UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A Fundação Municipal de Educação de Niterói /RJ –
efeitos na educação pública do município
Luiz Carlos de Almeida Batista Pustiglione
RIO DE JANEIRO
2014
A Fundação Municipal de Educação de Niterói /RJ –
efeitos na educação pública do município
LUIZ CARLOS DE ALMEIDA BATISTA PUSTIGLIONE
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Educação.
Banca Examinadora
_______________________________________________
Orientadora: Profa. Doutora Ana Maria Villela Cavaliere
_______________________________________________
Prof. Doutor Roberto Leher – UFRJ
_______________________________________________
Profa. Doutora Eveline Bertino Algebaile – UERJ
CIP - Catalogação na Publicação
P987f
Pustiglione, Luiz Carlos de Almeida Batista
A Fundação Municipal de Educação de Niterói /RJ ?
efeitos na educação pública do município / Luiz Carlos de
Almeida Batista Pustiglione. -- Rio de Janeiro,
2014.
144 f.
Orientador: Ana Maria Villela Cavaliere.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Faculdade de Educação, Programa de
Pós-Graduação em Educação, 2014.
1. Fundação Municipal de Educação de Niterói-RJ. 2.
Reforma do Estado. 3. Municipalização da Educação. 4.
Público e privado na educação. I. Cavaliere, Ana Maria
Villela, orient. II. Título.
Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os
dados fornecidos pelo(a) autor(a).
AGRADECIMENTOS
À paciência de todxs que ouviram “agora não posso, estou enrolado com a minha
dissertação” e foram compreensivos.
Aos meus familiares, que sempre me estimularam a estudar, ler, se informar.
A(o)s camaradas de todas as lutas dentro e fora da universidade.
Aquelxs que se dispuseram a conceder algum tipo de informação para esta pesquisa,
afinal a batalha por elas foi árdua.
Ao meu amor: Mariana!
Ao povo brasileiro, por financiar meus estudos na universidade pública desde a
graduação.
À minha orientadora, que mesmo com os trancos e barrancos, seguiu comigo nessa
batalha e com certeza colaborou sobremaneira para minha formação acadêmica desde a
monografia do saudoso CESPEB/UFRJ.
Aos colegas de turma e de outras turmas do PPGE/UFRJ, com quem convivi nesse
percurso do mestrado. Essa convivência foi sensacional para me ajudar. Em especial
amigxs e novxs amigxs: Amanda, Fernanda, Régis, Bart, Lamosa, Lamarão, Isabela,
Tayane, Pedro, Jairo, Isabela, Gustavo, Carlus e outrxs.
Aos servidores técnico-administrativos da biblioteca do CFCH e da secretaria do PPGE,
pelos serviços de excelência prestados.
Aos professores da maioria das disciplinas que cursei, pelo conhecimento
compartilhado.
Ao meu notebook, que já está quase na idade da compulsória e ainda não pude
aposentá-lo.
Ao Rio de Janeiro e à UFRJ, que acolheram, dentro de todas as (im)possibilidades,
limitações e “bullyngs”, mais esse paulista quem vos escreve.
RESUMO
A presente dissertação discorre sobre a Fundação Municipal de Educação do município
de Niterói, criada em 1991 para, no lugar da Secretaria Municipal de Educação,
administrar a rede pública de escolas municipais e estabelecimentos de educação
infantil públicos e conveniados. Na busca das respostas às principais perguntas lançadas
por esta pesquisa, começamos por estudar as fundações, públicas em especial, desde o
ponto de vista histórico e jurídico até o contexto político específico que deu a retaguarda
necessária aos gestores de Niterói para criar uma fundação na área da educação. Tão
importante quanto isso foi analisarmos o fenômeno da municipalização da educação,
especificamente do ensino fundamental e educação infantil que, apesar de ter ocorrido
em enorme escala na maior parte das cidades brasileiras, teve um rumo diferente em
Niterói, onde poucas escolas estaduais agregou à sua rede e poucas novas unidades
escolares construiu, guardada a exceção para unidades dedicadas à educação infantil,
cuja responsabilidade de atendimento recai prioritariamente sobre os municípios. Ainda
nesse aspecto da municipalização foi necessário investigarmos os meandros do
financiamento da educação pública em termos legais e práticos, afinal, foi a partir da
criação dos fundos – primeiro o FUNDEF, depois o FUNDEB – que explodiram as
estatísticas das redes municipais, o que não ocorreu em Niterói. Foi fundamental ainda
compreender uma parte da história recente do município de Niterói, particularmente a
partir da fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, em 1975, quando então
Niterói perde seu status de capital, o que repercute em sua condição social, política e
cultural. Nesse contexto histórico, Jorge Roberto da Silveira (PDT) construiu sua
carreira política, tendo sido eleito nos quatro pleitos que disputou e tendo indicado seu
sucessor em um dos seis mandatos de interesse para esta pesquisa. Na sequência de
mandatos, uma série de iniciativas inovadoras perpetuou a tradição política de sua
família na cidade e criou uma nova imagem para Niterói. Essa importância política não
diminui as polêmicas em torno de algumas dessas inovações e atitudes, dentre as quais a
própria criação da Fundação Municipal de Educação. Ela ocorreu no contexto da
reforma do Estado que buscava modernizar a forma de administrar o público através de
métodos e práticas da esfera privada que seriam adaptadas ao serviço público e suas
instituições. Entretanto, o partido a que pertencia o então prefeito não compartilhava da
visão política que comandava tal reforma do Estado, o que indica uma importante
contradição. Algumas distinções entre as formas de gerenciar a educação municipal por
meio de uma fundação – órgão da administração indireta – ou de uma secretaria, tais
como a agilidade e o alargamento de possibilidades de ter o controle quase autônomo do
próprio orçamento e das licitações realizadas, persistem, mas tais práticas foram
generalizadas na administração pública, o que fez desaparecer ou minimizar as
diferenças que poderiam advir de sua condição institucional especial. Para o
desenvolvimento do estudo, além de pesquisa bibliográfica e documental, entrevistamos
os principais atores da educação niteroiense no período, tais como presidentes da
fundação, secretários de educação, gestores e profissionais sindicalizados que atuaram
durante esse processo.
Palavras chave: 1. Fundação Municipal de Educação de Niterói-RJ; 2. Reforma do
Estado; 3. Municipalização da Educação; 4. Público e privado na educação
ABSTRACT
This dissertation discusses the Municipal Education Foundation of Niterói, created in
1991 to, in place of the Municipal Education administer the public schools and
municipal educational establishments and public child insured. In search of answers to
key questions thrown by this research, we begin by studying the foundations, public
especially from the point of historical and legal perspective to the specific political
context that gave the rear required managers to Niterói there create a foundation in
education. Just as importantly, we analyze the phenomenon was the municipalization of
education, specifically the elementary and early childhood education that, although
there was an enormous scale in most Brazilian cities, took a different tack in Niterói that
few state schools added to your network and few new school units built, guarded
exception for units dedicated to early childhood education, care whose responsibility
falls primarily on the municipalities. Yet this aspect of decentralization, it was necessary
to investigate the intricacies of the funding of public education in legal and practical
terms, after all, was based on the creation of funds – first Fundef after FUNDEB –who
blew the statistics of municipal networks, which not occurred in Niterói. It was also
essential to understand a part of the recent history of Niterói, particularly from the
merger of the States of Rio de Janeiro and Guanabara in 1975, when then Niterói loses
its status as the capital which reflects in their social, political and cultural. In this
historical context, Jorge Roberto Silveira (PDT) built his political career and was
elected in the four lawsuits that played and having indicated his successor in one of 6
mandates of interest for this research. Following mandates, a number of innovative
initiatives perpetuated the political tradition of his family in the city and created a new
image to Niterói. This policy does not diminish the importance controversies around
some of these innovations and attitudes, among which the very creation of the
Municipal Education Foundation. It occurred in the context of state reform that sought
to modernize the way of managing public through methods and practices of the private
sphere that would be adapted to the public service and its institutions. However, the
party he belonged to the then mayor did not share the political views who commanded
the reform of the state, which indicates a major contradiction. Some distinctions
between the ways of managing the municipal education through a foundation – a body
of indirect administration – or a registry such as agility and extending the possibilities
of having almost autonomous control of its own budget, the bidding procedures,
continue but such practices were widespread in public administration, which did away
with or minimize the differences that could arise from their special institutional status.
To develop the study, plus literature and documents interviewed the main players in
Niterói education in the foundation such as presidents, secretaries of education,
managers and unionized professionals who acted during this process.
Keywords: 1. Municipal Education Foundation of Niterói-RJ; 2. State Reform; 3.
municipalization of education; 4. Public and private education
LISTAGEM DE SIGLAS
ANPAE – Associação Nacional de Política e Administração da Educação
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEC – Conselho Escola Comunidade
CF – Constituição Federal
CLIN – Companhia de Limpeza Urbana de Niterói
CONAE – Conferência Nacional de Educação
EC – Emenda Constitucional
FAMNIT – Federação das Associações de Moradores de Niterói
FE/UFF – Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense
FME – Fundação Pública Municipal de Educação de Niterói
FNPM – Fundo Nacional de Participação dos Municípios
FUNDEB – Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica
FUNDEF – Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias
MAC – Museu de Arte Contemporânea
MARE – Ministério da Reforme do Estado
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MEC – Ministério da Educação
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PEC – Projeto de Emenda Constitucional
PL – Projeto de Lei
PNE – Plano Nacional de Educação
PT – Partido dos Trabalhadores
SME – Secretaria Municipal de Educação
SUS – Sistema Único de Saúde
TCE – Tribunal de Contas do Estado
TCU – Tribunal de Contas da União
UFF – Universidade Federal Fluminense
ÍNDICE
1 INTRODUÇÃO 12
2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 14
3 AS FUNDAÇÕES 29
3.1 As origens e os diferentes tipos de fundação 29
3.2 Fundações na educação brasileira 32
3.3 Educação privada 33
3.4 Educação pública 34
3.5 Legislação atual sobre fundações 37
3.6 Fundações municipais 40
4 MUNICIPALIZAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO E APROXIMAÇÃO COM O
PRIVADO DA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA 42
4.1 MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: DO SÉCULO XX AO XXI 42
4.1.1 O atual processo de municipalização 45
4.1.2 A Constituição de 1988 47
4.1.3 LDB e PNE 48
4.1.4 FUNDEF e FUNDEB 53
4.2 MUNICIPALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO 55
4.3 OS PROCESSOS DE AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO PRIVADA NA EDUCAÇÃO E A RELAÇÃO COM A MUNICIPALIZAÇÃO/DESCENTRALIZAÇÃO 56
5 NITERÓI 62
5.1 BREVE HISTÓRICO E PANORAMA POLÍTICO DA CIDADE 62
5.1.1 Fusão e “Reascensão” da Cidade 65
5.2 JORGE ROBERTO DA SILVEIRA 68
5.2.1 Inovações e experimentalismos na administração da cidade 71
6 FUNDAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE NITERÓI 74
6.1 AS ORIGENS DA FME (LEGISLAÇÃO E CONTEXTO) 76
6.2 OS PRESIDENTES E SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃO 81
6.3 O MOMENTO DA CRIAÇÃO E UM DEBATE QUE DEIXOU POUCOS RASTROS 86
6.4 ASPECTOS MARCANTES EM 21 ANOS DE FUNDAÇÃO 91
6.5 ALGUMAS JUSTIFICATIVAS E FRUSTRAÇÕES 95
6.6 AS ALTERAÇÕES PERCEPTÍVEIS: RESULTADOS POUCO SIGNIFICATIVOS 98
6.7 A EXPANSÃO DA REDE MUNICIPAL NO PERÍODO 100
6.8 AS RELAÇÕES DA FME COM O SETOR PRIVADO E COM A “SOCIEDADE
CIVIL” 105
6.9 O PROGRAMA EDUCAÇÃO INTEGRAL DA FME 108
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 117
APÊNDICES E ANEXOS 123
1. INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem como objetivo entender a Fundação Municipal de
Educação de Niterói (FME) a partir de alguns elementos e questionamentos, que vão
desde a dúvida acerca da necessidade e das possibilidades de inovações a partir da
administração por meio de uma fundação em vez do tradicional formato de secretaria
municipal de educação, até o porque e como ela foi criada em uma determinada
conjuntura, sob uma determinada gestão municipal.
Este trabalho foi motivado a partir da constatação de que essa experiência é
única – ou quase – em todo o país, quando ainda estava elaborando a Monografia de
Conclusão de Curso de Especialização “Saberes e Práticas na Educação Básica:
políticas públicas e projetos socioculturais em espaços escolares”, a qual versou sobre o
Programa “Educação Integral” da FME.
Para entendermos toda essa teia de relações e eventos, foi necessário lançarmos
mão de algumas hipóteses e partirmos para a análise documental e teórica e coleta de
informações relevantes que colaborassem para a construção de um quadro interpretativo
do objeto analisado.
Entre os elementos centrais analisados estão as fundações, públicas em especial;
a municipalização e/ou o processo de crescimento das redes municipais ao longo da
história educacional do Brasil; o histórico e o panorama político do município de
Niterói; e a opinião de protagonistas do período da criação da FME – profissionais,
“sociedade civil”, pesquisadores da área – e dos que a administraram ao longo da maior
parte dos anos da sua existência.
No caso das fundações, chama atenção a confusão jurídica que parece
permanecer até hoje sob alguns aspectos das fundações públicas, principalmente no que
diz respeito à sua personalidade jurídica ser de direito público ou privado e sobre as
prerrogativas e possibilidades dos agentes públicos criarem-nas. Em Niterói, pode ter
12
sido intenção do prefeito Jorge Roberto da Silveira, criar outra situação jurídica e
trabalhista para a educação municipal e os profissionais que nela atua(va)m. Essa
possibilidade acabou sendo reforçada a partir de algumas entrevistas realizadas para a
elaboração desta dissertação e da análise de documentos da época, tanto do âmbito
municipal, como os relativos à reforma do aparelho de Estado, encaminhada por
Fernando Henrique Cardoso e Luiz Carlos Bresser Pereira, respectivamente presidente
da República e ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE).
Outro aspecto determinante para a compreensão de qualquer rede municipal
nesse recorte temporal escolhido para a pesquisa é a municipalização e a expansão das
redes municipais, centralmente a partir da promulgação da Constituição Federal de
1988, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96) e das leis que
criaram os Fundos de Desenvolvimento da Educação, inicialmente exclusivo ao Ensino
Fundamental e posteriormente extensivo ao conjunto da educação básica (na qual se
incluem a educação infantil – de quatro a seis anos e o ensino médio). Além dessas
legislações e as respetivas alterações feitas ao longo dos anos de vigência das mesmas,
outras podem ser incluídas no rol das que tiveram algum impacto no fenômeno da
transferência da responsabilidade do atendimento educacional dos entes estaduais para
os municipais. Entre essas, podemos citar os Planos Nacionais de Educação, o Estatuto
da Criança e do Adolescente, bem como as Diretrizes e Planos Curriculares Nacional,
Estadual e Municipal.
A partir dessa análise prévia do contexto jurídico e político que cerca o debate
educacional e sobre as fundações, tornou-se imprescindível elaborar um quadro político
do município em questão para que as hipóteses e as perspectivas pudessem ser
embasadas para além das opiniões dos envolvidos, considerando também a conjuntura
municipal e estadual. Sobre esse aspecto, muitos são os pontos relevantes para a
compreensão do objeto e para a realização dos objetivos da pesquisa, pois além da
fusão, em 1974, entre os Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, o que certamente
causou, especialmente em Niterói, um grande impacto político e financeiro – sem contar
o simbólico –, as disputas na cidade entraram em um novo patamar com a ascensão de
Jorge Roberto da Silveira, que governou a cidade por quatro gestões e instaurou um
“novo período” na política municipal, obviamente sem deixar de se valer de seu
13
sobrenome “peso pesado” na política estadual, quiçá nacional, para isso.
Mais importante que a utilização de seu sobrenome, Jorge Roberto aproveitou
sua aprovação popular, que permitiu por alguns anos que ele tivesse maior liberdade
para experimentalismos e inovações na gestão pública de uma cidade que passou a ter
que se valorizar para superar o processo de inferiorização sofrido com a perda de status
de capital do Estado. Tanto nas entrevistas como em reportagens ou nos artigos
científicos ou de opinião analisados, a autoridade do prefeito para impor suas ideias e
novidades era praticamente inquestionável. A própria FME foi uma dessas inovações,
ainda que, segundo a literatura que encontramos e a opinião de alguns entrevistados, os
principais legados do ex-prefeito se situem mais nas áreas da cultura e saúde, além de
sua capacidade de ressignificar o “ser niteroiense”.
No último capítulo, demos voz aos principais envolvidos com a transição da
secretaria para fundação, aos administradores desta última e aos representantes da
categoria dos trabalhadores em educação que atuavam na rede escolar naquele período.
Para isso, a realização de entrevistas semiestruturadas pessoal ou virtualmente foi muito
significativa, tanto pelo fato de haver muito pouco material documental a ser analisado,
como também por terem revelado algumas nuances que provavelmente documento
algum revelaria. Infelizmente, não houve tempo suficiente para entrevistar todos que
poderiam enriquecer essa pesquisa, mas acreditamos que o que foi feito já é uma
contribuição para elucidar algumas das questões trazidas pela experiência da FME de
Niterói.
2. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Como em todo trabalho científico, para as análises feitas ao longo dessa
dissertação um determinado conjunto de autores e, consequentemente, de ideias,
conceitos-chave e categorias foi sendo formado. Decidimos por fazer algumas
14
considerações acerca destes já na introdução. Portanto, entendemos essa “extensão” da
introdução como uma parte importante do trabalho e que teve objetivo de deixar o texto
daqui por diante tanto mais inteligível quanto leve.
Compreendido isso, um primeiro conceito que atravessa os capítulos, por tratarse de uma pesquisa que analisa uma instituição político-administrativa da área da
educação e as motivações de seu surgimento, é o conceito de Estado e as variáveis que
daí seguem: Estado mínimo, política de Estado e o arcabouço legal que dá forma ao
próprio
Estado e em especial às instituições educacionais deste.
Para tal empreitada, por compreendermos que uma análise coerente não poderia
furtar-se à compreensão geral de que a sociedade que vive nesse Estado está em
movimento, “viva” e, consequentemente, interferindo cotidianamente na transformação
ou na manutenção do status quo, lançamos mão de autores ligados ao campo crítico das
ciências sociais e políticas. Dentre os que podemos citar inicialmente, podem encaixarse Engels, Gramsci, Bobbio, Moreno, Fernandes entre outros não incluídos nos
clássicos, mas que certamente a partir dessas mesmas contribuições fundamentais,
auxiliaram em nosso percurso investigativo.
Obviamente que esse direcionamento primordial não nos afasta de outros autores
que não se enquadram exatamente no mesmo campo anteriormente citado, mas que de
outras maneiras são fundamentais para as análises aqui contidas, como, por exemplo,
Bresser Pereira, Giddens.
No campo da educação procuramos nos cercar de autores contemporâneos que, a
partir de distintas matrizes ideológicas, procuram elucidar e investigar as políticas
públicas para/na educação e a legislação correlata, e a influência concreta que elas têm
sobre a educação escolar. Cunha, Saviani, Cury, Algebaile, Adrião, Oliveira, Costa,
Peroni, Faria, entre outros, foram fundamentais.
No caso do período analisado, o escopo legal a ser observado vem desde os
debates constituintes da década de 1980, certa e inevitavelmente precedidos daqueles do
período imediatamente anterior, durante os governos autoritários e o período de
transição democrática.
15
Ressaltamos que esse debate perpassa toda a década de 1990, principalmente, no
caso da educação, especificamente no que se refere ao processo de debate, tramitação e
aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e outras legislações
correlatas, como o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental, o Plano
Nacional de Educação, entre outros.
Esse cenário nacional certamente influenciou a vida política e as medidas
administrativas tomadas nas diferentes cidades e estados do país, principalmente após as
vitórias dos partidos que se opunham ao autoritarismo militar no âmbito das primeiras
eleições pós-ditadura em importantes cidades e estados. Em especial podemos citar as
eleições de 1982, quando o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)
venceu em diversos estados e o Partido Democrático Trabalhista (PDT), venceu no Rio
de Janeiro. O PDT adquire relevância no nosso estudo, pois também venceu as eleições
municipais em Niterói pouco depois de eleger Leonel Brizola governador, mantendo-se
praticamente dois terços do período aqui analisado à frente da gestão com Jorge Roberto
da Silveira.
Será interessante analisarmos as contradições aparentes entre o que defendia o
PDT, conforme apontado por Cunha (2012), em nível nacional e mesmo frente ao
governo do estado, comparado às ações de Jorge Roberto da Silveira que pode ter
adotado outro tipo de postura diante de problemas nas áreas de saúde, educação, cultura,
entre outras. É sempre importante frisar que, ao olharmos as ações de conjunto do exprefeito, podemos encontrar algumas que condizem com sua opção partidária, bem
como, dialeticamente, outras que nem tanto, como nos parece ser o caso da FME.
É possível desenhar essa análise prévia, pois, do ponto de vista do debate
político nacional que ultrapassou a década de 1980 e chegou com força na de 1990,
parte do que se fez na administração pública de Niterói era identificável com a proposta
do MARE, ocupado pelo Ministro Bresser Pereira sob a batuta de Fernando Henrique
Cardoso (FHC), fundamentada pelos conhecidos documentos do Fundo Monetário
Internacional (FMI), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD) e outros.
Poderíamos então, considerar o governo de Jorge Roberto da Silveira (JRS)
16
como vanguardista na aplicação de algumas dessas medidas, tendo em vista que muitas
delas só iriam tomar corpo legal e maior relevância no debate político nacional alguns
anos após as iniciativas postas em prática em Niterói, em especial no caso da FME? Se
havia a possibilidade de adotar posturas de vanguarda política, por que não adotar
medidas mais próximas ao que pregava o programa dos partidos presentes no governo
de JRS e em especial o PDT, que naquele momento ainda contava com as expressivas
figuras de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola ativos e respeitados no cenário político
nacional?
Voltando à questão do Estado e das diferentes formas de administração do
mesmo a partir de legislações e da política, assim como a conceitos como sociedade
civil, governo, partido, sintetizamos a seguir, algumas ideias de autores como Gramsci
(1978), Engels (2002), Moreno (2008), Bobbio (2012), Giddens (2007), Dreifuss (1981)
e Fernandes (1989; 2011) que puderam nos ajudar a traçar o caminho dessa dissertação.
Engels, em sua conhecida obra A origem da família, da propriedade privada e
do Estado, em suma, diz que o Estado não é de forma alguma uma força imposta do
exterior à sociedade. Seria então produto de uma sociedade em certa fase de seu
desenvolvimento. “É a confissão de que essa sociedade embaraçou-se numa insolúvel
contradição interna, dividiu-se em antagonismos inconciliáveis de que não pode
desvencilhar-se.” (ENGELS, 2002). Para que essas classes não devorassem umas às
outras e fizessem o mesmo à própria sociedade, sentiu-se a necessidade de uma força
que se colocasse aparentemente acima da sociedade com o intuito de amenizar os
conflitos dentro de uma certa ordem. Para Engels, isso seria o Estado.
Com o aprofundamento da divisão e demarcação mais claras entre as classes nas
fases capitalistas subsequentes, outros elementos foram incorporados para a análise da
disputa pelo poder do Estado, principalmente após a Revolução Russa de 1917, que pela
primeira vez colocou outra classe que não a burguesia frente à direção de um Estado no
período histórico recente. Entre as importantes contribuições acerca dessas disputas,
colocam-se as análises de Gramsci sobre o poder hegemônico (dirigente) que uma
classe ou uma fração de uma das classes exerce sobre as demais. Essa direção baseia-se
essencialmente no equilíbrio entre coerção e consenso, sendo que na história
contemporânea, se considerarmos todo o planeta, não é possível afirmar a
17
predominância de um sobre o outro, assim como no Brasil, onde ora tivemos ditaduras
ora a democracia representativa estabelecida, ainda que sempre com a mesma classe
hegemônica. Isso também traz à baila outro conceito ao qual o autor sardo dedicou-se
em várias passagens de suas obras, qual seja, o de sociedade civil. Este será essencial
quando abordarmos o período histórico focalizado no transcorrer deste texto, afinal, é o
discurso da “sociedade civil” organizada como protagonista da cena política que
predomina já desde algum tempo. Para conseguir ser hegemônica, a classe dominante
precisa, além de deter o poder dos meios de produção, conter as classes dominadas
através de espaços comuns de atuação, que, de preferência, consigam substituir as
organizações típicas de uma classe como os sindicatos, associações e outras do mesmo
gênero, além de obter o consentimento “de todos”.
Bobbio (2012), por seu turno, também será de suma importância para a
categorização de determinados aspectos correlatos aos já citados e vindouros. Vejamos
uma análise sobre o Estado e direito do referido autor:
Ao estudo da história segue o estudo das leis, que regulam as relações entre
governantes e governados, o conjunto das normas que constituem o direito
público (uma categoria ela própria doutrinária): as primeiras histórias das
instituições foram histórias do direito, escritas por juristas que com
frequência tiveram um envolvimento prático direto nos negócios de Estado.
Hoje, a história das instituições não só se emancipou da história das doutrinas
como também ampliou o estudo dos ordenamentos civis para bem além das
formas jurídicas que os modelaram; dirige suas pesquisas para a análise do
concreto funcionamento, num determinado período histórico, de um
específico instituto, através dos documentos escritos, dos testemunhos dos
atores, das avaliações dos contemporâneos, progredindo do estudo de um
instituto fundamental como, por exemplo, o parlamento e as suas vicissitudes
nos diversos países, ao estudo de institutos particulares como o secretário de
Estado, o superintendente, o gabinete secreto, etc., através dos quais torna-se
possível descrever a passagem do Estado feudal à monarquia absoluta, ou a
gradual formação do aparato administrativo, através do qual pode-se
reconstruir o processo de formação do Estado moderno e contemporâneo.
(BOBBIO, 2012)
A relevância dessas análises, valendo-se dos referidos autores, justifica-se pela
necessidade de determinar o caráter do Estado que aplica as reformas e legislações,
além das instituições – como a própria Fundação Municipal de Educação de Niterói,
que citaremos e analisaremos a seguir. Para Moreno (1998), essa definição serve para
começar a estudar o fenômeno, pois responde a pergunta sobre qual classe tem o poder
político, porém para definir o regime político, é necessário responder outra pergunta:
18
“Através de quais instituições essa classe governa em determinado período ou etapa?”
Isso é essencial, pois apesar de o Estado ser um conjunto de instituições, a classe que
está no poder não as utiliza sempre da mesma forma para governar, ainda que o intuito
final seja quase sempre o mesmo.
Sendo assim, no caso do Brasil, apesar de ter ocorrido um importante processo
de redemocratização no período recente, que fora seguido e precedido de outros
embates entre as classes ou frações de classe existentes no país, há, sob determinados
aspectos, uma harmonia político-institucional que aparentemente não seriam possíveis
se considerássemos a disputa política através das siglas partidárias ou de
entidades/instituições pontuais de qualquer das classes envolvidas sem utilizar-nos das
categorias e conceitos apresentados pelos autores citados. A combinação das ideias
desses e de outros autores faz-se então necessária para que não tenhamos uma análise
“manca”, principalmente em se tratando de um país com desenvolvimento industrial
tardio e que mesmo após o processo de industrialização gerado pelo período da II
Guerra e do pós guerra, mantém-se vinculado à produtos primários e/ou priorizando a
exportação e com uma classe dominante incipiente do ponto de vista do acúmulo
histórico, insipiência causada exatamente por este desenvolvimento tardio e vinculação
ao grande capital internacional, não tendo se desenvolvido nesse setor social um que
tivesse viés nacionalista como ocorrido em outros países.
Para elucidar esse debate, nos serve muito bem Fernandes (2011), que durante o
processo constituinte no Brasil afirmava que tanto os que discursavam por mudanças
radicais na reabertura democrática que ocorria, como os mais conservadores podiam ter
discordâncias sobre alguns aspectos, mas essencialmente concordavam em manter uma
determinada ordem, que incluiria (ou teria como centro de suas ações) manter a mesma
classe no poder do Estado, ainda que representada por outra fração dela própria e
baseada em outro regime político, no caso a democracia representativa.
Uma obra que certamente vem a corroborar com o que afirmava o sociólogo
militante Florestan Fernandes é o livro 1964: A conquista do Estado, de Dreifuss
(1981). Nele o autor refaz os caminhos das organizações da sociedade civil que se
movimentavam por interesses de classe para enquadrar o Brasil entre os países
capitalistas de alguma relevância do mundo, ainda que dependente e subserviente ao
19
capital internacional e que não deixaram de aproximar-se dos militares para essa e
outras finalidades, ao contrário, participaram organicamente dos governos destes,
ocupando postos-chave no comando do país e mantendo-se nos mesmos ou próximos ao
centro de poder do Estado após o processo de redemocratização, validando a
conceituação de ditadura empresarial-militar no caso brasileiro e dando-nos os indícios
de que a disputa pela hegemonia da/na sociedade se dá para além do controle do
governo central (Presidência da República).
Apesar dessa aproximação relatada por Dreifuss e outros, houve a inculcação
ideológica de que os governos do período ditatorial eram militares, o que facilitou a
tarefa de quem, ao longo e após o processo de redemocratização do país, apresentou a
ideologia de que os atos “estatais” eram a priori autoritários e, ao contrário, aqueles
emanados de organizações da sociedade civil ou de instâncias governamentais mais
próximas às pessoas, como as prefeituras, nas quais as forças opositoras tiveram vitórias
importantes, eram mais democráticas e, consequentemente, mereciam maior apoio.
Essas afirmações encontram respaldo em diversos autores, mas principalmente
nos escritos de Bresser Pereira ou do Ministério da Administração Federal e Reforma do
Estado, do qual foi titular ao longo do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso
(1995-1998). No Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, por exemplo,
encontram-se inúmeras referências à “sociedade civil”, conclamando-a a assumir suas
responsabilidades, assim como seus direitos, a partir do que seria uma nova forma de
organização do Estado. Essa reforma estaria baseada na concepção de que havia uma
crise no Estado, que somente poderia ser solvida com uma profunda alteração em seus
mecanismos e forma. Seria necessária então uma reforma gerencial, para que os
parâmetros utilizados usualmente na administração privada passassem a ser
incorporados na esfera pública. (MARE, 1995).
Reformar o Estado significa, finalmente, rever a estrutura do aparelho estatal
e do seu pessoal, a partir de uma crítica não apenas das velhas práticas
patrimonialistas ou clientelistas, mas também do modelo burocrático clássico,
com o objetivo de tornar seus serviços mais baratos e de melhor qualidade.
O documento, e toda a construção ideológica em torno ao debate das reformas
necessárias ao desenvolvimento do “novo” Brasil emergente após os anos de
autoritarismo eram produtos de esforço oficial de reforma do Aparelho do Estado
20
(reforma administrativa, especialmente), que se inicia, em 1990, no Governo Collor de
Mello, é relaxado durante o Governo Itamar Franco e, que finalmente recrudesce com o
governo de Fernando Henrique Cardoso a partir de 1995 (SGUISSARDI; SILVA JR.,
2001).
A partir da implementação da reforma da aparelhagem estatal de 1995,
observa-se o surgimento de ações do Estado brasileiro objetivando uma
alteração no aparato regulatório da relação entre Estado e sociedade civil.
Tais ações apresentam dois aspectos interessantes de serem analisados; o
primeiro refere-se àquelas ações diretamente conduzidas pela aparelhagem
estatal, enfatizando a formalização de instrumentos legais; o segundo aspecto
está relacionado à forma de intervenção direta do Estado, que funciona como
estimulador de uma auto-regulação por parte dos organismos da sociedade
civil.
O conjunto desses mecanismos regulatórios criados a partir de 1995
tem como objetivo, explícito ou implícito, regular a relação entre Estado e
sociedade civil, sedimentando uma nova sociabilidade, um novo modelo de
ações sociopolíticas nesses anos de neoliberalismo da Terceira Via. Nesse
sentido, convém investigar os mecanismos que o Estado tem utilizado para
incentivar essa nova sociabilidade, seja por intermédio da elaboração de um
“novo marco legal”, seja pelo estímulo à criação e ampliação de organismos
não-estatais, por meio da facilitação de financiamento e normas autoregulatórias, ou ainda pela alteração da legislação mais ampla. Tais
iniciativas são implementadas concomitantemente; assim, o Estado educador
vai redefinindo de modo sutil suas “regras”, de modo a conduzir a construção
de um consenso em torno de uma “nova cultura”, que tem por objetivo
sedimentar a hegemonia burguesa sob novos contornos. (ALGEBAILE,
2005)
O entendimento comum às ações desse processo era a necessidade de diminuir a
presença do Estado e aumentar a da sociedade civil em diversas áreas, principalmente
através da descentralização e da publicização:
Essa descentralização dos serviços seriam levadas a cabo por dois projetos
essencialmente: descentralização dos serviços sociais do Estado, de um lado
para os Estados e Municípios, de outro, do aparelho do Estado propriamente
dito para o setor público não-estatal. [...] Transferir para o setor privado as
atividades que podem ser controladas pelo mercado. Daí a generalização dos
processos de privatização de empresas estatais. Neste plano, entretanto,
salientaremos um outro processo tão importante quanto, e que no entretanto
não está tão claro: a descentralização para o setor público não estatal da
execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas
devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação,
saúde, cultura e pesquisa científica. Chamaremos a esse processo de
“publicização”. (BRESSER PEREIRA, 1995)
Um dos argumentos mais fortes dos defensores da reforma administrativa e do
processo de “publicização” inerente à mesma é o do aumento do controle social e da
participação ativa da “sociedade civil”. No caso das organizações públicas não estatais,
21
seria favorecido esse tipo de parceria entre sociedade e Estado, muito mais do que
dentro do aparelho do Estado. Tal participação poderia ser (pró) ativa no Conselho de
Administração, que por força de lei deve ser instituído para administrar as fundações ou
empresas públicas, para ficar em um exemplo do campo de interesse do trabalho.
Para Bobbio (2012), o processo de publicização do privado é apenas uma das
faces do processo de transformação das sociedades industriais mais avançadas – às
quais o Brasil buscava alcançar. Ele seria acompanhado e complicado por um processo
inverso que se pode chamar de “privatização do público”. Para ele, a vida de um Estado
moderno, no qual a sociedade civil seja constituída por grupos fortemente organizados,
está atravessada por conflitos grupais que se renovam continuamente, diante dos quais o
Estado, como conjunto de organismos de decisão (parlamento e governo) e de execução
(o aparato burocrático), desenvolve a função de mediador.
Os dois processos, de publicização do privado e de privatização do público,
não são de fato incompatíveis, e realmente compenetram-se um no outro. O
primeiro reflete o processo de subordinação dos interesses do privado aos
interesses da coletividade representada pelo Estado que invade e engloba
progressivamente a sociedade civil; o segundo representa a revanche dos
grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para o alcance dos
próprios objetivos. O Estado pode ser corretamente representado como o
lugar onde se desenvolvem e se compõem, para novamente decompor-se e
recompor-se, estes conflitos, através do instrumento jurídico de um acordo
continuamente renovado, representação moderna da tradicional figura do
contrato social. (BOBBIO, 2012)
No caso das fundações, que serão melhor analisadas no capítulo a seguir, o
documento do MARE, citado anteriormente, era cristalino quanto às intenções acerca
das fundações públicas, dentre as quais podemos citar algumas da universidades
federais, instituições estaduais de ensino superior, órgãos de fomento à pesquisa, entre
outras:
Transferir para o setor público não estatal estes serviços, através de um
programa de “publicização”, transformando as atuais fundações públicas em
organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins
lucrativos, que tenham autorização específica do poder legislativo para
celebrar contrato de gestão com o poder executivo e assim ter direito à
dotação orçamentária. Lograr, assim, uma maior autonomia e uma
consequente maior responsabilidade para os dirigentes desses serviços.
Lograr adicionalmente um controle social direto desses serviços por
parte da sociedade através de seus conselhos de administração. Mais
amplamente, fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a
participação da sociedade tanto na formulação quanto na avaliação do
desempenho da organização social, viabilizando o controle social.
22
Lograr, finalmente, uma maior parceria entre o Estado, que
continuará a financiar a instituição, a própria organização social, e a
sociedade civil a que serve e que deverá também participar minoritariamente
de seu financiamento via compra de serviços e doações.
Aumentar, assim, a eficiência e a qualidade dos serviços, atendendo
melhor o cidadão-cliente a um custo menor. (MARE, 1995)
Outro tema que merecerá destaque ao longo desta dissertação e que precisa ser
contextualizado na história educacional e legislativa brasileira é a descentralização ou,
como ficou consagrado, a municipalização da educação básica. Na história do Brasil
existiram, contando com a atual, sete constituições – incluídas as anteriores ao período
republicano. Pode-se dizer que havia em todas o debate acerca das responsabilidades
sobre a oferta de determinados serviços públicos, dentre os quais a educação primária,
básica ou a instrução, conforme a época. Porém esse debate, com suas indas e vindas,
nunca conseguiu afastar-se do binômio centralização-descentralização, bem como das
disputas em torno da distribuição das verbas arrecadadas através de taxas e impostos
entre os diferentes níveis governamentais.
O caminho dos direitos sociais, inscritos em Constituições Federais no Brasil,
parece ter certa similitude com aquelas etapas sinalizadas por Marshall em
relação à Europa: os direitos civis teriam tido amplo espaço no século XVIII,
os direitos políticos no século XIX e, finalmente, os direitos sociais no século
XX.
É óbvio que não se pode afirmar uma linearidade cronológica entre
situações histórico-sociais que reservam para si peculiaridades próprias. Mas,
dada a similitude dos direitos em questão e dada uma certa afinidade na
sentenciação dos mesmos, é viável registrar um certo paralelismo entre elas.
E é no interior deste caminho que se situa a educação como um direito que
vai sendo pontuado até ser absorvido pelas constituições federais e, a partir
da Emenda Constitucional de 1969, receber a formulação de direito de todos
e dever do Estado. (CURY et al., 2005)
Com isto dito, podemos perceber que o debate sobre a descentralização da
responsabilidade sobre a educação existia antes mesmo da garantia da mesma como
direito de todos e dever do Estado.
Na área da educação, o termo que ficou consagrado para descrever os processos
de descentralização foi municipalização. Isso não se deu apenas por uma convenção ou
algo do tipo, mas porque a responsabilidade foi repassada a estes entes, com a
justificativa de estar assim levando a responsabilidade para próximo da demanda, da
sociedade civil.
De certa forma este aspecto, somado à pulverização facilitada de tipos de
23
relação, legislação e experimentalismos nas redes municipais, levou à inexistência de
uma rede ou mesmo de algo que pudesse ser considerado como um sistema único de
ensino no país e permite que as relações entre a esfera pública e privada e entre
sociedade civil organizada e Estado fiquem ainda mais dissolvidas e facilitem processos
de privatização do público, da sobreposição de interesses de um setor da sociedade
sobre outros, mesmo que isso possa significar, em determinadas situações, a prestação
de um serviço educacional de pior qualidade aos que pagam os impostos e aos seus
filhos.
No Brasil é comum utilizar-se das expressões “sistema de ensino”, “sistema
escolar” – ou no caso da Conferência Nacional de Educação (CONAE), Sistema
Nacional Articulado – quase como um pressuposto, uma espécie de “termo primitivo”
(SAVIANI, 2008). Para o autor, no entanto, é papel da filosofia criticar os pressupostos,
questionar os “termos primitivos” e, no campo da educação, essa tarefa deve ser
assumida pela Filosofia da Educação. Isto é fundamental, visto que a própria aceitação
do sistema como pressuposto leva à constatação de incoerência no sistema – o que
equivaleria dizer que o “sistema é assistemático”. Para Saviani (2008), seria mais
adequado utilizar-se do termo estrutura para referir-se à educação brasileira.
O ato de sistematizar, uma vez que pressupõe a consciência refletida, é um
ato intencional. Isto significa que, ao realizá-lo, o homem mantém em sua
consciência um objetivo que lhe dá sentido; em outros termos, trata-se de um
ato que concretiza um projeto prévio. Este caráter intencional não basta,
entretanto, para definir a sistematização. Esta implica também uma
multiplicidade de elementos que precisam ser ordenados, unificados (veja-se
a origem grega do significado da palavra sistema: reunir, ordenar, coligir).
Sistematizar é, pois, dar, intencionalmente, unidade à multiplicidade. E o
resultado obtido, eis o que se chama sistema. Este é, então, produzido pelo
homem a partir de elementos que não são produzidos por ele, mas que se-lhe
oferecem na sua situação existencial. E como esses elementos, ao serem
reunidos, não perdem a sua especificidade, o que garante a unidade é a
relação de coerência que se estabelece entre os mesmos. Além disso, o fato
de serem reunidos num conjunto não implica em que os elementos deixem de
pertencer à situação objetiva em que o próprio homem está envolvido; por
isso, o conjunto, como um todo, deve manter também uma relação de
coerência com a situação objetiva referida. (SAVIANI, 2008 p. 77)
Vejamos o caso do Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo. Trata-se de um
campo científico em que as polêmicas, diferenças conceituais e ideológicas não
preconizam tantos tipos diferentes de tratamentos como no caso da educação, que gera
tantos tipos diferentes de legislações, projetos político pedagógicos, ações e,
24
consequentemente escolas, não foi difícil estabelecer um sistema único de saúde do
ponto de vista da legislação. Nesse sistema há um valor pré-estabelecido sobre cada
procedimento que deverá ser pago, independente de qual instituição administre a
unidade no qual ele foi realizado. É verdade que a qualidade pode ser muito diferente,
mas do ponto de vista administrativo e filosófico, é razoavelmente simples executar as
ações cabíveis e, assim, é possível de chamá-lo de sistema.
Esse cenário é ainda muito presente no caso da educação, se constituindo em um
bom indício de que realmente não há, nem houve, nada que se assemelhasse a um
sistema. A CONAE, organizada pelo governo federal com a intenção de construir um
novo Plano Nacional de Educação (PNE) para vigorar de 2011 a 2020, teve nessa
questão uma das principais – se não a principal – preocupações expressas no
documento-referência utilizado para balizar os debates e no documento final produzido
após todas as etapas (local, municipal, regional, estadual e nacional). Até o momento da
elaboração desta dissertação, o PNE ainda não havia sido votado em plenário nas duas
casas legislativas federais.
Quando a pesquisa necessitou de mais elementos e explicações acerca do cenário
político e educacional de Niterói, foi necessário ainda lançar mão de outros autores e
referênciasa fim de explicar os aspectos relativos à fusão dos estados do Rio de Janeiro
e da Guanabara, da força política que o ex-prefeito Jorge Roberto e seu sobrenome da
Silveira tinham e ainda têm e como foi possível utilizar-se disso para “remodelar” uma
cidade, fosse a partir de políticas públicas, fosse no âmbito mais simbólico do
reconhecer-se niteroiense.
Ainda no campo da política, foi feito um esforço para tentar encontrar algum
tipo de filiação de cunho mais ideológico do ex-prefeito de Niterói, porém, como já
citamos ao comentar sobre sua filiação partidária, o citado não parecia muito disposto a
enquadrar-se facilmente. Havia, no entanto, uma corrente que se fortalecia, em especial
entre o fim dos anos 1990 e fins dos 1990, que ficou conhecida como Terceira Via e
tem em Giddens um de seus principais teóricos. Se analisarmos algumas das ações e
captarmos o que se falou e escreveu acerca das gestões de Jorge Roberto da Silveira à
frente da Prefeitura de Niterói, é a ela que mais conseguiremos aproximá-lo.
25
Giddens (2006) faz questão de apontar que muita confusão foi feita ao longo da
história acerca do termo “terceira via”, usado por uma grande diversidade de grupos
políticos que iam da direita à esquerda. Ressuscitada por Bill Clinton nos EUA, Tony
Blair na Inglaterra, algumas correntes de orientação social-democrata passaram a
identificar a terceira via com as políticas adotadas por estes e outros. Por esse ponto de
vista, ela poderia ser considerada como um produto de países que se recuperam de
longos períodos de governos neoliberais – como o de Ronald Reagan nos EUA ou de
Margaret Thatcher na Inglaterra. Para o autor:
Essa interpretação não proporciona uma perspectiva útil sobre o debate da
terceira via – e não é um ponto de vista aceito em nenhuma das seleções que
perfazem este livro. “Terceira via”, como entendida aqui, designa uma série
muito mais genérica de esforços, comuns à maioria dos partidos e pensadores
de esquerda na Europa e em outras partes do mundo, para reestruturar as
doutrinas esquerdistas. Existe um reconhecimento geral quase que por toda
parte de que as duas “vias” que têm dominado o pensamento político desde a
Segunda Guerra Mundial fracassaram ou perderam a pujança. As idéias
socialistas tradicionais, por serem radicais e reformistas, baseavam-se nas
idéias de gestão e planejamento econômicos – uma economia de mercado é
essencialmente irracional e refratária à justiça social. Até mesmo a maioria
dos que advogam uma “economia mista” só aceitava os mercados a
contragosto. No entanto, como teoria da economia gerida, o socialismo quase
já não existe. O “compromisso keynesiano com o bem-estar social”
dissolveu-se em grande medida no Ocidente, ao passo que países que retêm
uma adesão nominal ao comunismo, e mais notavelmente a China,
abandonaram as doutrinas econômicas que outrora representavam.
(GIDDENS, 2006)
No caso da cidade de Niterói, na qual o prefeito, após a abertura ao
pluripartidarismo, aderiu ao PDT – partido que sempre se identificou como de esquerda
e/ou social-democrata –, mas lançou mão de medidas até certo ponto contraditórias,
como já afirmamos antes, como as parcerias com o setor privado em diversas áreas,
como a cultura e a saúde, ou com a criação de uma empresa para a gestão da limpeza
urbana (Companhia de Limpeza de Niterói – CLIN), é possível enxergarmos uma
orientação de inovar, de experimentar algo que ainda não tinha sido tentado pelas outras
“duas vias”.
Os partidos esquerdistas estão sendo forçados a criar algo novo, uma vez que
as doutrinas centrais do socialismo já não são aplicáveis. Não importa se
empregamos ou não a expressão “terceira via” para designar essa tentativa de
“algo novo”. “Democracia social modernizadora” ou “esquerda
modernizadora” podem ser usados em seu lugar. Eu continuo a usar “terceira
via”, porém, por tratar-se de uma útil expressão emblemática. Ela se refere à
renovação da democracia social em condições sociais contemporâneas. Na
interpretação que lhe confiro aqui, ela deve pouco ou nada a seu uso em
26
gerações pregressas. A terceira via não deve ser identificada isoladamente om
as perspectivas e políticas dos Novos Democratas, do Novo Partido
Trabalhista ou, aliás, de nenhum outro partido específico, sendo antes uma
ampla corrente ideológica em que deságuam vários afluentes. As mudanças
doutrinárias efetuadas por partidos ou coalizões de esquerda nas sociedades
escandinavas ou na Holanda, França e Itália desde o final da década de 1980
são tanto parte da política de terceira via como as desenvolvidas em países
anglo-saxões. (GIDDENS, 2006)
Buscando compreender como o mesmo prefeito que importara diretamente de
Cuba um programa que havia se tornado referência nacional propôs a criação de uma
fundação para administrar uma rede municipal de educação relativamente pequena,
observamos nos artigos que utilizamos para referenciar os aspectos fundamentais da
passagem de JRS pela prefeitura de Niterói por quatro mandatos que pairava sobre ele
uma atmosfera de “astro-rei”, na qual muitos orbitavam e beneficiavam-se de projetos
inovadores que estavam modificando não só a cidade, mas a consciência dos munícipes,
transformados que foram em verdadeiras “vontades coletivas”.
“O processo de formação de uma determinada vontade coletiva, para
um determinado fim político, é representado não através de investigações e
classificações pedantes de princípios e critérios de um método de ação, mas
com qualidade, traços característicos, deveres, necessidades de uma pessoa
concreta, o que põe em movimento a fantasia artística de quem se quer
convencer e dá uma forma mais concreta às paixões políticas.” (GRAMSCI,
2007)
Um fator que certamente salta aos olhos de qualquer análise que se depare com o
cenário político carioca e fluminense desse período que enfocamos, é o da fusão entre
os estados. Sobre isso há uma gama de artigos e outras publicações que tratam do
cenário econômico, da representatividade política que adquiriam os “Rios de Janeiro”,
mas ainda que menos frequente na literatura, o “prejuízo” causado a Niterói que perdeu
sua condição de centro político e capital do Estado do Rio de Janeiro, também pode ser
considerado relevante. Foram prejuízos no que diz respeito à distribuição geoespacial da
população no novo Estado e, a partir da inauguração da ponte Rio-Niterói, no que diz
respeito à destinação de verbas estaduais e, com grandes chances de ser o mais sentido,
no que diz respeito à perda de status político.
Esperamos com essa introdução ter deixado a leitura dos próximos capítulos
tanto mais leve quanto interessante e ao mesmo tempo conseguir fazer dessa pesquisa
uma contribuição aos que pretendem estudar a educação e as políticas educacionais sob
27
as mais diversas perspectivas e possibilidades.
28
3. AS FUNDAÇÕES
3.1 ORIGENS E OS DIFERENTES TIPOS DE FUNDAÇÃO
As fundações estiveram sempre associadas à prestação de assistência aos menos
favorecidos financeira e materialmente e, de acordo com algumas interpretações, eram
criadas como forma de os membros mais abastados das sociedades servirem a
propósitos coletivos ou comunitários.
Rafael (1997), em seu livro Fundações e Direito, ao defender o caráter
“humanitário” e “altruísta” das fundações privadas, afirma que:
As fundações, aceitas como pessoas jurídicas na maioria dos países de
legislação moderna, são a forma utilizada por pessoas ricas que, pensando em
seus semelhantes de forma não egoísta, procuram fazer o bem para toda a
comunidade, ou pelo menos, parte dela. Nos países capitalistas, onde é
permitido ao ser humano acumular riquezas, isoladamente, o instituto
“fundação” insere-se no campo do direito privado, como uma das formas dos
mais ricos, certamente de maneira altruísta, separarem parte do patrimônio
conseguido em vida, com vista ao bem comum da coletividade. Não por
acaso, a Suécia, com um povo altamente politizado, deteve durante várias
décadas o título de ser o país das fundações, em razão da permanente
preocupação social dos mais ricos com os mais pobres. Achamos mesmo que
um país pode ou não ser considerado “civilizado”, de “Primeiro Mundo”,
dentre outras coisas, na medida em que se contabilizem quantas fundações
sérias existam em seu território, a espalharem o bem comum, nesta ou
naquela área, em favor de toda comunidade ou parte dela.
É importante lembrar que o período histórico citado como originário das
fundações, assim como as afirmações do autor acima citado referem-se exclusivamente
a fundações privadas, pois, cronologicamente, o surgimento das fundações públicas
deu-se depois.
Além disso, outros autores não parecem acreditar na exclusiva motivação
baseada na benevolência alheia:
Com a reforma da Igreja e a Revolução Industrial, as pessoas voltaram a
deter consigo fortunas. Com isso, as pessoas faziam doações para fins
públicos para conseguir a benevolência dos demais. As fundações eram
usadas para que seus instituidores fossem adorados pela população como
benfeitores. (DINIZ, 2007)
Com o passar do tempo, ocorreu um alargamento dessas possibilidades e dos
29
objetivos que influenciavam ou determinavam a criação desse tipo de entidade
assistencial. Assim, elas passaram a ser instituídas para outros fins que não apenas os
assistenciais ou de caridade.
No Brasil, as fundações surgiram legalmente entre o fim do século XIX e o
início do século XX, ainda que o primeiro esboço de fundação, seja datado de 1738,
com a Fundação Romão de Matos Duarte, cujo patrono resolveu separar parte de seu
patrimônio para formar um fundo de auxílio para as crianças deixadas na “roda” da
Santa Casa de Misericórdia no Rio de Janeiro (RAFAEL, 1997). A figura da fundação,
reconhecida como tal pela legislação e pela doutrina jurídica, passou a existir no Brasil
em 1912, ainda que desde 1903 pudessem ser considerados outros itens legais que
dariam conta do tema parcialmente.
Do ponto de vista da legislação e da política, há diferentes momentos em que
emergem os debates acerca da validade da administração por meio de fundações. Mais
adiante trataremos do caso da legislação brasileira com mais cuidado e riqueza de
detalhes, em especial das fundações públicas. De antemão podemos afirmar que há uma
grande confusão e muitas polêmicas no campo do Direito, com interpretações as mais
diversas sobre o gênero das fundações e as regras jurídicas aplicáveis às diferentes
fundações públicas.
Como afirmado, podem existir fundações de diferentes tipos e com diferentes
finalidades, mas há um fio comum que independe da legislação vigente do país, estado
ou município que as institui, que é prestar atendimento ao público em serviços que são
típicos do Estado ou não exclusivos ao mesmo, no caso de fundação pública. Quando se
trata de fundações privadas, o traço que as une do ponto de vista legal é muito mais
facilmente identificável que no caso das públicas, mas, excluindo-se posicionamentos
ideológicos acríticos, não há uma definição fácil para ambas, em especial, para o caso
das fundações públicas.
Além das definições jurídicas e das perspectivas históricas das fundações, outro
debate que se fará necessário no transcorrer desta dissertação será sobre os difundidos
movimentos mais recentes de adequação do(s) Estado(s) a lógicas de administração,
baseadas na experiência da esfera privada. Esses movimentos, em geral, são precedidos
ou causadores de reformas administrativas ou constitucionais, que representam
significativas reformas do aparelho de Estado.
30
No Brasil, as fundações públicas e a legislação que dá sua(s) forma(s) foram
ensejadas, em especial na década de 1990, sob o governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso e sob o comando do ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. A ideia do
governo à época era criar um novo tipo de fundação pública, que seria de direito
privado.
Para o ideário defendido pelo ministro do MARE, os serviços considerados “não
exclusivos” do Estado não precisariam do exercício do poder de Estado, ainda que não
necessariamente fossem privados ou privatizados. Nesses casos o melhor regime seria o
da “propriedade pública não estatal” (BRESSER PEREIRA, 1998). Dessa forma,
haveria a possibilidade de criação de Organizações Sociais (OS's), Organizações Não
Governamentais (ONG's), fundações privadas e outras organizações da sociedade civil,
que suplantassem o papel estatal, não só ao prestar o serviço em si, mas também para
elaborar, administrar, executar, enfim, ser responsável pelo conjunto do atendimento
referente ao serviço prestado.
Tendo tais ideias como base para a reforma do Estado, as fundações públicas
seriam um caminho para se colocar em prática esse ideário. Havia, porém, uma
dificuldade legal em fazer com que todas as fundações públicas passassem a ser
enquadradas como de direito privado, ou, dito de outro modo, como públicas não
estatais. Sendo assim, convive(ra)m sob o mesmo arcabouço legal fundações públicas
de diferentes personalidades jurídicas.
Essa pretensão de generalizar às fundações o enquadramento no direito privado
não ficou retida nos anos 1990, mas, anos depois, já sob o governo do Partido dos
Trabalhadores, em 2007, propôs-se a regulamentação 1 do artigo 37 da Constituição
Federal de 1988, que pode ser vista como uma nova tentativa de regulamentar os
serviços públicos de acordo com o modelo público não estatal.
A Fundação Municipal de Educação de Niterói, criada em 1991, assim como
muitas outras fundações públicas, foram mantidas como instituições de direito público
e, consequentemente, são comparáveis a autarquias, tendo os servidores os mesmos
1
O PL 92/07, ainda não aprovado nas casas legislativas, propõe regulamentar a existência de
fundações públicas de direito privado em algumas áreas nas quais ainda não era permitido, dentre as
quais a educação.
31
direitos dos servidores públicos, e sendo mantidas as demais regras aplicáveis aos
órgãos públicos da administração direta e indireta. No estado de São Paulo, no entanto,
floresceram muitas fundações públicas inspiradas nessas pretensões do princípio da
década de 1990. Ainda que não sejam de direito privado, possuem em seus quadros
servidores que, ainda que sejam concursados, têm seus vínculos empregatícios regidos
pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Assim, órgãos públicos tradicionais
daquele estado, como as renomadas universidades estaduais, contratam seus servidores
(ou empregados) se como faz na esfera privada, através do regime celetista.
As áreas nas quais a presença das fundações de todo tipo são mais significativas,
entre o final do século XX e início do XXI, são: saúde, assistência social, cultura,
educação e pesquisa, religião, turismo.2
3.2 FUNDAÇÕES NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Quando da criação das primeiras fundações ligadas à educação, havia um
movimento para vinculá-las às entidades religiosas e/ou assistenciais. Essas fundações,
inclusive, não necessariamente eram ou são vinculadas ao ensino propriamente dito,
mas às atividades “periféricas”.
Nesse caso, estamos abordando apenas fundações privadas, vinculadas, portanto,
ao direito e às instituições de mesmo tipo, ainda que, devido ao vínculo histórico e
cultural que há entre Igreja e Estado no Brasil, ou às relações extremamente próximas
entre as esferas pública e privada, em muitos momentos pode-se confundir as fronteiras
e consequentemente o caráter ou personalidade jurídica de uma ou outra fundação.
Após esse movimento inicial, que remonta ao início do século passado, as
fundações que surgiram vinculadas à educação passaram a ser instituídas também pelo
poder público, e há uma fonte inesgotável de exemplos, principalmente entre as
universidades públicas. Em muitos estados, são fundações que administram uma ou
mais instituições de ensino superior, criadas sob diferentes personalidades jurídicas e
2
Em 2010, havia 290,7 mil Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos (Fasfil) no Brasil,
voltadas, predominantemente, à religião (28,5%), associações patronais e profissionais (15,5%) e ao
desenvolvimento e defesa de direitos (14,6%). As áreas de saúde, educação, pesquisa e assistência
social (políticas governamentais) totalizavam 54,1 mil entidades (18,6%). Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/fasfil/2010/default.shtm>.
32
por governos de diversas orientações políticas. Entre alguns dos exemplos de fundações
que administram universidades públicas e gratuitas, mas também universidades
privadas, há o caso do Estado de Santa Catarina, onde há a Associação Catarinense de
Fundações Educacionais (ACAFE).
Além do caso das instituições estaduais, há um bom número de universidades
federais que são fundações em sua origem e a maioria delas ainda se mantém assim até
a segunda década deste século, como é o caso da (Fundação) Universidade Federal de
São Carlos em São Paulo, da (Fundação) Universidade Federal de Rio Grande (RS), da
(Fundação) Universidade Federal do Mato Grosso, entre outras. Além dessas, que foram
criadas em grande número no período dos presidentes militares, há a Fundação
Universidade Federal do Tocantins, criada no Governo Lula da Silva.
Como a legislação sobre as fundações e eventualmente os contextos são diversos
quando tratamos de esfera pública ou privada, exemplificaremos a seguir as diferenças e
aproximações entre ambos os tipos de fundações, de forma separada, sem ainda conferir
mais de perto o ordenamento jurídico, mas sim as vinculações às quais elas estão
submetidas.
3.3 EDUCAÇÃO PRIVADA
Na educação privada de todos os níveis, o mais comum são as fundações
mantenedoras manterem uma ou mais escolas, faculdades, centros de ensino superior ou
instituições que sirvam às finalidades destas.
Fundações privadas podem ser instituídas a partir de instrumento jurídico
específico registrado em cartório e não necessitam de autorização/mediação do poder
público para funcionarem, basta, como veremos melhor adiante, que seja dotada de
patrimônio próprio e alguns outros itens a serem verificados em sua constituição inicial,
que pode dar-se tanto por indivíduo ou coletivo de indivíduos em vida, como através de
testamento (post mortem). A função social (pública) é, no entanto, determinada por
aprovação do poder legislativo ao qual está ligada a fundação (se federal, câmara dos
deputados/senado, se estadual, assembleia legislativa e se municipal, câmara dos
vereadores).
33
Alguns exemplos conhecidos de fundações mantenedoras são a Fundação dos
Rotarianos de São Paulo, que mantém o tradicional Colégio Rio Branco e outras cinco
instituições dedicadas ao ensino, pesquisa e assistência social; a Fundação São Paulo,
que mantém a renomada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), cada
qual com suas especificidades, mas mantendo suas atuações centradas na educaçãopesquisa-assistência social, baseadas na mesma legislação.
Além das mantenedoras, há outros tipos de fundação que atuam sobre o ensino
privado, como, por exemplo, a Fundação Getúlio Vargas ou a Fundação Cesgranrio, que
realizam serviços vinculados à educação de forma geral e não só ou necessariamente ao
ensino propriamente dito. Essas fundações realizam pesquisas encomendadas, exames
vestibulares ou semelhantes, concursos públicos, processos seletivos públicos, entre
outras atividades.
Sobre a Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fernandes (2009) mostra os meandros
e as atipicidades dessa instituição que nascera em um período de legislação e situação
política repleto de dubiedades. Nesse trabalho, a autora vai aos documentos originais
que instituíram a FGV, ainda na década de 1940. Neles, segundo a autora, há uma
autorização do Estado e previsão de recursos provenientes deste para a fundação, mas,
apesar disso, ela mantém-se no campo do direito privado. No entanto, como desde seu
início atraía uma nata da intelectualidade do país, principalmente nas áreas da economia
e da administração, a fundação servira como importante fornecedora de quadros aos
governos e de cursos de nível superior/pós-graduação de alto nível.
3.4 EDUCAÇÃO PÚBLICA
Na esfera pública, como já dito anteriormente, há uma polêmica acerca da
criação das fundações no que diz respeito à personalidade jurídica atribuída às mesmas
e também à opção por adotar esse modelo, seja na área da educação ou qualquer outra,
em especial nas atividades predominante ou exclusivamente estatais na tradição
brasileira, tais como educação e saúde.
No meio universitário, a presença de fundações tornou-se muito comum. Elas
são largamente utilizadas pelas próprias universidades como instituições de apoio, que
34
possuem normas que a priori são agilizadoras de trâmites burocráticos da vida
acadêmica. Além disso, há universidades públicas que são elas mesmas fundações,
como no caso de muitas municipais, estaduais e federais.3
O debate atual sobre a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH),
autorizada por lei federal em 2012, por exemplo, aproxima-se nesse rol de situações nas
quais as universidades vinculam-se, ainda que parcialmente, a fundações ou empresas
públicas de direito privado para que serviços públicos sejam prestados, seja o de ensinopesquisa-extensão aos alunos e público em geral, seja o atendimento médico-hospitalar
nos hospitais universitários. Ainda que a EBSERH seja uma empresa pública de direito
privado e não uma fundação, a legislação, bem como o debate político que a cerca, tem
componentes semelhantes ao debate sobre as fundações públicas de direito privado.
Quanto às fundações de apoio, um grande debate também as cerca. Essas
fundações são de direito privado e auxiliam toda sorte de atividades pertinentes às
universidades que as criaram. Existem também as fundações que não são de apoio, mas
que oferecem serviços que em alguns casos chegam a ser coincidentes com os
oferecidos pelas próprias universidades nas quais essas fundações estão inseridas. O
maior exemplo desse tipo de fundação ocorre na Universidade de São Paulo (USP), que,
embora não seja o único, é o locus de maior polêmica nesse debate.
Para deixar claro de que tipo de fundações estamos nos referindo, são
instituições formadas pela associação (junção) de alguns professores e servidores
técnico-administrativos que utilizavam-se dos espaços (além da já citada mão de obra) e
do renome da universidade para oferecer cursos pagos (muitas vezes mais caros que nas
instituições privadas típicas) de pós-graduação e/ou qualificação técnico-profissional.4
Inicialmente, a intenção dessas fundações não passava pelo fortalecimento da
universidade na qual elas se inseriam, mas simplesmente pelo lucro a ser dividido entre
os membros e colaboradores das mesmas.
Um artigo apresentado no sítio eletrônico da Associação Paulista de Fundações
3
A exemplo da Fundação Municipal de Ensino de Piracicaba (FUMEP), Fundação Universidade
Regional de Blumenau (FURB), Fundação Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Fundação
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Centro Universitário Fundação Santo André
(FSA).
4
Como a Fundação Vanzolini (FCAV), vinculada à Escola Politécnica e Fundação Instituto de
Administração (FIA), vinculada à Faculdade de Economia e Administração, ambas na USP. Ver mais
sobre o caso da USP em http://adusp.org.br/index.php/imprensa/revista?start=20 – em especial as edições
no 22, 23 e 24.
35
defende esse tipo de instituição que funciona dentro da universidade com os seguintes
argumentos:
Os críticos das fundações de apoio de esquecem de que elas, como entidades
de natureza jurídica privada – constituídas na grande maioria por professores
universitários, com bens que lhe pertencem – podem fazer tudo aquilo que a
lei expressamente não proíbe. Esta é uma regra pacífica entre os operadores
de direito. E no momento em que são cobradas de um escorreito caminhar,
especialmente pelo Curador de Fundações, podem exigir deste que interprete
as normas preocupado com o incremento das atividades sociais, de maneira a
almejar a justiça social. As fundações de apoio se declaram como tal por ato
voluntário. Não podem ser obrigados a isso, por quem quer que seja. Dessa
maneira contribuem para a Academia, mas por desejo próprio, por apego à
excelência no ensino, na pesquisa, e na extensão. E como elas operam no
mercado, geram superávit, o qual é investido no reforço do próprio capital ou
no apoio à Universidade. Os professores universitários, nos horários que não
coincidem com aqueles em que têm de estar à disposição da universidade, ou
mesmo dirigentes vinculados à fundação, ao prestarem serviços em projetos
desta, capitaneados no mercado, são remunerados por verbas privadas pelas
respectivas forças de trabalho, em parâmetros de mercado. Este modo de agir,
além de legal, é ético sob o aspecto moral, afinal de contas o trabalho
remunerado é protegido inclusive pela Constituição Federal. (GRAZZIOLLI,
2009)
Essa concepção pode levar a uma série de questionamentos. Os professores das
universidades públicas não têm seus salários fixados conforme os “parâmetros” do
mercado e, além disso, atuam, muitas vezes, em regime de dedicação exclusiva. Como
não ver a presença desse tipo de fundação como um vetor que disputa e compete com o
serviço público? Mais ainda, como se pode ver no trecho a seguir reproduzido, a
presença das fundações pode cumprir o papel de desmoralizar o serviço público,
acentuando suas falhas, ao invés de colaborar para o seu aperfeiçoamento:
A Universidade não deve e não pode isolar-se em si mesma. Ela precisa estar
aberta à sociedade civil e ao mercado, afinal de contas o ensino, a pesquisa, a
extensão e o desenvolvimento da tecnologia são exercidos para a melhoria do
bem-estar social. Numa época em que a Administração Pública fica cada vez
mais moderna e gerencial, resta claro que as críticas às fundações são parte
de um discurso desafinado, longe da realidade jurídica vigente, com um
elevado cunho ideológico, um colorido desbotado pelo tempo e ultrapassado
pelo uso. (idem, ibidem)
Os organismos financiadores da pesquisa no Brasil também se encontram entre
os que foram particularmente visados para a instalação do modelo público não estatal. A
CAPES, por exemplo, no período citado dos debates da reforma do Estado, entre muitas
idas e vindas chegou a ser extinta, sendo, no entanto, retomada em seguida como
fundação pública de direito privado, assim como a FAPESP em São Paulo.
Na educação básica, há um número pouco significativo de fundações envolvidas
36
na administração educacional e um número ainda menor quando procuramos fundações
que administrem o conjunto da educação de uma cidade ou Estado. As poucas que
podem ser encontradas, em geral, existem em função da contratação de pessoal para ser
cedido às escolas e não, como é o caso na cidade de Niterói, para administrar a rede
pública do município como um todo. Em Contagem (MG), por exemplo, há a Fundação
de Ensino de Contagem (FUNEC), que realiza as contratações de pessoal para atuar na
rede municipal de lá, mas a administração da educação municipal permanece vinculada
ao órgão comum para isso, a Secretaria Municipal de Educação.
Há também um número razoável de fundações que, por intermédio das leis das
Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, atuam na
educação básica a partir de contratos estabelecidos com secretarias para implementação
de programas ou projetos, para consultoria, aquisição de materiais didático e
paradidáticos, serviços terceirizáveis etc.
Em Niterói, por exemplo, há fundações com contratos recentes e/ou ativos com a
FME, mas o que chama mais atenção é a própria existência da FME-Niterói, que não
parece enquadrar-se nas situações expostas até aqui, mas sim ser uma exceção às
“regras” estabelecidas pela legislação e, principalmente, pela prática política no país.
3.5 LEGISLAÇÃO ATUAL SOBRE FUNDAÇÕES
Os debates acerca da legislação sobre fundações públicas em especial, mas
também sobre as fundações privadas, foram em diversos períodos, e ainda são,
polêmicos. A legislação acerca das fundações privadas tem uma fonte condensada à qual
se pode remeter, que é o Código Civil vigente e o que vigia anteriormente (2002 e 1916,
respectivamente).
Existe, entre autores do campo do direito e juristas, diferentes interpretações
sobre as fundações públicas. Há quem afirme que é possível ao Estado (compreendido
como União, Estados e Municípios) criar fundações públicas de caráter privado, outros
que afirmam que há como o poder público criar fundações públicas de direito público
ou de direito privado e ainda há outros que não veem sentido em uma fundação pública,
pois compreendem que a fundação é por natureza uma instituição inserida no direito
37
privado (MEIRELLES, 1993).
O supracitado autor alega que uma das complicações é a falta de codificação do
direito administrativo brasileiro, que complica parcialmente esse nó jurídico que recai
sobre a interpretação das fundações. Para o autor, há em muitos casos erros dos
legisladores, que acabam por mesclar as fundações governamentais entre o direito
público e privado, tornando difícil a distinção correta sobre a natureza destas.
Haveria então, três correntes de pensamento e interpretação acerca da existência
das fundações públicas, que são o interesse central deste estudo. Seriam elas: a) uma
que entende ser possível ao poder público, seja ele municipal, estadual ou federal, criar
fundações públicas, tanto no campo do direito privado como no do direito público; b)
outra que entende que, por ser de iniciativa do poder público, as fundações criadas só
poderiam estar enquadradas no direito público e; c) a que entende que inexiste outra
possibilidade de enquadramento às fundações que não o direito privado.
Apesar da importância dos argumentos e interpretações dos campos jurídico e de
estudo do direito, é relevante notar que leis não são neutras. As leis são criadas por
indivíduos colocados em postos administrativos através de uma diversidade de
possibilidades que vão das eleições diretas às ditaduras, que administram um Estado que
é dirigido por uma das classes presentes nele ou fração de uma delas, portanto, podemos
dispensar a conotação de neutralidade nesse campo. Farias Filho afirma, utilizando-se
de uma citação de Thompson, que é necessário fazer a crítica às concepções
mecanicistas da legislação, que, grosso modo, as entendem como campo de expressão e
imposição, única e exclusivamente, dos interesses das classes dominantes, não nega,
porém, que é fundamental relacionar toda a prática legislativa e os produtos da mesma,
as leis, com as relações sociais mais amplas nas quais elas estão inseridas e as quais elas
contribuem para produzir (Thompson, apud FARIA FILHO, 1998).
O historiador inglês chama a atenção, particularmente, para a cultura e os
costumes com os quais a legislação, seja ela qual for, está em íntimo e
continuado diálogo. Segundo ele, é impossível compreender a legislação
inglesa a respeito de vários aspectos da vida social, econômica e cultural
daquele país, abstraindo-a da relação com os costumes que ela veio substituir,
entrando, portanto, em competição com os mesmos, ou mesmo, a partir dos
quais a legislação era continuamente interpretada e reinterpretada.
Como qualquer legislação, a brasileira também está inserida numa realidade
socioeconômica e cultural, que se deve levar em conta ao analisá-la. No caso deste
trabalho, tanto a legislação educacional como a legislação acerca das fundações estão
38
permeadas por essa realidade e pelas disputas políticas e ideológicas postas na
sociedade brasileira.
A atual legislação brasileira sobre fundações privadas tem por base o Código
Civil, que teve sua primeira versão em 1916 e foi sendo modificado/atualizado, até
2002, quando da promulgação de sua segunda versão, sob a Lei 10.406 de 10 de janeiro
de 2002.
As primeiras fundações oficiais, criadas pelo Estado, datam ainda da década de
1930 e, por não existir legislação específica, acabaram, ainda que de maneira diferente
das demais, sendo enquadradas no Código Civil. Foi o decreto-lei n o 200 de 1967 que
deu início ao tratamento legal das fundações públicas, desde então equiparadas às
empresas públicas e integrantes da Administração Pública Indireta. Pouco tempo depois,
houve uma tentativa de moldar as fundações ao Código Civil através do decreto-lei n o
900 de 1969. Esse decreto intencionava, muito provavelmente, dar ambas as
possibilidades de personalidades jurídicas às fundações públicas, porém foi considerado
por alguns autores como ineficaz (SILVA et. al., 2000).
O decreto-lei dos militares vigorou por muito tempo, e a legislação acerca do
tema das fundações públicas só foi parcialmente modificada novamente em 1986
através de outro decreto-lei que só alterava a redação e incluía novos artigos ao decretolei 200 já citado. Foi com a edição da Lei 7.596/87 que as fundações passaram a ter
natureza jurídica predominantemente pública e, finalmente, com a Constituição Federal
de 1988 as fundações públicas passaram a figurar com nome e sobrenome nos textos
legais, o que porém, retrocedeu com a Emenda Constitucional no 19 de 1998, que retirou
a expressão “fundação pública” do texto, deixando margem novamente para que não
“existisse” diferenciação de personalidade jurídica entre fundações públicas e privadas.
No ano de 1991, quando foi criada a FME em Niterói, a legislação vigente era
diferente da atual sob diversos aspectos, e ainda não havia sequer sido iniciado o
profundo processo de reforma do Estado já citado nesse capítulo. Tampouco a Emenda
Constitucional de 1998 ou as legislações que foram alterando a Constituição Federal de
1988 tinham tomado forma.
Portanto, ainda que existissem leis que poderiam permitir ao poder público
municipal instituir uma fundação de direito privado, por que foi criada uma fundação
pública que se assemelha às autarquias? Foram cometidos erros ou a intenção política
39
não foi possível de ser enquadrada no ordenamento jurídico da época? Qual o sentido,
então, de criar uma fundação em lugar de manter-se dentro da “tradição” de administrar
a educação municipal através de uma secretaria?
3.6 FUNDAÇÕES MUNICIPAIS
Os processos de descentralização de serviços e da administração pública
ocorreram em diferentes períodos e ainda ocorrem. Grande exemplo disso é possível ser
encontrado na área da educação pública. É importante notarmos que anteriormente às
atuais legislações, o município passou por diversas fases em que teve maior ou menor
importância enquanto ente público responsável pela oferta de serviços públicos como
educação e saúde principalmente.
Com o advento da Constituição de 1988 e dos debates/implementação prática da
nova LDBN, os municípios voltam a ter um peso considerável e até mesmo equiparável
ao dos Estados e da própria União, ainda que, em termos de formas de financiamento,
dada a disparidade de possibilidades financeiras dos diferentes entes, essa questão só
fosse ter uma “solução” na área educacional com a aprovação do Fundo de
Desenvolvimento da Educação Fundamental (FUNDEF) em 1997. Esse não é um
elemento menor nas/para as discussões que estão sendo levantadas nesta dissertação,
pois o fortalecimento dos municípios está diretamente vinculado ao processo de
aproximação entre Estado e sociedade civil e, por consequência, à lógica predominante
na década de 1990, que deu base à reforma do Estado.
Havia uma contrariedade grande em determinados setores sobre entregar
responsabilidades aos municípios, que tinham – muitos ainda têm – arrecadações
limitadas e passariam a ter que administrar demandas enormes, o que poderia facilitar
um processo de privatização desses serviços.
No caso das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), Sguissardi e Silva
Jr. (1998) citaram em seu livro um passo a passo elaborado pelo MARE para a
transformação de universidades autárquicas em Organizações Sociais, fundações ou,
utilizando-se das palavras encontradas nos documentos daquele ministério, de
publicização dos serviços e estabelecimento de contratos de gestão entre essas e o
40
Estado.
Há também um número considerável de fundações municipais que na verdade
são faculdades ou centros universitários criados pelo poder executivo e/ou legislativo
das cidades, mas que se assemelham às instituições privadas de mesmo fim. Em
Piracicaba (SP), por exemplo, há a Fundação Municipal de Ensino de Piracicaba que na
realidade é uma faculdade municipal, na qual os alunos pagam mensalidade, os
professores têm seus contratos regidos pela CLT, entre diversos outros exemplos que
poderiam ser citados e enquadram-se entre o que fora idealizado como público não
estatal.
No caso dos municípios, o que certamente mais pesaria sobre os orçamentos –
dos mais apertados aos mais largos – seriam as áreas da saúde e da educação. Nesse
sentido, muitos municípios optaram por administrar esses setores da administração
pública, o que costumeiramente se faria pelas secretarias municipais, por meio de
fundações municipais. Niterói, por exemplo, criou as fundações de cultura, de saúde e
de educação. Esta última, no entanto, como já citado antes, aparece como experiência
rara (praticamente exclusiva) e, também por isso, foi escolhida como objeto de
investigação dessa pesquisa.
41
4.
MUNICIPALIZAÇÃO,
DESCENTRALIZAÇÃO
E
APROXIMAÇÃO COM O PRIVADO DA EDUCAÇÃO BÁSICA
BRASILEIRA
4.1 – MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: DO SÉCULO XX AO XXI
Traçar comparações entre textos legais de períodos tão distintos da história do
Brasil e da educação brasileira pode ser muito perigoso e levar a confusões e
anacronismos, caso não tomemos muito cuidado com as análises, que devem ser as mais
minuciosas possíveis. No entanto, é impossível não notarmos e destacarmos, mesmo
correndo esses riscos, alguns traços comuns entre os debates e processos que
permearam a elaboração e a realização prática das constituições brasileiras, bem como
das legislações educacionais correlatas no que diz respeito ao tema da municipalização
ou, como queira, descentralização da administração e oferta de ensino/instrução
públicos.
No Brasil a proposta municipalista associada às ideias de participação da
comunidade, descentralização e democracia, há muito tempo foram
incorporadas às propostas educacionais.
Fernando de Azevedo, já em 1932, defendia o princípio da
localização do ensino como condição necessária para que se reorganizasse a
escola nos moldes do escolanovismo e se efetivasse a sua democratização.
Foi com Anísio Teixeira, porém, que a defesa do município como
instância legítima para assumir a educação se colocou de forma mais bem
articulada. (GUIMARÃES, 1995)
No Brasil, diferente de outros países, o município tem uma importância superior
e ganhou, inclusive, status de ente da federação, em um patamar semelhante aos Estados
e à própria União. Tal fato se relaciona com a opção pela forma federativa para
(re)organizar o país, especialmente no processo de redemocratização. Essa escolha pelo
federalismo no Brasil, principalmente no que concerne aos assuntos afetos à educação e
à distribuição de poderes e arrecadação, não ocorreu sem uma quantidade razoável de
42
contradições.
Costa (2010) argumenta que essas contradições, típicas da formação do regime
federativo no Brasil, acabou por criar um “federalismo oligárquico”, no qual a
importância e peso político do governo federal, acaba por depender de fatores mais
conjunturais do ponto de vista econômico e há um grande peso dos governos (e por
consequência dos interesses) subnacionais e/ou regionais. No que diz respeito ao
período da redemocratização até a primeira década do século XXI, o mesmo autor
defende que passamos por um processo de efetiva descentralização, diferente do que
teria ocorrido anteriormente.
Disso podemos extrair que os movimentos de descentralização ao longo da
história educacional (e legal/constitucional) do país passaram dos Estados para os
municípios, e com a aquisição de maior status político destes é que ocorre uma
verdadeira descentralização. É necessário ressaltar, porém, que mesmo quando o centro
do debate da descentralização recaía sobre os Estados, ocorriam os processos de
municipalização do ensino básico, de maneira mais difusa, é verdade, mas ocorriam.
Para Araújo (2010), a partir de 1988 tentou-se romper com a lógica do
movimento pendular entre centralização e descentralização ao associar um padrão de
organização muito descentralizado – mais que a maioria das federações existentes no
mundo – com a ideia de um sistema de ensino nacional e equânime, realizado através a
regulamentação do regime de colaboração. A autora, assim como a maioria dos que
foram lidos ao longo do processo de elaboração dessa dissertação, também chama
atenção pro que chama de “notória especificidade” em relação às demais federações do
mundo que é a inclusão do município como um terceiro ente federado.
Ainda antes dessa “elevação de status”, já havia movimentos no sentido de
incorporação de determinados serviços públicos ao rol de tarefas municipais, levados a
cabo por setores considerados progressivos ou do campo de oposição ao governo
federal – à época sob comando dos militares ou do (vice) presidente eleito indiretamente
José Sarney. Alguns autores chegavam mesmo a citar o processo de descentralização do
ensino – diferenciando-o do que seria a municipalização – como algo inevitável e
irreversível, principalmente em cidades onde a população estava mais organizada.
(GADOTTI, 1989)
43
Já nas primeiras constituições, inclusive nas do período imperial, se deixava a
cargo de administrações locais a obrigação de ofertar ensino público e gratuito, o que
não era efetivado por diversas delas, impossibilitando dessa forma que fosse ampliado o
número de pessoas atendidas nessas escolas. (DAVIES, 2010)
Esse status elevado dos municípios, no entanto, não ficou barato, pois diversos
serviços que antes eram garantidos pela União ou pelos Estados terminaram sendo
repassados aos municípios. Outro argumento utilizado é o de que neles a relação entre
quem é atendido e quem oferta os serviços públicos seria mais próxima, favorecendo
aos primeiros.
Entretanto, uma das limitações que não foi vencida paralelamente ao ganho da
importância política foi a questão orçamentária. Ainda que tenham ocorrido mudanças
nas formas de distribuição de verbas do montante arrecadado através de impostos e
taxas a partir da reforma tributária, elas foram insuficientes para resolver de fato o
problema da maioria das cidades. Nem mesmo o Fundo de Participação dos Municípios
(FPM), que é a maior fonte de entrada de renda em diversas cidades pequenas e médias,
consegue dar conta da necessária redistribuição entre os entes.
Um dado relevante sobre pequenos municípios e as contradições entre
responsabilidades e possibilidade é que a maioria das cidades do país (59,8%) são
dependentes diretamente dos repasses do FPM. Nesse sentido, apesar dessas limitações
e das enormes contradições, na área educacional optou-se no período recente pela
política de fundos (re)distributivos de verba, de acordo com determinados critérios
essencialmente quantitativos, em muitos casos baseado no mesmo formato que o FPM,
mas no caso do FUNDEF com algumas distorções não existentes no primeiro. Quando
da edição da legislação do FUNDEB, procurou-se superar alguns desses problemas.
Esteves (2007), ao analisar a Pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros –
Finanças Públicas (2004a), conseguiu concluir acerca de alguns problemas e distorções
que tanto o FPM quanto o FUNDEF deveriam buscar superar, mas em alguns casos
acabam aprofundando-os. No caso dos pequenos municípios (até 5 mil habitantes), para
os quais as receitas obtidas dos repasses do FPM representam em média 57,3% das
receitas disponíveis neles, o FUNDEF acaba, em alguns casos, causando prejuízo entre
o que é deduzido e o que é recebido.
44
4.1.1 O Atual Processo de Municipalização
Se é verdade que ocorre o debate sobre descentralização X centralização, e a
expressão legal do mesmo varia de acordo com cada período histórico, parece
incontestável que o atual contexto e a presente arquitetura institucional/legal torna a
municipalização quase um caminho exclusivo e até certo ponto obrigatório, tornando a
previsão de Gadotti (2004) correta, porém dialeticamente contraditória ao que o mesmo
defendia como descentralização.
Nesse período mais recente da história da educação brasileira, podemos
identificar, após o citado ganho de status que fora conferido aos municípios na
Constituição Federal de 1988 e com o incremento do Fundo de Participação dos
Municípios, que os aspectos financeiro e jurídico prevaleceram para o florescimento de
um novo – e mais forte – processo de municipalização da educação básica, em essência
do ensino fundamental e da educação infantil. (DAVIES, 2012)
Afirmamos isso, pois, após a LDB de 1996, que fora incitada pela constituição
aprovada menos de uma década antes, criou-se o FUNDEF, que repetia, ou quase, os
conceitos do Fundo de Participação dos Municípios para a educação, estabelecendo
distribuição e redistribuição de verbas de acordo com determinados critérios, dentre os
quais número de alunos matriculados na rede, arrecadação de impostos etc.
Com raras exceções, como parece ser o caso de São Paulo, as redes estaduais de
ensino diminuíram significativamente, permanecendo em muitos casos quase que
exclusivamente no nível médio e com algumas poucas unidades que atendem os anos
finais do ensino fundamental.
As “disputas” pelas verbas do FUNDEF, segundo alguns autores, podem ter
levado a uma nova onda de municipalizações de escolas ou matrículas, fato que não foi
diminuído pela substituição desse fundo pelo de desenvolvimento da educação básica, o
FUNDEB, que passou a incluir alunos da educação infantil, a partir dos quatro anos de
idade, até os do ensino médio, contemplando também as modalidades de Jovens e
Adultos, entre outras.
45
Essas disputas acabaram gerando distorções que não foram sanadas até o
momento da elaboração desta dissertação, fazendo com que algumas cidades acabassem
se saindo muito melhor que outras. Durante estas disputas, muitas distorções acabaram
por se aprofundar. Talvez a que chame mais atenção seja a analisada por Esteves (2005),
que constatou que os municípios “contribuintes” do FUNDEF no estado do Rio de
Janeiro são em geral cidades pequenas, que estão entre as mais pobres ou situadas nas
regiões mais carentes e, em geral, nestas localidades as escolas públicas são as únicas
portas abertas à população.
Em muitos casos, prefeituras tomaram medidas improvisadas, apressadas –
outros tantos adjetivos poderiam ser listados – para aumentar o número de matrículas de
suas redes oficiais e tentar diminuir a distorção financeira causada pelo FUNDEF
(DAVIES, 2010). Ao fazê-lo, porém, não foi menos significativa a quantidade de
distorções político-pedagógicas que se acumulam até o tempo atual.
Além do aspecto da legislação educacional geral, que se torna mais difusa
conforme proliferam as redes municipais, da multiplicidade de projetos políticopedagógicos (que favorece experiências positivas, mas também negativas) e de
organização dos sistemas educacionais, que muitas vezes dificultam a vida do aluno que
se transfere para uma rede municipal diferente, outro problema que é diretamente
influenciado pela municipalização do ensino é a legislação relativa ao trabalho dos
profissionais dessas redes e, consequentemente, a organização sindical. No Estado do
Rio de Janeiro isso parece ter sido amenizado pelo fato de a representatividade do
sindicato englobar todas as redes públicas de ensino, mas este não é o caso das demais
unidades da federação, em que as organizações sindicais se pulverizaram como as redes
públicas.
Para além do aspecto meramente legal, que desde a Constituição Federal de
1988 vem sendo rearranjado através de outras leis, decretos e portarias, os defensores da
descentralização, “contrários” à municipalização por entender que poderia haver uma
atomização e desarticulação do ensino público, deixavam claro qual seria o sentido
positivo que poderia surgir de um processo desse tipo. Parece-nos, infelizmente, que o
que previram demais negativo acabou ocorrendo majoritariamente, visto que até a
última edição da CONAE, em 2010, ainda estávamos em busca desse sistema nacional
46
articulado. .
Teríamos assim, conforme preconiza a V CBE (Conferência Brasileira de
Educação) um “sistema nacional unificado de educação pública superando a
desarticulação entre os ensinos municipais, estaduais e federais” (Defesa do
Ensino Público, 1988). Mais importante do que a superação da desarticulação
entre as redes é a fusão delas em uma única rede, com um só “Sistema
Nacional de Ensino Público”. O aparente avanço da Constituição de 1988, ao
consagrar os sistemas municipais de ensino, poderá significar atomização e
desarticulação maior ainda do ensino público. O cidadão que vive no
município é único, não se reparte em esferas de governo. É para este cidadão
que a escola pública existe e a ele pertence. (BORDIGNON; OLIVEIRA,
1989)
4.1.2 – A Constituição de 1988
Como já citado anteriormente, a constituição de 1988 deu um peso aos
municípios que os mesmos não tinham até então. Não por coincidência, junto com esse
peso vieram inúmeras tarefas que antes ou não cabiam diretamente aos municípios ou
eram garantidas por verbas não municipais. Afinal de contas, mesmo com esse
incremento de peso e tarefas, a distribuição da arrecadação de impostos não foi
compatibilizada, seguindo os municípios com a menor arrecadação proporcional entre
os três entes da federação. (ADRIÃO et al., 2009)
Esse afã municipalista vinha inclusive de setores à esquerda que se faziam
presentes na Assembleia Nacional Constituinte. Provavelmente um dos possíveis
motivos para isso tenha sido o número significativo de vitórias eleitorais de setores
então considerados progressistas e que tinham suscitado experiências e debates
importantes em alguns Estados e municípios desde os fins da década de 1970. Cunha
(2012) cita alguns desses Estados e municípios catarinenses, paulistas e a influência
determinante que tiveram no período da elaboração da nova constituição.
A formulação e a implementação de políticas educacionais voltadas para os
interesses populares não esperaram pelo fim do regime militar. Iniciativas de
mudanças nestas políticas tiveram sucesso em alguns municípios no período
1977/83 e em alguns estados, em 1983/87. No primeiro caso, essas iniciativas
resultaram de situações específicas, mas, no segundo, decorreram de um
amplo e bem sucedido movimento pela eleição direta dos governadores dos
estados. (CUNHA, 2009)
47
Os exemplos que setores de oposição conseguiram impor através das políticas
públicas implementadas nesses locais soavam naquele momento como uma das
melhores formas de enfrentar o autoritarismo vigente e escapar do excesso de
centralização supostamente reforçado nesse período. Era (re)produzido um discurso
antiburocrático, que na verdade estava mais para descentralizador, sem levar muito em
consideração que a generalização dessas experiências provavelmente não ocorreria sem
maiores problemas ou entraves, principalmente nos municípios.
É verdade que, apesar disso, havia setores que já naquela época negavam a
hipótese da municipalização “salvadora” e apontavam para prováveis problemas que
seriam causados, mas apesar do capital político significativo de alguns dos sindicatos
que encamparam tal posição, o texto constitucional final e a legislação que surgiu após e
correlacionada a esta parecem ter feito a vontade descentralizadora.
4.1.3 LDB e PNE
Enquanto sete constituições foram elaboradas, as LDB’s foram apenas duas,
sendo a primeira publicada de fato somente em 1961, após um longo caminho de
debates, entraves e polêmicas até que fosse aprovada e sancionada. A segunda, de 1996,
também teve um percurso controverso, porém menos lento e mais dinâmico do que sua
predecessora.
Tanto as leis de diretrizes como os planos nacionais têm como característica
comum o caráter descentralizador em seus textos e intenções. Esse caráter não é
imposto pelos textos legais citados, mas sim pelas constituições que vigiam quando da
elaboração de cada um deles.
Como já dito anteriormente, a Constituição de 1988 tinha essa característica
como ponto pacífico para todos os setores representados na Assembleia Constituinte,
assim como a Constituição de 1946 – que antecedeu a LDB de 1961 – também possuía
a mesma característica (SAVIANI, 2008).
Na Carta Magna de 1988 ficou instituída a opção por um regime federalista
48
cooperativo, sob a denominação de regime articulado de colaboração recíproca,
descentralizado, com funções privativas, comuns e concorrentes (no sentido de
simultâneo) entre os entes federativos.
Essa “fórmula” de LDB + PNE, no entanto, não veio à tona apenas com a atual
constituição e LDB. Se analisarmos outros momentos e movimentos acerca da
legislação educacional do país, poderemos notar essa repetição ou continuidade.
O movimento dos Pioneiros também se fez presente nos trabalhos da
Constituinte, influenciando o enunciado da alínea “a” do artigo 150 da
Constituição de 1934, que estabeleceu como competência da União “fixar o
plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e
ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em
todo o território do país”. A formulação da Constituição de 1934 já continha
um elemento que veio a integrar a ideia de plano nacional de educação
relativa ao conteúdo abrangente, estendendo-se ao ensino em todos os seus
aspectos e em todo o território nacional. Essa característica está presente na
Constituição atual, que no artigo 214, prevê a aprovação, em lei, de plano
nacional de educação, com duração plurianual, com o objetivo de articular e
desenvolver o ensino dos diferentes níveis e integrar as ações do poder
público. Nos termos da atual LDB, o conteúdo abrangente do plano refere-se
aos níveis e modalidades de ensino. A primeira LDB, aprovada em 1961,
incumbiu ao então Conselho Federal de Educação (CFE) a tarefa de elaborar
o plano de educação referente aos fundos nacionais do ensino primário,
médio e superior. Em cumprimento ao disposto na LDB, o CFE elaborou o
plano de distribuição dos recursos correspondentes aos três fundos
mencionados. Tratando prioritariamente do Fundo do Ensino Primário,
Anísio Teixeira, relator do processo no CFE, concebeu uma fórmula
engenhosa para a aplicação dos recursos financeiros destinados ao ensino.
Inspirado na proposta de Anísio Teixeira, foi criado, em 1996, o FUNDEF,
substituído, em 2006, pelo atual FUNDEB, que manteve as mesma
características de seu antecessor. Trata-se de um Fundo de natureza contábil
que define o montante de recursos que os municípios, os estados e a União
devem destinar à educação básica, estabelecendo as formas de sua
distribuição pelos diferentes níveis e modalidades de ensino. (SAVIANI,
2009)
Como é possível extrair dessas considerações, apesar das idas e vindas causadas
pelas situações políticas que se deram no Brasil entre os anos nos quais as legislações
citadas foram aprovadas e postas em prática, há uma disputa entre concepções e projetos
para a educação nacional. Existe, porém, uma corrente de pensamentos vencedora no
campo educacional, a descentralizadora na execução, que, no entanto, exige (ou
permite) que as regulamentações e o papel redistributivo permaneçam centralizados na
União.
A Lei 4.024 de 20 de dezembro de 1961 é o resultado final de algo que estava
49
previsto na Constituição de 1934, ou seja, passaram-se quase trinta anos para a sua
publicação. Só do debate ao texto final foram treze anos. Finalmente em dezembro de
1961 foi publicada pelo então presidente João Goulart com 120 artigos.
Para Saviani (1999), “é possível perceber como a lei aprovada configurou, uma
solução intermediária, entre os extremos representados pelo projeto original e pelo
substitutivo Lacerda”. O autor refere-se a uma comparação entre o projeto de 1948, o
substitutivo Carlos Lacerda de 1958 e o texto da Lei 4.024/61, tendo em vista a busca
pelo estabelecimento de um único ponto de vista “ideológico” sobre a questão
educacional.
Após a primeira LDB, visando continuar acompanhando as mudanças
econômicas e sociais novas ideias surgiram para adaptar a educação a essas mudanças.
A Lei 5.692, de agosto de 1971 define os currículos como constituídos por disciplinas
de obrigatoriedade nacional, escolhidas pelo Conselho Federal de Educação. Em 1970,
surgiu uma política de valorização do ensino técnico profissionalizante para fortalecer o
crescimento industrial paulista, pela possibilidade de formação profissional. Nesse
período também foi editada a Lei 55.40/68 que instituíu o vestibular. Essa legislação
fora publicada durante o regime militar pelo presidente Emílio Garrastazu Médici.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o deputado Octávio Elísio
apresentou na Câmera Federal um projeto fixando as diretrizes e bases nacionais frente
à nova realidade da educação e da sociedade brasileira, seguindo os parâmetros da nova
Carta Magna. O projeto em pauta propunha uma ampliação dos recursos para a
educação pública. Para a elaboração do texto final da proposta, definiu-se o deputado
Jorge Hage como relator do projeto. Com emendas e projetos anexados à proposta
original, iniciaram-se as negociações.
Até que o substitutivo de Jorge Hage fosse aprovado, várias entidades e outras
instituições foram ouvidas em audiências públicas. Foram promovidos debates e
seminários temáticos com especialistas convidados para discutir os pontos polêmicos da
reforma educacional referente ao substitutivo que o relator vinha construindo. Diversos
grupos da iniciativa privada do setor educacional opunham-se a alguns dos pontos da
proposta e tinham o apoio de alguns parlamentares que faziam frente às aprovações.
Esses debates e negociações deram origem a duas novas versões do texto do deputado
50
Elísio, sendo a última votada na Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara
dos Deputados, e com aprovação final na sessão de 13 de maio de 1993. Tal projeto, ao
dar entrada no senado, foi identificado como PLC 101 de 1993 que fixa diretrizes e
bases da educação nacional, tendo sido designado relator na Comissão de Educação o
senador Cid Sabóia (PMDB/CE).
Uma vez aprovado no Senado, o projeto retornou à Câmara dos Deputados na
forma do “substitutivo Darcy Ribeiro” - que antagonizava com o projeto da câmara,
alterando o sentido nacional da educação pública - sendo o deputado José Jorge
designado relator. O governo federal exigiu a aprovação até o final do ano de 1996,
assim, em sessão realizada em 17 de dezembro de 1996, foi aprovado na Câmara o
relatório contendo o texto final da LDB, posteriormente sancionada pela Presidência da
República no dia 20, sob o número 9.394/96.
Já a ideia de se ter um plano nacional de educação pode ser remontada ao
período do “Manifesto dos Pioneiros da Educação”, nos anos 1930. Provavelmente
influenciada por esses ideais, a Constituição Federal de 1934 aponta a necessidade de
ser elaborado projeto nacional para a educação.
No entanto, o que alguns autores consideram a primeira aproximação concreta
de um plano ocorre apenas em 1993, quando da publicação do Plano Decenal de
Educação para Todos consoante com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos,
proclamada na reunião realizada em 1990 em Jomtien (Tailândia). Contudo, ele
praticamente não saiu do papel, limitando-se a orientar algumas ações na esfera federal.
(SAVIANI, 2009)
Foi somente após a LDB de 1996 que de fato iniciaram-se movimentações
institucionais para a elaboração do PNE que tanto a própria LDB como a Constituição
de 1988 definiam como necessário. Ainda assim, a primeira movimentação para a
efetivação de um debate real no espaço onde deveria ser aprovado o plano (câmaras
legislativas) ocorreu através de proposta da sociedade brasileira, construído
coletivamente por entidades educacionais, educadores, profissionais da educação e
estudantes durante os dois Congressos Nacionais de Educação (CONED I e II)
realizados em Belo Horizonte nos anos de 1996 e 1997, que recebeu a identificação de
Projeto de Lei no 4.155/98. Tal iniciativa forçou o governo a apresentar a sua proposta
51
de PNE, levada ao Congresso Nacional poucos dias depois, onde tramitou sob o número
4.173/98.
Somente em 2001 o presidente sancionou a Lei 10.172/2001, vetando nove das
metas do PNE que implicavam aumento de recursos e investimentos para a educação,
ciência e tecnologia, dentre elas a da ampliação de 7% do PIB em educação.
Uma perspectiva comum, que parece perpassar todos esses textos legais citados
e vigentes, além de outros que foram atualizados, tem a ver com a divisão e as formas
ou subterfúgios encontrados com a finalidade de diminuir distâncias entre o público e o
privado. Claro que, do ponto de vista da legislação sobre o financiamento de ambas as
esferas educacionais, isso não é ponto pacífico, ao contrário, é alvo de diversas
polêmicas entre estudiosos da área e trabalhadores em educação através de suas
representações político-sindicais. (FREITAS, 2012; ARELARO, 2007)
Isso pode ser constatado pela possibilidade de instituições privadas receberem
dinheiro público seja em forma de bolsas de estudos ou isenção fiscal e isso ser
considerado como expansão das vagas “públicas” ofertadas à população, prática que se
manteve até os anos 1990 e ainda hoje há algumas brechas que permitem sua
continuidade.Sob os governos do PT, partido que outrora defendia a aplicação de verbas
públicas apenas para estabelecimentos públicos (CUNHA, 2009), esses canais de
repasse de verbas públicas ao setor privado não estancaram, e alguns consideram que se
ampliaram, com a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni) e outros.
Especificamente em Niterói, cidade para a qual essa pesquisa desvia seu olhar
mais específico, o número grande de escolas de educação básica particulares e a força
dessa rede dão um possível indício de que essa transferência de recursos pode ter levado
a que a expansão da rede municipal pública tenha sido mais lenta do que na média
nacional.
Algumas diferenças, no entanto, podem ser observadas também entre esses
textos legais. Em termos de fundos (FUNDEF e FUNDEB), por exemplo, o primeiro
atendia somente a uma parte da educação básica que fora considerada prioritária, o
ensino fundamental. O segundo fundo teve a intenção de ser mais abrangente e expandir
a distribuição da verba para os anos finais da educação infantil e para o ensino médio.
52
Há quem faça a crítica sobre a pequena expansão de verba que não teria acompanhado
quantitativamente o número de alunos atendidos. Ainda que seja inegável que os fundos
tenham aberto possibilidades antes inexistentes para determinadas secretarias
municipais e estaduais de educação, também é inegável a quantidade de contradições
que também são decorrentes dessas iniciativas, como as que serão citadas adiante.
4.1.4 – FUNDEF e FUNDEB
Os já citados fundos voltados ao desenvolvimento da educação, FUNDEF e
FUNDEB, são de suma importância para uma análise coerente do período recente da
educação brasileira, principalmente no que concerne ao tema do aumento das redes e
matrículas municipais e, por isso, merecem uma atenção maior do que as poucas linhas
destinadas anteriormente.
Davies (2012), Lamarão (2013), Pinto (2007), entre outros autores, apontam que,
se houve avanços propagandeados e reais que as duas emendas constitucionais criaram
ou aprofundaram, o mesmo ocorreu dialeticamente no caso das contradições e
distorções. Comprovadamente há nas três esferas de governo descumprimento das leis
que determinam como, quanto e quais repasses devem ser feitos à educação pública, o
que não deixou de ocorrer com o advento dos fundos, a começar pela própria União que
não fazia os repasses previstos em lei.
A razão para o FUNDEF ser somente destinado ao ensino fundamental tinha
relação com a intenção de universalizar as matrículas nesse nível de ensino, assim como
o FUNDEB é justificado a partir da constatação da ampliação da demanda por acesso à
educação em outros níveis que não o fundamental, mas principalmente a educação
infantil – ainda que o mesmo só contemple esse nível de ensino a partir dos quatro anos
de idade. Além disso, o FUNDEB inclui, com muito mais ênfase, outro elemento ao seu
escopo, que é a valorização do profissional (com previsão de piso salarial nacional a ser
reajustado de acordo com o reajuste do valor a ser investido por aluno, determinado por
decreto presidencial anualmente), ainda que em termos práticos isso não tenha um
53
significado efetivo, uma vez que comprovadamente uma1 parte significativa dos Estados
e municípios não pagam o valor estabelecido como piso salarial nacional para a
categoria e/ou não cumprem a lei de conjunto que prevê, entre outras coisas, cargas
horárias específicas para planejamento.
Ambos nasceram com data para acabar. O FUNDEF foi criado para durar dez
anos, tendo como objetivo alcançar a universalização das matrículas no que era
entendido como a prioridade educacional, o ensino fundamental. Já o FUNDEB foi
previsto para durar catorze anos, contados a partir da aprovação da Emenda
Constitucional que o criou, ou seja, até 2021.
Os fundos são de tal maneira relevantes, que várias disputas atravessam e
permeiam sua existência, como pela distribuição das sobras – que muitas prefeituras
transformam em décimo quarto salário ou gratificações especiais. Também é prevista a
fiscalização sobre o fundo. São os conselhos que fazem a fiscalização da aplicação
dessas verbas e, principalmente, sobre qual o destino da verba recebida pelas prefeituras
e governos estaduais, afinal, a lei determina aplicações/dotações específicas de
percentuais, mesmo que saibamos que existe uma série de artifícios para que as
destinações específicas ocorram de maneira diversa do que é determinado (LAMARÃO,
2013).
Na tabela anexa, divulgada pela Assessoria de Comunicação Social do MEC,
estão estabelecidas as principais aproximações e diferenças entre os dois fundos, que
desde os fins da década de 1990 vêm dando o tom da expansão e manutenção das redes
públicas de ensino. É notório que no caso do FUNDEB há uma engenharia institucional
mais complexa e aparentemente mais bem elaborada no que diz respeito à origem das
fontes que compõem o fundo, enquanto no caso do FUNDEF – que podia ser mais
simples por atender apenas um segmento da educação básica – não havia muita clareza
sobre os recursos para os anos subsequentes ao de início de sua implementação. Isso
sem considerar que a complementação da União só começou de fato em 1998, dois anos
depois do que deveria (FERNANDES, 2010).
1
Cf. <http://www.cnte.org.br/index.php/lutas-da-cnte/piso-salarial-e-carreira/11802-cnte-divulgatabela-atualizada-dos-estados-que-nao-respeitam-integralmente-a-lei-do-piso.html>.
54
4.2 MUNICIPALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO
A disputa entre posições centralizadores e descentralizadoras não ocorre há
pouco tempo, ao contrário. Como já foi escrito antes aqui, ela está presente praticamente
desde o primeiro debate constitucional e nas duas LDB´s.
No que diz respeito à prática política e legislação vigente, a maior parte dos
autores citados nesta dissertação apontam um movimento pendular entre centralização e
descentralização, que teria cessado com a Constituição Federal de 1988, definitivamente
um marco descentralizador, que não teria precedentes e poderia ser considerada como
“definitiva” sobre o tema.
Foi a partir da reforma da aparelhagem estatal de 1995, no entanto, que se tornou
mais nítido o surgimento de ações estatais objetivando uma alteração no aparato
regulatório da relação entre Estado e sociedade civil (ALGEBAILE, 2005).
Há, no entanto, diversas nuances que podem se desprender dessa díade, dentre as
quais as relativas às maiores possibilidades de privatização e favorecimentos às
empresas privadas ou mesmo ao patrimonialismo tão criticado pelos descentralizadores
que, concordando com Bresser Pereira, imaginavam que poderia ser eliminado ou no
mínimo diminuído.
O conjunto desses mecanismos regulatórios criados a partir de 1995 tem
como objetivo, explícito ou implícito, regular a relação entre Estado e
sociedade civil, sedimentando uma nova sociabilidade, um novo modelo de
ações sociopolíticas nesses anos de neoliberalismo da Terceira Via. Nesse
sentido, convém investigar os mecanismos que o Estado tem utilizado para
incentivar essa nova sociabilidade, seja por intermédio da elaboração de um
“novo marco legal”, seja pelo estímulo à criação e ampliação de organismos
não-estatais, por meio de facilitação de financiamento e normas autoregulatórias, ou ainda pela alteração da legislação mais ampla. Tais
iniciativas são implementadas concomitantemente; assim, o Estado educador
vai redefinindo de modo sutil suas “regras”, de modo a conduzir a construção
de um consenso em torno de uma “nova cultura”, que tem por objetivo
sedimentar a hegemonia burguesa sob novos contornos. (ALGEBAILE, in
NEVES, 2005)
Ainda que haja alguns aspectos positivos no atual processo de municipalização,
sse tom descentralizador-positivo que se tentou criar, parece ter mais ligações com as
55
intenções de ampliar a participação do setor privado (ou público não-estatal) na
educação para além da participação anterior que já havia (FREITAS, 2012). No período
de “ingresso” do Brasil no neoliberalismo da Terceira Via, reforma de Estado significou
transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado, o
que justificaria a generalização dos processos de privatização de empresas estatais. Mas
há outro processo que merece ser salientado por não ser tão claro: a descentralização
para o setor público não-estatal da execução de serviços que não envolvem o exercício
de poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso da
educação, saúde, cultura e pesquisa científica (BRASIL, 1995).
4.3 OS PROCESSOS DE AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO PRIVADA NA
EDUCAÇÃO
E
A
RELAÇÃO
COM
A
MUNICIPALIZAÇÃO/DESCENTRALIZAÇÃO
Como pano de fundo do processo que desatou as reformas educacionais do final
do século XX em diante no mundo e no Brasil e que estabeleceu novas fronteiras entre
o público e o privado, havia uma aparente disputa de projetos para a superação das
crises anteriores. Afirmamos ser aparente, pois o transcorrer dos anos e a alternância de
governos entre partidos que reivindica(va)m lados distintos dessa “disputa” demonstra
que, ao apontarem o Estado como culpado por essa(s) crise(s), ambos acabam por optar
pelo privado, ainda que com nomes diferentes.
As teorias neoliberal e terceira via têm em comum o diagnóstico de que o
culpado pela crise é o Estado, mas propõem estratégias diferentes de
superação: o neoliberalismo defende o Estado mínimo e a privatização e, a
terceira via, a reforma do Estado e a parceria com o terceiro setor. Ocorre
que, tendo o mesmo diagnóstico de que a crise está no Estado, nas duas
teorias, este não é mais o responsável pela execução das políticas sociais: o
primeiro repassa para o mercado e o segundo, para a chamada sociedade civil
sem fins lucrativos. (PERONI et al, 2009)
Para Giddens (2007), que também chama a terceira via de democracia social ou
esquerda democratizadora, esse rótulo refere-se ao modo como partidos de centro56
esquerda respondem às mudanças. Verifica-se que a questão crucial permanece a
mesma, de ser o centro, assumindo posições em alguns momentos mais à esquerda ou à
direita, de propor reformas no limite do capitalismo e com vistas a fortalecê-lo. No
Brasil parece que há acordo entre os diferentes gestores dos distintos níveis de governo,
sejam eles situação ou oposição e de que lado da aparente disputa façam parte.
É nesse contexto que o processo presente de municipalização, como citado
anteriormente, abriu as portas das escolas e secretarias municipais para as empresas que
vão desde prestadoras de serviços “terceirizáveis” até a fornecedora de uniformes e
materiais didáticos ou paradidáticos. Um exemplo sintomático dessa situação é o
número de contratos que secretarias municipais de educação de pequenas e médias
cidades do estado de São Paulo firmaram com empresas privadas (ADRIÃO et al.,
2009).
Como vimos antes, a descentralização das responsabilidades não ocorreu
paralelamente à descentralização das arrecadações, que seguem concentradas
essencialmente na União e nos Estados, ao contrário da oferta dos serviços públicos de
maior demanda e gastos que são saúde e educação. Sempre é relevante lembrar que no
caso da saúde há um Sistema Único de Saúde que, se não facilita, ao menos torna
diferente a relação entre as instituições administradas pelas diferentes instâncias
governamentais. Esse fato leva a que diversas prefeituras acabem “apelando” a parcerias
com a iniciativa privada, quando não à privatização quase direta para a oferta desses
serviços.
Ao pesquisar as prefeituras paulistas, Adrião, Garcia, Borghi e Arelaro (2009)
notaram uma tendência entre as cidades de menor porte (até 50 mil habitantes) a, para
atender suas demandas educacionais, procurar suporte político e pedagógico em
empresas privadas que oferecem serviços e produtos. Outro efeito que ocorre quando
uma prefeitura, através de sua secretaria municipal de educação ou semelhante,
estabelece esse tipo de parceria, é a incidência dessas empresas sobre a política
institucional e a organização do trabalho docente e administrativo.
Há outros elementos que nos parecem significativos quando se trata de pequenos
municípios – em especial, ainda que não somente neles –, qual seja, a capacidade de
pressão de empresas sobre os prefeitos e/ou gestores da educação pública municipal e a
57
duplicidade de pagamento que ocorre quando as prefeituras fazem opção por um
“sistema” de ensino privado ou apostilado. Esse duplo gasto ocorre porque, além de
pagar por esse contrato, a população já paga empresas privadas para fornecerem livros
didáticos ao governo federal, que mantém programas de distribuição gratuita destes às
escolas públicas estaduais e municipais.
Essa disputa pela descentralização que se ampliou a partir dos debates
constitucionais da década de 1980, portanto, não é apenas por uma maior ou menor
distribuição de tarefas e verbas, mas sim pela abertura de possibilidades diversas para
que ocorra uma maior interseção entre as esferas pública e privada na área da educação
em especial, mas também em diversas outras já citadas anteriormente.
É a partir de necessidades que as prefeituras não conseguem suprir que se abrem
editais, se realizam contratos e se estabelecem parcerias entre as administrações pública
e empresas privadas, ONG's ou OS's, enfraquecendo assim o Estado e aumentando a
influência do capital sobre os processos de formação na educação básica pública
brasileira.
Esse percurso, no entanto, não é apresentado pelos gestores e legisladores como
privatização, mas como aumento ou incremento da participação da sociedade civil
organizada não apenas na fiscalização das políticas públicas, mas também na elaboração
e, principalmente, na aplicação dessas políticas.
Ainda que a ideologia pró-privatizações tenha prevalecido na década de 1990,
no caso da educação os movimentos de resistência podem ter pressionado para que o
processo ocorresse de uma maneira diferenciada. Não seria impossível ou impensável
que escolas ou mesmo redes, em parte ou inteiras, fossem vendidas e/ou cedidas à
iniciativa privada diretamente, porém o discurso de maior participação da “sociedade
civil” poderia, além de acalmar os que guardam posições firmemente contrárias às
privatizações, abrir as portas da educação pública aos empresários que quisessem nela
investir. Há de se convir que, pelo número de pessoas atendidas pelo Estado através das
escolas públicas administradas pelos diferentes níveis de governo, qualquer
fornecimento de material, uniforme, alimentação ou mesmo pessoal terceirizado ocorre
em grande escala e, por consequência, deve ou pode ser muito lucrativo.
58
Essa interseção entre o público e o privado, entre a sociedade civil e o Estado, no
caso do Brasil em especial se expressou ao longo da história de várias formas, e a ideia
de que o público não estatal seria o melhor formato jurídico/institucional que poderia
encaixar-se no caso da educação parece ter prevalecido entre os administradores
públicos de diversas origens, filiações partidárias e matrizes ideológicas.
Freitas (2012), Peroni et al (2009) nos fornecem indícios consistentes sobre as
conexões entre o público e o privado. O primeiro autor aponta que há no Brasil um
movimento de empresários no campo da educação denominado Todos pela Educação,
cujo presidente é o megaempresário Jorge Gerdau Johannpeter, que também é assessor
da presidenta Dilma como coordenador da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho
e Competitividade. Outro membro do conselho de governança do movimento
supracitado está no comando da Secretaria de Educação Básica do MEC, que conta
ainda com membros no Conselho Nacional de Educação.
Para a educação, conforme os debates políticos e legislação mais recente, a
personalidade jurídica preferível passou a ser a pública não estatal. Ainda que tenha
ficado livre de um processo de privatização direta tal como foi feito em áreas
importantes da economia, como exemplificam a Companhia Siderúrgica Nacional,
Eletrobrás, Vale do Rio Doce e outras empresas originalmente estatais, a educação não
ficou de fora do processo de privatização que perpassava a sociedade.
O exemplo levantado por Adrião et al. (2009) sobre as prefeituras paulistas é
apenas a ponta de um enorme iceberg que esconde abaixo do campo de visão uma
situação que muitos autores consideram nefasta, pois estaria agravando os problemas
que já existiam na educação, no lugar de resolvê-los como prometido.
Em algumas redes ou escolas de determinadas redes municipais, o órgão público
fica “voluntariamente” refém de sistemas de alfabetização e apostilas, e os professores
são muitas vezes obrigados a implementar determinadas metodologias independente de
sua vontade ou opção, retirando sua autonomia político-pedagógica e aumentando assim
o processo de alienação do trabalho docente:
Impõe-se ao professor que atue a partir de seu enquadramento numa escola
pautada pela lógica das relações mercantis, em que ele enfrenta na sala de
aula as consequências de políticas educacionais que concorrem para a
deterioração da escola pública e sua privatização. Estabelece-se no sistema
59
escolar a dialética da descentralização e da centralização, segundo a qual, por
um lado, se tem um Estado que descentraliza a responsabilidade sobre as
tarefas de prover a educação escolar, fazendo uso de fontes privadas de
financiamento e, por outro lado, se assume uma posição centralizadora no
estabelecimento das normas de funcionamento e avaliação dos resultados.
Trata-se de uma nova forma de regulação do sistema educativo, com a realocação do papel do Estado que altera as relações sociais no interior da
instituição escolar, para a implementação de um modelo neoliberal de
funcionamento da escola pública, de marca privatista. (COSTA et al, 2009)
Na prática, o professor e os demais trabalhadores da escola pública, que são
servidores públicos (temporários ou efetivos), estão submetidos ao mesmo tempo a leis
e regulamentos gerais, programas e projetos específicos – muitas vezes restritos a
somente uma escola ou a uma parte dela –, condições precárias de trabalho e salários
baixos. Ou seja, soma-se aos ziguezagues de projetos e legislações a precarização do
trabalho docente e uma maior abertura à esfera privada que tornam a escola um local de
disputas que vão além das relativas aos aspectos político-pedagógicos stricto sensu
(CUNHA, 2011).
Há um sem número de empresas que se favorecem desse cenário que para
muitos pode parecer bom e para outros, desolador. Entre as principais empresas ou
grupos empresariais no Brasil, podem ser citados o COC, o Objetivo/Unip, a Positivo,
as grandes editoras como Abril, Melhoramentos e empresas que ofertam serviços
terceirizados e/ou de alimentação e limpeza escolar.
Além da oferta de vagas, presenciais ou a distância, tanto na educação básica
quanto, em maior escala, na superior, difundiram-se outras atividades
comerciais. No ensino básico, cresceu a venda de materiais pedagógicos e
“pacotes” educacionais, que incluem aluguel de marca, pelo mecanismo de
franquias, avaliação e formação em serviço do professor. Tais atividades são
desenvolvidas por algumas das grandes redes de escolas privadas, como os
Cursos Osvaldo Cruz (COC), Objetivo, Positivo e Pitágoras. Mais
recentemente, esse grupo de instituições tem avançado sobre os sistemas
públicos de educação básica, vendendo materiais apostilados para redes
municipais e estaduais, tendo os mesmos avaliados no âmbito do Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD). Ainda em São José dos Campos (SP),
com financiamento do Instituto EMBRAER, o grupo Pitágoras desenvolveu
um modelo de gestão do conjunto da rede municipal de ensino que o Instituto
EMBRAER também está aplicando em Sorocaba (cf. Silva, 2008). Passa-se,
assim, da venda de materiais educativos para a definição da gestão do sistema
público de ensino. (Oliveira, 2009)
Essas situações nos remetem novamente á reforma do aparelho de Estado, que
introduziu o conceito de público não estatal e abriu novas possibilidades para o
empresariado e para a gestão por concessão. Assim, abriu-se a possibilidade do público
60
administrado privadamente, ou seja, de que uma escola (ou rede) continue sendo pública
e tenha sua gestão privada. Desta forma, aquela divisão fundamental entre público e
privado ficou matizada. (Freitas, 2012)
61
5. NITERÓI
5.1 BREVE HISTÓRICO E PANORAMA POLÍTICO DA CIDADE
Niterói é uma cidade localizada na chamada região metropolitana da cidade do
Rio de Janeiro, a uma distância aproximada de 11 km da capital, ligada pela famosa
ponte popularmente conhecida como Rio–Niterói” e faz divisa com os municípios de
São Gonçalo, Maricá e Rio de Janeiro. Estende-se por uma área de 129.375 m 2,
aproximadamente, com uma população de cerca de 479 mil habitantes. Possui muitas
peculiaridades, dentre as quais podemos citar o alto Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), o que a levou a ser considerada uma das melhores cidades do país para
se viver por vários anos seguidos e até os dias atuais mantém esse status no estado do
Rio de Janeiro; o alto índice de matrículas registradas na rede particular de ensino, o
maior do estado percentualmente, tanto na educação infantil como no ensino
fundamental; o título autoconcedido de “Cidade da Cultura” (LUZ, 2009); e o alto
índice de formação intelectual e renda média de seus habitantes. Isso sem mencionar a
importância de ter sido uma capital de Estado até bem pouco tempo (1975), da
proximidade com a antiga capital federal e de ter uma das mais importantes
universidades federais do país, a Universidade Federal Fluminense (UFF).
É relevante citar também que Niterói está entre os municípios com as maiores
arrecadações de impostos (maior IPTU do
estado) e PIB per capita do país.
Entretanto, apresentou em 2011 a menor rede municipal proporcional à população no
estado do Rio de Janeiro e com a maior participação do setor privado no total de
matrículas no município em todo o Estado. Essas redes (municipal e privada) atendem,
respectivamente, segundo o último censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais, 30,1% e 40,1% do total de matrículas do Ensino Fundamental,
revelando que há um elemento importante para ser analisado no cenário educacional
deste importante município.
62
A partir do primeiro mandato do ex-prefeito Jorge Roberto da Silveira, no início
da década de 1990, optou-se por “modernizar” a administração pública, conforme os
ventos que sopravam desde Brasília nesse mesmo sentido. Criaram-se então as
fundações municipais de saúde e educação. A administração a partir de fundações não
era totalmente inédita na educação. Nas universidades são incontáveis os exemplos de
fundações criadas pelas mais diversas razões e com as mais diferentes intenções, quase
sempre no sentido de possibilitar que o setor público se utilize da forma de
administração gerencial e/ou da parceria com a iniciativa privada, ou ainda que torne os
“processos burocráticos”, comuns ao serviço público, “mais ágeis”. Porém, o simples
fato de possuir fundação no nome, não assegura uma determinada identidade jurídica e
política por si, pois pode haver fundações de vários tipos, como as públicas de direito
privado, públicas de direito público e estritamente privadas. Dada a polêmica, da qual
não nos furtamos anteriormente no texto e que persiste acerca desse elemento, é
necessário algum esforço interpretativo para conseguir encaixar algumas fundações
nesses parâmetros.
Outro elemento importante para a incorporação de alguns valores do que se
convencionou chamar de administração gerencial na administração pública e que pode
ter estimulado os gestores municipais de Niterói a pensar no modelo que decidiram
implementar é a desvalorização do Estado como administrador, enxergado como
“ineficaz”, “burocrático” e pouco “competitivo” na prestação de serviços, se comparado
aos mesmos que são ofertados pela iniciativa privada. Foi a reforma do Estado iniciada
no período que se seguiu à re-democratização da década de 1980 e concretizou-se no
primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), que somouse àqueles argumentos e provocou uma mudança na política e na administração
educacional no Brasil, inspirando a maior parte das determinações legais publicadas
durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da
Silva (2003-2010).
Portanto, é nesse emaranhado de situações e conflitos de diversos tipos que
surge a ideia da Fundação Municipal de Educação, possivelmente uma forma de ir ao
encontro da tendência de “modernização” da administração da coisa pública, mas que
ao mesmo tempo deixa margens a muitas questões que essa pesquisa tem a pretensão de
63
tentar responder, dentre as quais: qual a personalidade jurídica desta fundação e em que
ela se aproxima/diferencia das demais experiências semelhantes na área da educação?
Qual a justificativa que fora apresentada para que surgisse outro órgão que se sobrepõe
– ou trabalha “paralelamente” – na prática cotidiana à Secretaria Municipal de
Educação? Ela ainda mantém-se pertinente? Quais foram as vantagens e desvantagens
percebidas ao longo desses anos de existência da FME? Qual foi a influência na
expansão da rede municipal?
Apesar disso, a hipótese de que esse projeto de mudança “diferente”,
“exclusivo”, tornou-se “vitorioso”, ao menos para Niterói, é inegável, assim como foi
vitoriosa a trajetória política e a forma de lidar com a administração de Jorge Roberto da
Silveira por um período considerável de tempo, no qual chegou a atingir níveis
impressionantes de aprovação. O fato de o mesmo projeto não ter sido expandido para
outros municípios e não ter sido alvo de críticas mais significativas por parte das
oposições – partidárias ou não – ao longo deste período de existência é que torna a
situação ainda mais desafiadora. Um dado relevante no mesmo sentido é que, apesar do
cenário generalizado de municipalizações por todo Brasil, Niterói não parece ter feito o
mesmo movimento, nem sob a administração da SME, nem depois do advento da FME,
por iniciativa da própria prefeitura. Os movimentos nesse sentido, em geral, têm sido
iniciados/impulsionados pelo governo estadual, ou mesmo pelas leis federais que
acabam impingindo às prefeituras esse processo.
À época da criação da Fundação Municipal o quadro de profissionais da
educação, lotados na Secretaria Municipal de Educação foi transferido para o novo
órgão. Tal transferência, não só de pessoal, mas de toda a administração da educação
municipal foi muito questionada na época e, até hoje, ainda existem resquícios desse
período/situação que se refletem no cotidiano escolar e principalmente na forma de
administrar e implementar as políticas educacionais na cidade.
O crescimento da rede municipal de Niterói nos últimos anos se deve
especialmente ao processo de municipalização já citado acima, pois ficou estabelecido
em acordo entre as secretarias estadual e municipal de educação que as matrículas do
ensino fundamental seriam repassadas de uma a outra gradativamente, ano a ano. Em
2012 iniciou-se uma experiência inédita na cidade, ainda que muito difundida em outros
64
estados e municípios, de gestão compartilhada de um CIEP que futuramente passará
totalmente à administração municipal, além de ter-se concluído a transferência de uma
importante escola estadual, a Júlia Cortines, em definitivo para a rede municipal.
5.1.1 Fusão e “Reascensão” da Cidade
Outro elemento da ordem política fundamental para analisar qualquer processo
de gestão em Niterói é a fusão ocorrida entre o Estado do Rio de Janeiro em 1975, cuja
antiga capital era Niterói, e o Estado da Guanabara cuja capital e único município era a
cidade do Rio de Janeiro. Para além das mudanças cartográficas geradas por essa
unificação, certamente as políticas públicas, a política cotidiana e o sentimento da
população – principalmente em Niterói, que teve o maior “prejuízo” político e
financeiro – modificaram-se muito em todas as cidades envolvidas.
Ainda são muito comuns a visão de Niterói como “capital de Estado” e a busca
ali de serviços por habitantes de outras localidades, principalmente da região norte do
Estado. Além disso, há uma certa “auto imagem positiva” observável através da
imprensa local e dos órgãos oficiais da prefeitura, que em boa parte estão instalados em
imponentes prédios que antes eram de órgãos correspondentes de alcance estadual,
como a Câmara Municipal, que está instalada no prédio da antiga Assembleia
Legislativa do Estado. Ao mesmo tempo há, contraditoriamente, um sentimento de que
a cidade saiu perdendo com a fusão, deixando de receber investimentos antes
direcionados à capital que teriam passado ao outro lado da baía de Guanabara. O
próprio tamanho da rede estadual de ensino, muito maior se comparada à rede
municipal ou à própria rede estadual em outros municípios dá uma ideia do quanto se
dava atenção à antiga capital do Estado do Rio de Janeiro.
Outro fator que pode ser destacado na história política da cidade é o fato de que
antes do processo de fusão recente havia ocorrido algumas tentativas de transferir a
capital do Estado do Rio para o interior – o que chegou a ocorrer por um curto espaço
de tempo no qual a capital se instalou em Petrópolis – e mesmo outras tentativas de
fusão entre os Estados. A proximidade com a capital federal, em vez de trazer
65
facilidades,
trouxe
perda
de
autonomia
político-administrativa,
bem
como
questionamentos de diversas ordens (como os citados acima) sobre as más influências
que as agitações da capital federal causavam, o que dificultou a possibilidade de Niterói
firmar-se de fato como centro político do Estado do qual era capital. Era comum, por
exemplo, que políticos eleitos no Estado do Rio de Janeiro exercessem suas profissões
liberais ou funções administrativas públicas na capital federal (FERREIRA, 1997).
Ao mesmo tempo que tentava se firmar Niterói como um centro político e cidade
capaz de ser a capital de um Estado, difundia-se – e pode-se dizer que ainda se difunde
– a ideia de provincianismo dessa importante cidade.
A noção de província se funda na percepção de uma carência, de um
distanciamento, de uma privação, de uma exclusão, é o lugar do exílio
interior, do esquecimento, da zombaria dos elementos da capital. A província
se identifica com a letargia, a hibernação longe da sociedade, do lugar real,
dos salões, do mundo da academia. Ela se constitui enfim, num espaço
depreciado que se caracteriza pelo ridículo. (Corban, apud FERREIRA,
1997).
Essa descrição parece apontar para o mesmo sentido da visão depreciativa que
existe entre parte dos cariocas sobre os fluminenses e da própria visão destes sobre si
mesmos, especialmente em Niterói, que parece ter sido marcada por um sentimento de
inferioridade frente ao grande centro cultural, político e econômico que era o Rio de
Janeiro. A essa visão depreciativa somavam-se outras que dificultavam a possibilidade
da afirmação de Niterói como um importante espaço político e cultural, dentre as quais
a que Niterói não passava de um “prolongamento da Rua do Ouvidor”. (MOTTA, 2001)
Apesar de tudo, aumentava o fluxo de pessoas das cidades do Norte Fluminense
rumo a uma cidade que criou uma rica ambiência intelectual e artística sem possuir os
mesmos riscos de uma cidade tão grande como o Rio de Janeiro. Ainda que não
superasse em manifestações culturais a capital , Niterói tornou-se uma grande “reunião
de bacharéis” (LUZ, 2009). Essa vocação cultural posteriormente foi muito bem
utilizada pelo grupo político de Jorge Roberto da Silveira, conforme poderemos fazer
notar melhor adiante.
Somente por volta da década de 1950 Niterói passou a afirmar-se mais, a partir
do segundo governo de Amaral Peixoto e com as transformações demográficas e
econômicas que ocorreram no estado, que levaram a um deslocamento populacional
66
para a Baixada Fluminense, aumentando a necessidade de atenção por parte do governo
estadual às áreas contíguas a Niterói.
Com a transferência da capital federal para Brasília, novamente o debate da
fusão ganhou força, mas com a criação do Estado da Guanabara e a ascensão de Roberto
Silveira, pai de Jorge Roberto da Silveira, para o governo do Estado do Rio em 1958, o
papel de centro político do Estado parecia estar mantido para Niterói.
Porém, já sob o regime controlado pelos militares e apesar de o grupo político
“pró-Niterói” ter conseguido dirimir a maior parte dos questionamentos sobre a
capacidade de Niterói ser capital e centro político, em 1974, num processo “relâmpago”
(MOTTA, 2001), fora aprovada a fusão dos dois Estados, tendo sido a capital,
obviamente, deslocada para a cidade do Rio de Janeiro.
Esse processo de fusão não se calcou, porém, apenas nos questionamentos sobre
as possibilidades de Niterói adquirir ou ter um peso político suficiente ou no fato de o
estado do Rio de Janeiro ou da Guanabara serem inviáveis economicamente mantendose separados. De certa forma era a visão contrária que parecia motivar o presidentegeneral Geisel, pois a junção dos dois estados criaria a segunda potência estadual do
país, o que certamente traria consequências tanto do ponto de vista político, com uma
possível amenização do cacife político do MDB da Guanabara, como do ponto de vista
econômico, devido ao processo de industrialização e circulação de mercadorias a partir
da queda de barreiras fiscais e legais entre os dois estados.
No campo político, por exemplo, colocava-se a necessidade de que os diretórios
partidários de ambos os Estados se fundissem, o que levou adversários políticos a terem
que se acomodar nessa nova situação em um mesmo partido político. No caso, seria
necessário um entendimento entre as correntes chaguista e amaralista, o que acabou
ocorrendo, ainda que não sem uma série de conflitos, traições e rearranjos feitos ao
longo do percurso, no qual o grupo ligado ao antigo Estado do Rio de Janeiro foi
vitorioso e, consequentemente, o de Niterói saiu perdendo.
No entanto, para embasar os argumentos citados acima acerca das intenções do
governo central na fusão dos Estados, há uma importante análise feita por Motta (2001):
Para fechar o quadro de interpretações sobre a importância estratégica da
67
fusão para o projeto do governo Geisel, há que se destacar a concentração, no
Rio de Janeiro, de grandes projetos, de importantes centros de pesquisa e de
comandos militares estratégicos. Iniciando com a assinatura do acordo
nuclear com a Alemanha em 1975, o projeto nuclear brasileiro tinha nesse
estado o principal centro de sua implantação, uma vez que, além do já
existente Conselho Nacional de Energia Nuclear (CNEN), abrigaria ainda a
Nuclebrás e as três primeiras usinas nucleares a serem instaladas no país (em
Angra dos Reis). Também aqui se combinava a existência de comandos
militares de grande importância – como o Comando Leste e áreas estratégicas
da Marinha – com grandes centros de pesquisa e ensino, civis e militares:
além do CNEN, o Cenpes (Petrobras), o Cepel (Eletrobrás), a Coppe, a
Aman, a Escola Naval, entre outros.
É de se pensar, portanto, que a fusão ocorreu sob um marco mais amplo, dentro
de um projeto de constituição de um complexo industrial-militar para o novo Estado que
já nasceria com peso político fundamental para o cenário nacional.
Para Niterói, sobrava então a possibilidade de reerguer-se politicamente e até
mesmo do ponto de vista simbólico. Houve o grupo político, encabeçado por Jorge
Roberto da Silveira que soube se utilizar muito bem desse vácuo criado com a fusão dos
estados, tanto para efetivamente aplicar projetos de mudanças no que diz respeito às
políticas públicas – que necessitariam expandir-se do ponto de vista da iniciativa
municipal – e também no que diz respeito à autoestima niteroiense.
O início da mudança desse quadro se deu em fins da década de 1980, num
cenário de deterioração da vida social e urbana. A cidade, desde 1975, com a
fusão do Estado do Rio de Janeiro e o antigo Estado da Guanabara, deixa de
ser a capital do Estado do Rio de Janeiro. Além de perder a primazia política
dessa condição de capital, Niterói passa a ficar muito mais vulnerável a
expansão urbana da metrópole Rio de Janeiro, desde a inauguração da ponte
Rio-Niterói entre as duas cidades, em 1974. Desde então, a forte urbanização
da cidade será inevitável, em direção à chamada Região Oceânica e sua
periferia. (Oliveira, 2009)
5.2 JORGE ROBERTO DA SILVEIRA
Outros resquícios importantes ligados a esse passado são os nomes e sobrenomes
que administram a cidade, como o ex-prefeito Jorge Roberto da Silveira (PDT), que
exerceu mandatos como prefeito quatro vezes. Ele é filho do ex-governador do Rio de
Janeiro, já citado anteriormente, Roberto Silveira, que ainda permanecia como uma
68
referência política de Niterói e para todo o Estado e que teve seu mandato de
governador interrompido, ainda no segundo ano, por um acidente de helicóptero,
quando Jorge Roberto ainda era uma criança de oito anos. Já alçado à política, o exprefeito, ao lançar sua candidatura ao governo do Estado, dizia que queria completar o
que seu pai não teve tempo.
A história pessoal de Jorge Roberto e a da cidade estavam simbolicamente
imbricadas, como acontece com os líderes carismáticos. O ex-prefeito era “adorado” por
uma parcela significativa da população que o chamava carinhosamente de “Jorginho”,
suas aparições eram envolvidas em um clima festivo, como acontece com as
celebridades e chegou a contar com 93% de aceitação popular em 1993, ano que
finalizou seu primeiro mandato, sendo que 73% desses entrevistados afirmavam ter sido
ele o melhor prefeito da história da cidade.
Seu carisma, como não poderia deixar de ser, foi acompanhado de uma
política personalista, regida pelos gestores do primeiro escalão do governo,
que sempre se referiam às ações públicas como ações “do Jorge”. Era a
“revolução cultural promovida por Jorge Roberto da Silveira”, “a Niterói
Discos criada por Jorge” e assim por diante. As ações culturais promovidas
no município serão sempre, de agora em diante, apresentadas à população
com a assinatura do prefeito. De fato, a construção do MAC e a restauração
do Teatro Municipal, para citar casos na área da cultura, foram obras
concebidas pelo prefeito e só levadas a cabo devido à sua determinação.
(LUZ, 2009)
Compreender isso é importante para compreender vários processos que
ocorre(ra)m em Niterói, como por exemplo a criação da própria Fundação Municipal de
Educação, especialmente se cruzarmos com um fato relevante do campo partidário: o
referido ex-prefeito é do partido que possui uma ligação histórica com o debate e
implementação de iniciativas de ampliação da jornada em escolas públicas. Foi sob as
administrações Brizola (PDT), do qual Jorge Roberto foi secretário de Projetos de
Integração Social no segundo mandato, que foram construídos os CIEP´s
(CUNHA,1988), até hoje considerados a maior política pública nesse campo, além de
outras políticas progressistas na área da educação pública, ou mesmo o projeto Médico
de Família”, que teve como referência o projeto inédito que começou em Niterói. Ainda
que não seja relevante, é necessário registrar que em sua primeira eleição, ele ainda
concorrera pelo antigo MDB.
As obras, as experiências inéditas e o nível de popularidade atingido pelo
69
prefeito deram certamente o impulso necessário para sua autoridade perante não só a
população, mas principalmente frente aos adversários políticos e aos aliados pontuais
que, ao sabor da conjuntura, poderiam voltar a ser adversários. Porém, o que chama
atenção do ponto de vista da construção e autoconstrução dessa figura pública que tem
uma “relação de amor” com a cidade é que, exatamente por essa proximidade, consegue
implementar (ou mesmo impor) projetos que se tornam seus e perpetuar-se no poder
municipal por vários mandatos diretamente seus e elegendo seu sucessor na primeira
das duas tentativas em que isso ocorreu.
Dentre as obras e marcas das gestões dele à frente da cidade, podemos citar:
Caminho Niemeyer, o MAC (Museu de Arte Contemporânea), o projeto de revitalização
do Centro no entorno da praça Arariboia, que incluiu o Terminal Rodoviário João
Goulart, o projeto Médico da Família – em parceria com o Ministério da Saúde de Cuba
–, entre outros projetos políticos de alta visibilidade que tiveram no “vazio sentimental”
da perda de status de capital uma ótima oportunidade de se fazerem valer.
É importante ressaltar que em todos esses projetos centrais havia um elemento
comum para que eles fossem bem sucedidos – a parceria com a iniciativa privada.
Parceria essa que em foi anunciada, indicando maior participação privada do que
pública, que porém não se confirmou. O MAC acabou totalmente financiado pelo poder
público, contradizendo o que havia prometido o prefeito. (OLIVEIRA; MIZUBUTI,
2006)
No caso do MAC, especificamente, ainda que tenha ocorrido na prática algo
diferente do que fora proposto, a importância efetiva e simbólica da obra impôs-se.
Esse fato foi transformado, pelo grupo no poder, em mote para o marketing
político, rapidamente absorvido pelos empreendedores empresariais que
acabariam adotando a imagem do MAC (Museu de Arte Contemporânea),
inaugurado em 1996, como o novo símbolo “oficial” da cidade. Este novo
movimento acabou embalando o inconsciente coletivo da população local e
re-significando a representação dominante da cidade. De signo de marca
indígena e funções complementares à cidade do Rio de Janeiro, Niterói
projetar-se-ia internacionalmente nos anos de 1990, por meio da obra de
Niemeyer. (OLIVEIRA; MIZUBUTI, 2006)
Com o MAC e várias outras realizações então, o ex-prefeito criou uma nova
imagem para a antiga capital do Estado do Rio. A associação dessas obras e projetos
com o índice de quarta melhor cidade com mais de cem mil habitantes em qualidade de
70
vida do país, além de outros dados favoráveis na área do saneamento, educação e
capacidade de atração de investimentos, certamente garantiu capital político de sobra
para o então prefeito Jorge Roberto da Silveira e seus aliados.
5.2.1 Inovações e Experimentalismos na Administração da Cidade
O capital político citado acima e a aura de “pai” da cidade e dos principais
projetos de sua administração permitiram ao ex-prefeito lançar mão de várias iniciativas
– algumas que podem ser consideradas negativas enquanto outras, positivas – inéditas
ou experimentais, como as já citadas no item anterior. É, porém, a particularidade
marcante na área educacional do município que interessa a essa pesquisa, qual seja, o
fato de a administração de sua pequeníssima rede ter sido delegada, em 1991, à
Fundação Municipal de Educação, entidade que se “sobrepõe” cotidiana e
administrativamente à Secretaria Municipal de Educação, que, por sua vez, continua
existindo, porém com quase nenhum poder sobre a rede municipal de ensino e com uma
vinculação de caráter pouco claro com a anterior.
Uma leitura atual sobre a educação no Brasil traz uma série de elementos que
eventualmente podem merecer algum destaque a partir dessa situação específica do
município de Niterói. Há uma aproximação do privado e do público evidente,
principalmente a partir dos anos 90, como uma possível consequência do processo de
municipalização e que fez “estourar” uma série de políticas e iniciativas por parte dos
gestores e administradores municipais. Com relevância para a presente pesquisa,
destacaria as Parcerias Público-Privadas e a terceirização, porém sem ignorar a política
de proliferação de projetos (geralmente vendidos por organizações privadas) que, de
acordo com entrevistas com os gestores do Programa Educação Integral de Niterói
(PUSTIGLIONE, 2012) e pela percepção comum às unidades escolares, foi aplicada
recentemente nas escolas municipais de forma indiscriminada.
O livro publicado pelo último presidente da FME sob a administração Jorge
Roberto (MENDONÇA, 2012) nos dá a dimensão da importância dessas parcerias e
projetos. Ele cita alguns, como Projeto Alfa, Magia de Ler, Voz/Vez do leitor, Sou
71
Professor Sou Leitor, entre outros. Nesse mesmo livro são apresentados relatórios de
pesquisas encomendadas pela FME a instituições privadas, no intuito de diagnosticar a
rede municipal de educação e avalizar os projetos e programas a serem contratados ou
criados.
Sobre este aspecto, destacam-se os dados e denúncias apresentados pelo
Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação, núcleo Niterói (SEPE-Niterói), que
afirma terem sido gastos milhões de reais em projetos contratados sem licitações e que
sequer foram implementados totalmente – sobretudo no último mandato de Jorge
Roberto da Silveira – seja por falta de verbas, seja por dificuldades estruturais das
escolas e profissionais em absorvê-los em conjunto. Os contratos com os clubes
utilizados no Programa Educação Integral, por exemplo, são citados pelo sindicato
como exemplo desses gastos feitos sem licitação e com a suposta intenção de
favorecimento a setores privados em detrimento da aplicação desta verba em outras
finalidades que seriam mais relevantes.
Esse tipo de relação entre a esfera pública, no caso de Niterói, em especial, a
Fundação Municipal de Educação e entidades privadas ou do terceiro setor, avançou
desde a década de 1990, na esteira do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
(BRASIL, 1995).
Peroni, Oliveira e Fernandes (2009) apontaram que, sob o contexto da
implementação desse plano diretor, que visava reformar a estrutura estatal e previa as
bases pelos quais o Estado deveria funcionar – privatização, descentralização e
publicização – acabou por desatar outra série de reformas e alterações no cenário
político-institucional também nas esferas municipal e estadual. Nesse período, há
também uma interpretação constituída de que a crise que desde a década de 1970 ronda
permanentemente a economia mundial é uma crise “do” Estado e por consequência gera
a necessidade deste modificar-se, reformar-se, a depender do ponto de vista assumido.
Ressalte-se que o período citado da discussão e implementação da reforma de
Estado coincide com o período de criação da Fundação Municipal de Educação em
Niterói, que surge no intuito de “modernizar” e tornar mais “eficaz” e “eficiente” a
administração da coisa pública. Essa mudança de personalidade jurídica do órgão
responsável pelo maior orçamento do município não é um dado irrelevante, ao
72
contrário, ao criar-se uma fundação, abrem-se muitas possibilidades de superação de
trâmites burocráticos que seriam “empecilhos” ao bom andamento e desenvolvimento
da educação. Esse recurso não foi adotado apenas na cidade de Niterói ou na área da
Educação, em muitos casos estende-se essa situação à cultura, ao esporte e
principalmente à saúde, mas também nas universidades públicas as fundações são um
“recurso” bastante utilizado.
A esse contexto, em que se buscava uma modernização da administração do
Estado e dos serviços ofertados e se assumia o privado como o modelo “ideal”, somavase o já citado processo de municipalização do ensino fundamental no Brasil. Assim,
muitas prefeituras buscaram parcerias, alternativas no terceiro setor, para execução de
políticas educacionais, com intuito de superar os problemas educacionais e
principalmente modernizar a gestão escolar (PERONI; OLIVEIRA; FERNANDES,
2009).
73
6. FUNDAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE NITERÓI
Para a elaboração deste capítulo, foi necessário ir além dos documentos e
publicações oficiais por vários motivos, que vão desde a falta de materiais desse tipo
organizados pelo poder público ou por entidades da área, até a necessidade de entender
melhor determinados aspectos que não se mostraram tão claros nos documentos como
nas entrevistas feitas com os atores envolvidos com a criação e administração da FME
de Niterói ao longo de seus mais de vinte anos de existência.
Sendo assim, entrevistamos profissionais em atividade na rede que já pertenciam
à rede quando da criação da FME, dirigentes do SEPE no período e gestores que
estiveram à frente da Fundação e da Secretaria Municipal de Educação a fim de melhor
compreender o que nos apontavam os documentos. Do total das onze entrevistas
realizadas, três foram feitas online (uma por e-mail e outras duas em chat em tempo
real) e as demais presencialmente.
Inicialmente, vários nomes foram indicados por profissionais que atuam na rede
como contatos dos que nela atuavam à época, mas infelizmente muitos deles não
haviam de fato acompanhado o proceso todo, uma vez que antes da criação da fundação
havia um grande número de professores contratados temporariamente e numa rede que,
após o final da década de 1970, só realizou dois concursos públicos (1989 e 1990). Ou
seja, mesmo aqueles contratados ainda pela SME a partir dos dois concursos citados,
eram novatos e praticamente começaram suas carreiras na FME já em fase de
implementação; portanto, das quatro entrevistas realizadas com profissionais – todos
professores nesse caso –, apenas uma foi concedida por uma professora que entrou na
rede no concurso de 1976, ou seja, foi do quadro da SME por um período considerável
de tempo. Entre os profissionais de educação que estavam à frente do SEPE naquele
período e atuavam na rede municipal, a busca foi quase infrutífera, e apenas um dos
entrevistados encaixa-se nesse perfil.
O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação, à época do surgimento da
74
FME, sequer tinha uma sede própria (ou alugada) e consequentemente teve poucas
possibilidades de guardar documentos e outros materiais que pudessem, hoje, auxiliar
na pesquisa. Além disso, a representação da entidade na cidade, em especial quanto aos
profissionais da esfera municipal era então muito recente. Por se tratar de um sindicato
que congrega associados das redes estadual e municipais, no caso de Niterói havia uma
espécie de sub-representação na entidade por parte de servidores municipais, causada
pelo elevado número de contratados temporários à época (que não se sindicalizavam) e
pelo tamanho da rede estadual se comparada à municipal.
A prefeitura, Câmara de Vereadores e FME que, supostamente, teriam melhores
condições (além da obrigação) de arquivar documentos, também não o fizeram, pois
pouquíssimo material impresso foi encontrado nesses órgãos públicos. Não há um
arquivo público municipal ou da FME/SME ou ainda da Câmara dos Vereadores. O que
há, quando muito se busca, são documentos arquivados aleatoriamente e que não estão
completos. Atas de reuniões de comissões do poder executivo, legislativo, do sindicato
ou de assembleias dos profissionais simplesmente não foram encontradas, isso sem
mencionar o fato de que Niterói passou a ter um Diário Oficial somente a partir de
2003, conforme consta no sítio eletrônico: “Aviso: O diário oficial passou a ser
fornecido a partir da data de julho de 2003, o que inviabiliza qualquer D.O. anterior.”
Portanto, no que diz respeito à base documental da pesquisa, ela constituiu-se a partir
das colaborações dos arquivos pessoais dos entrevistados e de textos de outros autores
que pesquisaram sobre a FME ou a cidade de Niterói. Uma ferramenta importante,
tendo em vista essas dificuldades, foi o sítio eletrônico do Centro de Estudos Aplicados
à Administração Municipal (CEAAM).6
Já em relação às entrevistas com os gestores, como em geral são pessoas
conhecidas publicamente, seja pela carreira e trajetórias políticas, seja pelo
envolvimento com a educação em outros níveis – como o da docência universitária em
muitos casos – foi, em geral, mais fácil contatá-los e realizar as entrevistas, bem como,
pelo mesmo motivo, não há porque não revelar seus nomes verdadeiros ao transcrevêlas – diferente do que faremos com as(os) professoras(es) entrevistados. Ao todo
entrevistamos cinco dos oito presidentes que passaram pelo cargo de Presidente da FME
6
Ver <http://www.ceaam.net/ntr/legislacao/>.
75
no período de interesse da pesquisa, sendo que entre eles, três acumularam os cargos de
Secretário(a) e Presidente e outros dois foram secretários(as) antes ou depois do período
no qual estiveram na presidência da fundação.
6.1 AS ORIGENS DA FME (LEGISLAÇÃO E CONTEXTO)
A Fundação Pública Municipal de Educação de Niterói surge em 1991, através
do Decreto n° 6.172, publicado em 20 de agosto de 1991, em conformidade com o item
VI do artigo 66 da Lei Orgânica Municipal e autorizado pela Câmara dos Vereadores
sob a Lei n° 924 de 15 de janeiro de 1991. Outro documento importante que auxiliou
nossas análises – publicado à mesma época e em consequência dos dois anteriormente
citados – é o Regimento Interno da FME, instituído através do Decreto 6.303 de
fevereiro de 1992.
Transcorria então o segundo ano de mandato do prefeito Jorge Roberto da
Silveira e a secretária de Educação do município já tinha sido substituída, uma vez que a
professora Satie Mizubuti ficara apenas os primeiros quinze meses do mandato à frente
da Secretaria, sendo substituída pela professora Lia Ciomar Faria, que permaneceu no
cargo todo o restante do primeiro mandato de Jorge Roberto da Silveira (1990-1993) e
todo o mandato de seu sucessor – João Sampaio (1994-1998), totalizando quase sete
anos à frente da Secretaria e seis à frente da fundação de maneira cumulativa. Sua
antecessora assumiria o mandato de vereadora, uma vez que ela tinha sido a candidata
mais votada do PDT (partido do prefeito e maior bancada da câmara).
Em março eu saí da secretaria e voltei pra câmara por uma cobrança que
havia por ter sido muito bem votada e que eu deveria estar na câmara,
inclusive presidindo a câmara como a mais votada do PDT. (Satie Mizubuti)
Foi então com a professora Lia Faria na Secretaria de Educação e sua
antecessora professora Satie Mizubuti na Câmara Municipal que surgiu a FME.
Fortuna (2000), Faria e Dias (2008) e alguns depoimentos coletados ao longo
76
desta pesquisa mostraram que, ao contrário do que afirma o sítio eletrônico da FME ao
abordar seu próprio histórico, a criação da FME esteve longe de ser consensual entre os
principais atores do campo da educação na cidade de Niterói. O SEPE, por exemplo,
não só se posicionou contrário à criação da fundação, como iniciou uma greve para
evitá-la. Intelectuais ligados à Faculdade de Educação da UFF foram chamados aos
debates e em ampla maioria também se posicionaram contra essa ação. A própria exsecretária Satie Mizubuti, então vereadora, posicionou-se e votou contra a aprovação da
fundação pela Câmara dos Vereadores, mesmo sendo da bancada governista e do partido
do prefeito que enviou o projeto ao Legislativo e tendo sido pressionada a não
comparecer à sessão, conforme trecho citado abaixo:
A Lia tinha suas convicções e achava que a fundação ia facilitar as coisas. E a
fundação foi criada, depois de muita contradição, depois que a câmara votou
contra uma vez (...). Em 1991, durante o período de férias escolares, o
prefeito reapresentou e a câmara votou novamente. Os vereadores que tinham
votado contra, o prefeito puxou a orelha e eu disse que não poderia votar a
favor de uma fundação, contra minha convicção. Então ele disse que de
repente eu poderia faltar à sessão (...). Eu disse: eu sei que vai ser uma coisa
complicada, mas eu não posso fugir, eu vou votar contra (...). Os outros
vereadores que votaram contra na primeira vez, quando foram chamados à
atenção, disseram: mas a Satie que foi secretária de educação até outro dia
votou contra, nós achamos que era melhor. (Satie Mizubuti)
A posição da professora Mizubuti quando do debate e rejeição inicial do Projeto
de Lei que criava a FME mostra que houve uma solução de continuidade parcial, mas
não completa quanto aos princípios que vigoraram no primeiro ano de gestão
educacional da cidade, ao menos do ponto de vista do projeto político de priorização da
gestão democrática. As readequações que inicialmente ocorreram na SME acabaram
sendo substituídas por outras a partir da criação da FME devido ao arranjo institucional
que fora profundamente alterado nesse processo inicial. Afinal, como afirmou Arosa
(2011), essa estrutura, que contém por um lado a SME (administração direta) e por
outro a FME (autarquia que detém os recursos financeiros e administrativos necessários
à gestão do Sistema Municipal de Ensino), cria condições para um desequilíbrio
político-administrativo, na medida em que os papéis institucionais de ambas as
instâncias se confundem, deixando a SME sem condições de operar as políticas que, por
atribuição, deveria formular, implementar e avaliar; ficando a função executiva a cargo
da FME, a quem, inclusive estão subordinadas as escolas e a quase totalidade dos
funcionários.
77
Quando eu já estava saindo então, a professora Lia me trouxe uma proposta
de transformar, de criar paralela à secretaria, uma fundação, porque a
exemplo do que já acontecia na secretaria de saúde, na qual já existia uma
fundação quando Jorge assumiu o governo em 1989, a educação não tinha.
Então, a argumentação que ela apresentava era que poderia facilitar muito a
administração porque a secretaria seria autônoma do ponto de vista da gestão
dos recursos públicos, eu não tinha um conhecimento muito grande do ponto
de vista legal da questão do direito privado, da fundação pública, mas eu
tinha na universidade, vivenciado longas batalhas contra a criação de
fundações dentro da universidade, por que o regime fundacional dava
margem, como se diz, a uma ideia de comer pelas beiradas, a uma
privatização da universidade... Eu enxergava que o gargalo que nós tínhamos
na educação não estava na prática pedagógica, estávamos conseguindo
avançar muito nesse campo, aumentamos o número de matrículas, as famílias
começaram a confiar em escolas antes pouco procuradas e não de ponta,
então eu tinha certeza que do ponto de vista pedagógico não teria nenhum
tipo de benefício a criação ou a transformação da secretaria em fundação
(…). Nisso chegou então à câmara a proposta de criar uma fundação
municipal de educação, e a universidade, a Faculdade de Educação, reagiu
muito contra isso. Grandes intelectuais, como Luiz Antônio Cunha, que era
da educação, entre outras pessoas, me procuraram na câmara pra dizer que
não poderia, e eu tinha uma convicção que a fundação não era uma coisa tão
necessária, pois se o gargalo era na questão financeira, pra fazer compras e
realmente era muito burocrático, a gente dependia da secretaria de
administração, e eu já tinha conversado com outras pessoas e se a gente
tivesse criado dentro da SME uma inspetoria financeira, e isso dependia de
uma negociação interna da prefeitura, a gente poderia ficar só com a
secretaria e essa inspetoria, e estaríamos provavelmente sem maiores
problemas. Se eu tivesse ficado lá acho que a gente poderia ter conseguido
tocar a secretaria com essa inspetoria... houve realmente uma grita na
sociedade, de que a FME poderia significar um início de um processo de
privatização e que o PDT nunca havia defendido isso, que o Brizola quando
criou os CIEP's nunca falou de privatizar, nem tampouco de fundacionar. E
eu sei que foi um periodo difícil, e a FE da UFF puxou um debate e esse
debate ocorreu na câmara. (Satie Mizubuti)
Foi somente na reapresentação do projeto do executivo à câmara, em período de
retorno do recesso legislativo e férias escolares – que dificultava uma maior
mobilização por parte do SEPE –, que foi possível aprovar a criação da FME.
O Projeto de Lei sofre pressões e grande resistência por parte de entidades da
sociedade civil, principalmente do Sepe, que solicitou assessoria de
professores da Faculdade de Educação da UFF. O projeto levanta uma
acirrada discussão no meio educacional e político da cidade, gerando uma
greve dos professores municipais, uma vez que atrelava o plano de cargos e
salários da categoria à criação da Fundação. Foram organizados dois debates
sobre o assunto, O primeiro pelo sindicato, como atividade de greve, e outro
na Câmara Municipal, promovido pela Comissão de Educação daquela casa.
Em ambos a Faculdade de Educação participou, levando, através de seus
professores, sua posição contrária a tal medida, cujos argumentos se
sustentavam na discussão acumulada há quase vinte anos, que as
universidades autárquicas têm, sobre o assunto. Em setembro de 90 o projeto
é apreciado e votado pela Câmara Municipal, onde sofre o veto daquela casa,
significando, aparentemente, que a batalha estava ganha.
Porém, em janeiro de 91, no período de férias da rede municipal e da
78
universidade, no momento, portanto, de desmobilização da categoria e, com
certeza, após um período de troca de favores entre o executivo e o legislativo,
o projeto foi sorrateiramente reencaminhado â Câmara Municipal, sendo
aprovado. Em março, quando os professores retornam às aulas, já encontram
instalada a Fundação Municipal de Educação. (FORTUNA, 2000, p. 38)
Nesse mesmo mandato – o primeiro de quatro frente à prefeitura – de Jorge
Roberto da Silveira, surgem também outras iniciativas que persistem até hoje em
Niterói e que fizeram com que seu nome ficasse marcado na política da cidade: o
projeto do Museu de Arte Contemporânea (MAC) e todo investimento pesado feito na
área da cultura, a Companhia de Limpeza de Niterói (CLIN), o “Médico da Família”, e
outras tantas, que buscavam dar uma nova personalidade à cidade que se via envolta
num passado recente muito negativo, seja pela questão da fusão dos Estados do Rio de
Janeiro e da Guanabara e a consequente perda de status de capital da cidade, seja pelos
efeitos demográficos e econômicos gerados pela inauguração da Ponte Rio–Niterói.
A professora Lia Faria deixa claras em sua entrevista a importância e a
profundidade das marcas deixadas pelo ex-prefeito nas suas passagens pela prefeitura,
em especial no período em que ela esteve ativa no governo. No entanto, também afirma
que a educação não estava entre as prioridades de Jorge Roberto, que seriam, na sua
opinião, cultura, saúde e limpeza urbana, como podemos confirmar também a partir das
iniciativas político-administrativas citadas no parágrafo acima.
O momento para o Jorge foi muito positivo, a administração anterior do
Moreira foi um desastre, a autoestima do niterioense no chão... maior mérito
dos governos do JR, Niterói vai dever a ele isso pro resto da vida, ele mudou
essa cultura, ele fez crescer a autoestima... não era pra ter sido político, é um
cara que se violentava, mas tinha uma marca de querer terminar o mandato
do pai. O grande projeto político dele foi colocar a cultura acima de tudo. A
marca de JR que vai ficar não é do que deu errado, não é do morro do
Bumba, o que vai ficar do Jorge é a marca da cultura. O Jorge na minha
opinião já ficou pra posteridade, com o legado cultural e em segundo lugar o
legado que ele deixou na área da saúde. Ele trouxe médicos cubanos, o
médico da família... Então o jorge joga pesado nessas três áreas, cultura,
saúde e limpeza urbana (criação da CLIN), mas isso só revela que a educação
nunca foi uma grande prioridade do governo dele.
A ideia da Fundação Municipal de Educação em especial indicava uma intenção
ousada, se compararmos com outras administrações municipais Brasil afora, e se
enquadrava de certa maneira no debate nacional que se instalou a partir da
redemocratização e da Assembleia Constituinte de 1987-1988 e com as propostas de
Reforma do Estado que começavam a ser debatidas e implementadas em várias esferas
79
de poder, com grande destaque no cenário federal, principalmente sob a tutela do já
citado ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira.
Contraditoriamente, porém, antes de ser apenas uma iniciativa inédita ou uma
nova forma de encarar a administração educacional no município, é importante frisar
que essa iniciativa não condizia com o programa do partido do ex-prefeito e que detinha
a maioria na câmara dos vereadores. O PDT à época era conhecido como um partido
que defendia ideias e ideais progressistas, dentre as quais não se encaixavam a criação
de fundações e outros subterfúgios privatizantes:
Já o PDT defende uma reforma educacional que assegure o ensino gratuito a
todos e permita reorganizar a rede escolar pública. Dentre as diretrizes de tal
reorganização encontram-se: (I) completar o ensino gratuito com a concessão
de bolsas que garantam a sobrevivência do estudante pobre durante sua
formação escolar; e (II) ampliar as instituições públicas de ensino superior, a
fim de “acabar com a privatização” e garantir a matrícula a todos os jovens
que completem o curso médio (2o grau). (CUNHA, 2009)
Fortuna (2000) chega a afirmar que podem ser observadas duas fases distintas na
área da educação sob o primeiro mandato de Jorge Roberto da Silveira. A primeira, que
corresponderia aos primeiros quinze meses de mandato (com a professora Satie
Mizubuti à frente da SME), sublinhada por medidas inteiramente voltadas para a
ampliação dos espaços de participação democrática, de caráter popular, tais como a
eleição para os cargos de direção de escola, a definição de critérios objetivos para
efetivação das matrículas sem que sobrasse espaço para o costumeiro clientelismo
partidário reinante até então e; uma segunda fase, ainda de acordo com a autora, com
traços opostos à primeira, cuja primeira ação – que marca o começo desse momento que
perduraria até os dias atuais – foi o Projeto de Lei encaminhado à Câmara Municipal,
criando a FME.
Como veremos adiante, apesar das contradições aparentes – ou muitas vezes
devido a elas –, algumas das medidas de ambas as fases perduraram, bem como outras
“caducaram”, tornaram-se inócuas ou necessitaram de adaptações ao longo do trajeto.
Muito disso é reflexo das gestões por parte daqueles que serão apresentados a seguir,
das conjunturas nacionais (e até internacionais), das pressões de setores sociais
organizados, como o SEPE por exemplo, ou mesmo da combinação desses fatores.
80
6.2 OS PRESIDENTES E SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃO
Ao longo desses 21 anos de existência da FME, passaram pela cadeira de
presidente oito pessoas, sendo que o atual presidente, que assumiu em 2013, é o nono
nome a dirigir essa fundação.
Como já afirmado em outros trechos desta dissertação (vide Capítulo 4), não
houve muita variância e menos ainda alternância entre os partidos que estavam à frente
da gestão municipal em Niterói nesse período, tendo existido apenas um interstício
parcial na gestão 2005–2008. É importante reafirmar que esse interstício era parcial,
pois os partidos que estavam à frente desse mandato estiveram também nos anteriores e
no seguinte, nos quais Jorge Roberto da Silveira encabeçava ou indicava quem o faria.
Além disso, o prefeito desse período – Godofredo Pinto, ligado ao PT – havia sido vice
de Jorge Roberto no mandato anterior, o qual completou quando o último candidatara-se
ao governo estadual em 2002.
Sendo assim, os gestores da fundação foram pessoas ligadas partidariamente ao
PDT, PT e PPS principalmente, com grande destaque ao fato de que vários desses
nomes estão ligados direta ou indiretamente ao segundo presidente da FME e
atualmente deputado estadual Comte Bittencourt (PPS), conforme pudemos observar a
partir das análises das entrevistas e das informações biográficas encontradas sobre os
presidentes.
Alguns desses presidentes que serão apresentados a seguir acumularam a
Presidência da FME com o cargo de secretário(a) municipal de Educação (em alguns
períodos outras áreas estiveram agregadas na mesma pasta como Cultura, Esporte e
Lazer e, mais recentemente, Ciência e Tecnologia). Além dos oito presidentes,
entrevistamos a última secretária de Educação antes da criação da fundação.
Segue a lista dos presidentes/secretários:
Satie Mizubuti (1990 - 1991): Foi a primeira secretária de Educação do longo
81
período de sucessões de gestões do PDT – apenas uma não foi de Jorge Roberto da
Silveira – e saiu do cargo antes da criação da FME, tendo desempenhado, porém, papel
importante, pois, ao exonerar-se do cargo, reassumiu o cargo de vereadora do qual
estava licenciada desde o início do mandato e se posicionou contra o projeto de lei que
autorizava a Prefeitura de Niterói criar a fundação na área da educação. Sua indicação,
segundo ela própria em entrevista concedida para esta pesquisa, foi a única que parecia
estabelecer um consenso com a categoria dos professores das redes públicas da cidade
(estadual e municipal) e parecia ter um bom diálogo com o SEPE. Antes de se
candidatar à vereadora ou assumir o cargo de secretária, atuava nos movimentos sociais
de associações de bairro, tendo sido uma das fundadoras da FAMNIT (Federação das
Associações de Moradores de Niterói). Natural do Estado do Paraná, mudou-se para
Niterói quando assumiu o cargo de professora da UFF ainda na década de 1960.
Graduou-se em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, cursou
mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (1972) e
doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (1986).2
Lia Ciomar Macedo de Faria (1991 - 1997): Doutora em Educação
(UFRJ/1996), mestre em Filosofia da Educação IESAE/FGV (1989). É professora
associada de graduação e pós-graduação da UERJ/PROPED e coordenadora da linha de
pesquisa Instituições, Práticas Educativas e História. Atua na área de educação, com
ênfase em história da educação, gestão dos sistemas educacionais e memória
fluminense. É autora e/ou organizadora dos livros Chaguismo e brizolismo:
territorialidades políticas da escola fluminense (Quartet, 2011); Ideologia e utopia nos
anos 60: um olhar feminino (EdUerj, 1997); CIEP: a utopia possível (Livros do Tatu,
1991), dentre outros.3 Entre 1999 e 2001 foi secretária estadual de Educação, mas antes,
foi secretária de Educação de Niterói entre 1990 e 1997, sendo que, entre 1991 e 1997,
acumulou esse cargo com a Presidência da FME, tendo sido então sua primeira
presidente.
Plínio Comte Leite Bittencourt (1998 - 1999): Professor e educador, Comte
Bittencourt foi eleito vereador do município de Niterói pela primeira vez em 1992,
sendo reeleito em 1996 e 2000. Em 1998 assumiu a Secretaria Municipal de Educação
2
3
Obtido em seu currículo Lattes disponível em:< http://lattes.cnpq.br>.
Idem.
82
de Niterói. Eleito em 2002 para deputado estadual, Comte presidiu as comissões de
Educação e Cultura e de Ciência e Tecnologia na Assembleia. Comte Bittencourt
renunciou ao seu mandato como deputado estadual em 2005 para assumir como viceprefeito de Niterói. Reeleito deputado estadual em 2006, Comte Bittencourt presidiu
novamente a Comissão de Educação, área de destaque em sua trajetória política. 4 Nome
relevante não só para/na política niteroiense, atualmente em seu segundo mandato como
deputado estadual, Comte Bittencourt foi nome citado em praticamente todas as
entrevistas realizadas para esta pesquisa, tendo sido o responsável direto ou indireto
pela nomeação de quase todas(os) os(as) secretárias(os) de Educação e presidentes da
FME que o sucederam.
Reynaldo Mattoso Cavalcanti (2000–2001): Sobrinho da fundadora do Colégio
Marília Mattoso, atualmente é diretor pedagógico deste. Ligado a Comte Bittencourt
(diretor financeiro do mesmo colégio), possui sua trajetória na área educacional ligada à
rede privada de ensino. Não foi possível contatá-lo, e seu período frente à fundação foi
muito curto (menos de 18 meses).
Arthur C. De A. Santa Rosa (2001–2002): Professor aposentado da UFF, foi
possível obter muito pouca informação através de pesquisas na internet e na própria
FME. Foi presidente também por um período muito curto, tendo sido membro da
ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação) e da
Associação dos Professores Inativos da UFF;
Maria Inês Azevedo Oliveira (2002–2003): Iniciou sua atuação na área de
educação como professora de uma escola cenecista, tendo ingressado logo depois nas
redes municipal de Campos e estadual do Rio de Janeiro. Foi na rede estadual que
começou a ter contato com a gestão educacional também, chegando a ser diretora de
uma importante escola de Campos, o Nilo Peçanha. Em 1989 transferiu-se com a
família para Niterói e, após aposentar-se da rede estadual, foi trabalhar na FME
compondo a equipe da professora Lia Faria, vindo a ser secretária e presidente da FME
– por indicação de Comte Bittencourt – em períodos diversos; antes fora coordenadora
de programas especiais e dirigira o Departamento Pedagógico. No último mandato, que
interessa a essa pesquisa, foi secretária enquanto Cláudio Mendonça era o presidente da
4
Obtido de sua página no sítio da ALERJ. Disponível em <http://alerj.rj.gov.br>.
83
FME.
Maria Felisberta B. Da Trindade (2003–2005): Professora emérita da
Universidade Federal Fluminense (UFF), onde foi coordenadora do Curso de Pedagogia
e diretora da Faculdade de Educação. Foi pioneira do Partido Comunista em Niterói e
ativa militante das lutas sociais, entre as quais a defesa da nacionalização do petróleo; a
criação das Ligas Femininas; a luta contra o regime ditatorial instalado no Brasil no
período de 1964 a 1985, tendo sido presa diversas vezes; a luta pela educação pública.
Teve intensa e grandiosa participação no Fórum de Mulheres, criado em 1986 e na
instalação do Conselho dos Direitos da Mulher, além de destacada atuação no
movimento em prol da permanência da Delegacia Especializada de Atendimento à
Mulher (DEAM)/Niterói. No período de 2003 a 2005, exerceu conjuntamente os cargos
de secretária municipal de Educação e de presidente da Fundação Municipal de
Educação de Niterói. Atualmente é vice-presidente da ASPI-UFF (Associação do
Professores Inativos da Universidade Federal Fluminense).
Waldeck Carneiro (2005–2008): Possui mestrado em Educação pela UFF (1991)
e doutorado em Ciências da Educação (1997) pela Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais da Sorbonne (Universidade Paris V). Foi diretor da Faculdade de Educação da
UFF (1999–2004), presidente do Fórum Nacional de Diretores de Faculdades de
Educação das Universidades Brasileiras (FORUMDIR, 2001–2004), secretário
municipal de Educação e presidente da Fundação Municipal de Educação de Niterói
(2005–2008), secretário municipal de Educação, Ciência e Tecnologia de Niterói (2013–
2014), presidente do Conselho Municipal de Educação de Niterói (2005–2008 e 2013–
2014) e presidente do Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia de Niterói (2013–
2014). Atualmente, é professor associado da Faculdade de Educação da UFF, com
atuação no Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e doutorado). Tem
vasta experiência no campo da educação, incluindo magistério, orientação acadêmica,
publicações, exercício de funções públicas e consultoria, em particular nas áreas de
política educacional, gestão educacional e formação de professores. Na Câmara
Municipal de Niterói exerce o terceiro mandato de vereador (2013–2016). Desde 2013,
dirige a Seção Estadual da Associação Nacional de Política e Administração da
84
Educação (ANPAE) no Rio de Janeiro.5 Foi secretário e presidente cumulativamente em
Niterói durante a única gestão que não teve à cabeça Jorge Roberto ou outro nome do
PDT, pois quem venceu as eleições de 2004 foi o antigo vice-prefeito de Jorge Roberto
(que concluiu seu mandato pelo fato do primeiro ter aberto mão em função de sua
candidatura ao governo estadual), Godofredo Pinto. Apesar da insistência através de
contatos com suas secretárias no gabinete da Secretaria Municipal de Educação, Ciência
e Tecnologia de Niterói, ou no de vereador que reassumiu ao desligar-se do cargo
anterior citado, não foi possível marcar entrevista ou mesmo receber as respostas às
perguntas do roteiro enviado por e-mail.
Cláudio Mendonça (2009–2012): Chefe de Gabinete Parlamentar na Assembleia
Nacional Constituinte (1988); secretário municipal de Fazenda e Administração
(Resende, 1989-92); secretário de Estado e presidente do Conselho Estadual de
Educação do Rio de Janeiro (1994); coordenador das áreas de Fazenda e Administração
do Estado do Rio de Janeiro (1999-2002); consultor do Banco Mundial (2002);
presidente do Instituto Brasileiro de Educação e Políticas Públicas – IBEPP (2002);
presidente da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro – FAETEC
(2003); secretário de Estado de Educação do Rio de Janeiro (2004–2006); membro do
Conselho de Análise Econômicas e Sociais do Rio de Janeiro (Fecomércio RJ – 2008);
presidente da Fundação Escola de Serviço Público FESP-RJ (2007–2009); presidente
interino da Fundação Centro de Informação e Dados do Rio de Janeiro – CIDE (2008–
2009); Em abril de 2009 passou a presidir a Fundação Centro Estadual de Estatísticas,
Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (CEPERJ). Em 1 o de
maio de 2009 foi nomeado como membro do Conselho Consultivo Municipal da
Prefeitura de Niterói. Foi subsecretário de Estado da Subsecretaria de Capacitação de
Pessoal da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG). Foi presidente da
Fundação Municipal de Educação de Niterói entre 2009 e 2013. Autor dos livros
Solidariedade do conhecimento e Você pode fazer a reforma educacional: no país, na
escola, na família, publicou ainda inúmeros artigos em jornais de circulação nacional e
revistas especializadas. É advogado formado pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Atualmente é secretário municipal de Educação de Armação dos Búzios no
5
Texto informado pelo autor, obtido de seu currículo Lattes em: <http://lattes.cnpq.br>.
85
Estado do Rio de Janeiro.6 Esteve na presidência da FME durante a maior parte do
último mandato de Jorge Roberto da Silveira, que tinha como secretária de Educação a
professora Maria Inês. Devido a sua formação e trajetória política e profissional, pode
ser considerado mais um gestor ligado às tendências modernizantes da área
administrativa do que propriamente alguém ligado à educação – ainda que boa parte dos
cargos exercidos tenham sido ligada a essa área. Durante seu período na presidência da
FME ocorreram alguns dos mais controvertidos projetos (bastante questionados pelo
sindicato, que por sua vez é duramente criticado por ele na entrevista e em textos
públicos encontrados na internet), como o Adote uma Escola ou o Lego Zoom ou os
contratos de consultoria realizados com a FGV e Fundação Darcy Ribeiro, bem como o
programa decorrente deste último denominado Educação Integral, que abordaremos
melhor adiante.
6.3 O MOMENTO DA CRIAÇÃO E UM DEBATE QUE DEIXOU POUCOS
RASTROS
Um dos objetivos deste trabalho é entender o que representa(ou) a FME para os
profissionais envolvidos desde as escolas, passando pelo sindicato e pelos gestores da
própria FME e SME. Nesse sentido, dar voz ao que esses personagens disseram nas
entrevistas é fundamental para auxiliar nessa tarefa, ainda que muito do que tenham dito
já esteja transcrito e contido em outras partes desta dissertação.
No entanto, as entrevistas realizadas foram, em muitos casos, reveladoras, e há
um fio comum que, independente da origem político-partidária de cada um dos
entrevistados, os guia. Trata-se da forte presença do capital político do prefeito JRS no
seu primeiro mandato, quando da criação da FME. É verdade que num primeiro
momento o projeto de lei apresentado fora rejeitado inclusive por vereadores de seu
partido, mas também é verdade que poucos meses depois ele havia desembaraçado esse
6
Informações obtidas em <http;//www.claudiomendonca.com.br>.
86
problema e aprovado o projeto em uma segunda tentativa.
Para Lia Faria, em entrevista concedida, uma intenção com a criação da
fundação era dar mais autoridade à educação, conferindo outro status à administração
da educação municipal. A partir da FME a educação passou a ocupar um espaço maior e
de mais visibilidade no governo, passou a ter uma estrutura de respeito. Ainda que a
rede não tenha crescido como veremos melhor adiante.
Para o ex-presidente e atual deputado estadual Comte Bittencourt, Jorge Roberto
da Silveira de fato descentralizou, ou seja, a FME passou a ter autonomia plena na
execução do seu orçamento, o que considera muito bom, ao contrário do que ele afirma
ver frequentemente nas outras cidades, onde predomina o centralismo na Secretaria de
Fazenda ou na Administração.
O próprio episódio da reapresentação do projeto, poucos meses após ter sido
derrotado na primeira votação em plenário na Câmara dos Vereadores, em período de
férias escolares, e o fato de nessa segunda tentativa a proposta ter saído vencedora, dão
margem para confirmar o afirmado pelos entrevistados.
Os poucos debates que ocorreram, porém, não foram propostos pelo poder
executivo, mas em grande medida organizados por outras entidades e organizações da
sociedade (SEPE e professores da FE/UFF) e da própria estrutra do Estado, no caso da
Câmara Municipal. Não identificamos a ocorrência de grandes debates organizados pela
prefeitura que enviou o projeto a ser votado. Apenas a Câmara Municipal e o SEPE
organizaram debates, que poderiam assim ser chamados, assim devido a uma presença
massiva de professores e outros profissionais da rede municipal, professores e alunos
dos cursos de licenciatura da UFF, entre outros. Segundo Fortuna (2000), foram
organizados apenas dois debates, sendo o primeiro pelo sindicato como atividade de
greve e o outro pela Comissão de Educação da Câmara dos Vereadores. Nas entrevistas
feitas com os professores na ativa à época, foi possível identificar que a apresentação
feita aos profissionais (professores e funcionários das demais funções) nas escolas não
propiciava necessariamente o debate.
A professora Maria Felisberta, que foi presidente da FME, á época da criação
desta, era professora da rede estadual e estava atuando como diretora de uma escola
87
estadual, cargo no qual ficou por dois anos. Ela afirmou em entrevista que havia
reuniões chamadas pelo sindicato (SEPE), o qual estava tomando posição contra a
criação da fundação. Ainda segundo a professora, a principal discussão partia primeiro
de uma questão de princípios: educação pública tem que ser estatal e a fundação teria
características que poderiam levar a determinados tipos de privatização. O movimento
dos professores, representado pelo sindicato, teria tomado então posição contra em
assembleia na qual ela estava presente, tendo inclusive votado contra a criação da
fundação, por compreender que poderia haver uma perda de controle, que poderia ter
um teor privatizante.
Segundo Márcia e Carmem,* para quem todas as novidades e notícias chegaram
através de colegas ou da própria administração municipal, foi tudo muito rápido, pois
em um dia teriam recebido a notícia e “no outro já estavam dizendo que tínhamos que
migrar porque teríamos uma série de vantagens”. Segundo elas, de repente, nas férias,
ela foi aprovada e já começamos o ano com administração da fundação. No começo
lembraram que teve quem questionasse, mas como se falou em muitas vantagens e só
um ou outro colega “do contra” falavam que não seria bom, acabaram aceitando a
criação da fundação e a migração de quadro sem maiores problemas. Ambas também
afirmaram não se recordarem de ter havido debates. Lembraram-se de terem sido
chamadas pra um na UFF, mas acabaram não indo porque ele ocorreria em horário que
estavam trabalhando em outra rede ou cuidando de outros afazeres.
Ao mesmo passo, existiam na rede profissionais como Ana, ** que, apesar de não
serem militantes assíduas, compareceram em um ou outro espaço de debates:
Eu fui na câmara no dia que não passou a lei da fundação e comemorei, eu
lembro que na minha escola teve gente que não queria de jeito nenhum ir pra
tal fundação e eu confiava neles, eles sempre participavam de tudo e eu
também, de tudo que dava tempo né? (Ana)
Entre os profissionais que eram dirigentes do SEPE–Niterói à época,
conseguimos encontrar apenas um para entrevistar, portanto, não podemos considerar
que chegaremos a indicadores tão significativos como gostaríamos a partir de dentro da
estrutura sindical, ainda que para isso tenha colaborado muito trechos de outras
entrevistas e documentos encontrados na internet ou em outros trabalhos.
*
*
Nomes fictícios.
* idem
88
Conforme já tínhamos conseguido constatar através de outras entrevistas e de
Fortuna (2000), Faria e Dias (2008), a ex-dirigente do SEPE confirmou que havia uma
posição contrária, debatida e deliberada sobre a questão da criação de uma fundação,
posição essa tomada em reuniões e assembleias. A participação do SEPE no debate que
antecedeu o envio da proposta à Câmara Municipal, bem como nos acontecimentos
nesta casa legislativa culminaram com a rejeição em um primeiro momento a essa
proposta.
Havia, no entanto, outras duas perguntas que nos interessavam sobremaneira
acerca do SEPE e da organização dos profissionais da rede municipal de Niterói. Uma
era sobre a “naturalização” da FME, no sentido de como e em quanto tempo houve um
arrefecimento da luta contra a fundação, que, afinal, poderia ter perdurado mesmo após
criada e mesmo se estender até os dias atuais. A outra, que derivava desta, dizia respeito
à migração dos servidores do quadro funcional da SME para o da FME. Pareceu-nos
que, em ambos os casos, a realidade objetiva se impôs sobre as intenções de seguir nos
debates e mobilizações contra a fundação, uma vez que várias outras demandas
impunham-se dia após dia, tornando o assunto, se não encerrado, ao menos esquecido
pouco tempo depois.
Alguns profissionais que estavam na rede à época eram ainda do tempo da CLT
(concursados antes da Constituição de 1988), outros já tinham ingressado na rede a
partir do regime estatutário, mas todos citam que o mote que levou uma ampla maioria
da categoria a aceitar a migração era a promessa de que ser do quadro de uma fundação
possibilitaria um salário diferenciado do conjunto dos servidores da Prefeitura, e que a
educação era uma área que deveria ser mais valorizada e essa medida indicaria
claramente que seria para aquela gestão. Lembre-se aqui da prioridade que, no mesmo
momento, o governo estadual afirmava em relação à educação. Nesse sentido, todos os
três entrevistados que optaram pela migração foram diretos em suas respostas, muito
semelhantes entre si, e apontaram-nos que a promessa de um plano de carreira e salários
próprio, que poderia tornar os salários dos servidores da FME melhores do que o
conjunto dos servidores da administração direta do município, foi o fator preponderante
para o convencimento à migração.
Com o passar dos anos, alguns poucos resistentes não migraram do quadro
89
funcional da SME para a FME. Enquanto isso, decisões políticas e judiciais foram
sendo tomadas e a proposta que fora a “decisiva” para o convencimento não se impôs na
realidade, ocorrendo até hoje a paridade/isonomia entre os servidores lotados nos
quadros da SME e FME. Tampouco houve implementação de políticas salariais
diferenciadas – que gerariam diferenças salariais significativas, conforme as promessas
iniciais feitas – e de plano de carreira em relação aos demais servidores de Niterói, pois,
ainda que exista um plano próprio para o quadro em questão, vários aspectos deste não
são modificados a favor dos profissionais de educação por terem que ser estendidos aos
demais servidores municipais. Vale ressaltar quea elaboração de um plano deste tipo não
requisitava uma fundação, pois vários municípios possuem planos próprios e são
administrados por meio de secretarias.
Provavelmente o maior exemplo nesse sentido seja o dos triênios, uma antiga
reivindicação dos profissionais de educação da rede municipal que não é atendida, pois
caso o fosse deveria ser estendida ao conjunto dos servidores públicos municipais. Esse
exemplo foi citado diretamente pela professora Maria Ines de Oliveira em entrevista
concedida, e no blog do SEPE–Niterói, já mencionado, pode ser encontrado farto
material a respeito.
Quando você tem no seu quadro os servidores da fundação e da secretaria, se
eles (servidores da fundação) ganharem na justiça a paridade, e nós
ganhamos o triênio, eles também têm que ganhar. E se eles são da secretaria,
os das outras secretarias vão ter que ganhar também, então foi um ganho, mas
também foi uma pedra no sapato da fundação e da prefeitura. Você vê,
quantas fundações Niterói tem? Duas, aliás três, que eu também trabalhei na
de Arte que acaba sendo a mesma coisa. Quando eu trabalhei na
superintendência da FAN [Fundação de Arte de Niterói], fiz um plano de
cargos lá e o pessoal que não optou também reclamou, ganhou, e agora tudo
que um recebe o outro recebe também. Então eu acho que a tendência, pode
ser que eu esteja errada, quisera eu me equivocar, eu também nem acho muito
justo, se fosse pra questão da celeridade, tudo bem, agora se é pra criar
grandes diferenças salariais, e não estou falando só de educador não, estou
falando da área médica também, porque eu acho que todo mundo tem que
ganhar de forma justa, agora, criou-se essa expectativa de um tamanho
infinito. (Maria Ines de Oliveira)
De certa forma, isso corrobora a hipótese de que parte do que se intencionava
alcançar por meio da fundação acabou não se concretizando.
90
6.4 ASPECTOS MARCANTES EM 21 ANOS DE FUNDAÇÃO
Desde 1991, ano da criação da FME, transcorreram mais de vinte anos. Apesar
de não ter sido um modelo que tenha se espalhado para outras cidades do país – nem
mesmo aquelas administradas pelos partidos que se sucederam na Prefeitura de Niterói
no período focalizado ou por outros que poderiam ter se identificado política e
ideologicamente com a ideia –, ela segue existindo e resistindo ao tempo e as
intempéries da política local. Mesmo tendo ocorrido, de lá para cá, apenas uma gestão
que poderia ser considerada não totalmente alinhada com essa ideia, ela permanece, a
população de Niterói a reconhece, e os questionamentos sobre a sua existência ou
continuidade praticamente não existem. Sendo assim, o que pode explicar essa
particularidade de Niterói? O que de diferente pode ter ocorrido nessa rede municipal de
educação que determinou o “sucesso” da experiência?
A FME, ao longo de seus mais de vinte anos de existência, foi vista como
inovadora em vários aspectos, como na implementação da avaliação continuada, que
depois avançou para a organização por ciclos do ensino fundamental – tema no qual
Niterói foi pioneira e teve papel de destaque inclusive em diversas pesquisas
acadêmicas, nos projetos contratados ou desenvolvidos por ela e no atendimento aos
alunos Portadores de Necessidade Educacionais Especiais (PNEE). Para exemplificar,
podemos citar algumas teses e dissertações disponíveis no Banco de Teses da CAPES e
defendidas recentemente: Millar (2011), Coutinho (2011), Rodrigues (2012). Se
expandirmos as buscas para anos anteriores, abrangendo revistas e outras publicações
científicas, também encontramos: Borborema (2008), Matheus (2009), Peixoto (2008),
David (2003), entre outros.
Outro elemento substancial que surgiu tanto das análises das legislações
educacionais do município, da literatura encontrada sobre o tema, como das entrevistas,
relaciona-se com a concepção de gestão democrática, em especial no que diz respeito à
eleição de diretoras(es) de escolas. Esta que foi uma das primeiras medidas adotadas
ainda no início do primeiro mandato de Jorge Roberto da Silveira e tendo ainda apenas
91
a Secretaria de Educação, com a professora Satie Mizubuti à frente.
Então eu reuni as diretoras e vice-diretoras no auditório da sede e disse que
sabia que era um governo de oposição que estava assumindo, não de
continuidade, que imaginava que elas deviam ter votado em outro candidato,
até porque era um cargo de confiança e se você entra sem concurso, como é
que você vai dizer não? Mas que eu não era oposição à educação, muito pelo
contrário, e que elas seriam mantidas no cargo, mas que estaríamos iniciando
ali, naquele momento, o processo de eleição direta pra direção de escola e
que se elas fossem sair de seus cargos não seria pela minha caneta, mas pela
decisão da comunidade escolar. Desde 1978 não havia concursos para o
magistério municipal... tínhamos chamado o SEPE pra entrar lá e
acompanhar o processo do concurso. Decidimos pautar a gestão por uma
linha que era da gestão democrática, e eu tinha uma base pra falar, que eu
‘tava seguindo a Constituição. (Satie Mizubuti)
Esta parece ter sido uma temática que criou raízes e que, mesmo sob todas as
contradições que se ampliaram após a criação de uma fundação, momento no qual
poderia se imaginar a criação de outra cultura de gestão que pudesse desconsiderar esses
valores inicialmente postos, permanece até os dias de hoje, tendo, porém, passado por
mudanças através de portarias e decretos, sendo o mais recente de 2010. A
regulamentação através de instrumentos que são política e juridicamente mais fracos do
que uma lei acaba por tornar o que parece ser um valor enraizado na rede em processos
que muitas vezes correm de acordo com interesses extras. A primeira lei municipal a
versar sobre o tema foi publicada em 1989, mas tanto ela quanto as que vieram
substituí-la ao passar dos anos apenas indicavam que haveria eleições e, apesar de
garantirem que seriam realizadas eleições diretas para a direção das escolas, previam
que uma regulamentação seria publicada a posteriori.
O próprio SEPE sempre manteve em suas pautas a questão da gestão
democrática e a eleição de direções escolares, como podemos depreender do trecho do
boletim de setembro de 2010, no qual se referem a uma audiência entre os
representantes da categoria que estavam em greve naquele momento e o então
presidente da FME, Cláudio Mendonça:
Sobre eleição para direção: haverá eleição esse ano, mas quando foi colocada
a reivindicação da categoria de manter o artigo 6º da Portaria 10.184/2007,
que restringe o número de reeleições das direções de escola, o Presidente
afirmou que ele também defende esta manutenção, mas que a elaboração da
minuta está a cargo da Secretária e de uma Comissão. Além disso, afirmou
que não era bom anunciar a minuta antes do processo eleitoral nacional,
tendo em vista que isso poderia influenciar nas campanhas políticopartidárias e na postura das direções das escolas em relação a essas
campanhas. (Boletim SEPE-Niterói, setembro de 2010)
92
Portanto, a questão da eleição de diretoras(es) é um exemplo importante, pois,
por mais que ela tenha se enraizado na rede municipal de Niterói, a falta de uma
regulamentação firme ao longo de um grande período permitiu que ocorressem
aberrações como reconduções sucessivas que fizeram com que algumas diretoras
permanecessem no cargo por mais de quinze anos. De fato, até hoje não há
impedimento para sucessões indefinidas, uma vez que a portaria citada no boletim do
SEPE (10.184/2007) acabou sendo redefinida pelo Decreto 10.815 no ano de 2010, não
mantendo a limitação de mandatos nas unidades educacionais do município.
A questão da eleição para direções escolares e a própria relação FME/SEPE, que
como vimos no início deste capítulo era razoavelmente boa, mas que, como qualquer
relação entre empregador e empregado acaba gerando desgastes eventuais e
insatisfações, chegou ao ponto de ser considerada um dos piores problemas da rede
municipal pelo último presidente entrevistado para esta pesquisa, Cláudio Mendonça:
Tem dois problemas fundamentais na educação de Niterói pra que ela dê
resultado: a eleição de diretores e a política sindical, esses são os dois
principais problemas, de Niterói, do México... A eleição de diretor traz um
aprisionamento, a corporação aprisiona a escola. Esse negócio da eleição de
diretor pra mim é um problema gravíssimo, porque dá estabilidade ao diretor
de escola, dá a ele a possibilidade de não implementar a política pública e
reforça o acordo tácito entre professores e alunos que existe, um não quer
aprender e o outro não quer ensinar. Esse acordo existe em todo lugar do
Brasil, no ensino fundamental e até na universidade... Se ninguém exigir... e
quem tem que exigir isso? O diretor de escola. E a outra questão é a questão
sindical, a questão sindical aqui é uma questão político-partidária. Assim, o
sindicato tá na mão do PSOL e há um interesse, há um projeto de poder,
como qualquer partido e aqui é um projeto de poder bastante forte, a bancada
é enorme... e o sindicato, ele puxa a greve de maneira cirúrgica um mês antes
da Prova Brasil, pra puxar o IDEB [Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica] pra baixo. No Estado aconteceu isso, em Niterói aconteceu isso... em
ano de IDEB tem greve, e a greve é em agosto, e a prova em novembro... A
greve é muito fácil, a população não reclama... quando a classe média saiu da
escola pública, a escola pública caiu na mão da corporação, quando a classe
média estava na escola pública a corporação não podia, porque tinha quem
entendesse o jogo, falava a linguagem culta, aí o jogo era equilibrado. Agora,
depois que saiu, a corporação ficou dona, ela fala com gente que não tem
argumento, que não tem força, mas se você colocar a classe média na escola
pública você muda a escola pública. (Cláudio Mendonça)
Porém, de acordo com o que foi possível obter através dos depoimentos, a vida
educacional de Niterói não seria muito diferente se a educação municipal tivesse sido
administrada por uma secretaria de governo convencional no lugar da fundação.
Vejamos os fatos: se existem diferenças (e elas existem) nas possibilidades
administrativas entre a fundação e uma secretaria de educação convencional, do ponto
93
de vista do projeto político pedagógico municipal, não parece ter havido mudanças de
rumo significativas.
No trecho da entrevista citado abaixo, podemos inclusive notar que um dos
principais mentores da criação de uma fundação na área da educação, a exemplo do que
já acontecia na saúde, foi o então secretário de Fazenda Antonio Sasse, o que de certa
forma ratifica que as intenções tinham orientações mais de ordem técnico-administrativa
do que pedagógica:
Foi um processo muito novo, nunca tinha trabalhado em nada parecido com a
criação de uma fundação. Quem deu todo suporte à criação foi o secretário de
Fazenda à época. Me parece que o Sasse era o grande ideólogo, o grande
defensor da ideia das fundações nessas duas áreas, saúde e educação,
justamente para que essas duas áreas tivessem uma liberdade maior para
desenvolver os seus projetos. É administração direta, você assume muito
mais responsabilidades, é você que assina o cheque. Mas sem dúvida
nenhuma, depois que eu fui estudar, analisar as possibilidades e as ações na
fundação de saúde, aqui dava uma agilidade, muito mais presteza do que na
administração indireta... A importância do Sasse, porque me parece que foi
ele que convenceu ao prefeito da criação dessas duas fundações... o processo
de criação das fundações, que teve embate, principalmente na educação, teve
embate, é onde se jogou todas as fichas e o grande mentor foi o Sasse, que
era, inclusive, de um conhecimento profundo. (Lia Faria)
Os problemas vividos pela rede escolar municipal de Niterói, apontados pelos
indicadores oficiais e percebidos nas onze entrevistas realizadas com gestores e
profissionais da educação municipal, ou nos materiais produzidos pela imprensa e por
outras pesquisas acadêmicas, são os mesmos que vivenciam outras redes municipais e
até mesmo estaduais. Por si, esse já seria um indício importante para podermos concluir
que a inovação não produziu resultados inéditos ou superiores em relação a outras
cidades de porte semelhante à Niterói, mesmo do ponto de vista administrativo, mas
principalmente do ponto de vista pedagógico.
Em um relatório final de pesquisa sobre o diagnóstico das causas da retenção no
5o e 7o anos de escolaridade na rede pública municipal de Niterói e publicada em
Mendonça (2012), o pesquisador, com base em uma série de dados coletados através
dos índices oficiais e de pesquisa de campo, afirma:
Niterói tem o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do Estado do Rio
de Janeiro (CIDE, 2008), no Brasil se situa entre os quatro melhores
municípios, a taxa de alfabetização de adultos atinge a cobertura de 96,45%.
Entretanto, o índice alcançado pela rede municipal de Niterói no IDEB não o
coloca nem entre os 50 melhores municípios no Estado do Rio de Janeiro,
94
observando-se que com 37 escolas de Ensino Fundamental, 10 escolas
apresentaram em 2007 perdas em relação ao IDEB de 2005 e 16 escolas
apresentaram posicionamento no IDEB inferior a 4. Por fim, causa impressão
o quadro de distorção idade/série por volta de 40% e a situação de retenção
registrada em algumas escolas da rede. (Filho, in MENDONÇA, 2010)
6.5 ALGUMAS JUSTIFICATIVAS E FRUSTRAÇÕES
Ao longo do processo de criação da FME em Niterói, várias adaptações foram
necessárias a fim de evitar ou diminuir a resistência que, como já vimos, existiu por
parte de diversos setores. Argumentos e justificativas foram apresentadas, fosse para
convencer os profissionais a transferirem seu vínculo funcional – passando da Secretaria
Municipal para a Fundação – fosse para convencer os vereadores e demais setores da
sociedade civil. Por isso, inclusive, concluímos o item anterior citando a premência do
então secretário de Fazenda do município como um dos mentores políticos da criação da
fundação, considerando também que os pontos inicialmente pinçados como positivos
para a criação da fundação, que permanecem em certa medida até os dias atuais, são
apenas os de ordem mais administrativa.
Sendo assim, a argumentação que adquiriu maior importância foi a de que uma
fundação permitiria determinadas ações de maneira mais ágil e independente do chefe
do executivo (o prefeito). Isso porque, como vimos, a legislação indica que uma
fundação não é parte da administração direta, que depende das licitações centralizadas,
de autorizações e aprovações constantes da parte das secretarias de Administração,
Fazenda e do próprio chefe do poder ao qual está submetida – no caso, o prefeito. Sendo
a fundação uma entidade da administração indireta, o seu presidente torna-se o
responsável por suas ações, e não mais o prefeito.
É importante, sobre este tema ainda, citar que nas entrevistas concedidas para
esta pesquisa, tanto a professora Lia Faria, como a professora Maria Felisberta,
afirmaram que acabou por haver também barganha política com o cargo de presidente
95
da FME. Bem como teria sido feito o mesmo com a enorme – se comparada à estrutura
da SME – quantidade de cargos de comissão que foram criados. Outro tema que foi
consensual é que o cenário ideal é aquele no qual a(o) presidente da FME e a(o)
secretária(o) de Educação, sejam a mesma pessoa.
No terceiro mandato do Jorge, porque eu completei o período que Satie
ficaria no seu primeiro mandato e depois fiquei no [mandato] do João os
quatro anos e, um dos motivos que fez eu me afastar (JRS ficou chateado),
foi quando foi decidido que a secretária ficaria com um secretário e a
presidência da fundação ficaria com outro presidente. Porque aquilo não
entrava na minha cabeça, tudo que eu tinha percebido de bom de positivo, era
que a mesma pessoa exercesse para que as decisões de quem estivesse na
SME ficariam mais ágeis. Aí já foi uma decisão muito política, porque você
volta num terceiro mandato e são outras forças políticas, você tem que
arrumar de repente vaga pra todo mundo, cargo pra todo mundo, e eu não
fiquei confortável e pedi pra sair. (Lia Faria)
Feito o importante registro do aspecto político que pode se contrapor aos
positivos do ponto de vista administrativo, ainda que o órgão em questão seja uma
fundação, voltemos aos aspectos destacados pelos gestores.
O último presidente em ordem cronológica do período analisado, Cláudio
Mendonça, que atualmente é secretário municipal de Educação em Búzios, onde não há
uma fundação e, consequentemente, as compras e licitações realizadas para a área de
educação são feitas pela Secretaria de Administração e Fazenda, afirmou que dentre
esses aspectos, destacavam-se:
(...) é que o gestor público, consegue dar prioridade ao que é prioritário em
educação. Quando ele não tem isso, a sua demanda de política pública, de
gestão pública, ela fica concorrendo em pé de igualdade com questões de
natureza subjetiva e até com questões objetivas, superiores em questão de
urgência, de necessidade. Em Búzios, por exemplo, onde sou secretário hoje
e não tenho uma fundação. Se eu quero comprar prego, eu tenho que ir lá no
secretário de Administração, que vai licitar. Mas nessa licitação vai ter que
comprar prego também pra Secretaria de Saúde, de Obras, de Fazenda, e se
você tem uma prioridade, acaba que sempre surge uma prioridade que pode
ser maior – ou não também, mas pode acabar entrando na sua frente – e você
não tem muito o que fazer, diferente da fundação (…). É vantajoso para o
prefeito, porque a responsabilidade dele como gestor diminui, como é
autonomia fundacional, o ordenador de despesas é independente (...), não
licito, não pago a folha (…). A desvantagem é que o prefeito, ele tem, assim,
o presidente depende menos do prefeito, nada do secretário e menos do
prefeito, se for um prefeito que não seja muito ativo você tem uma autonomia
q beira a soberania, ou seja, o mandatário, que foi eleito, n é provocado o
tempo inteiro, na secretaria eu faço isso o tempo inteiro.
Já o atualmente deputado Comte Bittencourt afirmou na entrevista concedida
que havia, sim, vantagens com a fundação, mas que em certa medida, elas tornaram-se
96
obsoletas:
Acho que a fundação cumpriu seu papel num período. Você tinha uma
legislação do ordenamento orçamentário da estrutura pública brasileira mais
engessada do que você tem hoje, apesar da LRF. A FME foi criada com o
objetivo de transformá-la num braço da chamada administração indireta do
poder executivo, e à época foi entendido que a administração indireta dava
mais velocidade na tomada de decisões e ação, o que hoje já não faz mais
diferença nenhuma, desde que você não centralize tudo, como em geral se faz
na maioria dos municípios, em especial em municípios menores, que tem na
secretarias de Fazenda e de Administração a centralização de todas as ações
da chamada administração direta, então essa lógica... Mas também não tem
como voltar atrás, você vai desconstituir a FME? Voltar ela pra administração
direta?
Outra vantagem que parecia animar aos envolvidos era o fato de que a fundação
passaria a arrecadar verbas de outras fontes que não as tradicionalmente e legalmente
constituídas, como fazia a SME. A ideia era produzir materiais impressos, cursos,
patentear ou registrar inovações que gerassem divisas à FME para a sua manutenção e
expansão de atividades, ou seja, seria uma SME “turbinada”, conforme podemos
depreender do trecho que segue da entrevista feita com a ex-presidente e ex-secretária
Maria Inês:
Um dos vetores da FME seria ela ser uma boa captadora de recursos. Poderia
ser sobre projetos em que a prefeitura ainda tivesse meio tímida, mas vamos
imaginar, hoje nós temos uma trajetória de educação especial no município
que ela é impar, não é padrão europeu, mas em Niterói avançou muito, então
ela poderia vender, o diálogo com o profissional, o momento de capacitação,
a ideia era na época essa. Eu tenho um excelente profissional, que atua de
forma brilhante na rede, eu posso vender isso a outro município... então uma
dessas razões, eu vejo que seria essa, muito mais de você abrir uma
possibilidade de você receber recursos via apoio ou até que fosse via a
produção de algum material ou produção de uma formação do seu
profissional que eu pudesse passar a outras redes, a outros profissionais de
educação. (Maria Inês Azevedo)
Nas entrevistas, no entanto, destacou-se uma compreensão comum de que desses
objetivos, apenas a celeridade em determinados processos que dependeriam de
aprovação e tramitação através do executivo municipal é que foi cumprido e, ainda
assim, nem sempre a contento. Ou seja, foi o fato de passar a administração da educação
para um órgão público da administração indireta o único a fazer alguma diferença na
realidade objetiva do cotidiano administrativo da rede municipal.
A frustração de grande parte das expectativas criadas pela fundação, no entanto,
não levou a que se repensasse a sua existência. Em certa medida isso pode ser explicado
porque as frustrações foram resultado de decisões judiciais mais amplas, limitando a
97
ação das fundações como um todo e, em alguns casos específicos, a própria FME e, a
julgar pelo avanço das legislações nacionais que dão forma e estrutura à educação no
país, em uma direção diferente do que parece ter se intencionado fazer em Niterói, ao
menos do ponto de vista administrativo.
Outro fato que chama atenção é que em diversos municípios brasileiros houve
iniciativas das secretarias municipais de educação que, a princípio, em outros tempos,
não poderiam ser levadas a cabo por uma secretaria. Estamos nos referindo aos casos
das prefeituras paulistas anteriormente citadas nesta dissertação, que contrataram
empresas ou mesmo “terceirizaram” a administração de suas redes através de parcerias
com a iniciativa privada que independeram da existência de fundações para serem
realizadas. (ADRIÃO et al, 2010)
6.6
AS
ALTERAÇÕES
PERCEPTÍVEIS:
RESULTADOS
POUCO
SIGNIFICATIVOS
Os materiais e entrevistas até aqui analisados nos mostram que, do ponto de
vista das escolas e da prática educacional, não houve uma alteração substantiva na
realidade da rede municipal de Niterói que tenha sido causada pelo fato desta ter
passado a ser administrada por uma fundação. Se hoje o sistema público de Niterói tem
uma aproximação com métodos e instituições da esfera privada, há um sem número de
prefeituras que trabalham com essa mesma dinâmica de aproximações com a iniciativa
privada, planos de carreira específicos para o setor do magistério, distribuição de bônus
salariais diferenciados e ampliação do número de projetos e programas das redes
municipais ou em suas escolas através de suas secretarias.
Nesse sentido, parece que a decisão de conformar-se uma fundação na área de
educação sofreu muito mais impacto no campo jurídico-administrativo do que
educacional, possivelmente por ter sido substancialmente determinado pelo cenário
nacional no qual se encaminhava uma Reforma Administrativa que poderia reordenar o
98
funcionamento das instituições públicas.
Como já vimos no Capítulo 2 desta dissertação, a intenção clara de criar o ente
jurídico público de direito privado influenciou uma série de medidas, dentre as quais se
encaixaria a Fundação Municipal de Educação em Niterói. Entre outros objetivos, se
intencionava com essa categorização de público de direito privado – entre outras coisas
– transformar o regime administrativo e trabalhista dos servidores e/ou funcionários em
algo aproximado à CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), ou mesmo a própria CLT
(como no setor privado). No caso específico da FME, quando da migração do quadro da
SME para a FME, alguns servidores efetivos de concursos anteriores à Constituição de
1988 eram celetistas e passaram ao regime estatutário e, aparentemente, era através
desse regime, mas com um plano de carreira próprio – que o decreto instituidor da
fundação dava noventa dias ao poder executivo para apresentar proposta na Câmara –
que os gestores à época pretendiam tornar o regime de trabalho dos servidores
vinculados a fundação diferenciado dos demais servidores públicos.
Por um lado podemos dizer que nessa disputa nacional (e internacional) ocorrida
à época sobre concepção de gestão pública, saiu vencedor o lado que defendeu que
fundações ou eram privadas ou públicas, sendo estas análogas às autarquias e, portanto,
fundações autárquicas. Mas por outro lado, uma série de outros dispositivos jurídicoinstitucionais permitiram que o setor público passasse a admitir servidores sob o regime
celetista mesmo após a Constituição de 1988, como ocorre por exemplo com os
servidores da USP, ainda que esses mesmos dispositivos não tenham permitido que uma
fundação pública possuísse personalidade jurídica privada.
Assim, a linha de raciocínio de que era necessário criar uma fundação para
aproveitar-se daquele momento de mudanças significativas do desenho dos aparelhos
estatais em vários níveis, principalmente influenciados pelas iniciativas federais, parece
que ao longo do tempo tornou-se inócua, ao menos do ponto de vista das relações
trabalhistas e das possibilidades de uma conformação diferente de personalidade
jurídica, conforme podemos averiguar nos trechos das entrevistas citados abaixo:
À época foi entendido que a administração indireta dava mais velocidade na
tomada de decisões e ação, o que hoje já não faz mais diferença nenhuma,
desde que você não centralize tudo, como em geral se faz na maioria dos
municípios, em especial em municípios menores, que tem na secretarias de
99
Fazenda e de Administração a centralização de todas as ações da chamada
administração direta. (Comte Bittencourt)
A FME dá uma certa liberdade, mas não é total a liberdade. A promessa do
Godofredo era de que assumiríamos tudo (SME e FME), e daí ele
desmembrou secretaria de cultura e secretaria de educação (...). A experiência
é que a fundação agiliza mais, agiliza também porque não há um esforço do
ponto de vista de política pública de se tentar criar mecanismos agilizadores.
Em geral temos departamentos jurídicos péssimos... Uma desvantagem é que
existe uma falsa autonomia, quando foi criada, deram a entender que não
dependia tanto do prefeito, da estrutura, isso é em tese, mas existe o fator
político, quer dizer, eu não sou militante do PT mas o Godofredo era do PT,
eu não podia tomar uma posição sem consultá-lo. Ás vezes a gente acabava
aceitando alguma proposta deles que acabava tirando um pouco da sua
autonomia. (Maria Felisberta)
Portanto, eu entendo que a criação da FME seria a criação de um
procedimento administrativo mais ágil, mais célere. Que confesso a você que
hoje não percebo tanta diferença, mas no momento da criação, visando a
captação de recursos, um gerenciamento meio autônomo dos recursos, do
orçamento. Então seria a criação de uma instituição que caminharia com as
próprias pernas, que eu confesso a você que também não percebo isso. (Maria
Ines)
6.7 A EXPANSÃO DA REDE MUNICIPAL NO PERÍODO
Como citado brevemente em item anterior, a expansão da rede municipal contou
com a inclusão de algumas poucas escolas que pertenciam à rede estadual, num
processo de municipalização da educação que, no caso de Niterói, não foi muito
significativo no ensino fundamental, assim como a inauguração de novas unidades
municipais. Já na educação infantil houve crescimento da rede escolar, pois foram
incorporadas diversas creches comunitárias e construídas várias Unidades Municipais
de Educação Infantil (UMEI's), além de terem sido incluídas turmas de educação
infantil em escolas de ensino fundamental, uma vez que é aí que está localizada a maior
falta de vagas para a população da cidade, sendo responsabilidade prioritária do
município a oferta dessas vagas.
Nesse período, portanto, a rede teve uma expansão relativamente pequena, pois
o número inicial de unidades escolares (UE's) era de 23 escolas na rede, 2 conveniadas e
agora são 75 UE's (entre escolas e UMEI's) e 32 creches conveniadas. Para esse
100
crescimento da rede, colaboraram centralmente o Decreto “Criança na Creche” (n o
9.748 de 2006), publicado no período em que o Partido dos Trabalhadores esteve à
frente a gestão municipal e incentivou a abertura de vagas “na rede municipal” através
dos convênios com entidades da “sociedade civil”, bem como de municipalizações de
escolas estaduais ou construção de novas unidades. Em termos de matrículas, eram
menos de 15 mil alunos matriculados na rede municipal em 1991 (de acordo com o
Censo Demográfico de 1991, Niterói tinha 436.155 habitantes), e agora são pouco mais
de 24.500 alunos matriculados (população de 487.562 habitantes de acordo com o
Censo 2010). Se considerarmos que entre 1991 e 2010 as matrículas na educação
infantil cresceram 35,30%, será possível verificarmos que o crescimento no ensino
fundamental foi reduzido e concentrado apenas no primeiro segmento desse nível de
ensino.7
É interessante notar, a partir dos números e das entrevistas realizadas, que entre
as intenções iniciais e construídas ao longo do tempo, não parecia estar incluída a de
expandir a rede municipal em ritmo intenso, como muitas outras prefeituras faziam para
aproveitar-se da (re)distribuição fiscal desde os governos federal e estadual. Poderíamos
encontrar resposta para isso no fato de que há na cidade uma rede privada muito
abrangente e resquícios de uma rede estadual forte que, em grande medida, suprem a
demanda por matrículas que, de outro modo, deveria ser atendida –ainda que em regime
de colaboração com o Estado – pelo poder público municipal, conforme podemos
constatar na tabela abaixo elaborada a partir dos dados fornecidos pelo Censo Escolar
do INEP de 2013.
7
Dados extraídos de <http://www.atlasbrasil.org.br/2013/perfil/niteroi_rj> e
<http://portal.inep.gov.br/basica-censo-escolar-matricula>.
101
TABELA 1
Ed. Infantil
Ed. Fundamental
Total
Rede
Estadual
0
869 (1o segmento)
13.150 alunos
Rede
Municipal
4.979
Rede
Privada
11.452
12.281 (2o segmento)
13.877 (1o segmento)
23.364 alunos
4.508 (2o segmento)
14.715 (1o segmento)
38.370 alunos
12.203 (2o segmento)
Nessa tabela chamam atenção: o tamanho do segundo segmento do ensino
fundamental das redes estadual e municipal, sendo que na segunda há poucas unidades
que atendem essa demanda (doze, segundo dados do sítio eletrônico da FME); o
tamanho da rede privada em todos os níveis de ensino e que, no conjunto dos níveis que
também são atendidos pelas redes municipal e estadual, é maior que ambas somadas.
Outro elemento que pudemos encontrar a partir das pesquisas empreendidas pela
FGV ao final da primeira década dos anos 2000 e nas entrevistas é que a rede, além de
pequena, tem uma distribuição geográfica que não favorece o aumento do número de
matrículas na rede municipal. Isso ocorre porque as escolas municipais acabaram sendo
construídas em locais não atendidos pela rede estadual (que como já citamos, está
fechando gradativamente turmas no ensino fundamental) e porque a FME não dispõe de
um sistema de transporte escolar que permita o deslocamento entre os bairros onde
moram as crianças que demandam por matrículas e escolas. Para ter uma ideia da
dificuldade em termos de transporte escolar na cidade, podemos citar o caso do
Programa Educação Integral – que será tema de um ítem mais adiante – que teve seu
início adiado por conta de falta de ônibus para o transporte dos alunos das escolas aos
polos de atendimento do referido programa. Se há incapacidade para atender uma
demanda que incluía somente alguns poucos alunos de algumas escolas, para o conjunto
da rede seria impossível haver um programa de transporte escolar que pudesse suprir a
deficiência geográfica da rede.
102
É interessante pensarmos também sobre o que afirmara o ex-presidente Cláudio
Mendonça acerca do custo por aluno em cada rede e, em especial, o alto custo do aluno
da rede municipal de Niterói:
Pra FME a municipalização é um mau negócio, porque o gasto por aluno por
ano, da rede pública de Niterói, gira em torno de sete mil reais, um valor
altíssimo. O FUNDEB no RJ, tem que pesquisar pra saber exatamente, mas
paga aí, vai, menos de 4 mil reais. Então cada aluno que entra pra FME gera
déficit, tem q ser colocado dinheiro, é mau negócio porque o padrão é muito
alto... A municipalização da educação em Niterói é lenta por várias razões,
primeiro porque a questão financeira é deficitária, quanto mais municipalizar
a tendência é quebrar... tem um acordo e municipalização, tem um ano, um
acordo que o Comte mesmo fez... eu que fiz esse acordo, fui obrigado a fazer
esse acordo... O município de Niterói, pra municipalizar todo mundo não tem
como bancar o mesmo valor por aluno, ou se não quebra... È melhor pra
Niterói abrir matrícula na educação infantil do que assumir aluno do ensino
fundamental, porque é um investimento que a prefeitura tem que fazer, e é
um investimento que a prefeitura faz no quarto e quinto anos e melhora a
rede no ensino fundamental.
Como há um peso grande da rede privada na cidade, a hipótese corroborada
pelos entrevistados é que isso representa um freio à expansão da rede pública municipal,
uma vez que, tendo como garantir a matrícula na rede particular, as famílias de classe
média (e até mesmo de setores menos favorecidos economicamente) preferem
matricular seus filhos nessa rede.
Sobre a demanda por escolas municipais, outra nuance merece destaque. Se
analisarmos os dados fornecidos pelo IBGE e aqueles já citados sobre o IDH, notamos
claramente a superioridade dos índices niteroienses comparados aos municípios
limítrofes, como São Gonçalo e Maricá, por exemplo. Nos bairros onde os municípios
se encontram há um provável grande número de matrículas na rede municipal de Niterói
de alunos advindos dessas duas cidades em especial. É necessário colocarmos como
provável, pois para a realização da matrícula é necessária a apresentação de um
comprovante de residência na cidade de Niterói, logo, por presunção todos os alunos
são da cidade. Entretanto, sempre há formas de “burla”, e isso deve ser ainda mais
representativo na educação infantil, pois há um grande fluxo de pessoas que vem dessas
cidades para trabalhar em Niterói.
Nos últimos anos, há notícias sobre falta de vagas em todos os níveis na rede
municipal de Niterói. Ainda que a matéria publicada pelo jornal O Globo em 28 de
janeiro de 2013 se refira à demanda do ano de 2013, é fácil notar que ela já existia em
103
anos anteriores, afinal está se falando de um déficit de mais de sete mil vagas no
município.
O desapontamento dele [um pai citado anteriormente na matéria] retrata a
situação das famílias que dependem da educação pública em Niterói, cidade
que tem a menor rede municipal escolar do estado, de acordo com o Instituto
Nacional de Pesquisas Anísio Teixeira (Inep). Segundo o centro de estudos, a
cidade tem um déficit de sete mil vagas em suas unidades. A estatística vai ao
encontro do Censo de 2010, que identificou 81 mil crianças de até 14 anos no
município. Segundo a prefeitura, há 74 mil alunos matriculados na educação
infantil e no ensino fundamental. (O Globo, Niterói, 28/1/2013)
Nessa mesma matéria jornalística há uma declaração do presidente da FME. Ele
estimou que os alunos de outros municípios representem entre 10 e 20% dos
regularmente matriculados na rede. É possível, portanto, que haja certa contenção da
rede municipal para evitar alunos dos municípios vizinhos.
Em outra matéria publicada na internet, no blog do SEPE–Niterói, a entidade
questiona a metodologia de O Globo para concluir que faltam “apenas” sete mil vagas,
uma vez que o jornal considera que “falta de vagas” significa criança ou jovem fora da
escola, ou seja, não atendida nem pela rede privada nem pela pública. Para o SEPE, a
conta deveria ser feita da seguinte maneira:
O Censo do IBGE de 2010 aponta que Niterói tem 87.289 crianças de 0 a 14
anos, ou seja, em idade escolar da educação infantil ao 9 o ano do ensino
básico (segundo segmento); a FME alega termos 74 mil alunos(as), ou seja,
temos um déficit “puro” de 13.289 vagas (sem contar a rede estadual, que
está sendo extinta); mas se detalharmos a situação da educação infantil, que
na rede pública só é atendida em Niterói pela rede municipal (UMEI's – por
causa do fechamento deste setor na rede estadual), a coisa é bem mais
dramática. De 0 a 5 anos, temos uma população total de 28.389 (dados do
IBGE-2010), e frequentando a creche ou pré-escola pública um total de
apenas 6.340 (dados do IBGE e INEP – 2010). Ou seja, um déficit de 22.049
vagas! Se contarmos o atendimento na rede privada de creches e pré-escolas,
com 13.098 vagas, ainda fica um déficit de 8.951 vagas, ou seja, 8.951
crianças de 0 a 5 anos fora da escola. (Disponível em:
http://seperjniteroi.blogspot.com.br/>. Último acesso:28/1/2013)
Davies (2000), com base nos documentos oficiais, escreveu sobre a questão da
aplicação das verbas obrigatórias para a educação no município de Niterói e afirmou
que, já no período analisado por ele (1989–1995), a prefeitura da cidade deixou de
investir o equivalente a mais de 90 milhões de reais, o que pode também servir de
indício de que não havia interesse ou projeto de expandir a rede municipal.
Cabe ressaltar que os valores devidos em educação, porém não aplicados
pelos prefeitos de Niterói entre 1989 e 1995 (mais de 100 milhões de reais –
104
valores corrigidos para março de 1997), teriam sido suficientes para atender a
todos os alunos de 1o grau da rede particular de Niterói e àqueles que não
conseguiram vagas na rede pública nem tem condições de pagar escola
particular. Ao não expandir a sua rede, os prefeitos e secretários de educação
na prática não só negaram um direito constitucional a todo cidadão – escola
pública para todos – como favoreceram a rede particular, que só é procurada
porque as autoridades não cumprem sua obrigação de oferecer escola para
todos. (DAVIES, 2000)
6.8 AS RELAÇÕES DA FME COM O SETOR PRIVADO E COM A
“SOCIEDADE CIVIL”
Como pudemos ver, a FME tinha como um de seus objetivos parciais aparentes
funcionar como uma “entidade privada” em determinadas áreas e atividades (incisos V,
VI, VII e VIII do art. 59 do Decreto 6.172/91), como para a venda de material didático,
tecnologias, cursos de formação para outras redes, dentre outras formas de arrecadação.
Na entrevista com a professora Maria Inês, por exemplo, ela afirma que a arrecadação
financeira era um dos principais vetores quando da criação da FME.
Ainda que esse objetivo não tenha saído de fato do papel, ao longo desses mais
de vinte anos de existência a FME aproximou-se em diversos momentos e de diversas
formas do setor privado, estabelecendo convênios, contratando projetos e programas e
mesmo comprando materiais e/ou cursos de formação, além de pesquisas e serviços de
consultoria de terceiros.
Em termos de relações com a sociedade civil, parece que, apesar de prevista a
existência de conselhos e outros órgãos colegiados deliberativos ou consultivos, a
inclusão inicial do próprio SEPE e da FAMNIT (Federação das Associações de
Moradores) no cotidiano da administração educacional do município (FARIA, 2008), de
acordo com algumas entrevistas – em especial as realizadas com os professores –, não
houve uma aproximação real com os anseios da categoria organizada através de seu
sindicato representativo (o plano de carreira específico demorou para ser aprovado e até
105
os dias atuais segue incompleto e em debate) ou de outras organizações que não as
empresas e ONG's, OSCIP's ou OS's (vide a Lei Municipal 2.884, de 29/12/2011, ou
mesmo o já mencionado Decreto Criança na Creche). Nesse sentido, também podemos
citar os contratos firmados para consultorias com a Fundação Getúlio Vargas ou a
Fundação Darcy Ribeiro, com a Lego para o fornecimento de materiais paradidáticos ou
com a Editora Melhoramentos para oferta de “kit’s de leitura” para os alunos da rede e
as constantes paralisações e greves organizadas pela categoria e o SEPE a favor de
mudanças no Plano de Cargos Carreiras e Salários, que são debatidas desde a criação da
FME e motivos de diversos conflitos entre ambos.
Na mesma linha filosófica que instituiu os órgãos colegiados citados acima, em
1993 foram criados pela Lei Municipal 1.210 de 14 de setembro de 1993 os Conselhos
Escola/Comunidade (CEC's), constituídos pelo diretor da unidade escolar e pelos
representantes eleitos dos professores, dos funcionários, dos pais, dos alunos e
representante da associação de moradores local. O CEC tinha como objetivo, segundo a
lei, promover a gestão participativa e envolver os diferentes segmentos da comunidade
no planejamento, acompanhamento e avaliação da proposta educacional, no âmbito de
cada unidade escolar (FARIA, 2008).
Em suma, a aproximação entre Estado (governo) e a sociedade civil se deu de
maneira ampla e difusa sob a administração fundacional em Niterói e, apesar de muitos
avanços anteriores à criação da FME (e alguns concomitantes ao período inicial desta),
no que tange aos espaços decisórios democráticos e processos transparentes e
democráticos para o tocante ao cotidiano das escolas, não parece que em Niterói os
patamares da gestão democrática sejam diferentes do que se pode encontrar em outros
municípios brasileiros com alto IDH, pois ao mesmo passo em que há eleição para o
cargo de direção da unidade escolar, não há limite de reconduções, como já vimos, o
que abre enormes brechas para que verdadeiras dinastias se instalem em algumas
escolas. Além disso, ao mesmo tempo em que existem os conselhos e outros órgãos
deliberativos ou consultivos (como o Conselho Diretor ou o Conselho Fiscal, previstos
no Regimento Interno e compostos com representação da “sociedade civil”), não parece
haver um verdadeiro poder destes sobre a aplicação das verbas relativas à educação,
como demonstrou Davies (2000) citado alguns parágrafos atrás.
106
Pode-se concluir disso que a aproximação com a “sociedade civil” organizada
parece ter sido direcionada aos interesses conjunturais de cada período. Se inicialmente
havia um “enorme esforço” por parte dos gestores públicos municipais em fazer da
administração pública educacional de Niterói a mais democrática possível (FORTUNA,
2000), com o passar dos anos e as mudanças de presidentes, chegou ao cargo e chefia
desta até mesmo alguém que é contra a eleição de diretores e que considera um dos
maiores problemas para a educação municipal a política sindical (ver citação da
entrevista de Cláudio Mendonça neste capítulo).
No último mandato analisado nessa pesquisa, também ocorreu uma das maiores
polêmicas do período mais recente na educação municipal de Niterói no que se refere às
aproximações entre as esferas pública e privada. Através da Lei Municipal 2.741 de 9 de
agosto de 2010 instituiu-se o programa Adote uma Escola, no qual a prefeitura cedia
espaço para propagandas e logomarcas de empresas nos uniformes escolares, muros das
unidades, entre outras benesses que vinculavam empresas a uma ou outra escola
adotadas por estas. A fundação receberia esta em troca a manutenção das unidades
municipais de educação, permitindo inclusive a inserção de mão de obra remunerada
pelas empresas adotantes nas escolas e a utilização dos dados fornecidos pelas famílias
para o envio de propagandas direcionadas e divulgação dos benefícios realizados nas
escolas. O projeto foi apresentado por iniciativa do então presidente da FME, Cláudio
Mendonça e a rejeição por parte do servidores organizados no SEPE e da comunidade
escolar fez com que a mesma câmara de vereadores que aprovou-o, revogasse-o em
menos de dois meses. Talvez este fosse um de nossos maiores interesses nessa parte da
pesquisa, mas a proposta acabou não saindo do papel e a Lei n o 2.741, em menos de
cinquenta dias após ser publicada, foi revogada através da Lei Municipal 2.747 de 29 de
setembro.
107
6.9 O PROGRAMA EDUCAÇÃO INTEGRAL DA FME
O interesse em escrever sobre o Programa Educação Integral da prefeitura de
Niterói e comandado pela Fundação Municipal de Educação é, de certa forma, mostrar
que as práticas utilizadas para a implementação desse programa, apesar de todos os
elementos de aproximação com o setor privado que descreveremos a seguir – como
aluguel de clubes para servirem como espaço das atividades do contraturno, contratos
precarizados e temporários com os profissionais que nele atuaram –, não dependeram do
fato de existir uma fundação em Niterói, uma vez que a regulamentação geral pertinente
permite o mesmo, sob quase todos os aspectos, às secretaria municipais Brasil afora.
Esse programa em Niterói iniciou-se como projeto apenas dois anos antes de ser
implementado, ou seja, o período experimental do mesmo fora curto e realizado em
apenas uma unidade escolar com condições privilegiadas de acesso a um equipamento
público que favorecia a oferta das atividade do contraturno, no caso, a Escola Municipal
Maestro Villa-Lobos na Ilha da Conceição, separada apenas por um portão do Centro
Social Urbano do mesmo bairro.
O atraso para o início do projeto (outubro de 2009) certamente foi responsável
pelo atraso em tê-lo como um projeto amplo que atendesse o conjunto da rede
municipal, o que viria a ocorrer apenas em meados de abril/maio de 2011 com sua
transformação em programa e, ainda assim, para muito menos que o conjunto da rede e
com menos atividades do que as que estavam previstas no escopo do programa – as
aulas de natação, por exemplo, não ocorreram em nenhum dos polos.
Para além das questões cronológicas, que determinaram, sem dúvida, alguns
problemas observados, havia um rol de diversos elementos concorrentes para uma boa
execução do programa por parte da FME que se encaixam no que situamos no início
deste item: o aluguel de clubes, a contratação de pessoal sob regimes diferenciados
daquele praticado com os profissionais efetivos da rede, bem como a pouca presença
destes últimos, a logística de transporte e alimentação dos alunos fora do espaço escolar,
108
a relação entre os polos (clubes) do programa e as escolas atendidas, entre outras.
Entre estes aspectos citados acima, os que nos interessam mais tem a ver com a
utilização de espaços privados para a realização das atividades e o problema da logística
de transporte dos alunos, visto que o primeiro chama atenção pelo fato de que foi
privilegiado o contrato entre a FME e instituições privadas – os clubes – em vez de se
buscar melhorias nos espaços das próprias unidades escolares ou em equipamentos
públicos próximos às comunidades atendidas; e o segundo deixa ainda mais evidente o
problema da distribuição geográfica da rede, já citado em item anterior a este capítulo,
uma vez que os alunos do programa utilizavam os poucos ônibus escolares do
município ao mesmo passo que não há serviço de transporte escolar regular para
conduzir alunos entre bairros de moradia e estudo.
Portanto, apesar de o Programa Educação Integral ser uma iniciativa que já tinha
outros precedentes e exemplos vindos de outros municípios, estados e até do governo
federal (Segundo Tempo, Mais Educação), ainda assim ele nos dá demonstrações de que
construiu-se uma relação íntima entre o poder público e o setor privado no tocante às
políticas educacionais na cidade de Niterói; de que, apesar da rede escolar ser pequena,
a estrutura existente não consegue cobrir as necessidades de alguns projetos (quiçá nem
do dia a dia da rede); e, por fim, de que os vínculos trabalhistas e pedagógicos dos
contratados para a realização de tal projeto foram tão efêmeros quanto o próprio, visto
que apenas seis servidores efetivos da rede municipal trabalhavam nele (Pustiglione,
2012).
109
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sempre quando se inicia uma pesquisa e coloca-se questões a serem
respondidas, espera-se que ao final do estudo pelo menos uma parte delas tenham sido
respondidas. Neste item tentaremos sintetizar aquilo que pudemos alcançar, conscientes
de que muito ainda está por ser respondido.
Ressaltamos de início que, do ponto de vista da análise documental, essa
pesquisa sofreu de um mal que muitas outras sofrem: a falta de arquivos organizados,
tanto da parte do poder público, como das entidades sindicais e/ou de organização da
sociedade civil. Sendo assim, a essência das respostas e indícios que conseguimos
vieram majoritariamente das entrevistas semiestruturadas realizadas com as pessoas que
estavam envolvidas diretamente com a criação e desenvolvimento da Fundação Pública
Municipal de Niterói. Ouvimos quem esteve à frente da gestão da fundação, da
secretaria (dos dois ao mesmo tempo ou em períodos distintos), quem atuava na Câmara
Municipal, no Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação ou em atividade nas
escolas dessa rede municipal.
Dito isso, podemos nos lançar a algumas conclusões ou, minimamente,
considerações mais criteriosas sobre o objeto de estudo posto.
Niterói é uma cidade importante no contexto fluminense, tendo já sido a capital
do antigo Estado do Rio de Janeiro até 1975 – ano da fusão deste com o Estado da
Guanabara, quando a capital foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Essa
importância (e o antigo status de capital), serviu para que a cidade fosse muito bem
assistida de equipamentos públicos construídos e mantidos pelo governo estadual,
dentre os quais destaca-se uma importante rede estadual de ensino, que abriga no
segundo segmento do ensino fundamental o triplo do número de matrículas da rede
municipal e se põe em pé de igualdade com a grande rede privada que há nessa cidade.
(vide quadro 1 do capítulo 6)
110
Para o interesse desta pesquisa, esse é um dado dos mais relevantes, uma vez
que é notório que o crescimento da rede municipal não acompanhou o ritmo do
crescimento das redes municipais de outras cidades, de porte semelhante ou não, pois,
principalmente após o advento do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental
(FUNDEF), diversas prefeituras passaram a assumir matrículas das redes públicas
(estaduais) e construir novas unidades educacionais, o que não ocorreu em Niterói na
mesma escala.
Dessa maneira a FME/prefeitura ficou em posição “confortável” no tema da
expansão da rede municipal, já que ao mesmo tempo há uma enorme rede privada e
também uma grande rede estadual, resquício ainda do período no qual Niterói foi
capital. É interessante notar, ainda nesse meandro, que todas as transferências da rede
estadual para a prefeitura de Niterói partiram de iniciativas do governo do Estado ou da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), com exceção da tentativa
de municipalizar os CIEP’s feita pela então secretária de educação e presidente da FME
Lia Faria, rejeitada por Jorge Roberto da Silveira e pelo secretário de Fazenda à época, e
de algumas escolas estaduais incorporadas ao final do mandato do ex-prefeito
Godofredo Pinto.
Esses são elementos que, para além de explicar a pequena expansão da rede
pública municipal e da importância de Niterói no contexto político estadual, também
nos dão indícios de que alguns dados positivos conquistados por essa rede também se
devem ao fato de ser uma rede pequena, na qual as ações podem ser mais precisas do
que quando se tem a necessidade de atender mais de uma centena de escola, como
ocorre em municípios do mesmo porte de Niterói. É importante relembrar que, apesar
de alguns aspectos positivos da rede terem sido construídos ao longo desses anos de
existência da FME, se focarmos nosso olhar sobre o índice oficial da avaliação da
educação básica, o IDEB, Niterói está em uma colocação ruim, 58o, inferior a muitas
cidades de IDH e arrecadação financeira menores.
Alguns
desses
dados, aliás,
não necessariamente
são positivos
por
responsabilidade direta da gestão educacional da cidade, pois como vimos, a rede
privada é imensa e maior que a rede pública, se somarmos a educação infantil e o ensino
111
fundamental ofertada pelas três esferas governamentais (municipal, estadual e federal).
Refiro-me ao ótimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade, uma vez que
mesmo tendo caído no período da década de 1990 até os dias de hoje, ainda se mantém
“muito alto” (uma das 44 de todo o país dessa categoria), sendo o 1 o no Estado e 7o no
país. A arrecadação municipal também é relevante, sendo a 5a cidade do Estado nesse
quesito.
A Fundação Municipal de Educação certamente pode ser incluída no rol de
inovações que o ex-prefeito trouxe à cidade no início da década de 1990, tal como
mostramos no capítulo 5. Havia uma atmosfera favorável ao experimentalismo e, no
caso da educação, a opção foi criar a FME, pois, ainda que isso acabasse por criar uma
aresta que em parte se colocaria contra essa proposta, parecia haver a necessidade de
que a administração de JRS deixasse marcas – o que foi citado pelas professoras Lia
Faria e Maria Inês de Oliveira em entrevistas concedidas para esta pesquisa.
Esse é um indício importante para uma das questões que nos colocamos sobre os
argumentos decisivos para se criar uma fundação em vez de manter o esquema
tradicional com a SME, pois faz-nos parecer que, se os critérios centrais para essa
tomada de decisão foram de ordem jurídico-administrativa e menos políticos, nem por
isso os impactos nesse campo são menos relevantes. O questionamento à criação da
fundação foi principalmente de ordem política. Julgava-se ter a fundação (qualquer
fundação) um caráter “privatizante” a priori. Dessa forma, ou JRS não tinha a noção
completa do significado de sua ação naquela conjuntura e os reflexos que ela geraria, ou
estava antecipando (em alguns anos) uma tendência que posteriormente se difundiu, de
medidas heterodoxas do ponto de vista dos partidos localizados mais à esquerda do
espectro ideológico.
Dizemos isso, pois, entre os que criticavam, havia um temor de que a
administração pela fundação possibilitaria uma relação mais “íntima” com o setor
privado ou um distanciamento entre a gestão pública da educação e os profissionais,
estudantes e famílias que atuavam ou eram atendidos pela rede municipal. Como nos
indicou Arosa (2011), havia, entre a declaração e a execução do modelo de gestão
praticado, um conflito entre práticas e concepções de inspiração burocrática e de certo
112
“gerencialismo” que aparece de modo mitigado em meio a um discurso democratizante.
Como pudemos verificar no último capítulo, houve uma resistência muito
grande e organizada contra a criação da FME, tanto por parte de personalidades
intelectuais e políticas, como por parte do movimento organizado dos trabalhadores em
educação da rede municipal e, ao enxergar alguns desses elementos citados
anteriormente, um setor desses profissionais do quadro da SME optou por resistir à
mudança para a FME, mesmo após a aceitação maciça do restante da categoria. Ainda
que tenham sido inicialmente poucos servidores e que com o passar dos anos a
aposentadoria ou saída da rede de alguns esse número tenha diminuído ainda mais, o
fato político (e jurídico) causado por essa resistência gera reflexos até os dias atuais e
faz com que a SME ainda tenha um quadro de profissionais que atuam nas escolas da
rede e não apenas nas funções administrativas e cargos comissionados como se
planejava inicialmente.
Realmente, no período inicial da fundação, era possível identificar uma série de
ações que indicavam esse sentido posto pelos críticos, afinal os servidores nela lotados
passaram a ser parte de outro quadro que não o da prefeitura municipal, com salários
diferenciados destes (ainda que no primeiro momento isso tenha sido positivo, pois
passaram a ganhar melhor que os demais servidores municipais), a fundação poderia – e
ainda pode – licitar independentemente, bem como administrar sua própria verba sob
responsabilidade exclusiva de seu presidente.
Esse ímpeto da parte da gestão municipal em modernizar a administração
pública sob os preceitos “gerencialistas”, mirando na Reforma Administrativa que se
avizinhava em nível federal e já começava também em outros estados e municípios, em
lugar de ganhar fôlego com o passar dos anos, foi perdendo parte do sentido que tinha
inicialmente. Isso se deu por uma série de razões, entre as quais, citamos: a não
efetivação de alguns preceitos legais que figuravam nos principais projetos de reforma
do aparelho estatal, mudanças feitas sobre alguns dos preceitos que foram
regulamentados de maneira diversa ao que se acreditava que iria ocorrer e ações
judiciais que podem ser consideradas consequências dos motivos anteriores, mas na
prática, garantiram na área trabalhista que a diferenciação entre o quadro da SME e da
FME deixasse de ser possível.
113
Independente da condição de “pioneira” da FME e das disputas que gerou, o que
acabou ocorrendo em sua prática cotidiana não foi diferente do que ocorreu em outras
cidades que mantiveram a estrutura administrativa convencional da educação municipal.
Como vimos no Capítulo 4, em inúmeras cidades brasileiras a cessão de
responsabilidades educacionais para agentes do setor privado, por meio de compra de
pacotes e materiais didáticos e até mesmo de serviços de gestão, passou a se dar
independentemente do formato da estrutura governamental.
É preciso destacar ainda uma peculiaridade do perfil de uma parte dos gestores
da cidade e da educação que, justamente por sua extração partidária e/ou ideológica, em
especial os que estiveram à frente de SME e FME nos primeiros tempos, por mais que
tenham aderido à sua criação, não permitiram que os conteúdos e possibilidades mais
tipicamente “gerencialistas” ou privatizantes fossem priorizados, ao contrário dos que
estiveram à frente do cargo nos dois últimos mandatos de Jorge Roberto da Silveira.
Grosso modo, significa afirmar que no início do período de administração fundacional,
pessoas identificadas com a educação pública foram convocados à tarefa de administrála e com o passar dos mandatos, foram assumindo a função pessoas menos identificadas
com a defesa da educação pública e/ou originados nela, fosse como professores(as) ou
em outras funções pedagógicas e administrativas em escolas ou universidades. O
experimentalismo nessa direção foi muito baixo se comparado, por exemplo, com
prefeituras do estado de São Paulo já citadas nos capítulos anteriores.
Algumas medidas da FME ao longo desses poucos mais de vinte anos de
existência, ao contrário de serem medidas “gerencialistas” ou excludentes, acabaram por
tornarem-se referências democráticas, como no caso das eleições diretas para a direção
das escolas municipais, a implantação da avaliação continuada (embora questionada) e
dos ciclos. Outra medida favorável à rede municipal se dá no atendimento de alunos
portadores de necessidade educacionais especiais (PNEE), área na qual não só as
entrevistas afirmaram o vanguardismo do trabalho como também os bons índices e a
procura de famílias que moram em outros municípios e chegam a se mudar para a
cidade em busca dessa qualidade no atendimento público.
Sendo assim, há duas reflexões importantes que ao final deste trabalho queremos
reter. Uma delas relaciona-se com essa contradição (ou disputa) entre os que assumiram
114
os cargos de gestão da educação municipal e a estrutura que se intencionou criar com a
FME, pois, se é verdade que esse grupo de gestores não impediu a criação da FME com
todo seu perfil, em tese, “gerencialista” e privatizante, é verdade também que Niterói
nunca tornou-se um exemplo nacional de modelo neoliberal de como administrar uma
rede municipal de educação. O que houve foi uma acomodação no que diz respeito à
estrutura, afinal como já vimos, nem as entidades e setores que se opunham à criação da
fundação continuaram uma movimentação pelo seu fim e/ou o retorno da administração
da educação à SME.
A outra reflexão parte de uma constatação que ao longo de toda a dissertação
apareceu diversas vezes: os tamanhos da rede privada (enorme) e da rede municipal
(muito pequena). A expansão da segunda, que apesar de estar incluída entre os objetivos
da FME no decreto que a cria e no Regimento Interno, foi muito pequena conforme os
números demonstraram.
Ao longo do trabalho apresentamos algumas hipóteses para o não crescimento
da rede e, nessas considerações finais, queremos destacar a questão do tamanho da rede
privada. Conforme citado no capítulo 6, até para os padrões do estado do Rio de
Janeiro, que tem no geral uma rede privada significativa, Niterói se destaca pelo grande
número de escolas privadas quando comparado a outros municípios com número total
aproximado de escolas de ensino fundamental, sejam municípios vizinhos, bem como
na comparação com os demais municípios fluminenses. Conforme também já citado no
Capítulo 6, essa distorção da dimensão das redes pública e privada em Niterói fica ainda
mais evidente quando cotejamos os seus números com a média nacional de atendimento
por rede.
Portanto, nosso estudo mostrou que as administrações municipais em Niterói,
conseguiram dar conta dos problemas cotidianos da rede escolar. Implementaram
algumas inovações importantes, outras questionáveis e outras que fizeram a FME servir
ao jogo político da distribuição de cargos em comissão entre os partidos aliados. Mas,
acima de tudo, essas administrações nunca pautaram a sério e com a devida prioridade a
questão da expansão da rede municipal de ensino, permitindo assim (por inação) o
surgimento de escolas privadas de qualidade questionável que atendem setores que não
podem pagar pelas escolas tradicionais daquela cidade, mas que também não
115
conseguem encontrar vagas próximas às suas casas na rede municipal, que não cresce,
ou na estadual que diminui. É então urgente que as reflexões e ações daqueles que
atuam na/sobre a rede municipal de ensino daquela cidade caminhem no sentido de
pensar soluções para o problema da distribuição e tamanho das redes públicas, em
especial da rede pública municipal de ensino fundamental.
116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADRIÃO, T.; GARCIA, T.; BORGHI, R.; ARELARO, L. Uma modalidade peculiar de
privatização da educação pública: a aquisição de “sistemas de ensino” por municípios
paulistas. Educ. Soc. [online], v. 30, n. 108, p. 799-818, 2009.
ALGEBAILE, E. As ações da sociedade civil e do Estado diante da pobreza. In:
VALLA, V.; STOTZ, E.; ALGEBAILE, E. (Org.). Para compreender a pobreza no
Brasil. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca-ENSPFiocruz / Contraponto, 2005, v. 1, p. 73-99.
ARAÚJO, G. C. de. Constituição, federação e propostas para o novo Plano Nacional de
Educação: análise das propostas de organização nacional da educação brasileira a partir
do regime de colaboração. Educação & Sociedade (Impresso). Campinas, v. 31, p. 749768, 2010.
ARELARO, L. R. G. Formulação e implementação das políticas públicas em educação
e as parcerias público-privadas: impasse democrático ou mistificação política? Educ.
Soc. [online], v. 28, n. 100, p. 899-919, 2007.
AROSA, Armando C. As políticas educacionais de Niterói entre 2002 e 2008. In: XXV
Simpósio Brasileiro, II Congresso Íbero-Americano de Política e Administração da
Educação – Jubileu de Ouro da ANPAE (1961-2011), 2011, São Paulo. Anais... São
Paulo: Biblioteca ANPAE, 2011, p. 1-13.
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2012. 173 p.
BORBOREMA, C. D. L. de. Política de ciclos na perspectiva do ciclo de políticas:
interpretações e recontextualizações curriculares na rede municipal de educação de
Niterói. 2008. 221 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
BORDIGNON, G.; OLIVEIRA, L. S. M. A escola cidadão: uma utopia municipalista.
Revista Educação Municipal, ano 1, n. 4, p. 5-13, mai. 1989.
BOURDIEU, Pierre. Contrafogos 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 115 p.
BRASIL. MARE. Câmara da Reforma do Estado.
Aparelho de Estado. Brasília, 1995.
Plano Diretor da Reforma do
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. “A nova esquerda: uma visão a partir do sul”.
GIDDENS, A. (Org.). O debate global sobre a terceira via. Tradução de Roger Maioli
dos Santos. São Paulo: UNESP, 2007, p. 497-538.
117
BRESSER-PEREIRA, L. C. . A Reforma do Estado nos anos 90: Lógica e Mecanismos
de Controle. Lua Nova. Revista de Cultura e Política, São Paulo, v. 45, p. 49-95,
1998.
COSTA, R. N. As memórias do Comandante: Amaral Peixoto e a política fluminense.
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, n. 35,
2009.
COSTA, V. M. F. Federalismo e relações intergovernamentais: implicações para a
reforma da educação no Brasil. Educação & Sociedade. Campinas, v. 31, n. 112, p.
729-748, jul./set. 2010.
COSTA, A. C.; FERNANDES NETO, E. ; SOUZA, G. A proletarização do
professor: neoliberalismo na educação. 1. ed. São Paulo: José Luiz e Rosa
Sundermann, 2009. v. 1. 142p.
COUTINHO, Fernanda Cariello Gomes. A formação profissional e continuada de
professores da rede municipal de Niterói: reflexões acerca da primeira década do
século XXI. 2011. 170 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
CUNHA, L. A. Contribuição para a análise das interferências mercadológicas nos
currículos escolares. Revista Brasileira de Educação, v. 16, p. 585-607, set./dez. 2011.
CUNHA, Luiz Antonio. Educação, Estado e democracia no Brasil. 6. ed. São Paulo:
Cortez; Niterói (RJ): EdUFF; Brasília (DF): FLACSO do Brasil, 2009. 495p.
CURY, C. R. J. A educação nas constituições brasileiras.. In: Maria Stephanou; Maria
Helena Camara Bastos. (Org.). Histórias e Memórias da Educação no Brasil. Vol. III
- Século XX. Petrópolis: Vozes, 2005, v. , p. 19-29.
DAVIES, N. A educação nas constituições federais e em suas emendas de 1824 a 2010.
Revista HISTEDBR [online], v. 37, p. 266-288, 2010.
DAVIES, N. O financiamento da educação estatal no Brasil: novos ou velhos desafios?
Educação On-Line (PUC-RJ), v. 10, p. 31-63, 2012.
DAVIES, N. Verbas da educação: o legal X o real. v. 1. Niterói: EdUFF, 2000. 118 p.
DIAS, Edmundo Fernandes. Política brasileira: embate de projetos hegemônicos. São
Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2006.
DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas. 3. ed. São Paulo: Lemos e
Cruz, 2007.
DREIFUSS, Renè Armand. 1964 – A conquista do estado: ação política, poder e golpe
de classe. Petrópolis: Vozes, 1981. 814 p.
ENGELS, Friederich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São
118
Paulo: Escala, 2002. 192 p.
ESTEVES, L. C. G. O FUNDEF no Estado do Rio de Janeiro: a óptica dos perdedores.
Revista Brasileira de Educação, v. 12, p. 212-231, 2007.
FARIA, L. C. M. (Org.); SOUZA, S. C. (Org.). Ecos e Memórias de Escola
Fluminense. 01. ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2008. v. 01. 220p .
FARIA FILHO, L. M. (Org.). Educação, Modernidade e Civilização: fontes e
perspectivas de análise para a História da Educação Oitocentista. Belo Horizonte:
Autêntica, 1998. v. 1. 142p.
FERNANDES, Eliane M. A. Por um debate sobre a descentralização de ensino durante
a vigência do FUNDEF (1996-2007). Espaço Público da Educação: emergência de
políticas e práticas de gestão local, regional e nacional. Elvas, Cáceres e Mérida: Espaço
Público da Educação, 2010.
FERNANDES, Florestan. A constituição inacabada: vias históricas e significado
político. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. 381p.
FERNANDES, Florestan. Brasil em compasso de espera: pequenos escritos políticos.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011. 364 p.
FERNANDES, V.C. A trajetória de uma instituição educacional entre o público e o
privado: a Fundação Getúlio Vargas. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
FERREIRA, M. M. A cidade como centro político. MARTINS, I. L.; KNAUSS, P.
(Orgs.). Cidade múltipla: temas de história de Niterói. Niterói Livros: 1997, p. 73-100.
FREITAS, L. C. de. Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do
magistério à destruição do sistema público de educação. Educação & Sociedade
(Impresso), Campinas, v. 33, p. 379-404, 2012.
FORTUNA, M. L. A. Gestão Escolar e subjetividade. 1ª. ed. Sâo Paulo/SP e
Niterói/RJ: Xamã e Intertexto, 2000. v. único. 147p .
GADOTTI, M. Educação municipal e poder popular. Revista Educação Municipal,
ano 1, n. 4, p. 60-66, mai. 1989.
GIDDENS, A. (org.). O debate global sobre a Terceira Via. São Paulo: Editora
UNESP, 2007.
GRAMSCI, Antonio. Obras escolhidas. São Paulo: Martins Fontes, 1978. 421p.
GRAZZIOLLI, Airton. As fundações de apoio às universidades e o relacionamento
público-privado. Disponível em: <www.apf.org.br>.
GUIMARÃES, J. L. Desigualdades regionais na educação: a municipalização do
119
ensino em São Paulo. 1. ed. São Paulo: Editora da Unesp, 1995. v. 1. 120p.
LAGARES, R. A educação municipal no Brasil a partir dos anos 1980: mudanças no
campo das idéias, das práticas e da institucionalização. In: 33ª Reunião Anual da Anped:
Educação no Brasil: o balanço de uma década. Anais... Caxambu, 2010.
LAMARÃO, M. V. M. O Conselho do FUNDEB no Município de Itaboraí e a
democracia da Terceira Via: uma análise crítica. Dissertação. (Mestrado em
Educação). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013, p. 51-87.
Leila Nivea Bruzzi Kling David. A experiência do sistema de ciclos na rede
municipal de educação de Niterói / RJ: da proposta oficial às práticas concretas.
2003. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Niterói.
LUZ, M. da. “Nasce uma Nova Niterói”: representações, conflitos e negociações em
torno de um projeto de Niemeyer. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 15, n.
32, p. 273-300, jul./dez. 2009.
MAINARDES, Jefferson. A organização da escolaridade em ciclos e as políticas de
currículo. In: Revista e-curriculum, São Paulo, v. 7, n. 1, abril/2011.
MATHEUS, D. dos S. Políticas de currículo em Niterói, Rio de Janeiro: o contexto
da prática. 2009. 165 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 18. ed. São Paulo:
Malheiros, 1993.
MILLAR, Priscilla Riddell. Educação inclusiva: demanda outra formação de
professores e cultura escolar? 2011. 127. Dissertação (Mestrado em educação) –
Universidade Federal Fluminense, Niterói.
MORENO, Nahuel. Estado, regime e governo. FELIPPE, Wiliam (Org.). O Estado
burguês e a revolução socialista. São Paulo: Sundermann, 2008. 144 p.
MOTTA, M. S. A fusão da Guanabara com o Estado do Rio: desafios e desencantos.
FREIRE, A. et. al. (Coords.). Um Estado em questão: os 25 anos do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: FGV, 2001, p. 19-56.
OLIVEIRA, M. P. de. Política urbana e o “Caminho Niemeyer” em Niterói-RJ: da resignificação da cidade à (re)valorização do espaço urbano.
OLIVEIRA, R. P. A transformação da educação em mercadoria no Brasil. Educação e
Sociedade, v. 30, n. 108, p. 739-760, 2009.
OLIVEIRA, M. P. de; MIZUBUTI, S. Do local ao global: jogo político, paisagem e
construção de uma nova identidade para a cidade. [s. ed.]: Niterói (RJ), 2007
OLIVEIRA, R. P. A transformação da educação em mercadoria no Brasil. In: Educação
e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 108, p. 739-760, out. 2009.
120
PERONI, V. M. V.; OLIVEIRA, R. T. C.; FERNANDES, M. D. E. Estado e terceiro
setor: as novas regulações entre o público e o privado na gestão da educação básica
brasileira. Educação & Sociedade (Impresso), v. 30, p. 761-778, 2009.
PINTO, J. M. R. A política recente de fundos para o financiamento da educação e seus
efeitos no pacto federativo. Educação e Sociedade, v. 28, p. 877-897, 2007.
PUSTIGLIONE, L. Políticas públicas municipais de ampliação da jornada escolar:
um estudo sobre o Programa Educação Integral da Prefeitura Municipal de Niterói.
Monografia de Especialização. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2012.
RAFAEL, Edson José. Fundações e direito. São Paulo: Companhia Melhoramentos,
1997.
RODRIGUES, Michele Correa. Referencial curricular da educação infantil do
município de Niterói: trajetórias e desafios. 2012. Dissertação. (Mestrado em
educação) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
SAHR, C. L.; SILVA, M. (Orgs.). Espaço e tempo: complexidade e desafios do pensar
e do fazer geográfico. Curitiba: Ademadan, 2009, p. 373-386.
SAVIANI, D. Educação brasileira: estrutura e sistema. 10. ed. Campinas - SP: Autores
Associados, 2008. v. 1. 208p.
SAVIANI, D. A nova lei da educação. 11. ed. Campinas - SP: Autores Associados,
2008. v. 1. 288p.
SAVIANI, D. PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação. 1. ed. Campinas:
Autores Associados, 2009. v. 1. 110p .
SGUISSARDI, Valdemar. Universidade, fundação e autoritarismo: o caso da
UFSCar. São Paulo: Estação Liberdade; São Carlos: Universidade Federal de São
Carlos, 1993.
SGUISSARDI, Valdemar; SILVA Jr., João dos Reis. Novas faces da educação superior
no Brasil: reformas do Estado e mudanças na produção. São Paulo: Cortez, 2001. 279
p.
SILVA, Gil Braga de Castro, SILVA, Daniela de Oliveira & NOVAES, Flávio.
Fundações
Públicas:
breves
comentários.
Disponível
em:
<http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BC24F9A9D-AE90-4F93-99ECCA2083094BFF%7D_fundacoes-publicas-breves-comentarios.pdf>. Acesso em 3 julho
2014.
VIVIANE GUALTER PEIXOTO. A organização da escola em ciclos na Rede
Municipal de Educação de Niterói/RJ: análise do processo de reconstrução da
proposta pedagógica para o ensino fundamental (2005-2007). 2008. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Federal Fluminense.
121
XAVIER, L. N. Inovações e (des)continuidades na política educacional fluminense
(1975-95). FREIRE, A. et al. (Coords.). Um Estado em questão: os 25 anos do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 115-156.
Sites consultados:
www.camaraniteroi.rj.gov.br
www.niteroi.rj.gov.br
www.odia.ig.com.br
www.oglobo.globo.com
www.seperjniteroi.blogpot.com.br
122
APÊNDICES
E
ANEXOS
123
PROPOSTA DE ENTREVISTA SEMI ESTRUTURADA COM PRESIDENTES E
SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃO DE NITERÓI
1 – Qual foi seu envolvimento com a criação da Fundação Municipal de Educação de
Niterói?
2 – Qual sua compreensão sobre a criação da mesma, considerando que já havia uma
Secretaria Municipal da área?
3 – Descreva com maior precisão de detalhes possível, o momento político pelo qual
passava o país e Niterói, especialmente, quando da criação da FME.
4 - Durante o período em que esteve a frente da FME(SME) quais foram as principais
dificuldades e facilidades com esse modelo?
5 – Quais ações, projeto ou programas são os mais relevantes/destacáveis do período em
que você esteve a frente do órgão? Saberia apontar também de seus antecessores e/ou
sucessores?
6 – Você acredita que a educação municipal de Niterói mudou após a FME? Justifique.
7 – Como você enxerga a relação entre FME e SME?
8 – Como ocorre(u) o processo de municipalização do ensino fundamental em Niterói
sob a administração da FME e antes dela?
124
ROTEIRO DE ENTREVISTAS COLETIVAS COM PROFISSIONAIS DA REDE EM
ATIVIDADE NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO SME/FME
1 – Como e quando vocês lembram ter surgido a proposta de passar a administração da
rede municipal de Niterói da SME para a FME? Qual foi a impressão que a notícia
gerou?
2 – De que maneira vocês participaram desse processo de mudança na administração da
educação municipal?
3 – Como/Qual foi a abordagem da administração municipal nesse processo como um
todo e para convencê-los a transferirem-se de quadro?
4 – Qual foi o fator determinante para que vocês aceitassem (ou não) a mudança de
quadro funcional?
5 – Quais foram os impactos desse processo?
6 – Ao longo dos anos, foi possível perceber alguma diferença na forma de administrar
a rede municipal através da FME quando comparada aos tempos de SME? Qual(is)?
125
ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI ESTRUTURADA COM DIRIGENTES DO
SEPE/RJ
1 – O SEPE participou do processo de debates que culminou com a criação da FME?
De que maneira(s) e convocado/provocado por quem?
2 – Quais foram as posições defendidas internamente na direção do SEPE? Todas
chegaram ao conhecimento da categoria representada?
3 – Qual foi a decisão final do SEPE sobre o tema da FME? Foi deliberada em que
instância(s) e tornada pública de que maneira(s)?
4 – Em que momento e por que a discussão se arrefeceu no SEPE e tornou-se
“normal”/”natural” o convívio com o novo órgão dirigente da educação municipal?
5 – Quais foram as principais alterações notadas nas relações com o SEPE, nas relações
laborais com os profissionais e com as escolas da rede?
126
Cadastro de Entrevistados
Nome: ________________________________________________________________
Idade: ______
Ingresso na rede municipal de Niterói (ano/função): ____________________________
Saída da rede municipal de Niterói (ano/função): _______________________________
Motivo da saída: ________________________________________________________
Quadro funcional: ( ) FME
( ) SME
( ) Outro
Qual? ________________________
Contatos: ______________________________________________________________
PARA ENTREVISTADOS SEPE INCLUIR:
Cargo na direção do sindicato à época: _______________________________________
Período de permanência na direção sindical: __________________________________
Vinculado a alguma organização política:
( )sim
( ) não
Qual? ______________________________
127
128
129
130
131
132
133
134
ORÇAMENTO MUNICIPAL DE NITERÓI - EXERCÍCIO 2011
135
136
137
138
139
140
141
142
143
Download

A Fundação Municipal de Educação de Niterói /RJ – efeitos na