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A PERCEPÇÃO DO ENFERMEIRO DO HOSPITAL REGIONAL DE
SAMAMBAIA- DISTRITO FEDERAL (HRSAM – DF) FRENTE A PACIENTES QUE
APRESENTARAM TENTATIVA DE SUICÍDIO
THE HOSPITAL REGIONAL DE SAMAMBAIA- DISTRITO FEDERAL
(HRSAM – DF) NURSE PERCEPTION FACING PATIENTS WHO HAVE
DISPLAYED SUICIDE ATTEMPT
Andressa Silva Gomes
Acadêmica de enfermagem. Graduanda pela Faculdade LS de Taguatinga - Distrito Federal
[email protected]
Annalú Ribeiro Bezerra
Acadêmica de enfermagem. Graduanda pela Faculdade LS de Taguatinga - Distrito Federal
[email protected]
Ricardo Lee Freitas da Silva
Acadêmico de enfermagem. Graduando pela Faculdade LS de Taguatinga - Distrito Federal
[email protected]
Rosiberton Pereira da Cruz
Pesquisador Responsável. Enfermeiro especialista em Saúde Mental. Graduado pela União
Educacional do Planalto Central (UNIPLAC) do Gama - Distrito Federal.
[email protected]
RESUMO
Este trabalho foi iniciado devido à necessidade de se verificar a maneira com que é prestada a
assistência de enfermagem a pacientes que cometeram tentativa de suicídio, problema que é
considerado, hoje, um dos mais graves no âmbito de saúde pública. O estudo tem como objetivo
geral verificar como o paciente com tentativa de autoextermínio é visto pelo enfermeiro ao dar entrada
na unidade de pronto atendimento do Hospital Regional de Samambaia do Distrito Federal (HRSAM –
DF). Trata-se, pois, de uma pesquisa exploratória transversal qualitativa. Os dados foram coletados
em agosto e setembro de 2012, de 5 (cinco) enfermeiros emergencistas do Hospital Regional de
Samambaia do Distrito Federal (HRSAM – DF), por meio de entrevista semiestruturada. Os
resultados apontaram que o papel do enfermeiro diante desses pacientes é de intervenções
imediatas, como o acolhimento e encaminhamento ao profissional específico, e demonstram,
portanto, que a maior parcela dos profissionais de enfermagem não possui preparação teórica e
psicológica capaz de compor o tratamento adequado, portanto, apresenta falta de preparo
relacionado a saúde mental.
PALAVRAS-CHAVES: Percepção. Enfermeiro. Tentativa de suicídio.
ABSTRACT
This research was initiated due to the need to examine how nursing care is provided to patients who
attempted suicide, a problem considered today one of the most serious in the context of public health.
The study aims to generally check how the patient who attempted self-annihilation is seen by nursing
staff when he arrives on the emergency room of Hospital Regional de Samambaia – Distrito Federal
(HRSAM - DF). On this account, this is an exploratory qualitative transversal research. The data
were collected in August and September 2012 from 5 (five) nurses of Hospital Regional de
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Samambaia – Distrito Federal (HRSAM – DF) through semi-structured interviews. The results showed
that the role of the nurse facing these patients is to intervene immediately, such as sheltering and
referring them to a specific professional, and demonstrated therefore that the largest portion of
nursing professionals does not have enough theoretical and psychological training for the appropriate
treatment therefore shows a lack of preparation related to mental health.
KEY WORDS: Perception. Nurse. Suicide attempt.
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi iniciado devido à necessidade de se verificar a maneira com
que é prestada a assistência de enfermagem a pacientes que cometeram tentativa
de suicídio, problema que é considerado hoje um dos mais graves no âmbito de
saúde pública (DEBATES, 2010).
O suicídio, durante a história da humanidade, foi definido de várias maneiras
por estudiosos da saúde, filósofos, sociólogos, entre outros. Entretanto, observa-se
que todas as definições circundam a mesma hipótese, e têm relação direta com os
ideais vividos pelo paciente que executa manobras de extermínio (WERLANG;
BOTEGA, 2004).
Segundo Durkheim (2000), suicídio é todo caso de morte resultante direta ou
indiretamente de um ato realizado pela própria vítima e que permanece consciente
do resultado. O autor destaca o suicídio como causa, fato ou fenômeno social, e
busca valores coletivos da sociedade para demonstrar um esclarecimento,
eminentemente, social para o suicídio.
Baechler (1975), defende a ideia de que não importa quem se mate; cada
indivíduo herda, através de seu código genético, uma capacidade maior ou menor
de enfrentar os desafios da vida. Com isso, subtende-se que pensamentos suicidas
possuem inter-relações com a herança genética, existindo pessoas mais
susceptíveis que outras.
Conforme Foucault, a ideação suicida é caracterizada como um desatino,
sendo ponto primordial, para sua avaliação, o distanciamento que o indivíduo
apresenta da norma social. O autor cita que o sistema de repressão, através da
coação, não condena o paciente que tentou o suicídio, mas impede outra tentativa
devido ao trabalho realizado para corrigir a "desordem da alma". Este trabalho é
formulado acerca das fragilidades de cada paciente, o que nos leva a detectar,
enquanto profissionais, os seus fatores de risco.
Os fatores mais comuns que, provavelmente, predispõem o suicídio são idade,
sexo, situação conjugal, emprego, relações pessoais, estrutura familiar,
religiosidade, pacientes com doenças incuráveis, com personalidade impulsiva,
deformidades físicas, socioeconômico baixo e transtornos mentais. Com isso, é
necessário pesquisar, junto às equipes hospitalares, se todos os enfermeiros são
capazes de realizar a classificação de risco (HESKETH; CASTRO, 1978).
Durante a década de 60 no século XX, não havia essa preocupação, visto que
a assistência de enfermagem psiquiátrica era prestada por enfermeiros sem
capacitação ou habilidade para lidar com pacientes acometidos por transtornos
mentais. O enfermeiro psiquiátrico só se tornou necessário através do movimento da
Reforma Psiquiátrica, que possuía a ideia de transformar a assistência
hospitalocêntrica em promoção da saúde mental, eliminando clínicas de internações
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e inserindo o sujeito e a sociedade em serviços de atenção psicossocial
(WAISELFISZ, 2011).
No ano de 2006, o Ministério da Saúde (MS) lançou um manual para
profissionais das equipes de saúde mental, traçando oficialmente a estratégia
nacional de prevenção ao suicídio, que enfatiza as equipes dos Centros de Atenção
Psicossociais (CAPS). Uma das diretrizes propostas é a qualificação permanente
das equipes de saúde, que, de fato, necessitam de uma apuração para verificar se a
forma com que tem sido empregada consegue atingir, em sua totalidade, o público
alvo.
Rotineiramente, a equipe de enfermagem atua na atenção primária à saúde,
buscando prevenções e tratamentos de patologias, através de suas intervenções e
manobras. Essa assertiva denota a aliança terapêutica existente, favorecendo a
identificação de pacientes com risco de suicídio por uma equipe bem preparada
(CONASS, 2011).
É importante salientar que, pacientes com atitude e ideação suicida,
necessitam de ajuda e procuram os serviços de atenção primária antes de cometer o
suicídio (OMS, 2000). Todavia, a atuação dos profissionais de enfermagem, ao
realizar suas atribuições no cuidar do paciente, de forma holística, ajuda a prevenir a
ideação suicida e, consequentemente, auxilia na inserção dos usuários que tentaram
o suicídio na comunidade (ABREU et al., 2010).
Pode-se dizer que, em casos de suicídio ou de tentativa de suicídio, é difícil
prever qual será a atitude adotada pelo profissional de enfermagem, pois alguns se
emocionam, outros reagem de forma desprezível, poucos conseguem assisti-lo de
maneira integral (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).
Diante do exposto, o principal objetivo desta pesquisa é verificar como o
paciente com tentativa de autoextermínio é visto pela equipe de enfermagem ao dar
entrada na unidade de pronto atendimento do Hospital Regional de Samambaia do
Distrito Federal (HRSAM – DF). E como objetivos específicos apresentar a
concepção de suicídio para os profissionais; as situações e sentimentos vivenciados,
e a descrição de como é para cada um lidar com pacientes com risco de suicídio.
Esclarecer os sentimentos exteriorizados pelo enfermeiro ao atender pacientes
que apresentaram tentativa de suicídio é importante; visto que, é necessário que o
enfermeiro compreenda o significado que um indivíduo atribui à própria vida e/ou
que o auxilie a encontrar sentidos nos acontecimentos penosos (DAL PAI;
LAUTERT, 2005).
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa exploratória transversal, com abordagem qualitativa
que pode ser conceituada a partir da incorporação do significado das palavras com a
real intencionalidade dos que responderam (MINAYO, 2007).
Os dados foram coletados nos meses de agosto e setembro de 2012, no
Hospital Regional de Samambaia do Distrito Federal, por meio de entrevista
semiestruturada.
A amostra foi composta de cinco enfermeiros da Unidade de Pronto Socorro
(PS). Como critério de inclusão dos participantes foi estabelecido o tempo de serviço
no setor mencionado igual ou superior a seis meses.
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Na coleta de dados, foi utilizado um instrumento validado, já aprovado e
publicado em outros artigos relacionado ao tema suicídio, composto de 3 (três)
questões discursivas, que são respectivamente: 1) O que é o suicídio para você? 2)
Você já conviveu com pacientes que tenham tentado ou consumado o suicídio? Em
caso afirmativo, poderia descrever a situação? Como você se sentiu? e 3) Como é
para você lidar com pacientes com risco de suicídio?
As entrevistas foram realizadas durante as trocas de plantões, em local
reservado da própria unidade e escolhido pelos profissionais. Tiveram duração
média de 20 (vinte) minutos e foram gravadas, após apresentação da atividade
proposta e autorização do entrevistado.
Os resultados emergiram de análise metodológica de dados, respeitando as
seguintes etapas: transcrição das entrevistas gravadas, exploração do material,
corte das falas a serem utilizadas no referencial, pesquisa bibliográfica e, por fim,
tratamento das falas, constituindo a interpretação temática. As respostas obtidas são
apresentadas com suas análises, tendo, como fonte de discussões, a comparação
com referenciais teóricos encontrados sobre o assunto.
O Projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de
Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (CEP/FEPECS), parecer nº 192/2012, em
21/06/2012. Os princípios éticos foram respeitados conforme determina a Resolução
n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Foi solicitada à diretoria da unidade em estudo a assinatura do termo de
autorização para a realização da pesquisa. Todos os participantes assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.
Para manter o anonimato dos sujeitos, os discursos estão identificados por
uma letra e um número. A letra (E) significa entrevistado e os números que a
acompanha (1, 2, 3, 4 e 5) indicam a quantidade e consecutiva ordem dos
profissionais da amostra.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Perfil dos sujeitos
A idade dos participantes variou de 29 a 46 anos, 3 eram do sexo feminino e 2
do sexo masculino, 3 casados e 2 solteiros. Quanto à religião, a maioria é
evangélica e o tempo de experiência dos entrevistados, no Pronto Socorro, variou de
1 ano e 6 meses a 7 anos. Somente 3 enfermeiros possuem outro vínculo
empregatício e nenhum possui especialização na área de saúde mental.
Denota-se até então que suicídio é um tema complexo, que desperta
curiosidades, dúvidas e investigações por parte dos enfermeiros. Para colaborar
com as interpretações e práticas adequadas de enfermagem, exploramos o material
realizando análise do conteúdo das entrevistas.
Os resultados que emergiram da coleta de dados foram analisados e
agrupados em 5 (cinco) categorias: conceito; convívio com pacientes que tenham
tentado ou consumado o suicídio; situações descritas; e sentimento e maneira de
lidar com pacientes com risco de suicídio.
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É percebido que fatores, tais como religião, idade e tempo de serviço,
influenciam na abordagem e na assistência do enfermeiro ao paciente com tentativa
de autoextermínio.
Conceito
Destaca-se, através da ótica freudiana, que a sobreposição de instintos de vida
e morte, relacionados à interação de fatores externos, em um paciente
emocionalmente fragilizado, desencadeia a tentativa de suicídio (FREUD, 1969).
Durkheim (2000) defende que a tentativa de suicídio deve ser analisada de
forma social, pois não se trata apenas de um conflito individual: existem causas
sociais que estão ligadas e afetam significativamente na decisão, como por exemplo,
o nível da integração social dos suicidas no meio em que vivem.
Cassorla (1979) debruçou-se em estudos atinentes a religião e constatou, em
suas obras, que há uma proporção maior de indivíduos que não pratica - o que
sugeriu que a religiosidade, e não a religião, é um fator associado aos atos suicidas,
o que vai de encontro a resposta do entrevistado (E3) abaixo.
Questionados acerca da definição de suicídio, a maioria dos entrevistados
levantaram respostas similares e sucintas, o que demonstra o conhecimento básico
sobre as variáveis envolvidas no conceito de autoextermínio:
É quando a pessoa tenta se matar [...] (E1).
É quando o individuo tenta tirar a própria vida (E2).
[...] é o momento de desespero, de fraqueza espiritual (E3).
[...] é o ato intencional de tirar a própria vida (E4).
É a ideação né? [...] que o paciente tem de suicídio [...] indução [...] auto
destruição [...] (E5).
Convívio com pacientes que tenham tentado ou consumado o suicídio
Os enfermeiros entrevistados já conviveram com pacientes que tentaram o
autoextermínio. É notado que, por trabalharem na Unidade de PS, os profissionais
são responsáveis pela assistência aos enfermos, com ou sem risco de morte, cujos
agravos à saúde necessitam de atendimento imediato, que são dispostos em leitos,
sob observação 24 horas por dia (BRASIL, 1985).
O PS recebe pacientes de urgência propriamente dita, com quadros
desgarrados da atenção primária e especializada, e com urgências sociais. Sendo
que, dentre elas, estão inseridos os pacientes que tentaram cometer o suicídio (MS,
2002). Os enfermeiros executam avaliações clínicas, procedimentos invasivos e
cuidados que tendem a reduzir os danos provocados pelo próprio paciente até
serem remanejados para clínicas especializadas (PORTO, 2007; TIMBY; SMITH,
2005); de acordo com os relatos a seguir:
Já. É até comum, por se tratar de pronto socorro receber pacientes que
tentaram suicídio [...] (E1).
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Já, tentado e consumado [...] (E2).
Convivi com muitos pacientes que tentaram tirar sua própria vida. Muitos...
(E3).
Sim. Já convivi [...] aqui no pronto socorro, a nossa convivência com esse
tipo de paciente é por um tempo determinado, apenas até o mesmo se
estabilizar e ser encaminhado para outra clínica [...] (E4).
Tentado sim. Já convivi (E5).
Situações descritas
Segundo Bertolote (2010), a ingestão de produtos tóxicos constitui principal
fator agravante nos casos consumados de tentativa de suicídio, visto que defensivos
agrícolas como pesticidas e herbicidas possuem alto nível de degradação. O autor
defende ainda que pacientes que apresentam transtornos mentais possuem maior
predisposição e probabilidade de desencadear as ideações suicidas, assertiva que
foi comprovada por relatos de vivência do entrevistado (E4). Dentre esses
transtornos, podemos citar a depressão, o alcoolismo e a esquizofrenia.
Para Kondo et al. (2011), a eficiência do sistema de saúde é o primórdio na
prevenção de complicações resultantes das tentativas de autoextermínio, auxiliando
na redução da mortalidade específica ocasionada por tal ato.
Foucault (1978) defende que o sistema de repressão, através de internações
psiquiátricas, constitui forte empecilho nas novas tentativas de suicídio pelo mesmo
paciente, o que nos leva a analisar que essa recuperação, apesar de eficaz,
segundo relatos do entrevistado (E5), proporciona maior sofrimento familiar e
distanciamento das normas sociais, que será outro problema a ser enfrentado após
a alta.
Com isso, justifica-se a necessidade da melhoria do atendimento psicológico
ofertado pela enfermagem, de maneira a diagnosticar precocemente pacientes com
risco de suicídio e aplicar junto à equipe multidisciplinar, planos de prevenção e
promoção, conforme diretrizes de saúde pública.
Nas situações descritas, é visto que:
[...] E o paciente que já conseguiu foi por uso de organosfosforados [...] foi
por situação financeira mesmo [...] (E2).
[...] o paciente tentou por intoxicação [...] ou ferimento por arma de fogo ou
arma branca, normalmente é caracterizado por algum tipo de transtorno
mental (E4).
[...] tomou 60 comprimidos de dipirona e cortou os pulsos com uma lâmina
de bisturi [...] Foi feito lavagem gástrica, e fizeram a sutura [...] Mais uns 10
minutos ela teria morrido [...] ficou um tempo internada no hospital
psiquiátrico [...] nunca mais resolveu fazer isso [...] (E5).
Sentimento
É observado que todo momento vivenciado com o paciente e cada atendimento
realizado pelo enfermeiro é diferenciado. A maioria expressa sentimentos
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conflituosos, angustiantes ou piedosos; outros tendem a refletir sobre o caso,
entendendo as dificuldades em lidar com o paciente suicida.
Grande parcela se sente útil em determinadas situações práticas, assimilando
as características psicológicas apresentadas pelo paciente no decorrer dos
procedimentos, entretanto, não deixam de evidenciar a falha na percepção
psicológica (BURIOLA et al., 2011).
Segundo os profissionais de saúde, as dificuldades em trabalhar com as
tentativas de suicídio giram em torno da associação de sentimentos. Observa-se,
então, que os sentimentos expressados por enfermeiros - como frustração, piedade,
impotência ou desespero - se assemelham à fragilidade apresentada pelo paciente e
atrapalham na elaboração do plano de cuidados eficaz segundo Kondo et al. (2011).
Comprovado em suas falas:
[...] é sempre chocante, em todos os casos. É comum atender, mas o fato
de atender sempre não torna vulgar ou comum. É sempre diferenciado me
faz pensar assim sobre o que fez levar aquela pessoa a tentativa (E1).
Na maioria dos momentos a gente sempre se sente útil né? [...] a gente tem
o suicídio como realmente um momento de desespero da pessoa [...] (E3).
[...] me senti um pouco angustiada pela situação [...] normalmente são
pacientes jovens que estão realmente perturbados psicologicamente e que
não tem o controle mesmo da situação. Normalmente eles não tem noção
do que estão fazendo, que é atentando contra a própria vida (E4).
[...] Um pouco de dó [...] (E5).
É fato que, em consequência de pressões e tensões que os profissionais de
saúde submetem-se a longo prazo, eles tendem a desenvolver mecanismos de
defesa para suportar a ansiedade e corrigir pontos necessários no paciente com
ideação suicida, como, por exemplo: fragmentação da relação família/paciente,
despersonalização e negação da importância do indivíduo, distanciamento e
negação dos sentimentos, tentativa de eliminar decisões e redução do peso da
responsabilidade imposta (BOMBERG, 1996).
Parte dos enfermeiros, no decorrer da profissão, conseguem encarar com
limitada naturalidade casos de suicídio, pois lidam com tais fatos com grande
frequência, tanto na vida pessoal quanto na profissional.
Embora, ao examinar atentamente as respostas obtidas, nota-se um certo
distanciamento emocional e uma indiferença diante do sofrimento alheio, com uma
perda da capacidade de empatia. Esse fato leva à identificação de similaridades com
as características da síndrome de “burnout”, evidenciada por esgotamento
emocional, e inicia-se geralmente por prolongados níveis de estresse no trabalho
(MILLAN, 2007; TRIGO et al., 2007).
É perceptível tal característica através dos relatos:
[...] eu já encaro de forma natural porque na minha família já teve [...] casos
de suicídio [...] assim a gente já encara de uma forma natural mesmo [...]
(E2).
[...] então a gente costuma entender isso (E3).
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Maneira de lidar com pacientes com risco de suicídio
Através dos dados coletados, é evidente que alguns profissionais se
preocupam com a maneira de assistir o paciente com tentativa ou risco de suicídio.
Percebe-se que, em alguns casos, sentimentos de frustração, impotência e dúvida
com o que irá acontecer após a alta são grandes barreiras na comunicação e no
aprimoramento de novas técnicas (AVANCI; PEDRÃO; COSTA JÚNIOR, 2005).
Entretanto, prevalece a assertiva de que os enfermeiros não estão preparados
para diagnosticar fatores de risco suicidas, nem para assistir o paciente como um
indivíduo que necessita de ajuda. Especificamente, na sociedade como um todo
ainda permanecem posturas preconceituosas e discriminadoras em relação ao
paciente que tentou o suicídio, não sendo exceção, para essa afirmação, os
profissionais de saúde (KOHLRAUSCH et al., 2008).
Segundo técnico de enfermagem do Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência (SAMU), em comentário exclusivo para os autores do artigo, os pacientes
que cometeram tal ato são apresentados na unidade de pronto atendimento do
hospital pesquisado local caracterizado pelo atendimento de urgência e emergência,
motivo pelo qual os profissionais são valorizados pela rapidez, dinamismo e
objetividade que atendem as pessoas - fato que dificulta a formação da aliança
terapêutica nesses casos.
Diante das problemáticas envolvidas no suicídio, cabe salientar que, para obter
bom prognóstico, é fundamental o processo terapêutico estabelecido pela
enfermagem, equipe que pode ser considerada, no âmbito hospitalar, a mais
numerosa. Os treinamentos necessários devem ser voltados para estabelecimento
de confiança, de escuta profissional sem formação de juízos, propiciando que ele
próprio realize a reconstrução dos significados dos seus sofrimentos (AVANCI,
PEDRÃO; COSTA JÚNIOR, 2005).
Silva e Boemer (2004) esclarecem em seu estudo que, na área de saúde
mental, profissionais especializados atribuem o significado do suicídio de forma
diferenciada aos enfermeiros ou demais profissionais, que não apresentam
especialização psiquiátrica. O que conclui a afirmação de que a especialização
possibilita aos profissionais lidar melhor com os preconceitos e dificuldades, abrindo,
assim, perspectivas para um melhor cuidado às pessoas que não veem sentido na
própria vida.
Os profissionais reconhecem a complexidade da problemática envolvida,
conforme se observa nas falas:
[...] consegue fazer o acolhimento [...] clínico do problema [...] de suicídio
por ingestão de medicamentos me sinto capaz de atuar clinicamente
naquela situação [...] atuar não no lado psíquico [...] Consigo atender no
primeiro momento. Como por exemplo, o indivíduo é atendido aqui, a gente
dá o primeiro atendimento e em seguida ele é encaminhado a psiquiatria e
ele é avaliado por um médico especialista. Mas assim se esse atendimento
fosse dado por nós eu não me sinto capaz de atuar nessa área nessa
questão psíquica não tenho capacitação para isso (E1).
[...] é difícil porque eu não consigo orientar esse tipo de paciente eu não tive
um formação suficiente pra orientar esse paciente [...] vamos verificar a
parte fisiológica, regulação fisiológica, mas encaminhar esse paciente eu
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fico meio perdida na hora de encaminhar esse paciente, na hora de orientar
ele a não fazer isso mais eu fico muito perdida mesmo não tem como fazer
isso (E2).
[...] dentro da enfermagem, a gente tem um grande bloqueio quanto ao
atendimento [...] existe uma discriminação. [...] da pessoa que tá atendendo
[...] logo pensam que foi [...] por causa de problemas talvez banais e essa
pessoa sempre é discriminada [...] costumo procurar, perguntar aos
familiares o que tá acontecendo com a pessoa (E3).
[...] é uma situação muito séria e complexa que exige o tratamento não só
com o médico [...] ou o enfermeiro. [...] Acho que tem que contar com uma
equipe multidisciplinar envolvendo médicos, psicólogos, psiquiatria,
enfermeiro, toda a equipe, para que esse paciente consiga sair desse
quadro agudo, pelo menos né? E buscar o tratamento... (E4).
[...] Tem que ficar muito atento. [...] atenção redobrada com o paciente, com
todos os sintomas dele, é onde você pode descobrir se o paciente [...] está
sobre alteração de bebida, se é psiquiátrica ou o que é. [...] é muito difícil
(E5).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa evidencia que os profissionais entrevistados, ainda que tenham
pronunciado respostas diferenciadas, têm praticamente as mesmas concepções
acerca do suicídio e compartilham de experiências similares, as quais
consubstanciam ser notável, em cada tentativa de autoextermínio, que os fatores
incendiários para tal ideação são distintos.
Os sentimentos vivenciados pelos entrevistados, durante os atendimentos,
traduzem a habilidade emocional individual no trato dos pacientes, a reação de cada
profissional diante de uma problemática. Alguns tendem a confortar os enfermos
externando sentimentos e preocupando-se em oferecer um cuidado diferenciado a
cada novo caso; outros, de outro modo, agem de forma mecânica, pois,
naturalmente ou por interiorizarem tal postura devido à experiência casuística, estão
ambientalizados com tais situações. Nessa linha, o estudo constata que alguns
enfermeiros consideram-se prontos para lidar com o atendimento clínico - da
estabilização do paciente até a regulação fisiológica - no entanto, quando se adentra
ao atendimento psicológico, é notável o despreparo.
Durante a pesquisa, nota-se que, a fim de compreender as emoções e
sentimentos externados pelos pacientes, no intuito de proferir de maneira mais
adequada em cada especificidade, os entrevistados perceberam a necessidade de
um amplo conhecimento na área psicológica e psiquiátrica. Noutras palavras, a falta
de preparo, durante a graduação, quando se trata de saúde mental e suas
especializações, prejudicam a execução de um atendimento integral. Portanto, é
preciso destacar a importância da busca contínua por conhecimentos médicos, pois,
dessa forma, contribuiremos qualitativamente na abordagem da identificação do
comportamento suicida e no atendimento genérico - possibilitando, aos profissionais
da saúde, mais ferramentas no trato dessa questão.
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