Acórdãos STA
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:
0259/11
Data do Acordão:
01-06-2011
Tribunal:
2 SECÇÃO
Relator:
ANTÓNIO CALHAU
Descritores:
IRS
APOIO
RENDIMENTO
Sumário:
I - O IRS incide, entre outros, sobre os rendimentos
do trabalho dependente, considerando-se integrados
nestes, além do mais, as remunerações acessórias,
nelas se compreendendo todos os direitos,
benefícios ou regalias não incluídos na remuneração
principal que sejam auferidos devido à prestação de
trabalho ou em conexão com esta e constituam para
o respectivo beneficiário uma vantagem económica.
II - O apoio à educação escolar concedido por uma
cooperativa de ensino aos filhos dos seus
cooperadores não tem, para estes, a natureza de
rendimento tributável em sede de IRS, categoria A,
porquanto o direito ao mesmo não resulta da
qualidade de trabalhador dependente nem tem
qualquer conexão com a prestação de trabalho.
Nº Convencional:
Nº do Documento:
Recorrente:
Recorrido 1:
Votação:
JSTA000P12961
SA2201106010259
A...
FAZENDA PÚBLICA
UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral
Texto Integral:
Acordam,
em conferência, na Secção de
Contencioso Tributário do Supremo Tribunal
Administrativo:
I – A…, residente em Cascais, não se conformando
com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Sintra que
julgou improcedente a impugnação judicial por si
deduzida contra as liquidações adicionais de IRS,
referentes aos anos de 1997 e 1998, e respectivos
juros compensatórios, dela interpôs recurso para o
TCAS, formulando as seguintes conclusões:
I. A comparticipação com a educação dos filhos não
pode ter a natureza de rendimento porque o direito
não resulta da qualidade de trabalhador
dependente, ou a qualquer outro vínculo laboral
ou a qualquer outra actividade ou relação
económica, mas sim e tão só resultou da qualidade
de cooperador subscritor de um título representativo
do capital social da B…, cooperativa titular da C….
II. O recorrente só exerceu na B…/C… funções
docentes e prestações de serviços entre Novembro
de 1998 e Setembro de 1999.
III. Para que possa aplicar-se o disposto no artigo 2.º
do CIRS é necessário que haja trabalho dependente,
ou seja, que haja uma relação de subordinação
jurídica.
IV. Não podia, assim, o tribunal a quo qualificar
aquelas contribuições com a educação dos filhos
como um rendimento sobre o qual incide imposto,
pois tal interpretação viola o disposto no artigo 103.º
da Constituição da República Portuguesa.
V. Também nunca tais regalias podem ser
qualificadas na categoria E do IRS porquanto não
resultam de qualquer distribuição de resultados ou
aplicações financeiras.
VI. Não havendo facto tributário, não pode haver
liquidação tributária, e muito menos notificação
oficiosa de liquidação tributária de rendimentos
sobre os quais nem sequer havia obrigação de
declaração tributária relativamente aos anos de 1997
e 1998.
VII. Há assim uma errada qualificação e
quantificação dos factos e uma errada e errónea
aplicação do direito, pressuposta na nota de
liquidação oficiosa do IRS ora impugnada.
VIII. Assim, deve ser declarada a inexistência e
nulidade absoluta da nota de liquidação oficiosa do
IRS de 1997 e 1998, objecto desta impugnação, que
evidencia à saciedade uma conduta da
administração fiscal desconforme com as Leis da
República, aos princípios do Estado de Direito
Democrático e Constitucional, uma vez que a
notificação oficiosa do IRS de 1997 e 1998 está
viciada absolutamente por inexistência de facto
tributário e por errónea qualificação dos
rendimentos.
IX. A não aplicação ao recorrente do regime
excepcional previsto no Decreto-Lei n.º 248-A/2002,
de 14/11, configura uma manifesta violação do
princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da
justiça (artigo 103.º da CRP).
X. A decisão do tribunal a quo violou o artigo 2.º do
CIRS e os artigos 13.º, 18.º e 103.º da Constituição
da República Portuguesa.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Por decisão sumária do Exmo. Relator, o TCAS
declarou-se incompetente, em razão da hierarquia,
para conhecer do recurso, por ser para o efeito
competente a Secção de Contencioso Tributário do
STA.
Aqui remetidos os autos, o Exmo. PGA emite
parecer no sentido de que o recurso não merece
provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Mostram-se provados os seguintes factos:
A) No âmbito de acção de fiscalização, a
Administração Fiscal considerou as importâncias
pagas ao impugnante, a título de propinas, pela B…,
como rendimentos da categoria A, referente a IRS,
dos anos de 1997 e 1998, no montante total de €
6.929,08, constando no relatório:
“…Na sequência da visita de fiscalização efectuada
à B…, NIPC …, constatou-se que nos anos de 1997
e 1998 foram contabilizados pagamentos em seu
nome a título de «Pagamentos de Propinas» no
montante de 2.166,10 euros (434.264$00) - 1997 e
4.762,98 euros (954.892$00) - 1998 …
A B… ao subsidiar os estudos dos filhos dos seus
cooperadores/colaboradores/professores apenas
quis compensá-los pelas despesas por eles
efectuadas, e essa compensação representa um
benefício ou regalia. Acrescenta-se ainda que os
subsídios que não são objecto de tributação em IRS
vêm consignados na lei, tais como, e a título de
exemplo, o subsídio de refeição, na parte em que
não exceda os limites legais, o subsídio de
desemprego, subsídio de doença, apenas na parte
que é atribuída à Segurança Social.
Apesar da Cooperativa B…ter aprovado (por
unanimidade) um sistema de comparticipação nas
despesas com a educação dos filhos de todos os
seus Cooperadores, não deixa de ser um benefício
ou regalia auferido em razão do vínculo laboral
(alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS).
A qualidade de trabalhador sobrepõe-se à de
subscritor de capital social da C…. Na verdade,
qualquer verba paga a um detentor de capital social
ou é rendimento da categoria A ou da categoria E.
Como a cooperativa não distribui resultados, os
valores pagos ao professor, que também é
cooperador, assumem, por força da alínea c) do n.º
3 do artigo 2.º do CIRS, a qualidade de rendimentos
da categoria A.” - cfr. fls. 16 a 21 do processo
administrativo tributário apenso;
B) O Chefe de Divisão por delegação do Director de
Finanças da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa
proferiu despacho, em 04/04/2002, no qual “nos
termos do art.º 65.º do CIRS, altero, concordando
com os fundamentos constantes do relatório da
Inspecção Tributária, os valores declarados e que
foram sujeitos a correcção” nos seguintes termos:
- IRS de 1997, Categoria A, “Valor declarado:
21.941,31 € - Corrigido para: 24.101,41 €” - cfr. fls. 6
do processo administrativo tributário apenso;
C) O Chefe de Divisão por delegação do Director de
Finanças da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa
proferiu despacho, em 04/04/2002, no qual “nos
termos do art.º 65.º do CIRS, altero, concordando
com os fundamentos constantes do relatório da
Inspecção Tributária, os valores declarados e que
foram sujeitos a correcção” nos seguintes termos:
- IRS de 1998, Categoria A, “Valor declarado:
33.520,94 € - Corrigido para: 38.283,92 €” - cfr. fls.
10 do processo administrativo tributário apenso;
D) Na sequência da correcção referida em A) e C), o
impugnante foi notificado da liquidação adicional de
IRS n.º 5323643942, relativa ao ano de 1997, no
valor total a pagar: € 1.053,08, com data limite de
pagamento: 06/11/2002 - cfr. fls. 20;
E) Na sequência da correcção referida em A) e C), o
impugnante foi notificado da liquidação adicional de
IRS n.º 5323204179, relativa ao ano de 1998, no
valor total a pagar: € 2.071,96, com data limite de
pagamento: 02/10/2002 - cfr. fls. 22;
F) Em 27/12/2002, foram apresentados os presentes
autos de impugnação - cfr. carimbo, a fls. 2;
G) O impugnante era cooperador da B… - cfr. artigo
13.º da petição inicial, a fls. 3;
H) “Na B…, os cooperadores são chamados a
assumir pesadas responsabilidades pessoais e
patrimoniais, sem terem qualquer compensação
para além da que lhe advém da remuneração da
prestação de trabalho, e mesmo nestes casos,
muitas vezes com salários sensivelmente inferiores
aos praticados no mercado, pelo que se delibera:
Um - Apoio à educação escolar dos filhos dos
cooperadores …” cfr. Acta da Assembleia Geral da
B…, realizada em 29/03/1996, a fls. 8 a 15,
especialmente fls. 10 e 11;
I) O impugnante exerceu na B…/C… funções
docentes e prestação de serviços entre Novembro
de 1998 e Setembro de 1999 - cfr. artigo 14.º da
petição inicial, a fls. 4;
J) O impugnante efectuou o pagamento, por
Multibanco, das liquidações referidas em D) e E) cfr. fls. 20 a 23;
K) O impugnante foi convidado, por carta com data
de 22/11/2002, a regularizar as dívidas em atraso,
ao abrigo do DL n.º 248.º-A/2002, de 14 de
Novembro, “devendo para o efeito dirigir-se ao
Serviço de Finanças da sua área de residência ou
sede, onde lhe serão facultados os necessários
esclarecimentos” - cfr. fls. 24.
III - Vem o presente recurso interposto da decisão da
Mma. Juíza do TAF de Sintra que julgou
improcedente a impugnação judicial deduzida pela
ora recorrente contra as liquidações adicionais de
IRS, referentes aos anos de 1997 e 1998,
resultantes das correcções efectuadas pela AF, ao
considerar como rendimentos da categoria A, ao
abrigo do artigo 2.º, n.º 3, alínea c) do CIRS, as
importâncias que lhe foram pagas pela B…, a título
de “pagamentos de propinas”,
Para tanto, considerou a Mma. Juíza a quo que tais
rendimentos, independentemente da designação
dada ao montante recebido, consubstanciavam uma
comparticipação ou regalia associada a uma relação
laboral, tanto mais que o impugnante exerceu na
B… funções docentes e prestação de serviços e,
como tal, sobre eles incide imposto.
Vejamos. A questão fundamental do presente
recurso é a de saber, pois, se as importâncias pagas
ao ora recorrente pela B…, a título de contribuições
com a educação dos filhos, nos anos de 1997 e
1998, deve ou não ser considerada como
rendimento de trabalho dependente, nos termos do
n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, como entendeu a AF e
confirmou o Tribunal a quo.
Como vimos, a Mma. Juíza a quo considerou que
tais rendimentos, independentemente da designação
dada ao montante recebido, consubstanciavam uma
comparticipação ou regalia associada a uma relação
laboral, tanto mais que o impugnante exerceu na
B… funções docentes e prestação de serviços e,
como tal, sobre eles deveria incidir imposto.
O imposto sobre o rendimento das pessoas
singulares incide, entre outros, sobre os rendimentos
do trabalho dependente, considerando-se integrados
nestes, além do mais, as remunerações acessórias,
nelas se compreendendo todos os direitos,
benefícios ou regalias não incluídos na remuneração
principal que sejam auferidos devido à prestação de
trabalho ou em conexão com esta e constituam para
o respectivo beneficiário uma vantagem económica.
As importâncias aqui em causa resultaram de
deliberação de assembleia geral da B… que
entendeu conceder apoio à educação escolar dos
filhos dos seus cooperadores, entre os quais o
impugnante, ora recorrente (v. alínea H) do
probatório).
E, para este, não há dúvida que tal apoio constitui,
de facto, um benefício ou regalia recebido.
A questão está em saber se tal rendimento foi ou
não recebido devido à prestação de trabalho ou em
conexão com ela.
Ora, a esse respeito, o que resulta do probatório é
que o recorrente, não obstante ter exercido na B…
funções docentes e prestação de serviços, ainda
que em período temporal só parcialmente
coincidente com o período a que se reporta o
imposto (este respeita a 1997 e 1998 e o
impugnante trabalhou na B… apenas entre
Novembro de 1998 e Setembro de 1999), o certo é
que o referido apoio não foi atribuído pela B… aos
filhos dos seus trabalhadores mas apenas aos filhos
dos seus cooperadores, que necessariamente
podem não coincidir com aqueles, sendo que o
impugnante era seu cooperador (v. alíneas G), H) e
I) do probatório).
É certo que se admite haver cooperadores que
também possam ser trabalhadores da B… e, nessa
medida, receberem remuneração por essa prestação
de trabalho, mas daí não se pode extrair a ilação de
que o apoio aprovado conceder o foi devido à
prestação de trabalho e não à qualidade de
cooperador.
Além de que, tratando-se de apoio à educação
escolar, nos anos lectivos a que se reporta a
liquidação impugnada, não está provado que o
impugnante ali fosse docente ou prestasse serviço.
Assim, não se pode concluir que tais
comparticipações tenham a natureza de rendimento
tributável em sede de IRS, categoria A, porquanto o
direito às mesmas não resulta da qualidade de
trabalhador dependente, nem têm qualquer conexão
com a prestação de trabalho (aliás nem sequer está
provada nos anos em causa a qualidade de
trabalhador do impugnante, como vimos), mas sim e
apenas com a qualidade de cooperador.
Não se equacionando, sequer, a tributação de tais
rendimentos noutra categoria (como a E referida), já
que não foi com esse pressuposto que a AF
procedeu às correcções e consequentes liquidações
adicionais.
Razão por que as liquidações impugnadas, por erro
nos pressupostos, se não poderão manter, impondose a sua anulação total com a consequente
restituição das quantias pagas (imposto e juros
compensatórios), acrescidas dos respectivos juros
legais devidos.
E, assim sendo, prejudicado está o conhecimento do
pedido de devolução dos juros compensatórios
pagos, por aplicação do regime consagrado no DL
248-A/2002, de 14/11, formulado pelo impugnante
subsidiariamente.
IV - Termos em que, face ao exposto, acordam os
Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA
em conceder provimento ao recurso, revogando a
decisão recorrida, e julgar procedente a impugnação
judicial, e, consequentemente, anular as liquidações
adicionais de IRS e de juros compensatórios,
relativas aos anos de 1997 e 1998, impugnadas,
restituindo-se as quantias pagas, acrescidas dos
respectivos juros legais devidos.
Sem custas.
Lisboa, 1 de Junho de 2011. – António Calhau
(relator) – Brandão de Pinho – Isabel Marques da
Silva.
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