A ERRADICAÇÃO DA EXTREMA POBREZA NA BAHIA E A ATUAÇÃO DO
PROCURADOR DO ESTADO.
Cléia Costa dos Santos.1
INTRODUÇÃO.
Pretende-se a análise da atuação do Procurador do Estado da Bahia em
face da erradicação da extrema pobreza no território baiano, inserida no eixo norteador
amplamente divulgado sob título de compromisso social, conjuntamente com os eixos
desenvolvimento e democracia e gestão, ambos a serviço do primeiro eixo e do dever
constitucional de produzir uma sociedade mais justa e fraterna.
Aas recentes formulações de políticas públicas na Bahia indicam que ao
Procurador do Estado, colocando-o no seu mais adequado papel como servidor público
de um Estado Democrático de Direito, inserido na gestão participativa, devem ser
solicitados novos movimentos e manejo de sua atuação, em prol de efetivação de
princípios.
Assim é que, subdividindo essa reflexão no tópico inaugural a Pobreza:
conceito social no Brasil e, em seguida, o Estado Brasileiro Moderno e a Atuação do
Procurador do Estado na Bahia para a erradicação da extrema pobreza, procura-se
descrever o novo estado e sua provocação para celebrar o modelo de democracia
participativa, rumo a um Estado de direitos do ser humano, do qual o Procurador do
Estado deve participar como um elo entre o Estado e a sociedade, como dever
constitucional, decorrente do art. 132 da Constituição Federal.
1
Procuradora do Estado da Bahia.
1
A POBREZA: Conceito social no Brasil.
A pobreza
manifestou-se como fenômeno, nos primórdios do
capitalismo, trazendo consigo a invenção do social.
Até então as diferenças econômicas, firmadas entre os ricos e pobres não
tinham assegurado notoriedade e importância capazes de encetarem o rompimento da
coesão social, organizada na crença de um determinismo religioso, da superioridade do
poder do rei emanado do poder divino e de uma estrutura social na qual os senhores e
vassalos permaneciam vinculados à sua terra de nascimento, tornando raras as
movimentações em terras desconhecidas, a não ser que a hipótese fosse operações de
conquistas promovidas em nome da fé ou das guerras por territórios, promovidas pelos
já afortunados.
No Século XVII, porém, a expansão do capitalismo industrial representou
a mudança paradigmática da relação do homem com a terra, com os meios de produção
e as suas conseqüências foram reconhecidas como determinantes para o rompimento da
coesão social e desfiliação do sistema de proteção estruturado na lógica do
pertencimento familiar, o qual deixou de ser eficaz para a reestruturação produtiva do
período.
O sistema produtivo reorganizado a partir dos princípios da liberdade e
igualdade, diante de desiguais e despossuídos, vingou com grandes conseqüências para
o modelo de proteção vigente, entre as contradições da liberdade política e igualdade
formal; entre as contradições das idéias de democracia e progresso e a real perda de um
lugar definido para cada um na sociedade, enfim “uma invenção hibrida”, para Ivo2.
Segundo Polanyi3, a descoberta da sociedade emerge esteada em termos
intrinsecamente relacionados entre o pauperismo e a economia política, ambos
2
IVO, Anete Brito Leal. Viver por um fio. A pobreza e política social. São Paulo, Annablume; Salvador:
CRH/UFBA, 2008.
3
POLANYI, 128,2000
2
fenômenos da era moderna, lado a lado produzindo as contradições do sistema do
capital, regido pelo livre mercado.
A pobreza como questão social provocou a inconclusa discussão em
derredor do pacto contratual da sociedade e o lugar de cada um no mundo que se
propunha, sob o regime capitalista, promover riqueza para todos, tendo por um dos
pilares o mercado auto-regulável.
Contraditoriamente, a cada passo do capitalismo em prol de sua
hegemonia, sob controle do mercado auto-regulável e sua proposta de timoneiro da
sociedade, maior a expansão do pauperismo produzido, com guerras, desequilíbrio
ambiental, pandemias e descrédito da utopia de prosperidade para todos.
Na medida em que a pobreza é um fenômeno de massa, retira da
invisibilidade
seres humanos desiguais e sem efetiva liberdade, no sistema que
mercantilizou a força trabalho, desviou a finalidade de uso da terra e substituiu o
padrão-ouro, para o capital volátil e de movimentação flexível.
Consagrada como questão social, a pobreza passa a ser o elo de reflexão
sobre a sociedade, motivo para construção de programas governamentais e o incentivo
para o seu enfrentamento é permanente, desde que não haja abalo na lógica do
capitalismo e sua contínua busca de hegemonia planetária, na transformação de todos
em consumidores.
Se a pobreza é indiscutivelmente a manifestação mais ostensiva da
inviabilidade de um dos pilares da civilização moderna – o mercado auto-regulável - é
também o fenômeno mais analisado e objeto de ajudas humanitárias dos organismos
internacionais e de nações, por força do seu poder lesivo à paz, esta tão necessária à
fluência do próprio capitalismo de mercado.
Como fenômeno inerente ao capitalismo, o propósito não é desativar as
fontes da pobreza, ao contrário, mantê-la
sob controle e ao enfrentar resistências
formula novas mutações para sua auto-preservação. A extrema pobreza é a pobreza sem
controle e desinteressa ao capitalismo, pois significa a exclusão social completa de
3
consumidores. Ou seja, o enfrentamento mundial do sistema capitalista não se propõe a
extinguir a pobreza e sim a extrema pobreza ou pobreza absoluta.
A questão do pauperismo na obra de Karl Marx, segundo Ivo 4 pode ser
observada a partir de duas dimensões, sendo a primeira delas relacionada à lei
econômica de acumulação e exploração do trabalhador, para extração da maior valia e
que “[...] a pobreza se situa no âmbito da análise das classes sociais”.
O pobre, como esse resultado inevitável do capitalismo, é um fenômeno
mutável, em grandeza, localização e identificação e, portanto, suscetível de
conceituação distinta seja nos documentos de organismos internacionais, como é o caso
do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD e nos diversos
programas de combate à pobreza no mundo e no Brasil.
Cuidando da pobreza sob análise monetária, Salama e Destremau 5
identificam pobreza absoluta com o conceito no qual o indivíduo ou grupo familiar nela
inserido não conseguiria reproduzir renda suficiente para suprir as calorias necessárias à
vida, enquanto a pobreza relativa pressuporia sempre a posição do indivíduo em relação
à sociedade.
Ivo6 alerta para o fato de que a construção das políticas sociais centradas
no conceito de pobreza desagrega o binômio capital-trabalho e explicita que “a
prioridade da questão social em termos de pobreza produz um deslocamento da
identidade dos trabalhadores, aprofundando-a como pobres”.
As décadas de 1990 e 2000, diz a autora, ao priorizarem a ação da
proteção aos mais pobres, retornam a uma representação da „pobreza‟ dissociada da
dimensão do trabalho” e se voltam para o desenho da representação de pobreza, eficaz
para deslocar, mais uma vez para o campo econômico a questão social.
4
(idem, p.40)
SALAMA, Pierre DESTREMAU, Blandine. O dinheiro e a pobreza. ____ In O tamanho da pobreza.
Trad. Heloísa Brambatti, Rio de Janeiro, Editora Garamond Ltda.,p.51, 1999.
6
(idem, 226)
5
4
A primeira consequência é o afastamento do Estado do seu papel de
mediador entre as forças conflitantes do trabalho e capital, reduzindo a sua importância
no cenário social, fortalecendo a concepção liberal e da auto-regulação do mercado,
como balizadores do equilíbrio das relações sociais.
Com a representação da pobreza valorizada, a modernidade despolitiza
os arranjos sociais e no Brasil se transforma em agenda de governança o objetivo
fundamental da República – erradicar a pobreza - elencado na Constituição Federal, da
década de 1980.
A escolha, porém, fomentada nas agendas dos organismos internacionais
e pela agenda política brasileira, longe de produzir o enfrentamento das desigualdades
estruturantes vem possibilitando a ascensão da lógica neoliberal, da prevalência do
econômico como regulador das relações sociais e retração da dimensão política do
social.
Trabalhando no enfrentamento da pobreza, sem a dimensão política, é
possível deixar na invisibilidade a riqueza do Brasil, travando a discussão no estrato da
sociedade, do que ainda aceitam um tratamento não cidadão no enfrentamento da
questão social da pobreza, isolando-se das soluções exatamente a camada dos que detêm
a acumulação de riqueza do país.
A questão no Brasil é antiga e se relaciona com a sua ocupação histórica,
decorrência da pressão européia e seu desejo de rateio da conquista portuguesa.
Dessa forma de ocupação decorreu o pilar da formação econômica, ao
tempo em que se agregaram privilégios e desenlace completo às pressões do movimento
operário europeu já existente à época.
A distribuição de terra criou vínculos exclusivamente econômicos,
objetivando lucros para os detentores dos investimentos, além da relação negativa da
cobrança de impostos pela Coroa, encarada como um peso para o Brasil, desatrelado de
qualquer obrigação social para o Estado Português.
5
Tal modelo possibilitou a implantação de relações exploratórias com a
terra, domínio dos povos nativos e a centralidade na relação escravocrata para o
trabalho, em monoculturas agrícolas.
Atrelado ao desafio de ocupações das novas terras, o amigo do rei e
investidor traziam em sua bagagem poder político e supremacia sobre os processos de
exploração da natureza.
Distorções da base de formação social brasileira aprofundaram
rapidamente um fosso entre os co-participantes do processo civilizatório, dando origem
a reflexa concentração de rendas e bens para uma parte da população, antes detentores
dos meios de produção agrícola, mas a partir do início do Século XX, detentores da
produção agrícola-industrial.
Nos primórdios civilizatórios brasileiros foram plantadas as bases para a
naturalização da pobreza e as desigualdades sociais em um território promissor de
riquezas.
Com a movimentação migratória, nos idos do Século XIX e a chegada de
novos grupos étnicos oriundos principalmente da Itália, em busca de novas
oportunidades de trabalho, o Brasil conheceu a segunda onda de exclusão social de seus
primeiros ocupantes dominados, exatamente na inaugural construção do trabalho
assalariado.
Furtado7 (1961,172) afirma que “fato de maior relevância ocorrido na
economia brasileira no último quartel do Século XIX foi, sem lugar a dúvida, o aumento
da importância relativa do setor assalariado”.
A despeito dessa transformação, o Brasil continuou excludente e
minimamente ofereceu chances de integração social a massa de brasileiros libertos do
sistema escravocrata, os nativos e os trabalhadores informais, pequenos comerciantes,
mantidos sem acesso à terra, ao trabalho assalariado e a qualificação para o novo
desafio industrial em curso no país.
7
FURTADO, Celso. A formação econômica do Brasil. 4ª. ed. Rio de Janeiro, Editora Fundo de
Cultura172, 1961.
6
O pacto das elites econômicas e a concentração de renda não se alteram e
se mantiveram entre os latifundiários, produtores agrícolas de monoculturas dos
diversos ciclos econômicos, a nova elite industrial e o poder público.
No domínio da terra, base para a produção agrícola nos diversos ciclos
econômicos (açúcar, borracha, café, etc) e, posteriormente, de posse dos meios de
produção industrial, a elite brasileira concentrou riquezas, acumulando-as, sem cumprir
como o pacto social da civilização européia, centrado no contrato social de repartição de
direitos e deveres.
A acumulação de riqueza, enfim, que se processou ao longo de
séculos, para uma mínima parte da população brasileira é, ao mesmo tempo, o principal
fator de identificação dos pobres e dos ricos no Brasil. Os primeiros, expropriado de
um pacto social centrado na igualdade de oportunidades, expropriado do acesso à terra e
dos meios de produção, da maior valia de sua força trabalho e os outros autorizados pelo
sistema político-econômico nacional ao gozo de privilégios e beneficiado por um
sistema eficaz de proteção de sua riqueza, firmado (verbalmente) entre a elite
econômica e o poder político.
Anete Ivo distingue a pobreza no Brasil como um fenômeno estrutural de
massa e não residual, sendo diferente de outras regiões do mundo. Ela não resulta da
insuficiência de riqueza e sim efeito da desigualdade econômica e social; uma questão
política que interfere nas condições de sua redistribuição entre todas as pessoas da
sociedade.
A pobreza, e nela inserida a faceta da extrema pobreza, no Brasil, realça
a questão política da exclusão social. Com a escolha, porém, de enfrentá-la, por
programas de transferência de renda certamente não se interferir no pacto celebrado
entre o poder público e as elites econômicas, causa originária do fosso existente entre os
mais ricos e aqueles que ocupam a linha de pobreza absoluta.
A extrema pobreza, enfim, é a situação de privação do individuo cujo
bem estar é inferior ao mínimo do que a sociedade a que ele pertence julga obrigado a
garantir. É um fenômeno complexo que envolve outras dimensões além da renda, como
7
acesso a serviços e o exercício da cidadania, mas se julga que a renda é um dos
indicadores mais importantes do bem estar social, por estar associado as outras
dimensões do fenômeno. O IPEA identifica a faixa de extrema pobreza em R$ 70,00
por mês como renda familiar (janeiro/2010).´
A Bahia, no ano de 2001, contava com 21,2% de baianos na linha de
pobreza extrema e em 2010 essa percentagem havia sido reduzida para 10,2%. Embora
a pobreza esteja distribuída em todo o território baiano afeta principalmente as áreas
rurais, os municípios pequenos e as crianças, o que orienta para a ascensão de ações
sociais para o seu enfrentamento.
Esses índices, tanto o de 2001, quanto o de 2010 expressam o trabalho
que vem sendo realizado no Brasil no sentido de identificar aqueles que se achavam na
faixa de invisibilidade, a demonstrar, por conseqüência, que até mesmo para a sociedade
capitalista é indesejável a absoluta ou extrema pobreza.
Também assegura que a naturalização da pobreza, que esconde o
desrespeito ao pacto social de igualdade não é tolerada quando se trata de sua extrema
manifestação e as ações governamentais se voltam para o enfrentamento dessa moléstia
social.
É nesse contexto que é possível analisar a atuação do procurador do
Estado e a erradicação da extrema pobreza.
O ESTADO BRASILEIRO MODERNO E A ATUAÇÃO DO PROCURADOR DO
ESTADO DA BAHIA PARA A ERRADICAÇÃO DA POBREZA EXTREMA.
A abordagem da pobreza sob os aspectos de sua manifestação extrema
relaciona-se com a escolha da agenda governamental baiana de enfrentar
prioritariamente os problemas sociais oriundos do grupo de excluídos sociais que estão
8
na invisibilidade completa das políticas públicas, sejam as compensatórias, sejam as
emancipatórias.
Com a década de 2000, rica nas discussões críticas de muitos
paradigmas, revelou-se a necessidade de modelar o Estado Brasileiro para efetivar
direitos sociais, centrado em princípios traçados constitucionalmente na década de 1980.
Os objetivos da republica brasileira, previstos no art. 3º da Constituição Federal
continuam adornos, uns mais admirados que outros, mas todos a exigirem efetividade, a
fim de instrumentalizar os princípios inseridos no art. 1º do mesmo texto.
Por sua vez a pretendida
hegemonia
capitalista, sob cosmovisão
ocidental, o ataque ao Estado Social europeu, a globalização com ênfase no econômico,
a volátil flexibilização das fronteiras para a livre movimentação do capital revelaram
perigosos
desmontes da
estabilidade das relações sociais e a resposta foi o
questionamento do modelo civilizatório europeu e o abandono de alguns dogmas,
inclusive com fraturas ao positivismo jurídico, para manejo de novos paradigmas, etc.
O Estado, como importante instituição para a mediação dos conflitos
sociais, reduzido na década de 1980 e apartado de algumas das proteções sociais sob a
sua batuta, foi reconvocado ao enfrentamento da questão social contemporânea,
resignificada como exclusão social, do qual a extrema pobreza extrema é uma das
principais manifestações.
Sob título de políticas públicas, o Estado Brasileiro, mais particularmente
a partir do ano de 2003, retorna ao cenário, pressionado pela ação da sociedade, pelos
organismos internacionais, a fim de prestar serviço público, sob fundamento dos direitos
constitucionais, inseridos nos texto na Carta Magna de 1988.
No Brasil, a questão da reforma do Estado é muito antiga, estando
sempre em debate o estado patrimonialista, ineficiente, autoritário, além do conflito
entre a ideologia de não intervencionismo e privatismo defendidos por grupo da elite
brasileira. Na história das reformas brasileiras, porém, o que sempre ocorreu foi a
prevalência da dimensão econômico-financeira e da institucional-administrativa sobre
9
as dimensões sócio-econômica e sócio-política, as quais permitiriam a inclusão da
participação cidadã nas decisões estatais.
À evidência, confirmou-se no Brasil o avanço do modelo
gerencial, com mudanças significativas no texto da Constituição Federal produzido na
década de 1980, a fim de confirmar a sua inserção, a exemplo do princípio da co-gestão,
fortalecimento do Estado mínimo, com uma onda de privatizações, redução do papel do
estado social etc.
Entretanto, sem explicações objetivas, a ascensão do projeto neoliberal
foi estancado e, em continuidade, a vitória da frente popular liderada por Luis Inácio
Lula da Silva. As urnas disseram que pretendiam uma nova prática política, o que de
certo passou a exigir uma nova atuação administrativa, muito mais adequada ao modelo
de administração participativa.
Um dos desafios desse novo período foi certamente a identificação das
ações políticas que são correlacionadas com os direitos de cidadania e os que são ações
políticas necessárias às práticas burocráticas, bem assim a identificação do papel do
cidadão e do gestor público na construção da decisão político-administrativa.
Na prática, porém, o que existe é uma administração com lacunas
consideráveis em fase de construção, a partir do fortalecimento de algumas experiências
participativas, através de fóruns temáticos, conselhos gestores de políticas públicas, em
especial, as relacionadas com direitos humanos e orçamento participativo.
A experiência contemporânea brasileira tenta extrapolar os limites da
democracia representativa, valorizando alguns instrumentos já existentes e adaptando
outros para aprimorar o mecanismo dialógico que deve presidir uma democracia
participativa.
Para Paula8 afirma que
8
PAULA, Ana Paula de Paes. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência
contemporânea. Editora FGV, Rio de Janeiro, p. 158, 2005.
10
“a vertente societal ainda não definiu completamente sua
visão de desenvolvimento; mas tende a partilhar de um
novo conceito que enfatiza a qualidade de vida e a
expansão das capacidades humanas, redefinindo o que
entendemos por privação e bem estar, além de reformular
as práticas políticas que conduzem a isso”.
Essa noção envolve uma nova percepção da globalização, a qual
respeita a realidade local, preserva a diversidade cultural, além de considerar que o
problema político da escolha e da decisão não se limita ao interesse de mercado e mero
desenvolvimento econômico. É um parêntese qualificado na abordagem neoliberal, com
respeito às diferenças das diversas realidades nacionais e locais, em prol do verdadeiro
fortalecimento da condição humana.
Construir esse novo caminho exige reconhecer atores sociais
excluídos e iniciar uma “gramática de organização da sociedade e da relação entre o
Estado e a sociedade”, conforme SANTOS9, com estrutura administrativa permeável,
acessível e receptiva à participação popular, com autonomia e poder de interferência na
decisão político-administrativa em prol do interesse público, coletivo.
A gestão societal ou administração participativa, portanto, tornar-seá visível, na medida em que a descentralização do aparelho do Estado envolver novos
atores, modelando instrumentos constitucionais, que tenham por base a valorização e
aperfeiçoamento do amplo diálogo entre o Estado e o cidadão.
Assim, necessária para a emancipação social, a previsão de um
novo modelo de reconhecimento prático da democracia participativa,
“que transcende a instrumentalidade e tenta abranger a
dimensão sociopolítica da gestão pública. A democracia
participativa pode ser definida como um sistema
9
SANTOS, Boaventura Souza. Democratizar a democracia. Os caminhos da democracia participativa. 3ª
ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, p.51, 2005.
11
piramidal ,com democracia direta na base e democracia
por delegação nos outros níveis” 10.
Para essa resposta da modernidade - a administração pública
societal – em plena construção e contra ponto a hegemônica do modelo projetado pelo
neoliberalismo, são necessárias experiências transformadoras das relações entre Estado
e a Sociedade, com um novo de gestor público e, certamente, o amadurecimento
conceitual do cidadão, para a ênfase na participação social.
Assim é insofismável que a problemática do modelo de gestão
está correlacionada à dimensão democrática do Estado que se trata, bem como do
cidadão que este cuida.
É possível antecipar que há inadequação do modelo de
administração pública gerencial para a prática de uma democracia participativa. Da
mesma forma, que o fenômeno é verdadeiro quando se está diante de uma experiência
neoliberal, em relação a uma administração pública societal, porque valores, princípios
e propósitos distintos entre os modelos.
Os
diversos
instrumentos
previstos
formalmente
no
ordenamento jurídico podem ser trajados em modelos diferentes, na medida em que
passem por adaptações, as quais preservem a identidade do modelo. De certo, que
podem surgir monstros ou deformações para os instrumentos, contudo é o risco que o
gestor correrá ao manejar instrumentos administrativos em um ou outro modelo. O
gestor público e todos os servidores responsáveis pela efetividade do modelo de
administração participativa necessitam compreender exatamente a sua função e
remodelar-se para a lógica desse modelo.
Sob manto da Constituição Federal, frise-se, é possível transitar de
um modelo de administração gerencial para o modelo de administração participativa
sem esforços, bastando que se atribua maior ênfase para um ou outro princípio
10
PAULA, Ana Paula de Paes. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência
contemporânea. Editora FGV, Rio de Janeiro, p. 160, 2005.
12
constitucional. Não é difícil afirmar que o modelo de estado democrático brasileiro é
muito imaturo, com a participação do povo ainda em construção.
Moreira Neto11 afirma que a “reposição do homem como
protagonista central da política e do Direito não reduziu, porém, papel do Estado como
instrumento fundamental da Sociedade” e acrescenta:
“Realmente, os tradicionais e necessários vínculos de
legalidade – que caracterizavam suficientemente o
Estado de Direito – cederam espaço para a inclusão de
novos vínculos de legitimidade – sem os quais não se
viabilizaria
a sua caracterização como Estado
Democrático de Direito”.
O Estado, portanto, se constitui em elo importante na
transformação social, porque pode traduzir os anseios da sociedade e os concretizar,
mais proximamente do centro de poder que são coletivamente os cidadãos.
Moreira Neto completa12:
“No que tange especificamente às imbricações
entre o Direito Constitucional e o Administrativo,
encontram-se elas perfeitamente sintetizadas na
seguinte passagem de Umberto Allegretti: Dever
do Estado é o serviço dos direitos e, portanto, dos
direitos dos cidadãos derivam as tarefas do
Estado e a missão da Administração.
Ainda como uma importante conclusão que se
retira dos recentes escritos nessa linha, destaca-se
a que remarca a evolução do conceito de poder de
Estado para a de função de Estado e, nesse
sentido, sublinha a funcionalização da atividade
11
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Quatro Paradigmas do Direito Administrativo Pós-Moderno.
Legitimidade, Finalidade. Eficiência.Resultados, Belo Horizonte, Fórum, 2008, p. 20/21.
12
Idem, p. 45.
13
administrativa para a efetiva, eficiente e legítima
realização dos direitos das pessoas, o que passa a
ser a adequada interpretação dos cometimentos
constitucionais...”
Ou seja, essa proposta de concepção de Estado, além de atribuir
centralidade à pessoa e segundo o autor permite o movimento no sentido do “consenso
à cultura, desta à legitimidade, e, por fim, aos direitos do homem” deixando como
conseqüências a evolução do Estado de sujeição a “Estado de serviço” e de antigas
prerrogativas de poder às atuais funções estatais”.
Nesse sentido precisam ser trazidos instrumentos da ação estatal
que possibilitem a materialização dos princípios constitucionais, todos caros e esteios
à participação popular.
É exatamente da complexidade de efetivar uma democracia
participativa e a implantação da administração pública correlacionada a esse modelo
que surge a necessidade de reformular a atuação do Procurador do Estado, servidor
público escolhido pelo sistema constitucional para representar o Estado na esfera
judicial e concretizar, com sua atuação, o elo ente o Estado e sociedade. Ou seja,
construir-se como elo comunicacional da estrutura estatal e a sociedade, na revelação da
escolhas administrativas formuladas pelos Poderes Constituídos (Executivo, Legislativo
e Judiciário) e em especial dos eixos norteadores estabelecidos pela ação
governamental, a fim de realizar as funções estatais do Estado de serviço.
O Procurador do Estado estará, portanto, no seu cotidiano, em
todas as suas manifestações de consultoria e na representação judicial a serviço da
materialização das opções administrativas realizadas pelo Estado, sob o paradigma da
legitimidade, se o objetivo for verdadeiramente a visibilidade do Estado Democrático de
Direito.
Ainda que o processo democrático esteja em curso já é visível o
desconforto com antigos paradigmas e no interior da administração baiana a ascensão
das políticas públicas é pressão resultante das escolhas administrativas.
14
Tais transformações reservam para o Procurador do Estado novos
desafios e lhe exigem novo perfil de atuação. O distanciamento desse movimento
renovador provocam críticas veementes ao modelo de Procuradoria existente e o lugar
social que o Procurador do Estado deve ocupar diante dos diversos conflitos sociais.
A escolha da pauta governamental deverá repercutir imediatamente
na atuação do Procurador do Estado e esta deverá revelar os princípios fundamentais da
Republica Brasileira, os seus objetivos previstos no art. 1º e no art. 3º da Constituição
Federal, porque neles estão centradas as ordens de como deve atuar a administração
pública.
Daí decorre a rigorosa observação dos eixos norteadores escolhidos
para a ação governamental para alinhar o discurso à prática de qualquer administração
pública.
No Estado da Bahia a atuação gestão divulgou as suas ações
distribuídas em três eixos: compromisso social, desenvolvimento, democracia e
gestão13.
No eixo compromisso social estão agrupadas ações que objetivam a
transformação da realidade social da Bahia, com ênfase na erradicação da extrema
pobreza e redução do índice de pobreza, com investimentos em infraestrutura social,
como saneamento básico e habitação, entre outros.
Embora inteiramente interligados os três esses e as diversas ações
detalhadas nos diversos programas e projetos insta destacar a correlação entre o eixo de
compromisso social e democracia e gestão, na medida em que esse último objetiva
“consolidar um ambiente de convivência democrática com a
construção de novas formas de interação entre o Estado e
sociedade e o estímulo ao diálogo e à participação popular. A
modernização de gesto, melhorias na qualidade dos gastos
13
www.casacivil.ba.gov.br
15
públicos e a valorização dos servidores estaduais integram o
eixo”
O Procurador do Estado necessita adequar-se, inteirado da novel
provocação, ao novo modelo de gestão administrativa, alinhando a sua atuação ao
propósito de assegurar essa comunicação do Estado com a sociedade. E não se entenda
que é apenas um desejo da ação governamental presentemente, mas um movimento sem
retorno em busca da democracia participativa.
Nesse
particular
é
impraticável
referir-se
à
democracia
participativa, sem a extinção da extrema pobreza e o Procurador do Estado deverá atuar
em qualquer área (consultoria ou judicial) na dimensão de enfrentá-la, adotando como
eixo norteador das escolhas que proponha ao gestor público. A fundamentação é única:
os princípios constitucionais (o preâmbulo da Carta Magna, o art.1º e o art. 3º, inciso
III, da Constituição Federal). O paradigma inflexível é o da legitimidade e a finalidade
é a concretização do Estado de serviço, com as funções estatais, no rumo ao Estado dos
direitos do ser humano.
A hipótese, portanto, que por ora se formula como contribuição de
pesquisa é que o exame sobre a adequação do programa, projeto, defesa em juízo ou
perante os Órgãos de Controle Externo (Tribunais de Contas)
sob dimensão de
erradicação da extrema pobreza na Bahia é matéria prejudicial em todos os exames e
pronunciamentos do Procurador do Estado. Ou seja, antes do exame e orientação sobre
qualquer escolha do gestor público, deve o Procurador examinar se a ação será efetiva
para o combate e extinção da extrema pobreza.
O exame será obrigatório nas ações dos três eixos norteadores
escolhidos pela pauta governamental e deverá será tópico precedente a qualquer exame,
em especial nas ações, programas e projetos dos eixos de desenvolvimento e
democracia e gestão, pois o alvo direto pode não ser exatamente a ação social do
Estado, mas o impacto deve ser a extinção da extrema pobreza. Assim, projetos de
infraestrutura podem ser censurados com base nos princípios constitucionais e na
finalidade de concretização do Estado de serviço, se houver impropriedade destes no
enfrentamento da pobreza absoluta.
16
Por fim, é indispensável afirmar que a hipótese também se centra
na proposição de que a sua efetivação exige a natureza vinculativa do pronunciamento,
impondo-se que, para contrariá-lo, o gestor público precise fundamentar sua
inconformidade e a remeter a autoridade máxima do Poder Constituído (Executivo
Legislativo ou Judiciário), para a apreciação global, conjunta, com outros programas,
projetos e ações de Secretaria e demais Órgãos, com aferição de sua possibilidade de
realizar o combate a moléstia social a ser de logo extinta do território baiano.
O descumprimento desse caminho lógico de controle da
adequação da ação pretendida, quando for censurada no pronunciamento vinculativo do
Procurador do Estado acarreta a obrigatoriedade de medidas do controle interno e
externo dos atos administrativos produzidos pelo gestor.
A inadequação ou ineficácia do programa, projeto ou ação que
não tenha conseguido suportar esse exame prévio, prejudicial em relação ao seu mérito,
importará na construção de ato administrativo eivado de vício insanável, revelando
instrumento objetivo de controle social, produzido pelo servidor público responsável
constitucionalmente na produção do elo entre o Estado e a Sociedade, seja na esfera
extrajudicial ( consultoria e assessoramento jurídico), seja na esfera judicial.
Aos Órgãos de controle interno e externo será de grande valia a
existência desse pronunciamento prévio de adequação e eficácia, sob eixo do
compromisso social – combate à extrema pobreza – porque a apreciação dos aspectos
econômicos, sociais do programa, projeto e ações já será fundamentado no
pronunciamento jurídico do órgão do Estado e a falta de observância promoverá
medidas de interrupção, alteração do curso do programa, projeto ou ação, com
responsabilização do gestor.
Evidente que o Procurador do Estado deverá promover uma verdadeira
revolução na percepção do seu próprio papel, comprometendo-se institucionalmente por
todas as ações, projetos e programas a responder funcionalmente quando falte a esse
dever constitucional, adotando, com rigor a observância do eixo compromisso social –
extinção da extrema pobreza - norteador do desenvolvimento do Estado da Bahia.
17
CONCLUSÃO.
Uma vez que as reflexões foram construídas para analisar a atuação do
Procurador do Estado da Bahia frente à erradicação da extrema pobreza na Bahia,
propõe-se como conclusão: o Procurador do Estado da Bahia deverá pronunciar-se
prévia obrigatoriamente sobre a adequação do programa, projeto, ação ou defesa
judicial as ações de combate à extrema pobreza, sendo esse pronunciamento prejudicial
de mérito a qualquer atuação do Estado, na esfera extrajudicial (consultoria ou
assessoramento jurídico) ou judicial, com fundamentação única nos princípios
constitucionais (o preâmbulo da Carta Magna, o art.1º e o art. 3º, inciso III, da
Constituição Federal), com o paradigma inflexível da legitimidade e a finalidade
centrada na concretização do Estado de serviço, com as funções estatais, no rumo ao
Estado dos direitos do ser humano.
Repita-se que o pronunciamento é vinculativo para a atuação do gestor
público e responsabilidade funcional do Procurador do Estado.
A inadequação de qualquer ação, projeto ou programa importará em vício
insanável e a oposição do gestor àquele pronunciamento deverá determinar a remessa do
processo administrativo diretamente a autoridade máxima do Poder Constituído que se
cuide (Executivo, Legislativo ou Judiciário), para que possa analisar sua adequação ou
não em face de outros programas, projetos ou ações definidas nas demais Secretarias ou
Órgão Públicos.
A falta de observação dessa exigência acarretará:
1. Nulidade do ato administrativo e responsabilização do Procurador que deixou
de promover o exame prévio e obrigatório e responsabilização do gestor
resistente a orientação vinculativa, cuja oposição demandará exame direto da
autoridade máxima do Poder Executivo, do Poder Legislativo ou do Poder
Judiciário, conforme se trate de ação, projeto ou programa de um desses
poderes constituídos.
2. Atuação dos Órgãos de controle interno e controle externo, a fim de corrigir o
percurso daquela ação, projeto ou programa, interrompendo ou alterando o seu
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curso para a adequação ao eixo condutor do Estado, com as providências de
responsabilização aplicáveis.
3. O novo modelo de gestão participativa em plena construção exige um novo
perfil de Procurador de Estado na Bahia, baseado em novo paradigma centrado
na efetividade dos princípios constitucionais, atraindo a necessidade de novos
processos de seleção, avaliação da adequação do servidor ao cargo, atualização
de sua formação profissional e a mensuração de sua permanência no exercício
desse mister constitucional, a partir desse novo paradigma.
4. Como referência para reforma legislativa a inclusão na lei estrutural da
Procuradoria Geral do Estado da imposição do pronunciamento vinculativo do
Procurador do Estado, em exame prévio e prejudicial de mérito, quando se
tratar do eixo norteador erigido publicamente pelo Poder Constituído, cujo
processo esteja sob análise.
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1 A ERRADICAÇÃO DA EXTREMA POBREZA NA BAHIA E A