REVISTA ESCOLA NOVA (1930-1931): UM ESTUDO SOBRE O TECNICISMO E
EDUCAÇÃO1
Enéias Borges Dias2
Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho”- Campus de Araraquara- Faculdade de
Ciências e Letras.3
Introdução
A investigação com relação ao fenômeno do “tecnicismo na educação” tem sua
origem no momento em que ao realizar uma atenta leitura, da revista de educação e ensino
Escola Nova veiculada entre 1930 e 1931, na gestão do professor Manoel Bergström
Lourenço Filho à frente da Diretoria Geral da Instrução Pública do estado de São Paulo no
mesmo período, percebíamos que as práticas dos técnicos ou especialistas em educação
tornaram-se mais significativas logo após a Revolução de Outubro de 1930. Tais práticas
exerceram aí um papel de singular importância para o processo de tecnificação do
ensino/aprendizagem naquela conjuntura social e histórica.
Por meio de uma investigação mais acurada da revista de educação e ensino
Escola Nova, amparado por um referencial teórico-metodológico especializado pretendemos
compreender e tentar responder as seguintes questões: como os técnicos lotados na diretoria
de ensino e responsáveis pela assistência teórico/prático aos professores atuaram por meio da
revista Escola Nova? Podemos falar de um tecnicismo educacional presente nas reformas
concretizadas por Lourenço Filho entre 1930 e 1931?
Este trabalho visa, portanto, analisar o fenômeno do “tecnicismo na educação”,
tendo como corpus documental a publicação periódica Escola Nova veiculada em São Paulo
entre outubro de 1930 e julho de 1931.
O presente texto está organizado da seguinte forma: primeiramente analisamos o
fenômeno do tecnicismo na educação; em seguida apresentamos a publicação periódica
Escola Nova situando-a como um veículo estratégico para a implementação de uma nova
cultura pedagógica e destacamos atuação dos técnicos da Diretoria Geral. A guisa de
considerações finais enfatizamos os elementos de avanço em relação às respostas encontradas
para as questões por nós formuladas.
Tecnicismo e educação escolar
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Nas reformas educacionais ocorridas entre as décadas de 1920 e 1930, tendo como
pano de fundo as idéias da Escola Nova brasileira, os reformadores partindo de pressupostos
da neutralidade científica e inspirados nos princípios de racionalidade, eficiência e
produtividade, com o intuito de tornar o processo educativo mais eficiente, enfatizaram a
“racionalização” e “tecnificação” das atividades educacionais.
O processo de racionalização institucional, segundo Habermas (1975), é entendido
por Weber como a ampliação dos setores sociais submetidos a padrões de decisão racional, ou
seja, isso corresponderia à
Industrialização do trabalho social, com a conseqüência de que os padrões de
ação instrumental penetram também em outros domínios da vida
(urbanização dos modos de viver, tecnicização dos transportes e da
comunicação). Trata-se, em ambos os casos, da propagação do tipo de agir
racional-com-respeito-a-fins: aqui ele se relaciona à organização dos meios,
lá à escolha entre alternativas. A planificação pode finalmente ser concebida
como um agir racional-com-respeito-a-fins, de segundo grau: ela se dirige
para instalação, para o aperfeiçoamento ou para a ampliação do próprio
sistema do agir racional-com-respeito-a-fins. “racionalização” progressiva
está ligada à institucionalização do progresso científico e técnico.
(HABERMAS, 1975, p.303)
Ainda conforme Habermas (p.303-304), Marcuse entendeu que no processo, ao
qual, Weber chamou de “racionalização”, “dissemina-se não a racionalidade como tal, mas,
em seu nome, uma determinada forma inconfessada de dominação política”. Assim, para
Marcuse, “o agir racional-com-respeito-a-fins é, segundo sua estrutura, o exercício do
controle”.
Marcuse ao criticar Weber, portanto, conclui que “talvez o próprio conceito de
razão técnica seja uma ideologia”. Desta forma, não apenas sua aplicação, mas, também, a
própria técnica seria “uma dominação (sobre a natureza e sobre o homem), dominação
metódica, científica, calculada e calculadora” (HABERMAS, 1975, p.304).
Não é apenas de maneira acessória, a partir do exterior, que são impostos à
técnica fins e interesses determinados – eles já intervêm na própria
construção do aparato técnico; a técnica é sempre um projeto (Projekt)
histórico-social; nela é projetado (Projektiert) aquilo que a sociedade e os
interesses que a dominam tencionam fazer com o homem e com as coisas.
Tal objetivo da dominação é “material” e, nessa medida, pertence à própria
forma da razão técnica.
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O desejo de maior objetividade, produtividade e eficiência educacional, nessa
perspectiva relaciona-se a um projeto de transformação social visando às novas relações no
mundo do trabalho. Era preciso, nesta perspectiva, formar trabalhadores eficientes,
disciplinados e acima de tudo produtivos. Esse anseio de eficiência, disciplina e produtividade
desejado pelos reformadores sociais acabou por fundamentar uma teoria educacional
denominada por Saviani (1984) como “pedagogia tecnicista”.
Segundo esse autor de modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, a
pedagogia tecnicista, pretendeu-se a objetivação do trabalho pedagógico. Se no artesanato o
trabalho é subjetivo, ou seja, os instrumentos de trabalho eram dispostos em função do
trabalhador e este os utilizava segundo seus interesses, na produção fabril essa relação é
invertida: “Aqui é o trabalhador que deve se adaptar ao processo de trabalho, já que esse foi
objetivado e organizado na forma parcelada". Assim, “o trabalhador ocupa seu posto na linha
de montagem e executa determinada parcela do trabalho necessário para produzir
determinados objetos”. O produto acaba sendo, assim, uma decorrência da forma como é
organizado o processo. Deste modo, “o concurso das ações de diferentes sujeitos produz
assim um resultado com o qual nenhum dos sujeitos se identifica e que, ao contrário, lhe é
estranho” (SAVIANI, 1984, p.14-15).
Os fenômenos acima mencionados ajudam a entender a chamada "pedagogia
tecnicista". Pois, esta procurou planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização
racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem por em risco sua
eficiência. Entretanto, para por em prática esses ideais, era preciso operacionalizar os
objetivos e, pelo menos em certos aspectos, mecanizar o processo. O que levou, na concepção
de Saviani (1984, p.16) a dizer:
[...] proliferação de propostas pedagógicas tais como o enfoque sistêmico, o
micro-ensino, o tele-ensino, a instrução programada, as máquinas de ensinar
etc. Daí, também, o parcelamento do trabalho pedagógico com a
especialização de funções, postulando-se a introdução no sistema de ensino
de técnicos dos mais diferentes matizes. Daí, enfim, a padronização do
sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento previamente
formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidades de
disciplinas e práticas pedagógicas.
Para o autor se na “pedagogia tradicional” a iniciativa ficava a cargo do professor
que era, ao mesmo tempo, “o sujeito do processo, o elemento decisivo e decisório”. Na
pedagogia nova a iniciativa desloca-se para o aluno. No entanto, “na pedagogia tecnicista, o
elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando professor e aluno
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posição secundária”. Esses, os professores, ficavam relegados “à condição de executores de
um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de
especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais” (p.16-17).
Entendendo que, o poder e a dominação não se restringem apenas aos aparelhos
de Estado ou simplesmente ao nível econômico, mas que existe sim, todo um processo de
disciplinarização necessário da população e abrange as esferas do trabalho, escola, família, e
até as formas mais ingênuas de relações entre os indivíduos (VIEIRA; PEIXOTO; KHOURY,
2002, p.8). Pode-se afirmar, então, o uso exclusivo da técnica e da ciência como caminhos
naturais e neutros em prol ao progresso material e social. A tecnificação do trabalho docente,
neste caso, surge como resultado de um novo modo de conceber a educação.
Em suma: a racionalização do ensino muito presente nos discursos dos
“renovadores”, refletindo a crença de modernizar a sociedade por intermédio da educação,
adquiriu certa universalidade, pois se tornou referência para diversos projetos que propunham
formas de reorganização da sociedade brasileira. Já que o próprio conceito em si concentrava
princípios de rendimento, eficiência, produtividade, objetividade, previsibilidade, mediação,
estatística, controle (MATE, 2002).
As mudanças propostas para a educação durante a década de 1930 foram além do
espaço escolar, registros documentais datados do início do século XX mostram que setores
das autoridades públicas estavam preocupados com os rumos da educação, de fato, tais
propostas articulavam-se às questões da ordem urbana e a organização do trabalho fabril.
Nessa perspectiva de reformas e mudanças atribuiu-se a escola e a educação grande
importância nos projetos de reforma e “saneamento social” (MATE, 2002).
Para se colocar em prática os objetivos da reforma educacional priorizavam-se a
racionalização do ensino, estabelecendo-se um modelo único de horário, leis específicas de
regulamentação de ensino, métodos e programas de ensino. Assim, podemos dizer que os
“renovadores da educação”, como por exemplos, Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Fernando
de Azevedo, Antonio de Almeida Júnior, Antonio Carneiro Leão, construíram um discurso
que conjugava “propostas e intervenções sociais que vinham ocorrendo isoladamente
lançando, com isso, projetos pedagógicos de estatuto científico que lhes conferiam, assim,
certa visibilidade” (Mate, 2002, p. 41).
Através da realização de programas de reformas de ensino contendo normas e
regras de funcionamento escolar; de seleção e tradução de novas tendências
pedagógicas produzidas no exterior; da criação de métodos pedagógicos e
disciplinares respaldados em novos conceitos científicos, principalmente do
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campo da Psicologia; enfim, orientações sistemáticas das quais as revistas de
educação foram depositárias. (Idem)
Nesse universo de transformações e, principalmente, de “otimismo pedagógico”
(NAGLE, 2001) o fenômeno de tecnificação do ensino assumiu um papel preponderante, no
intuito de tornar a educação popular dinâmica, objetiva, econômica e produtiva. Com efeito,
nas décadas de 1920 e 1930 um grande entusiasmo pela educação popular apoderou-se das
discussões e análises sociais feitas pelos intelectuais, isto é, considerava-se a educação como
o problema vital, da solução desse problema dependeria a solução dos demais problemas da
nacionalidade. Deste modo, para muitos a escolarização das massas seria o instrumento do
progresso material e social, afirmação essa, que se tornou princípio inquestionável. Em suma:
aspirava-se a transformar a escola brasileira nos objetivos, conteúdos e, sobretudo na função
social.
Todavia com o fato histórico Revolução de 1930, o campo de consenso que fora
constituído em torno do programa de reorganização nacional através da modernização cultural
é desfeito. E com isso, o consenso em torno da “causa educacional” transforma-se em disputa
pela implementação de programas político-pedagógicos divergentes, como por exemplo, a
disputa acirrada entre intelectuais e reformadores sociais liberais e os reformadores católicos.
A assistência realizada pelos técnicos em educação, apontada por Lourenço Filho
como parte das transformações educacionais, onde se busca trazer novas técnicas e
procedimentos ao trabalho docente e ao ensino constitui o tema de análise do presente texto.
Nessa conjuntura revolucionária o impresso irá desempenhar um papel importantíssimo como
dispositivo de regulação e modelagem dos discursos e das práticas pedagógicas do
professorado. Por conseqüência, Lourenço Filho, atento a importância do impresso, ao
assumir a Diretoria Geral, mudou as características e as finalidade da revista Educação, órgão
da Diretoria Geral da Instrução Pública, alterando de imediato a denominação para Escola
Nova: coordenar, incentivar, subsidiar, informar, atualizar, estes eram os objetivos atribuídos
a revista.
Lourenço Filho no editorial do primeiro número da revista Escola Nova, outubro
de 1930, ao se referir a um novo modelo de escola ou, “a uma escola renovada nos processos
didáticos”, como ele mesmo afirmava, deixava explícita a ênfase à ciência e,
concomitantemente, à assistência técnica.
Na compreensão da finalidade a que deve servir, orientado segundo as normas
da ciência, amparado por uma organização de assistência técnica, todo e
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qualquer professor paulista, até o mais humilde, terá a liberdade para sugerir e
criar, será incentivado para o estudo científico da criança, para o
conhecimento da nova psicologia e de suas surpreendentes aplicações.
(LOURENÇO FILHO, 1930a, p.4)
Esse trecho citado, certamente, pode nos revelar aspectos e experiências que
vinham acumulando-se para a montagem de um sistema de ensino no qual o aparelho escolar
seria organizado, planejado e assistido por um quadro de técnicos a fim de gerenciar as
transformações educacionais e culturais tidas como necessárias.
Uma das criações mais importantes concretizadas na sua gestão, portanto, referese ao Serviço de Assistência Técnica que trouxe mudanças significativas para a prática
docente; legitima-se, assim, a necessidade de o professor ser orientado externamente ao seu
contexto de trabalho.
Escola Nova trazia ao longo de suas páginas propostas, sugestões, orientações,
enfim, procedimentos que visavam um modo considerado mais eficiente de ensino e trabalho
pedagógico a fim de proporcionar economia de tempo e de recursos materiais. Há de se
ressaltar que todas essas iniciativas no campo da educação aconteciam simultaneamente às
experiências de setores empresariais, científicos e intelectuais irmanados na criação de formas
e modelos de controle, normalização e eficiência das relações sociais (MATE, 2002).
Escola Nova e a “formação de uma cultura pedagógica nacional”
Por conseguinte, Escola Nova foi um significativo veículo de inovações com o fito
de, entre outros:
“Coordenar um movimento de elaboração de uma cultura pedagógica
nacional, incentivando a participação de professores e estudiosos de questões
educacionais e subsidiar a prática docente dos professores pela mediação de
hábitos de leitura informados por um trabalho de atualização e de crítica
bibliográfica” (CARVALHO, 2001, p.75).
Objetivo já declarado no primeiro número da revista, no qual é possível verificar
claramente os propósitos da revista Escola Nova, ou seja, ser um instrumento de coordenação
de uma “nascente cultura pedagógica nacional” e meio de “organização e orientação de
leituras” dos professores. Vejamos:
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“Escola Nova” é um órgão destinado à livre exposição e crítica de assuntos
educativos, sejam os de pura doutrina, sejam os de aplicação direta e imediata.
Nessas condições, franqueia suas páginas a todos quantos, professores de
oficio ou estudiosos dos vários aspectos do problema educativo, desejem
colaborar a sério numa obra de coordenação da nascente cultura pedagógica
nacional.
“Escola Nova”, não terá noticiário, nem publicará homenagens, ou artigos
literários de pura forma. Sua seção bibliográfica organizar-se-á de molde a
constituir-se um repositório de informação retrospectiva e contemporânea da
cultura pedagógica mundial, facilitando aos professores a organização e
orientação de suas leituras.(Escola Nova, v. 1, n.1, 1930, p.1)
A estratégia da criação de uma “cultura pedagógica nacional” não ignorava o papel
fundamental e diretivo do “repositório” de informações e referenciais críticos que a revista
fornecia, seja na sua seção bibliográfica, seja na seleção do material textual publicado.
Na visão pessoal de Lourenço Filho, e de outros tantos reformadores, a escola
popular deveria ser mais do que simples aparelho de alfabetização, ela deveria promover entre
os alunos uma reflexão sobre a realidade social, e, claro, melhorar seus “costumes” e
contribuir decisivamente para a criação de uma nova nação.
Em outro trecho da revista Lourenço Filho referia-se à atuação dos docentes
evidenciando que estes teriam liberdade de trabalho e seriam assistidos por um quadro de
técnicos lotados na Diretoria Geral da Instrução.
Na compreensão da finalidade a que deve servir, orientado segundo as
normas da ciência, amparado por uma organização de assistência técnica,
todo e qualquer professor paulista, até o mais humilde, terá a liberdade para
sugerir e criar, será incentivado para o estudo cientifico da criança, para o
conhecimento da nova psicologia e de suas surpreendentes aplicações.].
Onde tem estado uma escola sem alma queremos agora uma escola com
alma. Onde se queria um títere, queremos um mestre animado pela
inteligência. A inteligência baseado num saber, a inteligência que deve
construir um Brasil novo. (LOURENÇO FILHO, 1930a, p. 3-4)
O trecho expõe o anseio de orientação e amparo que o professor receberia ao longo
do exercício de seu ofício, como também, a de “liberdade para sugerir e criar” que desfrutaria.
No entanto, a idéia de “liberdade do professor” estava associada ao acompanhamento da
assistência técnica prestado pela Diretoria. Para Carvalho (2001, p.77) esta foi a fórmula
condensada de uma gestão cujas ações reformistas “abrangeram a reformulação técnicoadministrativa dos órgãos subordinados à Diretoria e a decretação da autonomia didática do
professor”. É no contexto dessas medidas, “que se articula a estratégia editorial da revista
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Escola Nova, como órgão prestador de serviço, cuja natureza se evidencia como de assistência
técnica” (Idem, p.77).
Assim Lourenço Filho procurou implantar uma estrutura administrativa tendo em
vista a organização de um sistema de ensino, que implicaria numa rede de normatizações a
qual abrangeria desde a administração central até as mais minuciosas atividades de
escrituração escolar, passando por todas as atividades desenvolvidas no âmbito escolar, fosse
de professores, alunos, funcionários ou diretores.
Tendo como objetivo amparar o trabalho docente, Escola Nova, apropria-se de
diversos conhecimentos adequando-os em escritos claros e concisos, ora para explicar
questões ligadas à escola, ora para fundamentar recomendações aos professores em sala de
aula, sempre embasados em teorias e experiências científicas.
No primeiro número da revista observa-se que a preocupação foca-se na difusão
das idéias de inovação educacional, como evidenciam os artigos “A Escola Nova” de
Lourenço Filho, “Porque Escola Nova?”, apresentado por Anísio Teixeira e, o texto “A
criança e o progresso escolar”, de John Dewey, um dos nomes mais reconhecidos do
movimento.
Já no segundo número, com a temática “Programas Escolares”, o foco recaia
sobre a prática docente. Pode-se dizer, nessa perspectiva, que se trata primeiramente de
informar aos leitores práticas inovadoras e as múltiplas modalidades de “escolas novas”
surgidas na Europa e América do Norte, para em seguida, trazer suportes teóricometodológicos, como também conhecimentos produzidos por psicólogos, biólogos,
sociólogos e outros profissionais para divulgar uma “orientação científica” do ensino.
Portanto, a presença de técnicos passa a ter uma atuação mais significativa a partir
da reforma idealizada e realizada por Lourenço Filho com a implantação do Serviço de
Assistência Técnica da Diretoria Geral da Instrução.
Como foi visto anteriormente, Lourenço Filho, já no primeiro número da revista
enfatizava importância da assistência técnica que seria prestada pela Diretoria Geral aos
professores. Nesse mesmo número, na seção “Informações” ele reforça as orientações a serem
dadas.
Um dos pontos capitais do programa da atual administração do ensino é o de
dar, ao srs. professores, ampla autonomia didática, dentro das normas
compatíveis, com a boa regularidade do serviço e adoção de técnicas que se
baseiem num conhecimento objetivo da criança e compreensão da finalidade
social a que devem tender as escolas.(Informações, Escola Nova, v.1, n.1,
out. 1930, p.66)
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No trecho acima as expressões “dentro das normas compatíveis” e “adoção de
técnicas”, faz subtender que a “ampla autonomia didática” que o autor se refere, ficam
restritas a regras e técnicas, dentro das quais, os docentes terão que adequar suas práticas. A
idéia de tecnificação do trabalho docente fica um pouco mais clara, quando nesse mesmo
informativo, Lourenço Filho, solicitava aos professores um projeto de programa de ensino,
declarando, entretanto, que o projeto só seria adotado se aprovado pela Diretoria. Vejamos:
“Nesse sentido, venho solicitar-vos redijais em colaboração com os srs. professores desse
estabelecimento, um projeto de programa de ensino, para ali ser adotado, no próximo ano,
desde que aprovado por esta Diretoria” (Idem.).
Ainda no primeiro número de Escola Nova na seção “Através das Revistas e
Jornais”, numa entrevista, do então Secretário do Interior, o Sr. Dr. José Carlos de Macedo
Soares, ao se referir a Instrução Pública, declarava:
Ao mesmo tempo que providenciávamos para esse resultado, estávamos
tratando sem descanso de dar um balanço à situação encontrada e de
preparar a reforma administrativa e técnica. Queremos agora sem perda de
tempo, dar novas normas administrativas e técnicas ao ensino. Quanto à
reforma pedagógica, queremos incentivar o estudo dos professores, por uma
assistência técnica, sem imposição de processos rígidos. (Através das
revistas e jornais, Escola Nova, v.1, n.1, out. 1930, p.76)
E, mais do que isso significava, também, economia de gastos como concluía sua entrevista, o
Secretário dos Negócios do Interior:
Tudo, enfim, conclui o sr. secretário do Interior, está sendo estudado
rapidamente, como critério superior de bem servir o Estado, e firme
orientação técnica. Ainda uma nota interessante: só neste fim de exercício
fiscal, a instrução pública fará economia de perto de oitocentos contos, sem
prejuízo algum do serviço. (Através das revistas e jornais, Escola Nova
v.1, n.1, out. 1930, p.76 ).
Conforme Saviani (1984, p.18), do ponto de vista pedagógico, pode-se dizer que a
pedagogia tradicional a questão central é aprender, na pedagogia nova seria aprender a
aprender já, na pedagogia tecnicista o que se prioriza é aprender a fazer. Assim, no processo
de tecnificação do trabalho docente, a revista Escola Nova, executa papel fundamental de
trazer ao professorado os ensinamentos do “como se deve fazer”. Ensinamentos, esses, que
conforme Lourenço Filho seriam realizados por um "corpo de assistentes técnicos" destinados
aos estudos dos problemas do aperfeiçoamento do ensino e de seu controle objetivo.
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O corpo de assistentes técnicos, que será representado por pessoas de
reconhecida competência, em cada especialidade [...] vai fornecer elementos
de reflexão pedagógica, vai expor. Impor, expor...[...] vão procurar dar aos
professores públicos, de uma forma resumida, clara e acessível, o que de
melhor se pratica lá fora, em matéria de ensino. E mais do isso: vão habilitar
os mestres a julgar de seu próprio trabalho. (Através das revistas jornais,
Escola Nova, v.1, n.2-3, nov./dez. 1930, p.279)
Assim, com o aparato dos técnicos/especialistas, Escola Nova dedicava-se a
difundir procedimentos técnicos visando aumentar o rendimento do trabalho docente
tornando-o objetivo e eficiente.
A atuação dos quadros técnicos
Com efeito, a presença do ponto de vista dos quadros técnicos em educação é
característica marcante ao longo das páginas dos diversos números de Escola Nova, um dos
exemplos trazidos pela revista, do como proceder pode ser observado no artigo “Como se faz
uma excursão”. O artigo indicava todos os passos e os procedimentos que deveriam ser
adotados pelo professor ao fazer uma excursão com alunos, dentre outras orientações,
recomendava a preparação antecipada da atividade, o melhor horário, as aulas explicativas, a
elaboração do programa a ser seguido, elaboração de relatório de experiências, os fins cívicos
que a excursão deve ter, e principalmente o papel a ser desempenhado pelo professor neste
tipo de atividade extra-classe.
O professor apenas vigia, orienta e indica. Trata-se de estimular os interesses
dos alunos e de chamar-lhes a atenção sobre esse ou aquele ponto natural,
que lhes tenha escapado. Acostuma-os a observação, leva-os a comparar, a
discutir, a generalizar, e a coordenar as suas impressões. O professor deve
fazer com que os alunos observem as coisas essenciais e fugir as miuçalhas
inúteis. (Escola Nova, v.1, n.1, 1930, p.80)
Além das orientações no final do artigo encontramos os resultados que as
excursões poderiam propiciar à aprendizagem, sempre ressaltando, que todos os
procedimentos e argumentos fundamentavam-se em experiências científicas e declarações de
especialistas no assunto.
Já a aplicação de testes psicotécnicos para selecionar, medir e avaliar os alunos
com o fito de organizar classes homogêneas segundo velocidade de aprendizagem foi outro
procedimento implantado por Lourenço Filho. Pois, para ele, na sociedade moderna uma
melhor produção requeria:
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1) verificar com que material se trabalha, e para que ele serve; 2) descobrir
quais os meios mais seguros e econômicos, a serem postos em prática, em
vista de um fim determinado; 3) indagar si se obteve realmente o que se
pretendia, ou em que medida foi atingido o fim desejado. (LOURENÇO
FILHO, 1931a, p.253)
Segundo o reformador, com a introdução desses três pontos fundamentais, o
“empirismo e a rotina” iriam sendo substituídos pela aplicação de conhecimentos científicos;
a concepção primitiva do inexplicável daria espaço ao rigor das leis naturais; e a noção da
medida se afasta “dos fenômenos inanimados, a que primeiro serviu, aos fatos da própria
vida, em seus aspectos mais variados e complexos” (LOURENÇO FILHO, 1931a, p.253254). Com esses pontos fundamentais, Lourenço Filho pretendia transformar a educação, já
que segundo ele, “conhecendo melhor dos elementos humanos, podemos também adaptar os
processos, com que os queremos modificar, às qualidades e deficiências encontradas”. E o
“progresso da técnica da educação resulta da aplicação da medida. Medindo, podemos
analisar com segurança do material, do processo e do efeito” (idem.). Em resumo, afirmava:
O que o teste, antes de tudo, pretende é substituir a apreciação subjetiva,
variável de mestre a mestre e, nestes, de momento a momento, por uma
avaliação objetiva, constante e inequívoca. O teste pretende ser, realmente,
uma medida. Medir pressupõe um padrão, uma grandeza conhecida, certa e
determinada, invariável no tempo e no espaço, que se aplica sobre grandezas
desconhecidas. (LOURENÇO FILHO, 1931a, p.255) (grifos do autor)
Para Mate (2002), todos os procedimentos técnicos implantados com os usos dos
testes revelam, segundo ela, que o tema dos testes veio fundamentar, dar materialidade ao
discurso da pedagogia objetiva, da técnica mensurável, já que se tratava de planejar, prever e
obter resultados para um amplo universo de alunos. A educação pública, nestes termos,
“agora era alvo de um projeto racional inspirado em estatísticas e complexos suportes
técnicos para fixação de padrões ideais de aprendizagem” (p.115).
Nesse processo de tecnificação, caberia ao professor, não questionar os testes, mas
apenas aplicá-los, pois, estes eram resultados de experiências científicas realizadas por nomes
significativos do campo da psicologia e pedagogia experimental. Desse modo, o bom
professor devia ter “consciência técnica”, como dizia Alexandre Gali, Secretário do Conselho
de Pedagogia de Barcelona, no artigo “Conceito da medida do trabalho escolar”: “A
consciência técnica está determinada, precisamente, pelo desejo de não se basear em nada o
que costuma constituir o orgulho do bom mestre. Nem o bom sentido, nem a prática, nem o
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golpe de vista – como diz Claparède – satisfazem a consciência técnica” (GALI, 1931, p.268).
Ou seja, a idéia de conceber a técnica separada da prática e experiência do professor era
enfatizada, daí, ser necessário “não se basear em nada” do que constituía “o orgulho do bom
mestre”, pois, nem sempre o que ele preparava poderia ser adequado a situação:
O mestre prepara a lição. A consciência técnica não julga suficiente a
conveniência interna, o som, o procedimento, nem o método mais ou menos
objetivo para atrair a atenção e interesse. Deve saber, por meio das escalas e
programas elaborados experimentalmente, se a matéria que quer ensinar tem
cabimento na idade das crianças, se os processos a empregar se adaptam à
sua psicologia, e se o interesse que se quer despertar será interesse vital ou
apenas uma espécie de passatempo. (GALI, 1931, p.268)
Novamente colocavam-se os professores a mercê dos técnicos que os orientariam
quanto à melhor maneira de proceder, tornando o aprendizado mais objetivo, sem o risco da
subjetividade e de tudo aquilo que se identificava com o “orgulho do bom mestre”.
Podemos afirmar que essas expectativas sinalizavam que os projetos de renovação
concentravam-se prioritariamente na aplicação de técnicas que aproximavam a educação
escolar da racionalidade intrínseca da organização do trabalho fabril. Expressões como
“melhoria de produção” e “aumento de produção”, utilizados com freqüência na produção
discursiva de Lourenço Filho evidenciam claramente tal intenção. A citação do artigo
“Medida Objetiva do Trabalho Escolar”, sintetiza claramente as expectativas reverenciadas
nos meios administrativos:
1º Determinação precisa do programa escolar mediante os tipos que deram
os Standards. 2º Possibilidade de estabelecer estatísticas exatas sob os
conhecimentos das crianças nas escolas de núcleos urbanos, em zonas
geográficas determinadas e em todo o país. 3º Fixação e aperfeiçoamento do
trabalho de inspeção escolar. 4º possibilidade de flexibilizar a ação
governativa por meio de estatísticas, procedendo com rapidez e exatidão. 5º
Possibilidade de realizar ensaios que se possam controlar e guiar duma
maneira imediata. 6º Melhoria geral da técnica do professor, e, como
conseqüência, aumento da produção escolar. 7º Possibilidade de escolher o
programa escolar dos primeiros anos, sujeito sempre a divagações, e
possibilidade de dedicar parte do tempo (uma vez resolvido o ponto) aos
aspectos educativos (educação moral, cívica, religiosa, e social) que hoje,
com a preocupação de difundir conhecimentos, estão geralmente
descuidados. 8º Vantagens gerais em ordem ao ensino em geral, da qual o
primário é a base. (GALI, 1931, p.303)
A questão da saúde também foi tema abordado nas páginas de Escola Nova,
demonstrando preocupação com hábitos de higiene, alimentação, vestuário e moradia, e
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trazendo orientações e medidas preventivas, que se estendiam além do ambiente escolar,
atingindo vários aspectos do comportamento, visando uma reorientação nos costumes. Assim,
Escola Nova dedicava um número específico para o tratamento desse tema. No editorial da
revista Lourenço Filho destacava a importância do assunto:
Nenhuma sociedade civilizada descura dos problemas da saúde, e nenhuma
escola verdadeira pode desprezar o seu contingente, para a defesa da vida. Já
no combate direto às moléstias, já nos múltiplos serviços de preservação e de
profilaxia, já nos de implantação de hábitos de conservação de saúde, toda
escola de nosso tempo procura ser uma escola de saúde. (LOURENÇO
FILHO, 1931b, p.5)
Dada a importância do tema, o número especial de Escola Nova veiculava inúmeros artigos
de especialistas no assunto com o objetivo de orientar as ações do professorado.
A professora que se interessa pela educação da saúde devia saber de que
modo ela pode esperar que tal ensino ajude esta geração a encarar seus
próprios problemas e os das gerações futuras. Ela devia também saber evitar,
perder tempo, ensinando coisas que darão pouco ou nenhum resultado. Uma
sábia diretriz do esforço para campos mais férteis e uma inteligente seleção
de material constituem o principal na educação da saúde. (WOOD, 1930,
p.22)
Os artigos divulgavam diversas técnicas e testes que os mestres podiam, e, é claro,
deviam aplicar no trabalho escolar, para identificar, prevenir, e corrigir alguns problemas de
saúde mental, além de conselhos dos especialistas; invariavelmente, do final dos artigos
constava uma “bibliografia para professores” para aprofundamento no assunto, isto é, saúde
escolar.
Um exemplo significativo de tais orientações consta no artigo “A educação da
saúde”, de autoria do Dr. Thomaz Wood, orientando os professores com relação com relação
a “higiene mental”, uma prática então em largo processo de difusão.
Ajudar seus discípulos a adquirirem o domínio da emoção e devem evitar
qualquer gênero de ação que possa provocar emoções prejudiciais. Nunca se
deve amedrontar as crianças [...] As crianças não devem ser ridicularizadas,
envergonhadas e nem perturbadas. As professoras devem ajudar os alunos a
formarem hábitos de honestidade intelectual. As professoras devem ensinar
os alunos a trabalharem com bom êxito e eficiência. (WOOD, 1930, p.81-
82)
O trecho acima permite observar que a preocupação do autor não somente à
higiene mental do escolar, mas também com a questão moral relacionada aos costumes e
14
trabalho. Isso se explica, conforme Cunha (2000, p.457), que a campanha educacional movida
pelos educadores pregava que, medidas de políticas sanitárias não seriam suficientes para a
modernização da sociedade, caso não fossem acompanhadas de medidas educacionais
correspondentes. Nesses termos as mudanças educacionais necessárias e almejadas no país
deveriam assentar no trinômio saúde, moral e trabalho.
A questão do trabalho, ou melhor, da formação do trabalhador, levou a revista a
dedicar um número a respeito à temática da orientação profissional. Por exemplo, o artigo
“Orientação profissional” assinado por Lourenço Filho, relevava como a correta orientação
profissional poderia colocar o “homem devido no lugar devido”; isto é, o indivíduo seria
orientado a fazer aquilo que realmente estivesse ao alcance de suas aptidões e de seu gosto e,
com isso, não só realizaria sua felicidade pessoal, como também haveria maior equilíbrio
social, eficiência do trabalho e progresso técnico (LOURENÇO FILHO, 1931c, p.3).
Todos os artigos relacionados à “orientação profissional” enfatizavam, acima de
tudo, a importância de aproveitar as tendências e aptidões psicofisiológicas das crianças no
estágio da educação primária, para posteriormente desenvolver inserções e adaptação no
mundo do trabalho. Na visão dos especialistas, a “orientação profissional”, era algo de suma
importância, pois, além de vantagens e benefícios ao próprio indivíduo, proporcionaria
economia, eficiência, e rendimento de trabalho. É o que podemos observar no trecho assinado
por Plínio Olinto, médico da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, ao ressaltar o “valor
do exame psicofisiológico na pesquisa das aptidões”.
Iniciada como obra de assistência, a orientação profissional tomou um
caráter altamente econômico. Resulta de sua prática a diminuição ou
desaparecimento da mão de obra profissional, o que vinha se avolumando
nestes últimos tempos, principalmente entre o operariado. Depois, a redução
do número de acidentes do trabalho que tem por causa mais os defeitos do
operário do que sua imprudência ou desatenção.
Atualmente a grande preocupação de todos os povos é obter do indivíduo o
máximo de rendimento com o mínimo de fadiga, poupando ao mesmo tempo
os gastos de seu organismo.
Neste ponto intervém então os chamados testes de psicotécnica, as provas de
telergética psicofísica, enfim manobras que apropriadas a cada profissão
devem ser desempenhadas por profissionais para bem aquilatar a boa
atuação de cada um. (OLINTO, 1931, p.110)
No entanto estas “orientações” que “têm por fim encurtar o período do
aprendizado, aproveitando as tendências individuais” não poderia ser ministrada por qualquer
profissional, “tal encargo deve, sem dúvida, ser confiado a especialistas”, pois, “tantas
responsabilidades comporta que não pode ser desempenhado por quem não possua o
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respectivo preparo, isto é, vastos conhecimentos de psicologia e da psicologia”. Assim, “um
exame completo do candidato; feito pelo próprio orientador é o único meio científico pelo
qual é possível aconselhar uma profissão, com probabilidades de algum êxito prático”
(OLINTO, 1931, p.116).
O professor Aprígio Gonzaga, Assistente Técnico do Ensino Profissional e
Vocacional, no artigo intitulado “Orientação do trabalho manual vocacional nas Escolas
Públicas”, além de ressaltar, a importância da orientação profissional, vai mais além ao propor
a necessidade de “infundir e espalhar hábitos de trabalho”:
É preciso, e mais que muito, infundir e espalhar hábitos de trabalho; formar
uma consciência industrial no povo, para que cada jovem possa viver por si,
com o trabalho de suas mãos.
O hábito de trabalho, o exercício de uma profissão manual, foi o caminho
que seguiram e ainda seguem grandes povos e é premente dever das
democracias: espalhar o trabalho manual vocacional (GONZAGA, 1931,
p.95).
A necessidade de infundir hábitos e costumes que atingissem toda população,
levou a criação das “organizações peri-escolares” como meio de vinculação da escola com as
famílias. De fato, a família era um dos alvos privilegiados, pois se sabia que nada de
produtivo e duradouro poderia ser feito com o escolar se não houvesse boa aceitação dos
procedimentos pedagógicos no ambiente doméstico: “A família, portanto, deveria enquadrarse, ou ser enquadrada, nos princípios ditados pelo discurso educacional renovador” (CUNHA,
2000, p.457).
Ainda no campo da implementação de “bons costumes”, Lourenço Filho investiu
na difusão do “cinema educativo”, dedicando um número da revista Escola Nova a
abordagem dessa temática. Escrevia, assim como os livros, o cinema “vem servindo as
melhores causas, vem sendo um dos mais prestadios instrumentos de saúde moral, de
construção e de regeneração”. O cinema educativo surgia como alternativa ao cinema
comercial, que na concepção do autor, “explorava os sentimentos menos dedicados da turba”.
O cinema “que nos transporta as mais longínquas distâncias, e nos dá a conhecer homens,
costumes, habitações, processos de trabalhos, flora e fauna de todas as regiões do globo”, será
um importante instrumento de aprendizado, pois, além de poder voltar “as páginas do tempo”,
faria entender “o aspecto verdadeiramente humano do episódio, a vida de outras épocas”, o
cinema, também, poderá, segundo o autor, “dar sugestões morais e estéticas [...] correção das
maneiras”, e, ainda, “tornar conhecidas novas formas de trabalho, despertando tendências
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profissionais ainda mal suspeitadas, ou excitando iniciativas para maior e melhor forma de
produção” (LOURENÇO FILHO, 1931d, p.141-143).
Assim o reformador recomendava o cinema educativo como meio, dentre os vários
utilizados, para a implantação de uma nova cultura social, objetivando um ensino dinâmico, e
apresentar e despertar “novas formas de trabalho” e “maior e melhor forma de produção”.
De modo que o papel desempenhado pela revista Escola Nova no contexto
reformista ultrapassava o simples papel de veículo de difusão de informação, para assumir a
função de disseminar a inovação educacional, isto é, outros modos de fazer e organizar a
educação escolar e, claro, conceber a infância. Em muitos pontos, pode-se até afirmar que o
modelo fabril foi inspirador de certos procedimentos. Assim, a racionalização e tecnificação
do processo de aprendizagem tornaram-se alvo privilegiado da reforma capitaneada por
Lourenço Filho.
Considerações
Com este texto tivemos a intenção de contribuir para o debate sobre a educação na
década de 1930, partindo de análises realizadas por destacados pesquisadores da área
educacional; concebendo a história como um permanente fazer-se e a investigação histórica
como um universo aberto a novas abordagens procuramos apresentar uma outra abordagem de
análise da reforma Lourenço Filho, realizada em São Paulo, entre 1930-1931, elegendo como
corpus a revista Escola Nova, concebendo-a como porta-voz do reformador veículo de
difusão de diretrizes entre o professorado.
Assim, tivemos como preocupação fundamental responder as questões formuladas
no início deste artigo, a saber: como os técnicos lotados na diretoria de ensino e responsáveis
pela assistência teórico/prático aos professores atuaram por meio da revista Escola Nova?
Pode-se falar de um tecnicismo educacional presente nas reformas concretizadas pelo
professor Manoel Bergström Lourenço Filho, durante sua gestão à frente da diretoria de
ensino, entre 1930 e 1931?
Os técnicos por meio de artigos, relatos de experiências, traduções de obras de
autores estrangeiros, conceituados no âmbito do movimento Escola Nova, sugeriram,
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indicavam leituras, procedimentos, técnicas de rendimento escolar, meios controle e
produtividade nas atividades dos mestres. Fundamentados em conhecimentos científicos os
técnicos contribuíram para implementação de significativas inovações no campo educacional
do período, sempre visando o desenvolvimento de uma “pedagogia tecnicista”, isto é, ênfase
ao ensino objetivo, dinâmico, produtivo e econômico.
Para tanto, recorreram à implantação de testes para avaliar, classificar, selecionar
e medir capacidades individuais, a utilização de novas técnicas didáticas e metodológicas, e,
sobretudo a presença atuante de técnicos de ensino. Percebe-se que já não é apenas o
professor o responsável pela preparação, seleção e avaliação do processo de ensinoaprendizagem. Havia um corpo de especialistas e todo um acompanhamento científico
destinado a dirigir o professorado.
Professores,
alunos
e
suas
famílias
foram
alvos
de
estratégias
de
esquadrinhamento e enquadramento visando à implantação de outros e novos padrões de
comportamentos individual e coletivo, saúde, vida e trabalho. Em suma: na conjuntura
reformista liderada por Lourenço Filho, a presença dos técnicos e do tecnicismo pedagógico
foram os traços mais marcantes das mudanças pretendidas no meio escolar. Evidentemente
essas considerações finais suscitam outras questões que merecem maiores reflexões por parte
dos pesquisadores do movimento Escola Nova no Brasil.
Referências e Notas
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18
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3. Instituições consultadas
Serviço de Biblioteca e Documentação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade
Estadual Paulista. Campus de Marília.
Acervo do Centro de Referência para Pesquisa Histórica em Educação da Faculdade de
Ciências e Letras – UNESP / Campus de Araraquara.
4. Notas
1
Trabalho desenvolvido no âmbito do projeto integrado de pesquisa “Revistas de educação e
ensino – São Paulo: 1892-1944”, coordenado pelo Prof. Dr. Carlos Monarcha com apoio e
auxílio à pesquisa do CNPq- FAPESP
2
Professor Titular do Quadro do Magistério Público do Ensino Fundamental e Médio do
Estado de São Paulo na disciplina de História; mestrando em Educação Escolar pela
Universidade Estadual Paulista – FCL- Unesp/Araraquara-SP; e membro do Grupo de
Pesquisa “História da Educação no Brasil”.
20
3
O autor é atualmente estudante desta instituição matriculado no curso de Pós-Graduação em
Educação Escolar - Mestrado - (ingressante em 2007) sob a orientação do Prof. Dr. Carlos
Monarcha.
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