Rev. bras. fisioter. Yol. 5 No. 2 (200 I), 49-52
©Associação Brasileira de Fisioterapia
AVALIAÇÃO DOS MEIOS INTERMEDIÁRIOS UTILIZADOS NA APLICAÇÃO
DO ULTRA-SOM TERAPÊUTICO
Guirro, R., 1 Cancelieri, A. S. 2 e Sant' Anna, I. L. 2
1
Faculdade de Ciências da Saúde, Unimep
2
Curso de Fisioterapia, Facis, Unimep
Correspondênci a para: Rinaldo Guirro, Universidade Metodista de Piracicaba, Facis, Rodovia do Açúcar, km 156,
Bairro Taquaral, CEP 13400-901, Piracicaba, SP, e-mail: Ijguirro@unime p.br
Recebido: 08/05/00- Aceito: 26/10/00
RESUMO
O ultra-som terapêutico (UST) é, atualmente, um dos recursos mais utilizados na fisioterapia para o tratamento de diversas lesões
do sistema músculo-esquelé tico. Pela necessidade de sua aplicação em áreas pequenas e/ou irregulares, preconiza-se o uso do colimador,
devido à capacidade de convergência do feixe, do balão ou da luva de látex, a fim de aumentar a área de contato. O objetivo deste
trabalho foi verificar a efetividade dos colimadores cônico e cilíndrico, do balão e da luva de látex na transmissão da energia ultrasônica. Para tanto, foram utilizados uma balança de pressão de radiação (UPM-DT-10 OHMINIC- Instruments) e um aparelho de
UST (Sonomaster- KW) previamente aferidos. O acoplamento dos meios ao transdutor foi realizado por meio de gel hidrossolúvel.
A análise estatística foi realizada por intermédio do Teste t de Student para dados pareados. Os resultados mostraram uma transmissividade
média de 21 o/o para a luva, 18% para o balão e 20% para o colimador cilíndrico, em comparação à água. No que se refere ao colimador
cônico, a transmissão diferiu (p < 0,05) conforme a quantidade de gel utilizada, 21 o/o (I ,5 ml) e 33% (2,5 ml), independente das fixações.
Na ausência do gel, em ambos os colimadores, não houve transmissão da onda ultra-sônica. Os resultados permitem concluir que nenhum
dos meios testados deve ser utilizado como meio intermediário entre o transdutor e a área a ser irradiada.
Palavras-chave: ultra-som, meios intermediários, transmissi vidade.
ABSTRACT
Therapeutic ultrasound (UST) is currently one of the most used resources in physiotherapy for the treatment of various pathological conditions of the muscleskeletal system. As it is necessary to apply it in small and/or irregular areas, the use of the collimator
is recommended because of its ability for converging the beam, and lhe balloon or latex glove as meaüs of increasing the contact
area. The aim of this work was to check the effectiveness of conical and cylindrical collimators, the balloon and the latex glove in
transmitting ultrasonic energy. For this purpose, a radiation pressure scale (UPM-DT-1 O OHMINIC- lnstruments) anda UST apparatus (Sonomaster- KW), both previous1y calibrated, were used. Coupling of the means to the transducer was done by means of
hydro-soluble gel. Statistical analysis was performed by means of the Student t test for paired data. The results showed an average
transmissibility o f 21 o/o for the glove, 18% for the balloon and 20% for the cylindrical collimator, in comparison with water. With
regard to the conical collimator, transmission differed (p < 0.05) between the different quantities of gel used 21 o/o (1.5 ml) and 33%
(2.5 ml), irrespectively of fixings. In the absence of gel, in both o f the collimators, there was no transmission o f the ultrasound wave.
The results permit one to conclude that none of the means tested should be used as intermediary means between the transducer and
the area to be radiated.
Key words: ultrasound, intermediate means, transmissibility.
INTRODUÇÃ O
O equipamento de ultra-som terapêutico (UST) consiste
em um gerador de corrente elétrica de alta freqüência,
conectado a uma cerâmica piezoelétrica sintética (titanato
zirconato de chumbo- PZT), a qual se deforma na presença
de um campo elétrico. Esta cerâmica encontra-se acoplada
a uma peça metálica no interior do transdutor (Guirro et ai.,
1996).
O ultra-som é uma onda mecânica de alta freqüência
que transmite energia de um ponto a outro, por meio da
vibração das moléculas de um meio (Harr, 1987).
50
Guirro, R., Cancelieri, A. S. e Sant' Anna, l. L.
O ultra-som induz mudanças fisiológicas no reparo dos
tecidos lesados, como os apresentados por Guirro et al.
(1995), desde que seja aplicado em intensidade adequada.
Dentre os recursos empregados pela fisioterapia, o ultrasom é um dos mais utilizados para tratar as mais diversas
afecções do sistema músculo-esquelético (Guiro et al., 1996).
Sua aplicação baseia-se na intensidade emitida pelo transdutor, a qual pode apresentar grandes variações (Guirro et
al., 1997; Guirro & Santos, 1997), dificultando a previsão
sobre sua penetração até os tecidos mais profundos.
A onda ultra-sônica apresenta baixa propagação no ar.
Sua transmissividade depende da reflexão, da refração e da
absorção, dadas pelos diferentes meios pelos quais ela se
propaga. Nesse contexto, estão incluídos os colimados e
o balão de látex.
A necessidade da utilização de um meio de acoplamento
está relacionada às características de absorção dos tecidos
e à reflexão da energia ultra-sônica nas interfaces teciduais
de diferentes impedâncias acústicas. O acoplamento diminui
a resistência de passagem da onda, já que evita a presença de bolhas de ar entre o transdutor e a pele do paciente, igualando as impedâncias acústicas dos diferentes meios
(Docker et al., 1982; Williams, 1987).
É importante ressaltar que, além da necessidade de
aferição, deve-se ter atenção especial para o agente de acoplamento escolhido, pois este pode diminuir a intensidade incidente no paciente (Guirro et al., 1997).
Vários trabalhos mensuraram a transmissividade dos
agentes de acoplamento (Docker et al., 1982; Williams, 1987;
Roia! & Cummings, 1977), porém há pouca consideração,
por parte dos pesquisadores e dos profissionais que se utilizam do UST, sobre a real efetividade dos diferentes meios
intermediários.
Diante do exposto, o objetivo foi verificar a efetividade
dos meios intermediários (colimador, balão e luva de látex)
quando acoplados ao transdutor por meio de gel hidrossolúvel.
METODOLOGIA
O sistema de aferição do colimador constou de uma
balança de pressão de radiação (UPM-DT-10 OHMICinstruments) e um aparelho de ultra-som terapêutico (UST)
(Sonomaster- KW), ambos devidamente calibrados. Foi
desenvolvido um dispositivo de acrílico para o posicionamento dos meios intermediários, o qual foi acoplado à
balança.
O regime de pulso utilizado foi contínuo, na freqüência
de 1 MHz, com uma área de radiação efetiva (ERA) de 4
cm 2 e com intensidade de 1 W/cm2, tendo-se, portanto, uma
potência de 4 W.
O experimento foi dividido em duas etapas, ambas
realizadas em um local sem oscilação de energia elétrica
e isolado por uma cúpula de acrílico, a qual evitava a in-
Rev. bras . .fisiota
terferência de correntes de ar no sistema. A água utilizada no recipiente da balança foi desgaseificada e a temperatura do ambiente foi constante (23"C ± 1).
A primeira etapa visava a seleção do meio de acoplamento, a fim de garantir que este não interferisse na segunda etapa do experimento. Os materiais utilizados foram
água, glicerina e gel hidrossolúvel (n = 6), os quais eram
contidos por um anel de acrílico que transpassava o transdutor
em 2 mm (Figura I), sendo mantidos por um filme de PVC
(Magipack) (Guirro et al., 1996), o qual ficava em contato
com a água da balança. A espessura de 2 mm foi proposta em função da proximidade com a prática clínica, principalmente quando utilizado o gel hidrossolúvel.
Figura 1. Acessório utilizado na aferição da transmissividade dos
meios de acoplamento.
Anel cilíndrico excedendo 2 mm a face do
transdutor (<H>), com um filme de PVC em sua abertur a ( ... ).
+
A segunda etapa consistiu na aferição dos meios intermediários (colimadores, balão e luva de látex). Foram
testados dois colimadores, um cônico e outro cilíndrico, os
quais foram fornecidos pelos fabricantes de UST. A quantidade de gel utilizada para o acoplamento do colimador
ao transdutor foi pré-estabelecida em 1,5 ml e 2,5 ml. Cada
procedimento foi executado seis vezes, sendo que, a cada
repetição, desconectava-se o transdutor do colimador, retirava-se o gel contido no compartimento e acrescentavase novamente a quantidade de gel correspondente à aferição.
As formas de fixação entre o transdutor e o colimador
constaram de dois procedimentos. No primeiro, o colimador
foi levemente rosqueado ao transdutor (1 /2 volta, garantindo que este rosqueamento não fosse "falso", ou seja, provocado pela pressão negativa do gel; no segundo, o colimador
foi rosqueado até perceber uma resistência por parte do gel,
com pequeno extravasamento.
Para a mensuração da transmissividade de todos os
meios intermediários, utilizou-se uma plataforma de acrílico,
que possuía um orifício central, o qual garantia o mesmo
posicionamento do transdutor em relação à balança em todas
as aferições (n = 6). Os artefatos de látex foram posicionados
no mesmo local utilizado pelos colimadores (Figura 2). Tanto
o balão quanto a luva continham 200 ml de água e ficaram
em contato com o transdutor por meio de uma fina camada
de gel e em contato com a água da balança pelo orifício da
plataforma.
51
Meios Intermediários do UST
Vol. 5 No. 2, 2001
RESULTADOS
DISCUSSÃO
Como resultado da primeira etapa, obteve-se I 00% da
transmissividade da onda ultra-sônica em todos os meios testados,
sendo selecionado o gel hidrossolúvel para a etapa 2.
Antes da aferição dos meios intermediários utilizados
na prática clínica, buscou-se um me.io de acoplamento ideal para a aferição, ou seja, um meio que possuísse a máxima transmissividade da onda ultra-sônica, descartando a
possibilidade de sua interferência no procedimento seguinte.
Os meios de acoplamento (água, glicerina e gel hidrossolúvel)
foram selecionados de acordo com a freqüência de uso na
prática clínica e por apresentarem baixo custo. Todos os meios
testados apresentaram I 00% de transmissividade, segundo
o modelo utilizado. Os resultados obtidos diferem de outros
autores (Docker et al., 1982; Reid & Cummings, 1997), pois
estes utilizaram métodos indiretos para a aferição de diferentes meios, enquanto neste experimento foi realizado de
modo direto, isto é, a energia ultra-sônica foi quantificada
diretamente pela balança de força de radiação. Apesar de a
glicerina não ter apresentado nenhuma perda da energia ultrasônica, sua não indicação como meio de acoplamento ainda deve ser mantida, por tratar-se de um material no estado
líquido que não apresenta um bom contato entre o transdutor
e a pele do paciente, principalmente se há pêlos no local.
Assim, optou-se pelo gel hidrossolúvel, já que o mesmo
apresentou completa transmissividade da energia ultra-sônica,
bem como por ter uma consistência que permitia sua retenção
no compartimento entre o transdutor e os meios intermediários, além de permitir fácil remoção.
Deve-se acrescentar que a variação da quantidade de
gel utilizada, bem como as diferentes formas de rosqueamento
dos colimadores e até mesmo as repetições de cada procedimento tiveram o intuito de demonstrar as inúmeras possibilidades de fixação do colimador ao transdutor do ultra-som
na prática clínica.
Os artefatos de látex também foram escolhidos, em
função de seu constante uso, como meios intermediários,
em proeminências ósseas, úlceras e soluções de continuidade, além de não haver estudos científicos que relatem sua
efetividade.
Figura 2. Esquema representativo do sistema utilizado na aferição
da transmissividade dos meios intermediários. I. balança UPM-DT10; 2. suporte de acrílico; 3. transdutor ultra-sônico; 4. colimador cônico;
5. água desgaseificada; e 6. cúpula de acrílico.
Pode ser observado na avaliação do colimador cilíndrico (Figura 3B) que a transmissividade foi, em média,
20% da intensidade emitida, não apresentando diferenças
significativas entre os diferentes procedimentos adotados.
Em relação ao colimador cônico (Figura 3A), a transmissão
diferiu significativamente (p < 0,05) entre as diferentes
quantidades de gel utilizadas, 21 o/o (I ,5 ml) e 33% (2,5 ml),
independente das fixações. Na ausência de gel, em ambos
os colimadores, não houve transmissão da onda ultra-sônica.
Na Figura 4 observa-se que os meios intermediários,
balão ou luva de látex, também apresentaram baixos índices
de transmissão, 18% e 21%, respectivamente.
7
E
7
1,2
E
~
~
"'
-o
·.:;
"'
-o
·.:; 0,8
I
0,8
-~
-~
c
1,2
u
u
c 0,6
0,6
~
~
Q)
0,4
-o
-o
·v; 0,2
Q) 0,4
-o
-o 0,2
·v;
$
$
"'
"'
c
c
c
A
o
o
c
Procedimentos experimentais
B
-.
-
rr-
*
tfJ
*
*
*
ll 1 l o
Controle < R/1,5 ml > R/1,5 ml < R/2,5 ml > R/2,5 ml Sem gel
Procedimentos experimentais
Figura 3. Média (± dp) da intensidade (Wcm-') transmitida pelos diferentes colimadores, com diferentes fixações e quantidades de gel.
A) colimador cônico(< R e> R: menor e maior rosqueamento, respectivamente), B) colimador cilíndrico(< R e> R: menor e maior rosqueamento,
respectivamente).* p < 0,01, n = 6.
52
Guirro, R., Cancelieri, A. S. e Sant' Anna, I. L.
Rev. bras . .fisiota
ficou-se uma atenuação excessiva da intensidade da onda
ultra-sônica, não indicando os mesmos para aplicações terapêuticas.
Recomenda-se a técnica subaquática para as aplicações do UST nas áreas onde o acoplamento não é satisfatório.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Controle
Bexiga
Luva cirúrgica
Meios de acoplamento
Figura 4. Média(± dp) da intensidade (Wcm- 2) registrada para o balão
e a luva de látex.* p < 0,01; n = 6.
Devido aos resultados obtidos por meio deste experimento, podemos constatar que a energia ultra-sônica é atenuada em grandes proporções pelos colimadores, podendo
ter ocorrido por três fatores: a reflexão e a refração na
interface transdutor-colimador e a absorção pelo metal que
compõe o colimador, e os resultados demonstram ainda que
o colimador cônico apresentava uma atenuação menor que
o cilíndrico e isto pode estar relacionado à geometria, já
que todas as variáveis foram mantidas constantes. Estes resultados devem ser refletidos sob o aspecto de que a opção pelo uso do colimador é, muitas vezes, dada pelo próprio
fabricante do aparelho de UST, que já o inclui como acessório. O terapeuta, em muitos casos, por confiar na funcionalidade desse acessório, utiliza-o sem questioná-lo.
Em relação aos mtefatos de látex, supõe-se que a borracha
foi o fator atenuante da onda mecânica, uma vez que excluiuse o gel e a água. Deve-se ressaltar que o objetivo desta
aferição foi verificar a eficácia da transmissividade dada pelos
meios intermediários. Portanto, em relação ao balão e à luva
de látex, diferentes resultados de transmissividade foram
encontrados, já que a espessura do material pode variar, bem
como sua composição química, de acordo com as diferentes marcas encontradas no mercado.
Se a intenção do terapeuta é utilizar os meios intermediários em situações nas quais a convergência ou o contato
do feixe é necessário, devido ao fato de a superfície corporal ser pequena ou irregular, recomenda-se o uso do UST
subaquático, já que a água é um excelente meio de acoplamento e a imersão possibilita a exposição total do segmento ao feixe ultra-sônico. Deve ser lembrado que o local
da lesão a ser irradiado deve compreender o campo próximo
(zona de Fresnel) do feixe acústico, que no transdutor circular
estende-se até uma distância r2(A da face do transdutor (Wells,
1977; Low & Reed, 2000). No caso da terapia subaquática,
admite-se até 10,4 em de distância do transdutor, considerando
a freqüência de 1 MHz (À. = 1,5 mm) e o diâmetro de 2,5 em
da cerâmica de PZT.
CONCLUSÕES
Independentemente dos meios intermediários selecionados e testados (colimador, balão e luva de látex), veri-
DOCKER, M. F., FOULKES, D. J. & PATRICK, M. K., 1982, UItrasound cuplants for physiotherapy. Physiotherapy, 68(4): I 24125.
GUIRRO, E. C. 0., FERREIRA, A. L. & GUIRRO, R., 1995, Efeitos
da Estimulação ultra-sônica pulsada de baixa intensidade no
processo cicatricial: estudo experimental em ratos. Ciência &
Tecnologia, 8(412): 37-47.
GUIRRO, R., GUIRRO, E. C. 0., BREITSCHWERDT, C., ELIAS,
D., FERRARI, M. & RATTO, R., 1996, As variáveis físicas do
ultra-som terapêutico: uma revisão. Revista Ciência & Temologia,
9(5): 31-41.
GUIRRO, R., SERRÃO, F., ELIAS, D. & BUCALON, A. 1., 1997,
Calibration of therapeutic ultrasound equipment. Physiotherapy,
83(8): 419-422.
GUIRRO, R. & SANTOS, S. C. B., 1997, A Realidade da potência
acústica emitida pelos equipamentos de ultra-som terapêutico: uma
revisão. Rev. Fisioter. Univ. São Paulo, 4(2): 76-82.
HARR, G., 1987, Ter. Basic Physics of Therapeutic Ultrasound. Physiotherapy, 73(3): 110-113.
LOW, J. & REED, A., 2000, Electrotherapy Explained- principies
and practice. 3'<~ ed. Butterworth Heinemann, Oxford.
REID, D. C. & CUMMINGS, G. E., 1977, Efficiency of Ultrasound
coupling agents. Physiotherapy, 63(8): 255-257.
WELLS, P. N. T., 1977, Biomedical Ultrasonics. Academic Press,
London.
WILLIAMS, R., 1987, Production and transmission o f ultrasound.
Physiotherapy, 73(3): 113-116.
Download

avaliação dos meios intermediários utilizados na aplicação