LINHA DE EXTREMA POBREZA E PÚBLICO-ALVO
A linha de extrema pobreza do Plano Brasil sem Miséria tem vários usos: diagnóstico inicial da
população extremamente pobre em todo o país; acompanhamento da trajetória da taxa de
extrema pobreza ano a ano; seleção do público beneficiado por iniciativas do Plano.
Segundo o Compêndio sobre Melhores Práticas em Medição de Pobreza (página 141), em países de baixa renda per capita, onde a população é predominantemente rural e a economia de
mercado é menos desenvolvida, o uso da abordagem das privações (multidimensional) é mais
adequado do que linhas monetárias. Já nos países com grande proporção de população urbana e grande economia de mercado, linhas de pobreza absoluta podem ser mais apropriadas.
O Brasil se encaixa no segundo caso. A abordagem unidimensional propicia uma boa aproximação das várias dimensões da situação de pobreza do público-alvo. Ao mesmo tempo, a
linha monetária traz as vantagens da simplicidade e da transparência, facilitando o acompanhamento pela sociedade. Mas isso não significa que o Plano Brasil sem Miséria deixe de lado
tanto a atuação quanto as medições de um ponto de vista multidimensional.
Definição da linha
Ao longo dos anos, várias foram as tentativas de estabelecer uma metodologia e uma linha
oficial de pobreza no Brasil, com a formação de grupos de trabalho e comissões técnicas dedicadas a essa tarefa. Nenhuma dessas iniciativas conduziu a um consenso. Mas ao dar início
ao desenho do Plano Brasil sem Miséria, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome (MDS) deparou-se com a necessidade de definir a linha de extrema pobreza que lhe
servisse de parâmetro.
Tendo em conta que nenhuma das abordagens é consensualmente reconhecida como melhor
do que as outras, cada uma apresentando suas vantagens e suas limitações, e ciente do tempo
e da energia gastos anteriormente em tentativas frustradas de estabelecer uma linha — até
por haver participado de parte dessas tentativas —, o Ministério percebeu que precisaria ser o
mais pragmático possível. Deixou de lado a ideia de criar uma nova comissão técnica em busca de consenso para definição e mensuração da pobreza, e resolveu concentrar seus esforços
na definição da política pública para superação da extrema pobreza.
Quanto à decisão sobre a linha, optou-se por recorrer a uma das alternativas já disponíveis, e
a linha de extrema pobreza do Programa Bolsa Família, que na época do lançamento do Plano
Brasil sem Miséria (junho de 2011) era de R$ 70,00 mensais por pessoa, foi identificada como
principal parâmetro para balizar o Plano. Assim, as linhas de extrema pobreza do Plano Brasil
sem Miséria e do Programa Bolsa Família, embora estejam definidas em normas diferentes, têm
“caminhado” juntas. Um dos principais motivos é o aproveitamento de sinergias entre as ações
do Plano: o uso compartilhado do sistema de pagamentos do Bolsa Família (que atende outros
programas do Brasil sem Miséria, como o Bolsa Verde), por exemplo, não produziria os mesmos
ganhos de eficiência se houvesse pluralidade de linhas, o que tornaria a operação muito difícil.
Embora não exista um critério de reajuste periódico para a linha do Brasil sem Miséria, ambas
as linhas (a do Brasil sem Miséria e a do Bolsa Família) foram reajustadas em 2014 para R$
77,00 mensais per capita, dada a necessidade de atualizar seu poder de compra.
Diagnóstico da extrema pobreza
Uma vez estabelecida a linha de extrema pobreza de R$ 70,00 per capita mensais, aplicou-se
essa linha aos resultados do Censo de 2010, o que proporcionou informações sobre a dimen-
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são, a localização e as características socioeconômicas da população com renda abaixo do
patamar de extrema pobreza.
Foi possível verificar, por exemplo, que quase a metade dos extremamente pobres do país vivia em áreas rurais, a despeito de essas áreas concentrarem apenas 15% da população total do
Brasil. Isso sublinhou a importância de estabelecer estratégias diferenciadas para a população
do campo no Plano Brasil sem Miséria.
Em termos de faixa etária, o Censo mostrou que era necessário ter foco nas crianças e adolescentes, pois mais da metade dos extremamente pobres tinha menos de 19 anos, e quatro
em cada dez tinham até 14 anos. O Censo trouxe ainda informações sobre acesso à água em
zonas rurais, incidência de analfabetismo, entre outras que ajudaram na definição das estratégias do Plano Brasil sem Miséria.
Acompanhamento da evolução da taxa de extrema pobreza
Embora não proporcione desagregação dos dados em nível municipal como o Censo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) é divulgada anualmente, o que possibilita o
acompanhamento anual da evolução da taxa de extrema pobreza, tendo por base o parâmetro da linha de extrema pobreza. Nesse acompanhamento, o Plano Brasil sem Miséria desconta
o efeito inflacionário. Com isso, mesmo nos períodos em que não houve reajuste da linha, a
atividade de monitoramento da evolução da extrema pobreza não fica prejudicada.
Seleção de público prioritário
Mais do que mensurar a extrema pobreza, o Plano Brasil sem Miséria foi criado com a missão
de superá-la. O Cadastro Único para Programas Sociais é a única fonte de informações que,
quantifica, localiza e qualifica os brasileiros mais pobres, permitindo ao poder público agir
para diminuir sua pobreza, nas várias dimensões em que ela se manifesta.
O público considerado como prioritário para o Brasil sem Miséria no Cadastro Único foram os
integrantes de famílias extremamente pobres. O Cadastro Único tem informações completas
sobre cada uma das famílias registradas, atualizadas no máximo a cada dois anos, permitindo
saber quem são, onde moram, o perfil educacional de cada um dos seus membros, seu perfil de
trabalho e renda, as principais despesas, as características da construção dos domicílios, se há
acesso a serviços como os de eletricidade, saneamento e coleta de lixo, se a família faz parte de
grupos tradicionais ou específicos (como indígenas e quilombolas), entre outras informações.
O público do Plano para além da extrema pobreza
A informalidade é uma das principais facetas da inserção precária da população mais pobre
no mundo do trabalho. Tal precariedade torna a renda, além de muito baixa, bastante instável.
Essa reconhecida volatilidade da renda dos mais pobres é um dos motivos para que a linha
de extrema pobreza não delimite todos os beneficiários do Brasil sem Miséria, mas seu público prioritário. Se a instabilidade da renda faz as famílias transitarem entre as situações de
extrema pobreza e pobreza, excluir uma família pobre de uma ação hoje pode significar ter
uma família extremamente pobre sem cobertura amanhã. Além disso, quem está acima da
linha monetária pode sofrer privações em outras dimensões que, somadas, podem configurar
situação de extrema pobreza de um ponto de vista multidimensional.
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Os diversos públicos do Brasil sem Miséria
A linha do Brasil sem Miséria é uma referência que não exclui de muitas das ações do Plano
quem está acima dela. Caso contrário, o caráter arbitrário que é inerente às linhas de pobreza
seria exacerbado — permitindo, por exemplo, que uma diferença de R$ 1 em termos de renda
per capita deixasse uma família de fora de uma ação com potencial para melhorar muito sua
vida.
No Plano Brasil sem Miséria, há ações destinadas aos extremamente pobres, outras aos pobres, e outras ainda a todos aqueles que estão vulneráveis à situação de pobreza devido a
algum tipo de privação a que estão submetidos — em geral explicitada ao poder público pelos
dados disponíveis no Cadastro Único ou pelo cruzamento dos dados do Cadastro com os de
outros registros administrativos.
Assim, os recursos de Fomento a Atividades Produtivas Rurais foram destinados a agricultores familiares extremamente pobres do semiárido, e os benefícios do Programa Bolsa Verde
foram reservados ao público extremamente pobre que habita áreas a serem preservadas em
razão de seus ativos ambientais.
Já o Bolsa Família e o adicional aos municípios por crianças pobres matriculadas em creches
estão vinculados à situação de pobreza, no segundo caso com foco no público infantil.
Por fim, o Pronatec é um exemplo de programa que se destina prioritariamente ao público
jovem e adulto com perfil de baixa renda do Cadastro Único que quer entrar ou melhorar sua
inserção no mundo do trabalho.
Em suma, estamos falando de faixas de renda diferentes, tipos de público diferentes, mas
todos com algum grau de vulnerabilidade à situação de pobreza mais severa, a ser evitada a
todo custo.
Atuação multidimensional
Conjugando o uso das linhas (de extrema pobreza e de pobreza) e do Cadastro Único (que
aponta a renda e muitas outras dimensões de privações), o Plano Brasil sem Miséria pode agir
multidimensionalmente, com base nas características verificadas no público a ser atendido.
Assim, o Brasil sem Miséria não se limita às pessoas que vivenciam as formas mais severas da
pobreza, embora elas sejam o público prioritário.
O uso das informações do Cadastro Único e de cruzamentos do Cadastro com outros registros administrativos para fazer a seleção de público de várias ações do Plano Brasil sem Miséria permitiu oferecer uma abordagem aprimorada, que leva em conta uma série de privações
para além da renda. Ou seja, mesmo usando uma linha de extrema pobreza unidimensional
(monetária), foi possível desenhar uma estratégia multidimensional, e atuar dessa forma.
Este texto é baseado no seguinte artigo:
FALCÃO, Tiago; COSTA, Patricia Vieira da. A linha de extrema pobreza e o público-alvo do
Plano Brasil sem Miséria. In: CAMPELO, Tereza; FALCÃO, Tiago; COSTA, Patricia Vieira da
(Orgs.). O Brasil sem miséria. Brasília: MDS, 2014.
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Linha de extrema pobreza e público-alvo