1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
E SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA
LUCIANA PAES BARRETO FERREIRA
UMA ANÁLISE DOS ATENDIMENTOS PRESTADOS ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
SEXUAL INFANTO-JUVENIL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DO DISTRITO DE
SAÚDE NORTE/AM
Manaus – AM
201 0
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
E SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA
LUCIANA PAES BARRETO FERREIRA
UMA ANÁLISE DOS ATENDIMENTOS PRESTADOS ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
SEXUAL INFANTO-JUVENIL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DO DISTRITO DE
SAÚDE NORTE/AM
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia
da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, como requisito
para obtenção do título de Mestre em Serviço Social, sob a
orientação da Profa. Dra. Heloísa Helena Corrêa da Silva.
Manaus – AM
2010
3
TERMO DE APROVAÇÃO
Dissertação de autoria de Luciana Paes Barreto Ferreira, intitulada: “Uma
Análise dos Atendimentos Prestados às Vítimas de Violência Sexual Infanto-Juvenil
nos Serviços Públicos do Distrito de Saúde Norte/AM”, requisito para obtenção do
título de Mestre do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e
Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas – UFAM,
defendida em 15/01/2010 com a banca examinadora constituída por:
_______________________________________________
Profa. Dra. Heloísa Helena Corrêa da Silva - Presidente
_______________________________________________
Profa. Dra. Amélia Regina Nogueira - Membro
_______________________________________________
Profa. Dra. Lucilene Ferreira de Melo - Membro
Manaus/AM
2010
4
DEDICATÓRIA
D
Graça
edico este trabalho aos meus pais
e
Fernando,
pela
educação,
formação, amor, carinho, estímulo e auxílio
em todos os momentos da minha vida.
Dedico-lhes essa conquista como gratidão.
Às minhas amadas sobrinhas, Aimée
e Gabriela, pelos momentos de alegria
proporcionados a toda família.
5
AGRADECIMENTOS
A
cima de tudo, agradeço a Deus pela dádiva da vida, por todas as graças
recebidas e, por nos momentos aflitivos proporcionar-me a sua paz e a serenidade
para enfrentar os obstáculos da vida e superar os desafios.
Aos meus pais, Graça e Fernando, pelo amor, apoio, força, estímulo e dedicação.
Aos meus irmãos, Fabíola e Ricardo, pela atenção, disponibilidade, carinho e pelas
contribuições sempre tão importantes.
Ao meu namorado, Jorge Júnior, por todo o amor, paciência e por todos os
momentos de grande felicidade proporcionados, além da compreensão e apoio para
a realização desse trabalho.
À Rita de Kássia Maklouf, que direta ou indiretamente, sempre auxiliou no que
fosse necessário, desde a minha infância.
Aos meus cunhados, Alberto e Adriana, pelo apoio e disponibilidade.
À minha orientadora, Profa. Dra. Heloísa Helena Corrêa da Silva, pela colaboração,
seriedade, paciência e confiança dispensada a mim em todas as atividades
acadêmicas. E também a todos os professores que contribuíram para a minha
formação profissional e acadêmica.
A todos os colegas de trabalho que aceitaram participar deste trabalho, pela
confiança e disponibilidade, minha eterna gratidão.
6
“É
melhor tentar e falhar,
que preocupar-se e ver a vida passar;
é melhor tentar, ainda que em vão,
que sentar-se fazendo nada até o final.
Eu prefiro na chuva caminhar,
que em dias tristes em casa me esconder.
Prefiro ser feliz, embora louco,
que em conformidade viver ..."
Martin Luther King
7
RESUMO
A violência sexual é um fenômeno universal que por sua elevada incidência e
prevalência, bem como pelos danos que determina, é considerado um complexo
problema de saúde pública. Não obstante, configura em importante desafio para os
profissionais de saúde, exigindo preparo e capacitação para o manejo clínico e
psicossocial das vítimas, principalmente nas ocorrências durante a infância e
adolescência. Além disso, em função de sua interface com questões policiais e
jurídicas, exige conhecimentos apropriados. Deste modo, este trabalho se propôs a
analisar os procedimentos adotados pelos profissionais dos serviços públicos de
saúde, do Distrito de Saúde Norte, nos atendimentos prestados às crianças e
adolescentes vítimas de violência sexual. Em sua dimensão didático-pedagógica
empregou a pesquisa explicativa de cunho quantiqualitativo. Foram elencados como
sujeitos da pesquisa 35 profissionais de 08 serviços públicos municipais de saúde do
Distrito de Saúde Norte (DISA Norte), que individualmente foram submetidos à
entrevista estruturada e semi-estruturada, as quais foram realizadas com o auxílio
de um formulário com perguntas fechadas e um roteiro de perguntas,
sucessivamente. Além desta técnica de pesquisa, a observação participante também
foi utilizada. A partir dos dados coletados identificaram-se limitações internas e
externas nos atendimentos prestados às vítimas da violência sexual, tais quais: em
termos de estrutura para o atendimento, as limitações internas mais relevantes
foram a precária formação específica dos profissionais das unidades de saúde
pesquisadas; a falta de divulgação da ficha de notificação de maus-tratos a crianças
e adolescentes; a inexistência destas fichas de notificação nas unidades de saúde, e
a pouca disponibilidade e sensibilidade dos profissionais. Em termos de processo de
atendimento,
os
principais
limites
identificados
foram
infra-estrutura
física
inadequada para desenvolver as atividades assistenciais às vítimas de violência
8
sexual, especialmente pela falta de privacidade; equipamentos básicos e materiais
permanentes que não satisfaçam às necessidades de atendimento imediato às
vítimas de violência sexual; a falta de divulgação um protocolo/fluxo de atendimento
que permita às equipes sistematizarem a avaliação e notificarem os casos; a pouca
integração entre os profissionais das unidades de saúde, da rede de proteção e
demais instituições; e a atuação deficiente dos Conselhos Tutelares. Ainda
especificamente em relação a esse tipo de abuso, a carência e o desconhecimento
dos serviços na rede para onde possam ser encaminhadas as vítimas e suas
famílias. Deste modo, conclui-se que os percentuais altamente significativos
apresentados neste trabalho indicam que uma das causas do alto índice de
subnotificação dos casos de violência sexual infanto-juvenil se deve, principalmente,
ao desconhecimento dos profissionais da saúde sobre os procedimentos técnicolegais para o trato da questão da violência sexual; ao fato de muitos dos
profissionais
preferirem
não
se
envolver
em
problemas
psicossociais;
o
desconhecimento da ficha de notificação; e, a inexistência das mesmas nas
unidades de saúde. Por tais considerações, verifica-se a necessidade da
sistematização de trabalhos de capacitação e sensibilização que alcancem
efetivamente a parcela de profissionais que desconhecem os procedimentos que
devem ser realizados com crianças e adolescentes vítimas da violência sexual e que
não notificam e argumentam o motivo com a informação de não saber como fazer.
Cada ator deste cenário, profissionais, gestores, sociedade civil tem um papel
fundamental na identificação, na notificação, no encaminhamento e assistência dos
casos de violência, mas um papel tão mais importante é o de articular ações
conjuntas através de uma rede de atenção que possa dar uma resposta mais efetiva
garantindo os direitos da criança e do adolescente e o comprometimento de todos
com as ações e os serviços mais avançados para a área.
Palavras-chave: Serviços Públicos de Saúde, Violência Sexual Infanto-Juvenil,
Práticas Profissionais.
9
RESUMEN
La violencia sexual es un fenómeno universal, que por su elevada incidencia y
prevalencia, así como la determinación del daño, es considerado un complejo
problema de salud pública. Sin embargo, establece un desafío importante para los
profesionales de la salud, que requiere preparación y capacitación para el manejo
clínico y el apoyo psicosocial a las víctimas, especialmente en los eventos durante la
infancia y la adolescencia. Por otra parte, debido a su interfaz con la policía y las
cuestiones jurídicas, exige conocimientos técnicos adecuados. Así, este estudio se
propone examinar los procedimientos utilizados por los profesionales de la salud
pública, del Distrito de Salud Norte, en la atención a los niños y adolescentes
víctimas de violencia sexual. En la dimensión didáctica y pedagógica fue utilizada la
pesquisa explicativa de matriz cuanticualitativo. Fueron clasificados como sujetos de
la investigación 35 profesionales de 08 servicios de salud pública municipal del
Distrito de Salud Norte (Norte DISA), que, individualmente, fueron sometido a
entrevista estructurada e semi-estructurada, que se realizaron con la ayuda de un
formulario con preguntas cerradas y un guión de preguntas, sucesivamente.
Además, también se utilizo la observación participante. De los datos recogidos
fureon identificadas limitaciones internas y externas sobre los servicios prestados a
las víctimas de violencia sexual, tales como: la estructura para el cuidado, las
limitaciones internas más relevantes fueron la formación profesional deficiente; la
falta de divulgación de la ficha de notificación de abusos a niños y adolescentes; la
inexistencia de las fichas en las unidades de salud y limitada disponibilidad y
sensibilidad de los profesionales. En términos del proceso de atención, las
principales limitaciones identificadas fueron la infraestructura física inadecuada para
desarrollar actividades de asistencia a las víctimas de violencia sexual,
10
especialmente la falta de privacidad; equipo básico y materiales permanentes que no
cumplen con las necesidades de asistencia inmediata a las víctimas de la violencia
sexual; la falta de divulgación de un protocolo o flujo de servicio que permite a los
equipos sistematizar la evaluación y notificar los casos; la escasa integración entre
las unidades de salud en el trabajo, redes de seguridad y otras instituciones; y el
pobre desempeño del Consejo de Protección del Niño . Aunque específicamente
para este tipo de abuso, la privación y la falta de servicios en la red donde pueden
ser enviados a las víctimas y sus familias. Así pues, parece muy significativo que los
porcentajes presentados en este trabajo indican que una de las causas de la
elevada tasa de subregistro de casos de violencia sexual contra niños y
adolescentes se debe principalmente a la ignorancia de los profesionales de la salud
sobre los procedimientos técnicos y legales para el acuerdo con el tema de la
violencia sexual; el hecho de que muchos profesionales prefieren no involucrarse en
problemas psicosociales; la falta de esta forma; y la ausencia de estas en las
unidades de salud. Por estas consideraciones, hay una necesidad de un trabajo
sistemático de formación y sensibilización que lleguen efectivamente a los
profesionales que no conocien los procedimientos que se realizan en niños y
adolescentes víctimas de violencia sexual y no notifican y discuten el motivo con la
información de no sabe que hacer. Cada agente en este escenario, profesionales,
gestores, la sociedad civil tiene un papel llave en la identificación, notificación,
remisión y la asistencia en casos de violencia, sino como una función más
importante es coordinar acciones conjuntas com uma red de atención que puede dar
una respuesta más eficaz de garantizar los derechos de los niños y adolescentes y
el compromiso de todas las acciones y los servicios más avanzados de la área.
Palabras-llave: Salud Pública, Violencia Sexual en Niños y Jóvenes, Prácticas
Profesionales.
11
SUMÁRIO
Termo de Aprovação ................................................................................................. 03
Resumo...................................................................................................................... 07
Resumen ................................................................................................................... 09
Sumário ..................................................................................................................... 11
Lista de Siglas ........................................................................................................... 13
Lista de Tabelas ........................................................................................................ 15
Lista de Figuras ......................................................................................................... 15
Lista de Gráficos ........................................................................................................ 16
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 18
1. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: Organização do Sistema Único de Saúde
no Brasil
1.1 Breve Contextualização da Atenção à Saúde................................................ 26
1.2 Perspectiva Histórica da Atenção à Saúde no Brasil ..................................... 29
1.2.1 A Saúde como um Direito e seus Embates na Atenção à Saúde de
Crianças e Adolescentes ................................................................................ 34
1.3 O Cenário da Rede de Serviços de Saúde na Cidade de Manaus/AM ......... 40
2. A VIOLÊNCIA E SEUS REFLEXOS NA ATENÇÃO A CRIANÇAS E
ADOLESCENTES
2.1 Reflexões em Torno do Fenômeno da Violência .......................................... 49
12
2.2 Violência Doméstica e as Memórias da Infância Brasileira .......................... 53
2.2.1 Formas de Manifestação da Violência Doméstica Contra Crianças e
Adolescentes .................................................................................................. 60
2.3 Um Olhar Sobre os Atendimentos Prestados nos Serviços de Saúde às
Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência Sexual .................................. 66
3. SAÚDE X VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO JUVENIL: ANÁLISE E DISCUSSÃO
DAS PRÁTICAS PROFISSIONAIS COTIDIANAS
3.1 As Práticas Profissionais em Saúde Frente aos Casos de Violência Sexual
Infanto-Juvenil ................................................................................................ 81
3.2 Aspectos Éticos e Legais para Atendimento às Vítimas de Violência
Sexual.............................................................................................................. 90
3.3 Organização da Atenção .............................................................................. 93
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 109
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 115
ANEXOS .................................................................................................................. 124
13
LISTA DE SIGLAS
ABRAPIA
Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à
Adolescência
ACS
Agente Comunitário de Saúde
AIS
Ações Integradas de Saúde
AS
Assistente Social
CAIC
Centro de Atenção Integral à Criança
CAPS
Caixas de Aposentaria e Pensão
CF
Constituição Federal
CLT
Consolidação das Leis Trabalhistas
CNRS
Comissão Nacional de Reforma Sanitária
CNS
Conselho Nacional de Saúde
CONASP
Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária
CRAMI
Conselho Regional de Registro aos Maus-Tratos na Infância
CREPS
Centro de Referência em Pneumologia Sanitária
DEPCA
Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente
DISA NORTE
Distrito de Saúde Norte
DST’S
Doenças Sexualmente Transmissíveis
E
Enfermeiro
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
FDTVAM
Fundação de Dermatologia e Venereologia
FMT-AM
Fundação de Medicina Tropical
IAPB
Instituto de Aposentadoria e Pensão para bancários
IAPC
Instituto de Aposentadoria e Pensão para os comerciários
IAPI
Instituto de Aposentadoria e Pensão para industriários
IAPM
Instituto de Aposentadoria e Pensão para marítimos e portuários
14
IAPS
IAPTEC
Institutos de Aposentaria e Pensões
Instituto de Aposentadoria e Pensão para trabalhadores em
transporte e cargas
ICAM
Instituto da Criança
INAMPS
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
IPASE
Instituto de Aposentadoria e Pensão para servidores públicos
M
Médico
MRSB
Movimento da Reforma Sanitária Brasileira
MS
Ministério da Saúde
OMS
Organização Mundial de Saúde
OPAS
Organização Pan-Americana de Saúde
PA
Pronto Atendimento
PSF
Programa de Saúde da Família
PSF
Programa de Saúde da Família
Psi
Psicólogo
SAMHPS
Sistema de Assistência Médico-hospitalar da Previdência Social
SEMSA
Secretaria Municipal de Saúde
SPA
Serviço de Pronto Atendimento
SSP/AM
Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas
SUCAM
Superintendência de Campanhas da Saúde Pública
SUDS
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS
Sistema Único de Saúde
TE
Técnico de Enfermagem
UBS
Unidade Básica de Saúde
UNICEF
Fundo das Nações Unidas para a Infância (United Nations
Children's Fund)
USF
Unidades de Saúde da Família
USP
Universidade de São Paulo
VD
Violência doméstica
15
LISTA DE TABELAS
TABELA I
Rede Assistencial do Distrito de Saúde Norte ........................... 43
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1
Trilhas de Comunicação de Violência Infanto-Juvenil ................. 69
FIGURA 2
Vista Geral da Unidade de Saúde da Família .............................. 96
FIGURA 3
Vista da Recepção da Unidade de Saúde da Família ................. 97
FIGURA 4
Única sala de Atendimento da Unidade de Saúde da Família...... 97
16
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1
Distribuição dos Participantes segundo a profissão .................... 46
GRÁFICO 2
Gênero dos Entrevistados ............................................................ 47
GRÁFICO 3
Distribuição dos Participantes segundo a Faixa Etária ................ 48
GRÁFICO 4
Conhece a Ficha de Notificação de Maus-tratos contra Crianças e
Adolescentes? .............................................................................. 72
GRÁFICO 5
Conhece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)? .......... 72
GRÁFICO 6
Você já leu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)? ...... 72
GRÁFICO 7
Já atendeu algum caso de Violência Sexual Infanto-Juvenil no
exercício de sua profissão? ......................................................... 73
GRÁFICO 8
Quais foram os procedimentos clínicos adotados? ..................... 74
GRÁFICO 9
Quais seriam os procedimentos clínicos adotados? .................... 74
GRÁFICO 10
Quais foram os procedimentos psicossociais adotados? ............ 75
GRÁFICO 11
Quais seriam os procedimentos psicossociais adotados? .......... 75
GRÁFICO 12
Você Notificou o caso a algum órgão? ........................................ 77
GRÁFICO 13
Notificaria o caso a algum órgão? .............................................. 77
GRÁFICO 14
Porque não notificou o caso? ....................................................... 79
GRÁFICO 15
Porque não notificaria o caso? .................................................... 79
GRÁFICO 16
GRÁFICO 17
Você se sente capacitado para atender e orientar crianças e
adolescentes vítimas de VS? ....................................................... 86
Você já Participou de Curso de capacitação para atendimento às
vítimas de VS infanto-juvenil? ...................................................... 87
Na sua formação acadêmica você teve acesso a discussões
GRÁFICO 18
relativas a responsabilidade de denúncia nos casos de VS infantojuvenil? ......................................................................................... 88
GRÁFICO 19
O código de ética da sua profissão lhe dá respaldo na denúncia de
17
violência contra crianças e adolescentes? ................................... 91
GRÁFICO 20
Você acha que este serviço de saúde dispõe de um ambiente
adequado para atendimento às vítimas de VS? .......................... 95
Esta unidade dispõe de equipamentos e materiais permanentes
GRÁFICO 21
que satisfaçam as necessidades de atendimento às vítimas de
VS? ............................................................................................ 101
GRÁFICO 22
GRÁFICO 23
GRÁFICO 24
GRÁFICO 25
Você considera que a equipe de profissionais deste serviço está
capacitada para atender vítimas de VS? ................................... 102
Qual a sua impressão sobre o atendimento prestado às crianças e
adolescentes vítimas de VS neste serviço de saúde? ............... 103
Pra você o serviço de referência e contra-referência na saúde tem
sido eficaz? ................................................................................ 105
Essa unidade de saúde possui Ficha de Notificação de Maus-tratos
contra crianças e adolescentes de fácil acesso? ....................... 106
18
INTRODUÇÃO
A violência é hoje no mundo uma grave questão a ser enfrentada pelos
distintos setores da sociedade, sobretudo o da saúde que constitui, segundo a
Organização Pan-Americana de Saúde1 (OPAS), a encruzilhada para onde
convergem todas as conseqüências da violência.
Dentre os vários tipos de violência esta pesquisa se restringiu no da violência
sexual cometida contra crianças e adolescentes que tem se estabelecido como uma
das realidades mais cruéis do Brasil. Este tipo de agravo foi selecionado por estar
atingindo uma parcela importante da população, constituindo-se um obstáculo para o
desenvolvimento psicossocial e econômico; por ser considerado um problema de
saúde pública de extrema necessidade que seja dado segmento a uma
responsabilização; ser um desafio à pesquisadora por se constituir uma demanda já
estabelecida e crescente que requer a articulação das dimensões conceituais com
as operacionais devido ao difícil diagnóstico ocasionado pela “síndrome do
segredo”2 que o envolve; e, à grande variedade de formas de apresentação, muitas
vezes, inaparente fisicamente, levando a dificuldades na condução dos casos, na
decisão de notificação e na abordagem com as famílias.
Estudos epidemiológicos sobre violência contra crianças e adolescentes
revelam não apenas a incidência, mas também fatores de risco e a necessidade de
tratamento, reabilitação e prevenção das ocorrências. Em pesquisa realizada pela
Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência –
ABRIPIA, no período de fevereiro de 1997 a janeiro de 2003, pode-se evidenciar o
1
Cf. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE (OPAS). Resolución XIX: Violencia e Salud,
1993.
2
Cf. FURNISS, Tilman. Abuso Sexual da Criança: uma abordagem multidisciplinar, 1993.
19
expressivo aumento dos casos de violência sexual e da demanda visivelmente
crescente de encaminhamentos às instituições de atendimento das vítimas onde:
foram denunciados em 1997, 915 casos de abuso e exploração sexual, já em 2002,
1793 casos, e, em 2003 (apenas o mês de janeiro) 603 casos. Outra pesquisa mais
recente, realizada pela Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao
Adolescente (DEPCA) do Estado do Amazonas, no período de 2005 a 2007,
também constata o significativo aumento dos casos de violência sexual infantojuvenil: 246 casos em 2005, 466 em 2006 e, 494 em 2007.
Com freqüência, os profissionais de saúde são os primeiros a serem
procurados e informados sobre episódios de violência. O motivo da busca de
atendimento é, muitas vezes, mascarado por outros problemas ou sintomas que não
se configuram, isoladamente, em elementos para um diagnóstico, entretanto, é a
partir desse instante que os profissionais devem ser capazes de investigar e intervir
no caso, confirmando/suspeitando, notificando a violação e assim ultrapassando as
“barreiras hospitalares”.
Com relação à notificação o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem
uma formulação clara sobre o papel da saúde e da educação, tratando-os como
esferas públicas privilegiadas de proteção que recebem incumbências específicas:
identificar, notificar a situação de maus-tratos e buscar formas/parceiros para
proteger a vítima e dar apoio à família.
E, tendo em vista os aspectos supracitados, este trabalho se propõe a
analisar os procedimentos adotados pelos profissionais dos serviços públicos de
saúde, do Distrito de Saúde Norte, nos atendimentos prestados às crianças e
adolescentes vítimas de violência sexual.
Tal análise se justifica pelo fato de a pesquisadora ter sido Conselheira
Tutelar da Zona Centro-Sul, e por ter vivenciado durante os três anos do seu
mandato o inexpressivo quantitativo de notificação dos casos de maus-tratos infantojuvenil, eram raras as notificações que chegavam aos Conselhos Tutelares dos
serviços de saúde, e mais especificamente as de violência sexual. Esta afirmação
pôde ser comprovada a partir de um levantamento realizado pela pesquisadora, em
quatro dos Conselhos Tutelares de Manaus (Zonas Norte, Centro-Sul, Leste e
Centro-Oeste/período: Abril de 2005 a Abril de 2006). E, dentre os dados
20
levantados, constatou-se apenas uma notificação na Zona Centro-Sul, e, outra na
Zona Centro-Oeste.
Assim surgiram-nos as seguintes indagações: como tem se dado a
dinâmica/fluxo de atendimento nos serviços públicos de saúde para atendimento às
vítimas de violência sexual infanto-juvenil? Os profissionais da saúde sabem da
obrigatoriedade da notificação destes casos? Os serviços de saúde possuem a
Ficha de Notificação de Maus-Tratos? Os profissionais conhecem esta Ficha? Os
serviços de saúde estão preparados para atendimento a essa demanda?
Acreditamos que tais indagações são relevantes, pois problematizam o atendimento
prestado pelos profissionais nos serviços públicos de saúde a crianças e
adolescentes vítimas da violência sexual e, também pelo fato de a violência sexual
não levantar apenas um problema simplesmente de relação familiar, biológica,
psicológica ou social, mas também de saúde pública, uma vez que as doenças
venéreas e a gravidez precoce envolvem esse fato.
O estudo e avaliação desses serviços e práticas são essenciais tanto para os
responsáveis da assistência quanto para usuários e financiadores, uma vez que são
apresentadas as práticas, dificuldades, expectativas, conhecimentos e percepções
dos atores (os profissionais da saúde) envolvidos nos atendimentos prestados em
oito (08) dos serviços públicos de saúde do Distrito de Saúde Norte (DISA Norte), da
cidade de Manaus/AM, às vítimas de violência sexual infanto-juvenil.
Deste modo, o desenvolvimento deste trabalho se deu a partir da concepção
dialética, a qual não existe oposição sujeito/objeto no conhecimento, e sim uma
relação recíproca, pelo processo histórico-social. Um depende do outro e ambos
dependem da realidade histórica. Segundo Minayo a concepção dialética,
“(...) se propõe a abarcar o sistema de relações que constrói o modo de
conhecimento exterior ao sujeito, mas também as representações que
traduzem o mundo dos significados (...). Ela busca encontrar, na parte, a
compreensão e a relação com o todo; e a interioridade e a exterioridade
como constitutivos dos fenômenos”3.
A partir desta perspectiva o homem é visto como sujeito de sua história, ser
social com espaço e tempo determinados, estabelecendo relações, mergulhado na
3
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em Saúde, p.
24-25, 1994.
21
realidade sócio-cultural a que pertence como ser ativo, integrado, crítico, fazendo e
modificando a história.
Em sua dimensão didático-pedagógica este trabalho empregou a pesquisa
explicativa4 de cunho quantiqualitativo, por se evidenciar que “a associação das
duas abordagens possibilita um aprofundamento cada vez maior das facetas do
objeto estudado”5, mostrando-se assim, os dois tipos de abordagem, rigorosamente
complementares e convergentes para um melhor conhecimento do problema que se
deseja esclarecer.
O levantamento teórico-metodológico por ser a parte que fundamenta
pesquisa, dando sustentação teórica, foi efetivado no decorrer de toda a pesquisa,
para que assim, a partir dos dados empíricos coletados, pudesse correlacioná-los
com a teoria. A fundamentação teórica foi importante, pois facilitou a definição de
contornos mais precisos da problemática estudada a partir dos levantamentos
bibliográficos, fichamentos de textos extraídos de jornais, livros, revistas e outros
documentos que estejam relacionados ao tema do presente trabalho. Assim, as
contribuições teóricas foram significativas para a condução metodológica da
pesquisa e para a análise dos dados.
Neste trabalho a técnica de pesquisa utilizada foi a entrevista, que para
Severino “é a técnica de coleta de informações sobre um determinado assunto,
diretamente solicitadas aos sujeitos pesquisados. Trata-se, portanto, de uma
interação entre pesquisador e pesquisado”6 A opção foi trabalhar com entrevistas,
segundo dois modelos diferenciados: entrevista estruturada e entrevista semiestruturada, as quais foram realizadas com 35 profissionais dos serviços de saúde
pesquisados.
A entrevista estruturada7, que é aquela em que o entrevistador segue um
roteiro previamente estabelecido e as perguntas feitas ao indivíduo são
4
Segundo Severino, a pesquisa explicativa “além de registrar e analisar os fenômenos estudados,
busca identificar suas causas, seja através da aplicação do método experimental/matemático, seja
através da interpretação possibilitada pelos métodos qualitativos” (2007, p. 123). Assim, além de
registrar, analisar e interpretar os fenômenos estudados, pretende-se identificar os fatores que
determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos, isto é, suas causas.
5
QUEIROZ, Maria Isaura. O pesquisador, o problema da pesquisa, a escolha de técnicas: algumas
reflexões, p. 21, 1992.
6
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico, p.124, 2007.
7
De acordo com Chizzotti (2003), entrevista estruturada é um tipo de comunicação entre um
pesquisador que pretende coletar informações sobre fenômenos e indivíduos que detenham essas
informações e possam emiti-las. Para Gil (2002), a entrevista estruturada é quando se desenvolve a
partir de uma relação fixa de perguntas. Esta técnica consiste em fazer uma série de perguntas a um
22
predeterminadas. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi o formulário8
composto por perguntas fechadas e preenchido através da entrevista individual9.
A entrevista semi-estruturada10 se configura como “um dos principais meios
que tem o investigador para realizar uma colheita de dados”11. Ela implica em
compor roteiros contendo tópicos elaborados de forma que possa ser aplicada a
todos os participantes. As questões seguem uma ordem flexível e a seqüência e
minuciosidade estarão interligadas ao discernimento e disponibilidade dos
participantes. O relevante é que a dinâmica da entrevista ocorra de forma natural.
Ela é caracterizada pela existência de um guia previamente que serve de eixo
orientador ao desenvolvimento da entrevista12.
Quando associadas, as entrevistas obtêm informações sobre comportamento,
atitudes, sentimentos e valores da pessoa entrevistada, o que permite ir além da
simples descrição do dado puro em si, incorporando novas interpretações dos
resultados adquiridos, os quais tornam a análise dos dados mais ampla e rica e, ao
mesmo tempo, possibilita a aproximação do pesquisador à complexidade e riqueza
dos dados inerentes a uma investigação dessa natureza.
As questões iniciais do formulário foram relacionadas à caracterização da
clientela alvo – sexo, idade, profissão e etc.; em seguida vieram as questões
pertinentes diretamente, ao objeto em análise. Quanto às questões fechadas a
pesquisadora as preencheu no formulário preestabelecido conforme foram sendo
respondidas e, quanto às questões abertas as mesmas foram captadas através de
informante, conforme roteiro preestabelecido, onde esse roteiro pode constituir-se de um
formulário/questionário que será aplicado da mesma forma a todos os informantes/sujeitos da
pesquisa, para que se obtenham respostas para as mesmas perguntas.
8
“Documento padronizado, estruturado segundo sua finalidade específica, possuindo características
e campos apropriados, destinado a receber, preservar e transmitir informações, cujos lançamentos
são necessários para definir a natureza ou cobrir um fluxo qualquer de trabalho, desde seu início até
sua conclusão” (CURY, 2006). De acordo com Appolinário (p. 100, 2004), o formulário é “instrumento
de pesquisa similar a um questionário, porém a ser preenchido pelo próprio pesquisador (e não pelo
sujeito de pesquisa)”.
9
VIDE ANEXO I.
10
“(...) parte de questionamentos básicos, fundamentado nas teorias e nas hipóteses que interessam
à pesquisa, oferecendo-lhe uma diversidade de interrogativas a partir das respostas dos
entrevistados (informantes), ou seja, no momento que o informante, seguindo espontaneamente a
sua linha de pensamento, responde os questionamentos feitos pelo investigador, esta resposta
poderá gerar uma série de novos questionamentos e a partir desse momento o informante passa a
participar da elaboração do conteúdo questionado pela pesquisa” (TRIVIÑOS, Augusto. Introdução à
pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação, p.146, 1987).
11
Id. Ibid., p.143, 1987.
12
VIDE ANEXO II
23
um gravador. Tais instrumentos, primeiramente, foram submetidos a um teste com
vistas a assegurar maior consistência e coerência nos dados a serem coletados.
Outra técnica de pesquisa utilizada foi a observação participante13, que
mediante notas e manutenção do diário de campo (field notes), a pesquisadora se
autodisciplinou a observar e anotar sistematicamente. Ela foi obtida por meio do
contato direto da pesquisadora com o fenômeno estudado, permitindo recolher as
ações dos atores em seu contexto natural, a partir de suas perspectivas e seus
pontos de vista. Sua presença constante contribuiu para gerar confiança na
população estudada.
Todas as entrevistas foram previamente agendadas (dia e turno). Não foi
possível agendar horário, pois os profissionais foram entrevistados durante a jornada
de trabalho. Assim, foi necessário aguardar o momento em que estivessem menos
sobrecarregados e disponíveis para conversar.
No momento de agendar a
entrevista, explicou-se a sua finalidade e que seu conteúdo seria acerca das
atividades diárias realizadas pelo entrevistado.
Com relação à análise dos dados quantitativos Chizzoti expõe que tem por
objetivo “propor uma explicação do conjunto de dados reunidos a partir de uma
conceitualização da realidade percebida ou observada”14, podendo-se utilizar, para
isso, dentre outras opções as análises estatísticas. Nesta pesquisa, utilizou-se o
sistema Epi-Info, versão 6.02, através de seu programa Analysis, para proceder à
análise estatística.
Já quanto à pesquisa qualitativa, que produz um volume imenso de
descrições detalhadas, que precisam ser organizadas e compreendidas, todo
cuidado necessário na fase de análise. Através de um processo continuado,
sistemático, complexo e não-linear, no qual se procura identificar dimensões,
categorias, tendências, padrões e relações, os dados vão sendo trabalhados e seus
significados desvendados15.
13
Segundo Minayo, “(...) a importância dessa técnica reside no fato de podermos captar uma
variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas, uma vez que,
observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo
na vida real” (MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em
Saúde, p. 59-60, 1994).
14
CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais, p. 69, 2003.
15
Cf. ALVES-MAZZOTI, Alda Judith & GEWANDSNAJDER, Fernando, O Método nas ciências
naturais e sociais – pesquisa quantitativa e qualitativa, 1998.
24
Dentre as técnicas de análise existentes, optou-se por utilizar a “Análise de
Conteúdo”16 dentro da Teoria da Representação Social, a qual Tobar e Yalour
definem que é onde “o pesquisador recolhe comportamentos verbais que servem de
indicadores que, agrupados, constituem unidades da vida social. À categorização
deste material denomina-se Análise de Conteúdo”17. Atendendo à Resolução
196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, que trata das “Diretrizes e Normas
Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos”, este projeto foi
submetido, inicialmente, ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade
Federal do Amazonas (UFAM)18 e a partir da avaliação e aprovação, foi
desenvolvido.
Todos os participantes da pesquisa foram submetidos ao Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido19 e tiveram garantido sua participação
espontânea e o anonimato. Com o intuito de preservar a identidade dos
participantes, os profissionais foram identificados como: Assistente Social (AS),
Médico (M), Enfermeiro (E); Técnico de Enfermagem (TE); Psicólogo (Psi); Agente
Comunitário de Saúde (ACS).
E, tendo os procedimentos teórico-metodológicos apresentados, expõe-se,
neste momento, que este trabalho está estruturado em três capítulos: no primeiro,
intitulado “Políticas Públicas de Saúde no Brasil: Organização do Sistema Único de
Saúde (SUS)”, apresenta-se a trajetória da Política de Saúde no Brasil, a
consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e sua descentralização, assim
como a contextualização da rede de serviços de saúde na Cidade de Manaus/AM, e
mais especificamente, no Distrito de Saúde Norte (DISA Norte).
No segundo capítulo, faz-se uma reflexão em torno do fenômeno da violência.
Em primeiro momento, expõe-se acerca dos termos “violência” e “violência
doméstica” e trata-se das memórias desta violência doméstica na infância brasileira.
Posteriormente, envereda-se para as formas de manifestação da violência
doméstica e faz-se uma análise dos atendimentos prestados às crianças e
16
“(...) procura reduzir o volume amplo de informações contidas em uma comunicação a algumas
características particulares ou categorias conceituais que permitam passar dos elementos descritivos
à interpretação ou investigar a compreensão dos atores sociais no contexto cultural em que
produzem a informação ou, enfim, verificar a influência desse contexto no estilo, na forma e no
conteúdo da comunicação” (CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais, p. 99,
2003 ).
17
TOBAR, Federico & YALOUR, Margot. Como fazer teses em saúde pública: conselhos e idéias
para formular projetos e redigir teses informes de pesquisas, p. 105, 2001.
18
VIDE ANEXO III.
19
VIDE ANEXO IV.
25
adolescentes vítimas da violência sexual nos serviços públicos de saúde do DISA
Norte, enfocando tal abordagem mais para o fluxo de atendimento e a notificação
dos casos no setor Saúde.
E, com objetivo de compreender como tem se efetivado o atendimento a essas
às vítimas da violência sexual infanto-juvenil hoje, nos serviços públicos de saúde do
Distrito de Saúde Norte, de Manaus/AM, no terceiro capítulo, faz-se um
entrelaçamento dos distintos dispositivos legais apresentados nos capítulos
anteriores, as práticas profissionais em saúde e a estrutura de atendimento das
Unidades de Saúde, tentando-se oferecer fundamentos para a reflexão sobre o agir
dos profissionais das distintas Instituições de saúde do Distrito de Saúde Norte.
Tendo-se em vista, que não há pesquisa linear, ou seja, toda pesquisa é
dinâmica e feita de idas e vindas, os dados coletados na pesquisa de campo foram
inseridos nos distintos capítulos trabalhando-se sincrônica e diacronicamente, a fim
de buscar nos processos a realidade20.
Neste sentido, este estudo, além de discutir o problema da violência sexual
contra crianças e adolescente (que dentre as formas de expressão da violência são
as mais freqüentes e mais passíveis de prevenção pelo setor Saúde), expõe a atual
situação das unidades de saúde do Distrito de Saúde Norte, mais especificamente,
no trato às vítimas da violência sexual infanto-juvenil. Assim, expõe-se que acreditar
na criança e no adolescente, ter como objeto a proteção destas pessoas, promover
intervenções positivas tendo como alvo a família, não distorcer o processo de
atendimento, acreditando poder resolver o problema, e atuar cooperativamente em
equipe somente poderá colaborar no processo de melhoria da qualidade do
atendimento nos serviços públicos de saúde.
20
Cf. NETTO, José Paulo. Relendo a Teoria Marxista da História, s.d.
26
I CAPÍTULO
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: Organização do Sistema Único de Saúde no
Brasil
1.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA ATENÇÃO
A compreensão da realidade demanda uma análise preliminar das condições
históricas, em cuja processualidade se estabeleceram as bases de determinadas
condições e relações constatadas no presente. Deste modo, é fundamental para a
discussão das categorias “violência” e “prática profissionais” em saúde, uma
apreensão das atuais políticas sociais de saúde e conhecer preliminarmente as
bases históricas de sua origem e fundamentos legais.
Os direitos dizem respeito às necessidades elementares de todo ser humano,
tais como direito à alimentação, habitação, saúde, educação, expressando em
síntese o direito à subsistência em condições adequadas propiciada por um trabalho
e um salário compatíveis21.
As políticas sociais são ações do Estado voltadas para tornar efetivos esses
direitos sociais, estabelecendo as condições que viabilizam a sua existência
concreta na vida individual e coletiva, como tal um sistema de previdência social,
programas de saúde ou fixação do salário mínimo dos trabalhadores. Segundo
Potyara22 (1998), as políticas sociais23 têm sua origem associada à questão social,
21
Cf. COVRE, Maria de Lourdes. O que é cidadania. 1998.
Cf. PEREIRA, Potyara Amazoneida Pereira. A Questão do bem-estar do menor no contexto da
Política Social brasileira, 1988.
22
27
aos direitos políticos e às primeiras conquistas no campo dos direitos sociais,
surgida na Europa no século XIX, no rastro das transformações produzidas pelo
processo de industrialização. Advém, principalmente, de dois principais movimentos
antagônicos: o da economia de mercado e o de reação aos efeitos destrutivos desta
economia de mercado.
No contexto neoliberal, as políticas sociais constituem-se numa válvula de
“segurança” para questões sociais potenciais ou como eficiente instrumento de
controle das dificuldades econômicas e sociais que regularmente irrompem na
sociedade. São políticas compensatórias voltadas para o atendimento dos novos
problemas que são subprodutos do crescimento industrial em uma economia
privada. O quadro social resultante do ajuste neoliberal desencadeia um aumento na
demanda por benefícios e serviços sociais. Nesse quadro, a proposta é a de cortar
ainda mais os gastos públicos, agravando a já iníqua situação de alocação de
recursos para as políticas sociais.
Segundo Yasbeck, as políticas sociais empreendidas pelo Estado Brasileiro
estão inseridas na teia de relações sociais mais amplas que corporificam o
capitalismo no país. São políticas de caráter “duvidoso”, pois visam acomodar
apenas recursos e serviços sociais, fato que vem caracterizando os investimentos
sociais do Estado. São políticas casuísticas, inoperantes, fragmentadas, sem regras
estáveis ou reconhecimento de direitos24.
Dentre as políticas sociais incluem-se as políticas de saúde, orientadas para a
garantia de um direito social: a saúde, que para a Organização Mundial de Saúde
(OMS) compreende em “um completo bem estar físico, mental e social, não apenas
a ausência de afecção ou doença”25. Este conceito criticado por Rezende como
estático e subjetivo, não contempla a dinâmica conflituosa existente entre o homem
e o meio, logo saúde seria,
23
As políticas sociais são ações do Estado voltadas para tornar efetivos os direitos sociais,
estabelecendo as condições que viabilizam a sua existência concreta na vida individual e coletiva.
Segundo Faleiros, as políticas sociais são constituídas de programas de saúde, educação, habitação,
de assistência – à criança, à mulher, ao estudante, ao idoso, aos indígenas, doentes, entre outros.
Inserem-se como objeto de suas ações, programas localizados a nível estadual e municipal,
realizados pelos governos das respectivas esferas de governo; também fazem partes dessas
políticas, atividades desenvolvidas por entidades privadas que recebem recursos governamentais
(FALEIROS, Vicente de Paula. O Que é Política Social, 2000).
24
Cf. YASBECK, Maria Carmelita. Assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma
questão de análise, 1998.
25
REZENDE, A. L. M. Saúde: Dialética do Pensar e do Fazer, p. 85, 1986.
28
“uma postura humana ativa e dialética frente às permanentes situações
conflituosas geradas pelos antagonismos entre o homem e o meio”26.
Já as políticas públicas consistem na implantação, gestão e avaliação das
políticas sociais e podem ser consideradas como uma forma de gestão estatal da
força de trabalho e, nessa gestão não só conforma o trabalhador às exigências da
reprodução, valorização e expansão do capital, como também é o espaço de
articulação das pressões dos movimentos sociais pela ampliação do atendimento
dos seus direitos sociais. Ela é um direito do cidadão, viabilizado pelo Estado.
Por serem direitos básicos de todo cidadão, os direitos sociais passaram a ser
inseridos nas Constituições Federais e leis fundamentais dos países. Foi a
Constituição de Weimar (Alemanha, 1919), que pela primeira vez,
“(...) estabeleceu princípios constitucionais voltados à questão econômica e
social, os quais mais tarde serviram de modelo a outras Constituições em
todo o mundo. Nos sistemas chamados sociais-liberais, a propriedade e o
exercício das atividades econômicas estão condicionadas ao bem-estar
coletivo. O bem-estar coletivo ou social é o bem-comum, o bem do povo em
geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades
comunitárias. Nele se incluem as exigências materiais e espirituais dos
indivíduos coletivamente considerados; são as necessidades vitais da
comunidade, dos grupos, das classes que compõem a sociedade. O bemestar social é o objetivo da justiça social a que se refere nossa Constituição
no seu artigo 170, e só pode ser alcançado através do desenvolvimento
nacional”27.
No Brasil, a garantia legal dos direitos sociais pelo Estado ocorreu a partir dos
anos 30. Nesse momento, a situação econômica e política do país determinou o
surgimento de políticas sistemáticas voltadas para a solução das questões sociais28,
como por exemplo, salários, saúde e habitação, conforme será apresentado no
tópico a seguir.
26
Id. Ibid. p. 87, 1986.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, p.39, 1995.
28
Cf. BRAVO, Maria Inês Souza. As políticas de seguridade social. In: Capacitação em Serviço
Social. s.d.
27
29
1.2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA ATENÇÃO À SAÚDE NO BRASIL
A atenção à saúde no Brasil praticamente inexistiu nos tempos de colônia
(1500-1822). A partir dos referenciais pesquisados, constatou-se que os indígenas,
com suas ervas e cantos, e os boticários29, que viajavam pelo Brasil Colônia, eram
as únicas formas de assistência à saúde. Aprofundando-se nos acontecimento
históricos, encontram-se alguns registros do desenvolvimento de atividades de
saúde no Brasil desde 1808, com a vinda de D. João VI quando se começou a
organização da Saúde Pública, com a concepção do cargo Provedor-Mor de Saúde
da Corte do Estado do Brasil e a criação das Faculdades de Medicina da Bahia e
Rio de Janeiro. Com a proclamação da República, em 1889, foi estabelecida a
autonomia dos Estados e Municípios e a Constituição de 1891 transferiu as
responsabilidades sanitárias para os Municípios30.
Conforme pesquisa literária foi no primeiro governo de Rodrigues Alves
(1902-1906) que houve a primeira medida sanitarista no país. No Rio de Janeiro, por
exemplo, não existia saneamento básico, e então várias doenças graves como
varíola, malária, febre amarela e até a peste disseminavam-se. Com isso, o
presidente nomeou o médico sanitarista Oswaldo Cruz, sendo apelidado como
“Saneador do Brasil”, que em uma ação policialesca, convocou a população para
ações que invadiam as casas, queimavam roupas e colchões. Em virtude da
inexistência de algum tipo de ação educativa, a população se revoltou e ficou
indignada. O auge do conflito foi a instituição da vacinação anti-varíola, que fez com
que a população fosse às ruas e iniciasse a Revolta da Vacina. Oswaldo Cruz
acabou afastado. Apesar do fim conflituoso, o sanitarista conseguiu solucionar parte
29
Antigamente os farmacêuticos eram designados por boticários, ou seja, aqueles que trabalhavam
em boticas. Sabe-se da existência de boticários em Portugal desde o século XII. Inicialmente, todo
medicamento vinha de Portugal já preparado. Todavia, as ações piratas do século XVI e a navegação
dificultosa impediam a constância dos navios e era necessário fazer grande programação de uso,
como ocorria em São Vicente e São Paulo. Devido a estes fatos, os jesuítas foram os primeiros
boticários do Brasil, onde seus colégios abrigavam boticas. Nestas, era possível encontrar remédios
do reino e plantas medicinais. Em 1640 foi legalizado as boticas como ramo comercial. Os boticários
eram aprovados em Coimbra pelo físico-mor, ou seu delegado, na então capital Salvador. Tais
boticários, devido a facilidade de aprovação, eram pessoas de nível intelectual baixo, por vezes
analfabetos, possuindo pouco conhecimento sobre os medicamentos. Em 1825, ocorre a
consolidação e criação da Faculdade de Farmácia da Universidade do Rio de Janeiro. Somente em
1886 é que o boticário deixa de existir e a figura do farmacêutico ganha força (Cf. GUÉDON, Philippe,
Breve História da Farmácia Brasileira , 1965).
30
Cf. SANTOS FILHO, Lycurgo de Castro. História geral da medicina brasileira. 1991.
30
dos problemas e adquirir informações que ajudaram seu sucessor, Carlos Chagas, a
estruturar uma campanha rotineira de ação e educação sanitária31.
Entretanto, apesar das medidas supracitadas, as ações diretas dos governos
nas atividades da saúde coletiva não ultrapassaram os limites das soluções
imediatistas a problemas agudos que pudessem comprometer o processo de
acumulação cafeeira, ou respondendo a quadros calamitosos epidêmicos que
ameaçavam a população em geral. Assim, a Saúde Pública crescia como uma
expressão da questão social, fruto do capitalismo no Brasil, ganhando contornos
novos e mais nítidos na década de 1920, em momentos de crise da sociedade – do
padrão exportador capitalista e do Estado, nos marcos da crise política da Velha
República.
Medidas de Saúde Pública tentam estender seus serviços pelo País, quando
a atenção à saúde alcança nova dimensão ao nível do discurso do poder, mas
enquanto questão social é encarada como “caso de polícia”.
Pouco foi feito em relação à saúde depois desse período, apenas
com a chegada dos imigrantes europeus e a formação da primeira massa
de operários do Brasil, começou-se então a discutir, obviamente com fortes
formas de pressão como greves e manifestações, um modelo de assistência
médica para a população pobre. E assim, em 1923 surge a Lei Elói Chaves,
que cria as Caixas de Aposentaria e Pensão (CAPS), e eram organizadas
pelas empresas e proporcionavam aos assistidos medicamentos,
assistência médica, aposentadorias e pensões32.
Deste modo, vê-se que a assistência à saúde ofertada pelo Estado até a
década de 1930 estava limitada às ações de saneamento e combate às endemias.
Apenas a partir da Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas assume o poder, um
novo modelo de atenção à saúde começa a ser fincado no Brasil, e como um reflexo
desta mudança é criado o Ministério da Educação e Saúde, e as Caixas de
Aposentadoria e Pensão (CAPS) passam a ser substituídas pelos Institutos de
Aposentaria e Pensões (IAPs), que, por causa do modelo sindicalista de Vargas,
passaram a ser dirigidos por entidades sindicais e não mais por empresas, como as
31
Id. Ibid., 1991.
OLIVEIRA, Jaime A. de Araújo & TEIXEIRA, Sônia M. F. Teixeira. (Im)previdência social: 60 anos
de história da Previdência no Brasil. p. 360, 1985.
32
31
antigas caixas, entretanto, com atribuições muito semelhantes às das CAPS,
provendo assistência médico. Tais institutos foram os Institutos de Aposentadoria e
Pensão para Trabalhadores em Transporte e Cargas (IAPTEC), para os
Comerciários (IAPC), Industriários (IAPI), Bancários (IAPB), Marítimos e Portuários
(IAPM) e Servidores Públicos (IPASE)33.
Assim sendo, enquanto política pública, a saúde passa a ser assumida pelo
Estado no Brasil a partir dos anos 30 do século XX, quando o mesmo passa a
responder com políticas sociais às reivindicações dos trabalhadores. Portanto, o
Estado passa a intervir nos problemas sociais como caso de política substituindo ao
de polícia.
Dos anos 40 a 1964, início da ditadura militar no Brasil, uma das discussões
sobre saúde pública brasileira se baseou na unificação dos Institutos de Aposentaria
e Pensões (IAPs) como forma de tornar o sistema mais abrangente. E, em 1960, a
Lei Orgânica da Previdência Social, unificou os IAPs em um regime único para todos
os trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), excluindo
trabalhadores rurais, empregados domésticos e funcionários públicos. Foi a primeira
vez que, além da contribuição dos trabalhadores e das empresas, se definiu
efetivamente uma contribuição do Erário Público. Entretanto, a efetivação dessas
propostas só aconteceu em 1967, pelos militares com a unificação de IAPs e a
conseqüente criação do Instituto Nacional de Previdência social (INPS). Surgiu
então, uma demanda muito maior que a oferta34.
E, para solucionar esta variável, a medida encontrada pelo governo foi incluir
a rede privada nos serviços prestados à população. Mais complexa, a estrutura foi
se modificando e acabou por criar o Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS) em 1978, que auxiliou no trabalho de intermediação
dos repasses para iniciativa privada. E, em virtude do modelo criado pelo regime
militar ser pautado pelo pensamento da medicina curativa, poucas medidas de
prevenção e sanitaristas foram tomadas. A mais importante foi a criação da
Superintendência de Campanhas da Saúde Pública (SUCAM)35.
33
Cf. OLIVEIRA, Angelo Giuseppe da Costa & SOUZA, Elizabethe Fagundes de. A Saúde no Brasil:
trajetórias de uma política assistencial, 1998.
34
Cf. OLIVEIRA, Jaime A. de Araújo & TEIXEIRA, Sônia M. F. Teixeira. (Im)previdência social: 60
anos de história da Previdência no Brasil, 1985.
35
Id. Ibid, 1985.
32
Além dos aspectos supracitados, a literatura consultada indicou que durante a
transição democrática, finalmente a saúde pública passa a ter uma fiscalização da
sociedade. Ainda sob a égide dos militares, em 1982 surge o “Plano de
Reorientação da Assistência à Saúde no âmbito da Previdência Social”, elaborado
pelo Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP),
conhecido como Plano do CONASP, que foi criado para racionalizar as ações de
saúde. O modelo curativo dominante começa a ser abalado. Este plano atuou sobre
a racionalização das contas com os gastos hospitalares dos serviços contratados
com o Sistema de Assistência Médico-hospitalar da Previdência Social (SAMHPS),
pondo fim à modalidade em uso, denominada pagamento por unidade de serviço.
Além disso, o Plano refere-se também ao aproveitamento da capacidade instalada
de serviços ambulatoriais públicos36.
Como conseqüência do Plano do CONASP, visando conseguir uma maior e
melhor utilização da rede pública de serviços básicos, em 1982, foram firmados
convênios trilaterais envolvendo os Ministérios da Previdência Social, Saúde e
Secretarias de Estado de Saúde, os quais posteriormente foram substituídos pelas
Ações Integradas de Saúde (AIS), com o objetivo da universalização da
acessibilidade da população aos serviços de saúde. Esta proposta abriu a
possibilidade de participação dos estados e, principalmente, municípios na política
nacional de saúde. A implementação das AIS, segundo Cohn e Elias37, representou
o passo inicial para o processo de descentralização na saúde.
Assim, os repasses de encargos e dos recursos foram vinculados a
compromissos assumidos perante a União. Esta desconcentração foi caracterizada
pela transferência de “recursos carimbados” aos municípios, eventualmente, até
contrários às prioridades locais. Entretanto as AIS, com a idéia de gestão colegiada,
e na seqüência o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) de 1987,
começaram a pôr em prática os ideais da Reforma Sanitária38.
O
Movimento
Sanitário,
organizado
pelos
setores
progressistas
de
profissionais de saúde, teve destaque nos anos 80, por ampliar a discussão sobre
saúde coletiva e democracia. Tal movimento lutou pela,
36
Cf. GONÇALVES, Ernesto Lima (organizador). Administração de Saúde no Brasil, 1982.
Cf. COHN, Amélia e ELIAS, Paulo. Saúde no Brasil: políticas e organização dos serviços, 1996.
38
Id. Ibid., 1996.
37
33
“(...) universalização do acesso, a concepção de saúde como direito social e
dever do Estado; a reestruturação do Sistema Unificado de Saúde, visando
um profundo reordenamento setorial com um novo olhar sobre a saúde
individual e coletiva; a descentralização do processo decisório para as
esferas estadual e coletiva; o financiamento efetivo e a democratização
local (...)”39.
Ao lado desse quadro político-institucional, crescia, a partir de 1985, um
amplo movimento político setorial que teve como pontos culminantes, a realização
da VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), os trabalhos técnicos desenvolvidos
pela Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CNRS), criada pelo Ministério da
Saúde, em atendimento a proposta da VIII CNS, e o projeto legislativo de elaboração
da Carta Constitucional de 198840.
As discussões da VIII Conferência Nacional da Saúde, realizada em 1986,
resultaram na formalização das propostas do Movimento da Reforma Sanitária
Brasileira (MRSB), ensejando mudanças baseadas no direito universal à saúde,
acesso igualitário, descentralização acelerada e ampla participação da sociedade. A
Conferência já apontava para a municipalização como forma de executar a
descentralização. As bases do sistema atual, o Sistema Único de Saúde (SUS),
foram dadas por esta conferência que envolveu mais de 5.000 participantes e
produziu um relatório que subsidiou decisivamente a Constituição Federal de 1988
nos assuntos de Saúde41.
O reconhecimento da saúde como direito inerente à cidadania, o conseqüente
dever do Estado na promoção desse direito, a instituição de um Sistema Único de
Saúde, tendo como princípios a universalidade e integridade da atenção, a
descentralização, com comando único em cada esfera do governo, como forma de
organização e a participação popular como instrumento de controle social, foram
teses defendidas na VIII CNS que se incorporaram ao novo texto constitucional.
39
Capacitação em Serviço Social, p. 109, 2000.
Id. Ibid., 2000.
41
Cf. BRASIL, Anais da 8ª Conferência Nacional de Saúde, 1986.
40
34
1.2.1 A SAUDE COMO UM DIREITO E SEUS EMBATES NA ATENÇÃO À
SAÚDE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O conceito de seguridade social42 constitui uma das mais importantes
inovações incorporadas à Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de
1988. O novo conceito impôs uma transformação radical no sistema de saúde
brasileiro. Primeiro, reconhecendo a saúde como direito social, segundo definindo
um novo paradigma para ação do Estado na área. Esse novo marco referencial está
expresso em dois dispositivos legais,
“Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação”43.
“Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado
de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção
única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade
para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III participação da comunidade”44.
Ao detalhar os princípios e diretrizes sob os quais o sistema de saúde passou
a ser organizado e as competências e atribuições das três esferas de governo, a
regulamentação, ocorrida através das Leis n°. 8080 de 19/09/199045 e n°. 8142 de
28/12/199046, buscou delinear o modelo de atenção e demarcar as linhas gerais para
a redistribuição de funções entre os entes federados.
42
Art. 14 - Conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinados
a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (BRASIL, Constituição
Federal, 1988).
43
BRASIL. Constituição Federal, 1988.
44
Id. Ibid., 1988.
45
Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
46
Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre
as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras
providências.
35
Assim, o Sistema Único de Saúde (SUS) fica definido como constituído pelo,
“Art. 4° - O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas, federais, estaduais e municipais, da administração
direta e indireta e das fundações mantidas pelo poder público”47.
Já, os contornos do novo modelo de atenção ficam configurados nos
princípios
constitucionais
da
universalidade,
equidade
e
integralidade
da
48
assistência . Tais elementos de natureza doutrinária apontam a construção de um
sistema de saúde que reverte à lógica de provisão de ações e serviços, reorientando
a tendência hegemônica da assistência médico-hospitalar, predominante no modelo
anterior, e substituindo-a por um modelo de atenção orientado para a vigilância à
saúde. A Lei ainda garantiu a gratuidade da atenção de modo a impedir que o
acesso fosse dificultado por uma barreira econômica além das já existentes, como a
distância dos serviços, o tempo de espera, o horário de funcionamento, a
expectativa negativa quanto ao acolhimento, além de fatores educacionais e
culturais49.
Uma análise geral da Lei n°. 8080/1990, é suficiente para detectar as suas
principais tendências: realce das competências do Ministério da Saúde, restringindolhe a prestação direta dos serviços apenas em caráter supletivo; ênfase da
descentralização das ações e serviços para os municípios; e valorização da
cooperação técnica entre Ministério da Saúde, estados e municípios, onde estes
ainda eram vistos, preponderantemente como receptores de tecnologia.
O Ministério da Saúde é o grande responsável pela estratégia nacional do SUS,
seu planejamento, controle, avaliação e auditoria, bem como pela promoção da sua
descentralização. A ele também cabe a definição e a coordenação dos serviços
assistenciais de alta complexidade, redes nacionais de laboratórios, de sangue e
hemoderivados em nível nacional. Uma terceira missão exclusiva do poder central é
a regulação do setor privado, mediante a elaboração de normas, critérios e valores
47
BRASIL, Lei n°. 8080, art. 4°, caput, 1990.
Id. Ibid., Art. 7°, 1990.
49
Id. Ibid., Art. 43, 1990.
48
36
para remuneração dos serviços, bem como de parâmetros de cobertura
assistencial50.
A Secretaria de Estado está encarregada de coordenar a regulação da
assistência em alta complexidade de planejar, programar e organizar uma rede
regionalizada e hierarquizada de serviços, cujo funcionamento deve acompanhar,
controlar e avaliar. Portanto, ao Estado também cabe coordenar os serviços
assistenciais de alta complexidade, laboratórios de saúde pública e hemocentros
sob a sua responsabilidade51.
À Secretaria Municipal, além, naturalmente, da gestão e execução das ações
e serviços públicos de saúde, são confiados o seu planejamento, organização,
controle e avaliação, inclusive a gestão dos laboratórios públicos de saúde e dos
hemocentros. O poder municipal também é exercido na celebração de contratos e
convênios, controle, avaliação e fiscalização das atividades de iniciativa privada. A
inclusão da participação da comunidade como umas diretrizes para a organização
do sistema público de saúde foi umas mais importantes inovações introduzidas pela
assembléia Nacional Constituinte em 1988 (CF, Art. 198, III), propiciando a criação
de diversos mecanismos de articulação entre esferas de governo e de participação e
controle social sobre as políticas públicas52.
Em suma, inegavelmente a maior conquista do SUS foi quanto ao direito legal
de acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde em todos os níveis de
complexidade. Entretanto, muitos aspectos desse acesso estão por se concretizar e
incidem, de forma muito especial, em questões relacionadas à exclusão em saúde,
por conseguinte pode-se expor que se está ainda distante do que a Organização
Pan-Americana de Saúde conceitua como proteção social em saúde,
“(...) la protección social en salud puede definirse como la garantía que los
poderes públicos otorgan para que un individuo o grupo de individuos pueda
satisfacer sus demandas de salud, obteniendo acceso a los servicios en
forma oportuna y de una manera adecuada. Es importante notar que la
definición no solo se refiere a garantizar acceso, sino también calidad y
oportunidad de la atención”53.
50
Cf. BRASIL. Sistema de Planejamento do SUS: uma construção coletiva: organização e
funcionamento, 2009.
51
Id. Ibid., 2009.
52
Id. Ibid, 2009.
53
Cf. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE (OPAS). La salud y el desarrollo humano,
1998.
37
O atual cenário nacional, com a minimização das funções do Estado, a
redução do financiamento para as áreas sociais, o forte apelo e poder da área
econômica em detrimento às áreas sociais, a dependência não só econômica, mas
também política de agências internacionais, o processo de privatizações com fortes
repercussões na área social (marcas registradas de um Estado com ajustes
neoliberais), não fornece um quadro animador no que se refere às ações no campo
social, especialmente no setor saúde.
Com relação à atenção à saúde de crianças e adolescentes54, Orlandi
percebe que recentemente existem duas tendências que a caracterizam: por um
lado, o Estado afirma sua importância, e por outro, revela a impossibilidade de
efetivá-las em face das dificuldade financeiras em que se encontra. Assim, o
atendimento prestado não é tido como um direito garantido de forma satisfatória,
uma vez que o Estado limita recursos financeiros, e sim como um “favor”55.
Dispondo-se dos aparelhos legais para efetivar os direitos à saúde de
crianças e adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelece
que,
“Art. 7° - A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o
nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas
de existência”56.
“Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão
condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães
submetidas a medida privativa de liberdade”57.
“Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do
adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o
acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção
e recuperação da saúde”58
54
Art. 2º - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade (BRASIL. Estatuto da Criança
e do Adolescente, 1990).
55
ORLANDI, Orlando. Teoria e prática do amor à criança: introdução à pediatria social no Brasil, p.
84, 1985.
56
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990.
57
Id. Ibid., 1990.
58
Id. Ibid., 1990.
38
“Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência
médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que
ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação
sanitária para pais, educadores e alunos”59.
Apesar de toda essa fundamentação jurídica, constatam-se disparidades
entre os propósitos da lei e a realidade cotidiana em vários aspectos, tais quais:
O Estado Brasileiro em seu discurso afirma o crescimento dos investimentos
públicos na área da saúde e identifica melhorias significativas trazidas pelas
novas estratégias das políticas sociais. Como exemplo, pode-se citar os
dados do relatório “Situação Mundial da Infância 2008 – Sobrevivência Infantil
(UNICEF)60” que afirma que o Brasil reduziu a mortalidade infantil em 46,9%.
A taxa de óbitos entre menores de um ano de idade diminuiu de 46,9 por mil
nascidos vivos em 1990 para 24,9 por mil nascidos vivos em 2006. Segundo
o estudo, o Nordeste apresentou a maior queda (48%), mas a disparidade
com a média nacional continua alta: a taxa de mortalidade infantil na região é
quase 50% maior do que a média do País. Das 27 Unidades da Federação
brasileira, apenas oito têm taxas de mortalidade infantil abaixo de 20 mortes a
cada mil nascidos vivos.
O relatório da Unicef (2008) também apurou que os cuidados com o
nascimento continuam muito precários. No Brasil, de acordo com o IBGE,
aproximadamente 66% dos óbitos de menores de um ano ocorrem no
primeiro mês de vida, sendo que 51% ainda nos primeiros seis dias de vida.
As principais causas de óbito na primeira semana de vida estão relacionadas
à prematuridade, asfixia durante o parto e infecções, fato que evidencia a
importância dos fatores ligados à gestação, ao parto e ao pós-parto. Os
mesmos dados apontam que a Região Nordeste é a que apresenta as
maiores altas taxas de mortalidade neonatal precoce (óbitos de crianças de
até seis dias) do País, com 15,3 por mil nascidos vivos. Nessa região,
59
Id. Ibid., 1990.
Cf. UNITED NATIONS CHILDEN’S FUND (UNICEF). Relatório da Situação Mundial da Infância
2008, 2008.
60
39
Alagoas e Paraíba possuem as maiores taxas (17,4 e 16,9 por mil nascidos
vivos, respectivamente)61.
De acordo com o Plano Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual
Infanto-Juvenil (Amazonas/2003), as mudanças ocorridas a partir do modelo
de ocupação da região, considerando principalmente os movimentos de
pessoas de outros Estados, tanto para a capital, como para outras cidades do
interior do Amazonas, atraídas na maioria das vezes pela facilidade de posse
de terra e por projetos econômicos desenvolvidos e as condições peculiares
das zonas de fronteira, como é no caso de Tabatinga, onde o tráfico e uso de
drogas se associam e estimulam as mazelas sociais, fazem emergir um
acelerado aumento dos índices de má condições de vida da população, bem
como dos índices de pobreza e exclusão social, dentre outras situações de
violência, exploração sexual infanto-juvenil e altos índices de gravidez de
precoce, correspondendo a 29% do total de nascidos ocorridos no Município.
Além dos aspectos supracitados, verifica-se empiricamente a inexistência de
instituições especializadas para o atendimento de crianças usuárias de substâncias
psicotativas; deficiência no atendimento de saúde aos portadores de necessidades
especiais; adensamento do trabalho infantil ilegal ou insalubre, que geralmente
estão associados à baixa renda de seus familiares; carência de serviços
ambulatorias especializados para o atendimento de crianças vítimas de violência
(sexual, física e/ou psicológica); hospitais públicos superlotados, sem medicamentos
e com déficits de recursos humanos; dificuldades no acesso à atenção adequada no
que diz respeito à promoção (educação em saúde), bem como à recuperação da
saúde tanto na atenção básica quanto nos demais níveis de atendimento do SUS,
dentre outros.
Deste modo, demonstra-se que apesar das grandes conquistas impetradas ao
longo da história da saúde pública brasileira e de todos os aparatos legais existentes
para atendimento à saúde, em especial crianças e adolescente, não há
correspondência entre o discurso oficial e as evidências empíricas, ou seja, há uma
completa lacuna na assistência e um descaso do poder público e da sociedade
61
Id. Ibid., 2008.
40
brasileira com esse público “sujeito de direito”. Como observa Ianni, “o discurso do
poder tem pouco a ver com o exercício do poder”62.
1.3 O CENÁRIO DA REDE DE SERVIÇOS DE SAÚDE NA CIDADE DE
MANAUS/AM
A tutela da saúde, como já salientado, compete à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios. Esses entes federados deverão atuar em conjunto
para a concretização das ações e serviços de saúde, que, segundo o Artigo 198 da
Constituição Federal/1988, integram uma rede regionalizada e hierarquizada,
constituindo um Sistema Único de Saúde (SUS). A organização do SUS, com
atuação em todas as esferas do governo e execução das ações e serviços
preferencialmente pelos Municípios, vem ao encontro das necessidades da
sociedade.
“A municipalização dos serviços de saúde, através da formulação e
execução de políticas econômicas e sociais, com vistas à promoção,
proteção e recuperação da saúde, é medida recomendável quando se tem
em mente a máxima efetividade desse direito”63.
Porém, ainda existe um extenso percurso a ser seguido, pois o Ministério da
Saúde, que, como se sabe, é extremamente centralizador e lento, dificulta um
aprofundamento do processo de descentralização. Tal dificuldade ocorre também
em
Manaus,
apesar
do
processo
de
distritalização
já
estar
ocorrendo.
Empiricamente, os Distritos de Saúde ainda têm pouco poder de resolutividade, e
por vezes atuam apenas como “filtro”, repassando todos os dados, dificuldades e
ações para a Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA).
A organização de serviços em espaços geográficos e demograficamente
definidos viabiliza a intersetorialidade necessária ao desenvolvimento pleno das
ações e o estabelecimento de uma relação de mútua responsabilidade entre os
62
63
IANNI, Octavio. O Labirinto Latino-Americano, p. 84, 1993.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios, p. 161, 2005.
41
recursos de saúde e a população adscrita. Estes espaços constituem os distritos,
conceituados como espaços de transformação, que deverão promover a
integralidade da atenção64.
No município de Manaus, as unidades de saúde estão localizadas na área
urbana e rural em território recortado em cinco (05) Distritos de Saúde: Distrito de
Saúde Norte, Distrito de Saúde Leste, Distrito de Saúde Oeste, Distrito de Saúde Sul
e Rural65.
As unidades públicas estaduais e municipais de saúde constituem a maioria
da rede prestadora de serviços do SUS e se organizam por níveis de hierarquia de
procedimentos na Atenção Básica, Média e Alta Complexidade, conforme a
capacidade potencial dos estabelecimentos, os quais apresentam as mais diversas
nomenclaturas: Unidades de Saúde da Família (USF); Unidade Básica de Saúde
(UBS); Casa de Saúde da Mulher; Centro de Atenção Integral à Criança (CAIC);
Pronto Atendimento (PA); Policlínica; Centro de Atenção Integral à Melhor Idade
(CAIMI); Serviço de Pronto Atendimento (SPA); Centro de Referência em
Pneumologia Sanitária (CREPS); Ambulatório de Especialidades; Centro de
Oncologia; Centro Psiquiátrico; Hemocentro; Hospital Especializado; Hospital Geral;
Hospital Infantil; Hospital Universitário; Instituto da Criança (ICAM); Fundação de
Dermatologia e Venereologia (FDTVAM); Fundação de Medicina Tropical (FMT-AM);
Maternidade; Pronto Socorro da Criança; Pronto Socorro Geral e Pronto Socorro de
Referência66.
Atualmente, a atenção primária (atenção básica), traduzida em ações de
prevenção e atenção à saúde, é entendida como uma forma de impedir que a
doença ocorra, através do atendimento em postos de saúde e do programa de
saúde da família. No entanto, estas frentes de ação, ainda não atendem à demanda
da população, que após o desenvolvimento da doença acabam por recorrer à
atenção secundária (média complexidade), de caráter curativo, para restabelecer
sua saúde. Quando a atuação secundária já não consegue restabelecer por
completo o processo de cura, o usuário tem que recorrer à atenção terciária (alta
complexidade), que se daria na limitação do dano e na reabilitação. Assim, o SUS
64
Cf. MANAUS, Plano Municipal de Saúde 2006-2009.
Cf. Disponível em: http://www.pmm.am.gov.br/secretarias/semsa.
66
Cf. MANAUS, Plano Municipal de Saúde 2006-2009.
65
42
seria o sistema estruturado através das três esferas, como forma de atender a
população em suas dimensões de atenção. Mas, o que é percebido é a falta de
iniciativas do Estado na atenção primária, tendo que se recorrer às demais
atenções, que também ocorrem de forma precária67.
Dentre os três níveis hierárquicos de atenção, este trabalho se restringiu no
da
atenção
primária
(atenção
básica)
e
secundária
(atenção
de
media
complexidade) e elegeu como Universo Amostral os Serviços Públicos de Saúde
Municipais do Distrito de Saúde Norte68, (DISA Norte) da cidade de Manaus/AM.
O Distrito Norte foi selecionado como área de pesquisa, pois:
É a região de maior criminalidade da capital amazonense, segundo estudo
divulgado pela Gerência de Estatística e Análise Criminal da Secretaria de
Estado de Segurança Pública (SSP/AM)69;
É a segunda maior região da cidade. Apesar de superada pela Zona Leste, a
Zona norte tem sido a que mais cresce desde a última década em termo
populacional70;
Ocupa a maior área do município de Manaus, no total com mais de 6.000 km
do município71;
Segundo dados da Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao
Adolescente (DEPCA), é a zona da cidade que ocupa o segundo lugar (com
513 vítimas) no Demonstrativo das Zonas de Moradia das Vítimas Atendidas
na DEPCA em 2007, perdendo apenas para zona leste (com 526 vítimas); e,
É o Distrito de Saúde onde a pesquisadora trabalha, facilitando, assim, a
realização da pesquisa.
A rede assistencial do Distrito de Saúde Norte por tipo de unidade de saúde
está dividida em:
67
Cf. COHN, Amélia. et. al. A Saúde como Direito e Como Serviço. 2002.
O Distrito de Saúde Norte atende uma população estimada de 338.806 habitantes e possui uma
rede de serviços aquém da necessidade de cobertura, considerando-se quantidade e modalidade dos
serviços de saúde (IBGE, Censos e Estimativas, 2008). VIDE no Anexo V os Serviços de Saúde do
Distrito de Saúde Norte.
69
ALMANAQUE ABRIL, 2000.
70
Dados obtidos pelo site: <www.wikipedia.org/wiki/Zona_Norte_(manaus)>, Acesso em: 12.07.2009.
71
Idem, 2009.
68
43
TABELA I – REDE ASSISTENCIAL DO DISTRITO DE SAÚDE NORTE
Esfera
Federal
(UFAM) (1)
Estadual
(SUSAM)
(11)
Municipal
(SEMSA)
(48)
Tipo de Unidade
Nível de Hierarquia
Hospital Geral
8 - ALTA HOSP AMB72
Maternidade
Centro de Atenção Psicossocial
Serviço de Pronto Atendimento
Maternidade
Centro de Atenção Integral à Melhor
Idade
Centro de Atenção Integral à Criança
8 - ALTA HOSP AMB
4 – ALTA AMB73
4 – ALTA AMB
5 - BAIXA M1 e M274
3 - M2 e M3 0175
Policlínica
Serviço de Pronto Atendimento
Unidade Básica de Saúde
Policlínica
3 - M2 e M3
3 - M2 e M3
2 – M1
3 - M2 e M3
Pronto Atendimento*
Pronto Atendimento*
3 - M2 e M3
2 - M1
Unidade Básica de Saúde
2 - M1
Casa de Saúde da Família
1 - PAB - PABA77
2 - M176
Estabelecimento de Saúde
Qt
Hospital Universitário Dona Francisca
Mendes
Maternidade Nazira Daou
CAPS Silvério Tundis
SPA Danilo Correia
Maternidade Azilda Marreiro
CAIMI André Araújo
01
CAIC Dr. Gilson Moreira
CAIC Dr. Paulo Xerez
CAIC Dr. Moura Tapajós
Policlínica João Braga
SPA Eliameme R. Mady
UBS Santa Etelvina
Policlínica Anna Barreto
Policlínica Monte das Oliveiras
UBS/PA Arthur Virgílio
UBS/PA Balbina Mestrinho
UBS/PA Frei Valério
UBS/PA Sálvio Belota
UBS Armando Mendes
UBS Augias Gadelha
PSF Cidade Nova
25
PSF Col. St. Antônio
02
PSF Col. Terra Nova
04
PSF Monte das Oliveiras
03
PSF Novo Israel
04
PSF Santa Etelvina
02
03
Total
Fonte: Plano Municipal de Saúde (2006 – 2009) / Prefeitura Municipal de Manaus
*Terminologia municipal
Conforme apresentado na tabela acima, dos 60 Serviços Públicos de Saúde
existentes no Distrito de Saúde Norte 48 são da esfera municipal e destes foram
72
08-Alta HOSP/AMB- Estabelecimento de Saúde que realiza procedimentos de alta complexidade
no âmbito hospitalar e ou ambulatorial.
73
04-Alta AMB- Estabelecimento de Saúde ambulatorial capacitado a realizar procedimentos de Alta
Complexidade definidos pelo Ministério da Saúde.
74
05-Baixa - M1 e M2- Estabelecimento de Saúde que realiza além dos procedimentos previstos nos
de níveis de hierarquia 01 e 02, efetua primeiro atendimento hospitalar, em pediatria e clínica médica,
partos e outros procedimentos hospitalares de menor complexidade em clínica médica, cirúrgica,
pediatria e ginecologia/obstetrícia.
75
03-Media - M2 e M3- Estabelecimento de Saúde ambulatorial que realiza procedimentos de Média
Complexidade definidos pela NOAS como de 2º nível de referência - M2 e/ou de 3º nível de
referência – M3.
76
02-Media - M1- Estabelecimento de Saúde ambulatorial que realiza procedimentos de Média
Complexidade definidos pela NOAS como de 1º nível de referência – M1.
77
01-PAB-PABA- Estabelecimento de Saúde ambulatorial que realiza somente Procedimentos de
Atenção Básica - PAB e ou Procedimentos de Atenção Básica Ampliada definidos pela NOAS.
01
01
01
01
01
01
01
01
02
01
03
02
40
60
44
selecionados aleatoriamente, para serem locus de pesquisa, 08 Serviços Públicos
Municipais de Saúde (02 de cada nível hierárquico), localizados preferencialmente
no Bairro da Cidade Nova78. Ficando, portanto, a área de execução da pesquisa
assim delimitada:
Policlínicas: Anna Barreto e Monte das Oliveiras;
Pronto Atendimento: Arthur Virgílio e Balbina Mestrinho;
Unidades Básica de Saúde: Armando Mendes e Augias Gadelha;
Casas de Saúde da Família: PSF Cidade Nova (UBS N-40) e Terra Nova
(UBS N-23).
A seleção de duas Unidades de Saúde de cada nível hierárquico se deu em
detrimento da necessidade de se comparar os dados coletados, com o intuito de
compreender como tem se dado a dinâmica de atendimento às vítimas de violência
sexual infanto-juvenil nos distintos serviços públicos de saúde.
Atualmente, a atenção primária, traduzida em ações de prevenção e atenção
à saúde, é entendida como uma forma de impedir que a doença ocorra, através do
atendimento em postos de saúde e do programa de saúde da família. No entanto,
estas frentes de ação, ainda não atendem a demanda da população, que após o
desenvolvimento da doença acabam por recorrer à atenção secundária, de caráter
curativo, para restabelecer sua saúde. Quando a atuação secundária já não
consegue restabelecer por completo o processo de cura, o usuário tem que recorrer
à atenção terciária, que se daria na limitação do dano e na reabilitação. O SUS seria
o sistema estruturado através das três esferas, como forma de atender a população
em suas dimensões de atenção. Mas, o que é percebido é a falta de iniciativas do
poder público na atenção primária, tendo que recorrer às demais atenções, que
também ocorrem de forma precária79.
O acesso dos usuários aos serviços de saúde pesquisados se dá
principalmente através da emergência (nas policlínicas e pronto atendimentos), que
prestam atendimento imediato nos casos mais graves, ou pela espera no
atendimento ambulatorial (unidades básicas de saúde e casas de saúde da família),
78
O Bairro da Cidade Nova está tendo prioridade por ser o maior bairro de Manaus e da região norte
brasileira.<http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_Nova_(Manaus)>
79
Cf. COHN, Amélia. et. al. A Saúde como Direito e Como Serviço, 2002.
45
observando-se a hora de chegada do paciente. As consultas, em continuidade ao
primeiro atendimento e as que são realizadas após a alta recebida são agendadas.
Em qualquer caso, com consulta marcada ou não, o usuário é atendido pela ordem
de chegada.
A partir da observação da rotina das unidades, constatou-se que os usuários,
independentemente
do
tipo
de
unidade
de
saúde, buscam
atendimento,
prioritariamente, pela manhã, o que superlota as unidades neste horário, mesmo nos
serviços de emergência. Isso leva a um esvaziamento e subutilização do espaço
físico nos demais horários de atendimento.
Tanto os usuários que buscam uma unidade pela primeira vez quanto os que
vão realizar consulta subseqüente, independentemente do tipo de unidade que
procuram, são levados a chegar de madrugada, para, em ordem de chegada,
receber o número para a consulta médica.
“(...) o desrespeito ao usuário começa pelo próprio horário que ele tem de
sair de casa e, se reclama, é ele que está errado”80.
Na maioria das unidades, todos os números são distribuídos assim que os
funcionários da recepção chegam. Nas unidades de emergência, as urgências são
atendidas imediatamente. Os demais aguardam na fila de triagem para um
atendimento e/ou encaminhamentos para outros serviços da rede.
A rotina de agendamento antecipado das consultas médicas é realizada
somente por algumas das unidades de saúde: o usuário vai à unidade, marca a
consulta e retorna na data marcada para o atendimento, também por ordem de
chegada. Nestes casos, a maioria das unidades entrega os números no início do
primeiro turno de atendimento. A partir do primeiro atendimento, os usuários são
encaminhados
para
abertura
de
prontuário
e/ou
para
internação/clínicas
especializadas/programas de saúde, realização de exames e/ou orientados para dar
continuidade ao tratamento indicado após inscrição nos Programas e/ou início de
tratamento, os atendimentos subseqüentes são agendados, mas mesmo com hora
80
TE II. Pesquisa de Campo, 2009.
46
marcada, em algumas unidades, os usuários aguardam a senha numa fila pela
ordem de chegada.
Dos oito (08) serviços selecionados, realizou-se entrevista com pelo menos
quatro (04) funcionários de cada locus de pesquisa. A unidade de saúde com o
maior número de entrevistados foi a UBS Armando Mendes (06 funcionários) pela
acessibilidade, uma vez que a pesquisadora trabalha nesta unidade de saúde e a
UBS-N 40 (05 funcionários), em razão do interesse dos funcionários em participar da
pesquisa. Resultou-se assim, em uma amostra de 35 entrevistados, distribuídos
segundo a profissão conforme o Gráfico abaixo.
GRÁFICO 1 - DISTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES SEGUNDO A PROFISSÃO
10
8
9
8
Assistente Social
7
4
4
2
2
0
Enfermeiro
5
6
Médico
Psicólogo
Técnico de Enfermagem
Outros
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Dos profissionais com maior participação na pesquisa estão as Assistentes
Sociais 26% (09), Médicos 23% (08), Enfermeiros 20% (07) e Técnicos de
Enfermagem 14% (05). As categorias profissionais com menor participação estão:
psicólogos 6% (02), pela escassez de profissionais na rede (apenas 04 para atender
todo o Distrito de Saúde Norte) e Outros 11% (04), que corresponde aos Agentes
Comunitários de Saúde, que sempre que eram visitados estavam realizando
procedimentos em domicílios aos usuários.
Conforme demonstração do Gráfico 02, os profissionais do sexo feminino
predominaram na pesquisa, compreendendo 80% dos entrevistados. É válido
ressaltar, que todos os profissionais, demonstraram interesse e disponibilidade em
estar participando da pesquisa.
47
GRÁFICO 2 - GÊNERO DOS ENTREVISTADOS
20%
FEMININO
MASCULINO
80%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Os mesmos colocaram-se à disposição para quaisquer esclarecimentos,
assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido e apesar de se tratar de um
tema controverso e polêmico, os profissionais sentiram-se à vontade para discutir e
trabalhar as questões, não demonstrando nenhuma recusa ao tratar sobre o
assunto, pelo contrário, confirmavam o grande interesse e a satisfação por estar
ouvindo as suas inquietações.
“(...) vejo que falta isso, os profissionais, não são ouvidos, nós temos tantos
problemas, tantas inquietações e ninguém nunca vem aqui para saber como
estamos, o que estamos precisando, como está o nosso trabalho (...) o
pessoal do DISA só sabe é cobrar produção”81.
O que se percebe é que não há um “suporte” e apoio aos profissionais das
distintas unidades de saúde pesquisadas, tampouco é realizada avaliação
sistemática tanto da qualidade dos serviços prestados quanto do grau de satisfação
dos servidores,“(...) antigamente tinha a equipe de supervisão que vinha nas
unidades para saber as necessidades e nos dar suporte, agora estamos
abandonados!”82.
Com relação à faixa etária, os dados coletados indicam que 57% dos
profissionais entrevistados estão na faixa etária de 31 a 40 anos de idade, 26% de
41 a 50 anos de idade e 17% de 20 a 30 anos.
81
82
ACS IV. Pesquisa de Campo, 2009.
TE V. Pesquisa de Campo, 2009.
48
GRÁFICO 3 - DISTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES SEGUNDO A
FAIXA ETÁRIA
26%
20 a 30
31 a 40
17%
41 a 50
57%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Entre os mais jovens estão os médicos e técnicos de enfermagem e entre os
mais seniores as Assistente Sociais e Técnicos de Enfermagem.
O tempo de
formação dos profissionais entrevistados variou de 03 a 27 anos e o tempo de
exercício da profissão na unidade de saúde pesquisada variou de 02 meses a 20
anos.
A partir dos referenciais apresentados e dos dados analisados, pôde-se
compreender como as Políticas Públicas de Saúde se nortearam no Brasil, e ao
mesmo tempo apreciar como está estruturado o atual modelo do Sistema Único de
Saúde (SUS), que tem se contraposto ao projeto de saúde voltada para o mercado,
uma vez que retira o
alcançado na Constituição Federal, que é justamente a
universalidade e integralidade do direito.
Deste modo, verifica-se que a realidade da saúde que se apresenta é
alarmante e as disparidades sociais nesta área representam “(...) uma constante
violação dos direitos individuais e coletivos dos setores mais carentes da
população”83, cada vez mais o quadro social da população é marginalizada no
acesso aos serviços públicos, que devem ser disponibilizados pelo Estado. E no que
tange ao atendimento prestado nos serviços públicos de saúde a crianças e
adolescentes vítimas da violência sexual, este quadro não se diferencia do
apresentado, como posteriormente será demonstrado.
83
COHN, Amélia et.al. A Saúde como Direito e como Serviço. São Paulo: Cortez, p. 66, 2002.
49
II CAPÍTULO
A
VIOLÊNCIA
E
SEUS
REFLEXOS
NA
ATENÇÃO
A
CRIANÇAS
E
ADOLESCENTES
3.4
REFLEXÕES EM TORNO DO FENÔMENO DA VIOLÊNCIA
A palavra violência deriva do latim “Violentia”, “Vis”, que quer dizer “força” e
se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física sobre o
outro. Ela contém múltiplos significados e é utilizada para nomear desde as formas
mais cruéis de tortura até as formas mais sutis da violência que têm lugar no
cotidiano da vida social, na família, nas empresas e/ou em instituições públicas84.
Uma das reflexões mais vigorosas sobre a violência é da alemã Hannah
Arendt85 que a considera como um meio para a conquista do poder (mas não se
confunde com o poder, pelo contrário, demonstra a incapacidade de argumentação e
de convencimento de quem o detém), necessitando de orientação e justificação dos
fins que persegue. Arendt86 não vê positividade na violência, como outros filósofos
ou teóricos enxergam, ela se manifesta contra a visão de Engels87 que valoriza a
violência como um acelerador do desenvolvimento econômico. Questiona o
pensamento ingênuo e simplificador de Fanon88 que considera a violência como a
vingança dos deserdados. E não concorda nem com Sorel89, que a define como o
84
Cf. ODALIA, Nilo. O que é Violência, 1985.
Cf. ARENDT, Hannah. Sobre a violência, 1994.
86
Id. Origens do totalitarismo, 1990.
87
Cf. ENGELS, Frederic. Teoria da violência, 1981.
88
Cf. FANON, Frantz. The wretched of de earth, 1961.
89
Cf. SOREL, Georges. Reflexões sobre a violência, 1992.
85
50
mito necessário para a mudança da sociedade burguesa desigual para uma
sociedade igualitária de base popular; e nem com Sartre90, que a analisa como
inevitável no universo da escassez e da necessidade.
Já para Foucault91, a violência é caracterizada pela relação de forças
desiguais, configurando, assim uma relação de poder. Em outras palavras, a
violência é o ato de subjugação por meio de forças de exploração e dominação. A
partir desta análise, identifica-se que para Arendt a violência pode ser produto de um
ódio, ao contrário de Foucault que concebe a violência sempre como uma técnica do
poder. Para ela, a violência pode ser encontrada na falta do discurso, cujo
nascimento e efetivação se dão na política, enquanto para Foucault o discurso e a
linguagem têm o poder de produzir subjetividade e violência punitiva.
Efetuando-se uma correlação entre saúde x violência, a Organização Mundial
de Saúde (OMS) estabelece violência como sendo,
“uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si
próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que
resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico,
deficiência de desenvolvimento ou privação”92.
E, a partir desta polissemia de sentidos e significados analisa-se que querer
encerrar o estudo acerca da categoria violência numa definição fixa e simples é
expor-se a reduzi-la, a compreender mal sua evolução e sua especificidade
histórica. Com a literatura examinada, pôde-se evidenciar que as dificuldades para
conceituar a violência provêm do fato de se tratar de um fenômeno da ordem do
vivido (no qual se inclui também quem tenta teorizar sobre ela) e cujas
manifestações provocam uma forte carga emocional em quem a comete, em quem a
sofre e em quem a presencia. Assim sendo, neste trabalho, levando-se em conta o
que acontece empiricamente, utilizar-se-á a palavra violência como sendo ações
humanas de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de outros
seres humanos ou que afetam sua integridade física, moral, mental e/ou espiritual.
90
Cf. SARTRE, Jean-Paul. Questão de Método. In: Coleção Pensadores. Sartre, 1980.
Cf. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, 1987.
92
Cf. ORGANIZAÇAO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). Relatório Mundial sobre a Violência e a Saúde,
2002.
91
51
A violência, apesar de existir desde os tempos mais remotos da história da
humanidade, teve seu estopim com o novo sistema capitalista instaurado. Em se
tratando das suas raízes, Da Matta93 as associa fundamentalmente à estrutura de
poder vigente numa sociedade. Ele salienta que,
“(...) atitudes violentas são classificadas comumente como formas de ação
resultantes do desequilíbrio entre fortes e fracos. Entretanto, elas deveriam
ser analisadas como um processo que permeia o sistema”94.
Segundo Adorno, a violência é uma forma de relação social,
“(...) está inexoravelmente atada ao modo pelo qual os homens produzem e
reproduzem suas condições sociais de existência. Sob esta ótica, a
violência expressa padrões de sociabilidade, modos de vida, modelos
atualizados de comportamento vigentes em uma sociedade em um
momento determinado de seu processo histórico. (...) ao mesmo tempo em
que ela expressa relações entre classes sociais, expressa também relações
interpessoais, (...) está presente nas relações intersubjetivas que se
verificam entre homens e mulheres, entre adultos e crianças, entre
profissionais de categorias distintas. Seu resultado mais visível é a
conversão de sujeitos em objeto, sua coisificação. A violência é
simultaneamente a negação de valores considerados universais: a
liberdade, a igualdade, a vida (...)”95.
Assim, a violência tem se situado num processo de transformação dos
referenciais de vida de obediência à tradição e aos costumes estabelecidos pela
aceitação da ordem. Novos referenciais são construídos pelos apelos de marketing,
de consumo, de expressão da libido e do prazer, do indivíduo, da competitividade,
da solução do conflito pela força do “herói”, principalmente através da TV. Essas
referências apelam a um agir massificado, substituindo a imagem de si, a construção
de sua identidade de sujeito, pela imagem de marca. Ao invés de se colocar como
sujeito de relações sociais significativas, afetiva, familiar ou socialmente, as pessoas
93
Cf. DA MATTA, Roberto. As Raízes da Violência no Brasil, 1982.
Id. Ibid, p. 49, 1982.
95
ADORNO, S. Violência e Educação, p. 13, 1998.
94
52
se colocam como portadoras de uma marca seja Nike, Mercedes, Coca-Cola ou
outra qualquer96.
Parte-se desta lógica evidenciando-se que, a violência está tão enraizada
quanto o poder, o sistema e o capitalismo. Esse tipo de violência é a denominada
violência estrutural que,
“(...) se caracteriza pelo destaque na atuação das classes, grupos ou
nações econômica ou politicamente dominantes, que se utiliza de leis e
instituições para manter sua situação privilegiada, como se isso fosse um
direito natural”97.
Refere-se às condições extremamente adversas e injustas da sociedade para
com a parcela mais desfavorecida de sua população. Ela oferece um marco à
violência do comportamento e se aplica tanto às estruturas organizadas e
institucionalizadas da família como aos sistemas econômicos, culturais e políticos
que conduzem à opressão de grupos, classes, nações e indivíduos, aos quais são
negadas conquistas da sociedade, tornando-os mais vulneráveis que outros ao
sofrimento e à morte. E se expressa pelo quadro de miséria, má distribuição de
renda, exploração dos trabalhadores, crianças nas ruas, falta de condições mínimas
para a vida digna, falta de assistência em educação e saúde.
Os referenciais analisados indicaram que, além da violência estrutural, é
possível distinguir mais dois tipos de violência no Brasil: a sistêmica, que brota da
prática
do
autoritarismo, profundamente
enraizada, apesar
das garantias
democráticas tão claramente expressas na Constituição Federal de 1988. Segundo
alguns estudiosos, a violência policial pode ser enquadrada como uma violência
sistêmica em virtude de considerarem ser reflexo do passado político brasileiro,
como se pode citar o exemplo do regime autoritário (1964-85), onde governo federal
tolerou violência policial como um instrumento de controle político; e, a violência
doméstica, que será analisada no tópico a seguir.
96
Cf, FALEIROS, Vicente de Paula. A violência sexual contra crianças e adolescentes e a construção
de indicadores: a crítica do poder, da desigualdade e do imaginário, 1997.
97
Cf. ENCICLOPÉDIA VIRTUAL DE DIREITOS HUMANOS, 2009.
53
Deste modo, nota-se que analisar a questão da violência é controverso e
complexo, pois além de, muitas vezes, ela ser ocultada através de atitudes ditas
legais, protetoras, assistenciais, paternalistas, caridosas, levando a uma destruição
muito maior do indivíduo que a violência expressa através da agressão, também
assume formas diferenciadas de manifestação, o que exige do observador cautela
para não resvalar na dedução da aparência pura e simples.
2.2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E AS MEMÓRIAS NA INFÂNCIA BRASILEIRA
A violência doméstica (VD) é um fenômeno complexo, suas causas são
múltiplas e de difícil definição. Tanto na literatura nacional como na internacional,
diversos termos têm sido utilizados para conceituar e caracterizar a violência
doméstica, a exemplo de: abuso, maus-tratos, vitimização doméstica, violência
intrafamiliar, vitimização, etc.98. Neste estudo optou-se pelo termo violência sexual
para conceituar o fenômeno ora estudado, uma vez que esta terminologia reflete de
maneira mais adequada o significado e o sentido da problemática em questão.
No decorrer da história, vários teóricos ofereceram definições sobre este
tema, no entanto, poucas foram as teorias que conseguiram refletir a conceituação
global do fenômeno. Apesar disso, estes estudos possibilitaram uma ampla
discussão, havendo uma adesão de outras ciências, como a Psicanálise, a Pediatria
e a Psicologia e entre outras.
Ela é um problema universal que atinge milhares de pessoas, em grande
número de vezes de forma silenciosa e dissimuladamente. Trata-se de um
problema que acomete homens, mulheres, crianças, adolescentes, idosos e
portadores de necessidades especiais e não costuma obedecer nenhum nível
etário, social, econômico, religioso ou cultural específico, como poderiam pensar
alguns. Entretanto, apesar de toda essa ramificação, irá se enfocar neste trabalho,
apenas a violência cometida contra crianças e adolescentes.
98
Cf. CENTRO REGIONAL AOS MAUS-TRATOS NA INFÂNCIA (CRAMI). Abuso Sexual doméstico:
atendimento às vítimas e responsabilização do agressor, 2005.
54
Essa variável é considerada no Brasil um grave problema público,
constituindo a principal causa de morte de crianças e adolescentes a partir de cinco
(05) anos de idade. Trata-se de uma população cujos direitos básicos são muitas
vezes violados, como o acesso à escola, assistência à saúde, e aos cuidados
necessários para o seu desenvolvimento. São ainda, exploradas sexualmente e
usadas como mão-de-obra complementar para o sustento da família ou para
atender o lucro fácil de terceiros, às vezes, em regime de escravidão. Há situações
em que são abandonadas à própria sorte, fazendo da rua seu espaço de
sobrevivência. E, nesse contexto de exclusão, costumam ser alvo de ações
violentas que comprometem física e mentalmente a sua saúde99.
Tal aspecto é relevante sob dois prismas: primeiro, devido ao sofrimento
indescritível que imputa às suas vítimas, muitas vezes silenciosas e, em segundo,
porque,
a
violência,
principalmente
a
doméstica,
pode
impedir
o
bom
desenvolvimento físico e mental da vítima, ou seja, a gravidade desse problema
atinge toda a infância do indivíduo até a velhice. E as lesões e traumas físicos,
sexuais e emocionais que sofrem, embora nem sempre sejam fatais, deixam
seqüelas em seus corpos e mentes por toda a vida.
Este tipo de violência se distingue da violência intrafamiliar por incluir outros
membros do grupo, sem função parental, que convivam no espaço doméstico.
Incluem-se aí empregados (as), pessoas que convivem esporadicamente e
agregados100.
A qualificação da violência doméstica contra crianças e adolescente é feita
por Viviane Guerra como um dos temas malditos na área de pesquisa, quer "seja
pelas conseqüências que acarreta para os seus envolvidos, quer seja porque tenta
desvendar uma questão que a família tem todo o interesse em manter oculta"101.
Dentre as distintas definições do fenômeno, a professora. Dra. Maria Amélia
Azevedo e Viviane Guerra (USP/SP - 1989) através de estudos e pesquisas, foram
as que melhor conceituaram o fenômeno da violência doméstica contra crianças e
adolescentes, quando definem a mesma como sendo,
99
Cf. GUIA DE ATUAÇAO FRENTE AOS MAUS-TRATOS NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA,
1999.
100
Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE, Violência Intrafamiliar: orientações para prática em serviço, 2003.
101
GUERRA, Viviane Nogueira Azevedo. Violência de pais contra filhos: procuram-se vítimas, p. 106,
1985.
55
"todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra
crianças e/ou adolescentes que - sendo capaz de causar dano físico, sexual
e/ou psicológico a vítima - implica de um lado, numa transgressão do direito
que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas
em condição peculiar de desenvolvimento"102.
Em crianças e adolescentes a violência doméstica não é um fenômeno
recente, encontra-se, por exemplo, "citada em livros religiosos como a Bíblia e o
Alcorão"103.
A literatura examinada elucidou que a imagem da criança como um ser inferior,
de certa forma “menor”, sempre esteve presente na mentalidade da humanidade. Nos
povos da Antigüidade até a Idade Média, as crianças eram privadas do direito à vida,
sendo consideradas como um objeto de muito pouco valor. Elas eram propriedades
dos pais e estes podiam decidir livremente sobre seus destinos. Os filhos podiam ser
vendidos, mutilados e inclusive sacrificados por diversos motivos.
Segundo Lloyd deMause,
“(…) a história da infância é um pesadelo do qual recentemente começamos
a despertar. Quanto mais atrás regressamos na história, mais reduzido o
nível de cuidado com as crianças, maior a probabilidade de que houvessem
sido assassinadas, abandonadas, espancadas, aterrorizadas e abusadas
sexualmente”104.
Historicamente, o fenômeno da violência doméstica tem sido complexo no
Brasil. Entretanto, é possível pensar que tanto no Brasil Colônia (1500-1822), quanto
no Brasil Império (1822-1889) e no Brasil República (1889 - até hoje) a questão da
violência doméstica estivesse impregnada na sociedade. Sabe-se que a idéia da
aplicação de castigo físico em crianças foi introduzida pelos jesuítas. Desta forma, os
castigos e as ameaças foram introduzidos no Brasil Colonial pelos primeiros padres
da Companhia de Jesus em 1549. O castigo estava reservado para aqueles que
pensavam faltar à escola jesuítica, palmatória e o tronco105.
102
GUERRA, Viviane Azevedo. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisada, 2001.
Cf. SANTOS, Hélio de Oliveira. Crianças Espancadas, 1987.
104
Lloyd deMause apud GUERRA, p. 53, 2001.
103
105
Cf. FREITAS, Marcos Cezar. História Social da Infância no Brasil, 2001.
56
Freyre106, em sua obra Casa Grande Senzala, lembra das histórias dos filhos
dos escravos que desde cedo se acostumavam à imposição de castigos físicos
extremamente brutais. Os espancamentos com palmatórias, varas de marmelo, cipós,
galhos de goiabeira, tinham como objetivo ensinar às crianças que a obediência aos
pais era a única forma de escapar da punição.
“A sociedade escravista brasileira tinha por fundamento a violência.
Esta era subjacente ao escravismo e apresentava-se na subjugação de uma
raça a outra, na coisificação social do trabalhador e não se restringia
simplesmente ao monopólio da força detido pela camada senhorial”107.
Assim, a criança escrava, mesmo depois da Lei do Ventre Livre, em 1871,
podia ser utilizada pelo senhor desde os 08 até os 21 anos de idade se, mediante
indenização do Estado, não fosse libertada. Antes desta lei, começavam bem cedo a
trabalhar ou serviam de brinquedos para os filhos dos senhores108.
Nesse mesmo período, o número de filhos ilegítimos era grande, muitos deles
eram filhos de senhores e escravas. Segundo a moral dominante da época, a família
normal era somente a família legítima. Os filhos nascidos fora do casamento, com
raras exceções, eram fadados ao abandono. A pobreza também era causa de
abandono. As crianças eram deixadas nas portas das casas e, muitas vezes, comidas
por ratos e porcos. Esta situação chegou a preocupar as autoridades, levando o vicerei a propor, em 1726, duas medidas: coleta de esmolas na comunidade e internação
de crianças. Para atender à internação de crianças ilegítimas foi implantada a Roda,
um cilindro giratório na parede da Santa Casa que permitia que a criança fosse
colocada de fora sem que fosse vista dentro, e assim, recolhida pela Instituição que
criou um local denominado “Casa de Expostos”. O objetivo desse instrumento era
esconder a origem ilegítima da criança e salvar a honra das famílias, as crianças
eram enjeitadas ou expostas. A primeira roda, na Bahia, foi criada em 1726 e a última
só foi extinta nos anos cinqüenta109.
106
Cf. FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala, 1999.
MACHADO, Maria Helena. Crime e escravidão. p. 879, 1987.
108
Cf. GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência de Pais Contra Filhos: a tragédia revisada,
2001.
109
Cf. FREITAS, Marcos Cezar. História Social da Infância no Brasil, 2001.
107
57
Dados históricos da literatura afirmam que com a Proclamação da República,
em 1889, precedida pela Abolição da Escravidão, em 1888, não foi mudado o
comportamento oficial relativo aos asilos. Eles se expandiram, mas por iniciativa
privada, já que as relações entre Igreja e Estado foram rompidas. Predominou a
política da omissão do Estado, apesar dos discursos de preocupação com a infância
abandonada.
No início do século, 1902, o Congresso Nacional discutia a implantação de
uma política chamada de assistência e proteção aos menores abandonados e
delinqüentes. Em 1903, foi autorizada a criação do Juizado de Menores. Já em 1924,
foram criados o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores e o Abrigo de
Menores, em 1927, toda esta legislação é consolidada no primeiro Código de
Menores. Este Código cuidava, ao mesmo tempo, das questões de higiene da
infância e da delinqüência e estabelecia a vigilância pública sobre a infância.
Vigilância sobre a amamentação, os expostos, os abandonados e os maltratados,
podendo retirar o pátrio poder110.
Em 1979, criou-se um novo Código de Menores com bases positivistas, no
qual a exclusão era vista como doutrina de situação irregular, o que significava
patologia social, ou seja, uma doença, um estado de enfermidade e, também, estar
fora das normas. Nessa perspectiva do Código, ser pobre era considerado uma
doença assim como as situações de maus-tratos, desvio de conduta, infração e falta
dos pais ou de representantes legais. O médico era o juiz, e, pelo Código, ele tinha o
poder de decidir quais eram os interesses do menor nessa situação. O poder do juiz
era enorme, mas ele agia fundamentalmente sobre os destinos da criança, decidindo
sobre sua internação, colocação, adoção, punição ou sobre os pais e responsáveis.
Enfim, no Código de 1979, a criança só tinha direito quando era julgada em risco, em
uma situação de doença social, irregular. Não era um sujeito de direitos111.
Em oposição à doutrina da situação irregular foram se desenvolvendo
concepções e movimentos que colocavam a criança como sujeito de direito de acordo
com a doutrina da proteção integral. Em primeiro lugar pela Organização das Nações
Unidas – ONU, em segundo lugar, através dos juristas e dos movimentos sociais
110
Cf. SILVA, Edson e MOTTI, Ângelo. Estatuto da Criança e do Adolescente - Uma década de
Direitos: Avaliando resultados e projetando o futuro, 2001.
111
Cf. FREITAS, Marcos Cezar. História Social da Infância no Brasil, 2001.
58
brasileiros na década de 1980, com a mobilização da sociedade e de alguns setores
do Estado, incluindo setores da própria FUNABEM.
Assim, o movimento de defesa da criança começou a tomar corpo na segunda
metade da década de 1980, através de grupos que trabalhavam diretamente com a
criança e o adolescente, muitas vezes compensando a omissão do Estado nessa
área. Todo esse processo culminou com a organização e articulação nacional de
entidades que atuavam na defesa e promoção dos direitos da criança e do
adolescente, surgindo então Fórum Nacional Permanente de Entidades NãoGovernamentais de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Esse Fórum passou a ser um dos principais interlocutores da sociedade na área da
criança e do adolescente no Congresso Nacional, e um dos principais mobilizadores e
articuladores para a inclusão de Emenda Popular “Criança-Prioridade Nacional”.
Emenda que foi traduzida nos artigos 227112 e 228113 da Constituição Federal, que
consagram a doutrina da proteção integral, assegurando à criança e ao adolescente
os direitos básicos fundamentais e especiais, como ser em desenvolvimento.
Em 25 de abril de 1990, o projeto de regulamentação dos artigos 227 e 228 da
Constituição Federal foi aprovado no Senado Federal, e, em 28 de junho de 1990, na
Câmara dos Deputados. Em 29 de Junho de 1990 o projeto foi homologado passando
a vigorar no dia 14 de outubro de 1990. Assim, foi aprovado o Estatuto da Criança e
do Adolescente – primeira lei de acordo com a Convenção Internacional pelos
Direitos da Criança e do Adolescente. A partir de então, o Presidente Fernando Collor
cria o Ministério da Criança a fim de instituir ações concretas para que todas as
crianças tenham direito à saúde, alimentação e, sobretudo a uma vida digna. Elaborase então, a Lei n°. 8069 de 13 de julho de 1990114, aprovada com ampla participação
popular.
Pela primeira vez, uma lei vinculada à criança e ao adolescente rompe,
formalmente com a "doutrina da situação irregular", substituindo-a pela "doutrina da
proteção integral". A nova Carta Constitucional brasileira traz, em relação à criança e
112
Art.227 - É dever da FAMÍLIA, da SOCIEDADE e do ESTADO assegurar à criança e ao
adolescente, com ABSOLUTA PRIORIDADE, o direito à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
113
Art.228 – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial.
114
Art. 1º. Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente (ECA/90).
59
ao adolescente três avanços fundamentais quanto a seus direitos e passa a
considerá-los:
- Criança e adolescente: sujeito de direitos;
- Criança e adolescente: seres em desenvolvimento; e,
- Criança e adolescente: prioridade absoluta115.
Em suma, pode-se dizer que o Estatuto foi um grande avanço, apesar do
descompasso com as regulamentações das leis que são morosas. Embora o Estatuto
crie condições para que o governo e a sociedade trabalhem juntos por uma infância
melhor, os direitos da criança no Brasil estão sendo violados e desrespeitados
diariamente seja no ambiente familiar, escolar, social, hospitalar e outros. Verifica-se
empiricamente que esses direitos estão longe de ser garantidos. Grande número de
crianças e adolescente no mundo inteiro e no Brasil sofrem vários tipos de violência,
ou seja, padecem de uma grave violação de seus direitos sociais e individuais a um
pleno desenvolvimento.
Frente ao quadro exposto, percebe-se que no Brasil, apesar das políticas de
atenção à criança e ao adolescente terem sido amplamente discutidas pelos vários
setores sociais e políticos durante as últimas décadas, ainda não existe uma cultura
política democrática que formule e sustente valores e ações que consolidem a
cidadania. Todas as iniciativas profundamente válidas dos movimentos e fóruns ainda
não conseguiram alterar o quadro das desigualdades sociais brasileiras, em geral, e
muito menos o referente à criança e adolescentes. Elas ainda são altamente
castigadas pela pobreza extrema, violência, exclusão em vários níveis, bem como
pelas ações de atendimento, que ainda se caracterizam por serem discriminatórias e
compensatórias na maioria das instituições governamentais e não-governamentais,
ou por falta de vontade política ou por frentes de resistência em relação ao novo
(re)ordenamento político institucional.
115
Cf. SILVA, Edson e MOTTI, Ângelo. Estatuto da Criança e do Adolescente - Uma década de
Direitos: Avaliando resultados e projetando o futuro, 2001.
60
2.2.1 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM
CRIANÇAS E ADOLESCENTES
A violência doméstica pode se manifestar de várias formas e com diferentes
graus de severidade. Estas formas de violência não se produzem isoladamente, mas
fazem parte de uma seqüência crescente de episódios, do qual o homicídio é a
manifestação mais extrema116, e dentre os principais estão:
a. Violência física117
A violência física é o uso da força ou atos de omissão praticados por um
indivíduo mais forte em relação a um outro mais fraco (hierarquicamente, fisicamente
ou financeiramente), com o objetivo claro ou não de ferir, deixando ou não marcas
evidentes. São comuns murros e tapas, agressões com diversos objetos e
queimaduras causados por objetos ou líquidos quentes. É qualquer ação única ou
repetida, não acidental (ou intencional), cometida por um agente agressor adulto,
que lhes provoque conseqüências leves ou extremas como a morte118.
b. Violência psicológica
É o conjunto de atitudes, palavras e ações dirigidas para envergonhar,
censurar e pressionar o indivíduo de forma permanente. São ameaças, humilhações,
gritos, injúrias, privação de amor, rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito,
punições exageradas. Essas são as formas mais comuns desse tipo de agressão,
que não deixa marcas visíveis, mas marca por toda a vida119.
116
Cf. AZEVEDO, Maria Amélia e GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Crianças vitimizadas: a
síndrome do pequeno poder, 2000.
117
Também denominada: sevícia física.
118
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Notificação de Maus Tratos Contra Crianças e Adolescentes: Um Passo
a Mais na Cidadania em Saúde, p. 12, 2002.
119
Id. Ibid., p. 20, 2002.
61
c. Negligência
É o ato de omissão do responsável pela criança ou adolescente em prover as
necessidades básicas para seu desenvolvimento. Privar a criança de algo de que ela
necessita, quando isso é essencial ao seu desenvolvimento sadio. Pode significar
omissão em termos de cuidados básicos como: privação de medicamentos,
alimentos, ausência de proteção contra inclemência do meio (frio / calor)120.
d. Violência Sexual
A violência sexual é o abuso de poder no qual a criança ou adolescente é
usado para gratificação sexual de um adulto, sendo induzida ou forçada a práticas
sexuais com ou sem violência física, ou seja, é,
“todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual entre um
ou mais adultos e uma criança menor de dezoito anos, tendo por finalidade
estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter uma estimulação
sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa”121.
Entende-se que esta definição tem duas vantagens, pois abrange incesto e
exploração sexual, além de incluir todo o espectro de atos sexuais, quais sejam: a)
com contato físico, abrangendo desde coito até apenas carícias; b) sem contato
físico, incluindo exibicionismo, voyerismo, etc.; c) com força física, incluindo
agressões e até assassinatos; d) sem emprego de força física. Reconhece-se,
porém, suas limitações: não inclui abusos entre adolescentes e não se refere ao
consentimento da criança à prática dos atos sexuais.
E, dentre os vários tipos de manifestação da violência apresentados esta
pesquisa se restringiu no da violência sexual cometida contra crianças e
adolescentes que tem se estabelecido como uma das realidades mais cruéis do
120
Id. Ibid., p. 12, 2002.
Cf. AZEVEDO, Maria Amélia e GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Políticas Sociais e
Violência Doméstica contra crianças e adolescentes. In: Infância e Violência Doméstica: fronteiras do
conhecimento, p. 42, 1993.
121
62
Brasil e é perpetrada em qualquer classe social, não respeitando etnia, religião,
cultura ou nível educacional122.
Este tipo de agravo foi selecionado por estar atingindo uma parcela
importante da população, constituindo-se um obstáculo para o desenvolvimento
psicossocial e econômico; por ser considerado um problema de saúde pública de
extrema necessidade que seja dado segmento a uma responsabilização; e, ser um
desafio à pesquisadora e profissionais por constituir uma demanda já estabelecida e
crescente que requer a articulação das dimensões conceituais com as operacionais
devido ao difícil diagnóstico ocasionado pela “síndrome do segredo”123 que o
envolve e à grande variedade de formas de apresentação, muitas vezes, inaparente
fisicamente, levando a dificuldades na condução dos casos, na decisão de
notificação e na abordagem com as famílias.
A partir dos referenciais analisados verificou-se que são muitas as
terminologias utilizadas para conceituar as diferentes modalidades de crimes
sexuais. O consenso pelo uso de um termo que pudesse ser aplicado
genericamente para a maioria dos crimes sexuais apresenta relutância e
discordância entre muitos autores. A exemplo, o termo “abuso” sexual que tem uso
freqüente e regular na literatura, é considerado por John Huffman como restrito para
casos em que não ocorra penetração vaginal124.
Atualmente, os termos “abuso”, “agressão” e “violência sexual” são utilizados
de forma ampla e genérica, tanto nos casos de estupro125 como nos de atentado
violento ao pudor126, uma vez que não alteram a conduta clínica em cada situação
122
Cf. BECK-SAGUE, James et. al. Infecções sexualmente transmitidas em lactantes, crianças e
adolescentes. In: MORSE, S.A, et.al. Atlas de doenças sexualmente transmissíveis e AIDS, 1997.
123
Cf. FURNISS, Tilman. Abuso Sexual da Criança, p. 173, 1993.
124
Cf. HUFFMAN, John. Ginecologia Pediátrica e Adolescente. In: BENSON, R.C. Diagnóstico e
Tratamento em Obstetrícia & Ginecologia, 1980.
125
A palavra estupro, derivada do latim stuprum, significa violação. Entre todos os termos é,
possivelmente, o mais utilizado pela vítima para autodefinir a violência sofrida, mesmo quando outro
crime sexual de fato tenha ocorrido. O estupro é definido pelo Art. 213 do Código Penal Brasileiro
como “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. A “grave
ameaça” configura-se como a promessa de efetuar tamanho mal, capaz de impedir a resistência da
vítima. A “conjunção carnal” corresponde ao coito vaginal, o que limita o crime ao sexo feminino
(DREZETT, Jefferson. Estudo de fatores relacionados com a violência sexual contra crianças,
adolescentes e mulheres adultas. São Paulo, 2000. Tese de Doutorado – Centro de Referência da
Saúde da Mulher e de Nutrição, Alimentação e Desenvolvimento Infantil).
126
O Art. 14 do Código Penal caracteriza o atentado violento ao pudor como crime de “constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato
libidinoso diverso da conjunção carnal”. Aqui, incluem-se todas as situações diferentes do coito
vaginal, a exemplo manobras digitais eróticas e a cópula anal ou oral. O atentado violento ao pudor
63
específica. E além destas existem ainda, algumas formas de violência que são
dotadas
de
particular
especificidade
na
relação
agressor-vítima,
cabendo
denominações especiais. A exemplo o incesto, que consiste “na união sexual ilícita
entre parentes consangüíneos, afins ou adotivos”127 e a exploração sexual, que
segundo o Guia do Sistema Nacional de Combate à Exploração Sexual InfantoJuvenil (ABRAPIA), é a utilização de crianças e adolescentes “com fins comerciais e
de lucro, seja levando-os a manter relações sexuais com adultos ou adolescentes
mais velhos, seja usando-os para a reprodução de materiais pornográficos (revistas,
fotos, filmes e vídeos)”128. Por pedofilia, termo aplicado à prática do agressor,
entende-se os “atentados sexuais contra crianças, variando desde o exibicionismo
até a violência agressiva e a sodomia”129.
Resumidamente, verifica-se que estupro é um termo aplicado apenas a
mulheres, já que presume penetração vaginal; o atentado violento ao pudor engloba
todas as práticas diversas da penetração vaginal, portanto, ser aplicado também a
vítimas do sexo masculino; o incesto tem a conotação dos atos praticados por
membros do grupo familiar, sendo considerado como sinônimo de abuso sexual
intrafamiliar; e a exploração sexual envolve a questão comercial.
Por tudo o que foi exposto, imagina-se o nível de complexidade encontrado
pelos profissionais para caracterizar um caso de violência sexual. É necessário ir
muito além dos conceitos, buscando uma análise de situação individual e
contextualizada. No entanto, apesar da complexidade mencionada, ao indagarmos
os profissionais acerca dos principais sintomas para detecção dos casos de
violência sexual infanto-juvenil, o que se evidenciou é que quase todos os eles
conhecem quais são os sintomas/sinais da violência sexual, apenas dois (02) deles
não conseguiram relatar nenhum sintoma. Assim sendo, o que se evidencia é que a
justificativa de desconhecimento do conceito e dos sinais/sintomas não pode ser
dada pelos profissionais da saúde para a omissão de atendimento e tomada de
pode ser praticado contra pessoas de ambos os sexos, sob as mesmas formas de constrangimento
previstas para o estupro (DREZETT, Jefferson. Estudo de fatores relacionados com a violência sexual
contra crianças, adolescentes e mulheres adultas. São Paulo, 2000. Tese de Doutorado – Centro de
Referência da Saúde da Mulher e de Nutrição, Alimentação e Desenvolvimento Infantil).
127
Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE, Violência Intrafamiliar: orientações para prática em serviço, p. 19,
2003.
128
ABRAPIA. Guia do Sistema Nacional de Combate à Exploração Sexual Infanto-Juvenil: Exploração
Sexual Infanto-Juvenil , p. 11, s.d.
129
OURIQUE, V.L & SOUZA, R.J.M. A criança maltratada. Revista Médica da Bahia, 29, p. 08, 1988.
64
procedimentos frente a algum caso de violência sexual. Conforme discurso dos
entrevistados, os sintomas que mais lhes chamariam atenção em algum caso de
violência sexual infanto-juvenil são,
“(...) comportamento agressivo, marcas, vergonha excessiva, poucas
relações com familiares e colegas, depressões e gravidez precoce”130.
“(...) comportamento sexual inadequado para a idade, medo de certas
pessoas, dor e inchaço, lesão ou sangramento nas áreas genitais ou anais,
infecções urinárias, secreções vaginais ou penianas, erupções na pele,
DST’s”131.
E, além dos aspectos citados, esse tipo de violência gera conseqüências
psicológicas, com sintomas que incluem angústia, medo, ansiedade, culpa,
vergonha e depressão os quais podem acompanhar todo o ciclo de vida de quem
passou por essa situação. Também podem ocorrer reações somáticas, como fadiga,
tensão, cefaléia, insônia, pesadelos, anorexia e náuseas. Como repercussões
tardias, é possível ocorrer problemas na esfera ginecológica, uso de drogas e álcool,
depressão, tentativa de suicídio e outros sintomas conversivos ou dissociativos.132
Segundo Monteiro e Phepo,
“um sinal e/ou sintoma são motivos de alarme; um conjunto de sinais ou
sintomas indica a possibilidade de mais-tratos. Raramente uma prova se
apresenta sozinha. Para isso, temos que estar atentos e vigilantes para os
sinais: eles indicam que é necessário agir rápido”133.
E a área da saúde é um espaço importante, privilegiado e propício para a
percepção desses sinais emitidos ou apresentados pelas crianças e adolescente, e
até por seus pais/responsáveis. Tal aspecto pode ser demonstrado através do
horripilante caso do austríaco Fritzl (engenheiro elétrico, aposentado, 73 anos) que
130
AS VI. Pesquisa de Campo, 2009.
M IV. Pesquisa de Campo, 2009.
132
NEVES et. al. Atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual: experiência em
Manaus. In Brasil. Ministério da Saúde. Violência faz mal à saúde, 2004.
133
MONTEIRO, Filho e PHEBO, Luciana Barreto (Coord.). Maus-tratos contra crianças e
adolescentes, proteção e prevenção: guia de orientação para educadores., p. 40, 1997.
131
65
manteve a filha Elisabeth (hoje com 42 anos de idade) e três crianças nascidas do
incesto presas em um porão.
“Durante 24 anos Elisabeth foi mantida como escrava sexual do pai.
Teve sete filhos gerados pela violência incestuosa. Três foram levados por
Fritzl para o mundo superior (o confortável andar de cima do casarão), onde
recebiam o carinho da avó, Rosemarie; iam à escola e brincavam na piscina
cercada de um jardim. Três foram mantidos no reino das sombras, o porão
opressivo onde testemunhavam os abusos cometidos pelo pai-avô contra a
mãe-irmã. A sétima criança, um menino, morreu recém-nascida e foi
incinerada na fornalha por Fritzl (...). Quando seqüestrou Elisabeth e a levou
para o porão, simulou que ela tinha fugido de casa para aderir a uma seita
religiosa. A mesma desculpa foi usada quando as crianças começaram a
aparecer: Fritzl forçava a filha a escrever cartas à mãe pedindo que ela
cuidasse dos bebês, enquanto seguia sua suposta vida alternativa”134.
A teia de monstruosidade tecida por Fritzl começou a ser deslindada quando
a filha mais velha da família escrava, de 19 anos, apareceu num hospital da cidade,
em coma. E, foi a partir da intervenção profissional, que os médicos começaram a
investigar a procedência de tal caso clínico e detectaram uma doença degenerativa
decorrente do incesto135. Deste modo, com o caso apresentado constata-se a
necessidade dos profissionais estarem em constate vigília para atendimento nos
serviços de saúde, pois se, neste caso, os mesmos não tivessem notado “algo
estranho”, a vítima teria retornado para aquele ambiente insalubre, dando
prosseguimento ao ciclo de violência. Deste modo, este estudo chama atenção para
a necessidade dos profissionais estarem sempre atentos e alertas para perceberem
esses sinais que, somados às outras percepções, podem ser indicadores da
violência.
134
FAVARO, Thomaz. O Monstro do Porão, p. 121-122, 2008.
Dando-se um posicionamento sobre o caso: “Um tribunal austríaco condenou à prisão perpétua o
engenheiro aposentado Josef Fritzl – o monstro do porão. Tal pena é fruto de seis crimes: homicídio,
escravidão, estupro, cárcere privado, coação grave e incesto. (...) Os filhos do porão Stefan, de 18
anos, e Feliz, de 05, sofrem de anemia e deficiência de vitamina D provocada pela ausência da luz do
sol. Kertin perdeu quase todos os dentes e continua em coma. Rosemarie, ao reencontrar a filha 24
anos depois, disse aos prantos: ‘Sinto muito. Eu não sabia de nada’. E após ter terminado o
julgamento de Fritzl, Rosemarie finalmente anunciou a intenção de se divorciar do marido”, uma vez
que o mesmo já havia sido condenado por estupro em 1967 e ela não só manteve o relacionamento
depois disso como permanecia casada até o dia do julgamento (SHELP, Diogo. Narcisismo Cruel, p.
90, 2009).
135
66
2.3 UM OLHAR SOBRE OS ATENDIMENTOS PRESTADOS NOS SERVIÇOS
DE SAÚDE ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA
SEXUAL
A atenção à violência sexual é objetivo específico da Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde da Mulher, na qual estão previstas ações de ampliação e
acessibilidade das mulheres, crianças e adolescentes aos serviços de saúde. As
reivindicações da sociedade civil por direitos à saúde, justiça e cidadania
culminaram na Conferência das Nações Unidas que tratam do tema saúde e direitos
sexuais e direitos reprodutivos das mulheres e jovens. No que se refere à violência,
destaca-se a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará/ONU, da qual o Brasil é signatário,
que traz como foco principal o reconhecimento de que a violência contra mulheres,
crianças e adolescentes é uma violação dos direitos humanos136.
Em se tratando de saúde x violência infanto-juvenil, Santos relata que o
primeiro caso, de que se tem relato oficial de violência doméstica contra uma criança
data do ano de 1874. Este foi o primeiro caso legal de retirada do pátrio poder,
“(...) na cidade de Nova York. Foi em favor de uma menina chamada Mary
Ellen, severamente espancada por sua madrasta, dada à interferência da
sociedade protetora contra a violência em animais. A alegação usada à
época foi a de que a criança era membro do reino animal e, portanto, estaria
o ato de violência sujeito às leis que protegem os animais contra a crueldade.
Em 1871, na cidade de Nova York, é criada a primeira sociedade para
prevenção da crueldade em crianças”137.
E, conforme artigo da revista bimestral da Associação Paulista de Medicina,
‘foi o eminente radiologista infantil norte-americano Caffey que, em 1946,
pela primeira vez, relatou uma estranha associação entre fraturas de ossos
longos e hematoma subdural em seis bebês, nos quais constatou 23
136
Cf MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência
Sexual contra Mulheres e Adolescentes: norma técnica, 2005.
137
Id. Ibid, p. 25, 1987.
67
fraturas. Havia também, lesões esquisitas na pele, esquimoses que as
mães atribuíram a traumas menores, como simples quedas do berço,
etc.’138.
Outros autores e o próprio Caffey continuaram o trabalho, sendo que apenas
em 1962 o fenômeno da violência doméstica foi “descoberto” cientificamente. Foi a
partir de um trabalho publicado por Silverman e Kempe no qual apresentaram 749
casos (com 78 mortes) de crianças vítimas do que eles batizaram de Síndrome da
Criança Espancada (The Battered Child Syndrome). Só a partir destes trabalhos,
que os profissionais da área médica começaram a assumir a hegemonia da questão
e preocuparem-se em compreender e demonstrar como a violência afeta o
crescimento e desenvolvimento infanto-juvenil 139.
No
Brasil,
também
vários
pediatras
entraram
nesse
movimento,
principalmente a partir da década de 80. Muitos deles se engajaram nas atividades
de prevenção de maus-tratos, dos quais são vítimas freqüentes, crianças e
adolescentes. O foco inicial foi sempre a violência intrafamiliar. Alguns abriram essa
discussão nos serviços que dirigiam em hospitais públicos; outros criaram ONG com
a mesma finalidade; muitos passaram a socializar tais preocupações com
estudantes de medicina, lideraram grupos de atenção às famílias maltratantes e uma
boa parte esteve presente na formulação do ECA140.
Ao se tratar de prevenção de maus-tratos e promoção de proteção,
historicamente, foi no final de 1995, que a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
Janeiro, a primeira Secretaria que se tem conhecimento, criou a Ficha de Notificação
Compulsória. Para sensibilizar os profissionais da rede pública, foram realizados
vários cursos de capacitação sobre o problema da violência e dos maus-tratos, de
tal forma que a norma pudesse ser incorporada por adesão e não apenas como
obrigação141.
Outro importante avanço surgiu do âmbito federal, com a criação, por portaria
do Ministro da Saúde (MS), de um Comitê Técnico Científico para elaborar propostas
de “Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências e
138
Apud STEINER, Helena. Quando a criança não tem vez: violência e desamor, p. 56, 1986.
Cf. SANTOS, Hélio de Oliveira. Crianças Espancadas, 1987.
140
Cf. MINAYO, Maria Cecília de Souza e SOUZA, Edinilsa Ramos de (orgs.). Violência sob o Olhar
da Saúde: a infrapolítica da contemporaneidade brasileira, 2003.
141
Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Guia de Atuação Frente aos Maus-Trados na Infância e na
Adolescência, 1999.
139
68
de Redução da Violência e dos Acidentes na Infância e na Adolescência” em 1998.
Desse grupo participaram representantes da Sociedade Civil Organizada, entre elas
a Sociedade Brasileira de Pediatria, elaborando um plano específico para atuação
dos profissionais que atendem a crianças e adolescentes. A proposta dessa Política
Nacional foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em março de 2001. Nela se
dá destaque à necessidade da atenção e notificação, pelo Sistema de Saúde às
situações de maus-tratos e violências contra meninos e meninas142.
No caso da atenção aos maus-tratos, concretamente, a oficialização do
documento gerou a Portaria nº 1.968/2001 do Ministério da Saúde, tornando
obrigatório, para todas as instituições de saúde pública e/ou conveniadas ao
Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o território nacional, o preenchimento da
Ficha de Notificação143 Compulsória e seu encaminhamento aos órgãos
competentes144.
Ao Conselho Tutelar caberá receber a notificação, analisar a procedência de
cada caso e chamar a família ou qualquer outro agressor para esclarecer, ou ir in
loco verificar o ocorrido com a vítima. Apenas em casos mais graves que
configurarem crimes ou iminência de danos maiores à vítima, o Conselho Tutelar
deverá levar a situação ao conhecimento da autoridade judiciária e ao Ministério
Público ou, quando couber, solicitar a abertura de processo policial.
Eis a trilha da notificação145 que deve ser adotada tanto pelos serviços
públicos de saúde, quanto educacionais e de segurança.
142
Cf. MINAYO, Maria Cecília de Souza e SOUZA, Edinilsa Ramos de (orgs.). Violência sob o Olhar
da Saúde: a infrapolítica da contemporaneidade brasileira, 2003.
143
Segundo o Manual de Notificação de Maus-Tratos contra Crianças e Adolescentes do Ministério
da Saúde, a definição mais abrangente de notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes
é “(...) uma informação emitida pelo Setor Saúde ou por qualquer outro órgão ou pessoa, para o
Conselho Tutelar, com a finalidade de promover cuidados sociossanitários voltados para proteção da
criança e do adolescente, vítima de maus-tratos. O ato de notificar inicia um processo que visa a
interromper as atitudes e comportamentos violentos no âmbito da família e por parte de qualquer
agressor (...). O profissional de saúde que informa uma situação de maus-tratos está dizendo ao
Conselho Tutelar: ‘esta criança ou este adolescente e sua família precisam de ajuda!’. Ao registrar
que houve maus-tratos, esse profissional atua em dois sentidos: reconhece as demandas especiais
da vítima; e chama o poder público a sua responsabilidade” (MINISTÉRIO DA SAÚDE. Notificação de
Maus Tratos Contra Crianças e Adolescentes: Um Passo a Mais na Cidadania em Saúde. 2ª ed.
Brasília: Ministério da Saúde, p. 14, 2002).
144
Art. 13 – Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes
serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de
outras providências legais (Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990/ECA).
145
Observação: Na figura exposta, foi feito uma modificação (um X na seta indicativa Serviços de
Saúde
Conselho Tutelar), tentando-se elucidar que, se os serviços de saúde não notificarem os
69
FIGURA 1 – TRILHAS DE COMUNICAÇÃO DE VIOLÊNCIA INFANTO-JUVENIL
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes: um
passo a mais na cidadania em saúde, 2002.
E, apesar das determinações legais demonstradas, a pesquisa de campo
realizada nas distintas unidades de saúde do Distrito de Saúde Norte (DISA NORTE)
constatou-se que 58% dos profissionais entrevistados não sabem para onde devem
ser encaminhados os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra
crianças e adolescentes, muitos deles na hora da entrevista relataram: “não estou
casos de violência aos Conselhos Tutelares, o fluxo de atendimento tende a ser rompido/encerrado,
assim as vítimas não serão redirecionadas e resguardada pela rede de proteção à infância e
adolescência, com isso, as vitimas correm um sério risco à revitimização.
70
lembrada, mas tem tudo anotadinho ali na pasta”146, “isso é assunto para o serviço
social”147, “nem sabia que tinha que encaminhar para algum lugar específico”148.
Isso comprova que os profissionais além de desconhecerem a rede/fluxo de
atendimento às vítimas de violência sexual infanto-juvenil, os serviços prestados nas
diferentes unidades saúde se diferenciam de profissional para profissional, ou seja,
se caso a vítima seja atendida por algum profissional conhecedor da rede/fluxo de
atendimento, este será corretamente conduzido e orientado sobre os procedimentos
que devem ser adotados, entretanto, se o profissional que presta o atendimento à
criança ou adolescente vitimizado desconhece os procedimentos e o fluxo de
atendimento, a violência passa “despercebida” no serviço de saúde e o usuário
retorna ao ciclo da violência (seja ela em casa, na rua, trabalho, escola, etc.), pois
quase sempre ela é ocultada por suas vítimas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, apesar do tímido percentual de denúncias,
a violência sexual é um crime cada vez mais reportado149.
Lá, o estupro é
considerado o crime violento que mais rapidamente avança em incidência,
estimando-se que ocorra uma agressão sexual a cada 6,4 minutos. Acredita-se que
uma em cada quatro mulheres adultas americanas experimentou um contato sexual
não consentido durante o período da infância ou adolescência. Entre as crianças
estima-se que um terço tenha sido submetida, pelo menos uma vez, a um contato
incestuoso150.
Quando se estende essa observação a outros países, a literatura pesquisada
demonstrou que a ocorrência de violência sexual apresenta informações escassas e
imprevistas. Entre os países em desenvolvimento, poucos possuem estatísticas
baseadas em dados obtidos por centros especializados, censos nacionais ou
estudos populacionais bem conduzidos.
No Brasil, por exemplo, não existem dados apropriados a respeito dos crimes
sexuais, havendo uma grande necessidade de investigações quantitativas e
qualitativas para melhor entender e dimensionar o problema. Assim, como nos
146
AS I. Pesquisa de Campo, 2009.
M IV. Pesquisa de Campo, 2009.
148
M II. Pesquisa de Campo, 2009.
149
Cf. MCGREGOR, Joan. Risk of STD in female victims of sexual assault. Medical Aspects of
Human Sexuality, 1985.
150
Cf. RUSSEL, Diana. The secret trauma: incest in the lives of girls and women. New York, Basic
Books, 1986.
147
71
países
desenvolvidos,
depara-se
com
o
problema
da
subnotificação.
As
constatações do Departamento de Medicina Legal da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), São Paulo, revelam que apenas 10 a 20% das vítimas
denunciam o estupro151.
A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à
Adolescência (ABRAPIA) estima que, “em nosso meio, a ocorrência de violência
sexual
na
infância
e
adolescência
seja
similar a
observada
em países
desenvolvidos”152. Deste modo, analisa-se que no Brasil, as estatísticas sobre a
violência sexual são variadas e quase sempre imprecisas. Porém quaisquer que
sejam os números observados, todos são assustadores. Considerando-se sua
elevada incidência e prevalência, bem como as conseqüências bio-psico-sociais que
determinam, os crimes sexuais adquiriram proporções de um complexo problema de
saúde
pública,
necessitando-se
assim,
de
uma
imediata
tomada
de
precaução/prevenção de toda a rede de atenção à saúde e proteção à criança e ao
adolescente.
A notificação dos maus-tratos praticados contra crianças e adolescentes é
obrigatória153 por lei federal, portanto, essa obrigatoriedade se estende a todo o
território nacional. Apesar das determinações legais, 89% dos profissionais
pesquisados conhecem tal obrigatoriedade. Aliás, conforme o gráfico abaixo, apenas
17% dos profissionais entrevistados conhecem a ficha para notificação de maustratos, o que, por sua vez, inviabiliza qualquer possibilidade de notificação.
151
Cf. FAÚNDES, Aníbal. et.al. III Fórum interprofissional para a implementação do atendimento ao
aborto previsto por lei, 1999.
152
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA MULTIPROFISSIONAL DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA E
ADOLESCÊNCIA (ABRAPIA). Maus Tratos contra crianças e adolescentes. Proteção e Prevenção.
Guia para orientação para profissionais da saúde, p. 39, 1997.
153
Art. 245 – Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de
ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que
tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação , que orienta os encaminhamentos a serem
dados pela equipe de saúde: os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças ou
adolescentes: Pena – multa de três a vinte salários de referencia, aplicando-se o dobro em caso de
reincidência (LEI 8069 DE 13 DE JULHO DE 1990 - ECA).
72
GRÁFICO 4 - CONHECE A FICHA DE NOTIFICAÇÃO DE MAUS-TRATOS CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES?
17%
Não
Sim
83%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Entretanto, a despeito do divulgado, é necessário salientar que neste caso, o
direito ao acesso à informação não cabe ser alegado pelos profissionais de saúde
como para qualquer cidadão, pois os profissionais de saúde têm o dever de
conhecer as legislações e normas técnicas, visto que colocam como um dos seus
objetivos a democratização de informações154.
Com relação ao conhecimento da existência do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), 71% dos profissionais argüiram conhecê-lo, entretanto, apenas
14% (05) relataram já ter lido o Estatuto todo, conforme os gráficos abaixo.
GRÁFICO 5 - CONHECE O ECA?
GRÁFICO 6 - VOCÊ JÁ LEU O ECA TODO?
14%
29%
Sim
Não
Sim
Não
71%
86%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Em consonância com os dados apresentados, Lilia Schraiber aponta um
aspecto relevante: a dificuldade dos profissionais de saúde em lidar com problemas
da esfera social e da subjetividade humana (ressaltam-se, sobretudo, aqueles com
formação estritamente baseada no modelo biomédico). Essa dificuldade não se
limita à inabilidade quanto às ações práticas, mas ao fato, de muitas vezes, não
154
VASCONCELOS, Ana Maria. A prática do Serviço Social: Cotidiano, formação e alternativas na
área da saúde, 2003.
73
conseguirem visualizar os aspectos sociais e culturais relacionados aos problemas
de saúde e a inabilidade de lidar com aspectos emocionais155. E é realmente, o que
tem ocorrido, grande parte dos profissionais não se preocupa e não se envolve com
os aspectos psicossociais, como pode ser evidenciado na afirmação de uma das
entrevistadas,
“(...) o despreparo e a falta de informação podem prejudicar na hora do
atendimento (...) sei que existe o Estatuto da Criança mais nunca tive
interesse em ler, pois acho que não ajudaria na minha prática, isso é mais
156
para as Assistentes Sociais” .
Conforme dados da pesquisa de campo, constatou-se também que apenas 40%
(14) dos profissionais pesquisados dizem já ter atendido alguma vítima de violência
sexual infanto-juvenil, destes as assistentes sociais foram as que mais identificaram
esta demanda (80%).
GRÁFICO 7 - JÁ ATENDEU ALGUM CASO DE VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTOJUVENIL NO EXERCÍCIO DA SUA PROFISSÃO?
40%
Sim
Não
60%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Com relação à resolutividade do caso, dos 40% (14) dos profissionais que já
identificaram algum caso de violência sexual infanto-juvenil, grande parte deles
(67%) revela não ter tomado nenhum procedimento clínico. Dos 60% (21) dos
profissionais entrevistados que nunca atenderam algum caso de violência sexual
infanto-juvenil, 60% (outros) relatou que se atendessem algum caso de violência
sexual infanto-juvenil não saberiam quais os procedimentos clínicos tomariam e os
40% restantes representam aqueles profissionais que não podem tomar nenhum
155
SCHRAIBER, Lilia Blima. No encontro da técnica com a ética: O exercício de julgar e decidir no
cotidiano do trabalho de medicina. Interface – Comunicação, Saúde e Educação, 1997.
156
M I. Pesquisa de Campo, 2009.
74
procedimento clínico, tais quais: Assistente Sociais, Agente Comunitário de Saúde
(ACS) e Técnicos de Enfermagem e por isso ficaram com a opção “não se aplica”.
GRÁFICO 8 - QUAIS FORAM OS PROCEDIMENTOS
CLÍNICOS ADOTADOS?
GRÁFICO 9 - QUAIS SERIAM OS PROCEDIMENTOS
CLÍNICOS ADOTADOS?
20%
40%
13%
67%
Exame Físico
Não se aplica
Nenhum procedimento clínico
60%
Não se aplica
Outros
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Segundo os entrevistados que já atenderam casos de violência sexual, não
tomaram nenhum procedimento clínico por não saber o que fazer e por dizer que o
serviço de saúde não dispõe de material necessário para realização de algum
procedimento. Contudo, o que foi evidenciado através da observação, é que em
todas as unidades de saúde os anticoncepcionais de emergência157 estão
disponíveis à população.
Outro procedimento clínico necessário e disponível em quase todos os
serviços de saúde pesquisados (com exceção das unidades de saúde da família,
mas que, entretanto, poderiam encaminhar o caso a alguma unidade básica,
policlínica ou SPA) é a profilaxia de doenças sexualmente transmissíveis, que, por
sua vez, não foi realizado em nenhum dos casos atendidos, contrapondo-se ao que
orienta o Ministério da Saúde,
“(...) parte importante das infecções genitais decorrentes da violência sexual
pode ser evitada. Doenças como gonorréia, sífilis e outras podem ser
prevenidas com o uso de medicamentos de reconhecida eficácia. Esta
medida é fundamental para proteger a saúde sexual e reprodutiva dos
adolescentes dos possíveis e intensos impactos da violência sexual”158.
157
A anticoncepção de emergência é o método anticonceptivo que previne a gravidez após a
violência sexual, utilizando compostos hormonais concentrados e por curto período de tempo. Cabe
ao profissional de saúde avaliar cuidadosamente o risco de gravidez para cada usuário que sobre
violência sexual (Cf. TAVARES. O Papel do Enfermeiro frente a uma situação de violência sexual
acometida à mulher, 2008).
158
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual
contra Mulheres e Adolescentes: norma técnica, p. 27, 2005.
75
Com relação aos procedimentos psicossociais adotados pelos profissionais
que já atenderam algum caso de violência sexual 46% encaminharam ao Serviço
Social e 54% não tomaram nenhum procedimento: 27% por não saber o que fazer,
20% por ter medo de represália da família e 7% por não se envolver em questões
familiares. Quanto aos profissionais que nunca atenderam nenhum caso de violência
sexual, 35% dos profissionais responderam que se atendessem essa demanda
encaminhariam ao Serviço Social, 34% conversaria com o chefe imediato, 9%
encaminharia ao Conselho Tutelar e 22% não tomaria nenhum posicionamento,
pois: tem medo de represália da família da vítima (9%) e outros não sabem o que
fazer (13%).
GRÁFICO 11 - QUAIS SERIAM OS PROCEDIMENTOS
PSICOSSOCIAIS ADOTADOS?
GRÁFICO 10 - QUAIS FORAM OS
PROCEDIMENTOS PSICOSSOCIAIS ADOTADOS?
27%
7%
35%
9%
13%
20%
9%
34%
46%
Conversaria com o chefe imediato
Nenhum, pois tenho medo de represália da família da vítima
Encaminharia ao Serviço Social
Nenhum, nunca sei o que fazer
Nenhum, não me envolvo em questões familiares
Encaminharia ao Conselho Tutelar
Encaminhei ao Serviço Social
Nenhum, não saberia o que fazer
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Nenhum, pois tenho medo de represália da família da
vítima
Observa-se aqui, por parte das unidades e dos profissionais, tanto os que já
atenderam algum caso de violência sexual quanto aqueles que não atenderam, um
silêncio e uma ausência de ações sistemáticas e continuadas, articuladas com as
comunidades, escolas e as distintas instâncias de atenção à saúde da criança e do
adolescente. Evidencia-se com extrema clareza que não existe conhecimento dos
profissionais acerca dos procedimentos (tanto clínico quanto psicossocial) que
devem
ser
adotados
frente
aos
casos
de
violência
sexual
e
também
desconhecimento da rede articulada de resolubilidade. O que existe são
profissionais que individualmente tomam algum (ou nenhum) procedimento que
“acham ser corretos ou mais cômodos”, trazendo como conseqüência,
76
“(...) a compartimentalização e fragmentação das ações dos diferentes
serviços e fluxos, confusão de papéis, duplicidade de ações, revitimização,
descontinuidade no atendimento e indefinição de portas de entrada”159.
Deste modo, vê se que falta uma definição160 e divulgação global, particular e
articulada, de competências e uma clara definição de papéis. A rede carece de
padronização de procedimentos técnicos, de rotinas estabelecidas de referência e
contra-referência.
Com relação à notificação dos casos atendidos de violência sexual infantojuvenil 89% dos profissionais que já atenderam caso de violência sexual infantojuvenil, não o notificaram ao órgão responsável, apenas 11% (principalmente
assistentes sociais) dos casos foram notificados, e destes casos notificados nenhum
(0%) retornou ao serviço de saúde, por isso, os profissionais não tomaram mais
conhecimento do caso.
“(...) a gente não tem tempo para fazer nada, quanto mais para ligar para o
Conselho Tutelar para ter posicionamento dos casos (...). Aliás, o Conselho
Tutelar tinha que ser um parceiro nosso, e dar um posicionamento dos
casos notificados para depois fazermos os acompanhamentos e
encaminhamentos necessários”161.
“(...) já notifiquei, o negócio é que a gente não tem retorno, eu nunca tive
retorno, aí até desmotiva, ninguém nem sabe se algum procedimento
realmente é tomado após a notificação”162.
Assim sendo, o que se evidencia é que a integração entre o setor Saúde e os
Conselhos Tutelares ainda se encontra relativamente pouco expressiva. Para tanto,
faz-se necessário que os profissionais de saúde compreendam os procedimentos
que os Conselhos Tutelares adotam com as vítimas por eles encaminhadas.
A intervenção do Conselho Tutelar se dá a partir de uma denúncia ou
notificação de que os direitos de uma criança ou adolescente estão sendo violados
159
FALEIROS, Vicente de Paula et. al. Circuito e curtos-circuitos: atendimento, defesa e
responsabilidade do abuso sexual contra crianças e adolescente no Distrito Federal, p.110, 2006.
160
Pensa-se definição no sentido de organização interna das próprias unidades de saúde, tendo em
vista que já existe um fluxo de atendimento pré-determinado pelo Ministério da Saúde, conforme
demonstrado anteriormente.
161
AS III. Pesquisa de campo, 2009.
162
AS VII. Pesquisa de campo, 2009.
77
ou ameaçados. Isso significa que a partir de então, se inicia um procedimento para
restabelecer o estado de direito da criança ou do adolescente, mas também uma
atuação preventiva para que essa transgressão não venha a acontecer novamente.
O Conselho Tutelar não precisa de provas evidentes para apuração de uma
denúncia que poderá ser feita inclusive anonimamente.
Nas relações com os serviços de saúde, várias estratégias podem ser
utilizadas para recebimento das notificações provenientes deles.
“Quando há uma boa relação entre ambas as instituições, antes do
envio da notificação via fax ou correio, ocorrem contatos telefônicos em que
profissionais de saúde e conselheiros discutem sobre as condutas que
auxiliariam no atendimento imediato ao caso. Esse breve contato abrevia o
trabalho do Conselho; reduz a possibilidade de acontecer outra situação
desgastante para a vítima, pela repetição do atendimento que muitas vezes
em si é invasivo e humilhante; e permite uma avaliação mais
interprofissional; além de ampliar a informação sobre o caso”163.
Em contraposição, à estratégia apresentada, nos serviços de saúde
pesquisados, as notificações são apenas enviadas via fax e não há nenhuma
interação entre os serviços.
Dos profissionais que nunca atenderam violência sexual infanto-juvenil, caso
atendessem apenas 10% disseram que notificariam o caso ao Conselho Tutelar, os
outros 90% informaram que não notificariam.
GRÁFICO 12 - VOCÊ NOTIFICOU O CASO A
ALGUM ÓRGÃO?
GRÁFICO 13 - NOTIFICARIA O CASO A
ALGUM ÓRGÃO?
10%
89%
11%
Sim
Não
90%
Sim
Não
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
163
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes: um passo a
mais na cidadania em saúde, p. 26, 2002.
78
Em consonância com os dados apresentados, o Manual de Notificação de
Maus-Tratos contra crianças e adolescentes cita Finkelhor (1993) que expõe as
cifras do National Incidence Styde (NIS), órgão que tem como uma das principais
funções, saber a dimensão dos maus-tratos conhecidos pelos profissionais e não
reportados às agências de proteção. Segundo o NIS,
“(...) 65% de todos os casos de maus-tratos e 60% dos casos muito graves,
conhecidos por profissionais que lidam com crianças e adolescentes nem
chegam ao sistema de proteção, porque não são notificados”164.
Assim, sugere-se igualmente que os profissionais da rede de proteção sejam
ainda melhor qualificados e que o trabalho de prevenção e suporte às famílias, seja
priorizado. Em qualquer hipótese, deve-se considerar que a divulgação sobre a
necessidade e a obrigação de notificar deve continuar. Aliás, esse debate alerta o
Sistema de Saúde para a necessidade de empreender, desde já, um movimento de
capacitação dos profissionais e de qualificação daqueles que vão lidar com a
constatação das notificações e com o atendimento e acompanhamento das vítimas e
de suas respectivas famílias. Além disso, é preciso investir tecnicamente para que
esse sistema de registro possibilite o processo de avaliação continuada e
monitoramente da rede de proteção que só se efetivará se houver investimento em
pessoas, equipamentos e meios para ação.
Seguindo-se na apresentação dos dados coletados, demonstra-se que 89%
dos casos subnotificados (Cf. Gráfico 12) se deu em detrimento dos profissionais
não saberem o que fazer (43%), por não se envolverem em problemas/questões
familiares (29%), por terem medo de represália da família (14%) e por preguiça,
comodismo e pressa no atendimento (14% - outros).
“Os profissionais não notificam por preguiça! Falando sério e
conhecendo os colegas e me conhecendo é pura preguiça, muitas vezes
somos acomodados, às vezes a gente só notifica quando o caso é muito
165
gritante” .
164
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes: um passo a
mais na cidadania em saúde, p. 21, 2002.
165
M I. Pesquisa de campo, 2009.
79
Dos 90% que confirmaram que não notificariam o caso (Cf. Gráfico 13),
informaram que não notificariam por não saber como fazer (75%) e por não se
envolver em problemas familiares (25%).
GRÁFICO 14 - PORQUE NÃO NOTIFICOU O CASO?
14%
GRÁFICO 15 - PORQUE NÃO NOTIFICARIA O
CASO?
25%
14%
29%
75%
43%
Medo de represália por parte da família
Não saber como fazer
Por não se envolver em problemas familiares
Outros
Não saber como fazer
Por não se envolver em problemas familiares
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Estes percentuais altamente significativos indicam a necessidade de trabalhos
sensibilizadores que alcancem efetivamente essa parcela de profissionais que não
notificam e argumentam o motivo com a informação de não saber como fazer.
E, além dos aspectos supracitados, os profissionais relataram como principais
fatores da subnotificação: “o desconhecimento da ficha de notificação”166, “falta de
interesse e compromisso do profissional para investigar”167, “por preferir não se
envolver em problemas familiares”168, “demanda muito grande, poucos profissionais
e sobrecarga de trabalho”169.
Acrescenta-se ainda, a precariedade de suportes
sociais e a ineficiência dos existentes levam os profissionais de saúde à descrença
com relação aos resultados de suas notificações.
De fato, profissionais entrevistados por Virginia Tilden alegaram, como
principal razão para não notificar, o fato de que a notificação desencadeia uma série
de ações que fogem ao seu controle e são muitas vezes contra terapêutica. Os
profissionais são colocados, então, diante de um dilema ético entre o dever de
notificar e a baixa confiabilidade na habilidade do sistema em responder
efetivamente à notificação. Assim, alguns autores acreditam que essa é uma das
166
M II, IV, V; E II, VI; TE I, II, IV. Pesquisa de Campo, 2009.
M I, AS IV. Pesquisa de Campo, 2009.
168
M III, VI; AS I, III; P II. Pesquisa de Campo, 2009.
169
AS V, VI; TE III. Pesquisa de Campo, 2009.
167
80
causas para o grande número de profissionais que não suspeitam de abuso, dado
que a negação seria uma solução para esse dilema ético170.
Estes dados se tornam inquietantes, pois o atendimento na rede de saúde,
por vezes, deveria ser a primeira oportunidade de revelação de uma situação de
violência. Assim, a possibilidade de diagnosticar a situação deveria ser valorizada
pelo profissional, fazendo as perguntas adequadas e investigando hipóteses
diagnósticas.
É válido ressaltar, entretanto, que embora existam profissionais que trazem as
dificuldades relatadas, encontram-se também aqueles poucos que demonstram
competência no trato da questão, comprometidos e sensibilizados com a causa da
vitimização, “estes profissionais que estão envolvidos com a questão facilitam a
identificação do fenômeno, dinamizando o trabalho em parceria”171. Contudo,
trabalhar um aspecto de tamanha complexidade, como o da violência sexual, requer
um envolvimento de uma equipe articulada, comprometida e capacitada para intervir
na questão, deste modo, a intervenção individualizada não é capaz de romper com o
ciclo de vitimização que permeia a sociedade.
Com os dados apresentados, constata-se a necessidade por parte de todos
os profissionais, de uma competência teórica, técnica, política e ética, possibilidade
esta que só está dada numa formação profissional continuada, colada na realidade
objeto da ação profissional, conforme será apresentado no capítulo a seguir. Sem
esta competência, pouco poderá ser feito para reversão da situação da saúde
pública brasileira.
170
TILDEN, Virginia et. al. Factores that influence clinicians assessment and management of family
violence. American Journal of Public Health, 1994.
171
CRAMI. Abuso sexual doméstico: atendimento às vítimas e responsabilização do agressor, p. 51,
2005.
81
III CAPÍTULO
SAÚDE X VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO JUVENIL: Análise e Discussão das
Práticas Profissionais Cotidianas
3.1 AS PRÁTICAS PROFISSIONAIS EM SAÚDE FRENTE AOS CASOS DE
VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL
A política de atendimento integrada à prática de saúde é um elemento
fundante da qualidade do Sistema Único de Saúde (SUS), visto que é esta prática
de assistência que vislumbra o restabelecimento integral da saúde do usuário a ser
atendido. Para isso, se faz necessárias melhorias relacionadas a condições
estruturais, em termos de qualificação profissional, acesso a equipamentos,
estrutura física, etc. Além de todos estes aspectos científicos e tecnológicos, é
fundamental um correspondente avanço na construção de relações humanas de
trabalho e atendimento em saúde, pautadas em um padrão ético de respeito e
dignidade.
Embora existam várias teorias éticas e modelos de análise teórica, não se
pretende aqui fazer uma revisão sobre os diversos modelos de prática profissional172
172
Exprime não apenas a capacidade técnico-operativa de quem a realiza, mas também, e
principalmente, sua posição existencial, política e ideológica face às relações da sociedade em que
vive. É essa posição que particulariza a intervenção profissional, dando-lhe uma qualidade,
imprimindo-lhe uma direção – o que não significa necessariamente que os profissionais deixem de
reproduzir os serviços concretos, definidos institucionalmente e solicitados pela população (...). Isto
significa que a visão de mundo que informa o profissional para forjar a sua prática se gesta
historicamente, como produto das relações concretas da sociedade onde ele se articula: se constrói
no hoje, tendo por base o passado (as determinações) e se volta para o futuro (as intencionalidades),
82
existentes, nem tampouco entrar em definições, caracterizações e comparações
entre os diversos termos utilizados. Pretende-se sim, oferecer fundamentos para a
reflexão sobre o agir profissional nas distintas Instituições de saúde do Distrito de
Saúde Norte.
No que tange à Instituição, Martinelli discorre que no paradigma clássico do
positivismo, a Instituição é vista como um sistema pronto e acabado, que busca se
manter em permanente estabilidade, utilizando-se para tanto de mecanismos
coercitivos, de controle, autoridade e poder. Sua lógica é a lógica da burocracia, da
justificação e sua prática é a reprodução do já produzido. Não por acaso, esta visão
de Instituição leva a uma prática providencialista, mecânica, individual, onde as
ações, cada vez mais burocratizadas, esvaziam a dimensão humana do trabalho. É
uma Instituição que reproduz, sem contestar, a ideologia do sistema que a cria, e,
neste sentido, a reforça permanentemente173.
Assim nesta lógica, não há espaço para criação do novo, pois a prática é
ritualística, mimética, ou seja, se faz por imitação, eliminando a noção de
compromisso. Ao invés de se apoiar em uma proposta, apóia-se nas ações em si
mesmas, as quais se expressam através do cumprimento de tarefas. De tanto
cumpri-las, mimeticamente, o profissional vai se exaurindo, se extenuando, se
transformando na caricatura de si mesmo.
Enfocada sob a perspectiva dialética, a Instituição é, acima de tudo,
“(...) o espaço permitido para a realização da prática profissional. É o
cenário onde se desenvolvem as ações profissionais, ações estas
socialmente construídas e voltadas para um fim comum. Neste sentido é o
local onde se desenvolve, também a nossa luta profissional. Portanto, é um
espaço contraditório e complexo, no qual se localizam, paradoxalmente,
tanto as vias de resistência, quanto as vias de transformação. Localizar
estas vias, é decifrar o enigma, é avançar ou recuar com a prática
profissional, é assumir a prática enquanto espaço de reprodução ou espaço
de autonomia”174.
numa relação dialética passado/presente/futuro no qual o presente está quotidianamente sendo
criado e recriado com a incorporação seletiva de saberes (BAPTISTA, Myrian Veras. A produção do
conhecimento social contemporâneo e sua ênfase no Serviço Social, p.17, 2001).
173
Cf. MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social, Identidade e Alienação, 1989.
174
Id. Ibid. p. 02, 1989.
83
Portanto, pode-se dizer que a instituição é tanto o locus de efetivação da
prática profissional quanto de conflitos, uma vez que é um local de confrontações
ideológicas em detrimento de certa realidade, visando a alteração de uma
determinada situação. Deste modo, dialeticamente, a Instituição é um espaço de
ação coletiva e não de realização de tarefas individuais. Sua lógica é a lógica do
compromisso, da superação, seu percurso vai da particularidade para a totalidade,
do diálogo para a reflexão, da reflexão para a construção de mediações
historicamente construídas e socialmente viáveis.
E, partindo desta visão, cabe a cada profissional, em especial aos da saúde
que é foco deste estudo, romper com a prática providencialista, rotineira, reduzida,
de imitação e caminhar na construção de uma prática autônoma, consistente,
vigorosa e forte, uma prática dinâmica, criativa, voltada permanentemente para o
novo e para uma visão holística de ser humano.
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no sentido de possibilitar o
acesso a saúde como direito de todos e dever do Estado, reforçando a noção
ampliada da compreensão da relação saúde/doença como decorrência das
condições de vida e trabalho, bem como, o acesso igualitário de todos os serviços
de promoção e recuperação da saúde, reconheceu treze profissões de saúde,
respeitando a integralidade das ações, a participação social, afirmando a
importância da ação interdisciplinar no âmbito da saúde e reconhecendo como
imprescindíveis, as ações realizadas por diferentes profissionais. Deste modo,
estabelece que,
“(...) são reconhecidos como profissionais de saúde os assistentes sociais,
biólogos, profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos,
fisioterapeutas,
fonoaudiólogos,
médicos,
médicos
veterinários,
nutricionistas, odontólogos, psicólogos e os terapeuta ocupacionais”175.
A necessidade desta resolução do CNS revela a dificuldade não só de
reconhecer a imprescindibilidade das ações realizadas pelos diferentes profissionais
de nível superior, mas, principalmente de efetivar uma ação interdisciplinar no
âmbito da saúde, a partir da compreensão da,
175
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, Resolução n°. 218 de 06/03/1997.
84
“relação saúde/doença como decorrência das condições de vida e de
trabalho, bem como o acesso igualitário de todos os serviços de promoção,
proteção e recuperação da saúde, colocando como uma das questões
fundamentais a integralidade da atenção à saúde e a participação social”176.
Assim sendo, as Políticas de Saúde ajudam a (re)desenhar práticas mas
parece que são apreendidas e concretizadas isoladamente, tendo como pano de
fundo as práticas e rituais já institucionalizados, como pode ser observado no
decorrer deste trabalho. Nota-se que apesar dos distintos dispositivos legais
nortearem para um momento de transição de um modelo eminentemente biológico,
curativo, para um modelo que busca a integralidade da atenção em saúde, as
práticas estão cada vez mais intransigentes, arraigadas e desprovidas de uma visão
holística do processo saúde-doença. Além disso, identifica-se empiricamente que
são práticas altamente especializadas contrapondo-se às práticas integralizadoras e
práticas
fragmentadas
em
saberes
profissionais
isolados,
em
instituições
hospitalares, ambulatoriais e de atenção básica, ainda pouco articuladas. Não
parece haver movimentos de conciliação nessas práticas que em suas positividades
se complementam. E, o que se observou nas visitas às unidades de saúde foi
profissionais presos ao modelo clínico-assistencial.
Permanecendo no interior dos seus consultórios (não raro o único espaço da
unidade que conhecem além da sala de assinatura do “ponto”, habitualmente
situada ao lado da sala do diretor), os médicos não portam uma visão dinâmica
institucional e do conjunto das reais demandas que os segmentos populares trazem
para o interior das unidades de saúde. No caso dos enfermeiros, ainda que num
movimento diferente porque circulam cotidianamente no interior das unidades,
alguns ainda estão presos ao movimento institucional. Para estes, a circulação, no
interior das unidades, objetiva mais a gerência do pessoal da enfermagem do que a
viabilização de ações voltadas diretamente para os usuários. Assim, no seu
conjunto, os profissionais de saúde, se por vezes observam a freqüência da
reincidência de muitos problemas de saúde devido a fatores que escapam às ações
assistenciais, fazem desta observação justificativa para atitudes pessimistas em
relação aos possíveis resultados da prática profissional na saúde pública. Mesmo
que tenham suporte para uma prática diferenciada na legislação, como exemplo, a
Resolução do CNS (n°218) citada anteriormente, que amplia a definição de
176
Id. Ibid. 1997.
85
profissional de saúde de acordo com o sentido social, econômico e cultural do
conceito de saúde, a maioria dos profissionais desconhece e/ou não procura
conhecer e criar condições objetivas para uma ação relacionada às necessidades
cotidianas, que rompa com rotinas e determinadas práticas institucionais.
Com todas as restrições, o profissional que porta uma inserção institucional
não programada, em definitivo, como os demais profissionais e que, por isso
mesmo, é levado a conquistar no cotidiano o seu espaço profissional, no interior das
unidades de saúde, é o assistente social que, na procura de parcerias para
realizações de suas ações, acaba por fomentar e incentivar o oferecimento de ações
que transcendem o consultório e a cura, incentivando o trabalho em equipe. Mas,
mesmo assim, a prioridade é dada para ações no interior das unidades de saúde em
detrimento do trabalho com a população circunvizinha, mesmo nas unidades básicas
de saúde, espaços que deveriam ser característicos de ações preventivas, de
promoção e educação em saúde. Além disso, os assistentes sociais são vistos como
solucionadores de todos os problemas psicossociais e burocráticos da unidade,
como já fora demonstrado no capítulo anterior. Grande parte dos profissionais não
se envolve com problemas de cunho social, fazendo com que as ações que não
sejam relativas aos aspectos clínicos sejam desviadas para os assistentes sociais
ou mesmo não seja abordada pelos distintos profissionais, ocorrendo assim, uma
omissão dos atendimentos prestados.
“Uma prática reflexiva implica em problematizar situações cotidianas
com as quais nos deparamos quando assistimos pessoas, seja promovendo
a saúde; prevenindo má-saúde; ou, cuidando de pessoas em má-saúde.
Significa tomar em consideração as dúvidas do nosso dia-a-dia, as quais
nos forçam a refletir constantemente sobre qual a melhor forma de aplicar
uma injeção, contar a uma pessoa que a cirurgia não teve o êxito esperado,
banhar alguém mesmo sem ter o material necessário, a melhor maneira de
desenvolver ações educativas em saúde, e assim por diante. Existem
conceitos-chave que devem ser considerados numa situação de conflito.
Dentre eles, destaco os conceitos de tolerância, eqüidade, solidariedade e
responsabilidade, como imprescindíveis para avaliar questões relativas aos
conflitos morais do cotidiano da saúde”177.
Longe de querer responsabilizar os profissionais de saúde pelas condições
atuais da saúde pública no Brasil, mas sem profissionais de saúde com uma
formação/capacitação teórico-prática, ética e política de qualidade, dificilmente ter177
BUB, Maria Bettina Camargo. Ética e Prática Profissional em Saúde, p.70, 2005.
86
se-á uma defesa eficiente da saúde pública e do projeto de Reforma Sanitária (que
ganha alguma expressão no projeto do SUS, conforme elucidado no Capítulo I) por
parte de população usuária e por parte dos próprios profissionais de saúde.
Este aspecto é relevante, pois o conhecimento técnico-científico aliado à
prática e sensibilidade dos profissionais de saúde para aplicação de ações
humanizadas são elementos essenciais na atenção a saúde, e em especial no
cuidado à saúde de às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, pois os
esforços para o reconhecimento da prevalência da violência, sua caracterização
como fenômeno social de grande magnitude, são desafios a todos que lidam com o
problema. Por sua complexidade, a resposta à violência, exige a organização da
atenção e da rede de proteção, o engajamento, capacitação, prevenção e a
contribuição de diferentes profissionais.
Todavia, ao tratar de capacitação em atenção à saúde de crianças e
adolescentes vítimas da violência sexual com os profissionais da saúde do Distrito
de Saúde Norte, identificou-se que 89% dos profissionais não se sentem
capacitados para prestar os atendimentos necessários a estas vítimas, apenas 11%
sentem-se capacitados, conforme o gráfico abaixo.
GRÁFICO 16 - VOCÊ SE SENTE CAPACITADO PARA ATENDER E
ORIENTAR CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DA VS?
89%
Sim
Não
11%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
A partir destes dados, analisa-se que as equipes de saúde devem receber
capacitação para o atendimento integral às demandas apresentadas pelas vítimas
de violência sexual infanto-juvenil, estabelecimento de medidas protetoras
(anticoncepção de emergência, profilaxia das DST/HIV) e distintos aspectos
essenciais para o atendimento humanizado, respeitando-se seus direitos e
atendendo suas necessidades.
Tendo em vista que os profissionais de saúde estão em posição estratégica
para diagnóstico e a atuação sobre o problema da violência, em especial a violência
87
contra crianças e adolescentes, é necessário que existam mecanismos bem
definidos de detecção e encaminhamento das vítimas. A eficácia desses
mecanismos colabora para que os cuidados sejam prestados quanto mais imediatos
possível, dentro das demandas de cada caso.
“O atendimento aos casos de violência sexual requer a sensibilização
e capacitação de todos os funcionários do serviço de saúde. Ainda que
cada profissional de saúde cumpra papel específico no atendimento, todos
devem estar sensibilizados para as questões da violência e capacitados
para acolher e oferecer suporte às vítimas”178.
Adverso do que deveria ocorrer apenas 03% dos profissionais entrevistados
relataram já ter participado de curso de capacitação/sensibilização para atendimento
às crianças e adolescentes vítimas da violência sexual no Distrito de Saúde Norte da
cidade de Manaus/AM, segundo ilustra o gráfico que segue.
GRÁFICO 17 - VOCÊ JÁ PARTICIPOU DE CURSO DE CAPACITAÇÃO
PARA ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE VS INFANTO-JUVENIL?
97%
Sim
Não
3%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
E quando indagados se gostariam de participar de cursos de capacitação
para atendimento às vítimas de violência sexual, 100% dos profissionais afirmaram
que sim. Dessa forma, vê-se que os profissionais demonstram disponibilidade e
interesse para atualizações em saúde, cabendo, então, às instâncias superiores
(DISA Norte e SEMSA) promoverem, sistematicamente, oficinas, grupos de
discussão, cursos, ou outras atividades de capacitação, atualização dos
profissionais e avaliação dos serviços. Isso é importante,
“(...) para ampliar conhecimentos, trocar experiências e percepções, discutir
preconceitos, explorar os sentimentos de cada um em relação a temas com
178
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual
Contra Mulheres e Adolescentes: norma técnica, p. 24, 2005.
88
os quais lidam diariamente em serviço, a exemplo da violência sexual,
buscando compreender e melhor enfrentar possíveis dificuldades pessoais
ou coletivas”179.
Em se tratando da formação acadêmica, o gráfico a seguir demonstra que
91% dos entrevistados relataram não ter tido nenhuma discussão relativa à
responsabilidade de denúncia nos casos de violência infanto-juvenil. De acordo com
uma das entrevistadas, essa situação se torna inquietante, pois,
“(...) as vítimas de violência sexual trazem em seu corpo as marcas visíveis
e invisíveis de uma história vivenciada que causa dor, medo, angústia,
depressão, sofrimento e, ao ser compartilhada com o profissional de saúde,
afeta-o, gerando o sentimento de impotência por não conseguirmos resolver
o problema como desejamos, uma vez que não tivemos, na formação
acadêmica e até mesmo na prática profissional cotidiana, embasamento
teórico nem vivências que propiciem a reflexão”180.
GRÁFICO 18 - NA SUA FORMAÇÃO ACADÊMICA VOCÊ TEVE ACESSO A
DISCUSSÕES RELATIVAS A RESPONSABILIDADE DE DENUNCIA NOS CASOS
DE VIOLÊNCIA INFANTO-JUNENIL?
6%
3%
Sim
Não
Não lembra
91%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
A partir do exposto, aponta-se para a necessidade de se introduzir o tema da
violência sexual nos cursos de graduação e pós-graduação das áreas da saúde e
humanas a fim de capacitar os profissionais para o cuidado com as vítimas,
promover a implantação de capacitação permanente nas instituições de saúde, além
da criação de grupos dirigidos por um profissional especializado para que os
profissionais da saúde, que cuidam dessas vítimas, possam trabalhar não apenas o
sentimento de impotência, mas as experiências e sofrimentos compartilhados que
vão acumulando e podem afetá-los na sua multidimensionalidade.
Esta medida é necessária, pois as exigências para a qualidade do serviço
vêm cada vez mais rapidamente,
179
180
Id. Ibid, p. 24, 2005.
M I. Pesquisa de Campo, 2009.
89
“(...) e continuamos com profissionais de décadas atrás que, se já não
respondiam por competências para atendimento de antigas demandas,
tampouco respondem por novas competências sócio-políticas e teóricoinstrumentais, para atendimento de antigas e novas demandas”181.
Deste modo, com relação à formação e prática profissional, muito há que se
caminhar, pois a fragilidade e, sobretudo, a fragmentação teórico-conceitual dos
profissionais pesquisados ficou evidente em toda a pesquisa de campo, o que supõe
a exigência de engajamento de um maior número de profissionais no esforço de
pensar e repensar teoricamente a sua prática profissional e sua inserção social
histórica, pois,
“(...) a busca de uma ruptura teórico-prática com um fazer profissional
tradicional, conservador, que contribui somente na reprodução social, não
se efetivará sem uma articulação sistemática e de qualidade entre academia
e meio profissional. Não há projeto de formação profissional, nessa direção,
que tenha sustentação sem enfrentar a questão do fazer profissional, assim
como não é possível um projeto de profissão sem o enfrentamento da
relação teoria-prática. Assim, não há projeto profissional que consiga
sustentação e legitimidade tendo como base desejos, boas intenções e/ou
opções puramente políticas182”.
É nesse sentido que se torna indispensável, para o meio profissional, uma
articulação com a academia/debate profissional e também órgãos da categoria,
tendo em vista a apropriação do conhecimento produzido e a sinalização de temas
pertinentes que possam suscitar o interesse da academia; por outro lado, para a
academia/debate profissional torna-se necessária uma articulação com o meio
profissional no sentido de eleger e definir temáticas relevantes para a análise da
realidade e participação efetiva na construção de um projeto de profissão viável, na
direção pretendida, referência para a formação e trabalho profissional.
Na ausência dessa articulação, estarão postas as condições para que a
fissura existente nas categorias profissionais hoje venha a se concretizar numa
fratura,
complexificando
ainda
mais
suas
possibilidade
de
reorganização/
recuperação.
181
NETTO, José Paulo. Transformações societárias e Serviço Social – notas para uma análise
prospectiva da profissão no Brasil, p. 109, 1996.
182
VASCONCELOS, Ana Maria de. A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e alternativas na
área da saúde, p. 123, 2003.
90
3.2 ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS PARA ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE
VIOLÊNCIA SEXUAL
O atendimento de pessoas em situação de violência sexual exige o
cumprimento dos princípios de sigilo e segredo profissional. A Constituição Federal
no Art. 5° garante que,
“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurando o direito à indenização material ou moral decorrente
de sua violação”183.
O Art. 154 do Código Penal caracteriza como crime “revelar a alguém, sem justa
causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão,
e cuja revelação possa produzir dano a outrem”.
Ainda encontra-se no âmbito legal, que “o atendimento de crianças e
adolescentes em situação de violência sexual também se submete a estes mesmos
fundamentos éticos e legais”184. Se a revelação dos fatos for feita para preservá-la
de danos, está afastado o crime de revelação de segredo profissional, por isso, os
dados obtidos durante a entrevista, no exame físico e ginecológico, resultados de
exames complementares e relatórios de procedimentos devem ser cuidadosamente
registrados no prontuário da criança e do adolescente de cada serviço de saúde. “O
cuidado com o prontuário é de extrema importância, tanto para qualidade da atenção
em saúde, como para eventuais solicitações da Justiça”185.
Quando indagado aos profissionais se o código de ética da sua profissão lhe
daria respaldo em denúncia de violência sexual infanto-juvenil, 91% dos
profissionais responderam que não tinham conhecimento, 6% afirmaram que o
código de ética não o respaldava e apenas 3% afirmaram que são amparadas pelo
código de ética profissional, conforme ilustra o gráfico a seguir.
183
BRASIL. Constituição Federal, 1988.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção e Tratamento dos Agravos resultantes da Violência Sexual
contra Mulheres e Adolescentes, p. 16, 2005.
185
Id. Ibid., p. 11, 2005.
184
91
GRÁFICO 19 - O CÓDIGO DE ÉTICA DA SUA PROFISSÃO LHE DÁ
RESPALDO NA DENUNCIA DE VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES?
3%
6%
Sim
Não
Não sei
91%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Tais dados demonstram o insuficiente conhecimento ético-legal que poderia
fundamentar a moralidade dos profissionais entrevistados, pois a partir dos
referenciais analisados constatou-se que embora alguns códigos não sejam
objetivos e específicos na questão da violência sexual, está implícito em seus artigos
o compromisso e o sigilo profissional com os usuários, principalmente em situações
graves.
O Conselho Federal de Medicina, no parecer n°. 815/1997, expõe,
“o médico tem o dever de comunicar às autoridades competentes os casos
de abuso sexual e maus-tratos, configurando-se como justa causa a
revelação do segredo profissional”186.
Da mesma forma, o Código de Ética Médica, estabelece que,
“Art. 103 - É vedado ao médico revelar segredo profissional referente a
paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis, desde que
o menor de idade tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzirse por seus próprios meios para solucioná-los, salvo quando a não
revelação possa acarretar danos ao paciente”187.
O Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais, no Artigo 13, quando
discorre sobre os deveres do assistente social, nas relações com Entidades da
Categoria e demais Organizações da Sociedade Civil, diz:
“b) denunciar, no exercício da profissão, às entidades de organização da
categoria, às autoridades e aos órgãos competentes, caso de violação da
Lei e dos Direitos Humanos, quanto: a corrupção, maus-tratos, torturas,
186
187
Conselho Federal de Medicina – Parecer 815/97.
Código de Ética Médica, 2009.
92
ausência de condições mínimas de sobrevivência, discriminação,
preconceito, abuso de autoridade individual e institucional, qualquer forma
de agressão ou falta de respeito à integridade física, social e mental do
cidadão.”188
No Artigo 16, o Código estabelece que “o sigilo protegerá o usuário em tudo
aquilo de que o assistente social tome conhecimento, como decorrência do exercício
da atividade profissional”189. E no Art. 18,
“a quebra do sigilo só é admissível quando se tratarem de situações cuja
gravidade possa, envolvendo ou não fato delituoso, trazer prejuízo aos
interesses do usuário, de terceiros e da coletividade”190.
O Código de Ética da Psicologia, no artigo 27, institui,
“a quebra do sigilo só será admissível quando se tratar de fato delituoso e a
gravidade de suas conseqüências para o próprio atendido puder criar para o
psicólogo imperativo de consciência de denunciar o fato”191.
A Enfermagem em seu Código de Ética, quando trata dos princípios
fundamentais no Artigo 3°, diz: “o profissional de enfermagem respeita a vida, a
dignidade e os direitos da pessoa humana, e seu ciclo vital, sem discriminação de
qualquer natureza”192.
Assim, ratifica-se que os códigos de ética, a legislação e as organizações que
atendem o fenômeno da violência respaldam as práticas profissionais, e ainda, eles
são avanços incontestáveis quando se polemiza a discussão sobre a notificação, o
tratamento e a prevenção da violência.
Com relação à assistência às vítimas da violência sexual, o Ministério da
Saúde, estabelece que,
“(...) não há impedimento legal ou ético que o profissional da saúde preste a
assistência que entender necessária, incluindo-se o exame ginecológico e a
prescrição de medidas de profilaxia, tratamento e reabilitação”193.
188
BONETTI, Dilsea Adeodata et. al. Serviço Social e ética: convite a uma nova práxis, p. 232, 1996.
Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais, 1993.
190
Id. Ibid., 1993.
191
Código de Ética do Profissional Psicólogo, 1987.
192
Código de Ética Profissional da Enfermagem, 1979.
193
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual
contra Mulheres e Adolescentes: norma técnica, p. 15, 2005.
189
93
Assim, constata-se que a assistência à saúde da pessoa que sofre violência
sexual é prioritária e a recusa infundada e injustificada de atendimento pode ser
caracterizada, ética e legalmente, como omissão. Nesse caso, segundo o Art. 13, §
2° do Código Penal, “o médico pode ser responsabilizado civil e criminalmente pela
morte do usuário ou pelos danos físicos e mentais que sofrer”194. No atendimento
imediato após a violência sexual também não cabe a alegação do profissional de
saúde de objeção de consciência, na medida em que o usuário sofrer danos ou
agravos à saúde em razão da omissão do profissional.
3.3 ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO
Embora no nosso meio não existam recomendações oficiais para a
estruturação
do
atendimento
de
crianças
vítimas
de
maus-tratos
ou,
especificamente, de violência sexual, o Ministério da Saúde elaborou uma norma
dirigida ao atendimento de mulheres e adolescentes vítimas de violência sexual,
que, por ser a única disponível, foi utilizada como um parâmetro neste trabalho195.
Em termos de estrutura para o atendimento, esse documento recomenda que:
1) seja definido um local específico na unidade de saúde, de preferência fora do
espaço físico do pronto-socorro ou da triagem, garantindo-se assim a privacidade
necessária à entrevista e ao exame físico e estabelecendo-se um ambiente de
confiança e respeito. É recomendado que se evite identificar o local de atendimento,
de modo a não favorecer o surgimento de estigmas em relação às vítimas. Para
avaliação clínica e ginecológica, “é necessário espaço físico correspondente a um
consultório médico. Os procedimentos para o abortamento previsto por lei deverão
ser realizados em local cirúrgico adequado”196.
2) o atendimento seja feito por equipe composta por médicos, psicólogos,
enfermeiros e assistentes sociais;
3) a unidade disponha de equipamentos e materiais permanentes, em perfeitas
condições de uso, que satisfaçam as necessidades do atendimento e lhe confiram
autonomia e resolutividade. O manual lista o instrumental necessário, que engloba
194
BRASIL, Lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Dispões sobre o Código Penal Brasileiro.
Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência
Sexual contra Mulheres e Adolescentes: norma técnica, 2005.
196
Id. Ibid., p. 11, 2005.
195
94
desde mesa e cadeira para consulta, material descartável para exames
ginecológicos
e
máquina
fotográfica,
até
aparelho
de
ultra-sonografia
e
equipamentos próprios de um centro cirúrgico capacitado para proceder ao
esvaziamento da cavidade uterina;
4) seja mantido um sistema padronizado de registro de dados, de modo a possibilitar
a uniformização de informações dos vários serviços;
5) sejam realizadas dois tipos de atividades na unidade voltadas para aumentar o
conhecimento dos profissionais a respeito do tema:
a) sensibilização envolvendo todos os funcionários, cujo objetivo seria favorecer,
“a reflexão coletiva sobre o problema da violência sexual, as dificuldades
que meninas, adolescentes e mulheres enfrentam para denunciar este tipo
de crime, os direitos assegurados pelas leis brasileiras e o papel do setor
saúde, em sua condição de co-responsável na garantia desses direitos”197.
b) treinamento envolvendo os profissionais que prestam assistência direta às
vítimas, versando sobre o atendimento humanizado às mulheres que precisem
submeter-se à interrupção da gravidez. Especificamente para os médicos,
recomenda-se que haja treinamento para a utilização das diferentes técnicas
recomendadas para a interrupção da gestação.
E, a partir dos dados apresentados e dos dados coletados na pesquisa de
campo, pode-se realizar uma conveniente análise da estrutura das unidades de
saúde do Distrito de Saúde Norte em relação às recomendações supracitadas:
1) Quanto à estrutura física, o que se observou é que os serviços públicos de saúde
não dispõem de condições adequadas para desenvolver as atividades assistenciais
às vítimas de violência sexual, especialmente pela falta de privacidade.
“Aqui não dispõe de salas para todos os profissionais fico vagando pela
unidade procurando sala, quando chego cedo pego logo esta sala, mas
198
quando chego um pouco mais tarde, é complicado” .
“(...) a gente precisa de um ambiente de privacidade, entende? Que não
escute do lado de lá”199.
197
Id. Ibid., p. 11, 2005.
E III. Pesquisa de Campo, 2009.
199
TE V. Pesquisa de Campo, 2009.
198
95
Com estas alegações demonstra-se a insatisfação dos profissionais quanto à
infra-estrutura das unidades e, ao serem examinados os dados quantitativos, tal
insatisfação persiste, 94% dos profissionais informaram que a unidade de saúde em
que trabalham não dispõe de um ambiente físico adequado para atendimento às
vítimas de violência sexual, apenas 6% afirmaram que sim, conforme gráfico abaixo.
GRÁFICO 20 - VOCÊ ACHA QUE ESTE SERVIÇO DE SAÚDE
DISPÕE DE UM AMBIENTE FÍSICO ADEQUADO PARA
ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE V.S.?
6%
Sim
Não
94%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Comparando as distintas unidades de saúde, as que possuem uma melhor
estrutura para atendimento, tanto física quanto de equipamento permanente, foram
as Policlínicas e as Unidades Básica de Saúde (UBS). Nestas unidades os
atendimentos, ocorrem em compartimentos de uma das salas das unidades de
saúde. Essa sala geralmente conta com a seguinte infra-estrutura (para médicos e
enfermeiros): um técnico de enfermagem que recebe o paciente, distribui os
números para o atendimento de acordo com a ordem de chegada à unidade
(conforme já salientado no Capítulo I), verifica o peso, altura e pressão de cada
usuário; em cada divisão de sala existe uma mesa com três cadeiras, uma maca e
os impressos mais utilizados pelos profissionais; os compartimentos utilizados pelos
profissionais das unidades têm portas, no entanto, comumente vários profissionais
entram nas salas no momento das consultas (quer seja para tratar de algum assunto
relacionado ao atendimento/rotina de trabalho ou para tratar de assuntos pessoais)
e, por elas não ficarem trancadas, muitos dos usuários também acabam
“atrapalhando” a consulta; para higienização das mãos há uma pia em cada sala.
As consultas dos psicólogos ocorrem no setor de Psicologia, com salas
isoladas e geralmente pequenas. As consultas dos assistentes sociais ocorrem no
Serviço Social, que em algumas das unidades dispõe de um espaço que permite
tanto o atendimento individual quanto em grupo.
96
As unidades de saúde que apresentaram a realidade mais marcante foram as
vivenciadas nas Unidades de Saúde da Família200, que não possuem estrutura física
a contento para atendimento, conforme demonstram as Figuras abaixo.
FIGURA 2 – VISTA GERAL DA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Cozinha/Farmácia
Banheiro
Sala de atendimento
Fonte: Pesquisa de Campo/2009.
“(...) aqui não tem condição pra atender ninguém, não temos estrutura física
para atender essa demanda. Aqui na casinha só tem uma sala de
atendimento, uma recepção, uma farmácia/cozinha e um banheiro, para 10
profissionais. É claro que nem todo mundo fica toda hora aqui, temos que ir
pra área, mas mesmo assim, não tem como. Quando preciso atender algum
caso assim, tenho que ficar revezando com o médico, porque não vou
atender na recepção, com todo mundo escutando”201.
200
Em dezembro de 1993 o Ministério da Saúde (MS) cria um grupo de trabalho com objetivo de
discutir a proposta de implantação de um modelo de saúde mais adequado as necessidades do país.
Como resultado o grupo aponta para a criação de um programa que elege o núcleo familiar como
foco de suas ações, ou seja, o PSF (Programa de Saúde da Família), lançado no início de 1994 pelo
MS. Ao eleger a família como um sub-sistema decisório, consumidor e parceiro, verifica-se a
incorporação dos princípios básicos do SUS, inserindo a unidade de saúde da família no primeiro
nível de ações e serviços do sistema local de assistência, denominado atenção básica. Os princípios
da promoção da saúde, através do fortalecimento da atenção básica, tendo o PSF como seu eixo
estruturante, permitem a construção da saúde através de uma troca solidária, crítica, capaz de
fortalecer a participação comunitária, o desenvolvimento de habilidades pessoais, a criação de
ambientes saudáveis e a reorganização de serviços de saúde (SCÓZ, Tânia Mara Xavier e FENILI,
Rosângela Maria. Como desenvolver projetos de atenção à saúde mental no Programa de Saúde da
Família, 2003.
201
E III. Pesquisa de Campo, 2009.
97
FIGURA 3 – VISTA DA RECEPÇÃO DA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
“(...) veja o local onde nós trabalhamos, quando estamos na casinha
ficamos no meio do corredor onde você não pode fazer nem uma pergunta
relacionado a isso, é uma situação meio complicada pra gente, no meio do
corredor com um monte de gente te olhando, você não vai fazer
determinado tipo de pergunta, é até antiético, é falta de respeito, não dá pra
ter nenhum sigilo! Geralmente a gente tenta conversar na casa do usuário,
mais também é outro lugar inapropriado, porque tá toda a família ali”202.
FIGURA 4 – ÚNICA SALA DE ATENDIMENTO DA UNIDADE DE SAÚDE DA
FAMÍLIA
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
202
ACS II. Pesquisa de Campo, 2009.
98
Com os referenciais analisados no decorrer de todo este estudo, verificou-se
que o atendimento na rede de saúde, por vezes, pode ser a primeira oportunidade
de revelação de uma situação de violência. Assim, a possibilidade de diagnosticar a
situação deve ser valorizada pelo profissional, fazendo as perguntas adequadas e
investigando hipóteses diagnósticas. O compromisso de confidência é fundamental
para conquistar a confiança necessária não só à revelação da situação, como à
continuidade do atendimento. O sigilo no atendimento deve ser garantido,
principalmente pela postura ética dos profissionais envolvidos e isso inclui o cuidado
com a utilização dos prontuários, as anotações e a adequação da comunicação
entre a equipe, entretanto, como isso será possível neste serviço de saúde?
Deste modo, é necessário garantir espaço determinado, que ofereça
privacidade para a entrevista, de preferência sem a presença de pessoas que
possam inibir o relato da vítima. E, além disso, a equipe deve estar alerta no sentido
de evitar o vazamento de informações, a fim de não criar estigmas sobre o
atendimento.
2) Nos contatos realizados, além de se observar a inexistência de interação entre
os profissionais das próprias unidades de saúde, o que dificulta o atendimento às
vítimas e suas famílias, se constatou também que poucas são as unidades de saúde
que dispõe de equipe “desejável” conforme estabelece o Ministério da Saúde. Dos
08 serviços pesquisados, apenas 02 (dois) possuem todos os profissionais indicados
(Policlínica Monte das Oliveiras e UBS Armando Mendes), as outras 06 (seis) não
possuem psicólogos, o que não inviabiliza o atendimento, mas dificulta, conforme
argüição dos próprios entrevistados.
“(...) trabalhar em equipe é essencial. Nesse tipo de caso não dá pra ser de
outra forma. O único problema é que muitos profissionais não se dispõem a
discutir ou conversar sobre os casos. Trabalhar em equipe é difícil. Ou
melhor, muitos atendem na pressa para ir embora. Outro problema é que só
em duas unidades de saúde do DISA Norte dispõem de psicólogos, aí o
trabalho fica incompleto. Aqui, por exemplo, não tem, isso dificulta muito o
nosso trabalho, principalmente em se tratando de violência sexual infantojuvenil, pois as vítimas têm que ficar correndo de um lado para o outro”203.
“(...) seria muito bom se nas unidades da estratégia de saúde da família
tivessem assistentes sociais e psicólogos, acredito que facilitaria e muito o
203
AS II. Pesquisa de Campo, 2009.
99
nosso trabalho, porque nesses casos ainda temos que encaminhar para as
unidades de referência, só que nem sempre o paciente vai.”204
“(...) aqui ao invés de ter uma equipe interdisciplinar, existe uma equipe
multidisciplinar, cada profissional atende na sua sala e não há diálogo e
nem conversa sobre nenhum caso”205.
De fato a existência de uma equipe interdisciplinar206 é indispensável para o
atendimento às vítimas. Da forma como estão se apresentando os trabalhos das
equipes conclui-se que é muito mais um trabalho articulado de alguns profissionais
interessados na temática do que o trabalho de uma equipe articulada, que se
trabalha e se planeja para poder realizar suas ações na direção pretendida.
Segundo Furniss, o apoio interdisciplinar no trabalho com o abuso sexual não
é um “luxo”, “é uma exigência básica e deve ser parte integral da intervenção global,
uma vez que a tarefa no abuso sexual da criança é maior do que a capacidade e
responsabilidade que um único profissional ou agência pode abarcar”207.
E é devido à ampla gama de fatores que envolvem a violência sexual que se
deve ter um trabalho em equipe com enfoque nos direitos da criança, na
preservação da família e nos direitos dos pais em deter a guarda dos filhos. Esta
equipe tem o potencial de preservar recursos sociais e legais, ao indicar para
proteção e investigação os casos pertinentes.
Especificamente em relação ao médico, este profissional tem o papel
fundamental de assegurar à vítima e seus familiares o bem-estar da criança, a
cicatrização de possíveis lesões, o crescimento e desenvolvimento normal da
criança, além de não responsabilizá-la pelo ocorrido e bem como, contribuir para
encorajar os pais a manterem a vítima em tratamento208.
204
ACS II. Pesquisa de Campo, 2009.
P I. Pesquisa de Campo, 2009.
206
Segundo Piaget (1976), a interdisciplinaridade é apontada como laços existentes entre as diversas
disciplinas das ciências do homem, e entre estas e as ciências exatas e naturais, processo que
Piaget chamou de interconexões – problemas vistos de diferentes ângulos com a ajuda de métodos
convergentes. Daí a possibilidade de surgirem mecanismos gerais, mecanismos comuns ou a
investigação interdisciplinar. A interdisciplinaridade é um princípio mediador entre as diferentes
disciplinas, não sendo elemento de redução a um denominador comum, mas elemento teóricometodológico da diferença e da criatividade. É o princípio da máxima exploração das potencialidades
de cada ciência, da compreensão dos seus limites e, acima de tudo, é o princípio da diversidade e da
criatividade. Já, a multidisciplinaridade (MORIN, 1999) se constitui numa associação de disciplinas,
reunidas em função de um projeto ou de um objeto comum, cujos técnicos especialistas são
convocados para resolverem tal ou qual problema.
207
FURNISS, Tilman. Abuso Sexual da Criança: uma abordagem multidisciplinar, p. 247, 1993.
208
Cf. FURNISS, Tilman. Abuso Sexual da Criança: uma abordagem multidisciplinar, 1993.
205
100
Reportando-se ao papel da enfermagem frente à violência infanto-juvenil,
Ayuga & Lópes ressaltam que essa categoria, geralmente, é a que está mais
próxima da criança, com freqüência é o primeiro profissional a vê-la juntamente com
sua família, e proporciona o cuidado contínuo quando há necessidade de
hospitalização. Em diversas situações, é o único agente disponível para prestar o
atendimento, ficando, portanto, com a responsabilidade de tomar decisões tal como
a notificação.209
Os psicólogos e psiquiatras infantis, segundo Furniss, são geralmente
envolvidos nos casos de abuso sexual por serem considerados competentes na
comunicação com crianças, o que seria uma distorção de seu papel genuíno de
avaliar o estado de saúde mental da criança e de realizar terapia. Comenta que
realizar entrevistas de revelação e entrevistas legais tem pouco a ver com o
tradicional trabalho desses profissionais e acredita que essa seja uma tarefa
temporária, até que profissionais da lei sejam suficientemente treinados e
competentes para apurar os fatos210.
Já os assistentes sociais, para grande parte dos estudiosos desta temática,
têm reconhecida importância na atuação frente aos maus-tratos contra crianças e
adolescentes, pois, quase sempre, a categoria profissional é a única responsável por
lidar com os casos nas unidades de saúde.
Percebe-se
que
muitas
das
tarefas
supracitadas
como
sendo
de
responsabilidade de uma ou outra categoria profissional podem ser (e são na
prática) desempenhadas pelas demais categorias, ao menos parcialmente. Todavia,
é importante que cada uma saiba de seus limites, até mesmo para preservar-se.
3) Com relação aos equipamentos e instrumental de atendimento, 83% dos
profissionais afirmaram que a unidade de saúde onde trabalham não dispõe de
equipamentos básicos e materiais permanentes que satisfaçam as necessidades de
atendimento imediato às vítimas de violência sexual, conforme demonstra o gráfico
que segue.
209
210
Cf. AYUGA, M.D. & LÓPEZ, V.P., Atención de enfermería y maltrato infantil, 1997.
Cf. FURNISS, Tilman. Abuso Sexual da Criança: uma abordagem multidisciplinar, 1993.
101
GRÁFICO 21 - ESTA UNIDADE DISPÕE DE EQUIPAMENTOS E
MATERIAIS PERMANENTES QUE SATISFAÇAM AS NECESSIDADES
DE ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE V.S.?
83%
Sim
Não
17%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Segundo discurso de um dos profissionais,
“(...) aqui não tem nem material para fazermos os procedimentos mais
simples, se eu quiser uma luva, por exemplo, tenho que sair procurando lá
no laboratório. Mesa ginecológica não existe aqui na sala!”211
Assim, o que se constata é que nos serviços pesquisados há insuficiência de
recursos financeiros, materiais, humanos e não dispõem de infra-estrutura
indispensável, como locais privados para entrevistas, computadores e material de
consumo. Portanto, defende-se a necessidade de que cada unidade de saúde esteja
equipada de tal modo a contar com autonomia e resolutividade.
4) Em nenhuma das unidades pesquisadas foram apresentadas fichas próprias
para registro dos casos de violência sexual, ou seja, não foi identificado nenhum
sistema padronizado de registro de dados de modo a possibilitar a uniformização de
informações dos vários serviços. Os casos são normalmente transcritos em
prontuários “normais” e convencionais de atendimento.
Com relação aos procedimentos para atendimento inicial às vítimas de
violência sexual, o Laboratório de Estudos da Criança, Universidade de São Paulo
(USP), propõe alguns, com o intuito de compor um “Dossiê Diagnóstico
Multiprofissional”: ficha de abertura e acompanhamento do caso; laudo social; laudo
psicológico; laudo do Instituto Médico Legal; laudo médico-ginecológico; laudo
psiquiátrico; boletim de ocorrência policial (os três últimos seriam opcionais), além de
parecer-síntese redigido por profissional responsável pelo processo na instituição212.
E, diferentemente do indicado, na atual ocasião, as unidades de saúde do
Distrito de Saúde Norte, empiricamente, não seguem nenhum protocolo de
211
M I. Pesquisa de Campo, 2009.
AZEVEDO, Maria Amélia e GUERRA, Viviane Nogueira Azevedo. Infância e Violência Doméstica.
São Paulo: IV TELELACRI/IPUSP, 1997.
212
102
atendimento às vítimas de violência sexual infanto-juvenil. O que se verificou é que
cada profissional adota os procedimentos que acha apropriado e necessário para
resolutividade do caso. “Não sei se estou seguindo o caminho certo, pois nunca
recebi nenhuma orientação relacionada a isso, faço o que acho conveniente e
certo.213”
5) Tratando-se de violência sexual, “os profissionais inseridos na rede precisam
estar capacitados para oferecer um atendimento diferenciado de modo a não ocorrer
o
risco
da
revitimização”214.
No
entanto,
conforme
dados
apresentados
anteriormente e no discurso de grande parte dos profissionais (83%), as equipes dos
serviços de saúde não estão capacitadas/sensibilizadas para atender esta demanda.
GRÁFICO 22 - VOCÊ CONSIDERA QUE A EQUIPE PROFISSIONAL
DESTE SERVIÇO ESTÁ CAPACITADA PARA ATENDER VÍTIMAS DE V.S.?
83%
Sim
Não
17%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
Segundo discurso de alguns dos profissionais,
“Sinceramente não sei se eles estão capacitados, pois cada um tá na sua
sala, ninguém nunca sentou para conversar e discutir sobre esses casos.
Eles até podem ter conhecimento, mais a gente não sabe se tem, a
Assistente Social deve saber de todos esses procedimentos, mais nunca
sentamos para discutir qual o conhecimento de cada um. Eu não tenho
treinamento nessa área! E acho que a equipe aqui também não”215.
“Eu não sei os colegas, mais eu não me sinto capacitada para atender essa
demanda, acho que precisamos de capacitação”216.
“Não, não estão capacitados porque primeiro não sabem guardar segredo
nestes tipos de caso e segundo porque falta sensibilização de todos os
profissionais, desde a recepção até a direção, para um atendimento de
qualidade e de sigilo”217.
213
E IV. Pesquisa de Campo, 2009.
CRAMI. Abuso Sexual Doméstico – atendimento às vítimas e responsabilização do agressor, p.
52, 2005.
215
M IV. Pesquisa de Campo, 2009.
216
E II. Pesquisa de Campo, 2009.
217
TE II. Pesquisa de Campo, 2009.
214
103
Deste modo, os usuários contam com acesso universal aos serviços de
saúde, mas não com a qualidade dos serviços prestados, decorrente do modelo
médico-hegemônico, o qual precisa ser revisto e reformulado objetivando a busca de
qualidade dos serviços de saúde como direito universal218.
E, em reflexo aos dados apresentados, é evidente que ao serem indagados
sobre a qualidade geral dos serviços prestados às vítimas de violência sexual
infanto-juvenil, 85% dos profissionais responderam que o atendimento prestado na
sua unidade de saúde está regular, precisando melhorar. O percentual de 9%
ressaltou que o serviço está bom e apenas 6% que o serviço é muito bom, conforme
demonstra o gráfico e os discursos dos profissionais que seguem.
GRÁFICO 23 - QUAL SUA IMPRESSÃO SOBRE O ATENDIMENTO
PRESTADO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VS NESTE
SERVIÇO DE SAÚDE?
30
30
Muito bom
20
Bom
10
0
2
3
Regular, precisa melhorar
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
“(...) é complicado, como vamos atender com qualidade os pacientes, se o
que eles querem aqui é quantidade? Temos que atender muitos por dia, e
se não atingirmos a meta somos cobrados, e podemos até ser devolvidos
porque não estamos produzindo. Não dá tempo para ainda ficarmos
conversando com o paciente e investigando os casos, diagnosticamos pelo
que o paciente fala”219.
“Aqui os serviços são setorizados, sem interligação entre os mesmos, vejo que
precisa melhorar, e muito”220.
“(...) dependendo do profissional, alguns serviços são de qualidade e outros
sem qualidade, como em qualquer local”221.
“(...) pelo pouco que temos, vejo que este serviço é muito bom, poderia ser melhor,
claro, mas a gente faz o que pode”222.
218
Cf. VASCONCELOS, Ana Maria de. A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e alternativas
na área da saúde, 2003.
219
E III. Pesquisa de Campo, 2009.
220
E IV. Pesquisa de Campo, 2009.
221
M VII. Pesquisa de Campo, 2009.
222
TE III. Pesquisa de Campo, 2009.
104
Tais assertivas refletem também no questionamento se os profissionais
levariam algum familiar para ser atendido naquele serviço de saúde, se, por ventura,
fossem vítimas de violência sexual. 98% dos profissionais relataram que não
levariam o familiar àquele serviço de saúde, e ainda, 90% não tomaria os mesmos
procedimentos com que comumente tomam com os usuários que chegam à
unidade.
“(...) com certeza eu procuraria outro serviço. Aqui não tem condição para
atender esses casos, os profissionais não estão preparados para essa
demanda”223.
“(...) se fosse um parente meu eu não traria aqui e não tomaria as mesmas
providências que tomo com os usuários daqui. Aí que ta né? Porque exige o
envolvimento psicológico e afetivo, não sei o que eu faria, é difícil quando
entra o lado emocional e afetivo, pesa muito (...) a situação fica
diferente!”224.
“(...) sim, eu traria aqui, mas ia ficar sempre por perto e tentando observar
todos os procedimentos”225.
Deste modo, evidencia-se que quando os profissionais querem realizar um
procedimento/atendimento/encaminhamento de qualidade, eles certamente analisam
as possibilidades e verificam algum fluxo/solução mais facilitador para o usuário
(uma vez que se fosse para seus familiares/conhecidos os mesmos seriam
viabilizados), percebe-se assim, um descaso, acomodação e desinteresse de alguns
dos profissionais no trato à questão da violência sexual infanto-juvenill. Entretanto,
os mesmos deveriam ter a sensibilidade e o conhecimento de que no atendimento
às crianças e adolescentes em situação de violência, é importante que alguns
procedimentos sejam contemplados, de forma a garantir que as intervenções se
dêem considerando o norte psicossocial da assistência.
Segundo o Ministério da Saúde “em cada caso, além do fluxo assistencial
estabelecido, deve-se traçar plano terapêutico individual de acordo com as
necessidades de cada situação”226. Para tanto, é preciso que os serviços de saúde,
autoridades policiais, setores de emergência, escolas, conselhos tutelares e
223
AS II. Pesquisa de Campo, 2009.
M V. Pesquisa de Campo, 2009.
225
TE II. Pesquisa de Campo, 2009.
226
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual
contra Mulheres e Adolescentes: norma técnica, p. 21, 2005.
224
105
sociedade civil organizada tenham conhecimento sobre quais serviços de saúde
realizam esse tipo de atendimento. Por sua vez, a assistência nos serviços de saúde
requer a observância de determinadas condições e providências para garantir as
diferentes etapas do atendimento. No entanto, não há obrigatoriedade da
organização de serviço específico para esse fim e a assistência pode ser incluída e
integrada às demais ações habituais dos serviços.
O limite de atuação de cada unidade depende da disponibilidade de recursos
e situações de maior complexidade podem requerer mecanismos de referência e
contra-referência227, o que conforme pesquisa de campo, atualmente em Manaus
“não tem funcionado (...) o que existe mesmo é muita burocracia, a gente encaminha
um caso e nunca mais fica sabendo de nada”228. Assim, conforme os dados
coletados, 90% dos profissionais relataram que o sistema de referência e contrareferência229 não tem sido eficaz em Manaus.
GRÁFICO 24 - PRA VOCÊ O SERVIÇO DE REFERÊNCIA E
CONTRA-REFERÊNCIA NA SAÚDE TEM SIDO EFICAZ?
10%
Sim
Não
90%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
É válido ressaltar que, ambos os procedimentos (referência e contrareferência) requerem uma articulação mínima eficaz entre as diversas instâncias dos
serviços de saúde, seja na mesma instituição, seja entre serviços de bairros ou
municípios diferentes.
E para finalizar a pesquisa, questionou-se aos profissionais sobre as
principais dificuldades/entraves no atendimento às vítimas de violência sexual
infanto-juvenil. Das respostas obtidas destacam-se as seguintes:
227
Id. Ibid., p. 21, 2005.
E VIII. Pesquisa de Campo, 2009.
229
Ato de se encaminhar pacientes já atendidos para outras instâncias do sistema de saúde a fim de
se garantir a integralidade da atenção. Referência: encaminhamento de pacientes do nível primário
para níveis para especializados; contra-referência: é o encaminhamento dos níveis especializados
aos primários (Cf. LEITE, Érida Maria Diniz. Dicionário Digital de Termos Médicos, 2007).
228
106
“(...) o desconhecimento da existência da ficha de notificação”230.
“(...) o medo de me envolver e não saber como lidar com a realidade
levantada”231.
“(...) a deficiência dos espaços físicos das unidades de atendimento”232.
“(...) a falta de preparo técnico, sem um olhar instrumentalizado para o
atendimento e a identificação quanto à questão”233.
“(...) acredito que muitos dos profissionais sentem-se inseguros, pois temem
pela represália por parte da família e, principalmente, pelo agressor”234.
“(...) falta de apoio da rede de atendimento o conselho tutelar, por exemplo,
deve ser equipado e preparado para fazer o trabalho dele e dar
continuidade ao trabalho. Eles nunca têm carro, gasolina e pessoal, a
situação está precária”235.
“(...) vejo que a falta de compromisso e sensibilidade de alguns dos colegas
dificulta o atendimento a essas vítimas. O que tenho notado é que muitos
dos profissionais pensam que este assunto deve ser tratado apenas pelas
assistentes sociais, acham que só elas sabem e podem atender os casos
de violência, entretanto, compreendo que todos devem estar empenhados
para dar maior resolutividade nas situações, principalmente, porque nem
todos os casos passam pelas assistentes sociais”236.
Outro entrave constatado pela pesquisa é acerca da existência da Ficha de
Notificação nas unidades de saúde, apenas 17% (05) dos profissionais entrevistados
relataram que a mesma existe na unidade de saúde pesquisada, os outros 83%
ficaram subdivididos em “não sei, nunca vi” (50%) e não (33%), conforme ilustração
do gráfico a seguir.
GRÁFICO 25 - ESSA UNIDADE DE SAÚDE POSSUI A FICHA DE NOTIFICAÇÃO
DE MAUS-TRATOS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE FÁCIL ACESSO?
17%
Sim
Não
Não sei, nunca a vi
50%
33%
Fonte: Pesquisa de Campo/2009
230
M V, II; E II. Pesquisa de Campo, 2009.
M I. Pesquisa de Campo, 2009.
232
ACS III. Pesquisa de Campo, 2009.
233
TE II. Pesquisa de Campo, 2009.
234
M VIII. Pesquisa de Campo, 2009.
235
AS IV. Pesquisa de Campo, 2009.
236
AS IX. Pesquisa de Campo, 2009.
231
107
Um dos itens inquietantes acerca deste questionamento foi o fato de na
mesma unidade de saúde um profissional relatar a existência da ficha e ao
entrevistarmos outro profissional o mesmo relata a não existência. Este aspecto
ficou bastante notório nas Unidades de Saúde da Família, ao serem entrevistados os
médicos (que relataram desconhecer a ficha e a inexistência da mesma na unidade)
e os enfermeiros (que relataram conhecer a ficha e saber aonde a mesma se
encontra na unidade de saúde). Tal fato demonstra que estes espaços de práticas
profissionais, tem sido um espaço de realização de tarefas individualizadas e não de
ações coletivas, voltadas à lógica do compromisso, da superação, do diálogo e do
percurso da particularidade para a realidade.
Partindo deste fato, existe a necessidade de um trabalho mais ampliado, ou
seja, a formalização e divulgação da rede, na qual qualquer profissional inserido no
contexto da unidade de saúde estaria desenvolvendo uma prática consciente,
comprometida e tendo um olhar instrumentalizado.
Assim sendo, a partir de todos os dados apresentados, elucida-se que a
complexidade do fenômeno da violência sexual, assim como as suas conseqüências
para as crianças e adolescentes necessitam de políticas públicas específicas que
proporcionem aos profissionais da saúde cursos de sensibilização para a
compreensão da problemática, que resulte em segurança para a realização das
notificações e para o acolhimento das vítimas. Por outro lado, é necessário que
essas políticas subsidiem com recursos humanos e materiais as instituições
receptoras dessas notificações, para que, diante da ocorrência, possam apresentar
soluções imediatas e precisas.
O problema envolve aspectos de dimensão social, emocional, jurídica e
profissional. Nesta linha de reflexão, o trabalho em equipe que pressupõe a
complementação de saberes e a socialização dos conhecimentos pode sugerir
articulação de condutas profissionais e propor alternativas de interrupção e
prevenção, permitindo às crianças e adolescentes vitimizadas a garantia de seus
direitos e o pleno exercício da cidadania.
E para se concluir, defende-se que a violência sexual por ser considerada
uma questão de saúde pública precisa ser vista e respeitada como tal, e receber,
ainda, a devida atenção das autoridades e dos diferentes segmentos da sociedade.
108
Em suma, os resultados apresentados neste estudo devem ser vistos sob a ótica de
aproximação da realidade. A pesquisa não tem a pretensão de ser finita, não se
esgota, é dinâmica, dialética e, especialmente neste assunto que envolve violência
praticada contra as crianças e adolescentes, é absolutamente necessária. Discutir a
essência da violência, suas implicações, alternativas de interrupção e prevenção é
estar disposto a enfrentar e superar limites impostos por regras culturais da
sociedade e conseqüentemente das famílias. Conseguir vencer alguns dos muitos
obstáculos é um desafio de ousar, poder aprender e poder contribuir com o debate
da sua prevenção.
109
CONSIDERAÇOES FINAIS
A partir dos dados apresentados evidencia-se que ao longo da história houve
avanços, tanto nas políticas públicas de saúde quanto nas políticas de proteção à
infância e adolescência. Além disso, ampliaram-se os espaços de fomentação e
discussão sobre o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil que, muitas vezes,
fora provocado pela imprensa e a sociedade e, em várias outras situações,
ocorrendo a mobilização de profissionais dentro da rede para o atendimento às
vítimas e suas famílias. Entretanto, se tem muito a construir dentro de uma
sociedade culturalmente acostumada a tratar crianças e adolescente como objetos
da prática social, não os encarando como sujeitos de direitos.
Com os referenciais apresentados no decorrer deste trabalho analisou-se que
existem caminhos e propostas para uma Política Pública de Direito, não só dentro de
uma realidade municipal, como também em nível estadual e nacional, entretanto,
tais caminhos e propostas não são proliferadas entre os distintos órgãos de atenção
e promoção a saúde de crianças e adolescentes. Na realidade, analisando de forma
global no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não são poucos os artigos
que tratam da questão da violência, pois, partindo-se do princípio de que a política
de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um
conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos
Estados e dos Municípios, conforme preconiza o artigo 86 do ECA, exige-se a
participação de todos os atores do Sistema de Garantia de Direitos.
Pondera-se que essa exigência de co-responsabilidade, perpassa também
pelas diversas áreas de uma Política Pública de Saúde, Educação e Assistência
Social, sem privilégio ou detrimento de nenhuma área. Ou seja, dentro de uma
política de atendimento voltada para a questão do abuso sexual doméstico, exige-se
a participação de todos os setores, com ações diretas e concretas.
110
Chegando às considerações finais, analisa-se que atualmente, em nenhuma
das unidades de saúde pesquisadas do Distrito de Saúde Norte, há um fluxo
específico para atendimento às vítimas de violência sexual infanto-juvenil, bem
como, constata-se que grande parte das vítimas atendidas nestes serviços passa
por profissionais que desconhecem a rede de atendimento/proteção, normas e
procedimentos que devem ser adotados nos casos de violência sexual. E, por tais
razões conclui-se que os percentuais altamente significativos de subnotificação se
deve principalmente, ao desconhecimento dos profissionais da saúde sobre os
procedimentos técnico-legais para o trato da questão da violência sexual; ao fato de
muitos dos profissionais preferirem não se envolver em problemas psicossociais; ao
desconhecimento da existência da ficha de notificação; e, a inexistência das
mesmas na maior parte das unidades de saúde.
Além destes aspectos, foram identificadas limitações, internas e externas, nos
serviços de saúde pesquisados, sendo importante destacá-las nesse momento, de
forma sistematizada, uma vez que foram norteadoras das propostas que serão
apresentadas posteriormente.
Tais limitações foram observadas em todas as
unidades de saúde e em especial nas da Estratégia de Saúde da Família que além
de não possuir uma equipe com assistentes sociais e psicólogos, a infra-estrutura
física da unidade é problemática, uma vez que só possui uma sala para atendimento
ambulatorial, não dispondo, assim, de ambiente reservado para atendimento sigiloso
aos diversos profissionais que trabalham na unidade.
Em termos de estrutura para o atendimento, as limitações internas mais
relevantes são: a precária formação específica dos profissionais das unidades de
saúde pesquisadas; a falta de divulgação da existência da ficha de notificação de
maus-tratos a crianças e adolescentes; a inexistência destas fichas de notificação
nas unidades de saúde e a pouca disponibilidade e sensibilidade dos profissionais.
Em relação ao processo de atendimento, os principais limites identificados
foram a pouca privacidade para o atendimento; a falta de divulgação um
protocolo/fluxo de atendimento que permita às equipes sistematizarem a avaliação e
notificarem os casos; a pouca integração entre os profissionais das unidades de
saúde, da rede de proteção e demais instituições; e a atuação deficiente dos
Conselhos Tutelares. Ainda especificamente em relação a esse tipo de abuso, a
111
carência e o desconhecimento dos serviços na rede para onde possam ser
encaminhadas as vítimas e suas famílias, torna o tratamento parcial.
Tais dados altamente significativos indicam a necessidade de trabalhos
sensibilizadores que alcancem efetivamente a parcela de profissionais que
desconhecem os procedimentos que devem ser realizados com crianças e
adolescentes vítimas da violência sexual e que não notificam e argumentam o
motivo com a informação de não saber como fazer. Além disso, analisa-se que não
há divulgação do fluxo de atendimento e de notificação (já estabelecidos pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Ministério da Saúde), da rede de
proteção e das normas técnicas que devem ser adotadas nos procedimentos às
vítimas de violência sexual, bem como, não há divulgação de informações
adequadas sobre as iniciativas planejadas no nível central da Secretaria Municipal
de Saúde (SEMSA) que chegue aos profissionais da rede, alimentando-os com
conhecimentos necessários para a execução de procedimentos e indicação da
notificação. Por outro lado, há resistência de muitos profissionais em notificar por
acreditarem que a notificação não resultará em retorno concreto para o seu trabalho.
Na visão dos profissionais entrevistados, para superar os limites da
assistência
seria
necessário:
aperfeiçoar
a
qualificação/capacitação
dos
profissionais, melhorar a estrutura física das unidades de saúde e ampliar o
quantitativo de profissionais, incluindo, os psicólogos na rede de atendimento,
divulgar e distribuir a ficha de notificação nas unidades de saúde e divulgar o fluxo
de atendimento/notificação.
“vejo que seja necessário uma capacitação para discussão do assunto, desse
modo poderemos aprofundar os conceitos e condutas que devem ser tomados”237.
“há escassez de informações e orientações. Seria conveniente palestras para
esclarecer estes assuntos para que a gente saiba o que fazer e como reconhecer
as violências”238.
A partir destes aspectos, constata-se que os profissionais atuam nos
diferentes
serviços
sentindo-se
desmunidos
pelas
condições
de
trabalho:
desinformação generalizada, falta de infra-estrutura mínima e básica, sem
237
238
M II. Pesquisa de Campo, 2009.
TE VI. Pesquisa de Campo, 2009.
112
competências
e
fluxo
de
referência
e
contra-referência
claramente
definidos/divulgados, sem padronização de procedimentos técnicos e sem apoio da
rede de atendimento. Alguns deles sentem-se isolados e angustiados, e nestas
circunstâncias,
amedrontrados
de
tomar
decisões
que
os
comprometam
individualmente e descrentes do impacto de suas ações.
Além disso, muitos se sentem sem a devida formação especializada para
intervir em situações de violência sexual, fenômeno extremamente complexo e área
de atuação profissional ainda recente, mobilizadora de fortes sentimentos. Faltamlhes oportunidades de capacitação e supervisão.
Deste modo, analisa-se que há um longo caminho a ser percorrido para a
melhoria do atendimento às vítimas de violência infanto-juvenil nos serviços públicos
de saúde de Manaus, e em especial do Distrito de Saúde Norte (DISA Norte). É
nesse sentido que serão disponibilizadas algumas propostas para melhor
estruturação dos serviços:
Sensibilizar e capacitar profissionais de saúde para compreenderem o
significado, as manifestações e as conseqüências da violência sexual para o
crescimento e desenvolvimento das crianças e adolescente. Da mesma forma,
treiná-los para o diagnóstico, a notificação e os encaminhamentos das
demandas apresentadas.
O estabelecimento de normas técnicas e rotinas para orientação dos
profissionais de saúde frente ao problema da violência torna-se, também
demanda imediata para apoiar os profissionais em diagnosticar, registrar e
notificar os casos de violência sexual infanto-juvenil e assim iniciar um
atendimento de proteção às crianças e adolescentes e de apoio às suas
famílias. Assim, evita-se que o usuário tenha que ir repetidas vezes aos
serviços, e se cria um fluxograma, de modo a dar agilidade e resolutividade à
sistemática de atendimento. Da mesma forma, para evitar que o usuário tenha
de repetir sua história para os diferentes profissionais da equipe, a equipe deve
propor formas de registro unificado que reúna, ainda que de forma resumida,
as observações específicas de todos os profissionais envolvidos. Bem como, é
necessário que todos os serviços de orientação ou atendimento tenham, pelo
menos, uma listagem com endereços e telefones das instituições componentes
da rede e, essa lista deve ser do conhecimento de todos os funcionários do
serviço.
113
Incorporar o procedimento de notificação à rotina das atividades de
atendimento e ao quadro organizacional dos serviços preventivos e
assistenciais e educacionais. Assim, os profissionais da saúde devem ter
conhecimento de que a notificação viabiliza um sistema de registro com
informações mais fidedignas das situações de violência contra crianças e
adolescentes na realidade social brasileira, permitindo construir formas de
promoção e de prevenção que levem em conta as especificidades culturais das
várias regiões do país. Além de possibilitar certificar se o atendimento às
vítimas de violência sexual está sendo incorporados às rotinas institucionais.
Formar alianças e parcerias necessárias para que a notificação seja o início de
uma atuação ampliada e de suporte à criança, ao adolescente e à família.
Essas alianças e parceria precisam ser feitas tanto dentro das próprias
unidades de saúde e da rede de saúde como um todo, quanto com outras
instituições destinadas ao bem-estar das crianças (assistência social,
segurança pública, educação), com os Conselhos de Direitos da Criança e do
Adolescente e em especial, com o Conselho Tutelar.
Ampliação do quadro de recursos humanos e melhoria da infra-estrutura física
das unidades de saúde, principalmente das Unidades de Saúde da Família,
que são espaços privilegiados próximo às comunidades e que podem apoiar as
vítimas e suas famílias no reconhecimento do problema da violência,
propiciando espaços adequados de escuta com objetivo de identificar situações
de risco e traçar medidas preventivas e de promoção de relações respeitosas e
igualitárias. Assim, garante-se um acolhimento de qualidade e com
humanização da atenção.
Também se mostra necessária a adoção de práticas que promovam
discussões sobre como vêm se instituindo as relações interdisciplinares dos
profissionais de saúde em seu cotidiano de trabalho. Discutir sobre as relações
de poder que circulam nas práticas de Saúde, e trazê-las à tona, significa
conceder voz igualitária aos profissionais das diferentes áreas, que, em seu
cotidiano, vivenciam os
desafios dos serviços de Saúde. Acredita-se que
essas reflexões e mais ainda, esta postura interdisciplinar deva ser
(re)construída e vivenciada no mundo acadêmico e profissional com os
docentes, alunos(as), profissionais dos serviços de Saúde e sociedade.
114
Deste modo, analisa-se que para uma efetiva organização do serviço público
de saúde, é necessária além de uma reforma administrativa – que tenha como
princípio a universalização – e da definição e viabilização dos recursos financeiros –
para investimento e custeio -, a reformulação do modelo de assistência em saúde
voltado para uma prática de atenção à saúde integral. Esta questão toma
importância na medida em que as possibilidades formais explicitadas na
Constituição (regulamentada pela Lei Orgânica da Saúde e toda legislação que a
seguiu) estão sob constantes ameaças. E, as frágeis condições institucionais e
profissionais têm levado os profissionais à reprodução acrítica de práticas
autoritárias, mecânicas e controladoras.
Portanto, espera-se que este trabalho, ao tornar mais visível a complexidade
que envolve o atendimento às vítimas de violência sexual nos serviços públicos de
saúde, independentemente dos resultados apresentados serem alarmantes ou bons,
seja um instrumento eficaz e avaliativo para a sensibilização e formulação de
políticas estratégicas que facilitem a implantação de práticas eficientes de
assistência. Com isso, deve-se lutar não apenas para a criação de programas de
atendimento às vítimas, mas também, para a criação de programas amplos de
prevenção primária, secundária e terciária.
Infelizmente, as características próprias da violência sexual tornam parcial a
compreensão do problema, pois grande parte ocorre dentro da própria família; há
medo da denúncia por parte da população e da notificação dos profissionais; estes
não têm formação para lidar com a questão; há escassez de recursos e serviços
especializados para atendimento; e a vítima – na sua condição de dependência
emocional – nem sempre consegue colaborar para que a situação seja explicitada.
Entretanto, apesar de todas as dificuldades, a reversão do quadro cíclico e crítico de
violência que se encontra a sociedade, se efetuará na medida em que cada cidadão,
e em especial os profissionais de saúde reconheçam seus papéis sociais e cumpram
seus deveres participando ativamente do processo social e econômico do país.
115
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124
ANEXOS
125
ANEXO I
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E
SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA
PROJETO DE PESQUISA:
UMA ANÁLISE DOS ATENDIMENTOS PRESTADOS ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO239
JUVENIL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DO DISTRITO DE SAÚDE NORTE/AM
Unidade de Saúde:____________________________________________ Data: ________________________
I. PARTE - Identificação
1.1 Profissão:
(1) Assistente Social
(4) Médico:_______________________________________
(2) Enfermeiro
(5) Técnico de enfermagem
(3) Psicólogo
(6) Outros:_______________________________________
1.2 Sexo:
(1) Masculino (2) Feminino
1.3 Idade: (1) 20 a 30
(2) 31 a 40
(3) 41 a 50
(4) 51 a 60
(5) 61 a 70
(6) Mais de 71
1.4 Tempo de formação: ____________________
1.5 Tempo de instituição: ____________________
II. PARTE – Aspectos Éticos e Legais
2.1 Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA
2.1.1 Você conhece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)?
(1) Sim
(2) Não
2.1.2 Já leu o ECA alguma vez? (1) Sim
(2) Não. Porque?______________________________
_______________________________________________________________________________________
2.1.3 Você sabe para onde os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças e
adolescentes devem ser obrigatoriamente comunicados?
(1) Sim, onde?______________________________
(2) Não
2.2 Ficha de Notificação de Maus-Tratos contra Crianças e Adolescentes
2.2.1 Você conhece a Ficha de Notificação de Maus-tratos Contra Crianças e Adolescentes?
(1) Sim
(2) Não
2.2.2 Essa Unidade de Saúde possui a Ficha de Notificação de Maus-Tratos contra Crianças e Adolescentes
de fácil acesso?
(1) Sim
(2) Não
(3) Não sei, nunca a vi
2.2.3 2. Você tem conhecimento que se: “Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de
atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os
casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus tratos contra criança ou
adolescente, ocasiona pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de
reincidência”?
(1) Sim
(2) Não
2.3 Formação acadêmica
2.3.1 Na sua formação acadêmica você teve acesso a discussões relativas a responsabilidade de denúncia nos
casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes?
(1) Sim
(2) Não
(3) Não lembra
2.3.2 O código de ética da sua profissão lhe dá respaldo na denúncia (notificação) de violência contra
crianças e adolescentes?
(1) Sim
(2) Não
(3) Não sabe
239
Pesquisadora: Luciana Paes Barreto Ferreira – Mestranda em Serviço Social pela Universidade
Federal do Amazonas (8114-4678)
126
III. PARTE – Normas Gerais de Atendimento: Violência sexual infanto-juvenil
3.1 Você já teve alguma suspeita/confirmação de ocorrência de violência sexual contra crianças e/ou
adolescentes no exercício de sua profissão?
(1) Sim
(2) Não, nunca (Pule para a pergunta 3.8)
3.2 Com relação aos procedimentos clínicos - O que você fez ou freqüentemente faz em casos de suspeita ou
confirmação de violência sexual infanto-juvenil? (assinale quantas alternativas julgar necessário)
(1) Profilaxia DST’s
(7) Coleta de secreção vaginal
(2) Profilaxia HIV
(8) Contracepção de emergência
(3) Profilaxia Hepatite B
(9) Aborto previsto em lei
(4) Coleta de sangue
(10) Não se aplica
(5) Coleta de sêmen
(11) Nenhum procedimento clínico
(6) Outros:__________________________________________________________________________________
3.3 Com relação aos procedimentos psicossociais - O que você fez ou freqüentemente faz? (assinale quantas
alternativas julgar necessário)
(1) Nada, pois tem medo de represália da família da vítima
(9) Conversa com o chefe imediato
(2) Nada, pois tem medo de represália do agressor
(10) Conversa com os pais da vítima
(3) Nada, pois tem medo de sofrer conseqüências no serviço
(11) Conversa com outro parente da vítima
(4) Nada, pois tem medo de prejudicar a criança
(12) Conversa com os colegas
(5) Nada, nunca sabe o que fazer
(13) Apenas orienta a vítima
(6) Não se envolve por não entrar em questões familiares
(7) Outros procedimentos:_____________________________________________________________________
(8) Encaminha o caso para outros serviços ou setores. Qual(is)? (assinale quantas alternativas julgar necessário)
(8.1) Serviço Social
(8.10) IML
(8.2) Psicólogo
(8.11) Programa Sentinela
(8.3) Conselho Tutelar
(8.12) Serviço Hospitalar
(8.4) Vara da Infância-Juventude
(8.13) Serviço Ambulatorial
(8.5) Ministério Público
(8.14) SAVAS (Francisca Mendes)
(8.6) Delegacia de Prot. Da Criança e do Adolescente
(8.15) SAVIS (Moura Tapajós)
(8.7) Centro de Referência da Assistência Social-CRAS
(8.8) Outros: _______________________________________________________________________________
(8.9) Nenhuma das opções
3.4 Você notifica(ou) o caso a algum órgão responsável?
(1) Sim, qual(is):______________________________________________ (2) Não (pule para a pergunta 3.7)
3.6 Após notificar você: (após responder, pule para a pergunta 4.1)
(1) acompanha a situação da vítima
(5) Encaminhou para serviços de referência
(2) nunca mais tomou conhecimento do caso
(6) Nenhuma das opções
(3) Não tomou mais nenhuma providência, pois acredita ter cumprido sua função
(4) Outros: __________________________________________________________________________________
3.7 Por que você não notifica(ou) a algum órgão responsável? (após responder pule para a pergunta 4.1)
(1) Por medo de prejudicar a vítima
(4) Por medo de sofrer conseqüências no serviço
(2) Por medo de represália por parte da família
(5) Para não se envolver em problemas familiares
(3) Por medo de represália do agressor
(6) Não saber como fazer
(7) Outros:__________________________________________________________________________________
3.8 Com relação aos procedimentos clínicos - O que você faria nos casos de suspeita ou confirmação de
violência sexual infanto-juvenil? (assinale quantas alternativas julgar necessário)
(1) Profilaxia DST’s
(7) Coleta de secreção vaginal
(2) Profilaxia HIV
(8) Contracepção de emergência
(3) Profilaxia Hepatite B
(9) Aborto previsto em lei
(4) Coleta de sangue
(10) Não se aplica
(5) Coleta de sêmen
(11) Nenhum procedimento clínico
(6) Outros:__________________________________________________________________________________
3.9 Com relação aos procedimentos psicossociais - O que você faria nos casos de suspeita ou confirmação
de violência sexual infanto-juvenil? (assinale quantas alternativas julgar necessário)
127
(1) Nada, pois tem medo de represália da família da vítima
(9) Conversaria com o chefe imediato
(2) Nada, pois tem medo de represália do agressor
(10) Conversaria com os pais da vítima
(3) Nada, pois tem medo de sofrer conseqüências no serviço
(11) Conversaria com outro parente da vítima
(4) Nada, pois tem medo de prejudicar a criança
(12) Conversaria com os colegas
(5) Nada, não saberia o que fazer
(13) Apenas orientaria a vítima
(6) Não se envolve por não entrar em questões familiares
(7) Outros procedimentos:________________________________________________________________________
(8) Encaminharia o caso para outros serviços ou setores. Qual(is)? (assinale quantas alternativas julgar necessário)
(8.1) Serviço Social
(8.10) IML
(8.2) Psicólogo
(8.11) Programa Sentinela
(8.3) Conselho Tutelar
(8.12) Serviço Hospitalar
(8.4) Vara da Infância-Juventude
(8.13) Serviço Ambulatorial
(8.5) Ministério Público
(8.14) SAVAS (Francisca Mendes)
(8.6) Delegacia de Prot. Da Criança e do Adolescente
(8.15) SAVIS (Moura Tapajós)
(8.7) Centro de Referência da Assistência Social-CRAS
(8.8) Outros: _______________________________________________________________________________
(8.9) Nenhuma das opções
3.10 Você notificaria o caso a algum órgão responsável?
(1) Sim (pule para a pergunta 4.1)
(2) Não (siga na pergunta 3.11)
3.11 Por que você não notificaria a algum órgão responsável?
(1) Por medo de prejudicar a vítima
(4) Por medo de sofrer conseqüências no serviço
(2) Por medo de represália por parte da família
(5) Para não se envolver em problemas familiares
(3) Por medo de represália do agressor
(6) Não saber como fazer
(7) Outros:___________________________________________________________________________________
IV. PARTE – Organização da Atenção
4.1 Você se sente sensibilizado e/ou capacitado para atender crianças e adolescentes em situação de violência
sexual?
(1) Sim
(2) Não
4.2 Você já participou de algum curso de capacitação e/ou atualização na área do atendimento às vítimas de
violência sexual infanto-juvenil?
(1) Sim. Quantos? _____________________ (2) Não
4.3 Você gostaria de participar de capacitações relacionadas a esta temática?
(1) Sim
(2) Não
4.4 Qual sua impressão sobre o atendimento prestado às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual
neste Serviço de Saúde?
(1) Muito bom
(3) Bom
(5) Regular, precisa melhorar
(7) Ruim
(2) Muito ruim
(4) Ignorado
(6) Outros:_______________________________
(8) Não sabe
4.5 Você acredita que o sistema de referência e contra-referência tem sido eficaz?
(1) Sim
(2) Não
4.6 Você conhece algum Serviço Especializado de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual na cidade de
Manaus?
(1) Sim. Qual(is)? _________________________________________________________________________
(2) Não
4.7. Você acha que este serviço de saúde dispõe de um ambiente físico adequado, de respeito e acolhedor para
atendimento a essas vítimas?
(1) Sim
(2) Não, porque?_______________________________________________________________
4.8. Você considera que a equipe multidisciplinar desta Unidade de Saúde está capacitada para diagnosticar,
registrar e notificar os casos de violência sexual infanto-juvenil?
(1) Sim
(2) Não, porque?_______________________________________________________________
4.9 Você considera que essa unidade de saúde dispõe de equipamentos e materiais permanentes, em condições
adequadas de uso, que satisfaçam as necessidade de atendimento?
(1) Sim
(2) Não, porque?_______________________________________________________________
128
ANEXO II
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E
SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA
PROJETO DE PESQUISA:
UMA ANÁLISE DOS ATENDIMENTOS PRESTADOS ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO240
JUVENIL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DO DISTRITO DE SAÚDE NORTE/AM
ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM PROFISSIONAIS DA SAÚDE/ DISA NORTE
1.
Quais os principais sinais que chamam/chamariam sua atenção e
podem/poderiam indicar que a criança ou o adolescente sofreu e/ou está sofrendo
violência sexual?
2. Quais são/seriam as principais dificuldades/entraves no atendimento às vítimas de
violência sexual infanto-juvenil neste Serviço Público de Saúde?
3. Se um familiar seu, por ventura, fosse vítima de violência sexual você gostaria
que ele fosse atendido nesta unidade de saúde? Você tomaria as mesmas
providências com que toma comumente?
4. Pra você quais são os principais fatores da subnotificação dos casos de violência
sexual infanto-juvenil?
5. Quais seriam as suas sugestões para melhoria do atendimento às vítimas de
violência sexual infanto-juvenil nesse Serviço Saúde?
240
Pesquisadora: Luciana Paes Barreto Ferreira – Mestranda em Serviço Social pela Universidade
Federal do Amazonas (8114-4678)
129
130
131
132
ANEXO IV
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E
SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Convidamos o(a) Sr.(a) para participar voluntariamente do Projeto de Pesquisa
intitulado “UMA ANÁLISE DOS ATENDIMENTOS PRESTADOS ÀS VÍTIMAS DE
VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DO DISTRITO DE
SAÚDE NORTE/AM” das pesquisadoras Luciana Paes Barreto Ferreira e Dra. Heloísa
Helena Corrêa da Silva, que tem por objetivo analisar os procedimentos adotados pelos
profissionais da saúde nos serviços públicos de saúde destinados ao atendimento às vítimas
de violência sexual infanto-juvenil. Sua participação é relevante, pois poderá contribuir para
a elaboração de um diagnóstico da realidade vivenciada pelos profissionais dos serviços
públicos de saúde que atendem vítimas de violência sexual infanto-juvenil, bem como
servirá para elucidar propostas/alternativas que visam melhorar o atendimento prestado a
esta demanda.
Para esta pesquisa o(a) Sr.(a) participará de uma entrevista estruturada e esta será
gravada para que possa ser transcrita e analisada e o conteúdo será mantido em sigilo,
sendo incluído nos resultados finais sem sua identificação. É válido ressaltar ainda, que o(a)
Sr.(a) possuirá liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e deixar de
participar da pesquisa, sem que isto lhe traga nenhum prejuízo. Para qualquer informação,
o(a) Sr.(a) poderá entrar em contato com as pesquisadoras pelos telefones (92) 3647-4335/
3647-4378 (Departamento de Serviço Social/UFAM), no endereço Av. Gal. Rodrigo Octávio
Jordão Ramos, 3000 – ICHL – Dep. de Serviço Social e/ou pelo e-mail:
[email protected]
Após ter recebido informações claras e relevantes sobre o projeto supracitado, EU
CONCORDO em participar da presente pesquisa.
___________________________ ou
Assinatura do participante
_____/______/_____
___________________________
Pesquisadora
_____/______/_____
Impressão do dedo polegar,
caso não saiba assinar
133
ANEXO V
Serviços de Saúde do Distrito de Saúde Norte
Fonte: Plano Municipal de Saúde (2006 – 2009) / Prefeitura Municipal de Manaus
134
ANEXO VI
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uma análise dos atendimentos prestados às vítimas - ppgss