ANTONIO
EVARIS
MORAE
FILHO
Luís Guilherme Vieira
Ricardo Pereira Lira
Organizadores
ANTONIO
EVARISTO
DE
MORAES
FILHO
por seus amigos
RENOVAR
Aio de Janeiro • São Poulo
2001
"'
Indice
Prefácio ou Cânone Circular? - Dora e a Engenharia Genética
de Pigmalião - Evandro Lins e Silva ............................................. 1
Apresentação - Luís Guilherme Vieira e Ricardo Pereira Lira ..... 15
Mensagem do Presidente da República, Fernando Henrique
Cardoso, para o livro em Homenagem a Antonio Evaristo de
Moraes Filho .............................................................................. 17
Antonio Evaristo de Moraes Filho (Curriculum Vitae resumido) ... 19
Advogado criminal, esse desconhecido - Antonio Evaristo de
Moraes Filho .............................................................................. 23
Evaristo: Liberdade e Paixão - Antonio Carlos Barandier ............ 51
O professor Antonio Evaristo de Moraes Filho - Antonio Celso
Alves Pereira .............................................................................. 63
Per Ardua ad Astra - Arnaldo Malheiros Filho ............................. 75
A última parceria com Evaristo de Moraes- Arthur Lavigne ....... 81
O Cônjuge - Augusto Thompson .................................................. 95
O Evaristo "Homem do Esporte" - Carlos Eugênio Lopes ........ 107
Evaristo e algumas de suas paixões - Eduardo de Moraes .......... 111
Lembrança de Evaristo - Elio Gaspari. ........................................ 127
Considerações sobre um retrado - Evandro Carneiro ................. 133
Recordando meu irmão - Evaristo de Moraes Filho ................... 135
"Eu te amo, Fluminense, eu te amo" - Francisco Horta ............ 145
Mais do que um companheiro e amigo: um irmão - George
Tavares ..................................................................................... 151
"Da pelada ao botão" - Hans Henningsen .................................. 161
Antonio Evaristo de Moraes Filho - O homem, o Criminalista,
o Jurista, o Professor- Hélio Fernandes ................................. 173
Evaristinho, uma saudade- Hélio Saboya ................................... 191
Antonio Evaristo de Moraes Filho, amigo advogado e campeão
da luta pela liberdade alheia - Hugo lbeas ............................. 195
Evaristo de Moraes Filho: lenda viva do júri - José Muiiíos
Piõeiro ...................................................................................... 205
Evaristo de Moraes Filho - José Serra ........................................ 213
Até um dia, amigo- Luís Guilherme Vieira ............................... 217
Evaristo: o goleiro - Luis Carlos Miele ........................................ 225
Homenagem - Luís Inácio Lula da Silva ..................................... 229
O piloto Evaristinho - Marcello Alencar ..................................... 231
O Advogado é o único Senhor de sua pessoa - Marcello
Cerqueira ................................................................................. 237
Lembranças -Mareio Thomaz Bastos ..................................... ..... 253
Advogado Criminal, esse conhecido e saudoso Evariste de
Moraes- Nélio Roberto Seidl Machado .................................. 259
Antônio Evariste de Moraes Filho - Um padrão de ética na
advocacia - Regina Ido Oscar de Castro ................................... 269
O Antônio Evaristo que eu conheci- René Ariel Dotti ............. 281
Antonio Evaristo de Moraes Filho (Reminiscências de um
irmão, amigo e compadre) - Ricardo Pereira Lira .................. 287
Evaristo: Um socialista na tribuna do júri - Roberto Amaral I
Jamil Haddad ........................................................................... 297
Singularidades de uma atuação - Sergio Bermudes .................... 311
Evaristinho - Técio Lins e Silva ................................................... 31 5
Evaristinho - Valedy Perry .......................................................... 323
EVARISTO: U M SOCIALISTA NA
TRIBU NA DO JÚRI
Roberto Amaral" e Jamil Haddad · ·
O homem é o nome póstero.
Joaquim N abuco
Admirados desde sempre, somente fomos com
eles conviver mais assiduamente- com Evaristinho
• Advogado, jornalista e escritor, ensaísta e ficcionista, é
Professor da PUC-Rio, membro titular do Instituto dos
Advogados Brasileiros-IAB, Presidente do Centro Brasileiro de
Estudos Latino-Americanos-CEBELA, membro efetivo da
lntcrnational Sociological Association-I.S.A., da International
Political Sciencc Association-IPSA, da I nternational
Association of Judicial Methodology (A.I.M.J.). É vicepresidente nacional do Partido Socialista Brasileiro, PSB.
*"' Presidente nacional de honra do Partido Socialista Brasile iro,
seu primeiro presidente na reconstrução, ex-senador da
República, ex-ministro da Saúde, ex-deputado federal.
Deputado estadual pelo PSB na Assembléia Legislativa do Rio
de Janeiro
297
e Evandro- quando nos encontramos, os quatro,
na tarefa solitária e então quase quixotesca, estávamos nos idos de 1985, de reconstrução do Partido
Socialista Brasileiro. Pois foi no escritório de Evandro, na avenida Rio Branco, que realizamos nossas
primeiras reuniões; foi no anexo do escritório de
Evaristo, na rua México, que nosso partido teve sua
primeira sede.
E por que Evandro Lins e Silva neste texto de
homenagem a Antonio Evaristo de Morais?
Evandro foi discípulo de Evaristo de Morais, pai,
e mestre de Evaristinho no magistério comum. Juntos, com suas biografias, militantes da liberdade,
escreveram, na vida forense, a pedagogia do dever
do advogado, ensinado por Rui no antológico texto,
provocado por Evaristo de Morais. Chamado a defender acusado já previamente condenado pela opinião pública, ademais de seu adversário político, o
advogado Evaristo de Morais socorre-se de seu mestre e chefe político, Rui Barbosa, e pergunta como
deveria proceder. A resposta de Rui - um de seus
muitos textos imortais- transformou-se na tábua
dos deveres do advogado, antes e sobre nosso Código de Ética.
E neste momento em que ensaiamos estas linhas,
abril de 2000, mestre Evandro está em Vitória, no
Tribunal do Júri, liderando a defesa do militante
político José Rainha, acusado de crime de homicídio
por haver combatido o crime do latifúndio, que
mata crianças e constrói a fome que assola nosso
país. Antes, pouco antes de sua morte, sempre prematura, e já doente, só saberíamos depois (e não é
298
possível ignorar essa revelação de sua grandeza moral, de um homem que nem com o sofrimento quis
magoar os seus amigos), Evaristinho assumira a defesa do ex-Presidente Fernando Collor de Melo
flagrado em uma série de crimes contra a União e o
erário, num caso em que a justa comoção da sociedade podia lembrar as circunstâncias do julgamento
de Mendes Tavares, cercado da "ferocíssima manifestação dos sentimentos excitados da ocasião.,. O
clamor da opinião pública, que já condenara o presidente traidor de sua confiança, não podia impedir
que Evaristinho cumprisse com o seu dever de advogado, assegurando, em defesa da sociedade civilizada, que o acusado tivesse ouvida "a voz de seus
direitos legais", voz que não pode silenciar, jamais,
principalmente quando a paixão pública ameaça impor a expiação do direito.
Não temeu a impopularidade nem a eventual
incompreensão de seu gesto. Era e foi sempre um
bravo, bravo sem alarde, culto sem pedantaria, diligente, dedicado às suas causas e aos seus clientes,
altivo sem ser prepotente.
Como um nômade que caminha por amor da
jornada, a jornada de Evariste era o direito, o direito
criminal, era a defesa da liberdade, era o júri, era o
homem.
*Da carta-consulta de Evaristo de Morais a Rui Barbosa in Rui
Barbosa. O dever do Advogado. Fundação Casa de Rui Barbosa-AIDE Editora. Rio de Janeiro. 1994. p 40.
299
Seu pai vivera essa experiência em inumeráveis
oportunidades, a mais exemplar das quais foi certamente a defesa de José Mendes Tavares·.
Cabia agora a Evaristinho, numa história que
quase se repetia, seguir o conselho de Rui: "Quando
se 1ne impõe a solução de um caso jurídico ou moral,
não me detenho em sondar a direção das correntes
que me cercam: volto-me para dentro de mim mesmo, e dou livremente a minha opinião, agrade, ou
desagrade a minorias, ou
Na tribuna adversária estava Evandro. Afastado
da lide forense, a ela voltava no julgamento político
do presidente, porque, pelas mesmas razões, não
poderia fugir do requerimento da Nação, que pedia
sua voz acusadora.
Advogado criminalista, o mais notável dos sucessores de Evandro, Evarístinho se viu permanentemente confrontado, como foi no caso Collor, com
restrições de ordem ética e restrições de ordem
política, muitos, mas só aqueles que desconhecem o
dever do advogado, questionando causas que patrocinava e direitos que defendia. Nenhum advogado
foi tão julgado. Na defesa de Collor, à restrição ética
- tratava-se de um presidente irrecusavelmente
vinculado a um processo de corrupção que contaminara a República- somava-se a dúvida politica. O
presidente era notório quadro da direita, e seu patrono um homem de esquerda, filiado ao Partido
* A descrição do caso está no prefácio de Evariste de Morais
Filho à obra acima referenciada, pp. 13-36.
** Rui Barbosa, ob. cit. p. 43.
300
Socialista Brasileiro. Membro de nossa Executiva
Nacional nos períodos mais difíceis, aqueles da refundação, por sucessivos anos titular destacado de
nosso Diretório NacionaC por nossas mãos tivera
seu nome indicado para ocupar a vice-presidência na
chapa encabeçada por Luís Inácio Lula da Silva na
memorável campanha política de 1989. Não fôra
candidato porque recusara o convite, afinal aceito
pelo senador José Paulo Bisol, que viria a ser, mais
tarde, figura destacada, como representante de nosso partido, na CPI que terminou levando ao julgamento político do Presidente.
Evaristinho optara pela cátedra de advogado, fazendo da defesa o seu apostolado.
Recorrente, a história parece rescrever o episódio de seu pai. Prócer eminente da campanha civilista de 191 O, derrotada pela eleição de Hermes da
Fonseca, já no ano seguinte Evariste de Morais iria
defender um dos mais destacados representantes do
hermismo e do militarismo positivista de Pinheiro
Machado.
Advogado, e advogado dos mais capazes, dos
mais conscientes de seus deveres cívicos, Evaristinho envidava todo o seu esforço, empregava toda a
sua competência, valia-se de todos os recursos de
sua eloqüência inexcedível para defender o mandato do presidente Collor que, na campanha de 1989,
tudo fizera, como militante, para derrotar.
Juntos, advogado de defesa e advogado da sociedade, lá estavam Evariste e Evandro, e ambos nos
diziam que o país civilizado não pode suprimir do
cidadão a voz dos seus direitos legais. A voz das ruas,
301
que clamava por punição, não podia esmagar a voz
do advogado que requeria plena e completa defesa
para que o direito se fizesse.
O Partido tudo envidou, mobilizando todas as
suas forças, visando ao impeachment. Atuou com
denodo na Comissão Parlamentar de Inquérito,
através de Bisol e de Jamil Haddad. Mas jamais
reprovou Evaristo pelo patrocínio da causa impopular. A lição de Rui também conhecíamos: "Os partidos transpõem a órbita da sua legítima ação, toda a
vez que invadem a esfera da consciência profissional, e pretendam contrariar a expressão do Direito .
Anos passados, Evandro lecionaria na memorável
conferência de Fortaleza:
"Não cabe ao advogado criminal, como se fôra
juiz, fazer o julgamento do ato de quem o procura,
em transe delicado de sua vida, abrindo-lhe a alma
e o coração, e muito menos trair a confiança nele
depositada. Não é esse o seu papel dentro de nosso
ordenamento jurídico-institucional, nem do ponto
de vista humano. A avaliação que fizer é para uso
próprio, ou seja, para nortear sua própria conduta na
estratégia da defesa que vai conduzir dali por diante.
"Solidário com a dor e a desgraça do cliente,
mesmo nas situações mais infelizes, dramáticas e
deploráveis, isso não quer dizer, porém, que o advogado esteja solidário com o crime porventura cometido. Ele conhece os princípios de deontologia da
...
• Idem. p. 44.
302
profissão, tem deveres de consciência para consigo
mesmo e tem compromissos de cidadão para com a
sociedade. Ele sabe os limites e os parâmetros de
sua ação profissional."·
Essas linhas querem registrar um dos atributos
de Evariste: o desassombro, pois sempre foi, na sua
cátedra de advogado, destemido sem arrogância,
diligente sem precipitação. Jamais cortejou a simpatia dos meios de comunicação, e deles foi um crítico, um corajoso crítico, denunciando, em conferências e artigos, o papel manipulador da opinião pública exercido pela imprensa, garroteando a verdade,
induzindo condenações, impondo penas, julgando
sem defesa, condenando sem apelação.
Bravura inexcedível do advogado de perseguidos
políticos. Ninguém como ele lutou tanto e tão bem
contra o autoritarismo militar-fascistóide que nos
atingiu depois do golpe de 1964, arrostando contra
a autoridade arbitrária, enfrentando as permanentes
violações de direito, o desrespeito aos direitos individuais, aos direitos civis, aos direitos políticos, à
tradição do direito constitucional brasileiro, o direito das gentes, a Declaração Universal dos Direitos
do Homem e do Cidadão, liderando um corpo de
advogados destemidos e abnegados, como Eni Moreira, Augusto Sussekind, Beto Rubião, Modesto da
Silveira, Helena Fragoso, George Tavares, Técio
* "Ética e sigilo profissional do advogado" in Anais da XVI
Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.
(Direito, advocacia e mudança). Fortaleza, setembro de 1996,
pp. 393-7.
303
Lins e Silva, Oswaldo Mendonça, Antonio Carlos
Barandier, Alcione Barreto, Nilo Batista e Rosa Cardoso. Patrono de todos, o mestre e paradigma de
todos: Sobral Pinto.
Evaristinho jamais temeu a japona quando se
tratava de preservar a liberdade. E, naqueles idos,
um tempo terrível que precisa ser lembrado sempre
para jamais ser repetido, não se tratava apenas de
restaurar a liberdade ameaçada: tratava-se de garantir a vida ameaçada, a integridade física ameaçada, a
violência física e moral da tortura, permanente,
banalizada. E fazer tudo isso sob a ameaça de tudo,
porque também o advogado era vítima da mesma
violência institucionalizada nos porões infectos da
ditadura.
Na história da resistência a categoria guarda,
honrada, as humilhações a que foram submetidos
tantos advogados de presos políticos, mas guarda
principalmente as ofensas físicas e morais a que
foram submetidos Heleno Fragoso, George Tavares
e Augusto Sussekind.
Evaristo viveu sempre na proa da vida.
O tempo decantará obra e vida, sua extraordinária personalidade de tribuno e cientista, de jurista e
paladino do júri, de professor universitário e militante político, agitador social na melhor tradição
paterna, atento à denúncia das desigualdades de
classe separando os homens entre poderosos e excluídos.
Sua vida é sua obra. Sua obra é sua vida dedicada
à liberdade. Neste norte se fundem, irmãos siameses, o militante socialista e o advogado da liberdade.
304
II
Se o virus politique a que se referia Aron,· que
em Evaristinho era herança, não havia sido suficiente para levá-lo a integrar a chapa presidencial ao lado
de Lula, representando seu partido na Frente Brasil
Popular, já determinara seu engajamento de toda a
vida. De fato, ao lado de Evandro Lins e Silva e
Antônio Houaiss, figuras tutelares do socialismo e
de nosso Partido, ocupara-se Evariste, como intelectual engajado na melhor tradição sartriana, na militância política, militância que confundia a política
com o ofício de advogado, a cátedra na Universidade, a cátedra na OAB, a cátedra no IAB, e fundamentalmente o magistério que era sua prática profissional constituindo lição permanente, diária e
permanentemente renovada na dedicação às causas
que patrocinava. Desse magistério muito se alimentaram sucessivas gerações de alunos e jovens advogados. Político desde sempre,. porque político e de
esquerda advogado criminal, porque socialista dedicado à defesa e à defesa da liberdade, das liberdades
individuais e das liberdades coletivas, Evaristinho
havia compreendido, e nesse entendimento tivera
seu pai como mestre, que, mais importante do que
pensar o direito, é fazer o direito, realizá-lo, em
defesa dos pobres, dos desvalidos, dos excluídos,
dos perseguidos. E em nosso país não há direito que
mais expresse a sociedade de classes, com o cortejo
* ARON, Raymond. M emoires, p.l96.
305
de suas injustiças inafastáveis, senão o direito penal.
Cedo, com Florestan Fernandes, e outra vez seguindo sendas abertas por seu pai, compreendera que
mais importante do que entender o mundo é transformá-lo. E tão grave é a exploração do homem pelo
homem, em nosso país, que o intelectual não pode
ser um contemplativo: o pensador há de ser ao
mesmo tempo um homem de ação, o jurista e o
catedrático é o advogado militante, o advogado é um
político, e o bom político é o militante socialista. O
mundo precisa ser compreendido ao mesmo tempo
em que nele intervimos para modificá-lo; a história
precisa ser vivida no mesmo momento que a estamos pensando; as idéias precisam ser postas em
prática já enquanto estão sendo formuladas. Nesse
sentido, soube encarnar o papel do intelectual brasileiro típico, engajado e comprometido, irrecuperavelmente em conflito com os interesses de sua origem de classe, comprometido com as massas de
excluídos de quem tudo foi retirado, a começar pelo
direito de aspirar à justiça.
Fiel aos seus compromissos como intelectual e
socialista, priorizou a banca de advogado, o embate
diário, honrando sua categoria, mas soube fazê-lo
sem abandonar a cátedra, sem abandonar a academia, sem renunciar à contribuição científica de que
é exemplo sua participação na XVI Conferência
Nacional dos Advogados, em Fortaleza, em 1996, a
última de quantas abrilhantou·.
• Sua Conferência: "Crirninalidade astuciosa e violenta: causas
e soluções". Anais da XVI Conferência Nacional da Ordem
306
Naquela Conferência, Evaristo profligou a tendência de um certo direito criminat promotoriat
penalista, que, impulsionado pelos escândalos da
impunidade e pelo sensacionalismo de uma certa
imprensa, simplista e simplória, pretende resolver o
conflito social que está na raiz do regime e alimentador do crime impondo novas tipologias para assegurar novas penas crescentemente mais graves, e
todas elas cerceadoras da liberdade. Como se o
crime não tivesse raiz na organização social, e na
pobreza, na punição tão-só de pobres e negros, pobres porque negros, e na impunidade dos ricos e
poderosos.
De novo a recorrência histórica.
Evariste, pai, amigo de Ingenieros, fundador do
Boletim Criminal Brasileiro, foi, como todos sabemos, o introdutor, em nosso país, das lições de Ferri,
e da escola positiva do direito penal. Coube-lhe o
patrocínio e o prefácio da primeira edição brasileira
do Dos delitos e das penas (a primeira edição italiana
é de 1764). Escrevendo no início dos anos 30, destaca o ainda hoje atualíssimo trecho do clássico de
Cesare Bonesana:
"Quanto mais se estender a esfera dos crimes,
serão eles cometidos em maior número, porque
sempre se verificará a multiplicação dos delitos à
medida que aumentarem os motivos do seu cometimento, sobretudo se a maioria das leis se basearem
em privilégios, isto é, na prestação de um tributo
dos Advogados do Brasil (Djre ito, advocacia e mudança). Fortaleza, setembro de 1996, pp. 307-318.
307
imposto à massa geral da nação, em favor de poucos
,.
senhores .
Patrono da intervenção mínima, "à luz da qual a
sanção criminal se constitui a ultima ratio, de que o
Estado lança mão somente naqueles estritos casos
em que outros instrumentos de controle social se
revelem insuficientes" .. , Evaristinho investiria contra o rigorismo estéril, nada obstante embalado pelas campanhas da imprensa ligeira, para defender a
discriminalização e a despenalização nos casos de
delinqüência leve e média (Jescheck), donde a admissibilidade das penas restritivas da liberdade apenas para aquelas hipóteses em que o bem lesado pela
ação criminosa tenha valor semelhante ao sacrificado, a saber, a liberdade pessoal.
É ainda o seu texto de 1996.
Reconhecendo o "recrudescimento da prática de
crimes de extrema gravidade, notadamente ligados
ao tráfico de drogas e terrorismo", não se deixa
embair pela estimulação de Ul;Ila opinião pública que
justificadamente não se cansa de reclamar pela intervenção estatal, com a imposição de penas severas, ansiedade punitiva [que] acaba se extravasando para alcançar até as infrações leves, sob o pretexto de que não poderiam, a título de exemplo, per.
" .... *
manecer Impunes
11
* BECCARIA, C. Dos delitos e das penas.
Editora. São Paulo. p.l R ·
** Anais. p. 308.
*** Idem. p. 310.
308
sa
edição. Atena
Crítico do sistema penal clássico, Evaristinho
lança mão da escala constitucional de valores para
separar, qualitativamente, os tipos de ilícito mais
significativos pertencentes ao núcleo do direito penal, daqueles pertencentes ao direito administrativo
(Maurach e Zipf). Se há uma escala de direitos
constitucionais, se há uma escala de lesões, há, de
igual sorte, uma escala de penas. Esta escala implica
hierarquia, impondo a prevalência dos direitos tutelados constitucionalmente, e não há direito de
maior valor que o direito à vida e à liberdade. Ora,
o direito penal clássico lança mão de forma abusiva
e indiscriminada da pena privativa da liberdade,
impondo, e estamos em face de um de seus erros
mais graves a quebra da proporcionalidade abstrata
que deve existir entre o crime e a reprimenda estatal"." Valor constitucional de tutela só equiparável à
vida, a liberdade só pode ser cerceada em face de
graves violações de direitos humanos. Se a liberdade
tem, para a Constituição, um valor preeminente,
qualquer limitação ao seu exercício só pode ser
empregada como derradeira hipótese, vencidas todas as demais, considerando, na aplicação da pena,
as infrações classificadas como de maior e de menor
potencial ofensivo, e, assim, aplicando-lhes tratamento diferenciado. A um talianism.o arcaico, o
moderno direito penal defende a crescente e disseminada aplicação de penas alternativas, como a
prestação de serviços à comunidade, a indisponibili11
* Ibidem, pp. 308-9.
309
dade de direitos ou bens, a desformalização, a conciliação, a suspensão do processo, sem julgamento
de mérito, ou seja, o direito penal mínimo.
IV
Ao fim e ao cabo, Evaristinho nos lega uma lição
do tamanho de sua vida: vale a pena lutar pela
liberdade; vale a pena o mundo, enquanto a liberdade não for uma utopia, ou, enquanto a liberdade for
aquela utopia que se realiza todo dia, pela qual se
luta todo dia, toda hora, a vida toda. Esta utopia
depende de homens como Antonio Evaristo de Morais Filho.
Por isso, quando nos deixou, amputou um pouco
da nossa alegria, nos deixou mais fracos e mais sós
na nossa luta, que foi sempre a sua.
3 10
ANTON IO CAitLOS BARANDIER
JOSÉ MUlNOS PINEJ RO FILHO
ANTON IO CELSO ALVES PEitEIRA
JOSÉ SEitRA
ARNALDO MALHEIROS FILHO
LU[S GUILHERME VIEIRA
ARTHUR LAVJGNE
LUIZ CARLOS MIELE
AUGUSTO THOMPSON
LU[Z INÁCIO LULA DA SILVA
CARLOS EUGEN IO LOPES
MARCEUO AlENCAR
EDUAitDO DE MORAES
MARCELLO CERQ1JEJRA
ELIO GASPAR!
MÁRCIO THOMAZ BASTOS
EVARJSTO DE MORAES FI LtlO
NE LJO ltOBER.TO SE IDL MACHADO
FERNANDO HENRJQJ.IE CARDOSO
ltEG INALDO OSCAR DE CASTRO
FRANC ISCO HORTA
ltENÉ AR.JEL DOTII
GEORGE TAVAitES
ltJCAitDO PEitE IRA LIRA
HANS HENNINGSEN
ROBERTO AMARAL
HELIO FEitNANDES
SERGIO BER.MUDES
H Eli O SABOYA
TÉCIO UNS E SILVA
HUGO IBEAS
VALED PER.R.Y
JAMIL HADDAD
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EVARIS - Blog Roberto Amaral