A ARQUITETURA ESCOLAR COMO FONTE PARA A HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO
Prof. Dr. Fábio Luiz da Silva
Unopar/Capl-Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
Resumo
O texto apresenta algumas considerações sobre as possibilidades do uso dos
edifícios escolares como fonte para a elaboração de uma história da educação.
A arquitetura e a história têm um longo passado em comum, pois as
construções podem ser entendidas como formas simbólicas que representam
determinadas visões de mundo. A arquitetura escolar expressa, além dos
elementos do contexto histórico amplo, as concepções pedagógicas em voga.
Utilizou-se como exemplo o edifício do Colégio Estadual Marcelino
Champagnat, na cidade de Londrina, Paraná. Procurou-se compreender a
utilização do estilo neocolonial na construção desse estabelecimento em plena
década de 40, época em que o modernismo já havia conquistado a hegemonia
no campo da arquitetura nacional.
Palavras-chaves: Arquitetura escolar; Educação; Neocolonial; História da
Educação.
Introdução
Arquitetura e História têm um longo percurso de intimidades.
Fato decorrente da sobrevivência das mais diversas construções erguidas
pelas sociedades humanas ao longo do tempo. Pirâmides, zigurates, muralhas,
templos e palácios são exemplos de elementos arquitetônicos que são
evidentes fontes para o conhecimento histórico. Em muitos casos, são estas as
únicas portas de acesso a mundos que já não existem, mas que insistem em
emergir em nossas vidas de tempos em tempos.
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As primeiras construções edificadas especialmente para serem
escolas tinham o objetivo de tornarem-se monumentos facilmente identificados,
tal como um mosteiro ou um templo. Por isso, “impossível não distinguir com
clareza, na paisagem da cidade, um edifício imponente onde funcionava um
grupo escolar construído nos primeiros tempos do regime republicano. [...]”
(BUFA; PINTO, 2002, p. 18).
O texto de Bufa e Pinto nos dá uma possibilidade de pesquisa
histórica. Eles nos dizem que houve uma transformação na maneira como a
sociedade vê a escola. No passado, o edifício escolar era uma espécie de
monumento que se destacava, indicando a importância simbólica da escola e a
classe social à qual ela se destinava. Hoje, as escolas já não se destacam do
ponto que vista arquitetônico e, muitas vezes, o que vemos é apenas o muro e
não mais o edifício imponente do passado, que era completamente visível pela
comunidade e, portanto, reconhecido como uma escola (ALMEIDA; ROCHA,
2009).
Para as formas contemporâneas de estudo histórico, as
escolas podem ser consideradas documentos e, como tal, devem representar
aspectos do contexto social e cultural do momento e do espaço, quando e
onde, foram construídas. Assim, sabemos que a “preservação de exercícios,
cadernos, provas escolares, diários de classe, cartazes, quadros, dentre outros
podem aumentar a compreensão das práticas escolares” (BERTONHA;
MACHADO, 2008, p. 8), mas tais elementos estão em algum lugar, o edifício
escolar. É necessário, portanto, que se faça também uma “história dos prédios
escolares, história dos usos do prédio, forçados/inspirados pelas inovações
pedagógicas, por propostas de segurança, pelo crescimento de demandas”
(WERLE, 2004, p. 22).
A respeito desse tema, dois livros chamaram a nossa atenção,
por dois motivos. Primeiro por tratarem de uma realidade bem próxima, no
Paraná. Em segundo lugar, pelo mérito de trazer à tona a questão das relações
entre os edifícios escolares e perspectivas pedagógicas. O primeiro tem o título
de “Colégios e educandários”, das arquitetas Elizabeth Amorim de Castro e
2
Marialba Rocha Gaspar Imaguire; o segundo, “Grupos escolares de Curitiba na
primeira metade do século XX”, de autoria apenas da arquiteta Elizabeth
Amorim de Castro. São livros importantes, belos e inspiradores, mas que
enfatizam muito mais a arquitetura que a história da educação – o que é
plenamente justificado.
Inspirado nesses trabalhos, realizamos aqui uma breve
reflexão sobre as possibilidades do estudo histórico através da observação da
arquitetura escolar. Para isso, utilizamos um colégio da cidade de Londrina,
Colégio Estadual Marcelino Champagnat, que foi criado apenas em 1967, mas
o edifício é da década de 40. Então, quando no referirmos a esse
estabelecimento, estaremos falando da edificação.
Uma História Cultural da Arquitetura Escolar
As diversas formas de fazer História correspondem aos diversos
modelos teóricos disponíveis aos historiadores. Assim, ao optar por uma
abordagem marxista ou da história cultural, o estudioso da História está
escolhendo um modelo teórico. O historiador, assim como outros cientistas
sociais, deve estar munido de modelos teóricos que permitam a ele ler os
“sinais”. Também sabemos que nas ciências humana há inúmeros modelos
teóricos e que cada um permite que vejamos a realidade de forma diferente.
Mas, os modelos teóricos não são exatamente uma miniatura da
realidade, porque a teoria recorta o mundo real sempre com uma intenção. São
instrumentos de trabalho que permitem ao estudioso perceber o sistema que
ordena os dados coletados e que, à primeira vista, podem parecer sem relação.
Assim, o modelo teórico comporta duas dimensões. A elaboração do modelo
que depende das diferentes teorias do conhecimento e a sua aplicação a
situações concretas.
Todas as dimensões da sociedade devem ser compreendidas,
evidentemente, como sendo construídas historicamente. Peter L. Berger afirma
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que a “sociedade é um fenômeno dialético por ser um produto humano e nada
mais que um produto humano que, no entanto, retroage continuamente sobre
seu produto” (BERGER, 2004, p. 15). Portanto, para o historiador, nenhum
aspecto da cultura pode ser entendido como uma dimensão separada das
demais práticas e representações sociais, mas tampouco apenas como
subordinada a estruturas econômicas e sociais.
A cultura, como perspectiva de estudo, vincula-se à história
cultural que, segundo Pesavento (2005), trataria de aspectos como a escrita, a
leitura, a micro história, cidades, literatura, imagens, identidades, entre outras;
ou Nova história cultural que, para Burke (2005), seria a última fase pelas quais
teria passado a história cultural: a fase clássica, a fase da história social da
arte, a história da cultura popular e a nova história cultual. Desta maneira, são
estes os conceitos aos quais devemos direcionar nossa reflexão.
Os edifícios escolares, portanto, podem ser objetos legítimos
para a compreensão da história. Nosso objetivo difere daquele proposto pela
história tradicional, seja positivista, seja marxista. Por outro lado, acreditamos
que é factível uma história que leve em conta as abordagens da história cultural
e ao mesmo tempo conserve a capacidade explicativa. O primeiro passo para
chegar a isso é tornar mais claro nosso próprio entendimento sobre os
conceitos que utilizamos.
Entendemos não existir ruptura entre condições concretas de
existência, aquilo que vai pela cabeça das pessoas e as práticas dessas
mesmas pessoas. Em um texto no qual é analisada a relação entre cultura,
mente e cérebro, Clifford Geertz usa expressão semelhante para indicar a
complexidade da questão, “[...] é uma espécie de ligação que estabeleça uma
ponde entre o mundo dentro do crânio e o mundo fora dele é uma espécie de
ligação que estabeleça uma ponde entre o mundo dentro do crânio e o mundo
fora dele [...]” (1997, p. 18).
Existe uma relação, mas que não é de
subordinação pura e simples. Concordamos, portanto, com Jacques Le Goff
que afirma ser necessário “[...] confrontar as representações históricas com as
realidades que elas representam e que o historiador apreende mediante outros
documentos e métodos [...]” (1990, p. 12).
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A chamada história cultural tem, em seu vocabulário básico, o
termo representação. Para Ronaldo Vainfas (1997, p. 154), o conceito de
“representação, segundo Chartier, pensada quer como algo que permite ‘ver
uma coisa ausente’, quer como ‘exibição de uma presença’, é conceito que o
autor considera superior ao de mentalidade”, pois possibilita as articulações
com o mundo social A articulação entre o mundo social e as suas
representações, que julgamos imprescindíveis, é visível para nós por meio da
linguagem. Ora, a arquitetura é uma linguagem.
Assim, queremos acentuar tanto o caráter simbólico das
representações arquitetônicas quanto o fato de tais formas simbólicas estarem
inseridas
em
contextos
sociais
historicamente
determinados.
As
representações não estão flutuando no ar, mas sim estão mergulhadas em
contextos históricos e sociais específicos dentro dos quais elas são produzidas,
transmitidas e compreendidas. Isto significa que as representações podem ser
compreendidas como meio de conquista de espaço social, conforme é
comentado
por
Chartier
(1990)
quando
afirma
que
as
lutas
entre
representações têm tanta importância quanto as lutas econômicas.
Portanto, é possível admitir que a arquitetura escolar pode
proporcionar o estudo das representações, ou seja, das formas como as
pessoas compreendem a sua sociedade e, mais particularmente, a escola; uma
vez que as construções carregam, além dos componentes materiais,
informações sobre o período de sua produção, ou seja, o contexto histórico que
influenciou diretamente não apenas o fazer daquele que produziu o edifício,
mas também o olhar da comunidade.
Portanto, a arquitetura escolar é uma construção histórica que
perpassa o olhar daquele que selecionou determinado estilo arquitetônico,
determinou a disposição dos diversos espaços e escolheu os materiais. Este
olhar é repleto de significações que fazem parte dos contextos históricos. Por
isso, uma determinada escola pode ser utilizada para propagar uma memória
social. E, nesse sentido, a arquitetura escolar transforma-se, não apenas em
documento, mas também em monumento. Como a construção escolar produz
memória, cabe aos historiadores buscar a análise desta memória perseguindo
5
o contexto da sua edificação e ao mesmo tempo buscar a compreensão das
intenções daqueles que a planejaram e ergueram.
A arquitetura escolar deve, assim, ser percebida como uma
mensagem elaborada através do tempo e que pode ser compreendida como
monumento ou como documento, mas, de qualquer forma, uma testemunha
do passado. Devemos lembrar que o edifício escolar, como qualquer outro, é
o resultado de uma ação seletiva, pela qual as escolhas ocorrem dentro de
um conjunto de possibilidades. Esta ação deriva de uma relação estreita entre
a visão de mundo daquele que projeta o edifício e daqueles que o
encomendaram.
Buscamos compreender que a arquitetura escolar é fruto das
relações sociais que, de acordo com os processos históricos desenvolvidos
em cada realidade histórica, produz um sentido que lhe garante a sua
perenização. Assim, ela é o produto de uma sociedade passada que buscou
construir seus sentidos e significados, e que possui o potencial para se tornar
documento na medida em que as edificações humanas nos informam sobre
as ações humanas no tempo e no espaço. Pois, como nos diz Argan
Entre arquitetura e cultura não há relação entre termos
distintos: o problema diz respeito apenas à função e ao
funcionamento da arquitetura dentro do sistema. Por definição,
é arquitetura tudo o que concerne à construção, e é com as
técnicas da construção que se intui e se organiza em seu ser e
em seu devir a entidade social e política que é a cidade. Não
só a arquitetura lhe dá corpo e estrutura, mas também a torna
significativa com o simbolismo implícito em suas formas. Assim
como a pintura é figurativa, a arquitetura é por excelência
representativa. Na cidade, todos os edifícios, sem exclusão de
nenhum, são representativos e, com frequência representam
as más formações, as contradições, as vergonhas da
comunidade. (ARGAN, 1998, p. 243)
O estudo de documentos históricos “não escritos” já está
consolidado. Muitos são os “novos” objetos e as “novas” abordagens sobre as
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quais os historiadores têm se debruçado nas últimas décadas. Assim, o
estudo da arquitetura escolar, como já dissemos, pode servir perfeitamente
para uma abordagem cultural da História. É nesse espaço, o da cultura, que
se insere este ensaio de interpretação dos edifícios escolares como
documento histórico.
Entendemos cultura no sentido que Geertz dá a essa palavra,
pois é a partir desse autor que John B. Thompson apresenta o seu conceito
de “formas simbólicas”. Geertz defende que cultura são as teias de
significados construídas pelos seres humanos e nas quais eles estão
suspensos. Quando dizemos significados, também dizemos símbolos, assim
uma análise da cultura é uma análise das formas simbólicas. Nas palavras de
Thompson, “[...] cultura é o padrão de significados incorporados nas formas
simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de
vários tipos [...]” (1995, p. 176).
Apesar da adesão preliminar às ideias de Geertz, Thompson
esclarece o que considera deficiências da abordagem de Geertz. Para
Thompson, Geertz teria deixado de dar importância às relações de poder
contidas nas formas simbólicas. Assim, ele propõe uma definição de forma
simbólica que parte de Geertz, mas decide por corrigir esta deficiência. A
contextualização das formas simbólicas na sociedade ocorre nas instituições
sociais e essa ideia é essencial para o ponto de vista de Thompson (1995).
Assim, ele define as formas simbólicas como sendo, portanto,
ações, objetos e expressões de diversos tipos. Transportando essa ideia para
o campo da história, poderíamos dizer que o edifício escolar também é uma
espécie de forma simbólica e que deve ser estudada em relação aos
contextos e processos históricos específicos e estruturados socialmente,
dentro dos quais e por meio dos quais as formas simbólicas são produzidas,
transmitidas e recebidas (THOMPSON, 1995). Pois, “todos os edifícios são o
resultado de um programa construtivo. Este fundamenta-se na situação
econômica do país e dos indivíduos que promovem as construções, e no
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sistema de vida, nas relações de classe e nos costumes que dela derivam”
(ZEVI, 2011, p. 53).
Thompson aponta cinco características das formas simbólicas
que podem ser utilizadas como modelo teórico para a análise de fontes
históricas. O primeiro aspecto é o “intencional”. Assim, toda forma simbólica é
sempre produzida por um sujeito que tem uma intenção qualquer e para um
outro sujeito, pois, como esclarece Thompson, a “[...] constituição de um
objeto como forma simbólica pressupõe que ela seja produzida, construída ou
empregada por um sujeito para um sujeito ou sujeitos [...]” (1995, p. 184).
Em nosso caso, todo edifício escolar foi planejado por alguém
que projetou e desenhou aquele prédio com um objetivo, para alguém ver e
utilizar.
Acreditamos atingir essa intenção através da interpretação das
formas simbólicas, ao mesmo tempo em que sabemos que o sentido original
pode perder-se com a construção de novos significados das formas
simbólicas. Dentro desse aspecto é importante destacar que, para o
historiador, é importante chegar o mais próximo possível da intenção original
do autor; e que são importantes as apropriações dos leitores das formas
simbólicas, pois essas leituras são igualmente constituintes da realidade
social.
Outro aspecto é o convencional. As formas simbólicas existem
através de convenções que permitam que elas sejam reconhecidas, ou seja,
que garantam a comunicação. É o caso da língua falada ou da escrita, por
exemplo. Mesmo as imagens possuem convenções. Por isso, na arte, por
exemplo, também é necessário sermos “alfabetizados”. Porém, Thompson
afirma que “aplicar regras, códigos ou convenções na produção ou na
interpretação de formas simbólicas não significa, necessariamente, estar
consciente dessas regras, ou ser capaz de formulá-las clara e precisamente
se tal lhe for requerido” (1995, p. 186).
No caso da arquitetura escolar é preciso, portanto, descobrir
as convenções que estão relacionadas com as possibilidades construtivas e
estilos. Desta forma, podemos estudar as disposições dos espaços e da
estrutura para descobrir o que elas demonstram e decifrar o significado
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específico. Mas devemos levar em conta que nem sempre os códigos
utilizados são totalmente explícitos para quem projetou o edifício.
O aspecto estrutural está ligado à forma como os elementos
da forma simbólica são dados, ou nas palavras de Thompson: “as formas
simbólicas são construções que exibem uma estrutura articulada” (1995, p.
187). Numa pintura, por exemplo, a disposição dos elementos define uma
série
de
significados.
No
caso
das
construções,
este
aspecto
é
particularmente importante. A posição do edifício no terreno disponível, a
posição de cada elemento arquitetônico e a relação entre esses elementos
nos dão importantes informações.
O entendimento das mudanças na arquitetura escolar, ou seja
das formas simbólicas que a constituem, pode favorecer a compreensão das
mudanças nas maneiras de ensinar. E aqui entendemos que arquitetura é mais
que a fachada das construções, como nos lembra Zevi, “[...] a arquitetura não
provém de um conjunto de larguras, comprimentos e alturas dos elementos
construtivos que encerram o espaço, mas precisamente do vazio, do espaço
encerrado, do espaço interior em que os homens andam e vivem” (2011, p. 19).
Assim, ao estudarmos a escola devemos estar atentos aos
diversos espaços presentes na escola: salas de aula, bibliotecas, laboratórios,
cantinas, pátios, quadras, entre outros. Espaços que não são, de forma
alguma, neutros de qualquer ponto de vista. Muito pelo contrário, o espaço
limitado pelas paredes da escola é a materialização de sistemas de valores que
estão presentes na cultura de certa comunidade.
O aspecto referencial nos informa que uma forma simbólica
sempre se refere a alguma ideia. Um filme, por exemplo, pode referir-se aos
problemas do amor e da morte. Em se tratando da arquitetura, esse aspecto
engloba aquilo que os indivíduos e as coletividades “[...] querem ser, o mundo
de seus sonhos, dos seus mitos sociais, das aspirações e das crenças
religiosas” (ZEVI, 2011, p. 54), assim como “[...] uma figura em uma pintura
renascentista pode significar ou representar o diabo, a maldade humana ou a
morte [...]” (THOMPSON, 1995, p. 190). No caso da arquitetura escolar, a
forma do edifício pode referir-se à escolha política e/ou pedagógica e que
acaba por demonstrar a importância dada à educação.
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O último aspecto é o contextual. As formas simbólicas sempre
foram construídas em determinados contextos sociais e históricos que dão as
possibilidades e limites das formas simbólicas. O contexto também diz
respeito ao momento da leitura dessas formas simbólicas. Uma obra de arte,
por exemplo, um retrato do período renascentista. Certamente ele foi
produzido dentro do período do crescimento da sociedade burguesa e ele
refere-se ao individualismo que nascia junto com o mundo moderno. Hoje, no
entanto, ele pode ser visto em um museu e ser entendido apenas como um
retrato bem feito. Também é a posição de Thompson, “mesmo uma simples
frase, dita por uma pessoa a outra no curso de sua interação diária, está
inserida em um contexto social estruturado e pode carregar os traços [...]”
(THOMPSON, 1995, p. 192) das relações sociais em questão.
A época em que o colégio Champagnat foi construído foi
marcada pelo desejo da modernização e a educação era vista como um
caminho para o desenvolvimento do Paraná. O mesmo desejo de
modernização podia ser percebido pelas novas tendências educacionais,
materializadas pelos princípios da Escola Nova e pelas reformas educacionais
há pouco colocadas em prática. O mesmo se pode dizer da cidade de
Londrina, pois a “[...] partir do final dos anos 1940 e sobretudo ao longo da
década de 1950, a cidade viveu uma significativa etapa de crescimento
impulsionada pela prosperidade econômica gerada pela cultura cafeeira [...]”
(SUZUKI, 2011, p. 19). Então, a questão que surge é: por que construir uma
escola em estilo neocolonial em uma época de desejos modernizantes?
Esta
questão
se
apresenta
ainda
mais
evidente
se
compararmos o Colégio Champagnat com outro, mais antigo, o Colégio Hugo
Simas, de 1937. Sabemos que o Hugo Simas foi erguido em estilo Art Déco,
assim como muitos outros construídos na década de 30. Olhando ambos os
colégios, temos a impressão de um retrocesso histórico, o Hugo Simas nos
parece mais moderno que o Champagnat.
O Art Déco surgiu na Europa, no período entre guerras e “[...]
pode-se considerá-lo como uma tentativa de manifestar o Movimento Moderno
entre nós, rescaldo da onda modernizadora européia dos anos de 1910 a 1930
[...]” (PERALTA, 2005, p. 94). Foi o estilo preferido nos anos Vargas e por isso,
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não é de estranhar que muitas escolas no Paraná, durante o governo do
interventor Manoel Ribas, tenham adotado esse estilo. Em relação à
construção de escolas o interventor nos diz:
(...) a modernização do plano de construção escolares, com a
adoção de novas plantas, confeccionadas, segundo as
exigências mais rigorosas da pedagogia, da arquitetura e da
higiene modernas, trazidas de São Paulo e Rio de Janeiro e
adaptadas às condições gerais de nosso ambiente. (PARANÁ,
1937, p. 31).
Então precisamos esclarecer como o estilo neoclássico de
enquadra nesse contexto. Para Yves Bruand (1981), o estilo neoclássico foi a
primeira tentativa de se obter uma arquitetura nacional, “[...] eram modernas,
mas concebidas de modo a evocar intensamente uma arquitetura do passado”
(BRUAND, 1981, p. 53). O estilo neocolonial, tendo surgido como uma resposta
ao ecletismo arquitetônico presente no Brasil no início do século XX, entrou em
confronto logo nos anos 20 com o chamado modernismo, mas sobreviveu
ainda nas décadas seguintes. Uma das principais obras neoclássicas foi
justamente uma escola, o novo edifício a Escola Normal do Rio de Janeiro,
inaugurada em 1930, antes da revolução que levou Vargas ao poder. Nas
décadas seguintes, [...] o neocolonial deixaria o palco da polêmica para
continuar ocupando um espaço cada vez menos destacado na arquitetura de
residências, escolas, igrejas e hospitais [...] (KESSEL, 2008, p. 29). O
neocolonial adotou elementos da arquitetura barroca, numa mistura de
influências portuguesas e brasileiras da época colonial. Frontões curvos,
janelas com requadros, entradas imponentes, treliças, balcões, pináculos,
janelas em arco batido, entre outros.
Assim, podemos compreender que a adoção do estilo
neocolonial nas escolas públicas do Paraná no período pós-Vargas não
significa um volta ao passado, mas a tentativa de adotar uma arquitetura que
ao mesmo tempo absorva a modernidade pedagógica e construa a identidade
nacional; simultaneamente rompendo com o Art Déco dominante no período
Vargas.
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O prédio que hoje abriga o Colégio Marcelino Champagnat foi
erguido para ser ocupado pelo Grupo Escolar Oswaldo Aranha, mas isso
jamais ocorreu. Londrina já possuía mais de 60 mil habitantes e estava prestes
a ver a população urbana superar a rural, o que aconteceu em 1948 (CASTRO,
2003). Por isso a necessidade de um ginásio na cidade. Em primeiro de abril
de 1946, instalaram-se duas escolas no mesmo edifício: a Escola de
Professores de Londrina (atual Instituto de Educação de Londrina) e o Ginásio
Estadual de Londrina (hoje, Colégio Estadual Professor Vicente Rijo).
Em 1º de abril de 1946, foi solenemente inaugurado do Ginásio
Estadual de Londrina, num dia chuvoso, mas memorável, com
a presença de autoridades e alunos. [...] O prédio recémconstruído chamava atenção por sua beleza arquitetônica: uma
torre retangular encimada por quatro pequenas águas e
ostentando um relógio. Na frente, destacam-se as sacadas
com peitoril em colunas de madeira escura e um chafariz com
bonitos azulejos portugueses nas cores branco e azul.
Internamente, completando havia um bonito auditório com um
piano de armário e, o mezanino. (NOGUEIRA, 2004, p.128)
A Escola de Professores de Londrina ficou nesse endereço por
onze anos e recebeu seu nome atual somente em 1963. Já o Ginásio Estadual
passou a se chamar Professor Vicente Rijo em 1959 e, dez anos depois, se
mudou para as atuais instalações. Foi então que se instalou ali o Colégio
Marcelino Champagnat (NATÁLIO, 1995).
O edifício do Colégio Marcelino Champagnat incorporou, além
de referencias à arquitetura barroca e ao colonial brasileiro, elementos da
arquitetura religiosa. A fachada, que nos lembra algumas igrejas ou conventos,
possui arcadas e balcão. A inspiração religiosa pode ser percebida também no
pátio interno com galerias superpostas, que nos trazem à memória os antigos
colégios jesuítas. Outro elemento que se destaca é a torre, típica das
construções religiosas de refere-se ao poder e ao domínio, realçado pela
presença do relógio. A planta tem o formato mais comum para as construções
escolares da época, isto é, em “U”, mas nesse caso, a parte direita é maior que
a esquerda; não é um edifício simétrico, o que corrobora a opinião de Bruand
12
(1981) sobre o jogo de volumes que caracterizou o neocolonial brasileiro. É o
que podemos ver na fig. 1. O engenheiro José Pedro da Rocha Neto, ex-aluno
do colégio, assim descreveu o edifício no início da década de 50:
[...] possuía dois pavimentos. Visualizando-o em planta, tinha a
forma de um “U” sendo que na perna esquerda estavam a
secretaria, sala dos professores, salão de festas contendo um
palco e, ao final, uma cantina [...]. Na parte frontal, também
algumas salas destinadas à administração da escola e salas de
aula. Na outra perna desse “U”, salas de aula tanto na parte
inferior como superior sendo que nestas últimas havia um
parapeito [...]. Além desse corpo principal, havia um anexo aos
fundos, onde também existiam mais salas de aula, o laboratório
e a sala de ciências naturais. (ROCHA NETO, 2006, p. 45)
Fig. 1 – Edifício do atual Colégio Estadual Marcelino Champagnat, final da
década de 1940, autor desconhecido, acervo do Museu Histórico Padre Carlos
Weiss.
13
Podemos perceber que a construção ficava isolada, o que lhe
garantia uma aparência de retiro religioso ainda maior. A estrutura em “U” não
servia apenas para garantir um bom uso do terreno ou a vigilância dos alunos,
ela demonstrava uma intensão de demonstrar ao mesmo tempo o poder e a
importância da educação e do Estado. Mas devemos lembrar que o espaço
arquitetônico é dinâmico então, mesmo que estrutura lembre os claustros
conventuais (CASTRO; IMAGUIRE, 2006), os alunos faziam uma releitura
daquele espaço.
Era nesse local [parapeito da parte superior] que
posicionavam-se as meninas por ocasião dos recreios.
Daquela posição as mesmas viam quem adentrava à cantina
bem como os que circulavam no páteo interno situado entre as
duas pernas do “U”. [...] Já era uma coisa tradicional, na nossa
época, os que circulavam no páteo invariavelmente flertavam
com as meninas que se posicionavam naquele parapeito em
madeira situado no pavimento superior. (ROCHA NETO, 2006,
p. 45 – 46)
Enquanto isso, o relógio garantia a ordem e a disciplina
necessárias ao progresso da nação que se construía. Era um grande colégio
para uma cidade que começava a pensar-se grande e moderna, embalada pelo
capital vindo do ouro verde. Marca uma época, sem dúvida de transição de um
tipo de sociedade e educação. Da elitização do ensino e de uma arquitetura
escolar monumental para outra, na qual a democratização do ensino foi
acompanhada – infelizmente - por escolas cada vez menos relevantes do ponto
de vista arquitetônico.
Considerações finais
Esperamos ter demonstrado que a arquitetura escolar pode ser
utilizada pelos historiadores para o estudo do desenvolvimento da educação.
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Estudo que deve ir além da simples descrição dos diversos estilos
arquitetônicos aos quais estiveram sujeitas as construções escolares. É preciso
desvendar os significados das representações materializadas nas formas
simbólicas presentes nos edifícios destinados à educação. Paredes, portas,
janelas e outros elementos arquitetônicos não estão dispostos de forma neutra.
Pelo contrário, representam visões de mundo e da educação.
No exemplo que trouxemos para nosso estudo, podemos
perceber que o estilo neocolonial, adotado em muitas escolas paranaenses das
décadas de 40 e 50, foi sendo substituído pelo modernismo. Assim, essa
dinâmica na forma dos edifícios escolares reflete a disputa por espaço
simbólico dentro do campo da arquitetura nacional. Na época da construção do
edifício Colégio Marcelino Champagnat, o neoclássico já havia sido derrotado
na dimensão teórica. Os princípios da arquitetura modernista, como a de Le
Corbusier, já estavam bem estabelecidos e eram defendidos no Brasil por
Lúcio Costa. A expressão mais evidente dessa vitória foi a construção do
edifício do Ministério da Educação e da Cultura, inaugurado em 1945 e que
teve a supervisão de Le Corbusier. Vemos, no entanto, que a difusão do
modernismo para a arquitetura escolar foi lenta, tornando-se hegemônica no
Paraná apenas na década de 50. Até então, o estilo neocolonial foi utilizado na
grande maioria das escolas públicas do Paraná. Em Londrina, esse estilo pode
ser encontrado em duas escolas. O Colégio Marcelino Champagnat, que
estudamos nesse texto, e o Colégio José de Anchieta, construído em 1950.
Um estudo histórico da arquitetura escolar, porém, não deve
ater-se apenas aos conflitos de estilo. Igualmente devemos evitar a leitura
apressada do espaço escolar, em especial as fundamentadas na perspectiva
de Foucault. Em geral, tais leituras aproximam o edifício escolar e a prisão.
Assim, quando o estudioso se depara com a planta em “U”, presente em muitas
escolas, logo conclui que tal disposição foi pensada para garantir a vigilância
dos alunos. Em geral essa conclusão expressa uma condenação ao pretenso
poder que a instituição escolar exerceria sobre os alunos. Tal perspectiva
teórica, no entanto, geralmente desconsidera a capacidade dos próprios alunos
em se apropriar do espaço de forma criativa. O que poderia ser pensado como
15
instrumento de dominação era utilizado pelas alunas do Colégio Champagnat
simplesmente para flertar com os meninos!
Portanto, se quisermos uma história da educação a partir da
arquitetura deveremos estar atentos também aos usos que as diferentes
gerações fizeram do espaço escolar. É esse o desafio proposto.
REFERÊNCIAS
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Arquitetura e Educação. In: Notandum Libro, n. 13, 2009. Disponível em: <
http://www.hottopos.com/notand_lib_13/cleide.pdf >
ARGAN. Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
BERGER, Peter L. O Dossel sagrado: elementos para uma teria sociológica
da religião. São Paulo: Paulus, 2004.
BERTONHA, Vitorina Cândida Corrêa; MACHADO, Maria Cristina Gomes. A
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In: Seminário de pesquisa do Programa de Pós-graduação em Educação
da UEM, 24 a 26, set., 2008. Disponível em:
<http://www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2008/pdf/c007.pdf>
BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo:
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BUFFA, Ester; PINTO, Gelson de Almeida. Arquitetura e educação:
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