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FORMAÇÃO CONTINUADA: ESTRATÉGIA DE FORTALECIMENTO DO PROJETO ÉTICOPOLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL
Maria Angelina Baía de Carvalho de Almeida Camargo1
Elaine Sardinha Lopes2
Aline de Jesus Oliveira3
RESUMO
O objetivo deste artigo é refletir sobre a formação profissional continuada orientada pelo
projeto ético-político e pelo projeto de formação profissional, que determina uma direção
social e um perfil profissional determinado para o exercício da profissão. Fundamenta-se na
experiência da extensão universitária desenvolvida junto aos Assistentes Sociais do Vale do
Mucuri, através de cursos de capacitação, enquanto estratégia de inserção e atuação junto a
esses profissionais e de fortalecimento do projeto profissional e, também, estratégia de
superação da falsa dicotomia entre teoria e prática. Aborda esse processo como estratégia
possível entre universidade e meio profissional/universidade e exercício profissional.
Problematiza as tendências do capitalismo e seus reflexos no ensino superior na formação e
no trabalho profissional.
Palavras-chave: Formação continuada. Serviço Social. Projeto ético-político. Universidade e
meio profissional.
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Docente do Departamento de Serviço Social da FACSAE/UFVJM. Coordenadora do Núcleo de Extensão e
Estudos Teórico-Prático do Serviço Social do Vale do Mucuri. Assistente Social e mestre em Serviço Social pela
PUC-SP
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Discente do Curso de Serviço Social da UFVJM. Colaboradora do Núcleo de Extensão e Estudos TeóricoPráticos do Serviço Social do Vale do Mucuri.
3
Discente do Curso de Serviço Social da UFVJM. Colaboradora do Núcleo de Extensão e Estudos TeóricoPráticos do Serviço Social do Vale do Mucuri.
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INTRODUÇÃO
O tema em debate origina-se da preocupação das autoras com a materialização do
Projeto Ético-Político do Serviço Social no exercício profissional. Partimos do pressuposto
que a formação continuada em Serviço Social é fundamental para garantir esse processo.
Nesse sentido acreditamos que a universidade exerce um papel fundamental e estratégico
nesse campo. Isto porque a universidade através do ensino, da pesquisa e da extensão deve
priorizar ações que possam estreitar as relações entre academia e meio profissional.
Eleger essas questões por preocupação é considerar que a conjuntura
contemporânea tem colocado o Serviço Social a prova (NETTO, 2004) e tensionado
fortemente a direção social e perfil profissional desta profissão. As formas que tem
assumido o seu objeto – a “questão social”, enquanto campo político de intervenção das
classes sociais e do Estado por vias do conformismo e do moralismo, tem criado reflexos na
profissão, pois “a crise atual do capital, com suas novas e antigas determinações, impõe
metamorfoses ao mundo do trabalho, o que exige um perfil de profissional funcional [e
adequado] a essa etapa do capitalismo” (p. 715).
De acordo, com Mota (2008, p. 50, grifo do autor), “o que está posto na agenda
contemporânea (e, mais largamente, no horizonte sociocultural) são outras formas de
conceituar e tratar a questão social, através de uma nova reforma social e moral conduzida
pela burguesia contemporânea”. Significa tirar o componente classista que move a dinâmica
de produção e reprodução da vida social, numa clara perspectiva de naturalizar os efeitos
perversos da produção social capitalista na sua busca incessante pela acumulação de
riquezas.
Para Guerra, é colocado para a formação profissional um duplo desafio: “desvendar e
enfrentar a crise do capital e nela as diversas formas de precarização das relações e das
condições de trabalho, flexibilização dos direitos e focalização das políticas sociais, que, [..]
se expressam e condicionam o exercício e a formação profissional”. (GUERRA, 201, p.715).
Trata-se de ultrapassar a leitura, de acordo com Mota (2008, p. 50), exclusiva sobre a
questão social limitada à luta pelos direitos e pelas políticas sociais (que são lutas
necessárias), nesse processo é fundamental o conhecimento teórico para entender a
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questão social e suas metamorfoses e, sobretudo, para compreender que não se enfrenta a
“questão social sem enfrentar o capitalismo”.
O que está em jogo é afirmar e potencializar o conjunto dos valores, princípios e
concepções
ético-políticas
expresso
no
projeto
profissional,
de
componente
fundamentalmente crítico e nitidamente vinculado a um projeto societário de
transformação da ordem social. Assim, exige de nós estratégias de lutas e resistências às
investidas do mercado que objetiva “qualificar o trabalhador [apenas] para responder às
necessidades da produção”. (CARTAXO; MANFROI, SANTOS, 2012, p. 240).
Desse modo, trata-se de investir em estratégias de cunho teórico-prático que possam
contribuir com os Assistentes Sociais, inseridos nos diversos espaços sócio ocupacionais,
para desvendar a realidade social, apreender o seu movimento e suas contradições e
qualificar as práticas operativas dessa profissão. Trata-se, inequivocamente, da apropriação
da tradição
teórico-metodológico de filiação na tradição marxista, o que coloca os
referencias essenciais para a reconstrução permanente do movimento da realidade, que só
pode se compreendido, de acordo com Vasconcelos (1998), na relação de unidade entre
teoria e prática.
Por outro lado, priorizar esses elementos exige de nós um olhar atento para as
tendências do ensino superior em tempos da contrarreforma do Estado brasileiro, que tem
reconfigurando a universidade pública e sua função social naquilo que Chauí (1999) tem
denominado de universidade operacional, ajustando-a, as demandas e as exigências do
mercado e, por consequência, o perfil dos profissionais habitados para o mercado de
trabalho.
1. Universidade, Projeto Ético-Político, Teoria e Prática no Serviço Social.
O processo de redefinição do Projeto de Formação do Assistente Social que passa a
partir, da segunda metade dos anos de 1990, a orientar o processo de elaboração e
redefinição dos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Serviço Social no Brasil, ocorre num
cenário sociopolítico de grandes transformações, naquele que marca “o passaporte
brasileiro para a mundialização do capital e para a ofensiva neoliberal” (BEHRING, 2003,
grifo nosso). O que vai redundar num conjunto de reformas estruturais com rebatimentos
em vários setores da sociedade brasileira, no entanto, o que nos interessa, aqui, é situar a
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repercussão dessas mudanças na instituição básica da formação profissional – ou seja, na
Universidade.
Trata-se, portanto, de uma visão organizacional de Universidade ou daquilo que
Chauí (2003, p.7) denomina de universidade operacional, cuja característica esta é regida
por contratos de gestão, avaliação por índices de produtividade. Passa a ser planejada para
ser flexível e estruturada para garantir estratégias e programas de eficácia organizacional,
definindo normas e padrões totalmente alheios ao conhecimento crítico e à formação
intelectual dos sujeitos que constroem a universidade.
Transformar uma instituição social em uma organização administrada significa
despojá-la de especificidade interna e externa ou retirar-lhe a identidade de seu
modo de inserção social e funcionamento, suas referências históricas, os objetivos
que deu a si mesma, as normas e valores que orientam sua ação interna e externa.
O esvaziamento institucional e o preenchimento organizacional significam a
passagem de uma dimensão da vida social à condição instrumental, ou seja, a um
conjunto de ações tidas como meio particulares para atingir com eficácia e sucesso
certos objetivos [...]. (CHAUÍ, 1999, p. 119-120, grifos nossos).
Com isto queremos afirmar -, que teremos uma universidade precária tanto do ponto
de vista de investimentos em áreas cruciais como pesquisa e extensão como, também, do
ponto de vista da formação acadêmica e intelectual. Esse processo vem acompanhado da
expansão desenfreada de instituições de ensino superior tanto pública quanto privada.
Apenas, a título ilustrativo, Boschetti (2004), registra que no ano de 1998, existiam
6.950 cursos de graduação; em 2003, esse número se elevou para 15.006. O que equivale
dizer que foram criados uma média 1.490 cursos por ano no Brasil, 124 por mês e 04 novos
curso por dia.
Em dados mais recente, Iamamoto (2008), informa que no Serviço Social existia no
país, 253 cursos de Serviço Social, sendo 207 IES privadas, o que corresponde a 82% do total
e apenas 46, ou 18% pública. A expansão veio acompanhada da expansão do ensino a
distância, que hoje é responsável, pela oferta de 30% do total de vagas ofertadas, contra
70% no regime presencial. Os cursos a distância, de acordo com a autora, são responsáveis,
até o ano de 2008, por 9.760 vagas para formar Assistentes Sociais no país.
Esses números tendem a duplicar a cada ano, sem com isto significar a formação de
profissionais de forma qualificada, ou seja, priorizando o projeto profissional que compõe a
política institucional de formação em Serviço Social, em consonância com as Diretrizes
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Curriculares da ABPESS, o Código de Ética (1993) e com a Lei Federal de Regulamentação da
Profissão (8.622/1993).
O que significa esse projeto profissional, que afirma uma direção social estratégica e
um perfil profissional?
Trata-se um projeto profissional radicalmente inovador e crítico, ancorado e
sustentado nos fundamentos históricos e teórico-metodológicos da tradição marxista,
afirma valores e princípios éticos radicalmente humanistas (IAMAMOTO, 2009). Desse
modo, a ética possui centralidade na formação e no exercício profissional.
[...]O agir ético constrói concretamente modos de ser orientados por valores e
princípios escolhidos conscientemente pelos indivíduos sociais, mas sua autonomia
em face das escolhas é sempre relativa a determinadas condições históricas.
A escolha implica a liberdade; o ser social é livre porque pode construir alternativas
para então escolher conscientemente entre elas. Por isso, a liberdade que funda o
agir ético não é um valor abstrato; para que a liberdade exista é preciso que os
homens tenham, objetivamente, condições sociais de intervir conscientemente na
realidade, transformando seus projetos ideais em alternativas concretas de
vivencias da liberdade (BRITES; BARROCO, 2000, p. 2, grifo nosso).
Trata-se, de um projeto profissional com uma clara posição de classe e de projeto de
classe. Estamos afirmando que esse projeto afirma uma direção social estratégica para o
exercício profissional, onde a leitura dos processos sociais é imprescindível para a atuação
do Assistente Social. No seu seio contempla a defesa intransigente da universidade pública,
da qualidade dos serviços prestados, dos direitos sociais da classe trabalhadora e o
permanente aprimoramento intelectual. Esse projeto ganha materialidade no conjunto das
regulamentações profissionais: Código de Ética do Assistente Social (1993), Lei da
Regulamentação da Profissão (1993); e as Diretrizes Curriculares norteadoras da formação
acadêmica.
Incorporar esse projeto para o horizonte da formação e do trabalho profissional exige
de nós a superação da falsa dicotomia de que na prática a teoria é outra (FORTI; GUERRA,
2010) e refletir os fundamentos dessa fragmentação no interior da profissão, ou melhor, a
quem interessa essa fragmentação? a que projeto de classe ela serve?
Inicialmente convém considerar que essa concepção tem raiz na relação da profissão
com o pensamento conservador, de matriz positivista e suas derivações, cujo objetivo foi
ampliar os referenciais técnicos da profissão, na mediação pelas ciências sociais. Para
Yazbek, esse referencial conferiu à profissão a “apreensão manipuladora, instrumental e
imediata do ser social” (2009, p.147). Assim, como restringe a concepção de teoria “ao
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âmbito do verificável, da experimentação e da fragmentação” (idem). Aos poucos vamos
concebendo que a teoria é um instrumento que deve ser aplicado a realidade, a prática, para
responder no campo da epiderme as demandas socialmente apresentadas. Nesse
relação/concepção vamos compreendendo a realidade social como algo estático, imutável e
passível apenas de práticas ajustadoras.
O que está em jogo é a imputação da leitura dos processos sociais que envolvem a
vida em sociedade e, portanto, a produção social capitalista, seus fundamentos e
finalidades. Nesse movimento vamos retirando a possibilidade de refletir criticamente a
realidade social, no seu movimento e suas contradições, na sua processualidade sócio
histórica, de pensar alternativas e fortalecer outras estratégias contra hegemônicas.
A teoria e a prática precisam ser compreendidas como expressão de uma unidade,
que possibilita refletir sobre os processos postos na vida cotidiana, comporta uma
racionalidade crítica e emancipatória da sociedade. Essa unidade comporta, ainda, um
método de aproximação, apreensão, leitura e intervenção na realidade. “[...] espaço
refletivo-ontológico em que a legalidade universal se singulariza e a imediaticidade do
singular se universaliza”. (PONTES, 2012, p. 27), onde se estabelece, de acordo com o autor
(APUD PONTES, 2011, p. 168), a reconstrução do objeto de intervenção, visto que “a
demanda institucional aparece ao intelecto do profissional despida de mediações,
parametrada por objetivos técnico-operativos, metas e uma dada forma de inserção espacial
(bairro, município, etc.), programática (divisão por projetos ou áreas de ação) ou
populacional (crianças, idosos, migrantes, etc). Numa palavra, a demanda institucional
aparece peiada à imediaticidade, como um ‘fim em si mesmo’. (2012, p. 26).
Por outro, ainda se faz necessário, também, romper com outros rótulos, tais como: a
universidade “é o lugar da teoria”, “somente nesse universo se produz teoria”, “campo de
atuação do intelectual”, tanto para os profissionais ditos da “academia” como para os ditos
da “prática”.
Enfrentar esses dilemas e falsos dilemas requer dos Assistentes Sociais a
incorporação no seu trabalho profissional, de atividades de investigação para a apreensão da
realidade para que possam balizar o exercício profissional e formas de intervenção. Para
tanto, entendemos ser necessário e vital o estreitamento nas relações entre universidade e
meio profissional, para enfrentar essas questões que envolvem a questão da teoria/prática e
realidade.
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Assim,
[...] a ação profissional, enquanto expressão da totalidade social, gerando
condições para um exercício profissional consciente, crítico, criativo, que só pode
ser empreendido na relação de unidade entre teoria e prática.
A unidade dialética entre teoria e prática não vai ser obtida no Serviço Social
apenas a partir das referências teórico-metodológicas, mas tendo como base a
qualidade das conexões que os profissionais – assistentes sociais, pesquisadores,
docentes e assessores/consultores – estabelecem com a realidade objeto da ação
profissional, o que passa por uma relação consciente entre pensamento e ação,
determinada pelo resgate da unidade academia/meio profissional a partir de uma
relação sistemática, projeta, permanente. (VASCONCELOS, 1998, p. 116, grifo
nosso).
Consideramos que os processos de assessoria e consultoria, desenvolvidos por meio
da extensão universitária, como uma importante estratégia (não única) no enfrentando
desses desafios. Balizadas nos pressupostos do projeto ético-político do Serviço Social e na
concepção de universidade pública, ou seja, reafirma a importância de uma formação de
qualidade, que não se restringe apenas as atividades de ensino, mas envolve também a
defesa da Universidade pública, da pesquisa e da extensão e, portanto, da defesa
intransigente do Projeto Crítico de Formação Profissional do Serviço Social.
2. A Formação Continuada: tecendo estratégias de intervenção na unidade dialética entre
teoria e prática.
A formação continuada se constitui como um desafio para profissionais que atuam na
área. Existe uma tendência de compreender a formação continuada reduzida ao
ensinamento “do como fazer”, “executar”, associada a uma capacidade de o sujeito
apreender por meio de capacitações, cursos, etc, a utilização mecânica de um arsenal de
técnicas e instrumentos para responder as requisições epidérmicas do mercado.
Tais concepções são sustentadas nas tendências do capitalismo contemporâneo, nas
suas requisições da lógica gerencial de gestão social, própria dos contornos que assumem
contrarreforma do Estado brasileiro e suas implicações na política social, que demanda um
perfil de profissional “à imagem e semelhança da política social focalizada e minimalista de
gestão da pobreza e não do seu combate, politização e erradicação” (BEHRING, 2008, p. 4,
grifo do autor).
Para Cartaxo; Manfroi; Santos “falar da importância da educação na atualidade
tornou-se lugar comum, já que há uma forte ideologia disseminada pelo mercado que reduz
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a educação à qualificação profissional, como condição para a inserção e o sucesso do
indivíduo no mercado de trabalho. O sucesso e o fracasso são vistos como produtos do
esforço individual do trabalhador”. (2012, p. 240).
Desse modo, é fundamental desmistificar esses processos e tomar a formação
continuada como processo de aperfeiçoamento com vista a qualificar o Assistente Social
para o trabalho profissional na direção do compromisso com a classe trabalhadora, na
construção de uma sociedade sem classes.
Os esforços em propor estratégias nesse campo têm que ter por ponto de partida a
sistematização e reflexão do cotidiano profissional. Assinala-se a importância da
documentação profissional (relatórios, pareceres, projetos, dentre outros) como elemento
vital para construir mediações entre o exercício direto do assistente social e o projeto éticopolítico profissional, por meio da socialização e do debate coletivo. (idem, p. 246).
Só é possível captar o movimento, o sentido e o significado do trabalho profissional
no próprio movimento histórico da sociedade capitalista nos diversos espaços sócios
ocupacionais que particulariza as “competências e atribuições profissionais; e o seu
significado social no processo de reprodução das relações sociais, ante as profundas
transformações que se operam na organização e consumo do trabalho e nas relações entre o
Estado e a sociedade civil com a radicalização neoliberal” (IAMAMOTO, 2009, p. 368).
Nesse sentido se faz necessário recuperar o caráter político do exercício profissional,
pois
[...] o Assistente Social é chamado a constituir-se no agente institucional de “linha
de frente” nas relações entre a instituição e a população, entre os serviços
prestados e a solicitação dos interesses por esses mesmos serviços. Dispõe de um
poder, atribuído institucionalmente, de selecionar aqueles que têm ou não direito
de participar dos programas propostos, discriminando, entre os elegíveis, os mais
necessitados, devido à incapacidade da rede de equipamentos sociais existentes de
atender todo o público que teoricamente, tem acesso a eles. […] A estas atividades
é acrescida outra caraterística da demanda: a ação de persuadir, mobilizando o
mínimo de coerção explicita para o máximo de adesão […] a esta se soma a ação
“educativa” que incide sobre os valores, comportamentos e atitudes da população,
segundo padrões sócio institucionais dominantes”. (IAMAMOTO, 1998, p. 113).
Compreender esse processo é vital porque permite o rompimento com as análises
reducionistas do trabalho profissional, pragmáticas e desconectadas no real movimento da
ordem burguesa e do significado da profissão.
A aproximação ao universo do trabalho profissional, com vista, a fomentar a
formação continuada, pode ocorrer através do estágio supervisionado em Serviço Social e,
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também, na constituição de outras estratégias de sensibilização desses profissionais para tal
ação.
Sendo assim, apresentaremos a partir da experiência da extensão universitária duas
ações de trabalho que tem por objetivo promover a formação continuada de Assistentes
Sociais no vale do Mucuri, como forma de contribuir para a qualificação do exercício
profissional, sua inserção atualizada no mundo do trabalho e para o fortalecimento do
projeto ético-político profissional.
3. Proposta curricular e a centralidade de intervenção do Projeto Relações Sociais na
Ordem do Capital.
Nos anos de 2011 a 2012 o Projeto de Extensão Relações Sociais na Ordem do Capital
desenvolveu uma ação de formação continuada para 41 Assistentes Sociais dos vales do
Mucuri e Jequitinhonha.
A extensão e seu conteúdo deram centralidade para a
compreensão dos fundamentos da sociabilidade burguesa, da sua forma particular de
produção e reprodução social enquanto eixo essencial e indispensável para compreender as
relações sociais e, portanto, o significado da intervenção profissional do Assistente Social
nesse processo.
O projeto foi uma experiência piloto na região para a promoção da formação e
também para uma aproximação do universo do trabalho do assistente social nessa região.
Partimos do pressuposto que as ações desenvolvidas se constituíram numa importante
estratégia (não única) de inserção dos Assistentes Sociais no debate contemporâneo sobre
as tendências do capitalismo, as formas de intervenção na questão social, bem como as
configurações que assumem as políticas sociais e seus rebatimentos no Serviço Social.
A proposta de trabalho esteve sustentada na proposta curricular do projeto de
formação preconizado nas diretrizes curriculares da Associação Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social (ABPESS), sustentado no tripé dos conhecimentos previstos nos
três núcleos de fundamentação da formação profissional: o Núcleo de fundamentos teóricometodológicos da vida social, o Núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da
sociedade brasileira e o Núcleo de fundamentos do trabalho profissional, enquanto eixos
articuladores da formação profissional, na medida em que congregam os elementos teórico-
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metodológico, ético-político e técnico-operativo imprescindíveis para a compreensão da
complexidade do exercício profissional na contemporaneidade.
Estes conteúdos que se desdobram em áreas de conhecimento, passam a constituir
unidades de conteúdo para a formação profissional e que por sua vez devem ser
contemplados na definição de qualquer área de extensão e/ou linha de pesquisa projetada
para o Serviço Social. Do contrário, estaríamos indo na contramão do projeto ético-político
de conquistas e avanços ideopolíticos e críticos analíticos acumulados pela profissão e
expressos nesse projeto e que estão presentes no Código de Ética de 1993, nas Diretrizes
Curriculares e na Lei de Regulamentação da profissão (Lei nº 8663/1993).
Esse projeto de formação continuada reuniu os participantes em duas turmas de
trabalho que se deslocavam quinzenalmente para a universidade a fim de assistir as aulas
das disciplinas ministradas por professores vinculados a UFVJM. As disciplinas ministradas
foram: Relações Sociais e Serviço Social; Fundamentos do Serviço Social; Economia Política
I,II,III e IV; Pesquisa em Serviço Social; Questão social e política social; Neoconservadorismo
e Serviço Social; Ética e Serviço Social; Planejamento, sistematização e trabalho profissional;
Supervisão em Serviço Social.
Com esses conteúdos procuramos delinear na formação dos Assistentes Sociais os
elementos fundamentais que compõem o trabalho e o exercício profissional,
proporcionando o conhecimento dos pilares centrais que compõem esse processo na
atualidade, frente as novas requisições apresentadas a profissão.
O público alvo do projeto foram os Assistentes Sociais da região, na sua grande
maioria eles estão inseridos na política social setorial de assistência social do entorno,
desenvolvendo frentes de trabalhos nos equipamentos públicos dessa política. Do ponto de
vista dos conteúdos, presentes na formação, identificou-se também um baixo nível de
apropriação sobre os fundamentos do Serviço Social e, consequentemente, da questão
social e da política social. Na sua grande maioria esses profissionais são recém-formados por
centros formadores privados, de modo que também é possível localizar nesse público
Assistente Social sem experiência profissional na área e que estão inseridos na sua grande
maioria no comércio local da cidade porque ainda não encontraram trabalho na área.
O projeto Relações Sociais na ordem do capital procurou contribuir com os seguintes
aspectos: a compreensão das relações sociais nas quais estão envolvidos os Assistentes
Sociais na região de abrangência da UFVJM, Campus de Teófilo Otoni, para a recomposição
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da análise crítica dos espaços sócio ocupacionais e na elaboração de propostas qualificadas
de intervenção efetivamente voltadas para o enfrentamento da questão social.
Nessa dimensão, procurou-se fomentar a necessidade de se estruturar um espaço de
estudo, debate e interlocução na região, ou seja, um novo projeto que deve ser priorizado
numa próxima ação, visto que o atual encerrou suas atividades, mas não os desafios que
envolvem a profissão nos vales do Mucuri e Jequitinhonha.
4. A proposta de trabalho do Núcleo de Extensão e Estudos Teórico-Práticos do Serviço
Social do Vale do Mucuri: entre perspectivas e desafios.
O Núcleo é uma extensão universitária alocada no Departamento de Serviço Social da
UFVJM - campus Teófilo Otoni, e conta com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura
(PROEXC). Objetiva se constituir num espaço de debate e interlocução destinado aos
Assistentes Sociais do vale do Mucuri voltado ao aprofundamento e análise dos
fundamentos (históricos, teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos) do
Serviço Social, seu significado social, demandas, competências e atribuições no contexto das
relações sociais da sociedade capitalista contemporânea.
O Núcleo que tem por objetivo estruturar um espaço de debate e interlocução no
interior da UFVJM destinado aos Assistentes Sociais do vale do Mucuri, voltado ao
aprofundamento e análise dos fundamentos (históricos, teórico-metodológicos, éticopolíticos e técnico-operativos) do Serviço Social, seu significado social, demandas,
competências e atribuições no contexto das relações sociais na sociedade capitalista
contemporânea.
O Núcleo centra suas atividades no estudo sobre o trabalho do assistente social, os
processos, as relações e as condições em que se realiza a atividade profissional, assim como
as formas assumidas pela profissão nos diferentes espaços sócio ocupacionais. Procurando,
nesse processo, analisar o significado do trabalho do assistente social no contexto da
sociedade capitalista e nas tendências que assume o Estado, as classes e as políticas sociais.
Portanto, buscará problematizar os contornos, as requisições e as demandas dirigidas ao
assistente social, bem como refletir sobre a condição do assistente social como trabalhador
assalariado, as implicações e as tensões decorrentes face ao projeto profissional crítico.
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Desse modo, o Núcleo promoverá, no período de março 2013 a fevereiro 2014,
sessões quinzenais de estudo e debate sobre o Serviço Social brasileiro, organizadas nos
eixos: fundamentos teórico-metodológicos da vida social; fundamentos sócio históricos da
sociedade brasileira e o dos fundamentos do trabalho profissional, conforme preconizado
nas Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
(ABEPSS) e elaborada coletivamente pela categoria.
Além dos encontros quinzenais serão promovidas atividades programadas de curta e
longa duração com temáticas pertinentes a área do Serviço Social nos seguintes eixos:
acumulação capitalista e questão social; questão social, Estado e política social; Serviço
Social e projeto profissional crítico: princípios, desafios e perspectivas.
Esperamos com esse trabalho gerar os seguintes resultados: despertar o interesse
dos Assistentes Sociais pela formação profissional continuada, no eixo de uma formação
teórico-crítica, consistente e capaz de capacitá-los tecnicamente e politicamente para o
exercício profissional no horizonte do Projeto ético-político do Serviço Social (PEP);
potencializar a análise e a compreensão dos traços característicos e fundamentais da prática
profissional, seu sentido e significado.
Esperamos, ainda, gerar os seguintes resultados: a) contribuir com o estudo e o
debate sobre o Serviço Social, seus fundamentos e os desafios contemporâneos e b)
articular ao desenvolvimento das atividades da extensão a realização de uma pesquisa que
possa identificar como a profissão tem se expressado no Vale do Mucuri (número de
profissionais, instituições empregadoras, frentes de trabalho desenvolvido pelo profissional,
condições de trabalho e os desafios enfrentados).
Conclusões
Neste trabalho, procuramos reafirmar a importância da formação continuada como
estratégia de afirmação do projeto ético-político do Serviço Social, na dimensão da unidade
teoria e prática no exercício profissional. Por outro lado, ainda se faz necessário que a
formação continuada, destinada aos Assistentes Sociais, seja tomada como eixo prioritário
de profissionais de Serviço Social, vinculados a essa área. Assim, como se faz necessário
investir na formação continuada de supervisores de estágio para além das exigências
instituições que envolvem esse o processo pedagógico. Observa-se, ainda, a necessidade de
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pesquisas e estudos nessa área para seja possível suscitar e florescer outras experiências,
compartilhar e estabelecer novas estratégias de intervenção nesse campo com olhos abertos
e atentos a cena contemporânea.
Por fim, cabe lembrar, destacar o papel que a universidade pública (embora não seja
exclusiva dela) pode e deve exercer nesse campo na indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão. Nessa dimensão é necessário conceber e atuar na extensão como ação
fundamental da Universidade pública junto à comunidade - espaço de formação profissional
e de socialização com o público externo do conhecimento adquirido com o ensino e a
pesquisa.
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