ORGANIZAÇÃO ESCOLAR EM CICLOS: O QUE DIZEM AS PESQUISAS ? Tânia Ferreira dos Santos1 Zélia Maria Braz Cavalcanti2 Laêda Bezerra Machado3 RESUMO Este artigo apresenta levantamento sobre a produção científica a cerca da escolarização em ciclos no Brasil, evidenciando os aspectos que têm sido enfatizados, as limitações e as perspectivas para as pesquisas desse tema. Nosso propósito é facilitar uma aproximação com que vem sendo produzido no Brasil. Realizamos uma análise do conteúdo de nove (9) artigos publicados em periódicos da área de educação publicados entre 2000 a 2006. O conteúdo desses artigos foi organizado em cinco (5) categorias: resgate histórico; considerações sobre legislação; análise de resultados/impactos da implantação de ciclos; concepção dos ciclos e relatos de experiências. Os dados revelam que os ciclos constituem-se numa proposta inovadora, que vai além da regularização do fluxo escolar, se fossem respeitadas e atendidas as condições necessárias para sua eficaz implantação. Porém, ficou muito claro para nós, que não têm sido oferecidas as condições adequadas para efetivação da proposta. Palavras-chave: Ciclos de aprendizagem - levantamento bibliográfico – análise INTRODUÇÃO Atualmente, há muita discussão em torno das políticas públicas que visam à melhoria da educação. Os elevados índices de reprovação e evasão escolar apontam a necessidade de buscar alternativas com vistas à superação desses problemas, que ocasionaram a complexa problemática da defasagem idade/série. Assim, a grande preocupação e desafio da política governamental 1 Concluinte do Curso de Pedagogia- Centro de Educação- UFPE. Concluinte do Curso de Pedagogia - Centro de Educação- UFPE. 3 Professora Adjunta do Depto. de Adm. Escolar e Planejamento Educacional- Centro de EducaçãoUFPE - orientadora do trabalho. 2 centram-se na ruptura da “cultura da repetência”. Tendo em vista a necessidade desse enfrentamento e superação desse problema, os sistemas de ensino procuraram adotar diferentes alternativas político-pedagógicas, dentre essas destaca-se o regime de ciclos . (PRADO, 2000). A respeito dessa medida nos sistemas e sua finalidade, afirmam Barreto e Souza (2004): “Os ciclos têm a ver com a intenção de regularizar o fluxo de alunos, ao longo da escolarização, a fim de assegurar que todos possam cumprir os anos de estudo previstos para o ensino obrigatório, sem interrupções e retenções que inviabilizem aprendizagem efetiva e uma educação de qualidade” (p.33). Os ciclos no conjunto dos programas de correção de fluxos escolares representam mudanças significativas na organização da escola, nas concepções dos profissionais de educação e, principalmente, apresentam-se como grandes desafios, tanto para os sistemas de ensino quanto para seus gestores, em função da série de implicações que acarretam. Freitas (2003),, citando Dalben, afirma que o ciclo “incorpora a concepção de formação global do sujeito partindo do pressuposto da diversidade e dos ritmos diferenciados no processo educativo”. (p.52-53) No Brasil, alternativas à organização da escolarização em séries têm sido formuladas e implementadas desde longa data. Os primeiros registros datam do ano de 1920, quando já se discutia o caráter excludente e seletivo do sistema educacional brasileiro. Destacamos a proposta de Sampaio Dória (Reforma Sampaio Dória, Lei n° 1750, de 1920) que objetivava acabar com o analfabetismo e defendia uma escola que seria responsável pela alfabetização e pelo ensino de matemática no primeiro ano e pelo aprofundamento das questões matemáticas e pelo estudo a respeito do país no segundo ano (Knoblauch, 2004). Contudo, como revela a literatura, tais experiências não revelaram grandes repercussões práticas. (BARRETO e MITRULIS, 2004). Em 1950 realizou-se a Conferência Regional Latino-Americana sobre Educação Primária Gratuita e Obrigatória promovida pela UNESCO realizada no Peru, tendo como representante brasileiro Almeida Júnior apresentando algumas propostas para solucionar o problema da repetência, entre elas a revisão do sistema de promoções na escola primária. Assim como Almeida 2 Júnior, Dante Moreira Leite defendeu a promoção automática, porém não conseguiu superar a organização baseada na homogeneidade visto que defendia a formação de subgrupos dentro de uma classe. Ainda nesse período, Almeida Júnior apresentou dados sobre a repetência no Brasil, segundo o documento da Unesco que indicava que “em 1943 o índice de reprovação foi, para a primeira série, de 57,4% e, para a quarta série, de 20,9%” (KNOLBAUCH, 2004: P.33). Com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-N° 4024/61) que permitia que as etapas de escolaridade fossem organizadas em ciclos, alguns estados brasileiros passaram a adotar essa forma de organização. No Rio de Janeiro (1967), por exemplo, combinava-se faixa etária e nível de escolaridade, em São Paulo (1968) a escola primária ficou dividida em dois ciclos, com promoção automática da primeira para a segunda série e da terceira para quarta série. Em 1968, Pernambuco organizou o currículo em seis níveis de escolaridade, com a possibilidade de avanço em qualquer época do ano. Santa Catarina e Minas Gerais em 1970 eliminaram a reprovação, adotando o Sistema de Avanços Progressivos (BARRETO e MITRULIS, 2004). A Lei 5.692/71 manteve a possibilidade da organização não seriada (Artigo 14, parágrafo IV). Assim, em 1978, o Distrito Federal implantou a proposta de Avanços Progressivos. Em 1980 os estados do Paraná, São Paulo, Goiás e Minas Gerais implantaram o Ciclo Básico de Alfabetização eliminando o gargalo histórico na passagem da primeira para a segunda série. A partir de 1990, a cidade de São Paulo dividiu as oito séries em três ciclos de ensino, o mesmo ocorrendo em Belém. No Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, com a Escola Plural e em Porto Alegre com a Escola Cidadã foi implantado o Bloco Único apoiado na idéia da Escola de tempo integral. Vale salientar que as experiências com ciclos básicos de alfabetização nos anos 80 expandiram-se, com algumas variações para novos estados. Quanto à experiência do bloco único no Rio de Janeiro, apesar de não ter se mantido como forma de organização da escola, serviu como inspiração para outras iniciativas (BARRETO e MITRULIS,2004). Essas experiências, brasileiras, contribuíram para construção da idéia de ciclos como forma de organização da escola deixando de serem vistas na legislação nacional como 3 medida experimental na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB- N° 4024/61) passando a ser legitimada como uma forma de organização escolar na legislação atual (LDB- N° 9394/96). A partir de 1996, entra em vigor a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD- N° 9394/96) que propõe em seu artigo 23: “A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar”, acrescentando que “a finalidade da educação é o pleno desenvolvimento dos educandos” (p. 23 e 24). Assim, o proclamado na legislação, bem como o êxito de diferentes experiências no país mobilizaram vários sistemas a adotarem esse novo regime. Entre elas, São Paulo que através da Resolução n° 4/ 98 de 15/01/98 passou a organizar o ensino fundamental em dois ciclos: Ciclo Icorrespondente ao ensino da primeira à quarta série e Ciclo II-correspondente ao ensino da quinta à oitava série; o município de Belo Horizonte com a Escola Plural, entre 1995 e 1998 e Curitiba com a proposta de implantação dos ciclos de aprendizagem que teve inicio no ano de 1999 (STEINVASCHER, 2005. p: 1; KNOBLAUCH, 2004: 48 – 53) O sistema Municipal do Recife adotou, a partir de 2001, a organização em ciclos de aprendizagens em todo o ensino fundamental, sendo o primeiro ciclo com duração de três anos (seis a oito anos de idade) e os demais ciclos com duração de dois anos cada (BARRETO e MITRULIS 2004). Para Mainardes (2001) a adoção do novo regime não é algo simples, mas implica em alterações radicais na organização curricular da escola. Afirma o autor: “A organização da escolaridade em ciclos, cujas experiências pioneiras surgiram na década de 60, representam uma alteração radical na organização escolar, convencionalmente estruturada em séries. Suscita, dessa forma, alterações radicais na concepção de ensino, aprendizagem e avaliação, bem como diferenciados níveis de resistência na classe docente e da opinião pública em geral” (p. 51). Por representarem uma mudança significativa no tempo e no espaço da escolar, a organização ciclada tem gerado inúmeros debates e estudos entre os pesquisadores da educação e de políticas públicas. Assim, convém4 nos indagar: que aspectos dessa nova organização têm sido ressaltados ou privilegiados nesses estudos? Em virtude do contato que tivemos com a organização em ciclos na Rede Municipal de Ensino do Recife propiciado pela Disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica no nosso curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, bem como o exercício da docência nesse novo regime, nos inquietamos com os discursos da comunidade escolar que apresentam uma visão negativa sobre essa organização. Em nossas observações percebemos que os ciclos estão associados ou reduzidos ao fim da reprovação e conseqüentemente da avaliação, resultando no desinteresse dos alunos,, dificultando, assim, o processo de ensino-aprendizagem. Além disso e ,contrariamente ao que circula nas escolas, na academia, há uma defesa dos ciclos com ênfase nos aspectos favoráveis à sua implantação como instrumento de correção do fluxo escolar e especialmente, como maneira de garantir o pleno desenvolvimento do indivíduo, respeitando seus ritmos e características. Essa aparente contradição nos motivou para estudo dessa temática. Buscamos, pois, identificar o que tem sido pesquisado nesta área evidenciando os aspectos que têm sido enfatizados, as limitações e as perspectivas para as pesquisas desse tema de forma a facilitar aos interessados na temática uma aproximação com o que vem sendo produzido no Brasil. METODOLOGIA Do interesse inicial à definição do objeto Investigar as concepções dos docentes da Rede Municipal de Ensino do Recife acerca da organização escolar em ciclos representava nosso objeto de interesse inicial. Havíamos nos proposto a realizar uma pesquisa qualitativa de caráter etnográfico cujo campo empírico seria as escolas e professores de diferentes RPAs (Região Político Administrativa) da Rede Municipal de Ensino do Recife. 5 Os contatos iniciais com o material produzido sobre a temática, porém, provocaram o redimensionamento dos nossos objetivos visto que, ao contrário do que acreditávamos no princípio, há uma farta e rica produção que aborda a temática, entre os estudos, alguns já apontam para a concepção dos docentes a cerca dos ciclos, respondendo até mesmo a hipóteses que buscávamos investigar como é o caso de Jacomini, (2004) e Fernandes (2005). Dessa forma, compreendemos que nosso estudo não geraria contribuições imediatas como esperávamos para o aprofundamento da temática. Contudo, sem querermos abandonar o tema, que sempre nos inquietou ao longo do curso de Pedagogia, buscamos encontrar outros caminhos que possibilitassem um trabalho significativo. Assim, optamos por realizar um levantamento do que tem sido publicado sobre os ciclos de aprendizagem a nível nacional, nos periódicos que tratam de políticas publicas na área de educação. Fizemos esta opção por considerarmos que as informações levam menos tempo para serem publicadas nos artigos do que nos livros. Procedimento de coleta Optamos, pois, por realizar uma pesquisa bibliográfica de caráter documental. Como afirma ANDRÉ: “A análise documental pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos... desvelando aspectos novos de um tema ou problema”. PHILLIPS citado por LUDKE e ANDRÉ documentos “quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano” (1986 p.38).Tratase de uma pesquisa exploratória e, “como uma técnica exploratória, a análise documental indica problemas que devem ser mais bem explorados através de outros métodos” (LUDKE e ANDRE , 1986, p.39). Após tomar a decisão de levantar o que se pesquisa sobre ciclos de aprendizagem no Brasil, partimos para uma busca sistemática na Biblioteca do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco e na Internet, consultando o site de busca google e por esses meios chegando à página virtual do site de nível nacional e internacional Scielo, onde realizamos uma busca minuciosa nas revistas relacionadas à Educação e as Ciências Sociais publicadas a partir do ano 2000. Fizemos este corte temporal por entendermos 6 que a produção de estudos sobre ciclos se intensificou a partir da promulgação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB N° 9394/96), o que legitimou os ciclos como forma de organização escolar o que concorre para a expansão das experiências do regime ciclado. Vale lembrar que para tomarmos nossa decisão sobre que pesquisas/estudos ou artigos escolher, consultamos também o site da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), pois nele estão presentes os principais estudos na área de Educação. Nesse primeiro levantamento, encontramos: Na Biblioteca do Centro de Educação: dois artigos na Revista Educação e Sociedade; No site oficial do Scielo onze artigos que faziam referência aos ciclos publicados no período entre 2000 a 2006 (primeiro semestre),Os referidos artigos estavam assim distribuídos: Revista Educação e Pesquisa – 4 artigos; Revista Estudos Avançados – 1 artigo; Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa – 1 artigo; Revista Brasileira de Educação – 2 artigos Cadernos de Pesquisa – 3 artigos No site da ANPED ( www.anped.org.br) encontramos dezoito artigos.Essas produções aparecem em diferentes grupos de trabalho (GTs) sendo os mais freqüentes: GT de Didática, GT de Currículo, GT de Ensino Fundamental e GT de Estado e Política Educacional. Ao todo, portanto, localizamos trinta e um (31) artigos sobre os ciclos de aprendizagem. (Quadro 1) 7 Quadro 1: Levantamento de artigos publicados em periódicos e portal da ANPED - 2000-2006 PERIÓDICO/ EVENTO Freqüência Revista Educação e Pesquisa 4 Revista Estudos Avançados 1 Revista Educação e Sociedade 2 Revista Brasileira de Educação 2 Cadernos de Pesquisa 3 Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa GTs da ANPED Total 1 18 31 Concluímos esta etapa da pesquisa ainda com dúvidas quanto aos artigos que privilegiaríamos para a análise. Ao nos aprofundarmos na leitura verificamos que os artigos encontrados no site , Scielo, ou seja, os dos periódicos Cadernos de Pesquisa,, Educação e Pesquisa e Revista Brasileira de Educação apresentavam discussões mais densas, de maior solidez, contemplando as experiências diversificadas a nível nacional. Quanto aos artigos da ANPED continham relatos mais localizados privilegiando os estados das regiões Sul e Sudeste (Porto Alegre, Minas Gerias, São Paulo e Rio de Janeiro) o que não atenderia aos nossos objetivos, pois estávamos mais interessadas na produção a nível nacional. Em função disso, do tempo e limites do trabalho, privilegiamos os artigos dos periódicos, levando em consideração que os periódicos privilegiados são comumente utilizados nos cursos de graduação, são de fácil acesso e são os que mais produziram em relação à temática abordada no período destacado para o estudo. Os artigos eleitos para análise foram no total de nove (09), assim distribuídos: dois (02) da Revista Brasileira de Educação, sendo: Quinze anos de ciclos no ensino fundamental: um balanço das pesquisas sobre sua 8 implantação, GOMES (2004); Ciclos de letramento na fase inicial do ensino fundamental FRANCO (2004). Quatro (04) da Revista Educação e Pesquisa: Estudos sobre ciclos e progressão escolar no Brasil: uma revisão, BARRETO e SOUZA (2004); A prática não- retenção escolar na narrativa de professores do ensino fundamental: dificuldades e avanços na busca do sucesso escolar, GLÓRIA e MAFRA ( 2004); A escola e os educadores em tempo de ciclos e progressão continuada: uma análise das experiências no estado de São Paulo, JACOMINI ( 2004); Organização da escolaridade em ciclos no Brasil: revisão da literatura e perspectivas para a pesquisa MAINARDES (2006). Três (03) do periódico Cadernos de Pesquisa: Vintes anos da política do ciclo básico na rede estadual paulista, ALVES, DURAN e FILHO (2005); A escolaridade em ciclos: a escola sob uma nova lógica, FERNANDES (2005); Reflexões sobre as políticas de ciclos no Brasil, BARRETO e SOUZA ( 2005). Esses artigos foram publicados no período de 2004 a 2006, conforme apresentado no quadro dois (2). Utilizamos em nossa análise dois artigos (JACOMINI, 2004 e ALVES, DURAN e FILHO, 2005) que focalizam a experiência com ciclos no estado de São Paulo, visto que apresentavam discussões abrangentes a cerca do resgate histórico bem como as idéias que fundamentam os ciclos na visão dos educadores e apresentam as inovações que os ciclos trazem para processo de ensino-aprendizagem. 9 QUADRO2 : PERIÓDICOS E ARTIGOS PRIVILEGIADOS PARA ANÁLISE TITULO DO ARTIGO PERIÓDICO AUTOR e ANO Quinze anos de ciclos no ensino fundamental: um balanço das pesquisas sobre sua implantação Revista Brasileira de Educação GOMES, C. A , JAN/ ABR .2004 Ciclos e letramento na fase inicial do ensino fundamental Revista Brasileira de Educação JAN/ ABR .2004 FRANCO, C. Estudos sobre ciclos e progressão escolar no Brasil: uma revisão Educação e Pesquisa BARRETO, E. S. de S; SOUZA, S. Z. JAN./ ABR. 2004 A prática da não-retenção escolar na narrativa de professores do ensino fundamental: dificuldades e avanços na busca do sucesso escolar Educação e Pesquisa GLÓRIA, D. M. A; MAFRA, L. de. A. MAIO./AGO. 2004 A escola e os educadores em tempo de ciclos e progressão continuada: uma análise das experiências no estado de São Paulo Educação e Pesquisa Vinte anos da política do ciclo básico na rede estadual paulista Cadernos de Pesquisa A escolaridade em ciclos: a escola sob uma nova lógica Cadernos de Pesquisa Reflexões sobre as políticas de ciclos no Brasil Cadernos de Pesquisa Organização da escolaridade em ciclos no Brasil: revisão da literatura e perspectivas para a pesquisa Educação e Pesquisa JACOMINI, M. A . SET./ DEZ. 2004 DURAN, M. C. G; ALVES. M. L; FILHO, J. C.P JAN./ ABR. 2005 FERNANDES, C. O JAN. /ABR.2005 BARRETO, E. S. de S; SOUZA, S. Z. SET. /DEZ.2005 MAINARDES, J. JAN. /ABR.2006 ANÁLISE DOS DADOS Entendemos que a natureza da temática pressupõe uma abordagem qualitativa visto que esta “responde a questões muito particulares e.... aprofunda-se no mundo dos significados das ações humanas”, pois o que buscamos na investigação relaciona-se a “interesses e circunstâncias socialmente condicionadas”. (MINAYO , 1994, págs 21-17). Isso nos levou a realização de um estudo exploratório, pois sua abrangência permitiu-nos examinar as experiências com ciclos conforme abordada em estudos recentes (2000). 10 Após o momento exploratório de busca e seleção de artigos que abordam a temática procedemos à organização e análise de dados, seguindo orientação de Bardin (2004) que afirma: “A análise documental tem por objetivo dar forma conveniente e representar de outro modo essa informação, por intermédio de procedimentos de transformação... o propósito a atingir é o armazenamento sobre uma forma variável e a facilitação do acesso ao observador, de tal forma que este obtenha o máximo de informação (aspecto quantitativo), com o máximo de pertinência (aspecto qualitativo)” (BARDIN, 2004, p.40) A análise dos artigos selecionados, todos eles resultados de pesquisas, foi pautada em três pontos básicos: problemática abordada; metodologia adotada; resultados e conclusões do estudo. A partir desta ordenação, procedemos a categorização dos dados. Categorizar, segundo Bardin (2004): “é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação, seguidamente, por reagrupamentos segundo gênero (analogia), com critérios previamente definidos” (p. 111). Neste artigo as categorias remetem a síntese dos conteúdos que estão presentes com maior ênfase nas produções analisadas. A opção por organizar os dados em categorias ocorreu em função de facilitar a sua apresentação. RESULTADOS E DISCUSSÃO Agrupamos o conteúdo da produção em cinco categorias, a saber: a) resgate histórico; b) considerações sobre a legislação; c) análise de resultados/ impactos da implantação; d) concepção dos ciclos e e) relatos de experiências. QUADRO 3: 11 Distribuição das Publicações segundo conteúdos privilegiados no tratamento do tema Categorias Resgate Freqüência 6 Histórico Considerações 4 sobre a legislação Análise de 8 resultados/ impactos da implantação de Autores BARRETO e SOUZA (2004); GLÓRIA e MAFRA (2004); JACOMINI (2004); DURAN, ALVES e FILHO (2005); BARRETO e SOUZA (2005); MAINARDES (2006) JACOMINI (2004); DURAN, ALVES e FILHO (2005); BARRETO e SOUZA (2005); MAINARDES (2006) GOMES (2004); FRANCO (2004); BARRETO e SOUZA (2004); JACOMINI (2004); DURAN, ALVES e FILHO (2005); FERNANDES (2005); BARRETO e SOUZA (2005); MAINARDES (2006) ciclos Concepção dos 4 ciclos Relatos de experiências 5 ALVES, DURAN e FILHO (2005); FERNANDES (2005); BARRETO e SOUZA (2005); MAINARDES (2006) BARRETO e SOUZA (2004); GLÓRIA e MAFRA (2004); JACOMINI (2004); ALVES, DURAN e FILHO (2005); FERNANDES (2005) Resgate histórico da experiência Essa categoria inclui os estudos que descrevem e/ou analisam a história das experiências no Brasil, ou seja, contam a idéia básica dos ciclos. BARRETO e SOUZA (2004) realizam um resgate da implantação dos ciclos a partir dos estudos de BARRETO e MITRULIS (1999; 2001): registraram as discussões sobre promoção automática nos anos 50, as experiências em diferentes estados em 1960 e em 1970, a implantação dos Ciclos de Alfabetização em 1980 e nos anos 90 a criação dos ciclos de formação. Neste 12 estudo as autoras iniciam a discussão sobre ciclos como nova forma de organização a partir da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei Nº 4024/61. Em seguida, realizam algumas considerações sobre a Lei 5692/71(LDB). GLÓRIA e MAFRA (2004) realizam resgate histórico das experiências com ciclos a partir de 1950 destacando as discussões dos altos índices de reprovação e a necessidade de democratizar as oportunidades de ensino. Em 1980, ressaltam a questão do fracasso escolar e destacam a adoção do Ciclo Básico em São Paulo e Minas Gerais. Apontam medidas implantadas com o intuito de sanar o fracasso escolar, como: a jornada única de trabalho docente e discente em São Paulo e os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) no estado do Rio de Janeiro. Em 1990 destacam a adoção de Projetos Políticos inovadores por introduzirem o sistema de não-retenção escolar. JACOMINI (2004) divide as discussões e experiências com ensino nãoseriado em quatro momentos: 1º) 1920: promoção automática proposta por Sampaio Dória; 2º) 1950: promoção continuada defendida por Leite e Almeida Junior com base nas experiências inglesas e americanas e a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei número 4024/61 que possibilitou a organização de forma não-seriada, em caráter experimental, destacando as experiências ocorridas nos estados do Rio de Janeiro (1967), São Paulo (1968), Pernambuco (1968) e Minas Gerais (1970); 3º) Em 1970, dá ênfase a segunda Lei de Diretrizes e Bases número 5692/71 que manteve a possibilidade de organização não-seriada em caráter experimental . A partir de então, o Distrito Federal adotou a proposta de Avanços Progressivos; São Paulo e Minas Gerais (Escola Plural) o Ciclo Básico de Alfabetização (CBA); Rio de Janeiro o Bloco Único; Porto Alegre, Escola Cidadã; 4º) pós-promulgação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9394/96 instituiu, em seu artigo 23 a organização do ensino em ciclos. Em função disso, várias redes de ensino passaram a organizar o ensino de forma ciclada. DURAN, ALVES e FILHO (2005) analisam a proposta educacional elaborada no Governo de Franco Montoro no ano de 1980, no estado de São 13 Paulo, cujo objetivo era diminuir os altos índices de repetência no estado, fazendo referências às experiências pioneiras (promoção automática e promoção continuada) em 1920, 1960 e 1970 BARRETO e SOUZA (2005). Neste estudo, as autoras iniciam a discussão sobre ciclos como nova forma de organização a partir da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n° 4024/61. Em seguida, realizam algumas considerações sobre a Lei 5692/71, conforme estudo anterior (2004). MAINARDES (2006) faz breve referência ao histórico dos ciclos no Brasil. O autor destaca que o termo “escola em ciclos” passou a ser utilizado a partir de 1984 e em 1990 houve nova contextualização da política de ciclos tendo como base a redemocratização do ensino em resultado da abertura política que se deu com a inserção do PT (Partido dos Trabalhadores). Considerações sobre a legislação Nesta categoria estão incluídos os estudos que fazem considerações diretas sobre a legislação e a implantação dos Ciclos no país. JACOMINI (2004) faz referencia a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 4024/61 ressaltando que tal Lei no artigo 104 “permitia a organização de cursos ou escolas com currículos, métodos e períodos escolares próprios em caráter experimental”. Ao referir-se a Lei Nº 5692/71 destaca o artigo 14, § 4º que possibilitava que “os sistemas de ensino se organizassem de forma não seriada em caráter experimental”, desde que com autorização do Conselho Nacional de Educação. Lembramos que foi esta lei que consolidou a obrigatoriedade do ensino de 1º grau de oito anos. Para Jacomini a atual Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional Nº 9394/96, privilegiou o artigo 23, já mencionado anteriormente neste trabalho. DURAN, ALVES e FILHO (2005) em seu estudo fazem referência “a possibilidade de flexibilização da organização ensino básico que o artigo 23 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96 apresenta o que tem dado suporte a orientação das políticas na área” (p. 7). BARRETO e SOUZA (2005) apresentam um detalhamento de como os ciclos estiveram amparados legalmente nas três Leis de Diretrizes e Bases da 14 Educação Nacional (Lei nº 4024/61, Lei nº 5692/71 e Lei nº 9394/96). Acrescentam informações com relação ao parecer nº 260/1974 do Conselho Federal de Educação, que trata do sistema de avanços progressivos e citam também, a Constituição de 1988 que amplia o direito a educação escolar para as crianças a partir dos primeiros anos de vida. MAINARDES (2006) faz breve referência a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96 que “permite que os sistemas educacionais organizem a escolaridade em séries, ciclos ou no regime de progressão continuada” (p.3). Análise de resultados e impactos da implantação de Ciclos Nesta categoria localizam-se os artigos que discutem eventuais mudanças ocorridas em redes de ensino após a adoção de medidas de reorganização escolar. Segundo estudo bibliográfico realizado por GOMES (2004) foi constatado que o “pico de reprovação” deslocou-se da primeira série para o fim do ciclo básico e quinta série. Além disso, as pesquisas utilizadas por Gomes (Ambrosetti, 1990; Zapponi, 1991; Mainardes, 2001; Paro, 2001; Duran, 2002 e Soares, 2002) indicam a necessidade de valorizar o magistério, melhorando as condições de trabalho, formação continuada e jornada ampliada. O autor afirma que houve uma adesão formal às novas normas, porém não se verificou a implantação integral dos ciclos. No que diz respeito à escola, Gomes conclui que “as pesquisas constataram ações insuficientes no sentido de persuadir e cativar os atores principais, dentre eles professores, alunos e suas famílias” (p.45). Acrescenta ainda que o remanejamento indiscriminado de turmas acabou estratificando os alunos, ampliando assim as disparidades sociais. FRANCO (2004) avalia os impactos e ou resultados da implantação dos ciclos em termos quantitativos, segundo ele, durante o período de 1999-2002 o percentual de escolas organizadas em séries e ciclos sofreu uma alteração muito pequena no que diz respeito à nova organização, em ciclos. Completa afirmando que 90% das escolas continuam em regime seriado. 15 BARRETO e SOUZA (2004) e JACOMINI (2004) comprovaram alguns dados já apontados no estudo de FRANCO (2004) e acrescentaram que a Região Sudeste concentra o maior número de escolas organizadas em ciclos (São Paulo e Minas Gerais) e, ainda, que estas se encontram em maior número nas capitais. Ressaltam que são poucas as pesquisas que analisam as mudanças geradas pela implantação dos ciclos e que não há evidências comprovadas de que os ciclos tenham baixado o nível de ensino. DURAN, ALVES e FILHO (2005) destacam a insatisfação da população paulista, inclusive do meio acadêmico, com a imposição da promoção automática e a organização do ensino em ciclos naquele estado. E, ao avaliar os resultados do Ciclo Básico em São Paulo, os autores constataram que o aumento da jornada única não trouxe melhorias significativas para o rendimento escolar dos alunos. FERNANDES (2005) em estudo de natureza qualitativa e quantitativa chegou aos seguintes resultados: as escolas cicladas apresentam maior índice de violência visto que, em geral, estão inseridas em contextos mais vulneráveis a esta. Nelas há também maior rotatividade de professores; maior instabilidade no corpo docente; maior incidência de apoio e recursos; tem sido inexpressiva a preocupação com a formação de professores; realizam-se mais conselhos de classe o que denota, contudo, maior envolvimento dos professores na vida cotidiana da escola; maior compromisso com a aprendizagem; maior tempo de permanência dos alunos na escola. BARRETO e SOUZA (2005) acrescentam que os estudos que privilegiam os ciclos concentram-se na Região Sudeste onde também está localizado o maior número de Programas de Pós-Graduação do país, afirmam ainda que não se dispõe de estudos que comparem os investimentos e gastos com os ganhos propiciados pela implantação dos ciclos e as implantações curriculares que ela sugere. Afirmam: “poucas pesquisas reportam aos resultados sobre os ciclos” (p.676). Ainda conforme os autores o que pesa nos resultados dessas experiências são as condições dos sistemas escolares articuladas às condições de desenvolvimento sócio-econômico das regiões. MAINARDES (2006) indica que a exclusão que ocorre na escola seriada permanece nas escolas organizadas em ciclos. Ilustra mostrando que a 16 reprovação no Ciclo Básico de Alfabetização era apenas adiada: a retenção que era de 45% em São Paulo na primeira série caiu para 20%. Porém, no segundo ano do segundo ciclo, a porcentagem se elevou de 30% para 45%. Concepção dos ciclos Nesta categoria localizamos artigos que abordam fundamentos, justificativas e potencialidades dessa proposta de organização escolar. ALVES, DURAN e FILHO (2005) ao referir-se à proposta de governador Franco Montoro explicitam que a implantação do Ciclo Básico ocorreu com a finalidade de alterar as relações de exclusão presentes no ensino fundamental considerando o alto índice de reprovação. A proposta indicava uma nova visão na concepção de avaliação, buscando reconhecer e valorizar os progressos dos alunos, bem como uma auto-avaliação do corpo docente e da escola. O Ciclo Básico introduziu uma nova forma de conceber a alfabetização deixando de enfatizar os aspectos perceptuais e motores para focalizar os processos cognitivos de ler e escrever, baseando-se nos pressupostos de Ferreiro e Teberosky. FERNANDES (2005) nas conclusões de seu estudo bibliográfico indica “um dos pressupostos da escola ciclada é que o professor disponha de mais tempo na escola para que possa participar da vida escolar e cuidar de sua formação e da de seus alunos de modo mais contínuo nesse espaço” (p.65). Segundo BARRETO e SOUZA (2005) as propostas de ciclo incorporam dimensões sociais e culturais e um novo entendimento do conhecer, do ensinar e do aprender. E ainda, que a justificativa para periodização dos ciclos baseia-se nas teorias do desenvolvimento biopsicossocial do aluno, entre outros fatores. MAINARDES (2006) através de estudo bibliográfico concluiu que as pesquisas focalizam aspectos referentes à expansão do tempo de aprendizagem dos alunos, à organização da escolarização de acordo com as teorias de Piaget e Vygotsky (estágios do desenvolvimento humano/ processo de desenvolvimento psicológico), à organização em ciclos como forma de 17 democratização do ensino, política de inclusão e relação entre ciclos e tempo de aprendizagem e construção de saberes. Relatos de experiências Nesta categoria estão incluídos artigos que apresentam relatos de experiências sobre a implantação dos ciclos no Brasil, tanto estudos localizados como a nível nacional. BARRETO e SOUZA (2004) apresentam dados estatísticos considerando o conjunto das escolas brasileiras, mas focalizam detalhadamente as experiências ocorridas nos municípios de São Paulo, Belo Horizonte (Escola Plural) e Porto Alegre (“Ciclos de Formação”). GLÓRIA e MAFRA (2004) investigam e apresentam a experiência de uma escola da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte que é pioneira na introdução do princípio da não-retenção escolar. JACOMINI (2004) apresenta estudo localizado no estado de São Paulo destacando o Ciclo Básico na rede estadual, os ciclos e a Progressão Continuada na rede municipal e o regime de Progressão Continuada na rede estadual. ALVES, DURAN e FILHO (2005) realizam estudo sobre o percurso do Ciclo Básico na rede estadual paulista desde sua criação até os anos iniciais de 1990, destacando a proposta de governador Franco Montoro. FERNANDES (2005) apresenta resultados de pesquisa de caráter qualitativo e quantitativo envolvendo as experiências a nível nacional. Visando diferenciar as publicações que tratam de reorganização do ensino fundamental como um todo daquelas que centram suas considerações na reorganização das séries iniciais deste nível de ensino particularmente nos dois primeiros anos escolares, apresentamos o Quadro 4. 18 QUADRO 4: Distribuição das publicações segundo abrangência da organização escolar ABRANGÊNCIA Freqüência Tratam do ensino fundamental com um 7 todo Tratam das séries iniciais do ensino 2 fundamental Conforme quadro 4, a maior parte dos estudos analisados sete (7) tratam da reorganização do ensino fundamental abrangendo todos os anos escolares. Os estudos que focalizam a reorganização do ensino em séries inicias, aparecem em menor número apenas dois (2). CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo tínhamos como objetivo investigar aspectos que têm sido contemplados nas produções, a nível nacional, que abordam a organização escolar em ciclos bem como aspectos que não foram privilegiados. O conteúdo desses estudos foi organizado em categorias: resgate histórico, considerações sobre a legislação, análise de resultados /impactos da implantação de ciclos, concepção dos ciclos e relatos de experiências e com elas tornam-se mais claros os aspectos que têm sido contemplados. Nosso trabalho permite ainda indicar algumas de suas limitações, dentre as quais citamos: • Os estudos registram as experiências com a organização escolar em ciclos a nível nacional, porém enfatizam as experiências mais localizadas (Região Sudeste); 19 • Horizonte A rede estadual de São Paulo e o município de Belo (Escola Plural) constituem-se como principais referências nos estudos; • É na região Sudeste que se concentra o maior número de escolas organizadas na forma de ciclos, além dos programas de pós-graduação; As matrículas em escolas com ciclos não se distribuem de modo eqüitativo pelas cinco regiões geográficas do país. Verifica-se que elas estão concentradas na região Sudeste, onde se encontram 86,7% dos alunos que estudam nas escolas brasileiras exclusivamente com ciclos. Nas demais regiões o percentual de matrículas em escolas que possuem apenas ciclos é muito reduzido: 5,7% no Sul e 5,2% no Nordeste, sendo que no Centro-oeste e na região Norte chega a ser quase insignificante (BARRETO e SOUZA, 2005). Isso poderia justificar a escassez de pesquisas publicadas na região nordeste, evidenciando assim a necessidade de estudos que abranjam as experiências da organização escolar em ciclos nos estados da região, particularmente a cidade do Recife que passou a organizar o ensino em Ciclos desde de 2001 e que constitui nosso campo de atuação enquanto estudantes de Pedagogia. Em relação à categoria resgate histórico, todos os estudos apresentam uma breve trajetória das experiências com ciclos fornecendo subsídios para entendermos a evolução dessa organização escolar até ser legitimada na atual legislação (Lei n. 9394/96). Na categoria considerações sobre a legislação, os estudos indicam os avanços quanto à organização do ensino. Nos estudos que analisam os resultados e impactos da implantação dos ciclos percebe-se que de fato não ocorreram mudanças significativas, pois a maioria das redes continua a organizar-se em séries. Além disso, as escolas que passaram a organizar-se no regime ciclado permanecem assumindo posturas típicas do regime seriado, caracterizando uma “adesão apenas formal”. Os estudos sugerem a necessidade de pesquisas que avaliem se a qualidade do ensino foi elevada com a implantação dos ciclos e se ocorreu de fato uma redução dos custos, pois se afirmava em 1950 que um aluno reprovado significava a perda do orçamento aplicado para com ele visto que 20 15% de reprovações significavam um aumento de 21% no orçamento para a educação (Knoblauch, p.33). Apesar de existirem alguns estudos (Jacomini, 2004 e Fernandes,, 2005) que abordem a compreensão dos atores envolvidos com os ciclos percebemos que ainda há necessidade de investigar os entraves apontados pelos professores e gestores na sua prática e pelos pais dentro do contexto de escolas organizadas em ciclos, de forma a dar subsídios às Secretarias de Educação para que possam redimensionar essa política pública de modo a favorecer a articulação entre a proposta e a prática. Indicamos ainda que, esses estudos possam ser utilizados dentro da própria academia oportunizando aos profissionais de educação que lá se encontram o conhecimento sobre a proposta de forma a persuadí-los a desenvolver sua prática pedagógica com base nos pressupostos dos ciclos. As pesquisas analisadas apontam a formação continuada dos docentes como sendo um aspecto fundamental para a implantação eficaz dos ciclos. Porém, não encontramos, entre os artigos analisados, dados que mostrem se de fato as redes escolares priorizam e possibilitam aos docentes cursos de formação continuada. Assim, consideramos que este aspecto merece uma investigação aprofundada levando em conta sua relevância. Os estudos apontam ainda que as escolas organizadas em ciclos se concentram em contextos de violência e abrangem apenas a rede pública. Por que se concentram neste contexto? O que leva as redes particulares à não adesão da organização em ciclos se a concepção de ciclos respeita a diversidade e ritmos dos alunos de modo a propiciar aprendizagens significativas? De que forma os resultados da implantação dos ciclos têm sido utilizados pelos órgãos públicos? São algumas questões, que consideramos serem passíveis de uma investigação sistemática. Em virtude de não termos localizado estudos que avaliem diretamente as implicações que a implantação dos ciclos trouxe para o currículo escolar em termos de organização dos conteúdos, sugerimos ainda outras proposições: De que forma as redes e escolas organizadas em ciclos estão estruturando seus currículos? Permanece a organização tal qual na organização seriada? A partir do estudo bibliográfico realizado pudemos perceber que os ciclos se constituem numa proposta inovadora, que vai além da regularização 21 do fluxo escolar e que poderia resultar numa aprendizagem e crescimento mútuo se fossem respeitadas e atendidas as condições necessárias para sua eficaz implantação. Porém, ficou muito claro para nós, que não são oferecidas as condições requeridas para uma mudança no tempo e no espaço escolar. E que a comunidade escolar ainda precisa ser chamada a participar dessa transição para ser ouvida, consultada e esclarecida sobre a proposta dos ciclos. Assim, entendemos, de um lado a defesa que se faz na academia da organização escolar em ciclos porque propõe uma aprendizagem significativa, que respeite os ritmos dos alunos e que gere um ensino reflexivo, crítico e participativo. Por outro lado, entendemos, também, o posicionamento resistente dos educadores, pois não se sentem co-participantes do processo de implantação dos ciclos e também não possuem as condições de trabalho adequadas para que possam desenvolver um processo de ensino- aprendizagem de acordo com a proposta dos ciclos. Com isso, foi respondida nossa inquietação inicial que dizia respeito à dualidade presente no discurso dos professores, resistentes aos ciclos e da academia que de modo geral posiciona-se em defesa dos ciclos em vista dos seus pressupostos. Ao longo das considerações alguns questionamentos foram levantados constituindo-se em proposições para novas pesquisas (Porque escolas organizadas em ciclos se concentram em contextos de violência? O que leva as redes particulares à não adesão da organização em ciclos se a concepção de ciclos respeita a diversidade e ritmos dos alunos de modo a propiciar aprendizagens significativas? De que forma os resultados da implantação dos ciclos têm sido utilizados pelos órgãos públicos? De que forma as redes e escolas organizadas em ciclos estão estruturando seus currículos? Permanece a organização tal qual na organização seriada?). Esperamos, portanto, que prossigam os estudos a cerca da organização escolar em ciclos de forma a ampliar o campo de conhecimento, contemplando os aspectos que ainda não foram investigados e/ou aprofundados. 22 REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de conteúdo, [S. 1] Edições 70, 2004. BARRETO, E. S. de S; SOUZA, S. Z. Estudos sobre ciclos e progressão escolar no Brasil: uma revisão. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.1, p. 31-50, jan/abr. 2004. BARRETO, E. S. de S; MITRULIS, E. Trajetória e desafios dos ciclos escolares no Brasil. In: Recife, Prefeitura Municipal. Secretária de Educação. Olhares sobre as práticas nas escolas municipais. 2004. BARRETO, E. S. de S; SOUZA, S. Z. Reflexões sobre as políticas de ciclos no Brasil. 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