexual será pequeno, pois se assim não fosse, o mundo inteiro
63
SOIHET, Rachel. Historia das Mulheres. In CARDOSO, Ciro & VAINFAS, Ronaldo (orgs).
Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p.294.
64
Ver MATOS, Maria Izilda S. de. Delineando corpos. As representações do feminino
e do masculino no discurso médico (São Paulo 1890-1930). In MATOS, Maria Izilda S. de &
SOIHET, Rachel (org.). O corpo feminino em debate. São Paulo: UNESP, 2003, p. 114.
seria um bordel e o casamento e a família seriam inconcebíveis. 65
E resumiam a questão sexual feminina afirmando que para a mulher a dócil
subordinação ao sexo oposto é ao mesmo tempo fator biológico e social.
Essa era uma questão secundária para o discurso religioso. O exercício
da sexualidade determinava a constância do casamento no imperativo
da procriação. Desvios dessa conduta eram entendidos como responsabilidade
feminina. Para as mulheres se faziam discursos morais sobre a relevância
da castidade e da virgindade que sublimavam a mais fundamental
das necessidades humanas. A educação religiosa, manuais de devoção
e de comportamento, indicações de leituras apropriadas completavam o quadro
repressor.
Subscrevendo este discurso moralizante da Igreja Católica aparece
o Estado brasileiro da Primeira República e, juntos, enfrentaram o impacto
cultural das profundas transformações socioeconômicas do período. E isso
foi realizado promovendo um retorno às raízes tradicionais da sociedade
brasileira. Logo, em termos políticos, a promoção da família e dos seus
parâmetros patriarcais de sustentação tornou-se essencial naquele momento.
Com esse ideário, o casamento e a formação da família foram incentivados,
cabendo ao Estado a promoção de sua existência e bem-estar. O papel
da moral cristã era encontrar meios para cuidar e proteger a família como uma
instituição natural, hierárquica e repressiva.66
A especialização em mídia impõe, nesse momento, considerar
a importância de se levantar e agregar a qualquer que fosse a análise, as suas
características demográficas, sem as quais se faria nebuloso aquilatar
as
audiências
neste
universo.
Outra
exigência
desta
especialização
faz, em paralelo, analisar que é no período de 1908 a 1911 que o cinema
brasileiro, notadamente no eixo Rio/São Paulo, adquire massa crítica
na cobertura, frequência e continuidade.67. As únicas estratégias de mídia que
65
Ver GAY, 1988. Opus cit., p. 117.
Idem, p. 133.
67
O estudo da Mídia Comercial oferece o embasamento teórico aqui demandado, a saber,
que meios com baixo nível de cobertura não possam se caracterizar ou exercer funções
de comunicação de massa, senão de segmentos de públicos com perfis que o elitizem face
à grande maioria. É a Cobertura, aliada à Frequência e a Continuidade que permitem
a eficiência e eficácia de um meio para com o seu público. Aqui no caso o cinema quando,
na década de 1920, a sua massa crítica lhe confere o status de meio de massa, mera questão
de Audiência.
66
se quer ver na comunicação de massa eficiente, senão, igualmente, eficaz.
Mas, que é no período de 1920, que consegue, de forma superior, oferecer
respaldo a sustentação de mídia peninsular; as revistas especializadas,
como Para todos, Scena Muda, Eu sei tudo, e Cinearte.
Próprias ao atendimento de um público fiel e cativo, que não pudessem
ver atendido suas demandas somente nos limites da tela e que permitissem
afastar o pesadelo da miscigenação racial, dando guarida ao apelo de seus
leitores que, assim, se manifestavam:
“Quando deixaremos desta mania de mostrar índios, caboclos,
negros e outras „avis raras‟ desta, infeliz terra, aos olhos
do espectador cinematográfico? (...) Ora vejam se até não tem graça
deixarem de filmar as ruas asfaltadas, os jardins, as praças, as obras
de arte, etc., para nos apresentarem aos olhos, aqui um mestiço
vendendo garapa em um purungo, acolá, um bando de negrotes
68
se banhando num rio, e cousas deste jaez”.
Um apelo aflitivo ao abandono das raízes fundamentais do povo
brasileiro - a miscigenação –, coincidente com pensamentos de supremacia
da “raça” branca e que, não por acaso, se traduziu na adoção de hábitos
e costumes europeizantes tendo, como exemplo, o uso de vestimentas
não apropriadas ao clima tropical e produtos de beleza que transformaria
as mulatas em pastiches do glamour cinematográfico.
2.2. Os dados reais da situação: distribuição de homens e mulheres.
Um retrato distorcido da realidade, como demonstrado a seguir, pelos
os dados do IV Recenseamento Geral da População Brasileira, de 1920,
que indicam a presença de 30.635.605 habitantes no território nacional,
divididos entre 15.443.818 indivíduos do sexo masculino e 15.191.787
68
Depoimento encontrado em na revista Cinearte, 28/04/1926, p.2 e recuperado
por HOLLANDA, Heloísa (org). 3. Quase Catálogo. Estrelas do Cinema Mudo. 1908-1930.
Rio de Janeiro: Ciec, 1991, p. 13.
do feminino.69 Aproximadamente metade desse contingente ou 42,67% do total
geral foram enquadradas nas faixas de 0 a 14 anos, permitindo a construção
de uma perfeita pirâmide etária. A nacionalização forçada de imigrantes
no momento da proclamação da República e que haviam sido introduzidos
maciçamente no país durante os últimos cinquenta anos, distorceu os dados
do contingente estrangeiro: apenas 5,11% do total. Os solteiros constituíam
69,58% do total da população, dado que comprova a juventude da maioria
dos brasileiros, em um tempo demarcado pelo perfil de baixa expectativa
de vida.
Os números da instrução, por sua vez, indicam que 75,54%
dos indivíduos eram analfabetos. Discriminado por sexo, esse total aponta
a enorme discrepância entre a situação educativa privilegiada dos homens
(35,82%) e o preconceito social inerente à educação das mulheres (80,10%),
refletindo destinos pré-determinados: o espaço público ou o privado.
Maior
na
discrepância
ocupação/trabalho,
pode
ser
pois
50,24%
observada
do
quanto
contingente
à
situação
masculino
foram
reconhecidos como economicamente ativos e 90,58% do feminino foram,
por sua vez, considerado como inativos. Tamanho contraste aponta uma
evidência empírica fundamental: o preconceito de gênero no mundo
do trabalho e a discriminação sexual na seleção de ocupações aferidas. 70
Dentre essas últimas se destacam as relativas aos setores primários
e secundários da produção econômica. Eminentemente masculinas as tarefas
realizadas na lavoura ou na criação de gado para o primeiro caso,
e as atividades como pedreiro e mecânico para o segundo, são exemplos
de trabalho realizado fora de casa. Foram, portanto, cuidadosamente aferidas.
Como extensão do domicílio, tarefas como lavar, passar e cozinhar eram
consideradas eminentemente femininas e pouco ou nenhum valor tinham
no mercado de trabalho.
69
Como indicado no capítulo anterior, a especialização em mídia impõe o levantamento
dos números reais da população a ser analisada. Os dados quantitativos aqui apresentados
foram extraídos do “Quadro 3. Brasil. População Total por Sexo e Diferentes Especificações.
1920.” In TUPY. Idem, p. 100. Como afirma a autora, em solução de continuidade, dados sobre
a “cor” e a religião da população, não foram aferidos nesse censo.
70
Idem, p. 102.
Não obstante, a industrialização dava seus primeiros passos no país.
E, a semelhança do que acontecera em outros países, ela descobriu que
as mulheres eram cada vez mais úteis. A racionalidade e a complexidade
da moderna economia capitalista que se instalava, demandou o trabalho
de incontáveis mulheres das camadas populares. Além disso,
“.. guiou as mocinhas como um rebanho aos escalões mais baixos
dos serviços de escritório e de venda (...) As filhas do artesão
e de pequenos comerciantes saíam de casa para trabalhar como
71
datilógrafas, contínuas, secretárias.
Outros dados, também fundamentais, são os relativos ao total
da população do Rio de Janeiro e de São Paulo, as duas cidades que melhor
podem traduzir o ritmo alucinante das mudanças que a sociedade brasileira
conhecia naquele momento, igualmente ponderando Cataguases. No primeiro
caso, o então Distrito Federal, com 1.157.873 habitantes, apresentava índices
masculinos ligeiramente maiores do que a média nacional. O segundo, por sua
vez, com 579.033 pessoas, dando conta de sua futura vocação metropolitana,
reunia mais de 1/10 da população do Estado. Por fim a cidade do interior
mineiro com 62.206 habitantes, nominada de Cataguases. E, embora
se reconheça que ela não alcança os patamares numéricos das duas
primeiras, ela permite um legitimo contraponto ao entendimento dos limites
do desenvolvimento da indústria cinematográfica no país.72
Cabe um quadro comparativo que permita a realização de uma rápida
leitura dos universos, aqui, visitados.
71
Ver GAY, 1988. Opus cit., p. 135.
Cataguases não era, evidentemente, a única cidade do interior que permitiria esse
contraponto. Campinas, no interior paulista, também poderia ter sido escolhida para exercer
esse papel. Não obstante, ela não acolhia nenhum diretor/roteirista do porte de um Humberto
Mauro e a sua vivência na primeira cidade fez toda a diferença.
72
Quadro 1. Dados populacionais por sexo e nacionalidade. Cataguases (MG),
São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (DF). 1920.
1. Cataguazes (sede mais oito
distritos)
Brasileiros
H
M
30.505 29.733
Nacionalidade
Estrangeiros
Ignorada
H
M
H
M
1.215
739
8
6
Total Parcial
H
M
31.728
30.478
Total
62.206
2. São Paulo (sede mais 21
distritos)
Nacionalidade
Estrangeiros
Ignorada
H
M
H
M
Brasileiros
H
M
183.38 188.99
4
2 109.809
95.436
814
Total Parcial
H
M
598 294.007
Total
285.026 579.033
3. Rio de Janeiro (sede mais 25 distritos
e 3 ilhas)
Nacionalidade
Estrangeiros
Ignorada
H
M
H
M
Brasileiros
H
M
442.42 475.05
4
7 155.130
83.999
753
Total Parcial
Total
H
M
559.56
510 598.307
6 1.157.873
Fonte: Ministerio da Agricultura, Industria e Commercio. Directoria Geral de Estatistica.
Recenseamento do Brazil. Realizado em 1 de setembro de 1920. Volume IV – 6ª Parte.
População. População do Brazil por Estados, municípios e districtos, segundo o sexo, o estado
civil e a nacionalidade. Rio de Janeiro: Typ. da Estatistica, 1926, p. 545; 419; 304 a 307.
Porém, para Sevcenko, o papel de metrópole-modelo no Brasil,
irradiadora
ao
do
desenvolvimento
desenvolvimento
do
tecnológico
capitalismo,
recaía
mundial
sem
associado
dúvida
sobre
o “... Rio de Janeiro, sede do governo, centro cultural, maior porto, maior
cidade e cartão de visitas do país, atraindo tanto estrangeiros quanto
nacionais”.73 Embora longa, a citação que se segue é a que mais bem pode
definir a associação da capital federal com a modernidade preconizada:
73
Ver SEVCENKO, Nicolau. A Capital Irradiante: Técnica, Ritmos e Ritos do Rio. In NOVAES,
Fernando A. & SEVCENKO, Nicolau (orgs.). História da Vida Privada no Brasil. V.IV. São
“O desenvolvimento dos novos meios de comunicação, telegrafia
sem fio, telefone, os meios de transporte movidos a derivados de
petróleo, a aviação, a imprensa ilustrada, a indústria fonográfica,
o rádio e o cinema intensificarão esse papel da capital da República,
tornando-a o eixo de irradiação e a caixa de ressonância
das grandes transformações em marcha pelo mundo, assim como
o palco de sua visibilidade e atuação em território brasileiro.
O Rio passa a ditar não só as novas modas e comportamentos,
mas acima de tudo os sistemas de valores, o modo de vida,
a sensibilidade, o estado de espírito e as disposições pulsionais
que articulam a modernidade como uma experiência existencial
e íntima. É nesse momento e graças a essa atuação que o Rio
se torna, com o formulou Gilberto Freyre, numa cidade
„panbrasileira‟”.74
Dentro dela, o novo comportamento metropolitano substitui velhas
condutas próprias de um passado agrário-exportador: o cigarro – produto
industrializado instantâneo – em lugar do fumo de corda ou de pitar;
o cafezinho pelo abandono do chá; ambos substituem rituais morosos
e/ou coletivos dando conta da aceleração do tempo e de hábitos individuais.
Refletindo essas mudanças, a própria paisagem do Rio de Janeiro
se transforma. As reformas de Pereira Passos – resumidas pela imprensa
no célebre episódio da “Regeneração” – foram acompanhadas da expulsão
do centro da cidade de seus habitantes menos favorecidos dando inicio
à favelização dos morros circundantes. A abertura da Avenida Central traçava
uma nova geografia, com o
“ ... eixo monumental do projeto regenerador, um grande boulevard
moderno, aberto ao trânsito de bondes e automóveis, entre fileiras
de vitrines de cristal e prédios de mármore em esplêndido estilo
art-noveau, iluminação elétrica abundante e policiais, em impecável
75
figurino inglês, impondo o „circulez’ parisiense”.
Retrato de uma harmonia ilusória, pois esse projeto de modernização
compulsória ao mesmo tempo em que permitia atrair capitalistas, técnicos
e imigrantes europeus, facilitava o controle pelo emprego da força bruta
Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 522. Baseando-se em textos da época, esse autor faz uma
primorosa reconstituição de hábitos e costumes no cotidiano da Belle Époque carioca.
74
Op. cit., p. 522. Meus grifos sobre características da modernidade carioca que também
podem ser aplicadas ao cinema.
75
SVECENKO, Nicolau. Pindorama Revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada.
São Paulo: Peirópolis, 2000, p. 61. Grifos do autor.
de um enorme contingente de pobres, analfabetos, mal empregados
ou subempregados. O apelo à modernidade sustentava-se em mensagens
visuais impondo parâmetros físicos e representações distorcidas da realidade
do povo brasileiro.
Obras monumentais e espetáculos de massa tinham por objetivo
arrancar o país do atraso, renegar o passado escravista e construir um novo
consciente coletivo valorizando o trabalho. Referindo-se às competições
esportivas que então ocorriam, mas podendo também aplicar suas conclusões
ao papel cinema nessa sociedade em transformação. A de se assimilar
às salas de exibição das principais urbes brasileiras como micros-Coliseus
repaginados de Romas extemporâneas, Sevcenko afirma que:
“Outra ilação interessante suscitada pelos espetáculos de massa,
cada vez mais freqüentes, maiores e mais complexos, era o seu
potencial de aliviar as pessoas da ansiedade aflitiva gerada num meio
social marcado pela concorrência crescente e cada vez mais
agressiva. Eles tendiam a catalisar o mal-estar das pressões, tensões
e negociações cotidianas, o peso das decisões exigidas a cada
momento e o preço das suas conseqüências, num mundo em que
os prêmios e as punições dependem de um absurdo sistema
de privilégios e exclusões, historicamente herdado, combinado
com as incertezas de um mercado instável que cada vez mais
decreta o destino das pessoas”. 76
O que se pretende aqui, de forma singela a complementar Svecenko,
é trazer à tona o fato de que, este mesmo Rio de Janeiro possuía uma grande
e forte realidade de multiplicidade racial quando, no período, se pode observar
que significativos 20,65%77 de sua população é composta por imigrantes.
Não menos das características de miscigenação muito particulares, senão
únicas, advindas desde a chegada da família Real à capital deste país:
o emprego maciço da mão-de-obra cativa que ali permaneceria após
a emancipação.
Mas, ainda assim, vale destacar que o destino de atração de povos
estrangeiros repousa mesmo em São Paulo, cidade que carrega consigo
enorme carga de diversidade cultural, produzida por povos dispares tanto
76
SEVCENKO, 1998. Idem, p. 579. Meus grifos.
Os dados percentuais foram calculados a partir dos números absolutos do Quadro 1,
apresentado acima.
77
quanto os italianos, os espanhóis, os “turcos” e os japoneses, em seus, hoje
impensáveis, 35,45%78 de sua população, em 1920. Sem considerar seus,
ainda, inúmeros indígenas, herança de seu passado colonial. Enquanto que,
de outro lado, na mineira Cataguases, a brasilidade se faz denotar em quase
absolutos 96,86%79 de seus habitantes, ávidos na defesa dessa identidade.
Qual seja um pouco mais de 3% de não brasileiros, deva ser fonte
de explicação de uma aptidão de uma cidade interiorana, típica em seus
pensares de proclamar e difundir seus sonhos e ideários de brasilidade
aos olhos de um país que lhes possa parecer ter sido invadido.
São Paulo que concentrava o grosso da riqueza gerado pela econômica
cafeeira transforma-se, em ritmo acelerado, com seus recursos aplicados
em investimentos comerciais, industriais, financeiros e na especulação
imobiliária. Entre 1920 a 1934, sua população duplica, ultrapassando a marca
de 1.000.000 de habitantes. Os números da imigração internacional lhe dariam
uma feição peculiar: assemelhava-se a uma colcha de retalhos cosmopolita,
onde a maioria de seus habitantes não se comunicava em português.
Uma cidade que mantinha, ainda, os antigos traços do pequeno povoado
colonial, paupérrimo, de meados do século XIX, onde, até então, a ausência
de recursos de sobrevivência afastara a presença masculina e formara
uma população constituída basicamente de mulheres e suas crianças, mestiças
de índios e brancos e, em menor escala, de mulatas.80 Sob o comando
de Antônio Prado, medidas foram tomadas para transformar a capital do café
em uma cidade moderna à altura de sua elite. Seu projeto, de inspiração
parisiense, resolveria o “problema policial” das
“(...) comunidades negras, concentradas em antigos quilombos
do centro da cidade, nos Piques e na várzea do Carmo, (que) foram
escorraçadas, abrindo espaço para um monumental projeto
de reforma, centrado na perspectiva panorâmica do Vale
do Anhangabaú”. 81
78
Idem. Ver Quadro 1.
Idem. Ver Quadro 1.
80
SEVCENKO, 2000. Opus cit., pp.76/77.
81
Idem, p.63.
79
Comunidades estas, que no dia-a-dia da lida a servir a cidade alta
dos abastados e da sua, então, dita “elite”, contracenavam na memória recente
com o percurso quase sempre feito a pé, na travessia das pinguelas
improvisadas sobre as fétidas poças do vale do Anhangabaú. Gente do povo,
gentis, que lamparinas à mão quando muito, ao cair à noite, uníssonos, pediam
pela luz e pelo olhar de São João, pela sorte da chegada. Em um quase
cântico/reza, donde penicilina não havia, a nomear pestilenta avenida central
da vida paulistana.
O furor modernista seria observado pela multiplicação de seus símbolos:
parques, edifícios, automóveis, aviões, cinema, danças, esporte e formas
agressivas de publicidade – dos cartazes aos outdoors, as vitrines panorâmicas
e os gigantescos luminosos de neón.82
São Paulo veria se materializar a modernidade no duro concreto
do Edifício Martinelli, que como um farol posto ao céu na luz do gigantismo,
a todos iluminar e por todos se fazer ver. A catalisar um sentido de magnânima
cidadania, que agora pudesse ser vivenciada, nutrida e partilhada entre todos
os que na cidade viviam. E dele, como se reverso de uma Torre de Babel
fosse, pudesse fazer motivo, uma unidade de sentir, o orgulho participativo
de ter e pertencer, e o ser paulistano. Aproximando os diferentes estrangeiros
que como se comum língua fosse ecoada, passa a não mais conotá-los
como “inimigos” e a nomeá-los quando financeiramente bem sucedidos,
simplesmente e igualmente paulistanos, entre si.
Neste contexto, não se estenderia à adoção de uma solução
de compromisso, no atendimento aos movimentos de mobilização social –
as greves operárias – em busca de melhores condições de trabalho,
alimentação e moradia. O progresso demandava absoluto controle das massas
populares, pois que, mesmo na identidade de una cidadania, o miscigenar
das diferentes camadas sociais e a divisão de poder, nem de longe
se pretendia.
Essa era a atitude típica da elite política em relação à população
em geral, pois é preciso reforçar:
82
Idem, p. 62.
“A riqueza da cafeicultura possibilitou a emergência da metrópole
pujante de São Paulo, mas o grave desequilíbrio na distribuição
das riquezas e das oportunidades de participação impediu
o desenvolvimento da cidadania. A alocação geográfica
da população já era reveladora dos desníveis sociais, com
as elites assentadas sobre o topo seco e saudável das colinas,
e o grosso da população acumulada nas planícies pantanosas,
onde nenhum dinheiro público era gasto com obras de saneamento,
higiene ou lazer. (...) „A questão social é uma questão de polícia‟,
insistia em dizer Washington Luís”.83
Sob o comando de Paulo Prado, o emprego da força bruta
e a violenta repressão policial e militar do período seriam temperados
por um processo educativo que, no centro da cidade, ao mesmo tempo em que
fixaria as raízes ideológicas da liderança paulista, promoveria eventos culturais
complexos como a Semana de Arte Moderna (1922), envolvendo concertos,
exposições, palestras e recitais.84
“Transforma-se o tabu em totem. Reconhecia-se no desenvolvimento
da arte moderna que a civilização e a cultura brasileira eram
sinônimos de moderno. Escapava-se da contradição criando uma arte
autenticamente brasileira sem que para isso se tivesse que libertar
85
totalmente da Europa”.
E seria nesse momento, ainda segundo Hollanda, em que o modernismo
brasileiro encontraria ou inventaria a saída “antropofágica”, absorvendo
elementos desejáveis do colonizador e eliminando os indesejáveis.
Aqui e
assim,
neste
tempo
de
perturbações reativas,
quase
senão canibais e caiapós, no fogo e na ebulição das mudanças de toda
ordem, no seu provável clímax de mutações que se está a mirar os olhos
sobre a tela. A ela se render e dela se apropriar, podendo resgatar, revelar
e liberar da memória dos fotogramas, os odores de um espaço em seu tempo,
a nos impregnar o espírito e a alma. E ser novo, sempre novamente,
testemunha eterna da imaginação e da psique humana em sua história.
83
Idem, p. 97-98. Meu grifo.
Idem, p. 88.
85
HOLLANDA, 1991. Opus cit., p. 23.
84
2.3. Recortes na historiografia do cinema nacional.
Definido o panorama social cumpre realizar sua aproximação com
o estudo da história do cinema no Brasil, distinguindo-se dentro dela, duas
correntes complementares: a filmografia considerada propriamente nacional
e a exibida aqui, cuja produção teria sido realizada em outros países.
Aprofundando o assunto é possível constatar, notadamente para
o período de referência, uma dificuldade inicial: os filmes nacionais teriam
encontrado
suporte
técnico
exclusivamente
brasileiro
ou
dependeriam
da importação de equipamentos – câmeras, tripés, lentes e filmes virgens,
entre outros elementos – do estrangeiro. O recurso à pesquisa historiográfica
propicia informações preciosas para resolver a questão.
Verifica-se, em primeiro lugar que, em seu conjunto, a história
do cinema brasileiro e no Brasil, é um campo de estudos ainda não
devidamente explorado. Há muito a ser feito, discutido e definido. São poucos
os balanços historiográficos totais sobre o tema. Entre os citados nesse estudo,
se destacam aqui para efeito de síntese, os realizados por Paulo Emílio Salles
Gomes86, publicado em 1980, e o de Jean-Claude Bernardet87, de 1995.
Ambos críticos e cineastas e, professores do métier na Escola de Comunicação
e Artes, da Universidade de São Paulo.
Dada a importância histórica dessas duas contribuições, vale a pena
relembrar que a periodização defendida por Paulo Emílio abrangia o período
de 1896 – oficializando o nascimento da cinematografia nacional –
e se encerrava em 1966, data em que sua proposta foi apresentada e que
coincide com o apogeu do, então conhecido, período do Cinema Novo
brasileiro. Exclui, evidentemente, os últimos 54 anos de sua história
e a delimita a cinco etapas que correspondem aos períodos de 1896/1912;
1912/1922; 1922/1933; 1933/1949; e 1950/1966. Todos têm em comum
um mesmo motivo para o seu encerramento: uma queda brusca na produção
de filmes, pressupondo um interregno que antecipa uma nova retomada
das atividades cinematográficas. Nos dizeres de Bernardet, trata-se de uma
86
87
Ver GOMES, 1980. Opus cit.
Ver BERNARDET, 1995. Opus cit.
historiografia baseada exclusivamente no critério da produção de filmes
e que expressa um distanciamento entre a história cinematográfica
e a história social.88
Outras observações emergem desses dois estudos. Em primeiro lugar,
constata-se que apesar da concentração carioca e paulista ter dominado
a produção fílmica brasileira desde sua origem, a realização de pequenos
documentários e outras produções mais encorpadas alcançaram lugares
díspares como Barbacena, Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Juiz de Fora,
Fortaleza, Maceió, Manaus, Porto Alegre, Pouso Alegre, Recife, Salvador,
São Luis do Maranhão e Uruguaiana.89 E, a esse grupo foi pertinente acrescer
Cataguases, como um foco especial de se olhar.
Mesmo sem aquilatar o volume total dessa produção, a sua extensão
geográfica pode sugerir uma relativa facilidade no domínio de técnicas
de filmagem, bem como custos financeiros relativamente baixos que parecem
ter possibilitado o aprender fazendo. De qualquer maneira, a rápida divulgação
dessa nova tecnologia – da imagem fixa (a fotografia) para a imagem
em movimento (o filmograma) – dá mostras da evidente atração e fascínio que
despertava em produtores e em um público ávido por novidades.
Em seguida, é preciso ressaltar que traduzem uma filosofia que entende
o cinema como sendo essencialmente realização de filmes. Pouco ou quase
nada é dito sobre a tecnologia e os equipamentos utilizados na sua confecção.
Noções sobre o comportamento do mercado – receptividade de filmes
produzidos aqui ou no exterior, números de sessões e espectadores,
por exemplo – só começam a surgir com o surgimento da Embrafilme,
em meados dos anos 70, visando a reserva de mercado e a lei
de exibição compulsória de filmes nacionais (notadamente os curtas-
88
Ver BERNARDET, 1995. Idem, p. 54. Esse autor reconhece que a periodização proposta por
Paulo Emílio foi apresentada em texto encomendado pela editora Expressão e Cultura como
obra de divulgação institucional. Daí a elaboração de um texto relativamente curto, de leitura
fluente para convencer o leitor leigo da existência e interesse do cinema nacional (p. 55/6).
Mesmo com essa ressalva, o interesse acadêmico por essa periodização, dá conta dos poucos
estudos gerais sobre a historiografia do cinema brasileiro.
89
Idem, p. 55/6.
metragens).90 Menos ainda é dito sobre a circulação de filmes – a sua exibição
– bem como sobre o público que os assistia.
Sabe-se da existência de um discutível recorte historiográfico em torno
de roteiros e das possíveis preferências de enredo: os filmes criminais,
os cantantes e os da revista de ano, nas primeiras décadas do século XX. 91
Todos têm em comum um caráter pedagógico: suprem a um custo acessível,
em um país marcado pelo analfabetismo, o acesso a informações atualizadas,
até então escritas e/ou procuram divulgar o gosto pela música erudita para
as camadas populares. Dentre estes tipos, os dois primeiros se destacam.
O terceiro teria conformado uma tentativa rapidamente esgotada de recuperar
o prestígio decadente de um gênero já ultrapassado.92 Não é esse, porém,
o caso dos outros dois tipos referidos acima.
Embora
vistos
por
alguns
críticos
como
uma
versão
menor
ou empobrecida do teatro, cujos preços salgados nem sempre permitia
o acesso indiscriminado da população, tudo indica que os filmes cantantes
atraíam um público ávido pela música.93 Antes da invenção da trilha sonora
e seu acoplamento ao fotograma, era comum a projeção de “cenários”
ao mesmo tempo em que, por trás da tela, cantores entoavam a melodia,
normalmente trechos de óperas mais conhecidas. Não se sabe, porém, quem
teriam sido esses cantores e qual teria sido a reação do público a cada
um deles. O que parece ser de conhecimento comum era o fato de eles terem
se
constituído
em
uma
oportunidade
de
barateamento
dos
custos
de montagem de um espetáculo completo, em face da ausência de cenários,
orquestra e demais pessoal especializado.
Nos
filmes
criminais
fica
mais
evidente
a
correlação
entre
o analfabetismo e o fascínio provocado pela transmissão de imagens que
ilustravam o acontecido. Baseando-se, também, em pesquisa de arquivos
da imprensa escrita – jornais e revistas do período – a historiografia do cinema
90
Idem, p. 27.
Idem. Ver o ensaio III. De Recortes e de Contextos, contido na obra supracitada,
pp.65 a 126.
92
Idem, p. 102.
93
Na ausência de estudos específicos sobre a correlação entre a frequência do público
às salas de exibição, os primeiros levantamentos historiográficos buscaram, prioritariamente,
informações sobre o tema em jornais e revistas da época. Em nenhum momento na literatura
consultada foi levantada a hipótese que essas informações favoráveis possam ter tido
encomendadas pelos próprios exibidores.
91
resgatou, embora sem distinguir entre filmes nacionais e estrangeiros,
a existência de um filão expressivo do mercado de imagens macabras sobre
a
criminalidade.
Não
por
acaso
essa
temática
foi
explorada
em sua representação jornalística, teatral e cinematográfica.
Daí o reforço ao entendimento de que o cinema não apenas desnuda
a condição feminina às próprias mulheres e a sociedade, mas a descobre
e ao descobri-la impõe um novo padrão estético que requer dela, ao mesmo
tempo, um posicionamento distante e dinâmico, renegando o modelo
engessado oferecido à mulher pelos ditames seculares.
Por outro lado, convém lembrar que, diferente do que ocorre com
as pesquisas realizadas sobre a história do cinema europeu, em seus
primórdios a historiografia do cinema brasileiro se concentrou no estudo
da produção. Assumiu, portanto, uma característica que Bernardet define como
não natural, concluindo que:
“Esse recorte impedia que se percebesse que o grosso da produção,
nos anos 20, por exemplo, não era nem ficção nem longa-metragem,
mas documentário e curta-metragem. O bloqueio do mercado levava
os cineastas a se concentrar sobre o cinejornal e o que chamaríamos
hoje de filme institucional: era basicamente essa produção
que sustentava os produtores, fazia circular algum dinheiro
na área da produção, mantinha, bem ou mal, equipamentos
e laboratórios, impedia que a produção brasileira sumisse
completamente das telas, e desse ao publico alguma imagem
cinematográfica de sua sociedade. O filme de ficção era antes uma
exceção, o mais das vezes facultada pela produção documentária”.94
Um reconhecido
traço
documental
que predomina
até
mesmo
na produção de filmes catalogados como pertencendo ao mundo da ficção
e ao romance e que, evidentemente, torna essa fonte de pesquisa histórica
ainda mais enriquecedora.
94
Ver BERNARDET, 1995. Idem, p. 117.
Capítulo III – Janelas de um tempo – Análises dos filmes.
Os
condutos
de
produção
e
desenvolvimento
do
espetáculo
cinematográfico quanto meio de representações sociais, se faz componente
importante da análise aqui pretendida. Segundo Hobsbawm, como referencial
de análise é possível observar o desenvolvimento da indústria cinematográfica,
desde que se considere o cinema como uma atividade economicamente viável.
No caso brasileiro, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, ele foi
produzido em primeiro plano por imigrantes italianos e espanhóis, sem
a presença visível de judeus, mas cuja realidade econômica se fazia similar.
E, cuja leitura nos permite qualificar o público-alvo ideário às primeiras
produções cinematográficas ao verificar que:
“Eles eram, com mais freqüência, como nos EUA, pobres mais
dinâmicos mascates judeus imigrantes, que teriam vendido com
o mesmo entusiasmo roupas, luvas, peles, ferramentas ou carne
se estes artigos tivessem parecido igualmente lucrativos. Passaram
a produção para ter o que exibir. Seu público-alvo era, sem a menor
hesitação, os menos instruídos, os menos reflexivos, os menos
sofisticados, os menos ambiciosos intelectualmente, que lotavam
os cinematógrafos...”95
Para comprovar essa hipótese, torna-se relevante, embora breve nesta
dissertação, visitar a evolução do meio em aspectos que fizeram orientar
os seus caminhos, até o período que se pretende focar. Inevitável visitar-se,
para tanto, autores como Schvarzman 96, que mais bem dá conta de descortinar
as
trilhas
percorridas
nos
grandes
centros
brasileiros,
notadamente
em São Paulo. Aqui, há de se perambular e se oferecer, mesmo que em plano
geral, os moldes que historicamente se fizeram observar nos produtos
cinematográficos e na sua interação com os seus diferentes cenários
e públicos. Sejam eles físicos, ideológicos, políticos, técnicos, culturais, entre
outros, na melhor capacidade analítica de buscar decodificar as mensagens
propostas nos roteiros em questão.
95
Ver HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios, 1875 - 1914. São Paulo: Paz e Terra, 1988,
p. 371/372
96
Ver SCHVARZMAN, Sheila. Ir ao cinema em São Paulo nos anos 20. In Revista Brasileira
de História. Vol.25, nº. 49. São Paulo: ANPUH, Jan./June 2005. Texto digitalizado disponível
in http://www.scielo.br/rbh
Embora notório, há de se fazer constar que o espetáculo cinematográfico
nascera, fundamentalmente, também aqui no Brasil, como um mero
divertimento de frequentação popular e proletária, de forma especial, dirigido
ao público masculino, aos analfabetos ou iletrados em sua maioria, na diária
necessidade de minimizar as tensões de um período de incertezas.
Ou, como outro lado da moeda, como exceção feita por inovadores de outras
áreas do conhecimento, que procuram ver na técnica cinematográfica, uma
nova e diferenciada possibilidade aos estudos de disciplinas tão dispares
quanto medicina e física.
Mas,
semelhanças
introdutórias
do
cinema
no
país,
tal
e qual as experiências relatadas mundo afora, não seriam, de início, díspares.
Griffith e Eisenstein (entre outros e pós 1915), ao que se sabe e exatamente
nesta mesma ordem, passam a serem referências de modelos de construção
dos roteiros e do desenrolar da narrativa. Anunciavam novas possibilidades
de atendimentos de públicos diferentes e diferenciados que exigiam não
apenas maior sofisticação de conteúdo: incluíam a valorização do próprio local
de exibição.
Essas mudanças propõem que os locais de exibição se modifiquem,
pois os simplórios galpões rudimentares das salas de projeção improvisadas,
não atendiam mais as demandas de novos e ávidos públicos, como o feminino
e, mais notadamente, as da chamada “distinção social”. Haveria o cinema
de conquistar, de forma acelerada, como acelerada eram os quadros
por segundos das manivelas dos anos do cinema mudo, espaços cada
vez mais amplos e, em seguida, mais sofisticados. No primeiro caso, para
o atendimento da ampliação quantitativa de espectadores, quer em faixa etária,
quer em gênero e, num segundo, a buscar e a reter a frequência das diferentes
camadas sociais. Assim, em São Paulo, se chegaria a meados dos anos 20,
constatando que
“(...) Havia 27 salas, oito delas no Centro, enquanto só no Brás
havia seis, no Bom Retiro duas, na Mooca uma, no Cambuci uma
e, na Vila Mariana, também uma sala. Em bairros de classe média
como Paraíso, Bela Vista e Santa Cecília havia apenas uma sala.
Portanto, pela localização das salas se pode perceber que o cinema
era ainda em grande parte voltado aos bairros e ao público operário."
97
O cinema,
diferentemente
das concepções usuais da difusão
de produtos, trilhava caminho inverso e ascendeu da dita mais humilde
condição social às mais abastadas. Na contramão do usual e previsível,
em uma sociedade repressiva e repressora, foi possível constatar que, devido
ao seu sucesso junto ao público,
“(...), em 1927 já são 35 salas, oito das quais no centro da cidade,
sete no Brás, e uma em cada um destes bairros: Cambuci, Barra
Funda, Liberdade, Vila Mariana e Perdizes (...) em 1925 ainda não
eram claras as mudanças em curso; não se percebia o término
de uma época, com a preeminência de imigrantes italianos como
Staffa ou Pandolfi, nem se esperava que o espanhol Francisco
Serrador tomasse a dianteira na adequação das salas aos novos
padrões mundiais desenhados a partir dos Estados Unidos”.98
Evidente que sucesso do cinema atraiu a atenção dos críticos. Como
bem aplaude e indica caminhos Guilherme de Almeida, voz da pragmática
intelectualidade paulistana, em artigo ao jornal “O Estado de São Paulo”,
em 8 de dezembro de 1929, para quem
“(...) Com a sua primeira produção, Fragmentos da Vida, filme
nacional que está sendo exibido na “Sala Vermelha” do “Odeon”,
a Medifer demonstrou saber uma grande coisa, a principal coisa
mesma de que precisa o cinema brasileiro: “Começar”. Começar
com filmes curtos e baratos. Isto é essencial. Essencial película
e gente, isto é, tempo e dinheiro (...)99
Demonstrava uma visão estratégica mercadológica apurada ao indicar
um caminho que pudesse dar consistência ao crescimento do cinema nacional,
a partir da produção de baixo custo que permitisse ampliar a quantidade
produzida. Essa, por sua vez, reduzia os custos de produção, barateava
o produto, ampliava os públicos e a frequência ao cinema, buscando
na diversidade, a qualidade que haveria de se evidenciar a partir da própria
97
Idem.
Idem.
99
Em documento D-1057/1.1, disponível na Hemeroteca da Cinemateca Nacional.
98
experiência produtiva. Dava-se sustentação a uma nova era de comunicação
de massas.
Impõem-se, agora, considerar, mesmo que primário possa parecer,
a origem da palavra comunicação, que do latim “communicare” busca tornar
comum entre emissores e receptores seus repertórios. O cinema impõe novos
repertórios, mas faz do cotidiano e do imaginário dos seus espectadores
seu melhor roteiro.
O que se quer analisar passa à margem dos propósitos conscientes
de roteiristas e/ou diretores de representar ou não a mulher neste ou naquele
papel, embora parte significativa de tais representações possa ocorrer neste
nível.
Mas,
apenas
independentes
de
e
um
tão
somente,
propósito
levantar
objetivo,
pois
suas
representações
que
tais
imagens
ou posicionamentos que cada cena ou tomada oferece sobre a mulher,
traduz ou busca traduzir igualmente as demandas subjetivas não só dos seus
criadores, mas, também e eventualmente de forma ainda mais sedimentada,
forte e significativa das demandas objetivas da sociedade, cultura, hábitos
e costumes nela arraigados.
Demandas de representação, presentes, não só de quem roteirizou,
produziu ou atuou em tais filmes, mas, dos públicos que em suas expectativas,
desejosos por ser e poder ver os ideários à sua própria representação
e/ou
a
representações desejadas,
na realidade
e/ou
no imaginário.
Quer por homens e ou mulheres, quer sociedade, quer Estado, quer, ainda
da Igreja, na manutenção dos status quo de cada gênero, pelo conjunto
das instituições sociais em suas próprias necessidades representativas.
Trata-se,
finalmente,
de
buscar
levantar
no
conjunto
destas
representações, aqui pesquisadas nos filmes: “Braza Dormida”; “Fragmentos
da Vida”; “Lábios sem Beijos” e “Mulher”, as figuras desejadas ou demandadas
por si ou por terceiros, a efetiva imagem que os filmes no final de uma era
técnico-narrativa, aqui caracterizada como cinema mudo, teriam como desenho
de mulher. A esculpir e a nos delinear, como se janelas fossem, os ideários
de um período histórico, nas representações que se quer observar.
3.1.
a. BRAZA DORMIDA (1928) – Ficha Técnica Parcial
Gênero
Drama romântico; Aventura
Categorias
Longa metragem / Silencioso / Ficção
Material original
35mm, BP, 1.780m, 16q
Data e local de produção
Ano: 1928
País: BR
Cidade: Cataguases
Estado: MG
Sinopse
"Luiz, estróina carioca, é contratado por um usineiro mineiro para substituir
o vilão Pedro Bento na gerência da usina. Apaixona-se por Anita, filha
do usineiro. Cartas anônimas de Pedro levam o namoro, mantido em segredo,
ao conhecimento do usineiro, que não aceita o casamento por não conhecer
a família de Luiz e afasta sua filha da usina. Prossegue o namoro em segredo.
Pedro, por vingança, dinamita a chaminé da usina. Pedro e Luiz enfrentam-se
numa luta que leva à morte do vilão. O usineiro, que ficou sabendo da família
de Luiz, autoriza o casamento".
Termos geográficos
Cataguases - MG; Rio de Janeiro - DF
Companhia(s) produtora(s): Phebo Brasil Filme
Produção: Barros, Agenor Cortes de; Domingues, Homero Cortes
Argumento: Mauro, Humberto
Roteiro: Mauro, Humberto
Direção: Mauro, Humberto
Locação: Cataguases - MG; Rio de Janeiro – DF100
100
Ficha Técnica Parcial, do filme “Braza Dormida”, retirado de documento disponível como
Ficha Técnica Completa, em:
http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis. exe/iah/? Isis
Script=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=004841&for
mat =detailed.pft#1 da Hemeroteca da Cinemateca Nacional, em 01.08.2010.
Análise da Sinopse:
A sinopse permite poucas, mas, importantes considerações ao nosso
objeto análise. Dela temos como principal, um forte componente do parâmetro
social imposto à mulher naquele momento/lócus, a saber: o aceite paterno
à sua liberação pelo casamento. Tão ou mais significativo deste período,
a perpetuar padrões seculares, é que tal liberação ocorre no mesmo nível
social ao qual pretensamente pertence à heroína. Essa, por sua vez, só haverá
de reconhecer e aceitar esta liberação após a aprovação dada pelo pai. E esse
após, e tão somente após, se certificar que estará entregando/liberando sua
filha para alguém de status social similar, superior e/ou a alguém que faça
parte de sua rede de solidariedade. Entendia-se que o casamento era
a proteção e garantia do nível social da mulher. Na ausência de herdeiros
do sexo masculino o controle da fortuna familiar deveria ser passado para
o marido da filha e sua seleção/escolha tornava-se a função primária do pai.
E essa escolha se faria no interior do mesmo ambiente social. Qual seja:
a condição de trabalhador, atribuído ao personagem Luiz, não é, por si
só, condição suficiente para a sua aceitação e nem, possivelmente, necessária
ao aceite. O reconhecimento das relações entre as famílias do pretendente
e da pretendida é, porém, fundamental. Não menos importante à nossa análise
o foco como protagonista ao gênero masculino, como centro ou núcleo
em torno do qual gravita o desenrolar desta história.
Na busca deste objetivo foram selecionadas, como demarcadores
da “leitura” desta película, 37 (trinta e sete) cenas sequenciais, que se possam
contextualizar. Sem perder de vista a lógica narrativa do roteiro, a seleção
da
amostra
obedeceu,
assim,
critérios qualitativos.
Não
por
acaso,
por exemplo, foram eleitas cenas que podem dar conta das mudanças
de cenário – a metrópole e o interior ou o urbano e o rural – e dos distintos
comportamentos adequados a esses ambientes, como que a caracterizar
as profundas mudanças que se sucedem pela urbanização de um lado
em contrapartida aos enraizados padrões de moral e de comportamento
institucionalizados à geografia do campo.
Cena 1- O cenário metropolitano
A legenda, autoexplicativa, prepara o espectador para a introdução de alguns
elementos centrais do roteiro: a metrópole, o trabalho e ruídos do contingente
humano.
Cena 2 – Figurino de protagonista
Do geral para o particular, um recorte identifica o personagem principal, pois
que, com ares “Valentinos”, surge Luís, o herói, bem vestido e pensativo,
a mandar engraxar os sapatos como bem exige os de sua estirpe, o não servil.
Cena 3 - Questões
Após as pagas, a provável única nota que ainda lhe sobra na carteira de couro
dá, porém, a tônica e dramaticidade da cena. Ela se contrapõe ao apuro
da vestimenta e permitem uma primeira interpretação dos olhares pensativos
da cena anterior.
Cena 4 – O passeio público
Do personagem principal segue-se uma visão panorâmica de pessoas
anônimas, dando conta do burburinho que caracterizava as calçadas
do Rio de Janeiro, traduzindo crescimento, aceleração e a dinâmica da cidade.
Uma quantidade expressiva de homens, denotando ser esse um espaço não
feminino por excelência “contracena” com uma única mulher. Essa
está acompanhada do marido e do filho, de maneira a caracterizar como
o chamado sexo frágil devesse transitar na cidade: com a proteção do marido
e na reconhecida condição materna. O seu vestuário – bolsa, broche, joias
e chapéu – são símbolos de seu status social e sinalizam, senão proteção, mas
o respeito e o distanciamento requerido, desejado e aceito.
Cena 5 – A busca
É neste espaço, a debruçar o olhar nas páginas de jornal na procura de uma
solução para seus problemas financeiros que Luís é vislumbrado. Mas, o que
lê, são chamadas ao imponderável.
Cena 6 – Na massa, as minorias.
Uma cena panorâmica do Jockey Club indica o local de busca de solução
do problema financeiro do protagonista. Nota-se, aqui, em rara aparição,
a presença de indivíduos “negros” em evidente condição servil. As mulheres,
por sua vez, também em situação de minoria, surgem acompanhadas
de homens “brancos”. Trata-se de uma clara e declarada distinção de grupos
minoritários, tidos e mantidos em situação de inferioridade.
Cena 7 – Nas patas, a sorte.
É aqui que o protagonista busca, como derradeira sina, sua sorte nos cavalos
a lhe oferecer redenção financeira que tanto almeja. A mulher, ao seu lado,
sem maior identificação, configura uma mera ilustração de sua educação
cavalheiresca.
Cena 8 - Adornos
Na busca de entretenimento e a dividir um mesmo espaço, as mulheres são
representadas sempre acompanhadas de um par masculino como a lhes
fornecer proteção e pertinência. Da cultura europeia elas importavam moda,
figurino e estilo de vida. Adornos e joias buscam traduzir nessa mulher-reflexo
o status social e financeiro do homem.
Cena 9 – Compromisso pagão
A sorte não sorriu a Luís que, num banco de praça, cede seu último fósforo
ao parceiro ocasional, claramente caracterizado como pertencendo a um nível
socioeconômico inferior. Lá, vendo no outro um espelho, Luís relembra.
Cenas 10 a 12 – Lembranças
Que agora é só, sem poder contar com o pai, pois se negara a seguir a trilha
que este lhe abrira. Que não tem outra fonte de renda qualquer, que não
a buscada pelo próprio suor, pois que a sorte parece, também, não lhe querer
companhia.
Cenas 13 a 15 – Contornos
Na mesma praça, ele e seu parceiro eventual, estão a ver o caminhar
despretensiosos de uma dupla de jovens mulheres. Esse último, um individuo
de aparência comum vê surpreso, senão atônito e interessado, o arrumar
das meias de uma das jovens a desvendar o contorno parcial de seu joelho.
A cena atribui à mulher capacidade de, com gestos simples e naturais alterar
os comportamentos e o raciocínio do homem comum, ao ponto de fazê-lo
deixar queimar o paletó por ter a sua frente tal imagem, tirando-o “eixo”.
Cena 16 – Classificado
O jornal deixado no banco pelo homem comum, como que por destino, parece
trazer uma oportunidade ao nosso herói.
Cena 17 – Novas companhias
Na entrevista, aprovado para a sua nova função de Gerente de Usina, Luís
conhece Nita, sob o olhar sempre austero do pai zeloso. Salta aos olhos, uma
possível interação entre os dois jovens personagens.
Cena 18 – Em roda
Não tarda para surgirem os primeiros encontros entre os dois, sempre
às escondidas do olhar paterno.
Cena 19 – Braços abertos
E, em um deles, a heroína dança para o protagonista, como que a querer
seduzi-lo pelos seus encantos físicos, plástica e demonstração da condição
de aprovação, aceite e agrado.
Cenas 20 a 22 – Pecados e pecadores
Em outro passeio se dá o primeiro beijo do casal, entre os olhares e os perigos
eminentes preconizados pela presença do vilão e da serpente, (uma provável
alusão entre o não desejado em similar e explícito momento bíblico...).
Confirmam analogias que permitam enxergar a heroína na condição antagônica
de santa e pecadora, reforçando a tradicional visão dicotômica da mulher, ora
como “Maria”, ora como “Eva”. Pois que, a visão de “Lilith” e quer suprimir, via
de regra.
Cena 23 – A força do bem
A cobra, símbolo do pecado original, o herói mata com certeiro tiro,
preconizando, quiçá, similar destino ao “vilão”. Com esse ato, é eleito protetor
ideário de Nita, revela-se homem de boas intenções, o que faz dele uma
assertiva se escolhido for, também, pelo pai da donzela.
Cena 24 – A escrita do mal
O vilão denuncia em carta anônima, como anônimos são os “Escariotes” o beijo
às escondidas ao pai da heroína, a delatar em escrita.
Cena 25 – Mensagem
Severo, indumentária burguesa, típica do grupo identificado como
“colarinho branco”, cujas mãos não foram feitas para a lida, em leitura atenta.
Cena 26 - Escândalo
Pois que possa induzir a uma visão de tentativa de sedução e defloramento,
um crime sério, previsto em lei, cuja aplicação se estendeu, ainda, nas décadas
que se seguiriam.
Cena 27 - Desconhecido
Nos dizeres paternos, não se aventa sequer a condição de namoro. O que
se coloca em plano é o casamento. Não lhe conhecer a família intui o interesse
em saber se é o pretendente digno de administrar seu patrimônio, se pertence
ou não ao seu círculo social, se faz parte de sua rede de solidariedade,
se o casamento será ou não do interesse paterno ao serem preenchidas
tais condições. Os desejos da filha não são sequer aventados. E, assim, o seu
pai, após ler as cartas que narram seu beijo às escondidas deixa bem claro
as razões do porque não aceita o protagonista como noivo de sua herdeira.
Cena 28 – Incondicional
A heroína, como boa filha, acata as imposições paternas, sem a ousadia
de arguições de qualquer ordem. Ela, aparentemente, está ciente e aceita
a sua “incapacidade” feminina de não ser capaz de gerir os negócios
da família, de não ser herdeiro masculino, direto, desejado pelo pai.
Na sua condição de mulher lhe cabe, apenas, via um casamento autorizado,
ser o elo com a próxima geração, ser a mãe do herdeiro idealizado.
Cena 29 - Escapes
Mesmo acatando a decisão paterna, ocasionalmente e às escondidas, eles
continuam a se ver. Como no aniversário dela quando ele lhe dá uma rosa,
fruto de uma roseira por ela plantada e, por seus cuidados, acalentada
e nutrida.
Cena 30- O valor da rosa
Uma flor que demonstra ser, entre todos os demais e materiais presentes,
o mais caro à heroína.
Cena 31 – O brinde
Sorrateiro, chega ao bar da usina o antigo gerente, que sagaz e a demarcar
presença, de imediato, paga a todos uma rodada de bebida.
Cena 32 – Surpresa aos ouvidos
De repente, todos à volta com o ex-gerente se questionam sem saber
o ocorrido, nem imaginá-lo. Sem saber que o agora sorridente vilão,
as escondidas dinamitará a chaminé da usina, como vingança ao nosso herói
que, aos seus olhos, tudo conseguia. Sem que ninguém dele possa desconfiar.
Cena 33 – Aos olhos do dono
Em carta Luís informa o usineiro e lhe pede presença.
Cena 34 – Corpo a corpo
A chegada do usineiro e de sua filha coincide com o combate de corpo entre
herói e o bandido, pois que descobre o culpado pela explosão na usina. O vilão
tomba morto após acidente, em melaço quente, em morte violenta.
35 – Sobrevida
No evento, evidente, sobrevive herói.
Cena 36– A César
O protagonista demonstra com suas ações ser o protetor ideal do patrimônio da
família da heroína. A esse fato se agrega o reconhecimento social igualitário
entre as famílias. Assim o pai aprova o futuro genro, pois que de sua rede de
relacionamento é filho e herdeiro.
Cena 37 – Passaportes
O beijo sela e encerra a sorte dos protagonistas como se o casamento fosse
o passaporte libertário da mulher. Ela é merecedora deste fim à medida que foi
capaz de obedecer aos mandos paternos, acatando e cumprindo o papel que
dela se exige representar.
A primeira consideração que se faz necessária sob a análise deste filme
é que o seu título deveria ter sido “Flagrantes da vida mineira.”101 Isso terá
dado conta do cenário regional de se adequar a uma realidade em choque
entre o rural e o cosmopolita, nas tomadas realizadas nas locações no Distrito
Federal. Teria reafirmado a distinção entre o ambiente da cidade e o de uma
usina de cana-de-açúcar.
Assim, para uma leitura ainda mais dirigida e oportuna, convém relembrar
citação do roteirista/diretor: “O cinema que eu faço é o cinema das coisas do
meu universo.”102
Na página e matéria da mesma legenda, ainda se faz ler.
“Para o jornalista e crítico Ricardo Gomes Leite, Humberto Mauro, foi
„o maior cineasta brasileiro de todos os tempos, pois que teve a
qualidade de ser autodidata e de sempre ter trabalhado com recursos
101
Conforme Documentação – R- 1683/1, segundo levantamento de Jean Claude Bernadet,
p. 03, disponível na Hemeroteca da Cinemateca Nacional.
102
Legenda de foto, publicada na Folha de São Paulo, a 07 de Novembro de 1983, quando do
falecimento de Humberto Mauro, sem autor da matéria nela identificável, conforme documento
P.- 571/65, disponível na Hemeroteca da Cinemateca Brasileira.
quase artesanais, usando sua casa como estúdio e os membros de sua
família como figurantes‟.”
103
Fica assim claro o ambiente e aos valores interioranos terem sido vistos
em plano.
O filme analisado em tomadas sequenciais; traz a afirmativa, de que
a mulher possa assumir o papel de eminência responsável, a catalisadora,
o ser capaz de separar, nutrir ou suscitar... o bem e o mal. Havemos
de considerar que o filme de 1928, retrata personagens típicos
de estrato
social mais bem aquinhoado. Que de um lado busca sua própria identidade
em associação com a importação dos figurinos, de todas as modas, estilos
e costumes europeus, denunciando uma pretensa modernidade.
Outro ponto importante em discussão no filme se refere à colocação
de figuras e/ou signos religiosos. Essa é uma temática que parece acompanhar
este roteirista, que faz uso da religiosidade como expressão importante
na construção de suas mensagens Trata-se da utilização de símbolos
de comum repertório e grande apelo à sociedade católica da época, como
forma significativa na composição das representações desejadas/idealizadas
e a servir de balizador da moral, atitudes e comportamentos que se quer
sedimentar.
Cabe destacar, que a figura masculina é o núcleo central da história.
Personagem por onde permeiam as suas concepções criativas e/ou de mundo
ideário das tramas tecidas pelo roteirista.
A mulher por sua vez, como evidente fica ao longo das cenas
analisadas, assume diversos papéis todos referindo uma representação préconcebida: Ela a filha obediente, a herdeira do patrimônio, é a “esposa”
e a esperança de redenção. Ela não existe sozinha, seu destino se sustenta
na complementação do outro. O que fica sugerido é o destino final de mãe.
Que a ele, em maior ou menor tom, passam as demandas de um
produtor/diretor, na busca da audiência às suas demandas pessoais em não
clara,
103
Idem.
mas,
necessária,
adequação
ao
atendimento
das
demandas
da sua audiência pretendida. Pretender discuti-las aqui, não faz parte, contudo,
deste estudo.
Referendando este destino faço aqui ouvir a voz de Otávio Gabus
Mendes, que, como correspondente da Revista “Cinearte”, manifesta em sua
matéria “Drops de São Paulo” , faz eclodir “(...) o mais próspero ano até agora.
(...) o nosso primeiro film, verdadeiramente, foi „Braza Dormida‟. ”104
E, ainda, que trata da representação de brasilidade, ao anunciar aos
quatro ventos “Braza Dormida batem todos os films italianos até hoje feitos e
não dá confiança á inúmeros films francezes ou allemães.” 105
104
MENDES, Octávio Gabus. In: C193001050201F010Drops – Disponível no Museu Lasar
Segall.
105
Idem.
3.2.
b. FRAGMENTOS DA VIDA – (1929) – Ficha Técnica
Parcial
Gênero Drama
Categorias
Curta-metragem / Sonoro / Ficção
Material original
35mm, BP, 30min10seg, 870m, 16q, Sincronizado com discos
Sinopse
Na construção de uma São Paulo que "crescia desafiando as nuvens, levando
nessa ânsia incontida o suor de operários humildes", um trabalhador cai de um
andaime e à beira da morte pede para o filho trilhar o caminho da "honestidade,
do trabalho e da honradez". O filho porém prefere tornar-se um vagabundo
e tudo faz para ser preso afim de sobreviver. As pessoas, involuntariamente,
lhe impedem a ação. Quando finalmente decide "tornar-se digno pelo trabalho",
o vagabundo cai nas mãos da polícia e é preso sob falsa acusação de roubo.
(Material examinado)
Termos descritores Literatura; Trabalho; Urbanismo; Polícia; Cidade; São
Paulo – SP
Descritores secundários Adaptação para cinema
Termos geográficos São Paulo – SP
Companhia(s) produtora(s): Rossi Filme; Medifer
Produção: Rossi, Gilberto; Medina, José; Ferreira, Carlos
Roteiro: Medina, José
Estória: Baseada no conto <Soap> de <Henry, O.>
Direção: Medina, José106
Análise da sinopse:
Permite considerações relevantes às propostas de representação
a se iniciar por “... suor de operários humildes...” como a qualificar o público
ideário a quem o filme possa se dirigir e se querer representar/aculturar.
A grande massa da população, especialmente a paulista, como ilustra Gabus
106
Ficha Técnica Parcial, do filme “Fragmentos da Vida” retirada de documento disponível
como Ficha Técnica Completa, em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis. exe/iah/ ?Isis
Script=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=005149&for
mat=detailed.pft#1 da Hemeroteca da Cinemateca Brasileira, em 01.08.2010.
Mendes em suas críticas a massa operária que frequenta os cinemas do bairro
do Brás e que nos idos de 1929, buscava também na sétima arte, mais do que
em qualquer outro meio, seus referenciais sociais, identificações e identidades,
além e notadamente, a mais simples e pura diversão. Um tempo de quebra
das bolsas internacionais que refletiam de modo brutal também ao sul
do equador. Em roteiros que pudessem servir de espelho às suas próprias
existências em realidades do cotidiano, na construção dos alicerces
em concreto que se faria a metrópole. Cuja importância se fazia diretamente
proporcional ao aceite massivo de sua significância comunicacional, que
o cinema passara a ter. Ao elevar o adjetivo humilde a um status aceito
se devidamente conjugado com o sujeito operário, pois é àquele a quem
se reconhece, no sentido de concessão, pela construção física da cidade
e que tem, em seu suor, sua redenção a humildade de quem haverá tal qual
na Bíblia, na “transpiração do rosto”, a busca do pão de cada dia.
Referendando-o condição social e oferecendo-lhe aceite.
Por se tratar fundamentalmente de filme cujos personagens principais
são do gênero masculino, não deixa de trazer em seus escopos significativos
referenciais das expectativas de representações do gênero análise. Como
podemos denotar em “... honestidade e do trabalho e da honradez...”
adjetivações que pretendem qualificar o que possam ser considerados
de marcante ao protagonista e, igualmente a se prestar à condução
dos referenciais aceitos aos receptores da tela, de quaisquer gêneros.
A delimitar que a honra aos humildes, só pudesse ser obtida por meio
do trabalho honesto, trazia a forte ideologia da sociedade paulista da época
que carecia de instrumental pedagógico na manutenção de sua estratificação
social, que não a repressão física pura e simples e habitual, naqueles tempos
da Paulicéia. Mais, a espelhar na mulher humilde, o seu homem igualmente
humilde, devesse não somente possuir e louvar tais adjetivos, mas a exigi-los
e acalentá-los em seus pares, como e mesmo que de forma policialesca,
ser e reproduzir ao que a ela se concede, por missão social. A mantenedora
dos
adjetivos
da
honra,
da
honestidade
e
do
trabalho,
pois
que
deles, e consequentemente dela, dependeriam o sucesso e bem estar geral.
Talvez, até de sua “alma”, posto que a Igreja e não só o Estado partilhasse
da construção e reprodução, senão, da mesma cartilha ideológica, de similares,
entre si. Cuja função, na defesa destes valores, haverá de exigir dela, mulher,
posicionamento firme e forte (hipoteticamente, diferente da sua condição
natural – frágil e indolente). Sem se deixar ceder aos apelos do coração
e ou da “carne”, ou de demais privações, na demonstração suprema
dos valores dos seus propósitos a bem de Deus, família e da sociedade que
são seus desígnios.
Na
sinopse
temos
que
o
protagonista
“...
prefere
tornar-se
um vagabundo e tudo faz para ser preso a fim de sobreviver...” a fazer intuir
pela recessão no período, não devesse ser justificativa aceitável ao abandono
da
busca
do
trabalho,
honestidade
e,
por
conseguinte
honradez.
Que o caminho mais fácil, como tornar-se vagabundo, não pudesse fazer parte
das cogitações dos humildes, por mais dura e difícil que se apresentasse
a realidade. Mas, qualifica a sociedade ao elevá-la a uma condição superior
quando. “As pessoas, involuntariamente, lhe impedem a ação.”. A fazer
imagem de uma sociedade que mesmo em sua forma involuntária, possa
ser equânime e justa, acima do bem e do mal. Na exata medida que,
em seu modelo natural (em suas virtudes maternais) busca impedir que seus
membros, dela se percam por caminhos obscenos. A mesma sociedade que
de um lado lhe oferece tempo para sua redenção, há de ser firme e rigorosa
(tal qual o papel ideário da mulher junto à família) quando findo este prazo
hipotético, senão imaginário e que faz, assim como dito na sinopse:
“... o vagabundo cai nas mãos da polícia e é preso sob falsa acusação
de roubo.” Como que a oferecer ultimato aos que ainda indecisos são em seus
posicionamentos. A obra, mesmo sendo uma adaptação ou tendo por base
um escritor norte-americano, acaba por traduzir os anseios de metrópole
sul-americana, pois que se fazia apropriada em um cenário sócio-político
de inúmeras similaridades. O próprio aceite dessa adaptação, em seu tempo,
é prova contundente dessa similaridade.
Para tanto se dividiu o filme em 19 (dezenove) cenas para melhor
análise, considerando os mesmos parâmetros dos demais filmes aqui em foco.
Cena 1 - Indefesa
Na pseudo proteção, aconchegada a enorme parede homogênea e impessoal,
segue e a se “esconder” a Moça. Em plano geral assumindo e declarando
a sua condição de fragilidade, na urbe de anônimos. No passeio público, só,
a se expor a própria sorte, sem que algo similar a uma “burca” a ela se ofereça,
a defendê-la e/ou a “libertá-la”. Este “ambiente” quer representar o hostil, pois
que o homogêneo privilegia o igual, não a diversidade. O objetivo, não
o subjetivo. O impessoal e não a pessoa, o anônimo, não a identidade.
Igualmente hostil, dado o fato de que a personagem esta fora do seu local
de domínio, que devesse ser entre quatro paredes, nos limites do “lar”. Fosse
outro o sexo, não haveria tal “leitura”, nem proximidade ao muro. Cenário que
não haverá de alterar, uma vez que “ar” em torno do enquadramento, não há.
Cena 2 - A tudo vê
A Lei se impõe e espreita o cenário, em primeiro plano. Na defesa, onisciente,
da propriedade ao fundo. E o domina, pois que, nem “ar” há.
Cena 3 - Destino certo
Lei a querer vislumbrar os possíveis Malandros e Vagabundos. Estes lépidos
se antecipam a lhe montar cena. Com a parceria involuntária da Moça, não
a se “camuflar” de dignos cavalheiros, aos olhos desta mesma Lei que lhes
daria acolhida e guarita nesta condição, mas, a de reconhecer, em nosso herói
o atrevido. De tal forma que atingiria seu intento de ser preso e viver à custa
do Estado. Assim, o Malandro, “tira” dela o muro a “quebrar” sua derradeira
e tênue proteção e a limita a transitar entre e em meio aos seus confessos
“caçadores”. A lhe impor caminho, feito presa sabida e costumeira.
Cena 4 – Caçador e caça.
Abordada cede, indefesa, a aproximação do Vagabundo a lhe tomar o braço
e se entrega à sorte. Tendo por testemunha em plano de lateralidade, como
se hiena fosse, o Malandro. Ao fundo figura alguma se demonstra embora
possa se adivinhar. Podendo, ainda, se observar no Malandro, a filiação com
o circo, em seus jeito e trejeitos superdimensionados, típicos do cinema mudo.
Cena 5 – Dominador e dominada.
Centrado o casal parece, pelo olhar baixo de subjugo da Moça, a aceitar
a nova condição. Ele a anunciar domínio, ela submissão. Ao fundo, novos
personagens, que pela profundidade do campo se tornam difusos em suas
funções, propósitos e significâncias. A esta distância focal, “entende-se” que
diferente será quando estiverem em plano aproximado.
Cena 6 - Em seus lugares
A tomada em plano geral reconstitui a história, oferecendo a cada personagem
a dimensão (imagem) pretendida. O passeio é testemunho do poder do “braço”
da Lei em sua função de teletela social. A “verdade” é estabelecida
e a agora acompanhada moça, impede o intento do Vagabundo na busca
de se fazer aprisionar. E, o Malandro, ganha novo status, pois que
a desconhecidos se alinha a transparecer conchavo. Conchavo, que de forma
equivocada possa se fazer, é tido a todos como subterrâneo. E o plano pretere
o trio e confere predileção ao casal, pois que próximo da Lei.
Cena 7 - Agradecida
O sorriso anuncia e denuncia inesperado alívio, da grata figura.
Cena 8 - Divida
.
Acompanhando a “fala” da personagem que anuncia o reconhecimento e aceite
da ação do protagonista.
Cena 9 – Insucesso
Fala que se contrapõe ao olhar atônito dos “bandidos” que adquirem figura
e significado em frustrado intento.
Cena 10 – Distância
O dedo aponta, denuncia e reconhece seus pretendidos algozes, agora
imóveis.
Cena 11 - Intervenção
O texto solidifica a grata ação da moça ao seu defensor desavisado.
Cena 12 - A despedida
Ao fundo, o mundo não muda. O “mal” sobrevive em seu devido lugar, próximo
aos malandros e distante dos gentis. Gentis como o casal em primeiro plano
ou como o com eles se quer fazer identificar – o espectador.
Um “Q” de circense, tal qual um “bufão” domina, ainda, o espetáculo, a declarar
época.
A gratidão reconhecida transpassa-se pelos dedos da mão, pelo olhar
enternecido e pelo sorriso comedido de pretensão sincera, em despedida.
Cena 13 - Apraz
Do sorriso grato a querer se estender ao sorriso prazeroso.
Cena 14 - Sinais
Ainda e ademais, sinaliza a “virgem”, com corpo, sorriso e olhar, o possível
“aceite” a tão terno herói que lhe salvou de sina indigna.
Cena 15 – Doce utopia
Como se sua honradez e honestidade, pudessem compensar a condição social
(verdade econômica) e elevá-lo ao conceito de herói aceito, contrário ao seu
destino. Papel que, por breve instante, toma como real o sonho Vagabundo.
Observações:
I - Cenas de 01 a 15 – Sequencia meio do filme que privilegia a participação da
imagem feminina no contexto da representação.
II - Cenas de 16 a 19 – Cenas finais da narrativa fílmica.
III - Cena 18 – Sequencia das cenas finais se remete igualmente ao início da
película na construção dos valores da personagem principal – o Vagabundo em
suas memórias infanto-juvenis.
Cena 16 – A fé une,
O destino ainda reserva ao Vagabundo, o encontro na Igreja com sua musa, a
lhe mudar o intento.
Cena 17 – revela,
Ao lado da moça ele se atenta de sua camisa rasgada, roupa puída, de seus
sapatos rotos, a lhe trazer a sensação de inutilidade.
Cena 18 – relembra,
Relembra a última imagem de seu pai acidentado, a lhe transmitir suas
derradeiras e preocupadas palavras sobre honestidade, trabalho e honradez.
Cena 19 – reprime e redime.
A apresentar o arrependimento, como única alternativa possível de alguém que
em tantos erros incorreu.
A análise das cenas sequenciais do filme “Fragmentos da Vida”, aqui
proposta, se fez focar em momentos específicos, nos quais a participação
feminina, embora secundária, se denota em melhor tom, expondo como
protagonista o gênero masculino. A densidade desta análise permite e torna
factível e clara a dicotomia entre masculino e feminino. Ela acaba por se fazer
tradutora e lente das demandas exigidas, dos indivíduos da sociedade
paulistana, notadamente os de baixa renda e ou de baixo nível de perspectivas
laborais, em momento gritantes transformações. O roteirista e diretor, figura
advinda do interior paulista, bem que aparenta querer se adequar as novas
exigências
da
urbe
cosmopolita,
mas,
acaba
por
manter,
convicto,
e as tradições, regeneradoras. Certo de estar, a exemplo de filmes anteriores,
construindo representações que possam adequar o “velho” e o “novo”.
Mesmo naquele momento paulistanos articulistas fazendo-se indignar
pelo verbo, entre os quais, Octávio Gabus Mendes um dos grandes
interlocutores do período, a gritarem em alto tom
“ (...) E, ainda, é correcto, é decente, é bonito, estar mostrando o film
sob um aspecto tão deprimente? Com gente tão suja. Com aspectos
tão pouco hygienicos”. (...) Mas, será possível que não haja alguém
que mostre film com gente ao menos soffrivelmente vestida? Os films
paulistas, infelizmente, nos mostraram, até hoje, vagabundos, ladrões
de gallinha, compradores de bonde, freqüentadores de ferros velhos
107
e de tinturarias suspeitas (...) “
Grita Mendes uma nova estética. A das avenidas e praças parisienses.
Entre o ser e se fazer espelhar. Entre a tangibilidade e a utopia. Entre a
realidade e o sonho de uma São Paulo desprotegida, pobre e realista. Despida
dos padrões europeus e americanos, embora neles a queiram vestir.
O trabalho liberta e faz o homem. Miragem apenas. Pois que lá se deixaram as
ilusões de grande parte desta população, sem alternativa, que agora enfrenta a
mais dura e diuturna realidade. A dos Lavapés.
107
Idem. In: C193001050201F010Drops.
3.3.
c. LÁBIOS SEM BEIJOS - (1930) – Ficha Técnica Parcial
Gênero
Drama romântico
Categorias
Longa-metragem / Silencioso / Ficção
Material original
35mm, BP, 53min, 1.532m, 16q
Data e local de produção
Ano: 1930
Início de filmagem: 1930.03.20
Final de filmagem: 1930.08.31
País: BR
Cidade: Rio de Janeiro
Estado: DF
Sinopse
Após se conhecerem casualmente, Lelita e Paulo encontram-se outra vez
durante uma festa. A resistência inicial não impede que os dois passem
a se ver, nascendo entre ambos arrebatadora paixão. Certo dia, Lelita encontra
sua prima Didi chorando sentidamente, e descobre que o motivo dessa mágoa
chamava-se Paulo Morano. Paulo acusa sua ex-namorada, Tamar,
de ter preparado a intriga e colocado Lelita contra ele. Depois de muita
insistência e dos assédios de Paulo, Lelita decide falar com ele e obrigá-lo
a cumprir seu compromisso com Didi. Superando alguns percalços durante
o caminho, Lelita e Didi chegam ao encontro com Paulo, onde se desfaz todo
o equívoco.
(Resumo do cine-romance publicado em A Scena Muda, 12.11.1930).
Produção
Companhia(s) produtora(s): Cinédia S.A.
Produção: Gonzaga, Adhemar
Argumento: Gonzaga, Adhemar
Direção: Mauro, Humberto108
108
Ficha Técnica Parcial, do filme “Lábios sem Beijos”, retirado de documento disponível como
Ficha Técnica Completa, em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/
da
Hemeroteca da Cinemateca Brasileira.
Análise da Sinopse
A
sinopse
anuncia
o
propósito
de
propiciar
ao
espectador,
especialmente o feminino109, o vivenciar encontros e desencontros amorosos
da juventude, demarcando os limites do permitido – o flerte, o namoro
e o casamento – e das ligações clandestinas. O cenário é a Capital Federal,
marcada
pela
modernidade
metropolitana
que
questiona
identidades
e comportamentos da sociedade brasileira, até então, notadamente rural.
No embate entre os novos e os tradicionais hábitos e costumes, as relações
familiares e das relações sociais, constituem a garantia de preservação
da moralidade.
A análise tem um caráter amostral e se apresenta dividida em 51
(cinquenta e uma) cenas como se faz aqui nominar e, em alguns casos,
formam um conjunto de duas ou mais cenas, visando mais bem caracterizar
os objetivos e identidades pretendidos. Ela se realiza, ainda, buscando
preservar links que possam sustentar o desenrolar da trama, a fluência
da
narrativa
e,
eventualmente,
apontar
digressões
na
transmissão
da mensagem principal. A seleção das cenas analisadas buscou demarcar
os espaços em que os personagens principais transitam e convivem; as suas
origens sociais e os ambientes que frequentam; o uso da escrita reforçando
comportamentos
almejados,
bem
como
sua
dramatização
observada
na interpretação de atores e atrizes.
109
Embora às chamadas “senhorinhas” tenha sido o filme, classificado como desaconselhável,
pela censura da época – a Delegacia de Costumes e Jogos.
Cena 1– O cenário
Novos ares tomaram a cidade agora cosmopolita. Amplas calçadas e avenidas,
arborizadas, traduzem padrão europeu de civilização. As mulheres transitam
sozinhas e o ventar advinha novos tempos. Pois, que pelas calçadas e ruas,
livres e soltas; elas caminham.
Cena 2 – complementação
Os automóveis e o “progresso” dominam o cenário da urbe. Essa sequencia
conforma a apresentação do cenário: a cidade moderna, dinâmica, higiênica
e segura, constituindo um espaço novo de intermediação entre os sexos.
Algo original que é, poeticamente, reforçado pela presença do vento
e da chuva, a indicar a necessidade de abandonar o ranço do passado
e inaugurar comportamentos contemporâneos que permitem o transitar
feminino sem a intermediação masculina.
Cena 3 – O tutor do comportamento feminino
Surge o tio, substituto da figura paterna e interrompe o trabalho para reprimir
o comportamento da sobrinha, sem que a figura da protagonista seja vista,
a advinha-la como um teaser110.
Cena 4 – Face a face, a protagonista
110
“Literalmente provocador, estimulador. Em propaganda, o sentido é de pequenas
mensagens de preparação da atenção para um lançamento.” Segundo FERREIRA, Izacyl
Guimarães et al. Dicionário Brasileiro de Comunicação – Volume I – Mídia. Edições Mercado
Global: São Paulo, 1977.p. 85.
Ela registra a tentativa, mas mal interrompe sua atenta leitura.
Cena 5 – A reprimenda
A mensagem, explicita, parece querer decretar ser a sobrinha uma espevitada.
E essa, pelos seus primeiros jeitos e trejeitos mostrados na cena que se segue,
nos leva a crer na assertiva sugerida pelo tio.
Cena 6 – O desafio
As pernas femininas são, também, no início dos anos 30, objetos de cena.
Chamam a atenção para os vestidos, agora mais curtos, que traduzem o ideal
de modernidade, de identidade e de liberalidade/liberdade. Provocam
o imaginário feminino e masculino e acaba por tornar cada vez menos obscena
a exteriorização de um novo figurino plástico/estético condizente
com a vivência urbana. E, evidentemente, parecem querer desdenhar
de maneira acintosa o modelo anterior de comportamento social (a experiência
e preceitos do tio).
Cena 7 – Apelo ao compromisso
Essa sequência evidencia o confronto entre o moderno e o tradicional,
a necessária intermediação, quase sempre conflituosa, entre duas gerações
sucessivas. Os modos, o trajar e o hábito da leitura da protagonista
não conformariam comportamentos adequados aos mais experientes
e demandariam a pronta intervenção protetora/correcional masculina.
Configura uma exigência de uma firme e amorosa ação educativa definindo
o espaço e os limites de liberdade feminina.
Cena 8 – Relações clandestinas
Enquanto isso nos braços de sua amante surge a figura do pretenso herói.
Cenas 9 e 10 – Paixão e aventura
Decreta em sequência Paulo, a desdenhar qualquer importância nesse
relacionamento clandestino e fugaz de maneira a impedir que sua amante,
Tamar, possa a ele atribuir/desejar.
Cena 11 - Zangadinho
Diz ela, como que a reduzir a importância de sua fala e de sua maneira
de pensar.
Essas cenas demonstram que ao herói, solteiro, ainda é permitido relações
amorosas que não encaminham o casamento, sem que isso possa denegrir
a sua caracterização. Estabelece uma clara distinção entre papéis de gênero
perante a sociedade e, ainda, distingue amor e paixão.
Cena 12 – Primeiro encontro
Herói, que por destino ou acidente, adentra ao mesmo táxi da heroína em dia
de chuva, como que se esse encontro inevitável fosse.
Cena 13 - Espaços
Exige sem sucesso a moça.
Cena 14 - Supremacia
É a fala do herói.
Cena 15 - Recuo
.
Diz Lelita ao taxista, algum tempo após breve tentativa de conciliação. Não
sem deixar clara sua independência para ir e vir, pois que tinha seu próprio
automóvel e sabia dirigir. Falas como que a situá-la em pé de igualdade, mas
que a obrigam a ceder permanência ao elemento masculino.
O embate do primeiro encontro deixa claro uma relação de hierarquia entre
os sexos. Em face de uma mulher sozinha e desconhecida, o herói se permite
eleger o conforto pessoal acima dos imperativos do cavalheirismo. Ela, mesmo
sendo incomum, acaba por ceder parcialmente ao imperativo de modelos prédefinidos e sedimentados, o que per si já se faz um importante diferencial nas
relações de gênero expectativa para a época.
Cena 16 – Entre mulheres
Em casa, ao lado da tia e da prima, ouve o decreto da experiência ao narrar
às controversas no trânsito da cidade grande.
Cena 17 - Decreto
Em contrapartida, a tia aconselha Lelita a seguir o modelo, aparentemente,
calmo e obediente de sua sempre aquietada prima.
Essas duas tomadas enfatizam uma típica relação de cumplicidade feminina,
ao mesmo tempo em que, amorosamente amparada, a personagem principal
é repreendida por sua tia por não conformar o modelo social estabelecido.
Cena 18 – O reencontro
Em meio a uma das muitas festas promovidas no seu círculo social, eles
se reconhecem semelhantes e aproximados, como os protagonistas
da sua própria história. Estão, agora, distantes de uma situação estressante,
como a do táxi que os unira rapidamente pela primeira vez.
Cena 19 – Hiato
Ele, acompanhado, deixa a heroína só.
Cena 20 – Surpresa
Mas retornando breve à sua companhia, ele a surpreende, como que
anunciando seu interesse.
Cena 21 - Limites
Ele a cerca a querer beijá-la. Ela nega. Essa, parece, será a tônica por bom
tempo.
Cena 22- Permuta masculina
Insiste com a bela jovem o mancebo.
O ritual do flerte implica na delimitação de espaços entre o proibido
e o permitido. As respostas obtidas em cada estágio desse desafio determinam
comportamentos e atitudes que o herói tomará em relação à heroína.
Cena 23 – Namoro
A resistência feminina instiga novos encontros, nos quais ele continua a buscar
o beijo como intento e ela a recusá-lo como regra, sabida e esperada pelo
espectador.
Cena 24 – Enamorados
Enamorados parece ser a palavra que melhor representa os sentires, mesmo
sem beijos, quando em novos encontros.
Cena 25 – Dúvidas
.
Questiona a moça, em novo encontro, ao jovem que a cativou.
Cena 26 – O beijo
E o inevitável beijo, em close, acontece em lábios que só ela sabe, intocados.
Entre a juventude feminina, símbolo da modernidade carioca – relativa
liberdade de ir e vir, de vestir e se comportar, de questionar os valores
tradicionais de submissão e recato - os jogos de sedução não implicam
em abandono de limites sociais pré-estabelecidos. Implicam, porém,
em arejamento de discursos, espaços e valores nas relações humanas de um
novo tempo. Há de se questionar o sentido pleno do beijo, de um lado o
pretendido pelo roteirista, e por outro o que pudesse ser interpretado pelo
receptor sobre o nível do envolvimento e aprofundamento das relações.
Cena 27 - Identidade
É o nome completo que Paulo dá a Lelita. Pois o sobrenome dele não era sua
preocupação.
Cena 28 – Dilema familiar
Em casa novamente, a heroína descobre a prima desolada.
Cena 29 – A tragédia
.
É o nome dos infortúnios de sua prima, pois que sumido está.
Cena 30 – O drama
Dias e mais dias, inconsoláveis, se arrastam para Lelita. Em trajes que exibem
sua intimidade e evidenciam beleza, liberação e atração.
Cena 31 – Vingança
A ex-amante a fazer picuinha ao herói, diz ter dito a sua pretendida que era
dela que Paulo gostava. Pois que por Lelita, Paulo procurava. E que, de igual
forma, Tamar se sente “traída”.
Cena 32- Mentiras
.
Mente a rejeitada ex-amante, como que uma “Lilith”, a conhecida de Lelita,
fosse.
Cena 33 – O outro lado da moeda
O desespero o faz invadir a casa de Lelita; ela o quer expulsar, sem lhe ouvir.
Cena 34 – Miragem
.
Decreta o jovem a querer justificar os seus gestos e intentos.
Cena 35 – A confissão
Ela aponta para seus próprios lábios e anuncia
Cena 36 – A mensagem
A protagonista acaba por desmistificar que a aparência de lábios pintados
possa ser um passaporte à liberalidade masculina. Sugerir ou mesmo
representar que a maquiagem possa ser assimilada, assumida e utilizada
simplesmente como sinônimo de liberdade da expressão feminina.
Cena 37 – O imaginário
Ele, incrédulo, tenta a força tomá-la em seus braços, mas, algo maior o detém.
Cena 38 – Revelação
A sombra de uma cruz em uma parede, onde não devesse estar.
Cena 39 – O real
Atônito, imaginando ou não uma intervenção divina, o herói deixa Lelita, sem
dizer palavra e vagueia pelas ruas em busca de respostas. Sem saber que era
restos de uma pipa desgastada pelo vento a sombra do que o estarrecera.
Cena 40 - Na direção
Dias se passam e Lelita resolve que sua prima deve casar com sua paixão
Paulo Morano, mesmo abrindo mão de seus sentires, em um claro altruísmo,
digno de grande virtude. Virtude de uma grande mulher, capaz de dirigir seu
próprio destino.
Cena 41 – Espelho
Célere percorre as ruas da cidade em carro importado, espelho do ideário
da mais alta sociedade, sonho europeu, por quem sonha a juventude em tela.
Cena 42 – A decisão
.
Decreta nossa heroína à prima. E, a verdade é que, o autor quer nos fazer crer
que a prima de Lelita, cedera mais que um simples beijo. Algo inadmissível
mesmo nestes ares de modernidade, onde só o casamento pudesse abrandar
tal pecado da mulher.
Cena 43 – O resgate
Meio a evento providencial, eis que surge um “novo” personagem. Alguém com
tempo suficiente de tirar suas luvas, arrumar a gravata e os vincos da calça
antes de se propor a salvar duas jovens indefesas de possíveis bandidos
de rua.
Cena 44 – Mais surpresas
De súbito, em meio a este evento providencial, eis que sua prima reconhece
esse alguém, com grande e esfuziante alegria.
Cena 45 - Perplexa
Lelita tenta entender o fato e os sorrisos incontidos da prima.
Cena 46 – Esperança
Descobre que Paulo Morano ou é o homônimo de sua paixão ou está frente
a frente a alguém que se faz passar por seu amado. Quem sabe, por Paulo
Morano gozar de prestígio junto à sociedade carioca. Um fato que se segue
nos levará a crer que a segunda opção possa parecer a mais apropriada.
Cena 47 - Certeza
O sonho de novo pode ser sonhado e vivenciado por Lelita.
Cena 48 – Ao som das cascatas
Mas, Lelita não é a única a sonhar. O dito Paulo Morano e sua prima trocam
juras de amor eterno, próximos a uma pequena cascata.
Cena 49 – Balelas
Atesta o pretenso Paulo, convicto.
Cena 50 – Nas coxias
Mãos providenciais surgem e fecham o registro da cascata, a nos fazer
acreditar que o jovem homem possa ser um “cascateiro” e sua prima, por ter
pecado, não há de ter um belo e feliz futuro. Porque merecedora não é.
Cena 51 – Amor verdadeiro.
Lelita não tarda a encontrar o seu verdadeiro amor Paulo Morano. Em seus
olhares a tradução da verdadeira e eterna felicidade que lhes reserva o futuro
juntos. Nos sorrisos fáceis a permear os outrora lábios sem beijos, tão
acalentados.
O filme “Lábios sem Beijos” evidência a pseudo liberalidade
dos novos tempos.
Os ares de uma cidade que cresce e que ainda quer
exaltar valores morais e de comportamento femininos tidos e mantidos como
desejáveis, numa sociedade em transformação. “Lábios sem Beijos” apresenta,
a mulher como protagonista e pressupõe uma era em que o valor da castidade
não é sequer questionado. A modernidade feminina se traduz no conhecimento
do parceiro antes do casamento, pode chegar a um beijo, mas não mais que
isso. Privilegia a conduta, os comportamentos e as atitudes que se quer fazer
espelhados à sociedade em geral.
Um dos mais aguardados e premiados filmes brasileiros a se
demonstrar um marco, como queria fazer entender a Revista Cinearte. Filme
no qual Adhemar Gonzaga roteiriza a jovem e burguesa mulher brasileira da
capital,
a oferecer ditames de liberalidade e comportamentos. Não seria
Carmem Santos, mas, Lelita, a protagonista. Porém, a mensagem era una,
fosse qual fosse a estrela, embora o brilho de Lelita, ninguém, nunca, há de
apagar.
Trás o melhor da crítica nas revistas da época, aqui pesquisadas,
a exemplo da matéria publicada no momento de seu lançamento, na Revista
Cinearte111, cujo destaque de página dupla se faz denotar.
111
Página dupla na revista Cinearte, conforme documento c193010050242F00063.pdf ,
disponível no Museu Lasar Segall.
3.4.
d. MULHER – (1931) – Ficha Técnica Parcial
Gênero
Drama romântico
Categorias
Longa-metragem / Sonoro / Ficção
Material original
35mm, BP, 70min, 1.856m, Sonorizado com discos
Data e local de produção
Ano: 1931
Início de filmagem: 1931.01.19
Final de filmagem: 1931.07.24
Cidade: Rio de Janeiro
Estado: DF
Produção
Companhia(s) produtora(s): Estúdios Cinédia
Produção: Gonzaga, Adhemar
Argumento: Gonzaga, Adhemar
Roteiro: Gonzaga, Adhemar; Mendes, Octávio Gabus
Direção: Mendes, Octávio
Locação: Exteriores filmados numa casa na Rua Vieira Souto, Rio de Janeiro;
Antiga Embaixada da França, Flamengo – RJ
Sinopse
Carmem era cortejada por dois pretendentes, Milton e um aleijado, ambos
meigos e carinhosos, ao contrário de seu padrasto, que a cercava de forma vil.
Uma madrugada, depois de uma noite de espera, Milton a convida para um
passeio ao Bosque Esperança; Carmem reluta mas, temendo um escândalo
àquela hora, acaba aceitando, e no Bosque é seduzida por Milton. Ao voltar
para casa de manhã, encontra o padrasto, que a esbofeteia e expulsa de casa
por seu mau procedimento. Carmen desce o morro para a cidade em busca
de Milton, mas chegando ao endereço que ele lhe dera descobre que era falso.
Aí começa uma luta sem tréguas contra dois inimigos: a falta de emprego
e os homens que a cercam com propostas infames. Quase vencida, Carmem
desmaia de fome na rua e é socorrida por Osvaldo, que a leva para a casa
do escritor Flavio Martins. Flávio amava Lígia e estava desesperado, pois
naquele dia Ligia casava-se com Arthur. O escritor, tal como Osvaldo,
de imediato sente-se atraído pela beleza de Carmem e a acolhe. A moça
lá permanece por quase um ano e retribui os cuidados e gentileza de Flávio
com um interesse e dedicação que acabam com seu desespero. Lígia, por seu
lado, desilude-se com Arthur, pouco escrupuloso como médico e conquistador
inveterado. Ao descobrir que o marido é amante de Lúcia, sua melhor amiga,
quer vingar-se dele e procura o antigo namorado. Flávio se mostra indiferente;
Lígia vai então à casa dele, donde Flávio acaba por expulsá-la. Vendo isto,
Carmem percebe que o passado para o escritor estava morto e fica feliz,
porque se apaixonara por ele. Porém na Biblioteca Pública Flávio casualmente
conhece Helena, filha do editor Rafael Brandão, que encontra novamente
no escritório do pai. Interessa-se por ela e pensa em casar-se, o que tornaria
delicada a presença de Carmem em sua casa. Lígia surpreende um encontro
de Helena e Flávio e de novo pensa em vingar-se, desta vez de Flávio, que
a repelira: escreve uma carta anônima para Carmem contando o namoro.
Desesperada, Carmem fala com Osvaldo, que confirma a informação; só lhe
resta então deixar a casa, e Carmem se refugia na serra. Desconhecendo
os seus motivos, Flávio se aborrece com a partida de Carmem; mas quando
Osvaldo lhe conta o que aconteceu, compreende a dignidade do seu
comportamento e parte à procura de Carmem, esquecendo Helena. Um mês
mais tarde a encontra, e para os dois desafortunados finalmente chega
a felicidade.
(Resumo do cine-romance publicado em A Scena Muda, 13.10.1931)112
Análise da Sinopse
A autoria deste filme opta por buscar retratar as parcas opções que são
oferecidas à mulher das camadas sociais menos abastadas. Um oportuno e
rico contraponto ao filme “Lábios sem beijos” do mesmo autor e roteirista,
Adhemar Gonzaga. Em um cenário inicial que faz intuir o periférico da cidade
que depois será mais bem focada na película, em caminho desejado quiçá,
ideário, dos sonhos das mulheres de perfil igual ou similar. No longo início,
introduz o espectador a identificar o mundo da protagonista em suas limitadas
oportunidades, pois que longas são as funções do chamado “lar”. A lhe roubar
112
Ficha Técnica Parcial, do filme “Mulher” retirado de documento disponível como Ficha
Técnica Completa, em: Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/? Isis
Script=ia
h/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=000071&
format=detailed.pft#1
tempo, juventude e vida. E, ao identificar o universo da figura central
da história, oferece no mais puro preto-e-branco, as funções expectativas que
se oferecem a mulher “simples” de seu tempo/espaço. Delimitando, senão
aprisionando, a mulher às funções domésticas e ao eventual atendimento
das demandas masculinas, tidas ou ditas, nas representações da película,
como animalescas. Próprias à maioria dos homens de igual classe.
Que, apesar de berço infeliz, desprotegida em suas questões mais
elementares, devesse manter a figura esperada da mulher, casca e virgem,
evitando os desejos da carne e não ceder às tentações reconhecidamente
mundanas.
Notadamente, o filme propõe escancarar, como uma crônica da vida
moderna, as questões que aparentemente melhor traduzam a realidade
do contexto vivido pela mulher urbana, sem grandes aportes financeiros, sem
perspectivas de trabalho que lhe dê sustento ou, mesmo sem o tutelamento
de homem digno (capaz de lhe oferecer uma vida segura nos recantos
da própria casa). E, se assim o faz, é porque pretende retratar uma demanda
significativa de similares perfis, junto ao público potencial de consumir suas
mensagens.
Entre
suas inúmeras virtudes,
as imagens do
filme
“Mulher”,
representam o dia-a-dia feminino da época em suas permitidas obrigações,
limitada a servir a casa e aos ditos masculinos, mesmo que, como real
provedora seja a mãe, igual destino lhe é reservado e aceito. Um labirinto
de realidades a querer aprisionar os sonhos e a felicidade das senhoritas,
repletas de expectativas libertárias. À que nome dá a obra, cabe a submissão,
no pesadelo do cotidiano vivido pela personagem principal no início da trama.
Este é o enfoque que de mais representativo às questões desta dissertação
possam oferecer, no contexto de sua análise, nas 52 (cinquenta e duas) cenas
que ao filme se fez desmembrar.
Cena 1 - Defensivas
A moça tenta distanciar o indivíduo que a ataca, enquanto a porta se houve
o som de alguém chegando.
Cena 2 – Ordem padrasta
Manda o homem que pretende disfarçar o ocorrido dos olhos que irão entrar.
Cena 3 - Aparências
Como que a concordar com a ordem masculina, de que a opção pela aparência
demandada e não a dura realidade, a mãe revelar.
Cena 4 – Prover
Chega a casa, aparentando ter trabalhado o dia todo e ainda se ocupando
na busca de provimentos, a figura materna.
Cena 5 – Entre olhos
Os olhares trocados entre mulheres expõem o rigor das funções que lhe são
exigidas e a ausência de esperança na mudança desta realidade cotidiana.
Cena 6 - À lida
Não há tempo para lamentações ou diálogos vãos, a casa espera pelas
atividades das mulheres no rotineiro do dia-a-dia.
Cena 7 - Arrumar
Função após função, a mulher, as desempenha.
Cena 8 – Louças
A mão feminina é que ordena e atende as demandas do reduto masculino.
Cena 9 – Roupa lavada
Mãos de múltiplas e aparentemente infindáveis labores.
Cena 10 - Pernas
Não requer palavra.
Cena 11 – A focar
Atraem os olhares masculinos, como abutres a carniça.
Cena 12 – A Espreita
Aves de rapina.
Cena 13 – Prazer sedutor
Sonho de vista ser com outros olhos, a se iludir, alegra.
Cena 14 Olhares estrangeiros
Asas de outras paragens, a observar atentos.
Cena 15 – Ombro amigo
Ele sonha impotente, com o amor não correspondido.
Cena 16 - Senhor dos sonhos
.
Pois que no sonho dela outro nome se faz ouvido.
Cena 17 – Frágil razão
Sonho pequeno, pobre e desvalido.
Cena 18 – Obscuro sedutor
A semelhança de caçador de emboscada surge o pretenso cavalheiro.
Cena 19 – A chantagem
Que faz denotar intento, sem que do espectador ainda se faça aceito.
Cena 20– Pálida resistência
“Talvez” com sabor de sim.
Cena 21 – Portas se abrem
Um sim, reticente, de quem parcas opções têm.
Cena 22 – Coração e alma
Diz o chantagista como se terno fosse.
Cena 23 - Seduzida
E ela cede.
Cena 24 – Acorde infeliz
E o acorde infeliz, ressoa como quebra da esperada sinfonia.
Cena 25 – Reação de rejeitado
Estupefato.
Cena 26– Altar caido
De “Maria” a “Eva”, por mero descuido.
Cena 27 – Aos braços da mãe
Busca perdão e refúgio.
Cena 28 – Protegei
Mesmo que lá não fosse o paraíso.
Cena 29 – Braços atados
Não tendo o mando, nem prerrogativas.
Cena 30 – Sem eira, nem beira.
Lá fora, em desconhecido mundo.
Cena 31 – Abraço amigo
Solidário na dor.
Cena 32 – Doação ímpar
A amizade tangível lhe oferece os recursos financeiros mínimos os primeiros
passos de um desconhecido caminhar.
Cena 33 - Porto conhecido
Na busca de um referencial seguro.
Cena 34 – Entre outros altares
Uma possível leitura nos quer dar conta que os ritos de origem afros, tais quais
os chamados, Candomblé, Umbanda e/ou mesmo Quimbanda, retratados na
cena, pudessem ser de mérito ou de cultura menores.
Cena 35 – Torpes olhares
Um caminhar observado por distorcidos olhares.
Cena 36 – Ledo engano
O porto não era seguro.
Cena 37 – Altar.
Em nítida contrapartida, ao reduzir a importância e ou mesmo
representatividade dos cultos ditos afros (anteriormente referenciados), quer-se
aqui elevar a plano superior, as imagens e ícones da Igreja Católica.
Cena 38 – Gastando sola
O árduo caminhar.
Cena 39 – Entre Evas ou Liliths?
A dualidade de desconhecido lugar em companhia de obscura figura de
mulher, induz o espectador à dúvida sobre sua identidade e do seu espaço,
na única certeza de não se tratar de mais uma “Maria”.
Cena 40 – Quarto de mulheres
Ao ser questionada se houvera conseguido trabalho pela colega de quarto e de
sina, ela retruca: “é muito bonita para esse emprego” dizem uns “ preciso de
uma garota mais moderna”, outros.
Cena 41 – Sem ilusão
Como se os trabalhos estivessem todos em poder de decisão dos homens,
a dar-lhe , quase sempre, as mesmas vazias desculpas :
Cena 42 – Passaporte em bastão
A colega lhe dá um batom, como se pudesse significar o passaporte para
a solução dos seus problemas financeiros.
Cena 43– Sem opção
Enquanto a sua porta lhe bate a senhoria e lhe pede o quarto, alegando ser
mais necessitada que ela. Pois que dado a sua avançada idade, não lhe
caberia outras fontes de renda, tais como essas cenas possam se intuir.
Cena 44 – Assim se espelha
Assim ela acata o destino e passa o batom entre um misto de realidade e
contragosto.
Cena 45 – Desmaio providencial
Simula um desmaio em via pública ao ver um homem de boa aparência
e declarado status. Socorrida por ele, enquanto outros desconfiam de seus
verdadeiros intentos.
Cena 46 – Providencial abraço
Em seus braços o cavalheiro a acolhe e a coloca em um sofá de sua casa.
Ele pede a seu mordomo e a seu amigo, que dela cuidem enquanto há
de voltar a cumprir o seu destino.
Cena 47 – Falas
O amigo lhe pede mais explicações
Cena 48- Fora do jogo
Cena 49 - Amargores
Diz o amigo, quase a se embriagar, pois que Lygia a noiva de outrem parece
ser sua paixão.
Cena 50 - Reconhecendo
Após passar os olhos por sobre todo o perfil da jovem deitada, o bêbado, tenta
reanimá-la com o seu drinque.
A partir desta cena, que demarca o encontro inicial, o herói da história,
irá se revelar, vindo para resgatar a protagonista de sua amarga sina. Uma vez
que estão, amplamente delineadas as representações mais significantes da
personagem feminina no filme, recorta-se aqui a análise sequencial.
Reforçando que até as cenas finais, em breve seguir, o conteúdo pretende,
mais que representar a mulher e seu universo referencial, oferecer uma trama
de encontros e desencontros amorosos, próprios a trama do entretenimento
pretendido.
Cena 51 – Declaro
Ao fim do filme, o herói se declara a heroína, cujas virtudes foram reconhecidas
e a faz merecer seu amado protetor.
Cena 52 – Felizes para sempre.
O beijo final, encarnando, o ainda sonho feminino do “príncipe encantado”.
O filme “Mulher”, trás como protagonista o gênero que estampa o título,
e, como que um documentário, oferece olhar privilegiado ao universo
doméstico e às agruras da grande maioria da população da época.
Aborda mulheres, interioranas ou semi-interioranas que negavam conflitos
de gênero e mantinham valores patriarcais; analfabetas ou semianalfabetas,
que buscam se adequar aos modelos “libertários” de uma modernidade que
se adivinhava. A tipificar as funções femininas ditas “naturais” de forma
especial, quase que didático, a lhe construir referenciais de mundo.
Elege uma heroína que só, sem eira nem beira, sem a presença
protetora de um homem, sofre o destino das que “pecaram”, a se embater
em um mundo eminentemente masculino. Ela, cujos sonhos possam ser
reconhecidos comuns a todas as jovens, em busca do seu “príncipe” e do
“felizes para sempre”. Essa é a trama do roteiro de Adhemar Gonzaga, a se
contrapor e a complementar, com outro título de sua autoria, “Lábios sem
Beijos”, configurando a possibilidade do sonho feminino.
Nele, ainda, se faz denotar como comum parece ser então,
os preceitos de religiosidade a intermediar o que possa obsceno ou moral,
errado e correto, triste e feliz, a perdição ou a salvação.
A catequese católica oferece possibilidades de redenção à mulher
que senão casta, ainda defende princípios tidos como alicerces da moralidade,
comportamento, atitudes e costumes, de uma sólida sociedade magnânima,
pois
capaz
de
lhe
oferecer
guarita,
mesmo
nesta
condição.
E, em contrapartida, dá um tom abjeto ao homem de baixa renda
ou desempregado, de baixa qualificação, índole, “belezas” e intentos
duvidosos. Sua identidade é o trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito deste trabalho foi contribuir na incansável pesquisa que
se fez e se continua a se desenvolver sobre o cinema como meio
de representação e de documentação histórica. Constitui um elo, entre tantos
que visam analisar e unir as diferentes facetas das construções de gênero
neste período histórico mediado pelas lentes da cinematografia.
A eleição das questões de gênero como vitais dá a convicção,
de que esse olhar tem uma profunda capacidade de focar a realidade tal como
ela se apresentava nos filmes analisados. A eleição de diferentes dicotomias
analisadas em cada período histórico é capaz, de revelar objetivamente,
e não menos subjetivamente, os jogos de poder que se embatem na sociedade
analisada. Não apenas e tão somente entre o gênero masculino e feminino,
entre o público e o privado e igualmente, e por seu intermédio, entre
as eventuais e distintas camadas sociais. Capazes de auferir a significância
deste ou daquele lócus, desta ou daquela entidade, quer religiosa, quer
institucional, quer mitológica, quer temporal, estas podem influenciar e definir
os papéis de gênero em suas mais diversas representações.
A seleção dos filmes aqui analisados seguiu um propósito objetivo.
Primeiro o de ponderar, na época, as diferentes representações do masculino
e do feminino. Ora, no primeiro caso, como protagonista em Braza Dormida
e em Fragmentos da Vida de outro: o masculino. Obtem-se, assim, um perfil
das camadas mais abastadas da sociedade e outro lado a de posses inferiores.
Por contraponto e complemento analítico, observam-se as especificidades
do gênero feminino, enquanto interlocutor da história, quanto em seus papéis
e demandas, a se fazer, a se querer ou a se representar na condição social
como quer “Mulher” ou na que se faz projetar em “Lábios sem Beijos”.
Faz-se importante ressaltar que a dinâmica da construção deste
trabalho, acabou por privilegiar, quer nas chamadas análises das sinopses
de cada filme, quer a cada cena ou conjunto de cenas, elementos que
possibilitaram melhor compreender as representações masculinas.
Estas serviram para melhor delinear a esperada submissão feminina
em uma sociedade de fortes traços patriarcais. Compreende-se então
a importância do uso sistemático de temáticas e/ou ícones religiosos,
cumprindo papéis, que valorizem a submissão feminina. Sob a dinâmica
da religiosidade jaz sob a o perfil humano de uma sociedade tida e dita como
católica: a brasileira do início do século XX. Ferramenta de roteiristas, crentes
ou não, que se fazem querer em histórias representar e de mensagens divinas
para este intento se apropriar.
Às mulheres, “dóceis e frágeis”, resta a submissão ao chefe
do domicilio. Correspondendo esse modelo a uma legitimada representação
social da época. Poucas seriam naquele momento as mobilizações femininas
em busca da cidadania, raras seriam as Lelitas. Reconstroem-se a história,
fundamentada na natureza, que traduziria relações de poder. E, tem-se
no cinema, um meio adequado de interiorização e de difusão de mensagens
que, usando outra roupagem, reafirmava valores tradicionais, não sem aventar
outros e também em hábitos, comportamentos e atitudes, pois que o novo o faz
demandar.
Aos olhos da produção cinematográfica e conveniente, ceder ao público
feminino em poucas das suas demandas reprimidas, no intento de tê-las
e mantê-las espectadoras e cinéfilas. Melhor ainda, agora seria possível
analisar imagens femininas e masculinas sabendo de antemão que suas
identidades, independente da biologia, são culturalmente construídas e a partir
delas se fazer uso na elaboração de mensagens também cinematográficas.
E que, assim sendo, não se cairia mais em armadilhas comuns, desde que
assim o repertório do seu público alvo não exigisse. Não competia ao cinema
ser desafiador. Naquele momento desafiar valores dos relacionamentos entre
homens e mulheres não pudesse ser seu principal objetivo, que era
fundamentalmente o da própria sobrevivência.
Cabe ainda, findo o horizonte desta dissertação, entre outras
constatações, considerar que nestes filmes e cenários analisados, se constituiu
trindade de personas imaginárias reunidas num único corpo feminino.
A mesma que Morin; de forma similar, notadamente nominou de Virgem, Divina
e Vamp, como, de melhor tom, procurou-se colocar em ação, nas telas
imaginárias e reais deste estudo. Mulheres que serviram, neste ou naquele
momento, tal qual um plano de diferentes formas aos roteiros dos mandatários
a inundar o cotidiano. Representadas no cinema, sustentadas pela ficção e/ou
pelo documentário, elas que se prestaram a ilustrar os ditames morais de uma
sociedade ainda sexualmente hierarquizada, que pelo corpo humano se
assombrava. Como se quis verificar do início ao seu término. Uma tríade, trivial
de mulheres que a todos os imaginários se prestam e que inundam as telas
como a vida, neste ou naquele papel, amante, mãe ou deusa, uma trindade
evangelizadora dos papéis de gênero, de nem sempre eterna submissão:
As Evas, as Marias e as Liliths.
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identificação de autoria:
da
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Brasileira,
sem
.D.1057/1-1. José Medina: EXEMPLO REGENERADOR e FRAGMENTOS
DA VIDA;
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Cinema”.
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ANEXOS
ANEXO I
a.BRAZA DORMIDA – Ficha Técnica Completa
Outras remetências de título:
BRASA DORMIDA
Categorias
Longa-metragem / Silencioso / Ficção
Material original
35mm, BP, 1.780m, 16q
Data e local de produção
Ano: 1928
País: BR
Cidade: Cataguases
Estado: MG
Data e local de lançamento
Data: 1929.03.04
Local: Rio de Janeiro
Sala(s): Pathé Palace
Exibição especial: 1928.10.26; 1929.02.08; 1929.02.22; 1929.02.25
Local exibição especial: Rio de Janeiro; São Paulo; Belo Horizonte; Belo
Horizonte
Sala(s): Santa Helena; Glória
Circuito exibidor
Exibido em Belo Horizonte a 17.04, no Glória e a 20.04.1929, no Floresta.
Exibido em Ponte Nova - MG, no Palácio, sem especificações de datas,
segundo Cinearte de 07.08.1929.
Exibido em Juiz de Fora - MG, no Ideal, segundo Cinearte de 11.09.1929.
Exibido em São Paulo de 03 a 04.04.1929, no República; de 06 a 07.04, no
Avenida; a 07.04, no São Pedro; de 09 a 10.04, no Santa Helena e no Coliseu;
de 11 a 12.04, no Triângulo e no Olímpia; de 13 a 14.04, no Cambuci; a 16.04,
no Central e no Paraíso; de 17 a 18.04, no São Paulo; de 19 a 20.04, no
Marconi; a 23.04, no Espéria; de 26 a 27.04, no Colombinho; a 02 e 04.05, no
Fênix; a 07.05, no São José e no Moderno; a 22.05, no Glória; e de 19 a 20.09,
no América.
Sinopse
"Luis, estróina carioca, é contratado por um usineiro mineiro para substituir o
vilão Pedro Bento na gerência da usina. Apaixona-se por Anita, filha do
usineiro. Cartas anônimas de Pedro levam o namoro, mantido em segredo, ao
conhecimento do usineiro, que não aceita o casamento por não conhecer a
família de Luis e afasta sua filha da usina. Prossegue o namoro em segredo.
Pedro, por vingança, dinamita a chaminé da usina. Pedro e Luis enfrentam-se
numa luta que leva à morte do vilão. O usineiro, que ficou sabendo da família
de Luis, autoriza o casamento". (Material examinado)
Gênero
Drama romântico; Aventura
Descritores secundários
Usina de açucar
Termos geográficos
Cataguases - MG; Rio de Janeiro - DF
Produção
Companhia(s) produtora(s): Phebo Brasil Filme
Produção: Barros, Agenor Cortes de; Domingues, Homero Cortes
Distribuição
Companhia(s) distribuidora(s): Universal Pictures do Brasil S.A.
Argumento/roteiro
Argumento: Mauro, Humberto
Roteiro: Mauro, Humberto
Direção
Direção: Mauro, Humberto
Fotografia
Direção de fotografia: Brasil, Edgar
Direção de arte
Cenografia: Ciodaro, Paschoal
Desenhos de letreiros de apresentação: Figueiredo, Silvio de
Locação: Cataguases - MG; Rio de Janeiro - DF
Identidades/elenco:
Ney, Nita (Anita Silva)
Soroa, Luis (Luis Soares)
Serrano, Máximo (Máximo)
Fantol, Pedro (Pedro Bento)
Franco, Rosendo (Empregado antigo)
Real, Cortes (Sr. Carlos Silva)
Ciodaro, Paschoal (Amigo de Carlos Augusto Barros)
Mauro, Haroldo (Torcedor do Jockey Club)
Godoy, Juca de (Torcedor do Jockey Club)
Conteúdo examinado: S
Fontes utilizadas:
Material examinado
CB/Descrição plano a plano
MRG/MGEF
PESG/HMCC
Cinearte
Fontes consultadas:
CS/FCB
JCB/OESP
MAM/78
ACPJ/I
HH/FEB
Selecta
EOQ/ASM
AV/ICB
ACPJ/CB: 1906-1968
Embrafilme/CMHM
JN/Manivela
MAM/Retrospectiva Humberto Mauro
Observações:
"10 partes", segundo JCB/OESP.
Exibido em sessões especiais a 26.10.1928, para a distribuidora, sem
indicação de local; a 08.02.1929, para as <Empresas Reunidas> e a
22.02.1929 para o Presidente do Estado de Minas Gerais.
<Fantol, Pedro> é o pseudônimo do Dr. <Toll, Van>.
PESG/HMCC afirma que os letreiros originais foram alterados pelo distribuidor,
a Universal.
Selecta de 21.11.1928, comenta favoravelmente a entrega da distribuição da
fita à Universal Pictures.
Selecta de 13.3.1929, p. 43, apresenta uma crítica da fita, relativa a
apresentação no Pathé Palace, Rio de Janeiro.
Cinearte de 23.11.1927 e de 21.03.1928 acrescenta ao elenco Bruno Mauro,
Ben Nill, Lelita Rosa e Carmem Violeta. A mesma fonte, em 02.05.1928,
anuncia que Nita Ney substituiu Thamar Moema por motivo de doença. No
número de 28.11.1928 afirma que o ator Máximo Serrano fez o papel de
"Pedrinho". A 30.01.1929, 29.07.1931 e 25.05.1932 acrescenta ao elenco Silvio
Schnoor, Chico Soroa, João Pacheco.
Críticas positivas de: J. Canuto de Almeida, reproduzida do Diário de São
Paulo; de Pedro Lima e Otávio Gabus Mendes, nos números de Cinearte de
20.02, 27.03 e 24.04.1929, respectivamente.
Cine-romance publicado em A Scena Muda de 07.03.1929, n. 415.
Ilustrações: O Estado de São Paulo, 26, 27, 29 e 31.03 e 03.04.1929.
Fotografias: Selecta, 04.07, 11.07, 01.08 e 19.12.1928; A Scena Muda, 03.01 e
07.03.1929; Cinearte, 22.02, 11.04, 13.06, 20.06, 27.06, 18.07, 25.07, 01.08,
05.09, 26.09, 17.10.1928; 13.02, 27.02, 30.10.1929; 30.04, 11.06, 29.10.1930;
29.04.1931; Álbum de 1929; JN/Manivela.
Disponível em:http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=
iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=004
841&format=detailed.pft#1
ANEXO II
b.FRAGMENTOS DA VIDA – Ficha Técnica Completa
Categorias
Curta-metragem / Sonoro / Ficção
Material original
35mm, BP, 30min10seg, 870m, 16q, Sincronizado com discos
Data e local de produção
Ano: 1929
País: BR
Cidade: São Paulo
Estado: SP
Data e local de lançamento
Data: 1929.12.06
Local: São Paulo
Sala(s): Odeon - Sala Vermelha
Circuito exibidor
Exibido em São Paulo de 06 a 08.12, no Odeon - Sala Vermelha; de 10 a
12.12, no Roial; de 11 a 12.12, no Odeon - Sala Azul; de 12 a 15.12, no BrásPoliteama; de 14 a 15.12, no Capitólio; de 18 a 19.12, no Mafalda e de 19 a
20.12, no Santo Antonio e no Astúrias, todas as datas referem-se ao ano de
1929.
Sinopse
Na construção de uma São Paulo que "crescia desafiando as nuvens, levando
nessa ansia incontida o suor de operários humildes", um trabalhador cai de um
andaime e à beira da morte pede para o filho trilhar o caminho da "honestidade,
do trabalho e da honradez". O filho porém prefere tornar-se um vagabundo e
tudo faz para ser preso afim de sobreviver. As pessoas, involuntariamente, lhe
impedem a ação. Quando finalmente decide "tornar-se digno pelo trabalho", o
vagabundo cai nas mãos da polícia e é preso sob falsa acusação de roubo.
(Material examinado)
Gênero
Drama
Termos descritores
Literatura; Trabalho; Urbanismo; Polícia; Cidade; São Paulo - SP
Descritores secundários
Adaptação para cinema
Termos geográficos
São Paulo - SP
Produção
Companhia(s) produtora(s): Rossi Filme; Medifer
Produção: Rossi, Gilberto; Medina, José; Ferreira, Carlos
Argumento/roteiro
Roteiro: Medina, José
Estória: Baseada no conto <Soap> de <Henry, O.>
Direção
Direção: Medina, José
Fotografia
Operador: Rossi, Gilberto
Identidades/elenco:
Ferreira, Carlos (Operário e vagabundo)
Roussy, Alfredo (Malandro)
Aremar, Áurea de (Moça)
Medina Filho (Vagabundo quando criança)
Conteúdo examinado: S
Fontes utilizadas:
Material examinado
CB/Descrição plano a plano
MRG/CCP
JCB/OESP
Fontes consultadas:
ACPJ/I
CS/FCB
AV/ICB
MAM/78
Cinearte
JN/Manivela
Observações:
"4 atos", segundo Cinearte.
Fotografias: Cinearte, 08, 15 e 29.01, e 05.11.1930.
Ilustrações: O Estado de São Paulo, 06.12.1929.
<Roussy, Alfredo> era o nome artístico de <Riskalla, Farid>.
CS/FCB inclui no elenco <Cesaroni, Remo>.
Indicações de noticiário em MRG/CCP, p. 294.
Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/? IsisScript =
iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=005
149&format=detailed.pft#1
ANEXO III
c.LÁBIOS SEM BEIJOS – Ficha Técnica Completa
Categorias
Longa-metragem / Silencioso / Ficção
Material original
35mm, BP, 53min, 1.532m, 16q
Data e local de produção
Ano: 1930
Início de filmagem: 1930.03.20
Final de filmagem: 1930.08.31
País: BR
Cidade: Rio de Janeiro
Estado: DF
Data e local de lançamento
Data: 1930.11.10
Local: Rio de Janeiro
Sala(s): Império
Circuito exibidor
Exibido em São Paulo em 1931: de 09 a 15.02 no Rosário; a 12 e 13.03 no
Santa Cecília; a 14 e 15.03 no Roial e no Mafalda; a 31.03 no São Pedro e no
Cambuci e a 08.04.1931 no São Paulo.
Exibido em Curitiba a 08.09.1931, no Avenida e no Santa Cecília.
Exibido em Manaus a 18.09.1931, no Popular.
Exibido no Paramount de São Paulo, segundo Cinearte de 05.1.1930, sem
especificar datas.
Exibido no Império de Porto Alegre, segundo Cinearte, 03.12.1930, sem
especificar datas.
Sinopse
Após se conhecerem casualmente, Lelita e Paulo encontram-se outra vez
durante uma festa. A resistência inicial não impede que os dois passem a se
ver,nascendo entre ambos arrebatadora paixão.Certo dia, Lelita encontra sua
prima Didi chorando sentidamente, e descobre que o motivo dessa mágoa
chamava-se Paulo Morano. Paulo acusa sua ex-namorada, Tamar, de ter
preparado a intriga e colocado Lelita contra ele.Depois de muita insistência e
dos assédios de Paulo, Lelita decide falar com ele e obrigá-lo a cumprir seu
compromisso com Didi. Superando alguns percalços durante o caminho, Lelita
e Didi chegam ao encontro com Paulo, onde se desfaz todo o equívoco
(Resumo do cine-romance publicado em A Scena Muda, 12.11.1930).
Gênero
Drama romântico
Prêmios
Melhor filme brasileiro, Jornal do Brasil, 1930, Rio de Janeiro - DF.
Produção
Companhia(s) produtora(s): Cinédia S.A.
Produção: Gonzaga, Adhemar
Distribuição
Companhia(s) distribuidora(s): Paramount Filmes
Argumento/roteiro
Argumento: Gonzaga, Adhemar
Direção
Direção: Mauro, Humberto
Assistência de direção: Barreto, Francisco
Fotografia
Direção de fotografia: Mauro, Humberto
Câmera: Serrano, Máximo
Direção de arte
Letreiros: Mucillo, Arlindo
Dados adicionais de direção de arte
Maquiagem: Max Factor
Locação: Tijuca, Rio de Janeiro - DF
Identidades/elenco:
Rosa, Lelita (Lelita)
Morano, Paulo (Paulo)
Vianna, Didi (Didi)
Cavalieri, Gina (Gina)
Moema, Tamar (Tamar)
Guimarães, Augusta (D. Perpétua)
Rosário, Alfredo (Tio Rosário)
Murilo, Décio (Apaixonado de Didi)
Serrano, Máximo (Apaixonado de Gina)
Gonzaga, Adhemar (Atropelado)
Mauro, Humberto (Malandro/namorado de D. Perpétua)
Lea, Leda
Oliveira, Renato de (Datilógrafo do Tio Rosário)
Violeta, Carmem
Eugenio, Carlos
Martins, Luiz Gonzaga
Villar, Ivan
Lima, Fernando
Ramon
Kito, Martins
Gonçalves, Antonio Paes
Queiroz, Godofredo
Figurante(s):
Montenegro, Celso(Convidado na festa de Gina)
Conteúdo examinado: N
Fontes utilizadas:
AG/50 CIN
Cinearte
JCB/OESP
EOQ/ASM, 08.10, 12.11.1930; 01.03.1931; 01 e 15.03 e 19.04.1932
SVC/P, citando O Jornal, 08.09.1931, Manaus
CEPA/CBCP, citando O Dia, 29.03.1930, Diário da Tarde e Gazeta do Povo de
08.09.1930 e A República, de 11.04.1930, Curitiba
Fontes consultadas:
CS/FCB
AV/HM
ACPJ/I
AV/ICB
MAM/Retrospectiva Humberto Mauro
Selecta, 04.06.1930, p. 14
FSN/PHCB
ACPJ/75
ACPJ/CB: 1906-1968
JN/Manivela
Embrafilme/CMHM
Observações:
AV/HM e ACPJ/I informam que <Morano, Paulo> colaborou com Humberto
Mauro na fotografia.
CS/FCB, AV/HM e A Scena Muda acrescentam ao elenco <Torá, Marisa>, e
CS/FCB acrescenta <Mendes, Otavio Gabus>.
Cinearte, nos números de 04.06, 11.06, 18.06.1930; 29.07.1931 e 16.11.1932,
indica no elenco, respectivamente, <Guimarães, João Antunes> e <Almeida,
Joaquim de>; <Soroa, Luis>; <Danilo, Julio> que foi substituido por <Murilo,
Decio>; <Roberto, Luis> e <Marina, Glória>. Em 06.08.1930 a fonte informa
que <Moema, Tamar> teria feito também o papel de "vampiro" no filme. Em
26.02 e 12.03.1930, a mesma fonte informa que <Gonzaga, Adhemar> e
<Mendes, Otavio Gabus> dirigiriam o filme, o que foi desmentido em
26.03.1930, quando se confirmou a vinda de Humberto Mauro de Cataguases
para ser o diretor.
Críticas em Cinearte, 31.12.1930, 18.02.1931 e 13.01.1932.
Resumo do filme em Cinearte, 15.10.1930. A mesma revista em 11.04.1932
menciona problemas que surgiram com a <Empresa Gaudio> devido ao fato de
o filme ser mudo.
AG/50 CIN: "de acordo com a <Delegacia de Costumes e Jogos> - <Gabinete
de Investigações, Censura Teatral e Cinematográfica> - a película é imprópria
para menores e senhorinhas". A mesma fonte informa que este "foi o primeiro
filme com denominação de Produção <Cinédia> ", já filmado nos estúdios de
São Cristovão.
<LÁBIOS SEM BEIJOS> teve em 1929 uma versão inacabada, sob a direção
de <Gonzaga, Adhemar>. Ver também este título em 1929.
Em 23.09.1931 Cinearte comenta que o filme está correndo o norte do país
com grande sucesso no Pará.
Fotografias: Cinearte, 23.04; 21.05; 04, 11, 18, 25.06; 02, 16, 30.07; 06, 27.08;
03, 10.09; 01, 15, 22, 29.10; 05 e 12.11.1930. Selecta, 18.05.1930, p.14. A
Scena Muda 08.10 e 12.11.1930. AG/50 CIN, p.50-51.
Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/
ANEXO IV
d.MULHER – (1931) – Ficha Técnica Completa
Outras remetências de título:
ASILO DE AMOR
Categorias
Longa-metragem / Sonoro / Ficção
Material original
35mm, BP, 70min, 1.856m, Sonorizado com discos
Data e local de produção
Ano: 1931
Início de filmagem: 1931.01.19
Final de filmagem: 1931.07.24
Cidade: Rio de Janeiro
Estado: DF
Data e local de lançamento
Data: 1931.10.12
Local: Rio de Janeiro
Sala(s): Capitólio
Circuito exibidor
Cinearte de 12.08.1931, informa que filme foi exibido antes do seu lançamento
nos estúdios da Cinédia, provavelmente a 30.07.1931.
A mesma revista (23.12.31, 27.01, 10.02, 30.03, 06 e 13.04 e 24.08.1932)
indica a exibição nos cinemas Éden de Niterói, Roial, Meyer, Madureira,
Fluminense e Roma do Rio de Janeiro, e ainda em Recife, na Bahia e no Pará,
sem indicação de salas.
Lançado em Curitiba a 14.03.1933 no Avenida.
Exibido em Belo Horizonte a 16.06.1984, na sala Humberto Mauro, na Mostra
de Filmes Recuperados
Sinopse
Carmem era cortejada por dois pretendentes, Milton e um aleijado, ambos
meigos e carinhosos, ao contrário de seu padrasto, que a cercava de forma vil.
Uma madrugada, depois de uma noite de espera, Milton a convida para um
passeio ao Bosque Esperança; Carmem reluta mas, temendo um escândalo
àquela hora, acaba aceitando, e no Bosque é seduzida por Milton. Ao voltar
para casa de manhã, encontra o padrasto, que a esbofeteia e expulsa de casa
por seu mau procedimento. Carmen desce o morro para a cidade em busca de
Milton, mas chegando ao endereço que ele lhe dera descobre que era falso. Aí
começa uma luta sem tréguas contra dois inimigos: a falta de emprego e os
homens que a cercam com propostas infames. Quase vencida, Carmem
desmaia de fome na rua e é socorrida por Osvaldo, que a leva para a casa do
escritor Flavio Martins. Flávio amava Lígia e estava desesperado, pois naquele
dia Ligia casava-se com Arthur. O escritor, tal como Osvaldo, de imediato
sente-se atraído pela beleza de Carmem e a acolhe. A moça lá permanece por
quase um ano e retribui os cuidados e gentileza de Flávio com um interesse e
dedicação que acabam com seu desespero. Lígia, por seu lado, desilude-se
com Arthur, pouco escrupuloso como médico e conquistador inveterado. Ao
descobrir que o marido é amante de Lúcia, sua melhor amiga, quer vingar-se
dele e procura o antigo namorado. Flávio se mostra indiferente; Lígia vai então
à casa dele, donde Flávio acaba por expulsá-la. Vendo isto, Carmem percebe
que o passado para o escritor estava morto e fica feliz, porque se apaixonara
por ele. Porém na Biblioteca Pública Flávio casualmente conhece Helena, filha
do editor Rafael Brandão, que encontra novamente no escritório do pai.
Interessa-se por ela e pensa em casar-se, o que tornaria delicada a presença
de Carmem em sua casa. Lígia surpreende um encontro de Helena e Flávio e
de novo pensa em vingar-se, desta vez de Flávio, que a repelira: escreve uma
carta anônima para Carmem contando o namoro. Desesperada, Carmem fala
com Osvaldo, que confirma a informação; só lhe resta então deixar a casa, e
Carmem se refugia na serra. Desconhecendo os seus motivos, Flávio se
aborrece com a partida de Carmem; mas quando Osvaldo lhe conta o que
aconteceu, compreende a dignidade do seu comportamento e parte à procura
de Carmem, esquecendo Helena. Um mês mais tarde a encontra, e para os
dois desafortunados finalmente chega a felicidade. (Resumo do cine-romance
publicado em A Scena Muda, 13.10.1931)
Gênero
Drama romântico
Produção
Companhia(s) produtora(s): Estúdios Cinédia
Produção: Gonzaga, Adhemar
Argumento/roteiro
Argumento: Gonzaga, Adhemar
Roteiro: Gonzaga, Adhemar; Mendes, Octávio Gabus
Direção
Direção: Mendes, Octávio
Fotografia
Câmera: Mauro, Humberto
Assistência de câmera: Castro, A. P.
Música
Arranjos musicais: Lazzoli, Armando
Dados adicionais de música
Regente Maestro: Lazzoli, Armando
Locação: Exteriores filmados numa casa na Rua Vieira Souto, Rio de Janeiro;
Antiga Embaixada da França, Flamengo - RJ
Identidades/elenco:
Violeta, Carmen (Carmem)
Montenegro, Celso (Flávio Martins)
Gentil, Ruth (Lígia)
Rios, Alda (Helena)
Soroa, Luis (Dr. Arthur)
Cavalieri, Gina (Lúcia)
Eugênio, Carlos (Osvaldo)
Augusto, Ernani (Mordomo)
Guimarães, Augusta (Mãe de Carmem)
Mauro, Humberto (Padrasto)
Serrano, Máximo (Aleijado)
Araújo, Manoel F. de (Rafael Brandão, pai de Helena)
Marinho, Milton (Milton)
Silva, Olga (Companheira de quarto de Carmem)
Olga, Antonieta (Companheira de Lúcia no consultório)
Villar, Ivan
Rosário, Alfredo
Marra, Paulo
Rosa, Yolanda
Romano, Carlos
Martins, Luiz Roberto Gonzaga
Nair, Vera
Marina, Nina
Silva, Regina
Bevilaqua, A.
Lins, Flávio
Franco, Claudio
Moore, Isaura
Costa, Maria
Oliveira, Demétrio de
Lander, Nelson
Colle, Sérgio
Orsina
Agra, Lourival
Corseuil Filho, Ignacio
Romano, Luis
Belmar, Marie
Silva, Olga
Conteúdo examinado: S
Fontes utilizadas:
CB/Transcrição de letreiros
AG/50 CIN
A Scena Muda, n. 538, 01.07; n. 551, 13.10.1931 e n. 551, 15.03.1932
Cinearte
Embrafilme/CMHM
CEPA/CBCP, citando Gazeta do Povo de 14.03 e 02.04.1933 e Diário da Tarde
de 14.03.1933, Curitiba
CA/AF
Fontes consultadas:
ALSN/DFB-LM
AV/ICB
CS/FCB
AV/HM
ACPJ/I
ACPJ/75
ACPJ/CB: 1906-1968
MAM/Retrospectiva Humberto Mauro
MAM/Retrospectiva Adhemar Gonzaga
Observações:
AG/50 CIN informa: "(...) a história do filme foi concebida em Hollywood,
quando <Gonzaga, Adhemar> e os artistas de <BARRO HUMANO> lá
estiveram, em 1929." E ainda que "(...) as cenas da favela, da parte inicial do
filme, foram cortadas (e depois destruídas) a pedido dos exibidores, pois
desagradavam ao público." A mesma fonte e o material examinado apresentam
as mesmas informações sobre a versão sonorizada em 1977: edição geral e
reformulação dos letreiros: <Saboya, Ernesto>; montagem: <Justo, Jayme> e
<Saboya, Ernesto>; trilha sonora: valsa "<Mulher>", de <Abreu, Zequinha de>
dedicada na época ao filme e a <Gonzaga, Adhemar>; músicas originais
compostas e executadas por <Menezes, Carolina Cardoso de> ao piano; artes:
<Castro, Waldyr>, conforme originais de <Carlos, J>; filmagem de letreiros:
<Mauro, José>; montagem de negativo: <Justo, Jorge>; recuperação do filme,
pesquisa e planejamento de produção: <Assaf, Alice Gonzaga>.
AG/50 CIN indica datas divergentes, em dois diferentes trechos: no histórico da
obra "Os filmes da Cinédia", junto à ficha técnica consta início de filmagem a
19.01.1931 e final de filmagem a 24.07.1931; já no apêndice, que relaciona os
filmes por ordem de produção, as datas indicadas são o início de filmagem a
01.02.1931 e final de filmagem a 30.07.1931. A propósito do lançamento,
AG/50 CIN comenta: "por ocasião da estréia, a publicidade, os cartazes, os
anúncios e as montagens de páginas, enfim tudo foi feito sob orientação de
<Gonzaga, Adhemar>."
Embrafilme/CMHM e A Scena Muda indicam apenas <Gonzaga, Adhemar>
como autor do argumento e do roteiro.
Cinearte de 19.11.1930 indica câmera de <Brazil, Edgar>.
AV/HM indica <Whaly, Charles> como sonorizador e <Monteiro Filho,
Alcebíades> como cenógrafo.
A maioria das fontes consultadas chama a atriz <Marina, Nina> de <Nair,
Nina>, e por vezes de <Maria, Nina>; AG/50 CIN indica o erro e corrige: Nina
Marina. A mesma fonte informa que a atriz principal seria <Rosa, Lelita>, que
"com um compromisso maior, não pôde estrelar o filme". Cinearte de
12.11.1930 informa que a estrela do filme seria <Santos, Carmen> e no elenco
estariam <Murilo, Décio>, <Léa, Leda>, <Soroa, Chico> e <Moreno, Maria>; no
número de 04.02.1931 a revista informa que <Dartel, Milton> mudou seu nome
para <Marinho, Milton>, e no de 08.07.1931 revela que o verdadeiro nome da
atriz <Gentil, Ruth> seria <Zaramba, Maruska>.
<Mendes, Octávio Gabus> é o nome completo de <Mendes, Octávio>
CS/FCB inclui no elenco <Ramanita>.
Cinearte apresenta uma sinopse do filme nos números de 23.09, 07.10 e
21.10.1931.
Fotografias: A Scena Muda, 13.10.1931; Cinearte, 04, 11 e 25.02, 17 e 25.03,
15, 22 e 29.04, 06 e 27.05, 03 e 24.06, 01, 15, 22 e 29.07, 02 e 30.09.1931.
Material examinado do filme é uma versão sonorizada em 1977, com 1.720m e
62 minutos e 46 segundos de duração. Em seus letreiros finais consta:
"recuperado pela Cinédia com recursos parciais da Embrafilme".
Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=ia
h/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=0000
71&format=detailed.pft#1 Acessado em 01.08.2010.
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