REVITALIZAÇÃO DO ENSINO DE CIÊNCIAS NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE MARÍLIA E
REGIÃO
Nelson BUCK1
Érika Ramos de OLIVEIRA2
Resumo: O ensino de Ciências nas escolas públicas é questionado, seja pela falta de material
didático, seja pela má formação do professor. No sentido de minimizar esse problema,
desenvolvemos um projeto para treinamento de professores em serviço no uso de
recursos de laboratório no ensino, além de promover uma revisão de conceitos e
conteúdos ministrados pelos professores em suas aulas dando ênfase na idéia do
ensino das ciências como pesquisa. Utilizamos os recursos do Núcleo de Ciência e
Cultura da Unesp (NCC) no estudo de conteúdos de Física, Química, Biologia e
Ciências. Essas atividades fazem parte de uma parceria estabelecida com a Diretoria
de Ensino da Região de Marília, desenvolvendo um programa de recuperação dos
laboratórios de escolas públicas. Algumas escolas reconstruíram completamente o
espaço dos laboratórios adotando a orientação feita pela Unesp. Professores da Rede
Pública foram treinados para serem multiplicadores do conhecimento adquirido junto
aos demais. Como resultado, muitos professores passaram a desenvolver atividades
práticas em suas aulas, tornando o ensino mais agradável e atraente relacionando a
ciência com o cotidiano do aluno.
Palavras-chave: ensino de Ciências; pesquisa; laboratório; formação de professores.
INTRODUÇÃO
A escola pública de nível fundamental e médio, em geral, apresenta deficiências no
ensino de Ciências que passam pela má formação do professor, falta de equipamento adequado
ao ensino e más condições para funcionamento de laboratórios.
Em breve levantamento feito junto às escolas do Município de Marília, verificamos
que os laboratórios, quando existem, são espaços esquecidos e não utilizados, ficando o ensino
de Ciências restrito a informações teóricas pouco atrativas, que em nada contribuem para a
formação do aluno.
Diante disso, esse projeto propôs ações concretas para melhorar o ensino de
Ciências nas escolas públicas de Marília e região aprimorando a atuação dos professores por meio
de uma capacitação que se desenvolveu ao longo do nosso trabalho. Tivemos como proposta
orientar os professores no uso, criação e/ou recuperação dos laboratórios existentes em suas
escolas, bem como na elaboração de material didático de laboratório “Kits” e apresentando a
ciência aos alunos como processo de construção.
Outra proposta era levar os professores a assumirem a condição de pesquisadores
em suas salas de aula junto aos seus alunos. É imperioso mostrar aos alunos que a atividade
1
Professor Doutor do Departamento de Didática, responsável pela disciplina de Metodologia do Ensino de Ciências das séries iniciais do
ensino fundamental da Faculdade de Filosofia e Ciências (UNESP), campus Marília.
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humana denominada ciência pode ser feita também no ambiente da sala de aula. Entretanto, o
“fazer ciência” exige um laboratório. Este não é uma instalação sofisticada, sugerida pelo nome,
mas uma sala com um mínimo de recursos, tais como pias com água corrente, tomadas de
eletricidade, condições para aquecer água e armários para a guarda de vidrarias e reagentes.
Trata-se de algo extremamente simples, mas que deve ser um ambiente a parte, separado de
outras atividades que não as da ciência.
Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s) do Ensino Fundamental, o
ensino das ciências naturais articuladas entre si, permite uma abordagem interdisciplinar dos
assuntos, pois abrange aspectos da Física, Química, Biologia, aspectos sociais e tecnológicos.
Esse ensino necessita uma sala ambiente (laboratório) que é um importante instrumento motivador
para o aluno e o faz participar efetivamente da aula. Nele o aluno pode desenvolver a criatividade,
a curiosidade, a observação, a capacidade de registrar dados, entre outras coisas. Os dados
obtidos geralmente permitem a discussão do problema estudado e decisões que são sempre
tomadas após momentos de reflexão.
Os conteúdos e metodologias de ensino para as disciplinas da área científica
contidos nos PCN´s são conhecidos de professores e administradores. No entanto, de há muito
percebemos que o ensino das ciências3 não é feito de forma a permitir a “alfabetização científica”
do aluno, com o conseqüente desenvolvimento científico-cultural e intelectual desse.
Um dos grandes problemas observados no acompanhamento do ensino das
ciências é a falta de conhecimento científico do professor que o impede de desenvolver atividades
inovadoras. (Krasilchik, 1987 e Gil-Pérez & Carvalho, 2003). Esse não é um problema que afeta
somente os professores, mas também diretores que, assim, não sabem avaliar a importância da
formação científica para as novas gerações.
No Brasil, a ciência e a tecnologia não são vistas como cultura. Essa qualidade é
reservada para a arte, a literatura e a história, entre outras atividades humanas. (Delizoicov et all,
2002). Os investimentos necessários à modernização da escola são justificáveis e trariam grandes
benefícios a sociedade como um todo, pela melhor qualidade da formação científica dos jovens.
Aulas expositivas com cópias e uso exclusivo do livro didático formam um aluno
desinteressado e de baixa capacidade de reflexão, julgamento e compreensão da realidade de seu
meio. A escola, geralmente, forma indivíduos que não aprenderam a ser cidadãos e que na
comunidade não são participativos, críticos e nem capazes de atuar para melhorar seu meio
2
Aluna bolsista do terceiro ano do curso de Pedagogia (Bolsa: Núcleo de Ensino).
Neste texto usaremos a expressão Ciências para designar qualquer disciplina da área científica: Ciências (ensino fundamental), Física,
Química e Biologia (ensino médio).
3
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social. É necessário um ensino de Ciências que permita a atividade do aluno em equipe
ensinando-o a pensar e a construir seu conhecimento científico desenvolvendo o lado social de
sua formação.
Para alcançar os objetivos propostos no projeto adotamos vários procedimentos,
tais como o treinamento dos bolsistas na preparação de “kits” que seriam utilizados nas escolas
bem como reuniões mensais com os professores participantes.
Nas nossas visitas as escolas ministramos aulas de ciências com atividades
experimentais sobre assuntos previamente escolhidos pelo professor da sala. Participavam da
aula o professor, o coordenador do projeto e os bolsistas. O professor era instruído sobre o
procedimento na sala e os seus alunos eram colocados em atividade, com os “kits” fornecidos pela
Unesp. Ao final da aula o material era reconduzido para o laboratório do Núcleo de Ciência e
Cultura (NCC).
Escolas que não possuem laboratório também foram visitadas e as atividades foram
realizadas em salas comuns que continham mesas de aproximadamente um metro quadrado que
podem ser dispostas da maneira mais adequada ao tipo de trabalho a ser realizado, uma vez que
favorecem a interação professor-aluno e aluno-aluno.
Nossas ações tiveram o intuito de mostrar a necessidade do laboratório e levar
professores e alunos a pleitearem o seu, além de mostrar a possibilidade de se trabalhar
experimentalmente mesmo em salas comuns com instalações inadequadas.
A intenção desse projeto foi muito mais contagiar o professor e fazê-lo sonhar
novamente e mais intensamente as possibilidades da Educação. Trabalhamos para obter
mudanças de atitudes, de alunos e professores. (Fracalanza et alii, 1986).
Acreditamos, assim como Richmond (1981), que é necessário ensinar Ciências
colocando o aluno em contato com o objeto de estudo, com a natureza, realizando um trabalho de
pesquisa científica. Isso permite ao educando a construção do seu conhecimento, que então
passará a fazer parte de sua cultura, deixando de se tornar uma mera memorização. (Delizoicov et
all., 2002).
Dessa forma, alcançaremos não só a “alfabetização científica” do educando,
momento em que ele percebe a existência dos diferentes campos da ciência e tecnologia, mas
também o seu “letramento”, numa analogia com a reflexão que se faz na área da linguagem entre
alfabetização/letramento. Assim, quando o aluno consegue utilizar os princípios científicos
aprendidos na rotina do seu dia-a-dia cultivando e exercendo as práticas sociais que envolvem a
ciência ele adquire o “letramento” científico (Krasilchik, 2004).
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ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO ÂMBITO DO PROJETO
As primeiras atividades do projeto foram reuniões entre os bolsistas, professores da
rede pública e o coordenador nas quais foram estabelecidos os objetivos e metas do projeto.
Atuamos em 10 escolas com cerca de 20 professores e cerca de 380 alunos.
Os bolsistas treinaram a montagem de “kits” no laboratório do NCC para realização
de atividades experimentais em aulas ministradas nas nossas visitas as escolas. Também
atendiam professores que procuravam o NCC em busca de empréstimo de material didático.
Inicialmente visitamos uma série de escolas da região de Marília. A primeira escola
selecionada, EE “Profa. Dirce Belluzo de Campos” na cidade de Vera Cruz foi visitada no dia 19 de
agosto de 2004, no período da manhã. Essa escola possui um bom espaço para laboratório que se
encontra desativado. Não possui materiais de laboratório. Nessa sala um assunto previamente
escolhido e apresentado como pesquisa foi estudado por duas turmas de 30 alunos dos 3º anos
do Ensino Médio. Realizamos uma pesquisa buscando a separação de diferentes líquidos de uma
mistura. Os alunos utilizaram o princípio da destilação separando a água do álcool. Em seguida
destilaram uma mistura obtida da fermentação de caldo de cana, obtendo também álcool etílico e
água pura. Houve muito interesse dos alunos que mostraram não ter nenhuma prática no
manuseio de materiais de laboratório, falta de expressão oral e dificuldade no trabalho em equipe.
O resultado final foi bom, pois muitos alunos se propuseram a visitar o laboratório do NCC na
Unesp tal o interesse despertado pelas atividades desenvolvidas. Alguns lamentaram estar no 3º
ano do curso e nunca terem tido a oportunidade de trabalhar em um laboratório didático, enquanto
outros manifestaram o interesse em ingressar em cursos da área de ciência e tecnologia embora
sentissem que seu conhecimento científico deixava a desejar.
Outra escola visitada foi a “EE Prof. Alcyr Rosa Lima” na cidade de Garça no dia 19
de agosto de 2004 no período da manhã. Participaram 25 alunos da 8a série do ensino
fundamental e a professora. A escola não tem o espaço de laboratório, mas possui alguns
materiais. As atividades foram desenvolvidas na sala de aula, local onde os alunos realizaram uma
pesquisa sobre substâncias ácidas e alcalinas com o emprego de indicadores químicos.
Embora os professores solicitem a transformação de uma sala em laboratório a
direção da escola não se interessou pelo assunto e continua utilizando o espaço disponível como
depósito. Os alunos demonstraram grande interesse pelas atividades e se propuseram a solicitar
da direção a criação de um laboratório de ciências.
No dia 25 de agosto de 2004 visitamos a EE “Dona Vitu Giorgi” na cidade de
Oriente, no período da manhã. Participaram 30 alunos e seu professor. A escola possui espaço de
laboratório que apresenta deficiências tais como falta de banquetas, torneiras nas pias e nenhum
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material. Também foi desenvolvida uma pesquisa sobre ácidos e bases, pesquisando em seguida
o pH de alimentos. Como sempre, houve grande interesse dos alunos e do professor que se
propuseram a realizar uma campanha a favor da recuperação do laboratório da escola.
Na seqüência de nosso projeto visitamos a EE “Cultura e Liberdade” da cidade de
Pompéia. Atendemos uma turma de 31 alunos escolhidos de várias classes. Essa escola possui
um laboratório com bancadas, pias e carteiras comuns para os alunos. A despeito da precariedade
das instalações, realizamos uma pesquisa a pedido do professor que também versou sobre o pH
de soluções. Os alunos se mostraram muito interessados e participaram muito bem da pesquisa
desenvolvida.
No dia 2 de setembro de 2004 realizamos uma atividade de capacitação para 15
professores de ciências em parceria com a Diretoria de Ensino de Marília e com a participação da
Profa. Ana Paula Ursolino, Assistente Técnica Pedagógica dessa Diretoria. Essa atividade,
prevista no projeto, permitiu discutir com os professores metodologias adequadas ao ensino de
ciências e a utilização de equipamentos de laboratório em atividades experimentais. Dessa forma,
demonstramos a importância do ensino feito através de assuntos relacionados com o cotidiano do
aluno, por meio dos quais foi possível entender mais facilmente os princípios da ciência. Os
professores saíram da capacitação declarando a intenção de introduzir atividades experimentais
em suas escolas.
Em 17 de setembro foi visitada a EE “Norma Mônaco Truzzi” na cidade de Jafa,
uma escola que não tem laboratório de ciências nem materiais. As atividades da aula foram
realizadas em sala comum, com total sucesso. Esse fato demonstrou aos 3
professores
participantes que é possível realizar aulas de ciências com pesquisa em salas comuns. Bastam
para isso o empenho de professores e alunos e alguns materiais de laboratório de baixo custo. Os
35 alunos participantes mostraram-se muito passivos, sem iniciativa, não manifestando suas
críticas ou dúvidas sobre o que ocorria nos experimentos. Resultado do tipo de ensino teórico e
livresco adotado pelos professores. Mesmo assim os alunos participaram de modo razoável
motivados pela novidade do “fazer”. Mostramos aos professores que para mudar as atitudes dos
alunos seria necessário mudar o processo de ensino, tornando-o mais atraente e estimulante,
colocando-os em ação dando-lhes oportunidade de expressão, de raciocinar e julgar situações,
tomando decisões ao executar as atividades experimentais.
Visitamos em 22 de setembro de 2004 a EE “José Alfredo de Almeida” na cidade de
Marília na qual 35 alunos e dois professores participaram da aula no período da manhã. A escola
não possui laboratório. Existe uma antiga sala de ciências abandonada, onde há uma bancada e
uma torneira funcionando. Também possui materiais de laboratório que ficam guardados em um
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depósito e não são usados. Os professores desistiram das atividades práticas em virtude da
precariedade do espaço para laboratório. Os alunos demonstraram sua insatisfação pelo ensino
teórico que é desenvolvido pelos professores que não tem interesse em atividades práticas. De
modo esdrúxulo, tanto a direção como professores declararam que nossa aula de demonstração
era interessante, por mostrar aos alunos “o diferente”.
A EE “Dezessete de Setembro” da cidade de Pompéia possui espaço que poderia
ser usado para laboratório, mas não possui bancadas e demais instalações. Aqui também as
atividades de pesquisa sobre o pH de alimentos motivaram os 35 alunos que participaram
ativamente. Os alunos dessa escola pleiteiam constantemente a criação do laboratório, mas não
são atendidos pela direção.
Visitamos a EE “Hilmar Machado de Oliveira”, localizada na cidade de Garça no dia
28 de outubro onde ministramos aula para 30 alunos com dois professores presentes. Nessa
escola existe uma excelente sala de laboratório com materiais adequados e que segundo os
alunos não é usada por nenhum professor. Desenvolvemos uma pesquisa sobre a clorofila, a
fotossíntese e a cromatografia, com resultados muito interessantes. Os alunos lamentaram a falta
de aulas de laboratório dizendo que no ano anterior visitaram uma única vez aquele espaço.
Um detalhe interessante é que apesar da atividade programada pelo projeto da
Unesp a direção não providenciou a limpeza do laboratório, cujas mesas e cadeiras encontravamse totalmente cobertas de pó. Os alunos e nós mesmos tratamos de remover a sujeira da sala
para que pudesse ocorrer a aula prevista.
Na EE “Vereador Sebastião Mônaco” de Marília existe um laboratório bem instalado
que resultou do interesse da Coordenadora Pedagógica Profa. Andreza Gambelli que recorreu a
orientação do Núcleo de Ciência e Cultura da Unesp. A instalação foi possível com recursos da
Associação de Pais e Mestres que existe em todas as escolas. Portanto, poderia ocorrer o mesmo
em qualquer escola se houvesse interesse pelo ensino de ciências, iniciativa e criatividade.
Participaram da atividade experimental 30 alunos e dois professores. Foi realizado uma pesquisa
sobre o pH dos alimentos. Segundo declarações dos alunos, alguns professores ainda não se
utilizam muito das aulas práticas. Nossas observações permitem afirmar que trata-se de
problemas relacionados com a formação dos professores.
Na cidade de Marília a EE “Oracina Correa Moraes Rodine” possui um laboratório
muito mal instalado. As bancadas obrigam os alunos a ficarem de lado para a frente da sala onde
está a bancada do professor e a lousa. O posicionamento das mesas é incompreensível pois,
poderiam estar em posição mais confortável e lógica. Existem reagentes e vidraria em boa
quantidade, mas o laboratório não é usado pelos professores. Estivemos nessa escola no dia 3 de
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novembro de 2004 e realizamos uma pesquisa sobre o pH dos alimentos, equilíbrio ácido/base e
indicadores químicos para um grupo de 30 alunos da primeira série do Ensino Médio e dois
professores.
Em nosso projeto procuramos alcançar um número maior de escolas que em
projetos anteriores, quando trabalhamos com uma ou duas escolas. Tratamos de atingir um
número maior de professores, para tentar influenciá-los a mudar suas rotinas de ensino.
Percebemos que contagiamos os professores no sentido de utilizar os recursos experimentais no
ensino, pois passaram a pleitear melhorias em seus laboratórios, reivindicaram a compra de
materiais e estimularam os alunos a atuar junto a direção da escola no sentido de conseguir essas
melhorias.
O projeto foi pretensioso quanto ao número de escolas envolvidas, mas atingiu seus
objetivos uma vez que professores e alunos tiveram ganhos reais com sua execução, aqueles pelo
aprimoramento profissional e estes porque passaram a ver a ciência de maneira diferente da
inicial. Professores e alunos sentiram-se atraídos pelo trabalho em laboratório e visitaram
freqüentemente o laboratório do Núcleo de Ciência e Cultura, onde puderam conhecer os recursos
necessários para a instalação de um laboratório didático e utilizaram equipamentos e instrumentos
rotineiros no trabalho da ciência.
Visitamos os laboratórios existentes em algumas escolas. São ambientes de
arquitetura antiquada que favorecem a interação professor-aluno e quase nunca aluno-aluno.
Geralmente possuem grandes bancadas onde os alunos são dispostos em fileiras tornando-se
difícil acompanhar o seu trabalho. Existe um local de destaque para o professor que obriga os
alunos a fixarem nele sua atenção.
Sobre os cursos de capacitação
Têm sido realizados regularmente pela Administração da Rede Pública de Ensino os
cursos de capacitação para professores da área de Ciências, principalmente Química, Física,
Biologia e Matemática. Geralmente são oferecidos pela Universidade Pública. Esses cursos
mostram aos professores a importância das atividades práticas no ensino das ciências e
apresentam as mais modernas metodologias para o ensino dessas disciplinas.
Geralmente os professores apresentam grande entusiasmo nos cursos de
capacitação e demonstram interesse em levar para suas escolas as novidades aprendidas.
Porém, ao retornarem para suas escolas os professores encontram a mesma falta de recursos de
sempre, aliada ao total desinteresse das direções de escolas em contribuir para a melhoria da
infraestrutura dos laboratórios, quando existem. Isso faz com que o ensino continue sendo feito
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como sempre, de maneira incompleta, sem alcançar os resultados ideais de formação científica
dos alunos. É corrente a idéia entre os administradores que as coisas da ciência são para os
cursos da universidade. Assim sendo, na área das ciências esses cursos resultam em boa parte
das vezes em tempo e recursos perdidos.
Essa maneira equivocada de conduzir o ensino leva a estagnação e a manutenção
dos métodos antiquados e conservadores no ensino das ciências. Em outras palavras, tudo evolui
no campo da ciência, menos o ensino dela mesma. Esse fato, segundo a revista “Educação” de
março de 2005 explica bem porque em recente levantamento mundial sobre ensino de Ciências e
Matemática feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
entre 37 países, o Brasil foi o último colocado. A pesquisa fez parte do Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (PISA) e procurou verificar o conhecimento principalmente através de
questões que contemplavam assuntos de aplicação prática das ciências em aspectos do dia-a-dia.
No Brasil o ensino de Ciências é feito nas escolas como se fosse uma abstração.
Esse tipo de ensino não gera conhecimento utilizável na solução dos problemas do cotidiano, em
nada contribuindo para a “alfabetização científica” do indivíduo. Assim, temos uma escola pública
que vive afastada da realidade ensinando uma ciência morta e “formando” alunos para nada.
A nossa capacitação dentro do projeto motivou os professores que puderam obter
por empréstimo os materiais necessários para suas atividades de laboratório. Esse fato influenciou
bastante as mudanças de atitudes dos professores em suas aulas.
Como deve ser o ensino das ciências. O que e como ensinar.
O ensino das ciências além de ser voltado para o cotidiano do aluno deve conduzir
o educando a perceber o mundo que o cerca como um todo, algo indivisível, onde devem conviver
todas as culturas e raças em harmonia. Mas o que percebemos é a divisão de todos os assuntos
em compartimentos. (Morin, 2000).
O que apresentamos em nossas escolas é uma ciência acabada, formada de
compartimentos, dividida e calcada no paradigma cartesiano que há mais de 300 anos dirige o
pensamento humano. Esse paradigma embora esteja sendo questionado favoreceu o
desenvolvimento científico-tecnológico existente no mundo atual. Também determinou o
surgimento de uma ciência materialista, determinista, destruidora, cheia de certezas, que não dá
importância ao indivíduo, ao diálogo e as interações que existem entre os homens e entre todos os
outros seres. Não reconhece interação entre ciência e sociedade, técnica e sociedade, e política
com a ética. A cultura passou a ser dividida, os valores humanos esquecidos, o estilo de vida cada
vez mais egoísta e patológico. Tudo é ensinado em compartimentos separados, estanques que
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não se comunicam, salvo em algumas raras tentativas interdisciplinares. O educando não tem a
visão do todo e vê o mundo como uma grande máquina formada de partes que pode ser
desmontada e estudada aos pedaços, sem dar valor as relações que existem entre elas.
O próprio indivíduo se considera separado de todos, um ser independente, que
nada tem a ver com seu próximo, o que gerou o pensamento extremamente egoísta predominante
no mundo materialista atual.
David Bohn (1973), diz sobre a maneira fragmentada de ver o mundo:
nosso modo fragmentário de pensar, olhar e agir tem,evidentemente implicações em
cada aspecto da vida humana. Isto é, por uma curiosa ironia, a fragmentação parece ser
a única coisa universal na nossa vida, que funciona através do todo sem fronteiras ou
limites. Isto ocorre porque as raízes da fragmentação são muito profundas e estão muito
difundidas... Logo, não é acidental o fato de que nossa forma fragmentária de
pensamento esteja levando a um espectro tão amplo de crises sociais, políticas,
econômicas, ecológicas, psicológicas, etc, no indivíduo e na sociedade como um todo. (p.
39).
No ensino das ciências é necessário mostrar que existe uma teia de relações entre
todos os seres e o ambiente. Tudo se relaciona e tudo está em conexão. Conexões de energia
estabelecem esta relação entre tudo o que existe no universo. Vivemos um tempo de
internacionalização da vida das sociedades, de globalização, de relações que criam conflitos que
são de difícil interpretação e trazem mudanças nos valores e tradições que conduzem a problemas
éticos complexos com os quais temos que conviver. Necessitamos uma educação renovada
constantemente e que possa se continuar durante a vida. Só assim os indivíduos encontrarão um
sentido para suas vidas, podendo ser criativos, participativos e atuantes no seu meio social.
Muitos alunos declararam que após conhecerem a ciência como foi apresentada no
projeto gostariam de enveredar por carreiras da área científica. Esse resultado do projeto foi muito
gratificante para nós.
Como deveria ser o professor de Ciências
Entendemos que um professor de Ciências deva reunir um mínimo de qualidades
caracterizando um indivíduo interessado na pesquisa, inovação, formação permanente e nos
avanços da ciência e tecnologia, principalmente de sua especialidade (Gil-Pérez & Carvalho,
2003). São premissas sem as quais é impossível ensinar bem as disciplinas dessa área.
Em todos os campos da ciência o que se aprende na Universidade não é suficiente
para o exercício da profissão. Diríamos que a graduação nos dá a ferramenta para iniciarmos o
trabalho em busca do conhecimento maior que permitirá o exercício da função docente através da
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constante aquisição de novos conhecimentos. Esses novos conhecimentos são necessários
devido aos avanços da ciência, mudanças curriculares e questionamentos feitos por alunos.
O que observamos no magistério público é que os professores trabalham de modo
repetitivo, sempre apresentando os conteúdos da mesma maneira por entenderem que quando
algo dá resultado não deve ser modificado. Na área científica esse procedimento leva a um
retrocesso, pois resulta num distanciamento entre o que se ensina na escola e a ciência atual,
sendo que os assuntos, muitas vezes obsoletos e ultrapassados ficam somente na teoria e
completamente desvinculados do cotidiano do aluno.
A função do professor é conduzir o aluno através do intrincado caminho do saber
em busca do conhecimento científico fazendo a ciência acontecer em aulas nas quais existem
atividades dos mais variados tipos, que permitem chegar a solução de situações –problema que
sejam relacionadas ao seu dia-a-dia. O mestre só poderá fazer isso se conhecer razoavelmente o
caminho a percorrer. Será sua função mostrar ao aluno que no campo da ciência não há palavra
final, mas apenas a mais recente, o que mostra uma ciência dinâmica, em marcha. Essa é a
ciência que a criança deve conhecer na sua “alfabetização científica” e que com certeza
despertará seu interesse.
O professor adequado não fica preso aos limitados itens apresentados nos
currículos e livros didáticos que dão ao aluno a impressão de que a ciência é um universo finito e
acabado. Olhando o mundo do ponto de vista de um livro didático de ciências, nada mais há a
descobrir, tudo já foi explicado. É fundamental que o professor não imponha essa maneira de
pensar a criança, para que ela possa desenvolver a curiosidade, a criatividade e o espírito crítico
ao tentar compreender os fatos do mundo a sua volta.
No presente momento da história da ciência, é necessário que o professor possa
abordar os assuntos relativos a ela estabelecendo, quando possível, relações com a realidade do
mundo quântico. Percebemos que freqüentemente o professor não se arrisca em abordar o
assunto de forma a permitir discussões sobre a relatividade e a teoria quântica. Entendemos que
esse fato leva sempre a enfatizar a fragmentação dos estudos das diversas áreas da ciência, pois
nada é apresentado com inteireza como mostra a interpretação quântica do universo. Pelo
contrário, tudo é dividido, isolado, separado para facilitar a interpretação do todo, objetivo que
nunca é alcançado somente por esse processo cartesiano de fazer ciência.
Cabe lembrar que a última palavra da ciência demora muito para chegar aos bancos
escolares e isso ocorre porque o professor não se atualiza. Quando finalmente um assunto “novo”
é abordado transcorreu tanto tempo que já não é mais o que chamamos de “novo”. É passado.
288
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas escolas visitadas no desenvolvimento do projeto verificamos que o ensino de
ciências é puramente livresco. Tudo é apresentado de forma abstrata com base em textos ou
explicações do professor com anotações na lousa, que são registradas pelos alunos. Raramente
ocorre a apresentação de um problema a ser abordado praticamente no laboratório e essa
escassez de atividades é geralmente justificada em função da falta de tempo. Outra dificuldade
está no fato de que o professor não consegue desenvolver uma metodologia que permita a
execução de trabalhos laboratoriais dentro do intervalo de tempo de uma aula. Além disso, o
professor não tem tempo para a preparação do material a ser utilizado na aula ou a preparação do
laboratório.
Como resultado desse ensino abstrato os alunos respondem com desprezo pela
ciência, que é encarada como algo difícil de compreender, pouco atraente e, portanto, sem
interesse. E o que é mais grave, nada do que se aprende pode ser utilizado na vida prática.
A existência de um espaço para laboratório na maioria das escolas e sua não
utilização revelam a que nível foi relegado o ensino de Ciências, resultado do sucateamento total
do processo educativo e da desvalorização da profissão do professor.
Entendemos que o projeto demonstrou a baixa qualidade do ensino de Ciências em
escolas públicas de Marília e região, em virtude de fatores que vão desde a má formação dos
professores, ao desinteresse da direção das escolas pelo ensino de Ciências, além da crônica falta
de materiais de laboratório. Isso revela também o desinteresse dos escalões superiores da
Secretaria de Educação.
Por outro lado, em nosso projeto tivemos uma resposta boa dos professores que, de
maneira unânime, a despeito de dificuldades relacionadas com a formação, apresentaram-se
interessados em mudar seus métodos de ensino adotando a experimentação como recurso para
tornar suas aulas mais interessantes e atraentes.
Esses professores passaram a pleitear mais intensamente junto à direção da escola
a recuperação ou instalação de laboratórios. Algumas instituições que possuem laboratório em
estado de abandono começaram reformar esses espaços, pintando, colocando mobiliário e
recuperando instalações hidráulicas e elétricas. Essas salas tornaram-se confortáveis e
adequadas ao uso para aulas práticas.
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Atualmente várias escolas de Marília estão empenhadas na compra de materiais de
laboratório o que é um fato novo nas escolas públicas. Os alunos passaram a procurar
espontaneamente o NCC revelando um novo interesse pela ciência, o que julgamos ser
conseqüência do projeto realizado nas escolas.
Os bolsistas desenvolveram atividades que muito contribuirão para sua formação
como professores, pois participaram de aulas, prepararam materiais didáticos e verificaram a
realidade do ensino na rede pública e algumas das providências que podem melhorá-lo.
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290
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