1
Campinas, 4 de junho de 2002
Curso Básico de Doutrina Católica
Parte 1 – Conhecimento de Deus
Aula 1 - Introdução
1. O que consistem essas aulas? O que queremos aqui?
- Primeiro objetivo: entender o que é o homem, entender (o que é possível entender)
o que é Deus, e saber o que uma coisa tem a ver com a outra
- Segundo objetivo: formar uma visão cristã do mundo
Qual o método de exposição?
Expor de maneira sistemática, segundo um programa específico, o conteúdo da
doutrina cristã ensinada pela Igreja Católica.
Entretanto, essa exposição será feita segundo uma mentalidade universitária: vamos
além, e bem além da "aula de catecismo" para crianças, onde as informações nos
eram transmitidas de maneira essencialmente acrítica e mitigada.
Vamos entrar, tão a fundo quanto possível, em problemas teológicos, filosóficos e
históricos não necessariamente triviais, uma vez que nenhum de nós é mais uma
criança.
Um parênteses: uma reflexão teológica com o nível de profundidade a que nos
propomos aqui não é necessária para todo católico (minha vó Josefina), mas para
nós sim. Menos do que isso seria subtilizar a nossa inteligência e criar sérios
problemas religiosos por falta de equilíbrio.
2. Hipóteses de trabalho
a) Os presentes estamos interessados no tema. Para mim essa é uma questão
importante e que merece uma reflexão mais detida.
"O homem está, e com razão, descontente da sua condição. Não com a sua condição
social, econômica e política, mas com alguma coisa de ainda mais grave. Ele está
insatisfeito com a sua condição existencial. É a sua condição humana que é
inadmissível." Eugene Ionescu
Eu, de certa forma, não estou satisfeito comigo mesmo. Há alguma barreira, alguma
incompreensão mútua entre eu e Deus que precisa ser superada.
Eu acho que não estou fazendo tudo o que poderia fazer, dar tudo que eu poderia
dar, ser tão feliz quanto poderia ser. No fundo no fundo no fundo. Está certo, eu estou
contente com a minha vida de um modo geral, mas há problemas de fundo (que
qualquer homem normal tem, e se não tivesse seria uma criatura estranha) que
precisam ser resolvidos.
"O mar tem fim, o céu talvez o tenha,
2
Mas não a ânsia de cousa indefinida
Que o ser indefinida faz tamanha."
F. Pessoa, Cancioneiro, Em busca da beleza.
b) As realidades profundas do homem, e o próprio ser de Deus são coisas
tratáveis, e de maneira muito séria, pela razão humana. (eu não disse
compreensíveis, mas passíveis de uma análise racional tão profunda quanto
possível).
Não se trata de falar apenas de um "sentimento religioso", (também), mas de uma
opção intelectual. Eu diria mais do que isso: é perceber que o assunto que estamos
falando é uma questão muito séria e muito complexa, muito mais do que nós mesmos
seríamos capazes de fazer por conta própria.
O que vamos expor aqui é um conjunto de conclusões fruto de um esforço intelectual
imenso, de séculos e séculos de pesquisas filosóficas e teológicas. O que há por trás
do que estamos falando?
Pesquisa histórica
Hemenêutica/exegese bíblica e patrística
Filosofia especulativa
Ética filosófica
Ética social
Teologia fundamental
Etc etc.
Não pretendemos entrar aqui nessas questões em demasiada profundidade. Mas é
bom saber que há quem entre. Quem? A Igreja Católica de múltiplas maneiras.
Nós vamos utilizar os resultados dessa reflexão. Vamos fazer uma teologia for
windows , que está exposta no Catecismo da Igreja Católica e em textos do magistério
e do Papa.
Essas são então as principais fontes da nossa exposição. Além disso, vou procurar
dar exemplos da história, da poesia, da literatura, da filosofia que conseguem ilustrar
de maneira muito sintética e mesmo bonita o que estamos falando.
c) Deus existe
Essa é também uma hipótese importante. E essa conclusão pode ser alcançada por
uma via intelectual também. E vamos procurar demonstrá-la, ainda que
indiretamente.. Vamos falar de duas vias: o homem e a natureza. Uma via
antropológica (Pascal, Kierkegaard) e uma via mais escolástica (Aristóteles, Sto.
Tomás). São vias ao mesmo tempo paralelas e complementares.
C1) Pelo homem: Se pararmos um pouco para observar e pensar sobre a vida
humana, constatamos algumas coisas:
O homem é um ser surpreendente: Escreve os Lusíadas, vai para a Lua,
compõe uma ópera, decifra o seu próprio código genético...
O homem é um ser absolutamente frágil e vulnerável: não consegue controlar
nem mesmo o seu próprio estado de ânimo, oscila, sem controle, entre a euforia e a
melancolia, entre a alegria profunda e o tédio ou a angústia.
3
O homem não consegue controlar a sua vida, a sua saúde (por mais caro que
seja o plano de saúde que ele pague). Sabe que a sua vida pode escorrer da sua
mão de uma hora para outra (e um homem que não tem essa consciência é um
insensato)
O homem, por mais certinho que seja (cara legal, honesto) pode fazer de uma
hora para outra besteiras monumentais.
A questão então é a seguinte: o que é o homem afinal de contas? Diante
dessa radical fragilidade, que sentido têm essa grandeza humana, se tudo, afinal das
contas, é pó, como diz o poeta:
O mais é carne, cujo pó
a terra espreita.
F. Pessoa, Mensagem, 1a parte
Desse conflito, desse problema existencial humano fundamental, surge o chamado
Desconcerto do Mundo, a perplexidade diante da vida e da morte. Cacilda!
Entretanto, esse homem desconcertado e perplexo, o que pode fazer?
(continuamos falando da existência de Deus, de como o homem olhando para si e
para a vida pode chegar a essa conclusão)
Há então duas atitudes possíveis, que eu vou associar a duas correntes filosóficas,
para dar nome aos bois: atitude imanente (eu me volto para mim mesmo e procuro a
solução dentro de mim mesmo) e a transcendente (a solução está fora do homem,
fora de mim)
C11) Atitude Imanente – a solução do homem se encerra no próprio homem
Duas vertentes:
1) Coletivismo marxista ou nacional socialista: o homem enquanto
COLETIVIDADE é o fim do homem enquanto indivíduo. O fim de cada homem é a
própria sociedade (afinal um fim que é o homem mesmo)
2) Individualismo liberal: o homem enquanto indivíduo é o fim do homem enquanto
indivíduo. E quando falamos homem nos referimos aos sentidos físico e psíquico do
termo.
Eu tenho que me sentir, no fim das contas, física e psicologicamente bem. Desse fim
supremo de felicidade surge um grande número de filosofias práticas modernas:
Individualismo
Consumismo
Hedonismo
Pan-sexualismo
E os fenômenos de evasão, quando as alternativas ligth já não satisfazem: drogas,
álcool, anfetaminas etc.
Essencialmente, essas têm sido as soluções que a sociedade ocidental tem adotado
nos últimos dois séculos mais ou menos. Para alguns, até que conseguem chegar ao
fim da vida apenas cépticos e não loucos (sem sentir nem mesmo que a falta de Deus
4
é uma falta, como dizia Heidegger)
E sem dúvida, o que tudo isso consegui gerar foi um profundo tédio (compatível com
a euforia dos embalos de sábado à noite), a pós-modernidade com todo o seu
ceticismo ignorante e orgulhoso
C12) atitude transcendente
Muitas pessoas, entretanto perceberam e percebem que a solução do homem está na
realidade fora do homem.
Quero ser ensinado por Deus.
Ciência não me satisfaz.
Mundo não me satisfaz.
Diabo não me distrai.
Quero ser ensinado por Deus.
Os apoios terrestres são frágeis.
As montanhas são fracas demais.
Dai-me a vossa mão para sair do vácuo.
Jorge de Lima, Quero ser ensinado por Deus, Tempo e eternidade
E muitas vezes percebem isso das suas próprias experiências imanentes. Dá tanta
cabeçada na vida, causa tanto sofrimento a si e aos outros que muitas vezes para e
pensa: assim não dá!
Como dizia um escritor brasileiro, parafraseando o livro do Eclesiastes: se a vida do
homem é que se vê debaixo do sol a vida humana é um disparate.
Essa atitude transcendente assumiu ao longo da história da humanidade muitas
manifestações, as religiões (fora o cristianismo, o islam, budismo, zoroastrismo,
religiões totêmicas ou animistas). Mais recentemente, formas bastante mais
degeneradas: os gnomos-duendes-fadas, papo new-age de energia, controle da
mente, gosma cósmica. Hoje em dia tem aparecido um sincretismo muito
interessante, entre a macumba e as IURDS/Macedos da vida, com todo esse
problema do Encosto e tal.
Fora essas besteiras de calibre muito grosso, a religião (do latim religare) manifesta
uma atitude do homem de se relacionar com o seu criador, de encontrar FORA DE SI
a resposta para o sentido da vida.
3. A tradição judaico-cristã-católica
Pois bem, o homem pode ter uma atitude de abertura ao mundo e a Deus de muitas
maneiras mas aqui faremos uma opção clara pela religião católica, segundo a
tradição judaica etc.
Sem dúvida, existe uma questão cultural (nascemos provavelmente numa família
cristã e num país, apesar dos pesares, cristão). Mas poderia alguém achar: para a
gente, o catolicismo é a verdade, para o árabe é o islam, para o chinês é o Confúcio e
tudo bem.
5
Tudo bem mais ou menos. Podemos admitir o seguinte: para o chinês, se ele segue o
Confúcio direitinho, pode ser uma coisa muito boa; ou: o Confúcio têm muitas coisas
verdadeiras e belas (e tem mesmo). Mas uma coisa é uma BMV e outra é uma BMW.
Quer dizer, o máximo da verdade que podemos chegar (e que todo homem deveria
chegar, pois todo homem tem dignidade para isso) é o cristianismo, ensinado pela
Igreja Católica. Porquê?
Por que essa é uma religião revelada por Deus. Ela não só tem as suas referências
na religião natural, fruto de reflexões humanas e culturais mais ou menos sadias.
Nós admitimos que Deus revelou-se a si mesmo, e revelou a sua solução para o
Desconcerto do Mundo e do homem. Deus fez uma revelação explícita e objetiva e
depositou essa revelação na Igreja Católica.
4. Daqui para frente:
Outra via de conhecimento de Deus, ou de abertura transcendente: observação da
natureza.
Aprofundar no conceito de Revelação, e de credibilidade da revelação
Ato de fé. Fé cega ou opção intelectual?
Mais para frente, vamos procurar entender o conteúdo da revelação: Criação,
Redenção, Cristo, Ssma. Trindade, a Igreja.
Mandamentos, cada um dos 10: toda a parte moral
7 sacramentos
Download

Aula 1 - Doutrina Católica