Correio Braziliense/BR, 25 de julho de 2010
Colunas e editoriais
Eflúvios da Revolução Francesa
OPINIÃO
Maurício Corrêa
Três ordens sociais existiam na França antes do advento da Revolução Francesa. Eram o clero, a nobreza e o TerceiroEstado. Cada uma das duas
primeiras detinha um quinto de todas as terras do
país. Gozavam ainda do privilégio de isenção tributária. O restante da população de que se constituía a
última das ordens arcava sozinho com os custos da
monarquia. A iniquidade da discriminação e a ruína
financeira sobrevinda deram causa à sublevação. Vários personagens se notabilizaram no curso dos acontecimentos. Destacam-se, entre eles, figuras
exponenciais como Robespierre, Danton, Mirabeau,
Demollins, Saint-Just. Tiveram a cabeça decepada
pela guilhotina. Marat, outro explosivo revolucionário, teve sorte diferente. Foi assassinado
pela fúria de Charlotte Corday, que o apunhalou numa visita à sua casa. Era ligada à corte de Luís XVI, o
infausto rei guilhotinado. É vasta a lista de protagonistas da Revolução Francesa que tiveram a mesma sorte. Fiquemos por aqui.
Dois principais grupos, entre outros de menor porte,
se organizaram na luta pelo controle da revolução: de
um lado, os girondinos, mais moderados e conservadores, e, de outro, os jacobimos, mais radicais e
intransigentes. Diz-se daí haver originado o conceito
entre direita e esquerda ainda em uso nos dias atuais.
Ambas as facções entre si aferradamente se digladiavam. O TerceiroEstado desembocou na Assembleia Nacional, e esta, por sua vez, após longos e
acirrados debates, na Constituição da França. Robespierre, apaixonado discípulo de Montesquieu,
aspirava uma república de homens puros e incorruptíveis. Para alcançar o objetivo visualizado,
implantou o terror dentro e fora da Assembleia Nacional. A obsessão pelo ideal a que se propôs cumprir
não poupou os contrários. Mandou guilhotinar centenas deles que julgava inimigos da revolução. Um de
seus maiores aliados e amigos, membro ativo, como
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ele, dos jacobinos Montagnards, Mirabeau, foi conduzido ao cadafalso em 5 de abril de 1794. Apenas
porque pedia o fim do terror. Poucos dias depois, em
29 de julho do mesmo ano, foi a vez do próprio Robespierre subir ao patíbulo.
Num país em que a Constituição Federal assegura a
livre iniciativa, todos têm direito de exercer atividades laborais, sejam elas físicas ou intelectuais.
Podem se organizar como quiserem para ganhar dinheiro e montar negócios. Desde que o objeto das atividades seja lícito, amolde-se às exigências legais e
não atente contra os costumes e os princípios morais
do país. Ao contrário dos que trabalham em conformidade com a lei estão os que a afrontam mediante
emprego de ações ilícitas. Não se cuida de falar dos
que violentam a sociedade no cometimento de crimes
punidos pelas normas penais comuns. Dos marginais
que roubam, assaltam, traficam, sequestram, contrabandeiam, matam ou estupram.
Como praga das sociedades, esses tipos de delitos e
outros, ora com maior ou com menor potencialidade,
coexistem com elas. Pode-se dizer que o crime convive com o homem desde que ele está na face da Terra. Mas, do que se quer falar não é sobre crimes de que
os órgãos de segurança se encarregam de velar. O que
se quer dizer é dos que se sabe ocorrerem, mas que jamais são investigados.
Não porque a polícia ou o Ministério Público não
queiram apurar, mas, sim, porque se escondem em
bastiões de que não se pode penetrar. De pessoas que,
como gestores de recursos públicos, os descaminham para seus próprios bolsos. Dos que fingem cumprir as obrigações de que se investem, mas
em verdade as subvertem com o fim de auferir vantagens. Dos que corrompem concorrências públicas,
selecionam os vencedores e tornam-se sócios ocultos
do que não lhes pertence. É extensa a relação dos que
chegaram aos poderes pobres e deles saíram ricos.
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Correio Braziliense/BR, 25 de julho de 2010
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Quantos governadores, prefeitos e parlamentes não
fazem do mandato mercancia. São fatos de que se sabe existirem, entretanto se perdem pela carência de
provas. Os agentes dessas espécies de delitos são
mestres na arte de prestidigitação.
Enorme foi seu fascínio na luta por tais princípios. A
sucessão de revolucionários mortos na guilhotina
nasceu do terror implantado contra os que o combatiam. Entretanto, os que sobreviveram foram, por
ironia, os da facção moderada.
Agem de forma a não deixar rastros. Os brasileiros
que acompanham o desenrolar da vida nacional sabem que essas coisas acontecem no país. A mais
odienta das impunidades reside exatamente nesse nicho de corrupção. Seus agentes ficam eternamente
impunes. O Estado é impotente e incapaz de coibir
suas práticas. O povo assiste ao estranho espetáculo
sem nada poder fazer. Sem nenhum paralelo, mas
com o escopo meramente informativo, recorde-se
que a Revolução Francesa teve também como fim o
desejo de pôr cobro à corrupção. O maior sustentáculo dessa ala foi sem dúvida Robespierre. Não
foi à toa que lhe deram o epíteto de O incorruptível.
Foram eles que lhe reservaram a mesma sina do cadafalso. Assim se fez a vontade de Danton que, a caminho da degola, vaticinou: "Minha única tristeza é
que vou antes de Robespierre". Modus in rebus, não
se está na Revolução Francesa, o Brasil é outro país e
as circunstâncias não se igualam. Convenhamos,
contudo, que seria muito bom se os ladrões do povo
fossem condenados e presos. A esperança é que isso
um dia possa acontecer.
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