XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
SABERES DOCENTES: O TEMA LUTAS NO CURRÍCULO DE EDUCAÇÃO
FÍSICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Marcos Roberto So
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”- UNESP- Campus Presidente
Prudente- Departamento de Educação
Mauro Betti
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”- UNESP- Campus Presidente
Prudente- Departamento de Educação
APOIO: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP
RESUMO
Faz-se necessário compreender melhor como os professores de Educação Física, em
suas aulas, lidam com propostas de mudança curricular, e como seus saberes
profissionais intervém nesse processo. O objetivo desta pesquisa foi analisar o
desenvolvimento do eixo de conteúdo “Luta” proposto pelo Currículo de Educação
Física do Estado de São Paulo (CEF-SP), a partir da tematização do karate, com foco
nos saberes profissionais do professor, particularmente no modo como se desenrola a
construção do conhecimento pedagógico do conteúdo conforme Shulman (1986). Foi
realizado um estudo de caso de natureza qualitativa; os dados foram coletados por meio
de entrevistas semi-estruturadas com a professora e observação das aulas de uma turma
de 8° ano. Os resultados evidenciaram que a professora realizou mediações, adaptações
e exclusões face à abordagem e atividades sugeridas pelo CEF-SP para o
desenvolvimento do tema. Nesse processo, mobilizou saberes docentes de diversas
naturezas. Conclui-se que a autonomia da professora não foi eliminada, pois pôde
compatibilizar os conteúdos e as atividades com seus próprios valores e saberes, e com
as características dos alunos, tendo realizado adaptações e exclusões frente ao sugerido
no CEF-SP. Contudo, a construção do conhecimento pedagógico do conteúdo por parte
da professora foi limitada pelo alcance de seus conhecimentos específicos do karate,
provenientes em especial das mídias, ou do próprio material didático do CEF-SP. Isso
induziu a professora a privilegiar aulas que denominou de "teóricas", em sala. Concluise pela necessidade dos professores dominarem um "conhecimento de base" para que
possam construir os conhecimentos pedagógicos do conteúdo com maior liberdade e
autonomia. No entanto, tal conclusão não significa que é indispensável ser um
lutador/treinador para desenvolver o conteúdo "Lutas" na escola, já que no contexto
escolar deve-se preocupar com a apropriação e apreciação dos elementos das lutas como
manifestações da cultura de movimento, e não formar atletas/lutadores.
Palavras-Chave: Lutas, currículo de Educação Física, saberes docentes
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1. INTRODUÇÃO
As conquistas obtidas pela Educação Física como área de conhecimento
pedagógico parecem estar mais presentes na literatura e no ensino superior do que no
cotidiano das escolas de nível fundamental e médio. Nem mesmo o relativo consenso
sobre quais seriam seus conteúdos próprios (jogo, esporte, ginástica, atividade
rítmica/dança e luta) consolidou-se nos currículos escolares, gerando um indesejável
“laissez-faire” nas aulas de Educação Física, pobreza e repetição de conteúdos e
estratégias. O que tem ocorrido, então é que apenas professor detém o poder de
restringir ou ampliar as manifestações da cultura de movimento do aluno.
A esse respeito, atentamos ao argumento de Kunz (1994, p.150), ao nos chamar
a atenção para necessidade na Educação Física, de um “programa mínimo” de
organização curricular, que pudesse orientar o professor a sistematizar “o que”,
“quando” e “como” ensinar com a cultura de movimento.
É nesse pano de fundo, que elegemos na pesquisa, o recente Currículo de
Educação Física do Estado de São Paulo (CEF-SP) para o segundo ciclo do Ensino
Fundamental até o término do Ensino Médio, em vigor desde 2008, como foco
investigativo. O CEF-SP apresenta uma sistematização de temas e conteúdos mínimos
que devem ser desenvolvidos ao longo das séries, vinculando-os a habilidades e
competências que se espera que os alunos desenvolvam. Para tal, sugere “situações de
aprendizagem” em cada tema/conteúdo (na forma de um “percurso de aprendizagem”
que inclui sugestões de atividades, estratégias e recursos materiais ao longo de certo
número de aulas), bem como atividades avaliadoras. O CEF-SP defende a partir do
termo conceitual Se-Movimentar que o sujeito/aluno é o autor da sua própria ação e que
atribui e expressa significados/sentidos no âmbito da cultura de movimento. Nessa
direção, compreende-se não ser intenção do CEF-SP delimitar ou restringir o SeMovimentar do aluno, mas sim diversificar, sistematizar e aprofundar seus
conhecimentos, possibilitando-lhes novas experiências e re-significando experiências já
vivenciadas, englobando os jogos, esportes, atividades rítmicas, ginásticas e lutas (SÃO
PAULO, 2008a).
Como apontado, o CEF-SP vem com a tentativa de sistematização de uma
necessidade na Educação Física, no caso, uma organização curricular, entretanto alguns
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pontos também precisam ser refletidos, será que implementação do CEF-SP não estaria
funcionando como uma ferramenta técnico-instrumental que reduziria a autonomia do
professor? Ela desconsidera os valores e saberes docentes? Como os professores lidarão
com essas mudanças? Que saberes profissionais dos professores intervirão nesse
processo? Que mediações, adaptações e/ou exclusões serão levadas a cabo pelos
professores no cotidiano do desenvolvimento do CEF-SP?
No âmbito dos saberes docentes, Shulman (1986) centraliza a investigação na
compreensão dos conteúdos ensinados e do modo como estes se transformam no ensino,
ao levantar as seguintes questões: o que os professores sabem sobre os conteúdos de
ensino? Como os professores constroem conhecimentos sobre o ensino? De modo que o
autor distingue três categorias de conhecimentos presentes: conhecimento específico do
conteúdo; conhecimento pedagógico do conteúdo e conhecimento curricular.
O conhecimento específico do conteúdo representa o domínio sobre a disciplina
referente ao conhecimento da matéria que será ensinada, que deve ser buscada na
literatura específica da área, em cursos, programas, etc. Ainda bem próximo do
conhecimento específico do conteúdo, o conhecimento pedagógico do conteúdo resumese a maneira de apresentar o conteúdo de forma compreensível aos alunos; para tanto, o
professor inclui como ferramenta o uso de analogias, instruções, demonstrações,
metáforas, explicações, discursos, ilustrações, vídeos, etc. Já o conhecimento curricular
é todo conhecimento do professor acerca do seu currículo, do material instrucional
disponível, de modo que, ao dominá-lo, seria possível saber o período certo para
trabalhar um determinado conteúdo a fim de melhor aprendizagem aos alunos, o que
permitiria ao professor melhor selecionar e organizar os programas (SHULMAN,
1986).
É baseado inicialmente nessas reflexões que temos conduzido a nossa atual
pesquisa, cujo interesse maior está em compreender como o conteúdo lutas, no contexto
do Currículo de Educação Física do Estado de São Paulo, recentemente implantada nas
escolas, está sendo concebida e dinamizada pelos professores. Uma vez que as lutas
aparecem como pouco utilizadas nas aulas de Educação Física, por diversos motivos,
por serem consideradas como violentas, pelas dificuldades no processo de ensino, assim
como poucos estudos referentes à sua metodologia (NASCIMENTO, 2007;
NAKAMOTO, 2005; SO; BETTI, 2009). É preciso investigar no âmbito das lutas
algumas questões: o professor precisa ter tido uma vivência de lutas para tratar deste
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conteúdo? Que saberes são necessários para dar aula de luta na escola? Quais são os
conhecimentos específicos da luta e como se dá sua transposição prática?
1.1. A situação de aprendizagem proposta no CEF-SP para o tema Karate
O CEF-SP pretende, com o tema proposto no 8.° ano, desenvolver as seguintes
competências/habilidades em 6 a 8 aulas: expressar opiniões a respeito dos termos
“briga”, “violência”, “sobrevivência” e “luta”, e relacioná-las com outras condutas do
cotidiano; apreciar, identificar e comparar as diferenças entre uma luta e outra, e
compreender o processo histórico de desenvolvimento do Karate; reconhecer e valorizar
as diferentes características pessoais e interpessoais a partir do Karate; compreender e
comparar os diferentes estilos/escolas de Karate (SÃO PAULO, 2008b).
A seguir, o CEF-SP propõe uma situação de aprendizagem com quatro etapas:
- Na primeira etapa, os alunos são solicitados a falar sobre lutas, expressando
palavras que associem à luta, e as informações coletadas são agrupadas em categorias:
nomes de modalidades e golpes, origem histórica e geográfica, vestimentas etc.
- Na segunda, objetiva-se identificar e reconhecer o Karate, e para isso sugere ao
professor trazer materiais como vídeos, ilustrações e fotos de lutas orientais/artes
marciais. Desta forma, o aluno deverá identificar e analisar o Karate comparando-o com
as demais lutas, em termos de características comuns e distintivas: tipo de
movimentação, parte do corpo utilizadas, espaço da prática, vestimentas etc.
- Na terceira, sugere-se uma atividade realizada em duplas pelos alunos, que
envolve desequilíbrios, agarramentos, conquista de território, ataque e defesa.
- Na quarta, os alunos, em grupos, devem criar um kata (seqüência de golpes
contra um inimigo imaginário) que deverá incluir os fundamentos do Karate, ou seja,
socos, pontapés, bases, giros e saltos, organizados com partes de ataque e defesa. Os
grupos terão liberdade para criar essa seqüência, a qual, além de apresentada, deverá ser
registrada em um papel.
2. OBJETIVO
O objetivo geral desta pesquisa é analisar o desenvolvimento do eixo de
conteúdo Luta proposto pelo Currículo de Educação Física do Estado de São Paulo
(CEF-SP), a partir da tematização de uma modalidade específica, com foco nos saberes
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profissionais do professor, particularmente no modo como se desenrola a construção do
conhecimento pedagógico do conteúdo.
3. METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, especificamente um estudo de caso, cujos
procedimentos são de observação das aulas de uma turma de 7ª série/8º ano na
modalidade Karatê, através de registro em diário de campo e entrevistas semiestruturadas com o professor, a partir de questões relevantes para o foco da pesquisa,
resultantes da observação de aulas e de outros dados coletados, registradas em gravador
de voz. Por dados qualitativos entende-se:
descrições detalhadas de situações, eventos, pessoas, interações e
comportamentos observados; citações literais do que as pessoas falam sobre
suas experiências, atitudes, crenças e pensamentos; trechos ou íntegras de
documentos, correspondências, atas ou relatórios de casos (PATTON apud
ALVES-MAZZOTTI, 1999, p. 132).
Os dados são descritivos, e serão interpretados a partir da “triangulação” das
diferentes fontes (conhecimento do conteúdo/tema, planejamento das aulas, observação
das aulas e entrevistas) e pelo diálogo/confronto com as questões teóricas postas pela
literatura.
Por estudo de caso entende-se a “investigação de uma unidade específica,
situada em seu contexto, selecionada segundo critérios predeterminados e utilizando
múltiplas fontes de dados, que se propõe a oferecer uma visão holística do fenômeno
estudado” (ALVES-MAZZOTTI, 2006, p. 650).
A escolha do caso foi regida pelos seguintes critérios:
- Seleção de uma professora de Educação Física que ministre aulas na 7ª série ou
8ª ano do Ensino Fundamental em escola estadual do município de Bauru-SP;
- A história de vida da professora não contemplou participação como
praticante/atleta de qualquer modalidade de luta, o que garantiu uma situação
compatível com o perfil da maioria dos professores de Educação Física, em termos de
conhecimento do conteúdo específico.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
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4.1. O CEF-SP e os saberes da professora
Um dos nossos requisitos na seleção do professor era que não fosse
praticante/atleta de alguma modalidade de luta, pois neste caso entraria em cena o
“saber da vivência” do especialista, possivelmente detentor de maior facilidade para
transformar o conteúdo em aprendizagem. A professora atendeu a este requisito, pois
apenas praticou judô na graduação, e um curto período de capoeira, e acredita que a
aprendizagem do judô em sua formação inicial não a tornou apta para ensinar qualquer
tipo de luta na escola, e, sim, apenas o judô.
A professora investigada se posiciona de maneira favorável ao CEF-SP, pois crê
que a proposta se assemelha com seu modo de atuação antes da implementação. Assim
como, julga o material como facilitador de sua atuação profissional. A isto se soma, o
entendimento por parte da professora de que atualmente a Educação Física ficou “mais
fácil” de ser visualizada por meio da presença de um material didático que
sistematizaria sua atuação. Afirmou, ainda, que aderiu parcialmente à mesma, pois
realiza adaptações de algumas atividades e considera a realização de outras como
inadequadas. Tanto que expôs que o CEF-SP é a principal fonte de formulação de suas
aulas, pois o utiliza como ponto de partida para entender acerca de algum conteúdo, que
posteriormente poderia ser complementado com outras leituras.
4.2. Adaptações e exclusões realizadas
A primeira adaptação da professora foi referente a atividade sugerida na primeira
etapa da situação de aprendizagem. No CEF-SP, no tema karatê, sugere que cada aluno
fale uma palavra relacionada a luta, como uma “tempestade de ideias”. A partir das
informações coletadas, os alunos deveriam agrupar as palavras em categorias, as quais
sugeridas: nomes das modalidades de lutas e dos golpes; origem e história das lutas
(país de origem e transformações); características das lutas (princípios, categorias,
vestimentas, acessórios); capacidades físicas exigidas (força, agilidade, equilíbrio,
resistência, flexibilidade e velocidade). No entanto, a professora preferiu ampliar a
quantidade de categorias, adaptando para: Nome das modalidades; nome dos
golpes/gestos; país de origem; características/princípios; categorias e outros;
vestimentas e acessórios; capacidades físicas. A adaptação foi justificada pela
necessidade de aumentar a complexidade e o desenvolvimento da atividade:
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“Por que não ampliar? Acrescer aquilo q está na proposta (CEF-SP) (...) achei
que poderia ter muito mais itens na proposta, daí que coloquei, achei que aula ficaria
mais dinâmica, melhor”
Uma segunda adaptação foi a adição de um quadro comparativo em lousa que
diferenciava luta e arte marcial. Perguntado sobre a fonte das informações, afirmou que
não lembrava, mas que eram decorrentes de leituras em livros, sites e outros estudos.
Em outro momento, no CEF-SP, sugere como conteúdo a ser trabalhado, o
processo histórico do karate, para tanto, a professora optou por trazer redigido para cada
aluno, cópias sobre a história do karate. Sobre as referências daquelas informações
redigidas, a professora respondeu que foram retiradas do caderno do professor.
Ao contrário das adaptações, a professora fez a primeira exclusão, não optou em
abordar o conteúdo: “a questão do gênero do karate”, em que sugere que enfatize aos
alunos assuntos referentes a co-educação, gênero, por exemplo: “homens e mulheres
podem praticar karate?”. A professora justificou pela desatenção desse item ao ler o
caderno do professor, e acrescentou que o tema não é relevante, conforme a seguir:
“Olha, não fiquei muito atenta a isso, (expressão de desconhecimento do conteúdo)
porque separar gênero masculino por feminino..não não não...é tipo quando vou dá
ginástica rítmica, eu nem falo que é uma atividade exclusivamente feminina, entendeu?
Isso eu nem abordo na minha aula de ginástica, porque acho que é indiferente, se eu
desperto e falo: -ó, é mais meninos que fazem karate. (...) vou tá abrindo espaço pra: ah isso é coisa de menino, é machismo. Não tem esse pensamento, não ocorre, todo
mundo participa junto, ninguém se quer cogitou: isso é coisa de menino, isso é coisa de
menina (...) Então nessa questão eu nem entro, nem abordo, tenho outros temas a
serem abordados.”
Ainda a despeito a exclusões de conteúdo, na etapa quatro da Situação de
aprendizagem do Karate, o CEF-SP sugere que seja trabalhado como conteúdo a
execução e elaboração de uma seqüência criativa de movimentos (kata). No caso de
execução do kata, nas primeiras aulas, a professora propôs aos alunos realizarem os
movimentos como tarefa de casa baseados em fotos de um kata presentes no caderno do
aluno. Na penúltima aula, a professora retomou o assunto e convenceu uma aluna a
realizar o kata. Diferentemente do sugerido no caderno do aluno, a aluna realizou outros
movimentos, que aparentemente foram elaborados por ela. Neste caso, quanto a
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execução e elaboração de um kata, ficou um conteúdo vago, pois apenas um aluno
vivenciou. A professora justifica que não é necessária a aprendizagem/criação do kata
em ambiente escolar, mais importante, seria aproveitar o tempo de aula para
desenvolver outros conteúdos, além de crer que a complexidade da atividade é alta,
conforme transcrição:
“Analisando aqueles movimentos que tem na apostila e vivenciando a parte
básica do karate que é o equilíbrio, a movimentação, é o suficiente pro aluno buscar
isso fora do ambiente escolar, então, reproduzir ou não reproduzir aquela seqüência
que está ali na apostila, para mim é insignificante, o aluno precisa entender os
princípios, os processos da luta karate.(...) O aluno não tem condições de tá criando
uma seqüência, ele tem que ter a base, tem que ter uma demonstração pronta, como já
tem (kata heian I, no caderno do aluno), mas tem que ser mais prático ainda.”
Referente a questão de tempo, a professora trabalhou o conteúdo de Karate em
10 aulas, no caso, o CEF-SP propõe que se desenvolva o conteúdo entre 6 a 8 aulas.
Indagada sobre essa opção de acrescer duas aulas, responde que partiu da necessidade e
motivação dos alunos sobre o tema:
“O interesse do aluno, eu não levo em consideração (o CEF-SP), é, o número de
aulas oferecidas na proposta. Eu vejo o que o aluno tá...se ele tá interessado, eu
permaneço mais aulas. Se ele não se interessa pelo tema, eu sintetizo, eu resumo..é o
interesse do aluno que faz com que eu desenvolva minha aula, independente do número
exigido na proposta (...) achei que eles gostaram da dinâmica, da aula, do tema, por
nunca ter apreciado uma luta, então achei interessante, achei que eles tiveram um bom
interesse e uma boa participação.”
Ainda sobre as aulas acrescidas, um dos motivos imediatos para a extensão das
aulas, pode ser justificado pelo acompanhamento de um filme trazido pela professora, o
“Karate Kid – A hora da verdade” com duração de 107 minutos, ocupando três aulas.
Quando perguntada sobre a escolha do filme, esclareceu-nos que seria interessante aos
alunos conhecerem os valores filosóficos presentes nas artes marciais, principalmente
ao que se refere na relação de mestre-aluno.
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“Porque é um filme sugerido na proposta. Eu acho que é, bem para faixa de
idade das crianças da sétima série, é um filme bem bonitinho e a presença do mestre
ali, é nítida a importância que ele tem, os preceitos morais e éticos que ele ensina. Eu
acho que é importante... como objetivo da luta na aula de Educação Física é
desenvolver nos alunos aqueles princípios ali, porque brigar por brigar, eles já brigam
em outras situações, e trazer uma luta para escola que mostre os princípios. A luta
livre, muay thai, alguma...eu acho que o professor tem que ter muito mais sensibilidade
de tá passando isso para o aluno, não é? Então o karate, o judô, ela tem um caráter
filosófico muito legal, então essa presença do mestre, é uma grande sacada desse filme.
Então é muito legal a proposta sugerir o Karate Kid, e eu acho ideal para essa moçada
dessa idade.”
4.3. As sugestões da professora para o CEF-SP
A professora investigada além de favorável ao CEF-SP, quando indagada sobre
possíveis sugestões para modificações e aperfeiçoamento em relação ao tema “Karate”,
esclarece-nos que está satisfeita com o material, porém a seqüência do kata ilustrada no
caderno do professor e do aluno é difícil de ser entendida, e para tanto sugere a presença
de um vídeo demonstrativo, uma vez que as fotos não conseguem mostrar o processo de
cada movimento do kata:
“Para mim, fica só complicado, seguir a seqüência – o kata – para a gente que
nunca fez karate, não é karateca, então aquela seqüência e toda aquela seqüência. Não
sei, talvez falte alguma coisa mais prática, um vídeo daquilo dali, direito, esquerdo,
sobre o braço aqui, sobre o braço ali. Aquilo lá deveria vir com vídeo, porque para
gente que não tem essa noção do karate, foi um sufoco aprender aquela sequencia ali, e
reproduzir isso para o aluno, é difícil.”
Entretanto, quando questionada se as atividades sugeridas do kata são um
conteúdo inadequado no CEF-SP, já que, abordou superficialmente o conteúdo, a
professora respondeu que é “indiferente“.
“Indiferente, pode deixar, pode tirar (as atividades sugeridas de kata), porque o
aluno muitas vezes não tem condição de tá criando, ele próprio reproduzir uma
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seqüência, então o que ele vai ver, a base, a demonstração, mas tem que ser mais
prática ainda.”
Mais especificamente, ao perguntar sobre o caderno do aluno sobre sugestões e
opiniões, a professora se posiciona favoravelmente, pois enfatiza que os exercícios são
bem formulados e sua atuação profissional ficou menos complexa, sem ter a
necessidade de buscar material extra:
“(...) Para mim tá legal (...) Eu acho bom, porque antes eu não tinha o caderno do
aluno, é o primeiro ano que vem o caderno do aluno, ano passado tive que adaptar
muito mais minha aula, é mais Xerox, mais transparência, como falei para você sobre
os movimentos (a professora imprimiu o kata presente no caderno do professor em
transparência). E esse ano tá tendo o caderno do aluno, eu pude deixar de lado a
transparência...porque tinha o próprio caderno do aluno para visualizar a seqüência
do kata, e os exercícios são bem elaborados.”
5. CONCLUSÃO
Conclui-se que o CEF-SP não assume a função de um currículo técnicoinstrumental, pois foi claro pelas atitudes da professora, o uso de adaptações e exclusões
a partir do que julgou adequado acerca do desenvolvimento do tema Karate. A isto,
percebe-se que a professora confrontou os conteúdos e atividades sugeridas no CEF-SP
com seus próprios valores e saberes.
De acordo com o estudo, para o ensino de lutas na escola, o professor não
precisa ter necessariamente uma vivência de lutas, porém conforme a observação, as
aulas podem correr risco de se presenciarem mais em sala de aula do que na quadra. No
caso, os alunos tiverem poucas vivências práticas do karate. Isso pode ser justificado
pelo conhecimento específico do conteúdo de Shulman (1986) da professora - o
domínio do professor sobre o conhecimento da matéria que será ensinada – de maneira
que, o professor sem vivência em lutas, apropria dos conteúdos do Karate através de
enunciados, de leituras proporcionadas pela literatura da área bem como do caderno do
professor, e tende a desenvolvê-las de maneira enunciada também. Tanto que, uma
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sugestão da professora acerca do CEF-SP, seria a elaboração e anexação de um vídeo
que mostrasse o kata que atualmente está presente em ilustrações.
Podemos concluir também que com intuito de deixar o conteúdo mais dinâmico
e suprindo as vivências práticas, a professora fez o uso do filme Karate Kid, isto
significa a utilização de uma analogia com intuito de proporcionar aos alunos maior
compreensão do universo do karate, conforme a categoria de conhecimento já
explicitada por Shulman (1986) - o conhecimento pedagógico do conteúdo - ao que se
refere a um conhecimento tácito do professor de criar estratégias para transformar um
conteúdo específico em aprendizagem aos alunos.
Por fim, reconhecemos os méritos da professora que, apesar da deficiência de
sua formação inicial e de não ter tido experiências próprias na prática do karate, não se
valeu dessas limitações como justificativa para não desenvolver o conteúdo. Ao
contrário, fez questão de desenvolvê-lo, pois entende que a inclusão de outros conteúdos
é um valor positivo do CEF-SP. E, para desenvolvê-lo, teve que criar e elaborar
alternativas didático-metodológicas que resultaram no cotejamento de seus saberes e
valores com o sugerido pelo CEF-SP, de modo a questioná-lo e reformulá-lo,
construindo seu próprio conhecimento pedagógico do conteúdo, categoria em que,
conforme Shulman, o professor é o principal protagonista.
Mas para tal é necessário, como aponta Shulman, um "conhecimento de base",
um repertório mínimo que possibilite ao professor, a partir dele, a construção de novos
conhecimentos, que lhe permita, enfim, exercitar sua autonomia. Parece não ser esse o
caso que estudamos, dado a precariedade da formação inicial da professora no conteúdo
"karate". Assim, uma vez limitado seu conhecimento específico do conteúdo (quase que
totalmente constituído pelas representações das mídias ou pelos textos escritos dos
"Cadernos" do CEF-SP), reduz-se as possibilidades de construção do conhecimento
pedagógico do conteúdo em relação ao ensino do karate.
Tal fato é mais um indicador da necessidade de haver programas de capacitação
permanente dos professores, em especial para implementar o currículo proposto na
disciplina Educação Física, com inúmeros temas/conteúdos que não fazem parte da
maioria dos cursos de licenciatura da área. Ao mesmo tempo, é claro, os cursos
superiores no Estado de São Paulo, ao menos, deveriam levar em conta essa ampliação
de conteúdos que se devem ensinar na escola, e que não é exclusiva do CEF-SP, está
presente em outras propostas, além de consagrada na literatura especializada.
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Desse modo, vale lembrar que os principais beneficiários foram os alunos, pois a
apropriação crítica dos elementos da cultura de movimento - no caso, de aspectos
relacionados a Lutas -, é fundamental para que os cidadãos tomem consciência das
diversas possibilidades de prática e usufruto das manifestações corporais, de acordo
com nossos desejos, expectativas e intencionalidades, rumo à realização plena das
possibilidades do Se-Movimentar humano.
REFERÊNCIAS
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Junqueira&Marin Editores
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O TEMA LUTAS NO CURRÍCULO DE EDUCAÇÃO FÍSICA