URBANIDADES E RURALIDADES: UMA NOTA SOBRE O MUNICÍPIO DE
CASCAVEL NO PARANÁ
Área: Economia
MARIÂNGELA ALICE PIERUCCINI SOUZA
Professora Adjunto da UNIOESTE, Campus de Cascavel
Av. Brasil, 7201, Centro – CEP 85801-001. Cascavel – PR
[email protected]
WALQUÍRIA KRÜGER CORRÊA
Professora doutora da UFSC
Rua Pedro Bunna Jr – Campinas
São José - SC
[email protected]
LUÍS ALBERTO FERREIRA GARCIA
Professor Adjunto da UNIOESTE, Campus de Cascavel. Pesquisador do GPEA.
Rua: Terra Roxa, 1425. Região do Lago II. Cascavel/PR. CEP: 85.816-360
E-mail: [email protected]
Resumo O artigo procura compreender parte da estruturação geoeconômica do rural no
município de Cascavel, estado do Paraná. Considera, para tanto, as ruralidades e urbanidades
configuradas nesse espaço, bem como a técnica e a reestruturação produtivas ali presentes.
Inicialmente discutem-se as noções e os conceitos referentes as ruralidades e urbanidades. Na
seqüência, são apresentadas algumas características desse processo no município de Cascavel.
Os resultados parcialmente obtidos sugerem um espaço onde as ruralidades transformam-se
diante da lógica da organização empresarial e também familiar por meio de comportamentos
estratégicos que definem o desempenho e a estruturação do campo num ambiente urbanizado
e crescentemente competitivo. Admitem-se urbanidades no rural do município de Cascavel,
estruturadas nas escalas ampliadas pelo mercado. A territorialidade do sistema capitalista se
manifesta em Cascavel, através das atividades agrícolas que dão o tom a ruralidade. Sob a
orientação de cooperativas e agroindústrias, as atividades agropecuárias incorporam novas
tecnologias industriais e conseqüentemente as urbanidades.
Palavras-chaves: Urbanidades; Ruralidades; Cascavel.
Cascavel – PR – 17 a 19 de junho de 2008
1
INTRODUÇÃO
O rural está intrinsecamente envolvido com urbanidades que perpassam os circuitos
locais. Existem circuitos de cooperação complexos associados a processos urbanos, dentre os
quais destacam-se as cooperativas, o crédito, insumos, mercado consumidor, agências de
tecnologia e redes de cooperação e integração. Configura-se, portanto, uma trama interessante
na qual o rural encontra-se envolvido, em maior ou menor intensidade. Nesse sentido, afirmase com propriedade que “os estudos do espaço rural têm de se interessar pelas indústrias e
serviços no campo; hierarquias e redes de relações nas áreas rurais; modos, sistemas e
estruturas de produção; urbanização do/no rural etc.” (RUA, 2002, p.27).
Diante do exposto, são as escalas de organização espacial que caracterizam o rural em
suas dimensões. Desse modo, as correlações entre o rural e o urbano pautam-se nos níveis
local, regional e nacional, sugerindo articulações mais amplas. Ainda na expressão de Rua
(2002, p.34), vale “reforçar o espacial/territorial, mas em complexos espaciais/territoriais
mais amplos que permitam ver regiões mais ou menos rurais, cidades em regiões rurais,
agropecuária em regiões urbanas”.
Segundo Abramovay (2003, p.14), “o território consiste numa trama de relações, de
significados, de conteúdos vividos”. Há que se refletir, nessa condição sobre território e
territorialidades por meio de um conjunto estritamente correlacionado: ruralidades e
urbanidades.
Nesse sentido, esse estudo busca desvendar a realidade nas suas particularidades
conformando uma compreensão maior do campo brasileiro diante da necessidade de
transformação.
Face as diferentes territorialidades produzidas no espaço e considerando, também, que
o rural produz diferentes respostas de acordo com as regiões brasileiras, é lícito questionar
quais são as territorialidades elaboradas no espaço rural do município de Cascavel, estado do
Paraná, admitindo-se a estreita interrelação entre ruralidades e urbanidades.
Admitindo-se as inúmeras contradições teórico-metodológicas que envolvem as
discussões acerca da relação rural-urbana, esse artigo procura compreender parte da
estruturação geoeconômica do rural no município de Cascavel, estado do Paraná. Considera,
para tanto, as ruralidades e urbanidades configuradas nesse espaço, bem como a técnica e a
reestruturação produtivas ali presentes. Para a consecução do objetivo proposto, propõe-se
inicialmente uma breve discussão das noções e conceitos referentes as ruralidades e
urbanidades. Na seqüência, são apresentadas algumas características desse processo no
município de Cascavel, obtidas na bibliografia, junto a órgãos públicos e de pesquisa, além de
entrevistas pessoais.
Como justificativa, o estudo em questão traduz a singularidade da construção das
relações entre o rural e o urbano numa cidade de médio porte, com vinculações e
hierarquizações em escalas maiores.
Cascavel – PR – 17 a 19 de junho de 2008
2
A DIMENSÃO TERRITORIAL
TERRITORIALIDADES
2.1
EXPRESSA
NAS
RURALIDADES
E
A ruralidade como territorialidade.
Atribuir uma noção específica a ruralidade não se constitui em tarefa simples. A
multiplicidade de características que envolvem o rural-urbano em seus processos reais
configura distintas formas de reciprocidade entre ambos.
Segundo Saraceno (1996), as ciências sociais utilizam e desenvolvem a categoria
“rural-urbano” buscando explicar os deslocamentos de recursos que acompanham os
processos de modernização. Desse modo: “[...] observam-se as diferenças espaciais que se
mostram significativas, tenta-se reconhecer as regularidades ou similitudes, as tendências de
se reproduzirem ou perderem significado.” (SARACENO, 1996, p.2).
Segundo o autor (op. cit. p.3), nesse processo analítico surgem várias possibilidades
que podem estar pautadas no território enquanto categoria, o que não as livra de uma série de
equívocos, principalmente quando se busca “[...] muito mais descrever as transformações
ocorridas com a urbanização do que aquelas que tinham lugar nas zonas rurais abandonadas”.
Procurando distanciar-se desses equívocos, procura-se compreender a ruralidade a partir da
noção de territorialidade.
Desse modo, admite-se que a ruralidade é um conceito territorial que pressupõe a
homogeneidade dos territórios agregados sob essa categoria analítica, e isto naturalmente vale
também para o conceito de urbano. Ainda que não contíguos, os territórios rurais compartem,
de fato, algumas características comuns que, no entanto, não foram definidas de maneira clara
nem no que concerne aos indicadores que devem ser utilizados, nem no que se refere ao limite
que deveria distinguir o rural do urbano. Na maior parte dos casos, o que é rural e o que é
urbano vem intuitivamente reconhecido e depois medido. (SARACENO, 1996, p.2)
A partir da interpretação da ruralidade enquanto territorialidade pode-se
compreender de forma implícita a lógica do território, ou seja, sua racionalidade. “A
racionalidade, nesse fim de século chega ao território; ou seja, ela não é apenas uma
categoria da sociedade, da economia, da política. O próprio território, em certos lugares,
acaba por tornar-se racional”. (SANTOS, 1999, p.17).
Para Dias (2005, p.8), há uma resultante da interrelação entre mecanismos endógenos
e exógenos nessa dinâmica. Assim, na visão da autora, a territorialidade configura-se “como
resultado de mecanismos endógenos - relações que acontecem nos lugares entre agentes
conectados pelos laços de proximidade espacial – e mecanismos exógenos – que fazem com
que um mesmo lugar participe das várias escalas de organização espacial”. As noções de rede
encontram-se, desse modo, estritamente vinculadas a essa lógica.
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A construção dessa interrelação se configura no território, que traduz em sua
transformação parte dos processos inerentes ao desenvolvimento do capitalismo enquanto
modo de produção. Portanto, a ruralidade expressa essas correlações em suas constantes
modificações territoriais, melhor dizendo, nos conflitos gerados entre o global e o local, ou
seja, entre as verticalidades e as horizontalidades.
O rural, enquanto territorialidade nas suas diferentes faces e em sua horizontalidade,
expressa a luta pela inserção num espaço das redes - das verticalidades.
A materialização desse conflito ocorre por meio de sua configuração técnica, pelos
princípios de gestão adotados nas propriedades, pela racionalidade imposta pelo mercado via
ajustamentos na função de produção que expressam a “fluidez e a competitividade”,
admitindo-se as noções apresentadas por Santos (2002).
Nesse sentido, o território caracteriza-se como expressão “das geografias da
desigualdade produzidas pelo sistema-mundo, as quais permitem vê-lo como dimensão
histórica do processo de globalização e fragmentação” (SANTOS; SOUZA e SILVEIRA,
2002, p.11). Há uma interdependência universal dos lugares como uma nova lógica do
território que se estrutura nos sistemas técnicos.
O funcionamento decorrente dessa lógica traduz-se pelas escalas, ou pelas
horizontalidades e verticalidades. As primeiras expressam “os domínios da contigüidade
daqueles lugares vizinhos reunidos por uma continuidade territorial” (SANTOS, 2002, p.16).
Seria essa a expressão dos espaços banais que nas palavras do referido autor sintetiza um
“acontecer solidário” em três dimensões interligadas: homologamente, complementarmente e
hierarquicamente. Assim, “o cotidiano é compartido mediante regras que são formuladas e
reformuladas localmente” (SANTOS, 2002, p.16).
Isso possibilitaria reconstituir um território a partir de mosaicos. A interpretação
cidade-campo elaborada pelo autor contribui, também, para compreensão da noção de
ruralidade enquanto territorialidade mediante os fluxos estabelecidos.
[...] Áreas de produção agrícola ou urbana que se modernizam mediante uma
informação especializada e levam os comportamentos a uma racionalidade
presidida por essa mesma informação que cria uma similitude de atividades
gerando contigüidades funcionais que dão os contornos da área assim definida.
[em sua complementaridade, ainda] as relações cidade-campo e das relações
entre cidades conseqüência igualmente de necessidades modernas da produção e
do intercâmbio geograficamente próximo. [num acontecer hierárquico]
resultado da tendência à racionalização das atividades e se faz sob um comando,
uma organização [...] que tendem a ser concentrados e nos obrigam a pensar na
produção desse comando, dessa direção, que também contribuem à produção de
um sentido, impresso à vida dos homens e a vida do espaço (SANTOS, 2002,
p.16-17).
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Além das horizontalidades anteriormente explicitadas, destacam-se as verticalidades.
As mesmas seriam formadas por “pontos distantes uns dos outros ligados por todas as formas
e processos sociais” (SANTOS, 2002, p.16).
Sinaliza-se, portanto, uma dinâmica pautada no mercado, sendo o território
interpretado “como o suporte das redes que transportam as verticalidades. (SANTOS, 2000,
p.259, citado por DIAS, 2005, p.8).
Configura-se uma força motriz e um conjunto movido, como se expressasse em seu
conjunto, um campo de forças, próprio ao desenvolvimento desigual e combinado do sistema
capitalista. (PERROUX, 1967).
As ruralidades são, nesse contexto, uma expressão desse mesmo conjunto, pois: “há
significativos controles locais da parcela da técnica e da produção - horizontalidades e um
controle remoto da parcela política da produção – verticalidades”. (SANTOS, 2002, p.18).
Corroborando com essa leitura, observa-se que diferenciações territoriais resultam
desse campo de forças, ou seja, da interrelação entre os aspectos sociais, econômicos,
culturais e institucionais que caracterizam uma realidade determinada conjuntamente com as
ligações da natureza variada que ela tem com o resto do mundo (o mercado global).
(SARACENO, 1996, p.7).
É, portanto, por meio dessas ligações que podem ser modificadas as formas de
produção, distribuição e consumo. “Um exemplo é a maneira como os produtores rurais se
reúnem para defender seus interesses, o que lhes permite passar de um consumo puramente
econômico, necessário às respectivas produções a um consumo localmente definido e que
também distingue as regiões brasileiras umas das outras” (SANTOS, 2002, p.20).
Reconhece-se que o meio rural amplia suas funções, dadas as distintas produções e
formas de consumo. Sobre esta questão, Abramovay (2003, p.13) afirma: “as funções
convencionais de fornecimento de matérias-primas e mão-de-obra para o crescimento
econômico são cada vez menos importantes diante dos próprios atributos territoriais que
definem conceitualmente ruralidade”.
Os circuitos de produção, distribuição e consumo são, portanto, reinterpretados pelo
rural em função das correlações entre oferta e demanda em diferenciadas estruturas produtivas
vinculadas ao território.
Carneiro (1998), citada por Rua (2002, p.32), atenta para o fato de que “a ruralidade é
um processo dinâmico de constante reestruturação de elementos da cultura local, com base na
incorporação de novos valores, hábitos e técnicas”. Essa construção é, nas palavras da autora,
um híbrido onde não são encontradas condições estritamente urbanas ou rurais.
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2.2
A urbanidade como territorialidade
O urbano pode ser concebido como morfologia social, uma realidade social composta
de relações presentes e relações a serem concebidas, construídas ou reconstruídas pelo
pensamento. Admitindo-se essa estruturação analítica, o urbano [sociedade urbana] é uma
virtualidade que carrega a constituição de uma sociedade planetária, uma totalidade que
modifica e transforma a agricultura e a indústria, mas que não faz com que elas desapareçam.
(LEFEBVRE, 1999, p.28-29).
Para Galvão (1995, p.101) o mundo contemporâneo encontra-se “visceralmente
cingido pela urbanização”. Na urbanização é expressa a circularidade entre campo e cidade,
ou seja, a complementaridade entre ambos de forma a fortalecer as especificidades de cada
um. Para a autora, as relações circulares gestadas na cidade e pela cidade, implementam-se no
campo por força e ação da cidade, e na cidade se reproduzem em progressões
diferencialmente crescentes. Mas também nesta se amortalham por força dos obstáculos e
contradições inerentes às próprias relações campo-cidade, nas quais se destacam, de um lado,
o peso dos excedentes demográficos procedentes do campo (desprovidos de qualificação para
uma adequada integração ao mercado) e de outro lado, a inelasticidade desse mesmo mercado
de trabalho em seu processo de crescimento (profissionalmente distorcido, socialmente
desigual e incapaz de absorver e incorporar, gradualmente, como economicamente ativos,
contingentes expressivos daqueles excedentes). (GALVÃO, 1995, p.104)
Os circuitos se entrecruzam, formam redes, elaboram constantes reestruturações nas
relações urbano-rurais. Segundo Galvão (op. cit., p.105): “quanto mais intensas e variadas as
relações campo-cidade, mais diversificados os espaços por ela construídos”.
Na interpretação da urbanidade, dos valores próprios ao espaço urbano, encontram-se
“[...] as tecnologias e sistemas produtivos surgidos da aplicação do conhecimento científico,
os quais são desenvolvidos nas cidades”. (SOBARZO, s/d).
Vale ressaltar que a discussão de urbanidade contida nesse artigo se faz, considerandoa, principalmente, como uma “urbanidade no rural”, sendo necessário, para tanto, a admissão
das inovações tecnológicas como elemento estrutural de um processo contínuo e em
diferentes escalas, recriando a territorialidades.
As ‘urbanidades no rural’ seriam todas as manifestações do urbano em áreas rurais
sem que se tratem esses espaços formalmente como urbanos. Não se pretende criar conceitos
novos que obstaculizem, mais ainda, a discussão, mas indicar que o conceito de urbanização
rural dificulta a compreensão dos processos em curso; que a urbanização, difusa,
ideológica/cultural, como já foi referido, dificilmente poderá ser mensurada; enquanto a idéia
de ‘novas ruralidades’ parece-nos enfatizar por demais a força do rural diante do urbano que,
sem dúvida, comanda o processo de reestruturação espacial no mundo contemporâneo. (RUA,
2002, p.34).
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Portanto, a leitura das distintas faces do território, ressaltando suas ruralidades e
urbanidades, deve pautar-se na reorganização dos processos produtivos próprios à lógica
capitalista enquanto modo de produção.
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RURALIDADES E URBANIDADES NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL
As distintas ruralidades e urbanidades decorrem da forma como se organiza o espaço
agrário face ao urbano. Desse modo, “o espaço agrário existe como organização sócioambiental, econômica, política e técnica diferenciada da urbana pelas formas de utilização e
valorização dos recursos incorporados ao processo produtivo que dá suporte” (GALVÃO,
1995, p.102). Para a autora, as diferenciações decorrem de contextos históricos distintos e o
entendimento do rural, nesse sentido, deve ser buscado por meio de sua relação com a cidade,
em sua estrutura e formato, considerando as diferentes atividades produtivas ali
desenvolvidas. Vale destacar, a esse respeito, que tais relações foram aprofundadas com a
“modernização da agricultura”.
Entende-se assim, por modernização da agricultura, a transformação na base técnica
da produção agrícola, inserindo-se aqui também o fenômeno da mecanização da agricultura.
Modifica-se a forma de produzir da mesma, apresentando para isso transformações
capitalistas nesta produção. Permite-se, desse modo, o surgimento da industrialização desta
agricultura que, se traduz na agricultura condicionada à indústria, transformando-se em um
ramo da última. Isto faz com que surjam novas características na atividade agrícola em suas
articulações com a atividade industrial.
Portanto, no que tange às modificações de caráter técnico experimentadas pelo campo,
as mesmas foram heterogêneas em relação às regiões brasileiras e, particularmente, na região
Oeste do Paraná, verificou-se uma intensa vinculação aos padrões produtivos que se
delineavam naquele momento:
[...] o pacote tecnológico da Revolução Verde foi implementado de modo
diferenciado pelo território brasileiro, onde cada região absorveu tal pacote à
sua maneira, gerando transformações diferenciadas, em graus de intensidade
também diferentes. Isto significa que enquanto algumas áreas foram
profundamente afetadas, com sua economia e relações sociais completamente
reorganizadas, outras sofreram poucas mudanças, mantendo grande parte de
suas características pretéritas. (NEVES, 2003, p.18)
A absorção tecnológica mencionada pelo autor teve na região Oeste do Paraná uma
resposta favorável pela combinação de um potencial natural e humano que permitiu
modificações significativas nas atividades anteriormente desenvolvidas que se pautavam
principalmente na exploração familiar e na policultura tradicional [arroz, feijão, milho e
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mandioca]. Desse modo, observa-se que o dinamismo agroindustrial da região correlaciona-se
com um potencial natural e humano pré-existente.
Vale destacar que o caráter de colonização efetiva da região iniciou-se em 1940. Mas
com o esgotamento de determinados ciclos econômicos como a policultura e a madeira,
impulsionado pela dinâmica de reprodução do capital urbano-industrial, à semelhança do que
ocorreu no restante do Brasil, Cascavel incorporou o modelo agrícola tecnológico, difundido
no país, em meados de 1960. De fato a agricultura brasileira inicia, nesta década, o seu
processo de modernização. As transformações nas formas de produção no campo afetam tanto
a agricultura, quanto à pecuária. Em conseqüência deste processo aumenta a concorrência no
setor e a concentração fundiária, com profundos efeitos sociais e econômicos sobre a
população rural.
A estrutura produtiva da economia paranaense passou por mudanças extremamente
significativas a partir dos anos de 1970, reflexos deste novo padrão tecnológico, das novas
formas de vínculo e de reorganização dos processos de produção, do trabalho e do espaço
geográfico de suas atividades. O Oeste do Paraná foi uma das regiões que mais intensamente
se inseriu no processo de modernização advindo da expansão da lavoura da soja na década de
1970.
A expansão da mecanização das lavouras na região proporcionou distintos recortes
fundiários, pautados, principalmente, em pequenas e médias propriedades. De acordo com o
com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, INCRA (2003),
aproximadamente 85% das propriedades do município de Cascavel, possuem áreas menores
do que 72 hectares, configurando assim minifúndios e pequenas propriedades. Embora em
menor número, as grandes propriedades dominam em área com intensiva utilização de
processos mecanizados.
Conforme mostram dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e
Social - IPARDES, 20031, num universo de 2.591 propriedades, 84% [2.178
estabelecimentos] são dirigidos por proprietários. As demais são exploradas por arrendatários,
parceiros e ocupantes que exploram atividades de subsistência2.
Nesta base, portanto, se desenvolveram especializações agropecuárias modernas para
abastecer o mercado, sobressaindo-se: avicultura, suinocultura, hortifrutigranjeiros, leite e
grãos (sobretudo milho e soja), exploradas tanto por produtores familiares como por
empresários. Grande parte da produção agrícola e pecuária da região está integrada a
modernos complexos agroindustriais que ocupam posição de destaque na região,
principalmente no segmento de carnes. A produção, processamento e exportação destes
produtos contribuem positivamente para o excelente desempenho que a região apresenta
nestes segmentos. As agroindústrias de abate e processamento, por exemplo, são integradas a
fábricas de ração e outros segmentos da cadeia, mantendo parceria com um grande número de
produtores rurais que se dedicam à produção. Integram-se, assim, estes produtores a este
1
2
Dados extraídos do Censo Agropecuário (1995) publicado pelo IBGE.
Esta última condição (ocupantes) totaliza 76 estabelecimentos.
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importante e moderno segmento econômico dos Complexos agroindustriais, absorvendo
tecnologia e gestão dos agentes mais modernos da cadeia.
Cabe observar, também, que na economia da região as cooperativas agropecuárias são
extremamente representativas, participando de forma intensa em todo o processo de produção,
beneficiamento, armazenamento, industrialização e comercialização dos produtos
agropecuários, além de serem instrumentos poderosos de difusão de tecnologias para o meio
rural.
A soja é o principal cultivo do município, segundo informações do SEAB/DERAL
(2005), na safra 2002/2003 foram produzidas 252.000 toneladas de grãos, correspondendo a
50% da produção agrícola local.
Cascavel possui 272.243 habitantes destes, 18.500 encontram-se em áreas rurais3.
Segundo o PERFIL MUNICIPAL (2005), a população do município apresentou uma
evolução mais acentuada entre as décadas de 1960 e 1980, com um crescimento de 127,08%
no período. Já no período de 1970 a 1980, Cascavel cresceu 81,78%.
Convém destacar que a partir de 1970 a população rural começa a declinar, em
resposta ao processo de modernização da agricultura experimentado pelo município
contribuindo sobremaneira ao crescente urbanização local. Além da sede, o município possui
sete distritos onde se desenvolve um comercio incipiente, sendo também dotados de infraestruturas relacionadas ao abastecimento de água, fornecimento de luz, posto telefônico, posto
de saúde, escola, salões comunitários e sub-prefeituras (Sede Alvorada, Juvinópolis, Rio do
Salto, São João, Espigão Azul, Distrito 07 e São Salvador), para atender as necessidades das
comunidades rurais.
Admite-se que o fenômeno da “pulverização do urbano” incidiu sobre o rural, mas este
se “mantém vivo” e guarda especificidades em cada comunidade. Mesmo assim, grande parte
dos intercâmbios necessários à dinamização do rural, em sua dimensão produtiva, decorrem
de sua relação com o urbano local, este último, vinculado a outras escalas.
As inovações tecnológicas modernizantes alcançaram diferentes segmentos rurais, se
fazendo presentes, em graus diferenciados em quase todas as unidades de produção. Ressaltese que por mais limitadas que sejam as condições econômicas, os produtores utilizam
máquinas e insumos de origem industrial, sendo seu emprego mais acentuado nas grandes
propriedades.
Sem entrar no mérito das contradições, deve-se assinalar que as atividades
agropecuárias mercantis apresentam traços característicos comuns. Elas envolvem complexos
agroindustriais, redes técnicas, fluxos de capital, mão de obra, dentre outras, que conferem
uma dinâmica específica à articulação rural-urbana local e com outras escalas.
3
Contagem parcial para o ano de 2004. Dados fornecidos pelo Escritório Regional do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 24 de agosto de 2005.
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Neste contexto, a ruralidade local se elabora e reelabora por meio das inovações de
processos e produtos gestados no urbano. Modificam-se as práticas e o comportamento das
comunidades, mas o rural não perde suas particularidades. Ao contrário, algumas
características próprias ao campo, como por exemplo, as atividades culturais, estão sendo
valorizadas, reinterpretadas e consumidas pela população urbana, como se pode verificar na
Feira dos Produtores Rurais realizada no município, além das festas e atividades culturais
promovidas.
As transformações na comunidade rural provocadas pela intensificação das trocas com o
mundo urbano (pessoais, simbólicas, materiais) não resultam, necessariamente, na
descaracterização de seu sistema social e cultural. A heterogeneidade social, ainda que
produza uma situação de tensão, não provoca obrigatoriamente a descaracterização da cultura
local. (CARNEIRO, citada por RUA, 2002, p.31).
Desse modo, são as atividades agrícolas em sua expressão modernizada e tecnificada
que caracterizam fortemente o rural local. Para Neves (2003, p.20), “[...] devemos entender
assim o rural e o urbano como sujeitos à múltiplas e diversas interações, capazes de compor
as mais variadas realidades [...]” . Portanto, as formulações sobre “novas urbanidades”
elaboradas por Rua (2002) possibilitam interpretar os processos em construção no rural das
diferentes regiões do Brasil.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados obtidos sugerem um espaço onde as ruralidades transformam-se diante
da lógica de organização empresarial e também familiar por meio de comportamentos
estratégicos que definem o desempenho e a estruturação do campo num ambiente urbanizado
crescentemente competitivo.
Admitem-se urbanidades no rural do município de Cascavel, estruturadas nas escalas
ampliadas pelo mercado. Essa imbricação se processa por meio de distintas territorialidades
que se reelaboram de acordo com a intensificação do uso da técnica e de produtos difundidos
pelo sistema capitalista que opera em diferentes escalas.
A territorialidade do sistema capitalista se manifesta em Cascavel, através das
atividades agrícolas dão o tom a ruralidade. Sob a orientação de cooperativas e agroindústrias,
as atividades agropecuárias incorporam novas tecnologias industriais e conseqüentemente as
urbanidades. A produção commodities - soja e milho -, bem como a agroindustrialização –
aves, suínos e leite - ampliaram a participação do município em novos mercados.
Para finalizar, torna-se necessário dar continuidade aos estudos locais e refletir sobre
as manifestações que são apresentadas pela crescente articulação entre o rural e o urbano.
Nesse sentido, o espaço rural vem sendo revalorizado, indicando que os processos produtivos
estão em contínua re-construção.
Cascavel – PR – 17 a 19 de junho de 2008
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Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNESP – Presidente Prudente, s/d.
SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura. Prefácio In:
Território: globalização e fragmentação. 5A. ed. São Paulo : Editora Hucitec, 2002.
Cascavel – PR – 17 a 19 de junho de 2008
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URBANIDADES E RURALIDADES: UMA NOTA SOBRE