Maj MB CRISTIANO MAURI DA SILVA
O desenvolvimento da Base Industrial de Defesa no Brasil:
atuação das Forças Armadas
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército, como requisito parcial para a
obtenção do título de Especialista em Ciências
Militares.
Orientador: Ten Cel Art Fabiano Lima de Carvalho
Rio de Janeiro
2014
S 586d Silva, Cristiano Mauri
da.
O desenvolvimento da Base Industrial de Defesa no
Brasil: atuação das Forças Armadas
103 f. : il ; 30cm.
Trabalho de Conclusão de Curso - Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro,
2014.
Bibliografia: f. 104-106.
1. Base Industrial de Defesa. 2. Forças Armadas. 3.
Indústria de Defesa. I. Título.
CDD 355.4
Maj MB CRISTIANO MAURI DA SILVA
O desenvolvimento da Base Industrial de Defesa no Brasil:
atuação das Forças Armadas
Trabalho
de
Conclusão
de
Curso
apresentado à Escola de Comando e EstadoMaior do Exército, como requisito parcial para
a obtenção do título de Especialista em
Ciências Militares.
Aprovado em 22 de julho de 2014.
COMISSÃO AVALIADORA
_________________________________________________
Fabiano Lima de Carvalho - Ten Cel Art - Dr. Presidente
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
_________________________________________________
Mario Eduardo Moura Sassone - Ten Cel Art - Dr. Membro
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
_________________________________________________
Marcelo Cavaliere – Ten Cel Art - Dr. Membro
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
“Sem possuir armas próprias, nenhum principado
estará seguro; estará, antes, à mercê da sorte, não
existindo virtude que o defenda nas adversidades”.
(Maquiavel)
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO.................................................................................. 08
2
DESENVOLVIMENTO...................................................................... 11
2.1
MOTIVOS QUE LEVARAM AO DESENVOLVIMENTO DA BASE
INDUSTRIAL DE DEFESA BRASILEIRA ......................................... 11
2.2
DESENVOLVIMENTO E DECLÍNIO DA BASE INDUSTRIAL DE
DEFESA DO BRASIL ENTRE AS DÉCADAS DE 1970 E 1990 ........ 19
2.2.1
A participação das Forças Singulares no desenvolvimento da
base industrial de defesa brasileira ............................................... 19
2.2.1.1
Exército ............................................................................................. 21
2.2.1.2
Marinha ............................................................................................. 36
2.2.1.3
Força Aérea....................................................................................... 45
2.2.2
Declínio da Base Industrial de Defesa Brasileira .......................... 56
2.3
RETOMADA DO CRESCIMENTO DA BID BRASILEIRA NO
SÉCULO XXI .................................................................................... 64
2.3.1
Exército ........................................................................................... 75
2.3.2
Marinha ............................................................................................ 81
2.3.3
Força Aérea ..................................................................................... 85
2.4
CENÁRIO PROSPECTIVO PARA A BID .......................................... 88
3
CONCLUSÃO .................................................................................. 95
REFERÊNCIAS ................................................................................ 100
RESUMO
O trabalho tem por objetivo realizar uma análise da participação da Forças
Armadas no desenvolvimento da Base Industrial de Defesa Brasileira. Inicialmente
são abordados os motivos que levaram o Brasil, diferentes da maioria dos países em
desenvolvimento, a criar uma Base Industrial de Defesa. Posteriormente, serão
analisados os fatores que levaram ao crescimento da Base Industrial de Defesa nas
décadas de 1970 e 1980 e a participação de cada Força Singular no desenvolvimento
e na fabricação dos principais projetos criados na referida época. A seguir o leitor e
levado a analisar os fatos ocorridos interna e externamente que levaram ao declínio
da indústria de defesa do país nos anos 90 e como as Forças Armadas se portaram
durante o período. Em continuidade, serão analisados os fatores que levaram a
retomada do crescimento da indústria bélica, a partir do início do século XXI, os
principais projetos em desenvolvimento no país e contribuição dos militares neste
novo período pelo qual está passando este importante setor estratégico da indústria
nacional. E, por fim, será analisado o possível cenário prospectivo para o setor de
defesa e como se dará a participação futura das Forças Armadas na continuidade
deste processo.
Palavras-chave: Base Industrial de Defesa; Forças Armadas; Industria de Defesa
Nacional; Marinha; Exército; Forças Aérea.
ABSTRACT
The work has the aim conduct an analysis of the armed forces participation in
the development of the Brazilian Defense Industrial Base. Initially, examines the
Brazil’s motivations and the differences among the most developing countries, in order
to create a defense industrial base. After that, will be analyzed the factors that helped
to the growth of the Defense Industrial Base in the 1970’s and 1980’s and the
participation of every Singular Force in the development and manufacturing of the main
projects created in that time. In the following, the reader will take an analyze of the
events internally and externally that promoted the decline of the defense industry of
the country in the year’s 90s and how the military behaved during the period. In
continuation, we will be analyze the factors that led to the resumption of growth of
defense industry, from the beginning of the XXI century, including the major
development projects in the country and the military contribution in this new period that
is going through this important strategic sector of the national industry. Finally, will
analyze the possible prospective scenario for the defense sector and how will the future
participation of the Armed Forces in order to give continuity of this process.
Key words: Defense Industrial Base; Armed Forces; National Defense Industry; Navy;
army; Air Force.
8
1. INTRODUÇÃO
O processo de formação da indústria nacional de defesa no Brasil sofreu um
longo processo de amadurecimento que percorreu várias décadas, bem como vários
governos que adotaram políticas diversas destinadas ao desenvolvimento do parque
industrial nacional. Tais políticas geraram medidas que influenciaram o setor de
defesa, causando avanços e recuos no processo de formação da indústria bélica. Os
reflexos deste processo evolutivo criaram uma indústria de defesa pujante em fins da
década de 1960. Porém, a outrora eficiente indústria nacional de defesa, devido a
fatores políticos e econômicos internos e externos, entra em declínio e no fim do
século XX já não era sombra do que fora em passado próximo.
O conceito de Base Industrial de Defesa (BID) vem surgir bem mais tarde, após
o início do processo de declínio das indústrias de defesa brasileiras, bem no fim dos
anos 80 e princípio dos 90, coincidindo com a queda do Muro de Berlim e com o fim
do Comunismo na Europa. Nesse ínterim, os estudiosos dos países mais intimamente
envolvidos na Guerra Fria buscavam uma forma de manter a BID nacional em pleno
funcionamento. Vale ressaltar que, mesmo com a distensão do conflito entre Estados
Unidos (EUA) e a União da Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), as Bases
Industriais de Defesa dos países ocidentais ainda eram responsáveis por uma grande
produção, empregos e lucros, levando os pensadores a reformular seus conceitos
para que as mesmas continuassem em operação, diminuindo o efeito da queda da
demanda por armamentos. Podem ser citados como pensadores responsáveis pela
criação do conceito de BID: Todd Sandler e Keith Hartley1, Trevor Taylor e Keith
Hayaward2, e David Haglund3, servindo também como referencial teórico deste
trabalho.
Segundo o Ministério da Defesa (MD) a BID pode ser assim definida:
É o conjunto de empresas estatais e privadas, bem como organizações civis
e militares, que participam de uma ou mais das etapas de pesquisa,
desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos
estratégicos de defesa (bens e serviços)4.
1
HARTLER, Keith; SANDLER, Todd. The Economy of Defense. Cambridge. Cambridge University
Press, sd.
2 TAYLOR, Travor; HAYWARD, Keith. The UK Defense Industrial Base. London, Brasseys, 1989.
3 HAGLUND, David. The Defense Industrial Base and the West. London, 1989.
4 BRASIL. Ministério da Defesa. Base Industrial de Defesa. Brasília: MD, 2013 (Disponível em
www.defesa.gov.br/index.php/industria-de-defesa/base-industrial-de-defesa)
9
No entanto, existem várias outras definições para BID, segundo Gansler os
EUA definem a Base Industrial de Defesa deste modo:
A BID compreende os principais empreiteiros (contractors), subcontratos, e
os fornecedores de partes que operam publicamente e/ou particularmente,
proprietários de instalações que fornecem os sistemas de ar, terra e mar. Em
adição, para assegurar que os EUA sejam autossuficientes, a indústria de
defesa é requerida para expandir rapidamente a produção em tempos de
emergência nacional5.
Deste modo, podemos concluir que, devido às características que apresentava
a produção de material de defesa no Brasil, o País já detinha uma BID relativamente
desenvolvida, já que possuía empresas estatais e privadas voltadas para o
desenvolvimento e produção de produtos estratégicos de defesa, embora não
atingisse os níveis dos grandes Estados produtores de material bélico do hemisfério
norte.
Depois dos anos dourados das décadas de 1970 e 1980 a Base Industrial de
Defesa do Brasil começa a se recuperar do sucateamento e encontrar um novo rumo
para o desenvolvimento, devido, principalmente, à recente busca pelo governo
brasileiro de formar uma BID capaz de produzir produtos de defesa genuinamente
brasileiros ou em parceria com outros países, deixando, deste modo, de comprar
produtos de defesa nas “prateleiras” dos países desenvolvidos.
As políticas públicas para o incentivo do desenvolvimento da BID são
representadas por várias ações proativas que vem sendo tomadas pelo governo
federal. Em 2005, foi criada a Comissão Militar da Indústria de Defesa (CMID),
caracterizando um espaço de discussão entre entidades governamentais e empresas
do setor bélico. No mesmo ano foi aprovada a Política Nacional da Indústria de Defesa
(PNID), estabelecendo diretrizes para o desenvolvimento da indústria nacional de
defesa6. Ainda neste ano, a Política Nacional de Defesa (PND) passa a destacar a
importância da reestruturação da indústria bélica, já que a anterior, de 1996, não fazia
referência a este assunto. Em 2008, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP)
vem amarrar que os Programas Mobilizadores em Áreas Estratégicas englobariam as
5Gansler
(1989 apud SILVA, 2012, p.18) Base Industrial de Defesa: um estudo sobre o período de 1970
a 2000. Niterói: UFF, 2012.
6Neste texto, os termos indústria nacional de defesa e indústria bélica são utilizados com o mesmo
sentido de Base Industrial de Defesa (BID).
10
empresas pertencente à BID nacional. Além disso, a Estratégia Nacional de Defesa
(END) veio estabelecer como meta incentivo ao desenvolvimento da indústria nacional
de defesa. E por fim, foram lançados o Plano Brasil Maior e a Medida Provisória nº
544, buscando fomentar as empresas de material bélico nacionais.
O complexo desenvolvimento de nossa BID acompanhado de posterior
declínio, sempre sofrendo influência de fatores internos e externos ao nosso País, nos
campos político, econômico e tecnológico, levou à formulação do seguinte problema:
como se deu o processo de desenvolvimento da BID brasileira e qual foi a participação
das Forças Armadas neste evento?
A questão de estudo serviu para orientar as pesquisas sobre a BID brasileira,
como o desenvolvimento e o declínio da Base Industrial de Defesa foram afetados por
fatores complexos, nos campos político, econômico e tecnológico, endógenos e
exógenos ao Estado Brasileiro, contando com isso com uma forte participação de
setores das Forças Armadas.
A delimitação do estudo busca estudar esse fenômeno a partir da década de
1970, buscando traçar um cenário prospectivo para o setor no curto e médio prazo,
ou seja, entre 15 e 25 anos à frente dos dias atuais.
A metodologia da pesquisa pode ser classificada como qualitativa, uma vez que
dará privilégio a análise de documentos para entender o processo de desenvolvimento
da Base Industrial de Devesa no Brasil.
Seguindo a taxonomia de Vergara (2009), essa pesquisa será explicativa,
bibliográfica, documental e histórica. Explicativa, pois visa esclarecer os fatores que
atuaram sobre o desenvolvimento da BID, bem como a participação das Forças
Armadas, principalmente o Exército Brasileiro. Bibliográfica porque terá sua
fundamentação teórico-metodológica na investigação dos conhecimentos contidos em
livros, artigos, revistas, jornais e artigos eletrônicos de acesso livre ao público.
Documental, pois utilizará documentos emitidos pelo governo brasileiro. E, finalmente,
histórica por se constituir de uma investigação crítica de fatos passados que levara ao
processo de desenvolvimento da BID.
No tratamento dos dados, serão utilizados dois métodos de pesquisa distintos
a serem coletados. Será empregada a análise de conteúdo e a historiografia,
buscando identificar os fatores d passado que atuaram sobre o processo de
desenvolvimento da Base Industrial de Defesa, bem como o estágio de
desenvolvimento atual da BID.
11
No que se refere às limitações do método, por ser um trabalho de conclusão de
curso não ter a ambição de tratar o problema com grande profundidade, o método de
coleta de dados, somado ao de tratamento de dados, serão suficientes para a
abordagem que este pesquisador pretende dar ao assunto.
Com o objetivo de explorar a atual situação da BID brasileira em um cenário
prospectivo para este setor estratégico, esse trabalho analisa o desenvolvimento da
Base Industrial de Defesa do Brasil, dispondo quatro tópicos:
a) analisar os motivos que levaram o Brasil a desenvolver uma Base Industrial
de Defesa;
b) analisar o desenvolvimento e o declínio da BID entre as décadas de 1970 e
1990;
c) analisar a retomada do desenvolvimento da BID e como se encontra
atualmente; e
d) analisar um cenário futuro para o setor.
Com o objetivo de alcançar tais objetivos o trabalho foi dividido em cinco
capítulos, além da introdução e das considerações finais. No segundo é feita a análise
dos fatores que levaram o Brasil a ser um dos países em desenvolvimento que
procuraram aperfeiçoar seu parque industrial de armamento. No capítulo 3, é feita a
análise sobre o desenvolvimento da indústria nacional de defesa, sua posição de
destaque no mercado internacional, bem como as causas de seu declínio na década
de 1990. No capítulo 4, a análise é feita sobre as decisões de cunho político,
econômico e empresarial que levaram à retomada do crescimento da BID do Brasil no
início do século XXI e a participação das Forças Armadas neste processo. No capítulo
5, é traçado um cenário prospectivo para a BID dentro do contexto político e
econômico nacional e mundial.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 MOTIVOS QUE LEVARAM AO DESENVOLVIMENTO DA BASE INDUSTRIAL DE
DEFESA BRASILEIRA
Antes de ser iniciada a análise histórica do desenvolvimento e do declínio da
BID nacional, cabe verificar quais foram os motivos que levaram o Brasil a desenvolver
um setor industrial voltado ao mercado de defesa.
12
Após a Revolução Industrial, no século XIX os países que não conseguiram
desenvolver um parque industrial, notadamente a maioria eram ex-colônias dos
países europeus, incluindo o Brasil, tornaram-se incapazes de acompanhar o
desenvolvimento das modernas armas que passaram a decidir os conflitos entre
Estados, bem como seus custos de produção, gerando a falta de auto-suficiência na
produção de material de defesa. De acordo com Silva7, para possuir auto-suficiência
uma deve desenhar e criar todas as armas necessárias à sua defesa nacional, além
de ter capacidade de produzi-las. Embora seja um conceito moderno, aos olhos deste
pesquisador, este já poderia ser aplicado àquela situação no final do século XIX.
Será tomada como exemplo, para demonstrar os custos de não uma nação não
possuir uma indústria de defesa desenvolvida, o maior conflito da américa do sul, a
Guerra do Paraguai, ocorrida entre os anos 1864 e 1870, onde o Brasil atuou com um
dos principais contendores. Segundo Doratioto8, o custo da guerra para o Império do
Brasil, calculado pelo Tesouro Real, indicou um gasto de 614 mil contos de réis,
provindo das seguintes fontes:
MILHARES DE CONTOS DE RÉIS
Empréstimo estrangeiro
49
Empréstimo interno
27
Emissão de dinheiro
102
Emissão de títulos
171
Impostos
265
Total
614
Quadro 1 – Gasto do Brasil na Guerra do Paraguai
Fonte: Doratioto (2002. P. 412)
O gasto com o Ministério da Guerra foi altíssimo, à época, conforme relato de
Doratioto:
Para se ter uma ideia da magnitude desses gastos, basta comparar com o
orçamento do Império para 1864, que era de 57 mil contos de réis. Os gastos
com o Ministério da Guerra, no orçamento do Império, saltaram de 21,94%
em 1864, para o auge de 49,56%, em 1865 e, nos demais anos, mantiveramse porcentagens acima de 41%. O conflito custou ao Brasil quase onze anos
7
SILVA, Marcelo Rocha. Base Industrial de Defesa do Brasil: um estudo sobre o período de 1970 a
2000. Niterói: UFF, 2012.
8 DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo.
Companhia da Letras, 2002. P.462.
13
de orçamento público anual, em valores do pré-guerra, o que permite
compreender melhor o persistente “déficit” público nas décadas 1870 e 1890.9
Figura 1 - Arma tipo Minié: utilizada pelo Brasil na Guerra do Paraguai
Fonte: armasonline.org
Grande parte destes gastos com a Guerra do Paraguai foi gerado pela compra
de armamentos no exterior, principalmente nos países europeus. Segundo
Doratioto10, no ano de 1862 o governo imperial enviara para a Europa uma missão
para comprar armamento destinado à cavalaria e à infantaria, bem como para a
artilharia costeira11. Tais armas eram, na maioria, carabinas e pistolas do tipo Minié12,
conhecidas por alguns como “Modelo 1864”. Dos EUA vieram as carabinas Spencer13,
utilizadas na guerra civil norte-americana e compradas pelo Brasil para equipar nossa
cavalaria no Paraguai. Além disso, pode se citar a compra de balões de observação,
em 1867, ao custo total de, aproximadamente, 10 mil dólares. No caso da Marinha,
foram adquiridos vários encouraçados14 e monitores fluviais15, já que a força naval no
início do conflito não possuía navios aptos a atuarem nos rios da Bacia do Prata. O
senador Silveira Motta, por sua vez, apontou que os tipos de belonaves da Marinha
não eram apropriadas para uma guerra no Prata16.
9
DORATIOTO. Francisco Op. Cit.
Idem P.96
11 Idem P. 98
12 As armas Minié foram resultado de uma revolução na indústria de armamento, utilizando dos
princípios da produção em série e da padronização que permitiam a sua fabricação em grandes
números. Era uma arma precisa e confiável.
13 Revolucionária arma de repetição que utilizava retrocarga.
14 Navios equipados com couraças blindadas em seus cascos para atenuarem os efeitos de disparos
de canhões.
15 Embarcações fortemente encouraçadas com bordo baixo e movidos a vapor, normalmente
equipados com torre giratória com canhão de grosso calibre.
16 Idem P. 98.
10
14
Figura 2 – Imagem do monitor encouraçado Pará
Fonte: naviosdeguerrabrasileiros.com.br
Conforme caracterizado, o Brasil, sem ter participado da Revolução Industrial,
como os países europeus e os EUA, tinha de buscar armamento no exterior, afetando
sobremaneira as contas públicas, bem como prejudicando o seu desenvolvimento nas
décadas seguintes. Este cenário demonstra muito bem os malefícios da dependência
de um país à compra de armamentos no exterior.
No início do século XX o Brasil fez tentativas de construir armas modernas. No
entanto, estas ações não chegaram a iniciar a formação de uma BID no País. Durante
a revolução de 1930 houve a construção de vários blindados adaptados de carros,
caminhões ou tratores agrícolas existentes em solo nacional, todos foram fabricados
por empresas privadas em muita pesquisa ou desenvolvimento, ou seja, de forma
empírica.
Figura 3 - Blindados construídos durante a Revolução de 1930
Fonte: site CIBld
A outra guerra de envergadura que o Brasil participou foi a Segunda Guerra
Mundial. Nesta oportunidade os soldados brasileiros usaram equipamento e
15
armamento totalmente fornecidos pelos norte-americanos, ou seja, até aquela época
os governos brasileiros não tinham sido capazes de dotar o País de uma BID capaz
de produzir o mínimo para que as Forças Armadas se equipassem para participar do
combate.
Esse quadro de falta de autossuficiência na produção de armamentos brasileira
se estendeu até o final da década 1960 e início da década de 1970. Ainda na década
de 1940 o País, por meio da Forças Armadas, iniciou a criação de escolas voltadas à
pesquisa e ao desenvolvimento (P&D), porém seus frutos começam a ser colhidos
apenas vinte anos depois, no fim dos anos 60, quando começam a surgir projetos
visando a substituição da importação de material bélico. Quando o presidente Ernesto
Geisel denega o acordo da Assistência Militar, firmado em 1952 entre Brasil e EUA,
devido a sérias restrições à venda de armamento ao Brasil imposta pelo governo do
Presidente Carter, é criada a necessidade premente de o País desenvolver uma BID,
devido ao fato do País perde seu principal fornecedor armamento. A partir daí, as
Forças Armadas se viram privadas do acesso às peças necessárias para a
manutenção e modernização de seus equipamentos militares, que, desde a Segunda
Guerra Mundial, eram predominantemente norte-americanos. Após esta exposição
histórica da dependência brasileira, entre o final do século XIX e início do século XX,
surge a pergunta: por que o Brasil foi impulsionado a buscar o desenvolvimento de
uma Base Industrial de Defesa?
De acordo com Silva17, são cinco as razões para os países produzirem armas:
enfrentar ameaças à sua sobrevivência, aos seus territórios e à sua independência
política; a necessidade de garantia de liberdade de ação; a desconfiança contra os
fornecedores mais tradicionais de armamento; benefícios econômicos, como os
empregos conhecimentos técnicos e tecnológicos, redução da dependência aos
produtos estrangeiros e na diminuição dos custos com a exportação; e, por fim,
aumento de divisas através das exportações.
Na visão deste pesquisador, a primeira questão é a que menos influenciou o
Brasil na tomada de decisão de desenvolver uma BID. Desde o início do século XX,
graças à atuação do Itamaraty, o Brasil tem suas fronteiras asseguradas por tratados
reconhecidos pela comunidade internacional. Além disso, o país não tem inimigos na
região desde o fim do conflito com o Paraguai, porém o que pode ter pesado na
17
SILVA, Marcelo Rocha. P. 25.
16
balança da decisão governamental é o resquício de tensão ainda existente e entre
brasileiros e argentinos pela hegemonia regional. A fala do Presidente Geisel em uma
reunião do EMFA, em 10 de junho de 1974, demonstra a tensão ainda existente entre
os dois países:
A explosão recente de uma bomba nuclear pela Índia provocou comoção
mundial e temos que considerar a hipótese de, em futuro não longínquo, a
Argentina também pode explodir a sua. Evidentemente, isto gera inquietação
entre nós e todos indagam qual será a posição do Brasil face à situação. 18
No que tange ao segundo ponto, o exemplo da Guerra do Paraguai é bem claro:
o Brasil dependia de importações de armamento de outros países para a defesa
nacional, perdendo deste modo a sua garantia de liberdade de ação para cuidar de
seus objetivos de Estado no entorno estratégico. Deste modo, a Inglaterra e os EUA
chegaram a influir no conflito e, muitas vezes, se posicionaram a favor do Paraguai e
contra os interesses do Brasil. Além disso, existe um bom exemplo em nosso
subcontinente americano. Durante a Guerra das Malvinas, o Reino Unido exerceu
pressão política sobre a França para que ela não entregasse mísseis antinavio Exocet,
bem como sua plataforma de lançamento, o caça Super Étendard, para a Marinha
Argentina, fazendo a balança do conflito pender a favor dos ingleses.
Em terceiro lugar aparece a preocupação que sempre aflige os países
dependentes de tecnologias e produtos estrangeiros no setor de defesa: o medo de
cessar o fornecimento dos produtos imprescindíveis à defesa do Estado. No ano de
1967, o Brasil buscava uma plataforma aérea para dotar o projeto SISDACTA
(Sistema de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo), que funcionou de 1968 a
1978, e optou pela compra do caça McDonnell Douglas F-4 Phanton II, um dos aviões
mais avançados da época, que havia tido seu batismo de fogo na Guerra do Vietnã e
equipava a Marinha, a Força Aérea e o Corpo de Fuzileiros Navais norte-americanos.
No entanto, devido a motivos políticos a venda foi vetada. Deste modo, a Força Aérea
Brasileira (FAB) fez a opção pela compra do Dassault Mirage III para atuar como vetor
de interceptação do SISDACTA.
18
Estadão/AE. Geisel admitiu a possibilidade de construir a bomba atômica brasileira (Disponível em
www. Estadão.com.br)
17
Ainda sob este viés, existe casos mais recentes, como, por exemplo, o veto dos
EUA à venda de aviões EMBRAER A-29 Super Tucano para a Venezuela no valor de
500 milhões de dólares, devido à Lei de Controle de Exportação de Armamentos dos
EUA, que exige licença específica para exportação de equipamentos com tecnologia
norte-americana, (os aviões Super Tucano utilizam motores da empresa norteamericana Pratt & Whitney19). Em 2011, outro caso, quando um acordo assinado entre
Brasil e Israel previa transferência de tecnologia na fabricação de aeronaves não
tripuladas, mas proibia sua venda à Venezuela e à Bolívia, buscando evitar que o
“know how” chegasse às mãos do governo do Irã.20 Deste modo, pode ser constatado
que a dependência de empresas e governos estrangeiros pode cessar o fornecimento
de peças e equipamentos militares de acordo com o interesse político-estragégico do
vendedor e não do comprador.
Outro bom exemplo foi a Guerra da Lagosta (1961-1963), que foi uma tensão
entre o Brasil e a França que envolvia a pesca ilegal de crustáceos feitos por navios
franceses na costa brasileira. O Brasil enviou parte de sua Esquadra para fazer frente
a um navio de guerra francês que estava na área. Devido ao fato dos navios utilizados
terem sido fornecidos pelos EUA por preços módicos, por meio do acordo militar Brasil
–EUA, os norte-americanos não viram com simpatia o uso destas belonaves contra
os interesses da França, demonstrando a necessidade dos meios navais possuirem o
maior índice de nacionalização possível e evitando, deste modo, pressões de outros
países nos interesses nacionais.
Como afirmou Moraes21:
“(..)um Estado pode não permitir a realização de um “bom negócio” de venda
de armamentos se julgar que este estará em conflito com sua política externa
ou que poderá trazer, a longo prazo, consequências indesejáveis”.
19
BBC Brasil. Estados Unidos podem vetar vendas de aviões da Embraer. (Disponível em
www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2006/01/060113_denizevenezuelaembraerba,shtm)
20 Democracia e Política. Israel proíbe Brasil de vender VANT’s à Venezuela e Bolívia. (Disponível em
http://democraciapolitica.blogspot.conm.br/2011/07/israel-proibe-o-brasil-vender-vant.html)
21MORAES, Francisco Fracalossi de. Texto para discussão 1715: A inserção externa da indústria
brasileira de defesa: 1975-2010. Brasília. IPEA, 2012. P. 11.
18
Figura 4 - o norte-americano F-4 Phanton II
Fonte: collingsfoundatioin.org
Figura 5 – o francês Mirage III
Fonte: sangueverdeoliva.com.br
O fator que ocupa o quarto lugar é importante devido à pauta de exportações
brasileiras serem compostas em grande parte por produtos primários, bem como seus
produtos industrializados possuírem pouca tecnologia e, consequentemente, pouco
valor agregado. O Brasil, como um dos países em desenvolvimento e com uma alta
desigualdade social, vem procurando através do tempo a formação de um parque
industrial que garanta mais emprego e renda à população e desenvolvimento técnico
e tecnológico para agregar valor a seus produtos destinados à exportação. No campo
da tecnologia são inegáveis os benefícios da indústria de defesa, pois, seus produtos,
são baseados em tecnologia de ponta.
O quinto fator é incontestável. Pode ser tomada como exemplo a empresa
norte-americana do setor de defesa e aeroespacial, Lockheed Martin, que de acordo
com o Stockholm Internacional Peace Research Istitute (Sipri)22, teve um lucro em
2011 de 2,6 bilhões de dólares. Tal cifra demonstra o valor que grandes empresas
deste setor podem agregar a seus produtos. Consequentemente, o Brasil com uma
BID forte poderia ter uma balança comercial bastante favorável.
De acordo com o exposto neste capítulo, pode ser inferido que os motivos que
levaram o País ao processo do desenvolvimento de uma Base Industrial de Defesa
foram: a busca por conhecimento técnico e tecnológico, a fuga da dependência de
fornecedores internacionais e, principalmente, a substituição dos produtos de defesa
importados e a redução dos custos de importação. Isso pode ser verificado
nitidamente na década de 1970, quando os Governos Militares tentavam alavancar o
Brasil a uma posição de destaque no cenário internacional, buscando um maior
22
Exame Info. As 10 empresas que mais lucram com guerras (Disponível
http://info.abril.com.br/noticias/mercado/fotonoticias/as-10-empresas-que-mais-lucram-com-asguerras.shtml)
em
19
desenvolvimento industrial e tecnológico, ou seja, o desenvolvimento da indústria de
defesa teria o objetivo de formar mais um polo de industrialização.
2.2 DESENVOLVIMENTO E DECLÍNIO DA BASE INDUSTRIAL DE DEFESA DO
BRASIL ENTRE AS DÉCADAS DE 1970 E 1990
2.2.1 Desenvolvimento da Base Industrial de Defesa brasileira
O desenvolvimento da Base Industrial de Defesa brasileira teve início no fim da
década de 1960 e teve seu maior impulso durante a década de 1970, quando foram
criadas empresas capazes de produzir itens simples do equipamento militar e até
mesmo blindados e aviões. Tal processo pode ser caracterizado como um reflexo do
Plano de Metas da década de 1950, onde o Brasil realmente começa se empenhar na
busca do desenvolvimento industrial do País, como a criação da PETROBRÁS e CSN
(Companhia Siderúrgica Nacional), bem como as Instruções 70 e 113 da
Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), facilitando a importação de
máquinas e equipamentos para a indústria.
Segundo Silva23, o Brasil não possuía uma BID organizada no início do século
XX por não possuir base de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) organizada, dizendo
ainda:
Já na segunda metade do século XX, a BID brasileira foi estruturada mediante
inserção da base tecnológica no “iceberg” de ciência e tecnologia (C&T). A
grande inserção do País nesta área foi a obtenção de um sistema de C&T
completo, apesar de ainda orientado por cenários reducionistas, analíticos e
cartesianos24.
23
24
SILVA, Marcelo Rocha. P. 45.
Idem. P. 46.
20
Pro
LINHA D’ÁGUA
dutos
Empresas
de serviços
T
e
c
n
o
l
o
g
i
a
Apoio Logístico
Empresas
industriais
C
i
ê
n
c
i
a
Empresas de infraestrura
e engenharia
Centros Tecnológicos
Universidades e Institutos Militares
Produção
Infraestrutura
Pesquisa e
Desenvolvimento
Ensino e Pesquisa
Básica
Figura 6 – O iceberg científico-tecnológico ou Base Industrial de Defesa
Fonte: Amarante
Segundo Amarante25, o “iceberg” científico tecnológico se divide em quatro
bases para se resultar em um produto de defesa: a base científica, representadas pelo
IME, ITA e o Departamento de Engenharia Naval da Escola Politécnica de São Paulo;
a base tecnológica, onde estão presentes o CTEx, o CTA e o Centro Tecnológico da
Marinha em São Paulo; a base infraestrutural, representadas por empresas de
engenharia; a base industrial, onde se encontram as empresas responsáveis pela
fabricação e a base logística, responsável pela distribuição , utilização e manutenção
dos produtos.
A inserção da base tecnológica o final do século XX e a consequente obtenção
de um sistema de C&T foram marcadas pela criação por parte dos militares de escolas
e institutos voltados à P&D, como o Instituto Militar de Engenharia (IME), Centro
Tecnológico de Aeronáutica (CTA) e Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). A
Marinha optou por fazer um convênio com a Universidade de São Paulo (USP) para a
formação de engenheiros navais.
O CTA foi o primeiro a ser criado em 1947. Já em 1950 o Instituto Tecnológico
da Aeronáutica foi a primeira unidade a estabelecer-se no CTA, e o IME foi criado em
1959 pela fusão da Escola Técnica do Exército com o Instituto Militar de Tecnologia.
No mesmo ano a Marinha firma seu acordo com a Universidade de São Paulo (USP).
A criação dos centros e dos institutos, bem com a busca pela formação de
25
AMARANTE, J.C.A. O Voo da Humanidade de as 101 Tecnologias que Mudaram a Face da Terra.
Rio de Janeiro. Biblioteca do Exército, 2009, p. 27.
21
profissionais navais, são marcos da participação das Forças Armadas no
desenvolvimento de tecnologia no campo da indústria bélica.
No entanto, cabe ser analisados os fatos concretos resultantes da criação
destes órgãos por parte dos militares. Deste modo, o exame deste quadro será feito
no âmbito de cada força singular.
2.2.1.1 Exécito
As benéficas consequências da criação do IME podem ser constatadas pela
criação em 1967, por parte do Exército, de uma comissão no Parque Regional de
Motomecanização da 2ª Região Militar (Pq R M M/2), formada por engenheiros e
incumbida de estudar a modernização dos blindados em uso, à época, no Exército
Brasileiro. Os frutos começaram a surgir com a modernização dos blindados de
reconhecimento M-8 Greyhound e dos transportes de tropa meia-lagarta M-2 Half
Track. A modernização consistia na principalmente na troca do trem de força, visando
segurança e economia por meio da troca dos motores a gasolina por diesel, e no
reforço de blindagem em algumas áreas dos veículos. Desde do início a indústria se
interessaram em participar do projeto dos projetos como a Mercedes-Benz, Nova
Tração e Perkins, garantindo ao sucesso através da cooperação entre o setor público
e o privado.
Com a verificação que o Brasil era capaz de realizar um desenvolvimento na
área de blindados o Exército formula um projeto que previa algumas etapas
ambiciosas, visando o desenvolvimento e produção de projetos neste setor. Segundo
Bastos26:
“Implantação de um Centro de Projetos do Exército de indústrias
interessadas como Biselli, Bernardini, Engesa, etc.
Convênio com o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT) de São Paulo.
(...)
Foi também criado o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de
Blindados – CPDB.”
O primeiro fruto do empenho do Exército, através do Pq R M M/2 com a
coordenação da Diretoria de Pesquisa e Ensinos Técnicos (DPET), foi a Viatura
26
BASTOS, Expedito Carlos Stephani. Uma realidade brasileira: Desenvolvimento de blindados sobre
rodas 1967 – 1975. FUNCEB – Revista da Cultura Ano IV/nº 07. Rio de Janeiro, 2004.
22
Blindada Brasileira 1 (VBB 1). O blindado possuía a configuração 4x4 e era equipada
com o armamento e torre do M-8. Deste projeto participaram as empresas MercedesBenz (motor), Trivelato (carcaça), Engesa (caixa de transferência e tração), MANN
(radiador e filtros), ZF (direção hidráulica) e DF Vasconcelos instrumentos óticos.
Embora tenha passado em todos os testes realizados, a especificação da Diretoria de
Motomecanização (DMM) era de um blindado 6x6, ou seja, a mesma configuração do
Greyhound que ainda equipava as unidades da Força Terrestre.
Diante deste, fato o Pq R M M/2 desenvolveu um projeto de viatura blindada
sobre rodas com a configuração 6x6, adotando nesta oportunidade a nova suspensão
desenvolvida pela Engesa, a Bumerangue. Esta viatura ficou conhecida como Viatura
Blindada de Reconhecimento 2 (VBR 2). O primeiro protótipo, totalmente construído
pelo Pq R M M/2, foi entregue em 1970. Em 1971 foi firmado um acordo entre a DPET
e a Engesa para a construção dos protótipos que ficaram prontos em 1975.
No que tange ao desenvolvimento do projeto, Bastos declara o seguinte:
“É curioso notar que os estudos e conceitos foram todos desenvolvidos pelo
Exército Brasileiro e repassados a uma empresa privada, coisa comum no
mundo, mas até então inédita no Brasil”27.
Figura 7 – protótipo VBB 1
Fonte: site CIBld
Figura 8 – Cascavel Magro28
Fonte: site CIBld
Posteriormente, a equipe do Pq R M M/2 desenvolveu o Carro de Transporte
de Tropas Anfíbio (CTTA), um blindado 6x6 anfíbio que teve o projeto repassado,
27
28
Idem. P. 41.
Assim eram denominados os modelos do EE-9 Cascavel equipados com o canhão de 37 mm.
23
posteriormente, para a Engesa buscando aprimoramentos no projeto, bem como para
receber a suspensão Bumerangue. O protótipo foi aprovado em 1972.
Tais projetos culminaram na construção da primeira família de blindados sobre
rodas brasileira, os Engesa EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu, sucesso de vendas tanto
interna quanto no mercado internacional.
Figura 9 - protótipo do EE – 11 Urutu
Fonte: site CIBld
Figura 10 – Urutu com quilha
Fonte: site CIBld
Ao passar os projetos dos carros para a Engesa, o Exército Brasileiro
conseguiu alavancar o desenvolvimento da empresa que se tornou uma importante
indústria de defesa em âmbito mundial, já que o blindado Cascavel se constitui em
grande sucesso no mercado internacional. Cabe ressaltar que os blindados EE-9
Cascavel tiveram três versões principais: o denominado Cascavel Magro, dotado com
canhão 37mm; o EE-9 k II, dotado canhão 90 mm e torre francesa e o EE-9 Mk III,
dotada de torre Engesa e canhão Cockerill 90 mm.
Figura 11 – EE-9 Mk II
Fonte: junglekey.fr
Figura 12 – EE- 9 Mk III
Fonte: junglekey.fr
Paralelamente à modernização e ao desenvolvimento do projeto dos blindados
sobre rodas, ocorria o projeto de modernização dos blindados sobre lagarta M-3
24
Stuart, também por parte da equipe do Pq R M M/2. A modernização deste blindado
previa uma grande reestruturação da blindagem, da suspensão lagarta e canhão.
Deste projeto primeiramente surgiu o X1 Pioneiro, construído pela Biselli sob a
supervisão do pessoal do Pq R M M/2. Cabe ressaltar que este blindado recebeu uma
nova torre (com canhão 90 mm) e suspensão projetadas e desenvolvidas pela
Bernardini, um motor Scania diesel e lagartas produzidas pela empresa Novatração.
No entanto, o projeto não foi um completo sucesso devido à falta de experiência e da
possibilidade de importação de peças. Em pouco tempo o projeto foi abandonado em
favor da produção da família de blindados X-1 A-1, que previa a construção de carros
de combate X-1, carros lançadores de pontes XLP -10, carros lançadores de foguetes
XLF-40, carros socorro, carros buldozer e carros destruidores de minas. Além disso,
os planos previam o engajamento da indústria nacional para a produção desta família
de blindados. De todo este estudo nasceu o blindado X-1 A-1 Carcará que serviu com
banco de provas para a indústria e o Exército garantirem o know how necessário para
a produção do X-1 A-2 Carcará, o primeiro blindado sobre lagarta nacional.
Figura 13 – blindado X-1 Pioneiro
Fonte: redetec.org.br
O X-1 A-2 se tornou um novo blindado surgido da evolução dos M-3 Stuart, X1 e X-1 A-1 Carcará. Possuía novo desenho anguloso de sua blindagem frontal,
garantindo maior proteção, nova suspenção e lagartas e uma nova torre com canhão
90 mm, já utilizada no Cascavel, garantindo, deste modo, uma grande evolução em
relação seus antecessores. O modelo garantiu um índice de 60% de nacionalização,
capacitando desta forma a indústria nacional a projetar e produzir peças e
equipamentos para este nicho de mercado. No entanto, este projeto teve importância
25
apenas como estudo e como experiência para nossa incipiente indústria de defesa,
proporcionando voos maiores na década que se aproximava. De acordo com Bastos,
o comandante do Curso de Cavalaria da AMAN se referiu assim aos novos X-1 A-2:
“Salvo se se entender como partida para a indústria bélica nacional e medida
de economia, a utilização desse carro e sua permanência no Exército
comprometem seriamente nosso poder de combate e a formação dos
quadros na paz. O X-1 não pode ser, portanto, nem um razoável meio de
instrução, porque não é uma arma à altura de nossos compromissos”29.
Figura 14 – blindado X-1 A-2 Carcará30
Fonte: site CIBld
Outro projeto iniciado pela comissão da Pq R M M/2 e aprovado pela DMM foi
a modernização dos M-4 Sherman brasileiros. Este projeto previa a troca do motor
radial a gasolina por um a diesel V-12 da MWM, além da troca da suspensão e da
torre com seu canhão. Chegou-se a cogitar a construção de um carro lançador de
pontes e de engenharia baseados no chassi do Sherman, no entanto, devido a
dificuldades não foram concluídos. Na verdade, todo o projeto envolvendo os M-4
ficou em fase de estudo por parte do Exército sendo, posteriormente, abandonado
pela DMM em favor da construção do X-1 A-2. Alguns pesquisadores consideram que
isso foi um erro, pois o trabalho com os Sherman tinha mais possibilidade de sucesso
do que os Carcará. Bastos aborda este aspecto em seu trabalho:
29
BASTOS, Expedito Carlos Stephani. Uma realidade brasileira: Desenvolvimento de blindados sobre
lagartas 1967 – 1978. FUNCEB – Revista da Cultura Ano V/nº 08. Rio de Janeiro, 2005.
30 O blindado X-1 A-1 Carcará tem a mesma configuração de polia tensora do X-1 A-2, no entanto, com
o mesmo armamento da X-1 Pioneiro.
26
Os Sherman modernizados em Israel ainda prestaram bons serviços até há
pouco tempo e serviram de base para a consolidação de uma indústria
voltada para a produção de blindados e outros itens, o que infelizmente no
Brasil não se tornou realidade. Talvez, em razão dos muitos projetos
existentes, nenhum deles tenha sido totalmente concluído. O Sherman com
certeza foi o melhor e menos compreendido e rapidamente caiu no
esquecimento.31
Figura 15 - viatura de Engenharia Sherman
Fonte: site CIBld
No entanto, mesmo que tenha sido interrompido o projeto com os Sherman se
tornou uma importante fonte de conhecimento para os projetistas e estudiosos do
Exército, guardando, deste modo, sua importância na evolução de nossa indústria de
defesa.
Porém o projeto de modernização do blindado leve M-41 Walker Bulldog,
iniciado em 1978, foi o de maior destaque, pois continuou como espinha dorsal da
força blindada de nosso Exército até a chegada dos M-60 A3 TTS Patton, no final da
década de 1990, e dos Lepard 1, já na década de 2000.
O projeto de modernização previa basicamente a troca do motor a gasolina por
um DS 14 Scania, a troca do canhão 76 mm por um 90 mm, à época calibre padrão
dos canhões dos carros nacionais, e a modernização das lagartas. O serviço foi
entregue à Bernardini, já possuidora de experiência por participar dos demais projetos
implementados pelo Pq R M M/2, e à Novatração também parceira nas demais
empreitadas do Exército. No entanto, o projeto foi cercado de problemas técnicos que
31
Idem. P. 60.
27
persistiram até a retirada de serviço do blindado. Devido a necessidade de
refrigeração do novo motor diesel foi necessário o alongamento da traseira para a
adaptação de dois grandes ventiladores hidráulicos, ocasionando um deslocamento
do centro de gravidade que influenciava na durabilidade das lagartas e da suspensão.
Porém, o problema mais grave foi a substituição do canhão de 76 mm. O primeiro
protótipo o M-41 B foi equipado com um Canhão Engesa Cockerill, igual ao
empregado no EE-9 Mk III Cascavel, entretanto, buscando da contenção de custos foi
optado pela abertura da alma do canhão 76 mm até 90 mm, dando origem ao M-41 C
Caxias, adotado pelo Exército. Deste modo, foi prejudicado a velocidade de boca da
munição, tornando o novo canhão menos efetivo do que o antigo e com problemas de
durabilidade já que, em alguns casos, havia lados do canhão menos espessos do que
o outro. Ou seja, a única vantagem foi padronizar o uso da munição do Exército.
Figura 16 - M-41 B
Fonte: site CIBld
Figura 17 - M-41 C Caxias32
Fonte: site CIBld
Mesmo assim, o projeto foi importante para a evolução da BID nacional por
proporcionar experiência para as indústrias nacionais entrarem no ramo de material
de defesa.
O resultado de todos estes projetos encabeçados pelo Exército Brasileiro por
meio da DMM, da DPET e do Pq R M M/2 foi ter proporcionado o início de um
desenvolvimento de uma Base Industrial de Defesa a partir destes trabalhos.
Empresas como a Engesa, Bernardini, Moto Peças e Nova Tração iniciaram o
desenvolvimento de novos blindados. A partir daqui, serão abordados os projetos
implementados por estas empresas no setor de viaturas blindadas.
32
Os blindados produzidos em série não adotaram a saia lateral que equipam o modelo da foto.
28
A Bernardini destacou-se, após o projeto de modernização do M-41, pelo
projeto e construção de um carro de combate médio para substituir M-41 C Caxias,
em conjunto com o Centro Tecnológico do Exército (CTEx), o Tamoyo. O projeto foi
baseado nos requisitos operacionais formulados pelo Ministério do Exército e visava
o uso de peças do M-41 como o armamento principal. O blindado deveria ser dotado
de alto índice de nacionalização e deveria ser livre de restrições de importações.
Primeiramente foi desenvolvido a versões do Tamoyo I e II, com diferenças apenas
internas e que atendiam aos requisitos do Exército. O carro vinha equipado com um
novo motor Scania DSI 14 de 736 hp e com o mesmo canhão que equipava o Caxias,
porém com silhueta mais baixa e mais moderna e nova torre.
No entanto, o grande salto no desenvolvimento ocorreu com o Tamoyo III, que,
inicialmente, foi desenvolvido para exportação. Nesta versão, possuía melhor
proteção blindada, utilizando uma blindagem composta, era armado com um canhão
inglês L7 de 105 mm, além de ser dotado de uma caixa de transmissão igual à do M60 e de um motor Detroit de 750 hp. Seus equipamentos optrônicos eram bastante
evoluídos com o tubo estabilizado primariamente e com computador com visão
noturna e térmica. Tais modificações o deixava mais atraente para a aquisição do
Exército, bem como em melhores condições de competir no mercado externo. Este
projeto representou o apogeu da Bernardini no mercado de material de defesa, sendo
seu último projeto de relevância projeto de relevância.
Figura 18 - Tamoyo II
Fonte: site CIBld
Figura 19 – Tamoyo III
Fonte: site CIBld
O projeto do Tamoyo foi, então, deixado em segundo plano devido ao término
do suporte financeiro dado pelo Exército, a situação econômica do País no início da
29
década de 1990, a grande oferta de blindados no mercado externo e a concorrência
do blindado Osório da Engesa, que prometia ser um projeto mais moderno. Segundo
Bastos33 este projeto deveria ter recebido maior investimento pois,
O TAMOYO deveria ter sido o Carro de Combate Brasileiro, pois hoje ao
invés de estarmos operando Leopard 1 e M-60 TTS, e sonhando com o
Osório, estaríamos equipados com ela na sua versão III ou até quem sabe
IV, que poderia estar sofrendo upgrade para torna-lo mais moderno, gerando
emprego, conhecimento e menos dependência externa e sendo um produto
de primeira mão, atualizado de acordo com as nossas necessidades,
podendo tê-lo em grande quantidade.
Sob esta análise, o Tamoyo tinha melhores condições de proporcionar nossa
independência
dos
fornecedores
externos
e
uma
possibilidade
maior
do
desenvolvimento em tecnologia e em pesquisa no setor de blindagem, estabilização
de tubo e optrônicos no País do que o Osório, que era dotado de um maior número
de equipamentos importados. Porém, infelizmente, devido a vários fatores externos
ao projeto, ele foi levado ao esquecimento. Segundo Bastos34, em vez de o Brasil dar
um
(...) grande salto de uma só vez deveríamos dar saltos menores, em várias
etapas, como havíamos começados com aquele grupo de estudos de
blindados criado dentro de Exército Brasileiro, no Pq R M M/2 em São Paulo
em 1967, que aprendeu transformado e depois criando (...)
Dentro desta visão de desenvolvimento gradual o projeto Tamoyo era o que
chegava mais perto deste objetivo para conseguirmos desenvolver um MBT (Main
Battle Tank) genuinamente nacional.
Outra empresa que apresentou projetos de relevância durante a fase áurea de
no BID foi a Moto Peças Transmissões. Na década de 1980 ela foi responsável, de
acordo com determinação do Ministério do Exército, pela repontencialização das
viaturas M-113 A1 para o padrão M-113 B, trocando o motor (por um Mercedes-Benz
33
BASTOS, Expedito Carlos Stephani. Carro de combate Tamoyo: O blindado brasileiro. (Disponível
em www.defesa.ufjf.br)
34 Idem. P. 4.
30
diesel) e a transmissão, garantindo que os mesmos permanecessem em serviço até
os dias atuais.
O seu ápice no setor foi representado pela sua parceira com o Exército
Brasileiro para que projetasse e realizasse estudos para uma VBTP (Viatura Blindada
de Transporte de Pessoal) com maior espaço que o M-113 e com a mesma
versatilidade e eficiência, surgindo, deste modo, o Charrua. O carro utilizava os
sistemas utilizados no M-41, principal blindado do Exército à época, e um motor a
diesel Scania DSI 11 de 349 hp. Foram construídos dois protótipos, o I e o II que
atenderam às necessidades do exército, demonstrando ser um carro ágil e eficiente.
Uma torre com canhão antiaéreo Bofors de 40 mm foi montado em um dos chassis
representando um promissor vetor antiaéreo para as tropas blindadas. No início da
década de 1990, devido à crise financeira pela qual o Brasil passava, o projeto teve o
mesmo fim que o do Tamoyo, sendo seu desenvolvimento suprimido devido à falta de
dinheiro.
Figura 20 - Charrua I
Fonte: site CIBld
Figura 21 - Charrua II35
Fonte: site CIBld
Porém, o projeto Charrua demonstrou a capacidade da indústria nacional de
defesa produzir uma viatura blindada compatível com as necessidades de nossas
forças armadas, já que, o Corpo de Fuzileiros Navais também se mostrou interessado
no projeto. Lógico que a viatura ainda necessitava de um maior desenvolvimento, no
entanto, apresentava possibilidades de competir no mercado internacional.
No campo da produção de blindados a empresa que mais se destacou foi a
Engesa Engenheiros Especializados, responsável pela produção dos grandes
sucessos EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu. Além disso, das empresas que se dedicaram
35
O protótipo do Charrua II possuía blindagem lateral inclinada melhorando a proteção blindada.
31
à produção de blindados foi a que conseguiu um grande número de vendas no
exterior.
Absorvendo a expertise desenvolvida no CPDB do Exército, a Engesa criou
uma série de blindados sobre rodas, lagartas e viaturas sobre rodas, bem como um
excepcional MBT de nível internacional. A empresa se destacava em nossa BID, pois
possuía uma visão de futuro concebendo projetos que nos dias atuais ainda são
bastante modernos e alinhados com o que há de mais moderno nos exércitos de
outros países, sendo uma das responsáveis pelo sucesso de nossa indústria de
defesa nas décadas de 1970 e 1980. A seguir será abordado de forma sucinta os
projetos nascidos das pranchetas de projetos da Engesa, os quais já foram inciativas
da empresa, sem a participação do Exército Brasileiro, que buscavam conquistar
clientes no mercado externo.
A área responsável pelo sucesso internacional da Engesa a de construção de
blindados sobre rodas. Durante a fase áurea da nossa Base Industrial de Defesa, tal
área conseguiu colocar no mercado externo um bom número de produtos,
principalmente os blindados Cascavel e Urutu, além do caminhão EE-25 respondeu
que por cerca de 1/3 de todas as vendas (fato que normalmente não é citado).
COMPRADOR
EE-3
EE-9
EE-11
Jararaca
Cascavel
Urutu
EE-25
Angola
-
Bolívia
-
24
12
597
Brasil
-
409
223
254
Chile
-
106
37
-
15
124
-
-
Colômbia
-
128
56
17
Dubai
-
-
132
-
Equador
10
32
-
35
Gabão
12
12
11
07
Guiné
10
-
-
36
Iraque
-
364
148
02
Jordânia
-
-
82
-
Líbia
-
400
40
-
Paraguai
-
28
12
05
Suriname
-
06
16
32
Tunísia
-
-
-
-
Uruguai
16
15
-
-
Chipre
1377
32
EE-3
EE-9
EE-11
Jararaca
Cascavel
Urutu
Venezuela
-
-
38
54
Zimbabwe
-
90
07
-
63
1738
888
2416
COMPRADOR
Total
EE-25
Quadro 2 – Vendas da Engesa para o exterior
Fonte: Bastos
O EE-3 Jararaca é uma viatura blindada sobre rodas 4x4, ainda em uso em
alguns países, projetada para substituir os as viaturas ½ tonelada na função de
reconhecimento nos esquadrões e regimentos de cavalaria mecanizada. Foi o único
produto produzido em séria pela Engesa que não foi comprado pelo Exército Brasileiro
e, conforme os números no quadro acima, não obteve grande sucesso no exterior.
Cabe ressaltar ainda que a empresa vendeu as seguintes viaturas no mercado interno
e externo: 640 EE-15, 434 EE-34, 271 EE-50 e 368 Jeep EE-12.
Figura 22 - EE-3 Jararaca armado com metralhadora .50
Fonte: site Hangar do Moraes
Além dos produtos que chegaram à linha de produção, a Engesa pesquisou e
construiu protótipos de outras viaturas blindadas. No seu principal campo de atuação,
a construção de blindados sobre rodas, a empresa pesquisou e construiu dois
protótipos de caça-carros sobre rodas, o EE-17 Sucuri I e EE-18 Sucuri II, que
surgiram devido à observação da empresa do mercado internacional, que, à época,
se mostrava receptível a blindados com esta natureza. Seu projeto foi encerrado por
sua concepção não ter sido bem aceita no mercado interno e externo. Os estudos do
Sucuri I possibilitaram o aperfeiçoamento da suspensão utilizada no caminhão
Mercedes Benz L 1519, trator dos obuseiros M-114 A1 de 155mm dos Grupos de
Artilharia de Campanha divisionários. Já o Sucuri II se revelou um projeto à frente do
33
seu tempo demonstrando certa semelhança com o moderno carro de combate italiano
Centauro, utilizando, inclusive, o mesmo armamento principal. O EE-17 poderia ter se
constituído um bom substituto para os mais velhos EE-9.
Figura 23 - EE-18 Sucuri II
Fonte: site Forças terrestres
Figura 24 - o italiano Centauro36
Fonte: site Forças Terrestres
Os engenheiros da empresa também se aventuraram no projeto e construção
de viaturas sobre lagartas. O menos conhecido é o EE-T4 Ogum, que foi projetado
como uma viatura aerotransportada para múltiplas funções, a pedido do governo
iraquiano. Todo o projeto tinha como base o blindado alemão Wiesel, que até hoje é
utilizado pela Alemanha e pelos EUA. O resultado foi um blindado com a mesma
missão do alemão, porém um pouco maior. Seu projeto foi encerrado devido ao início
da Primeira Guerra do Golfo em 1991 e pela posterior falência da Engesa em 1993.
Figura 25 - EE-T4 Ogum
Fonte: site Área Militar
Figura 26 – blindado Wiesel com míssil anticarro37
Fonte: site Área Militar
O mais famoso e controvertido projeto é o do EE-T1 Osório. O Osório foi
projetado como um MBT para atender os requisitos do Exército Brasileiro, bem como
do Exército da Arábia Saudita, privilegiando poder de fogo e mobilidade em detrimento
36
37
Notar que o armamento principal de 105 mm é o mesmo no Sucuri II e no Centauro.
Nas imagens pode ser verificada a concepção bastante semelhante dos dois blindados.
34
da proteção blindada. Foram construídos dois protótipos, um armado com canhão 105
mm, para o Brasil, e outro com canhão de 120 mm de alma lisa para a Arábia Saudita.
O carro foi um sucesso, vencendo os concorrentes AMX 40 francês, Challenger inglês
e Abrams norte-americano, tanto na concorrência do governo saudita quanto na dos
Emirados Árabes Unidos.
A construção do chassi e suspensão do blindado por parte dos engenheiros da
Engesa foram primorosas, adotando conceitos bastante modernos para a época e
demonstrando a capacidade da indústria de defesa nacional de projetar e produzir
uma plataforma de armamento capaz de competir com os produtos mais modernos
surgidos das plantas industriais dos tradicionais países produtores de material de
defesa. Entretanto, o Osório tinha uma vulnerabilidade, que era a dependência de
material eletrônico de alta tecnologia destinado ao controle do tiro, utilizando
equipamentos de origem italiana, francesa e holandesa. A torre foi encomendada a
uma empresa inglesa. Para a estrutura, a Engesa estava conduzindo um estudo para
o desenvolvimento de uma blindagem composta tendo como base o aço desenvolvido
na Usiminas e que equipava o Cascavel e Urutu. Tal fato fazia a produção do blindado
depender da boa vontade política dos demais países para fornecer os produtos de
alta tecnologia. Devido a isso, o Osório ganhou as concorrências no campo técnico
mas perdeu no campo político. Este blindado, que foi o canto do cisne da Engesa,
pois prometia torná-la uma das mais importantes empresas de produtos de defesa em
nível mundial, mas acabou contribuindo para levá-la à falência.
Figura 27 - EE-T1 P.1 para o EB
Fonte: site Jalopnik Brasil
Figura 28 - EE-T1 P.2 para exportação38
Fonte: site Jalopnik Brasil
O EE-T1 Osório ainda representa uma das joias de nossa BID, demonstrando
a capacidade do País na área de P&D para produzir um sistema de armas dotado de
38
O carro destinado ao EB era armado com canhão 105 mm e para o Exército Saudita com canhão
120 mm. Nota-se, claramente, a presença dos optrônicos na versão de exportação.
35
grande complexidade tecnológica. Ainda hoje, este MBT impressiona, se mostra
moderno e pode ser considerado um descendente direto dos projetos iniciados pelo
Exército Brasileiro no Pq R M M/2, em São Paulo.
As declarações de Bastos, em seu trabalho, demonstram muito bem a
qualidade do produto projetado e construído pela Engesa:
(...) o EE-T1 Osório P.2 esteve presente na quarta edição da LAD 2003, no
Rio de Janeiro, onde, mesmo sendo um produto da década 1980,
impressionou muito diversas delegações estrangeiras presentes naquele
evento (...)
(...) O Veículo é muito moderno para os padrões atuais, logicamente está
defasado em termos de optrônicos, pois os que surgiram desde que foi
lançado são algo surpreendente. Mas, caso tivesse sido produzido em série,
hoje bastaria uma pequena revitalização e ele se igualaria ao que de mais
moderno existe no memento.39
Outra empresa que colheu frutos das pesquisas realizadas pelo Exército,
alcançando destaque internacional, foi a Avibras. Como uma indústria participante de
nossa BID desenvolveu alguns projetos conjuntos com o EB, principalmente na área
de foguetes e mísseis, os quais serão abordados suscintamente, já que a partir deste
projeto surgiu um dos ícones de nossa indústria de defesa, o sistema de foguetes de
artilharia de saturação de área Astros II.
O Exército Brasileiro desde o fim da década de 1940 faz pesquisa no campo
de foguetes, começando por meio da Escola Técnica do Exército (ETE), atual IME.
No início dos anos 70 o IPD (Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento) cria o foguete
X-40, impulsionado por propelente sólido. A produção em série é passada para a
Avibras, que o produziu para ser utilizado no veículo lançador de foguetes XLF-40,
oriundo do projeto X-1 Pioneiro. Foi projetado também um lançador singelo sobre o
chassi da fábrica Sanvas.
Durante o restante da década o IPD aprimorou e desenvolveu os materiais
utilizados na fabricação de foguetes, desenvolvendo outros de menor alcance como o
X-30 e X-20. Com a produção do X-40 a Avibras adquiriu experiência suficiente para,
39
BASTOS, Expedito Carlos Stephani. Uma realidade brasileira: carros-de-combate Tamoyo e Osório.
(Disponível em www.defesa.ufjf.br)
36
em 1981, projetar um sistema de lançamento de foguetes a pedido do governo
iraquiano, do qual nasceu o Sistema Astros (Artillery Saturation Rocket System) II
equipado com foguetes de alcance variados, tornando-se um sistema de armas
bastantes versáteis, com alta mobilidade e poder de fogo. O chassi foi importado da
Alemanha e montado pela TECTRAN (subsidiária da Avibras), já que a Avibras e
Engesa não entraram em acordo para projetar uma plataforma de lançamento em
conjunto. O Astros teve como compradores, O Brasil, o Iraque, a Arábia Saudita, o
Bahrain, a Malásia e o Qatar, sendo, atualmente, o sistema de armas brasileiro mais
conhecido no exterior, devido à grande impressão que causou durante a Guerra do
Golfo em 1991.
Durante a década de 1980, o CTEx desenvolveu, em conjunto com a Avibras,
um sistema de controle de tiro para artilharia antiaérea de baixa altitude, o EDT – Fila,
capaz de controlar tiros de canhões de 35 e 40 mm e de mísseis terra-ar, utilizado,
ainda hoje, pelos Grupos de Artilharia Antiaérea do Exército Brasileiro. O sistema é
derivado do Skyguard suíço, melhorado e nacionalizado, garantindo mais eficiência
às nossas unidades de defesa aérea.
Deste modo, verifica-se que, mesmo a Avibras tendo sua origem ligada ao ITA
e, consequentemente, à FAB, o EB forneceu o know how para projetar o Astros II, seu
maior sucesso no mercado internacional, bem como a participação em outros projetos,
como o EDT-Fila.
2.2.1.2 Marinha
A Marinha, com uma visão diferente do Exército e da Força Aérea, optou por
não criar uma escola ligada à Força para formar os engenheiros navais que seriam
empregados na retomada da indústria naval nacional, firmando, deste modo, em 1956
um acordo com a Escola Politécnica da USP para a formação de seus especialistas.
Além disso, houve uma maior valorização da Escola Técnica do Arsenal de Marinha
(ETAM), buscando formar melhores técnicos para trabalhar nos estaleiros. Aqui, cabe
destacar, a diferença do método de construção de vetores aéreos e terrestres em
relação as unidades de superfície e submarinas para a Marinha. Os primeiros ficam
respectivamente na casa de centenas e dezenas, enquanto as classes de navios 40
raramente ultrapassam uma dezena, tornando deste modo compreensível a Marinha
40
Classe de navios, navios irmãos ou navios gêmeos: são belonaves construídas com os mesmos
planos, embora possam ter diferenças entre elas.
37
utilizar suas instalações para a construção de novas unidades para reequipar a
Esquadra.
Todas as belonaves construídas, neste processo de reativação da indústria
naval, foram projetadas nas instalações do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro
(AMRJ). No entanto, sua construção, foram feitas tanto pelo AMRJ quanto por
estaleiros civis, como será visto à frente no trabalho. A USP foi o primeiro
estabelecimento de ensino a formar engenheiros navais no Brasil; até então os
especialistas eram formados no exterior.
Antes de ser firmado o acordo, os engenheiros navais da marinha eram
oriundos do círculo dos oficiais subalternos, que eram selecionados por exame
intelectual para cursarem o respectivo curso de engenheiro naval no exterior,
principalmente na Inglaterra e EUA. Tal iniciativa demonstra a preocupação do alto
comando da Marinha de dar condições par ao desenvolvimento de uma indústria naval
capaz de construir navios para a Esquadra Brasileira, fortalecendo, deste modo, seu
pode naval no entorno estratégico da América do Sul. Sobre o assunto Amaral41 cita
o seguinte:
Desse modo, pode-se identificar que, numa perspectiva macro, o propósito
da nacionalização do curso de engenharia naval (...) havia uma busca na
formação de pessoal técnico qualificado para a construção naval, num
processo de planejamento estratégico e contínuo a fim de implantar a referida
indústria no país, fortalecendo assim, o Poder Marítimo e, por conseguinte, o
Poder Naval da nação.
No que tange aos objetivos do acordo entre a Marinha e a USP, Amaral 42 relata
o seguinte:
O objetivo da iniciativa se desdobrava em dois aspectos: formar engenheiros
navais para desenvolver projetos, trabalhar na manutenção e no preparo de
navios militares e civis e, igualmente, formar e consolidar uma cultura
tecnológica que estimulasse a indústria naval nacional. Para a Marinha
brasileira os dois aspectos apresentados deveriam desenvolver-se e
progredir conjuntamente, já que só a formação de quadros técnicos aliado à
consolidação de uma indústria nacional do setor garantiria ao Brasil
41
AMARAL, Misael Henrique Silva do. O PODER PELO MAR: a indústria de construção naval militar
no Brasil a partir da política desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck (1956 – 1961). Rio de Janeiro:
FGV, 2013. P.90
42 Idem. P.90.
38
autonomia e soberania neste campo tecnológico e industrial, tanto para a
área militar quanto a civil.
Deste modo, verifica-se o interesse da Marinha em desenvolver uma base
industrial visando o projeto, a manutenção e o preparo de navios civis e militares,
neste último caso caracterizando a formação de uma Base Industrial de Defesa neste
campo de produção. Corroborando a intenção de recriar uma indústria naval voltada
para os setores de defesa, o Convênio entre a Marinha do Brasil e a USP43 faz menção
de seus objetivos nestes termos:
(...) Formar engenheiros para projetar e construir navios de guerra e
também para a construção naval civil (...). (Grifo nosso).
O AMRJ já possuía uma tradição de séculos no projeto e construção de navios
tanto para a Esquadra Brasileira, quanto para uso comercial, além de ser o único
grande estaleiro em funcionamento. Deste modo, diferente do Exército e da Força
Aérea que não tinham estruturas físicas para levar à frente a construção de seus
vetores de combate em larga escala, nada mais natural do que a Marinha utilizar essas
instalações para a construção de novos navios. Segundo Alves44,
Dentro do contexto da construção naval no Brasil, no que se refere ao setor
militar, o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ) tem sido sinônimo
tanto de construção, quanto de reparos navais, desde de 1973. Durante todo
este tempo de construção e manutenção de meios para a Marinha do Brasil,
o referido Arsenal, passou, assim como a indústria de construção naval no
país, por fases de intensa produtividade e momentos de quase estagnação.
O governo brasileiro e a Marinha buscavam, novamente, retirar a indústria
naval brasileira da quase estagnação e coloca-la em uma nova fase de produtividade.
Esta estagnação foi consequência do acordo militar entre Brasil e EUA, firmado após
o fim da Segunda Guerra Mundial, no qual os norte-americanos forneceram aos
43
Extrato do Convênio entre a Marinha do Brasil e Universidade de São Paulo (USP) (1956, apud
AMARAL, 2013, p.93)
44 Segundo Alves (2006 apud AMARAL, 2013, p.18) O PODER PELO MAR: a indústria de construção
naval militar no Brasil a partir da política desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck (1956 – 1961).
Rio de Janeiro: FGV, 2013.
39
brasileiros, argentinos e chilenos várias unidades, principalmente cruzadores, que não
se mostravam necessários à sua marinha. Deste modo, a grande oferta destes vasos
de guerra no mercado, não só por parte dos EUA mas também do Reino Unido
desestimulou a construção de novos navios de guerra em território nacional. Um bom
exemplo disso foi a aquisição do navio aeródromo Minas Gerais, em 1956, que havia
servido como porta aviões de escolta HMS Vengeance da Real Marinha Britânica,
marcando o início do rompimento da dependência em relação aos EUA.
Graças à política desenvolvimentista do governo JK, a Marinha pode garantir
recursos para o início da reativação da indústria naval no país. O acordo com a USP
previa que a Marinha forneceria todo a infraestrutura necessária para que a
universidade formasse os engenheiros que trabalhariam nos futuros projetos de
navios de guerra da Esquadra, caracterizando deste modo a participação do comando
da Marinha no desenvolvimento da capacidade de P&D no setor naval, conforme
relata Amaral45:
(...) a Marinha se comprometia em aparelhar, em São Paulo, um Escritório
Técnico com pessoal e elementos técnicos que permitissem iniciar o ensino
das disciplinas de caráter confidencial relativas à construção de navios de
guerra, quando, então, os oficiais de marinha, alunos, frequentariam dois
anos e um semestre em São Paulo e completariam sua formação no exterior.
Eventualmente os oficiais da Marinha Brasileira fariam o curso completo em
São Paulo, quando então, receberiam o diploma de engenheiro naval
expedido pela USP.
Em 1960, foi criado o Instituto de Pesquisa da Marinha (IPqM), caracterizando
um importante passo da armada no sentido de criar a base de P&D no setor naval,
demonstrando novamente a visão de futuro e a participação dos militares no processo
de formação de uma BID capaz de atender as necessidades de defesa do Brasil.
Na década de 1960 o AMRJ retoma as atividades de construção de navios
militares, colhendo os frutos dos incentivos iniciados durante o governo de JK. No
entanto, a concepção do projeto não foi feita no Brasil, sendo baseada na classe Cape
norte-americana, sendo este projeto denominado no Brasil classe Piratini. Estes
45
AMARAL, Misael Henrique Silva do. O PODER PELO MAR: a indústria de construção naval militar
no Brasil a partir da política desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck (1956 – 1961). Rio de Janeiro:
FGV, 2013. P.92.
40
navios entraram em serviço entre os anos de 1970 e 1971. Logo em seguida, foi
iniciada a gestão de um projeto de uma classe de embarcações genuinamente
resultando na construção de navios de patrulha para operarem na calha dos rios da
região amazônica, sendo construídos os navios PedroTeixeira e Raposo Tavares,
ambos incorporados no ano de 1973. Os navios da classe Piratini são bem menores
do que o Pedro Teixeira e Raposo Tavares, que já tem espaço para uso de aeronaves
de asa rotativa.
Figura 29 - P 13 Parati da Classe Piratini
Fonte: naviosbrasileiros.com.br
Figura 30 - P 21 Raposo Tavares
Fonte: naviosbrasileiros.com.br
Durante a década de 1970, a Marinha deu seu mais importante passo para que
o Brasil entrasse no seleto grupo de nações capazes de produzir em seus estaleiros
grandes e modernos navios de guerra. De acordo com seu Programa Decenal de
Renovação dos Meios Flutuantes, de 1967, ela celebrou um acordo com o Reino
Unido para a compra de 6 fragatas, cuja a classe recebeu o nome de Niterói. O acordo
com os britânicos previa a construção de quatro fragatas nos estaleiros europeus e as
duas últimas no AMRJ (a F 44 Independência e a F 45 União), transferindo, deste
modo, o know how de fabricação de modernas embarcações de guerra, envolvendo
desde as técnicas de montagem do casco até os complexos sistemas de controle de
armas. De acordo com Telles46:
(...) grande impulso no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, com o início
em 1972, da construção das duas fragatas classe Niterói, a última das quais
concluída em 1980. Tratava-se de navios modernos, com complexos e
46
Segundo Telles (2001 apud AMARAL, 2013, p.104) O PODER PELO MAR: a indústria de construção
naval militar no Brasil a partir da política desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck (1956 – 1961).
Rio de Janeiro: FGV, 2013.
41
sofisticados sistemas de armas, máquinas e sensores, cuja construção
representou um grande desafio e um enorme avanço tecnológico.
Figura 31 - Fragata União (última das fragatas da Classe Niterói fabricada no Brasil) no Líbano
quando incorporada à Força-Tarefa Marítima (FTM) da Força Interina das Nações Unidas no Líbano.
Fonte: armamentoedefesablogspot.com.br
Durante o período dos governos militares (1964 – 1985), houve a iniciativa de
criar incentivos a marinha mercante e, por consequência, aos estaleiros civis. Deste
modo nas décadas de 1960 e 1970, como o Plano de Emergência de Construção
Naval (1969 – 1970), o Primeiro Plano de Construção Naval 1971 – 1974) e o Segundo
Plano de Construção Naval (1974 – 1979), proporcionaram um grande crescimento
da produção naval em território nacional, alçando o Brasil à condição de grande
construtor de navios mercantes.
Tais medidas alavancaram a produção naval no país, conforme citado por
Amaral47:
(...) pode-se verificar um aumento expressivo na capacidade de construção
de navios, ampliação de estaleiros e ampliação da capacidade de transporte
de cargas pelos navios brasileiros, sendo que foi nesse período que o país
ocupou o segundo lugar mundial na construção de navios mercantes, e todo
esse suporte seria benefício para o setor naval militar, haja vista que essa
ampliação da construção naval no país favoreceria a formação do tecido
industrial voltado para a indústria do mar com a indústria de navipeças, maior
oferta de mão de obra, o aumento da qualificação de pessoal especializado
e ainda o aumento da qualidade dos projetos navais, e, por conseguinte o
47 47
AMARAL, Misael Henrique Silva do. O PODER PELO MAR: a indústria de construção naval militar
no Brasil a partir da política desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck (1956 – 1961). Rio de Janeiro:
FGV, 2013. P.109.
42
estabelecimento de uma demanda contínua formando uma cadeia produtiva
na construção naval brasileira mais sólida, algo bastante interessante para a
indústria militar naval que poderia dispor no mercado nacional de um número
maior de recursos humanos voltados para o setor naval, bem como aproveitar
a maior capacidade desta indústria naval com um todo.
A adoção dos planos voltados para o incentivo da indústria naval resultou na
participação de estaleiros civis na construção de navios militares, como a construção
de duas corvetas classe Inhaúma pelo estaleiro Verolme, na década de 1980,
demonstrando mais uma vez a visão estratégica de longo prazo dos militares
integrantes do governo e do comando da Marinha em incentivar a formação de uma
BID do setor naval. Além disso, outro ponto de destaque da participação dos militares
no desenvolvimento da Base Industrial de Defesa foi o fornecimento de mão de obra
especializada para projetar os novos navios da Armada, já que a grande maioria dos
engenheiros que trabalharam nos projetos eram oficias da Marinha, demonstrando a
vital participação da Força neste processo de reconstrução da indústria naval militar
no Brasil.
Fruto do desenvolvimento da indústria naval de defesa no Brasil, no final do
século XX a Marinha implementou mais três projetos a construção das corvetas classe
Inhaúma e Barros e as classes de submarinos Tupi e Tikuna.
O projeto das corvetas desta classe contou com o auxílio externo de uma
empresa alemã e foram consideradas protótipos que, devido à incipiência, de nossa
indústria militar naval, foram pontuadas por alguns problemas. No entanto, este
projeto serviu para ganhar experiência na construção das futuras corvetas da classe
Barroso, bem como dotar a indústria naval civil de know how e tecnologia de ponta, já
que os métodos de construção de navios de guerra são mais complexos do que os
civis, forçando as empresas a buscarem investimento em C&T e na formação de
pessoal, que são fatores primordiais para o desenvolvimento de uma BID. Acerca
deste ponto Amaral48 cita o seguinte:
Cabe salientar que o envolvimento da indústria naval nacional na obtenção
de navios para a Marinha era interessante, haja vista (...), o alto grau de
48
AMARAL, Misael Henrique Silva do. O PODER PELO MAR: a indústria de construção naval militar
no Brasil a partir da política desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck (1956 – 1961). Rio de Janeiro:
FGV, 2013. P.148.
43
exigência na qualidade necessária a navios de guerra traria aperfeiçoamento
tecnológico e logístico para estas empresas privadas brasileiras.
Figura 32 - Corveta V 30 Inahúma
Fonte: naviosbrasileiros.com.br
Em 1982, a Marinha assina um acordo com a empresa alemã HDW buscando
transferência de tecnologia na construção de submarinos. Três submarinos no projeto
IKL 209/1400, denominados aqui no Brasil Tupi, seriam construídos pelo AMRJ, com
as peças sendo compradas de empresas alemãs. Para tão difícil empreendimento o
comando da Marinha novamente recorre à indústria civil nacional, encontrando na
NUCLEP (Nuclebrás Equipamentos Pesados S/A) a parceira ideal para construção do
casco das embarcações. Deste modo, o Brasil passa a ser o único país com tecnologia
para a construção de submarinos do hemisfério sul e um dos poucos no mundo. Deste
modo, a construção dos submarinos classe Tupi foi um outro marco da indústria naval
brasileira, quem sabe até maior do que a construção das fragatas classe Niterói, tendo
em vista que a fabricação de submarinos é revestida de uma complexidade muito
maior do que os vasos de superfície.
Os submarinos classe Tikuna, iniciado ainda na década de 1990 e concluídos
nos anos 2000, têm também por base o mesmo projeto alemão que deu origem aos
da classe Tupi. No entanto, recebeu aperfeiçoamentos por parte dos engenheiros
brasileiros e alemães, merecendo deste modo um nome de classe próprio. Seu navio
irmão, o Tapuia, teve sua construção cancelada.
A construção destes submersíveis nas décadas de 1980 e 1990 se constitui de
experiência importantíssima para o desenvolvimento da tecnologia necessária para
um dos mais importantes projetos da Marinha na área da guerra submarina, o
PROSUB, do qual será falado em capitulo posterior.
44
Figura 33 - S 30 Tupi
Fonte: naviosbrasileiros.com.br
Figura 34 - S 34 Tikuna49
Fonte: naviosbrasileiros.com.br
Depois deste processo evolutivo de nossa indústria de defesa naval, o Brasil
ensaiou um papel de exportador de embarcações, com o AMRJ construindo, em 1985,
um navio patrulha fluvial para o Paraguai e o estaleiro MacLaren fazendo 10 lanchas
de patrulha para a Marinha chilena. Cabe ressalta que, mesmo com estas vendas
pequenas, o Brasil foi o único país latino americano a manter a capacidade de
construir navios.
Outro importante projeto da Marinha teve início em 1979, o Programa Nuclear
da Marinha. Surgiu da impossibilidade do Brasil comprar tecnologia para dominar o
ciclo de enriquecimento de combustíveis nucleares. Este projeto prevê o
desenvolvimento da propulsão nuclear e a produção do combustível para abastecer
os futuros submarinos que utilizarão este tipo de propulsão, buscando um maior poder
de dissuasão na defesa de nossas águas territoriais. Um dos principais resultados do
projeto foi o domínio do ciclo do urânio pelo país anunciado pelo então presidente
José Sarney em 1987. As pesquisas ainda se encontram em desenvolvimento tendo
sofrido vários anos de atraso devido a fatores políticos e econômicos que causaram
uma desaceleração dos projetos de defesa, conforme serão estudados no próximo
capítulo.
Cabe, ainda, destaca a criação, em 1982, pela Marinha da Empresa Gerencial
de Projetos Navais (EMGEPROM) para atuar na gerência de projetos, contratada pela
MB, e também na comercialização de produtos e serviços disponibilizados pelo setor
naval da indústria da defesa nacional, incluindo embarcações militares, reparos
49
Notar que os apêndices do casco são semelhantes, demostrando a origem do mesmo projeto básico,
no entanto, o Tikuna é uma evolução do Tupi
45
navais, sistemas de combate embarcados, munição de artilharia, serviços
oceanográficos e apoio logístico, entre outros. Visando:
- Promover a Indústria Militar Naval Brasileira;
- Gerenciar projetos integrantes de programas aprovados pelo Comando da
Marinha; e
- Promover e executar atividades vinculadas à obtenção e manutenção de
material militar naval50.
Analisando os fatores acima expostos, conclui-se, parcialmente, que as
políticas de incentivo econômico da indústria naval iniciadas pelo governo JK e
continuadas e expandidas nos governos militares foi um dos fatores que possibilitou
o desenvolvimento deste setor industrial no país. O outro importante fator, que
contribui para o surgimento de uma BID no setor naval, foi o investimento da Marinha
na formação de pessoal para atuar no projeto e na construção de navios,
principalmente, os que seriam utilizados para reequipar a armada sem depender de
fontes externas. O acordo da Marinha com a USP para a criação do curso de
engenheiros militares pode ser considerado a pedra fundamental do renascimento da
indústria de defesa naval, já que até aquele momento o país dependia de
universidades no exterior para formar seus engenheiros navais. Além disso, a
revitalização da ETAM foi de suma importância para dotar este importante setor de
pessoal técnico capacitado para a materialização dos futuros projetos. Diante disso,
torna-se patente a grande importância do planejamento e da visão de futuro do
Comando da Marinha para proporcionar a implantação da BID no setor naval.
2.2.1.3 Força Aérea
De forma semelhante ao Exército, a Força Aérea Brasileira (FAB) escolheu criar
seu centro tecnológico e sua escola de formação de engenheiros aeronáuticos,
respectivamente o CTA e o ITA. Tal projeto vem ao encontro da visão que os militares
brasileiros acalentavam desde a década de 1930 de que era de vital importância para
o Brasil dominar o setor aeroespacial. O CTA e o ITA atuaram com vetores de
incentivo para que fosse criada a cultura de P&D, bem como de C & T. A formação de
engenheiros possibilitou que o país começasse a conceber projetos neste importante
50
Disponível em www.emgepron.mar.mil.br/index/aempresa.php
46
setor, principalmente na aviação militar, buscando, deste modo, a independência de
governos e empresas estrangeiras.
A criação do Projeto Espacial Brasileiro foi um dos grandes frutos que CTA deu,
possibilitando que o Brasil continue trilhando o caminho para lançar seu primeiro
satélite de forma autônoma. Cabe lembrar que, neste importante setor estratégico. As
Forças Armadas Brasileiras ainda não possuem satélites de uso exclusivo, gerando
uma grande vulnerabilidade para a área de defesa, pois, atualmente, um grande leque
de armas militares depende de tecnologias de posicionamento por satélite. Grandes
e médias potencias militares, como a Índia, contam com a capacidade de desenvolver
e lançar este tipo de equipamento por meios próprios, gerando ganhos econômicos e
poder de dissuasão.
O Brasil começou a se interessar em desenvolver um programa espacial ainda
na década de 1950, quando um acordo entre Brasil e EUA possibilitou o contato de
nossos cientistas com o programa espacial daquele país. Posteriormente, foram
estudados foguetes não guiados por parte do Exército, Força Aérea e Marinha, e
envolvendo uma das empresas de nossa BID: a Avibras. Foram desenvolvidos no país
um total de mais de 30 projetos de foguetes entre a década de 1940 e 1970.
Nos anos 60 foram dados importantes passos para o firme prosseguimento do
programa espacial com a criação do IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço), ligado
ao CTA, e a construção do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), no
Rio Grande do Norte.
Em 1979, o governo federal decide começar a desenvolver a capacidade de
projetar, construir e gerir um programa espacial de forma autônoma para desenvolver
veículos lançadores e satélites.
Na década de 1980 foi criado o Centro de Lançamento de Alcântara, no
Maranhão e lançado o primeiro foguete com controle de altitude, o Sonda IV. Em 1988,
Brasil e China firmam um acordo para o desenvolvimento do projeto CBERS (Satélite
Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). Nos anos 90, o Brasil lança dois satélites de
construção nacional com veículos lançadores francês e norte-americano. Além disso,
foram iniciados os lançamentos dos veículos lançadores VLS, que se tornaram a
espinha dorsal do programa espacial.
47
Figura 35 – Foguete Sonda IV
Fonte: aero.jor.br
Figura 36 – Foguete VLS 1
Fonte: aero.jor.br
Em 2003, o projeto sofre um duro golpe. Sobrevivendo com parcos recursos,
cerca de R$ 30 milhões anuais, um VLS-1 é destruído no solo e mata os principais
cientistas envolvidos no programa, fazendo com que houvesse uma dissolução de
continuidade.
O Programa Espacial Brasileiro é desenvolvido exclusivamente por entidades
estatais ligadas ao CTA e ao INPE. Entretanto, o Programa é de suma importância
para o desenvolvimento da nossa BID, pois utilizada empresas nacionais para o
desenvolvimento e fornecimento de componente para satélites e foguetes lançadores.
Embora estes produtos tenham baixa demanda, tal fato obriga nossas empresas a
investir em P&D para atender às necessidades do projeto, agregando grande valor
aos produtos por elas desenvolvidos.
Além deste importante papel do CTA e do ITA no setor aeroespacial, tais
instituições foram as incubadoras que deram origem a várias empresas ligadas ao
setor aeroespacial e que se instalaram no Vale do Paraíba paulista. Dentre estas
podem ser destacas a Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A (Embraer) e a Avibras,
ambas começando com o desenvolvimento de projetos para o setor militar. Segundo
Forjaz51
51
Forjaz (2003 apud COSTA e SOUZA-SANTOS, 2010, p.175) Embraer, história, desenvolvimento de
tecnologia e a área de defesa. Economia & Tecnologia – Ano 06, Vol 22 – Julho/Setembro de 2010.
48
(..)Assim, na década de 1970 o Brasil construía o tripé que daria sustentação
ao desenvolvimento de tecnologias aeroespaciais: o CTA com centro de
pesquisa; o ITA responsável pelo desenvolvimento do corpo técnico; e a
Embraer com empresa líder na criação de produtos e organização de demais
firmas locais e regionais.
A Embraer foi criada em 1969, durante o governo militar, como uma empresa
de sociedade mista, onde o governo era o principal acionista e detinha o controle da
empresa, visando materializar os projetos concebidos pelos engenheiros aeronáuticos
formados no ITA dentro das instalações do CTA. Na concepção dos militares, o tripé
garantiria que o Brasil ficasse livre da dependência de governos e empresas
estrangeiros na aquisição de vetores aéreos para a defesa do país. Além disso, fica
claro na citação, que o governo federal e o comando da Força Aérea tinham a visão
estratégica que, por meio de tal política, criariam as condições para que fosse formada
uma Base Industrial de Defesa no setor aeroespacial.
Considerando a Embraer com a mola mestra da nossa indústria nacional de
defesa no setor aeroespacial, bem como sua estreita ligação com o governo federal e
com a Força Aérea, nada mais justo do que estudar o desenvolvimento de seus
projetos que estão intimamente ligados ao reequipamento da FAB e ao
desenvolvimento de nossa BID.
Em um primeiro instante, a Embraer, visando adquirir know how para a
construção de aviões militares, decide fazer acordos com outras empresas do setor
para que construísse aviões sob licença no Brasil. Em busca de um avião a reação
para servir como treinador avançado para os futuros pilotos de Mirage III, a FAB
escolhe o avião de ataque e treinamento MB-326, da empresa italiana Machi. A
aeronave era confiável, barata e de baixo custo de operação, denominado na FAB
como AT-26 Xavante, sendo um dos primeiros aviões produzidos pela empresa. O
total destas aeronaves produzidas foram de 182 para a FAB, sendo os excedentes
exportados para o Paraguai e Togo. Mostrando a sua confiabilidade, longevidade e
qualidade de fabricação, os últimos destes aviões foram retirados de serviço em 2013,
totalizando cerca de 42 anos de serviço.
49
Figura 37 - O AT – 26 Xavante
Fonte: defesanet.com.br
Concomitantemente com o projeto Xavante, a Embraer inicia seus próprios
projetos, como o EMB – 110 Bandeirantes, o EMB – 121 Xingu, o EMB - 312 Tucano,
o EMB – 120 Brasília e o AMX, todos eles utilizados pela Força Aérea Brasileira no
transporte de carga/tropa e de autoridades ou como aeronaves de combate.
O Bandeirante foi o primeiro projeto inteiramente de concepção da Embraer,
sendo uma aeronave de transporte de passageiros e carga de uso civil e militar, não
sendo dotada de sistema de pressurização. Na força aérea foi adotado com o nome
de C-95, sendo utilizado para transporte de pessoal, material e tropas
aerotransportadas. Outra versão de sucesso foi o conhecido P-95 “Bandeirulha”, avião
de patrulha marítima. A aeronave teve grade sucesso no campo civil e militar, com a
produção de cerca de 500 aviões por 18 anos (1972 a 1990). A aeronave é utilizada
por vários países além do Brasil, como EUA, Canadá, França, Inglaterra, Austrália,
México, Chile, Colômbia, Uruguai, Cabo Verde e Angola. Este projeto foi responsável
pela inserção dos produtos da Embraer no mercado internacional e serviu como meio
para adquirir know how para a construção de aeronaves mais complexas, além de
garantir a manutenção de uma base industrial de defesa na aérea aeroespacial, já que
o produto, desde de o início, já possuía características duais. A dualidade da maioria
dos produtos da Embraer foi uma faceta que possibilitou a empresa a sobreviver aos
momentos difíceis da economia nacional e mundial.
50
Figura 38 – P 95 Bandeirulha
Fonte: defesanet.com.br
Figura 39 – C 95 de transporte
Fonte: defesanet.com.br
O Bandeirantes serviu como base para a concepção do segundo projeto da
Embraer, o Xingú. Aproveitando a concepção de asa do EMB-110 a empresa projeta
e constrói um avião para uso no transporte de passageiros executivos com
capacidade para sete pessoas. Foi a primeira aeronave da Embraer dotada de
sistema de pressurização e a predecessora do projeto do Brasília. O Xingú significou
um grande avanço, por proporcionar maior conforto, velocidade e economia de
combustível, além de dotar a empresa de tecnologia e experiência para a construção
de aeronaves pressurizadas. Na FAB ele é conhecido como VU-9, sendo utilizado
para transporte de autoridades com destino a locais onde os aeroportos não
comportam aviões de maior porte. A produção perdurou por onze anos, de 1976 a
1987, sendo construídos aproximadamente 106 unidades, com 51 exportadas. A
França é a maior usuária do Xingu, com 43 aeronaves em serviço, conforme relato do
site Poder Aéreo52, em 2008:
As aeronaves Xingu voam da França desde 1983, ano de início das
operações da Embraer no país por meio de sua subsidiária integral Embraer
Aviation Internacional (EAI). Trinta e dois aviões ficam na base de Avord e
são utilizados para treinamento de pilotos de transporte das Forças Aéreas
Francesa, Belga e Holandesa, e outros nove servem à Marinha Francesa em
missão de transporte de autoridades.
52
Poder Aéreo. Embraer renova contrato na França. (Disponível em www.aereo.jor.br/2008/10/27/embraer-renova-contrato-nafranca/
51
Figura 40 - Xingu da Armée de l’air
Fonte: aero.jor.br
A utilização do Xingu em serviço ativo por tanto tempo por uma das forças aéreas mais
importantes do mundo demonstra a solidez e a qualidade do projeto, bem como a competência
da mão de obra formada no CTA e no ITA.
O fruto direto da pesquisa na área de pressurização foi o projeto e a construção
do Brasília, que teve grande sucesso internacional, consolidando a presença da
Embraer neste difícil nicho do mercado da aviação internacional, frequentado somente
por empresas de países desenvolvidos. Do Xingu ele herdou a fuselagem, os
estabilizadores vertical e horizontal e o sistema de pressurização. Além disso, o
Brasília recebeu toda a tecnologia desenvolvida pela Embraer durante o
desenvolvimento das aeronaves anteriores. A aeronave foi concebida como uma
aeronave de transporte regional de 30 passageiros e seu primeiro voo foi feito em
1985, pela empresa norte-americana American Southeast Airlines. A aeronave foi
vendida para diversas empresas dos EUA e Europa, comprovando o sucesso do
projeto e a projeção da empresa brasileira no mercado externo, conquistado com a
venda do Bandeirante. Cabe destacar que ele foi o primeiro produto da indústria
aeronáutica brasileira que despertou interesse internacional durante o seu
lançamento. O Brasília é considerando, ainda hoje, um avião moderno e
reconhecemos nele muito dos traços presentes nos novos jatos da Embraer. Com ele
a empresa começou a utilizar materiais compostos para a construção da fuselagem e
o uso de eletrônica avançada, dando origem a um excelente avião turboélice, bastante
admirado pelos seus operadores. A FAB o opera sob a designação de C-97/VC-97,
sendo utilizado para o transporte de autoridades e suas comitivas em voos regionais
ou para aeroportos que não comportam aviões de maior porte. O Brasília foi
considerado, em meados da década de 1990, o avião regional com o maior número
52
em uso no mundo, tendo sua produção atingido 352 aeronaves em 33 operadores de
diferentes países.
Figura 41 - C-97 da Força Aérea Brasileira
Fonte: bazilairforce.blogspot.com.br
No entanto, com todo o seu sucesso o Brasília não alcançou a fama e o
reconhecimento do principal produto de defesa da Embraer: o EMB-312 Tucano, com
a designação de T-27 na FAB. Projetado para substituir três aeronaves de treinamento
utilizada pela FAB na década de 1970, o Aerotec T-23 Uirapuru, o Neiva T-25
Universal e o jato Cessna T-37, devendo ser um treinador básico para os futuros
pilotos dos caças Mirage III e F-5E.
Figura 42 – Embraer T-27 Tucano
Fonte: aero.jor.br
.
O projeto do Tucano foi revolucionário, pois foi o primeiro avião turboélice
projetado para ser treinador, adotando características de jato. A adoção do turboélice
foi para proporcionar economia em gasto de combustível, os assentos em tandem e
escalonados, bem como o comando da aeronave sendo realizado por um manche e
em manete de potência, deixava sua operação bastante parecida com a de um caça.
53
O T-27 foi o primeiro treinador turboélice a adotar assentos ejetáveis, garantindo maior
segurança para os instrutores e instruendos. A aeronave tinha ponto duros sob as
asas possibilitando que fosse feito treinamento armado, apoio aéreo e ataque ao solo
com uma carga bem limitada. O Tucano ditou a tendência dos treinadores turboélice.
A partir do seu lançamento nenhuma aeronave destinada a esta atividade seria mais
a mesma, todas adotariam as características revolucionarias do produto desenvolvido
pelos engenheiros da Embraer, formados centros de ensino, pesquisa e
desenvolvimento geridos pelos militares da FAB.
O T-27 chamou a atenção de vários países no mundo, possibilitando que fosse
exportado para vários países, como Egito, onde foi construído sob licença para este
país, e para o Iraque; França, Inglaterra, Irã, Angola, Honduras, Argentina, Paraguai,
Peru, Venezuela e Colômbia. Ao todo, quinze países ao redor do mundo operam ou
operaram o Tucano.
Cabe destacar que os Tucanos produzidos para a Inglaterra sofreram
modificação pela empresa irlandesa Short Brother PLC e passaram a se chamar
Shorts Tucano. A Shorts exportou modelos para o Quênia, o Kuwait e algumas
empresas privadas americanas.
No fim da década de 1970 a Embraer buscava entrar na produção de aeronaves
a jato subsônicas, dando mais um passo no aprimoramento de sua experiência de
construção de aviões. Os primeiros estudos para a construção do avião iniciaram-se
em 1976 em parceria com a empresa italiana Macchi. Em 1978, buscando atender
uma solicitação da Força Aérea Italiana, as empresas Aeritalia e a Macchi criaram o
projeto AMX, posteriormente integrado pela Embraer que ficou responsável por 1/3 da
construção e dos custos da aeronave. O AMX seria uma aeronave de ataque
subsônica, utilizada para missões de ataque aéreo aproximado, reconhecimento e
interdição. No entanto, somente em 1980 o governo brasileiro mostrou interesse pelo
projeto AMX, encarregando a Embraer de participar da construção e absorver todo o
know how para a produção de aeronaves de combate a reação, mais uma vez
buscando o desenvolvimento de BID e a conquista de nossa independência em tão
importante setor de defesa. A Embraer participou da fase de projeto bem como
construiu partes do avião, conforme descrito no site Centro Histórico Embraer53:
53
Centro Histórico Embraer. Aeronaves: AMX (Disponível em: www.entrohistoricoembraer.com.br/ptBR/HistoriaAeronaves/Paginas/AMX.aspx)
54
Após algumas mudanças contratuais, as companhias italianas ficaram
responsáveis por cerca de 70% do programa e a Embraer pelos 30%
restantes. Coube à Embraer o desenvolvimento e a fabricação das asas,
tomadas de ar do motor, estabilizadores horizontais, pilones subalares
(“cabides de armas”) e tanques de combustível. Além disso, a Embraer
participou ativamente de todo o projeto dos sistemas de trem de pouso,
navegação e ataque comando de voo e controle de armamentos. Dois
protótipos de ensaio em voo e um de teste de fadiga foram construídos e
testados no Brasil.
O AMX era dotado de tecnologia de ponta com avançado sistema de
navegação e ataque e contra medidas eletrônicas, contando, inclusive, com inovações
da época como o sistema HOTAS (Hands On Throttle And Stick), muito utilizado nos
principais aviões de combate da época. A FAB adquiriu um total de 54 aeronaves e
as denominou de A-1A (monoposto) e A-1B (biposto). Ao todo foram construídas 200
aeronaves, equipando apenas as Forças Aéreas Brasileira e Italiana. Operando nas
mãos de pilotos italianos, o AMX teve destaque nos combates ocorridos em Kosovo
(1999) e na Líbia (2011), demonstrando ser uma aeronave bem projetada para seu
tipo de missão.
Figura 43 - O rollout do AMX na fábrica da Embraer em 1985.
Fonte: site Centro Histórico Embraer
Embora a Embraer após o AMX não tenha mais desenvolvido um avião de alta
velocidade subsônica ou de alto desempenho, bem como a aeronave não tenha sido
um sucesso de vendas no mercado externo, a experiência com o AMX contribuiu
sobremaneira para o trabalho realizado com os aviões da família ERJ, que,
atualmente, são o carro chefe da empresa no mercado de aviação internacional,
55
garantindo sua posição de destaque como fabricante de material para aviação civil e
militar.
Na busca pela construção de uma BID no setor aéreo, a Embraer foi a que teve
maior sucesso neste intento. Seus produtos tiveram grande aceitação no mercado
externo lhe proporcionando sustentação financeira, além de garantir um elevado grau
independência no setor aéreo para o Brasil, já que a FAB adotou praticamente todos
os seus produtos. Segundo Bragança54, esta foi a produção total da Embraer durante
sua fase como empresa estatal.
AERONAVES
ANOS
XAVANTE
BANDEIRANTE
XINGU
71
05
-
-
72
23
-
-
73
20
13
74
22
75
TUCANO
BRASÍLIA
AMX
-
-
-
-
-
-
-
-
-
25
-
-
-
-
24
35
-
-
-
-
76
14
52
-
-
-
-
77
17
21
-
-
-
-
78
21
39
04
-
-
-
79
15
53
08
-
-
-
80
06
73
25
-
-
-
81
15
67
12
-
-
-
82
-
32
18
-
-
-
83
-
10
26
26
-
-
84
-
23
02
57
-
-
85
-
02
01
49
06
-
86
-
04
01
35
20
-
87
-
07
02
45
38
-
88
-
10
-
54
46
-
89
-
02
-
10
54
04
90
-
08
-
05
55
05
91
-
01
-
00
35
08
92
-
02
-
01
15
07
93
-
00
-
05
10
06
94
-
00
-
08
07
01
TOTAL
182
479
99
295
271
31
Quadro 3 – Produção da Embraer até sua privatização
Fonte: Bragança
Com cerca de 1350 aeronaves construídas em seu período sob controle estatal,
pode ser concluído que a Embraer concretizou o sonho que os militares acalentavam
ainda na década de 1930, o de o país ter uma indústria capaz de projetar e construir
aviões, tornando-se o pilar de uma Base Industrial de Defesa no setor aeroespacial.
54
BRAGANÇA, João Carlos Oliveira de. Um enfoque evolucionário da concorrência na indústria de
aeronaves regionais: caso Embraer. Niterói/RJ. Universidade Federal Fluminense/Faculdade de
Economia. 2013.
56
A empresa foi a catalizadora de todo o projeto estratégico desenvolvido pelo governo
e pelo comando da Força Aérea, que visava criação de uma cultura de pesquisa,
desenvolvimento, ciência e tecnologia neste complexo setor, sendo possível apenas
pela formação de mão de obra habilitada e competente no CTA e no ITA.
2.2.2 Declínio da Base Industrial de Defesa brasileira
O declínio da BID brasileira, que teve seu auge em meados da década de 1980,
começa no final da mesma década e se agrava nos anos subsequentes, atingindo o
seu pior momento em 1999, conforme o gráfico 01. Os fatores que levaram a nossa
Base Industrial de Defesa perder força são de caráter interno e externo,
principalmente no campo político e econômico, ocasionando consequências distintas
nos setores terrestre, marítimo e aeroespacial.
Gráfico 1 – Volume de armas exportada pelo Brasil entre 1974 e 2012
Volume of arms exports from Brazil,
1974-2012
300
250
200
150
100
50
0
Fonte: SIPRI
Elaboração autor
Valores expressos em milhões de SIPRI TIV (Trend Indicator Value)55
55
A ferramenta SIPRI TIV não representam preços de venda para as transferências de armas. Eles
não devem, portanto, ser comparado diretamente com o produto interno bruto (PIB), as despesas
militares, os valores de vendas ou o valor financeiro das licenças de exportação em uma tentativa de
medir o impacto econômico das importações de armas ou os benefícios econômicos de exportações.
Eles são mais utilizados como os dados brutos para calcular as tendências em transferências
internacionais de armas ao longo de períodos de tempo, as percentagens globais de fornecedores e
destinatários, e as percentagens para o volume de transferências para ou de determinados estados.
Mais informações no site www.sipri.org em Sources and Methods.
57
A BID brasileira foi impulsionada no período de pujança pela compra interna
das Forças Armadas e, principalmente, pela exportação de seus produtos, gerando
uma grande dependência de fatores econômicos e políticos ocorridos no cenário
internacional.
Neste interim, no final da década de 1980, houve uma grande queda no
mercado de armas mundial, devido ao término da Guerra Fria e a consequente quebra
da bipolaridade entre os EUA e URSS, fechando deste modo uma janela de
oportunidade para as empresas de defesa de países como o Brasil. Segundo
Moraes56 as compras de armamento no mercado exterior caíram na década de 1990:
(...)Nos anos 1990, contudo, o cenário foi diferente. As importações mundiais
de equipamentos militares, que havia sido de US$ 680 bilhões, no período
1980-1989, caíram para US$ 436 bilhões no período 1990-1999, diminuição
de cerca de 36%.
Além disso, a situação da economia brasileira, que vinha se agravando desde
o início da década, impossibilitava as Forças Armadas de realizarem encomendas
para manter as industrias integrantes da BID em operação. Para cada setor houve
uma consequência: a principal fabricante de blindados faliu e as demais voltaram a se
dedicar a outros ramos ou fecharam, a indústria naval teve uma severa retração e a
na indústria aeronáutica conseguiu desenvolver, de forma benéfica, produtos de uso
duais.
Não foi somente as indústrias de defesa brasileiras que sofreram com a
retração do mercado, segundo Imai57, industrias que antes estavam entre as maiores
no mercado de defesa mundial fecharam e as demais, que permaneceram no
mercado, realizaram fusões comprando as menores, caracterizando uma tendência
de formação de conglomerados, variando de consórcios a joint ventures.
A Lockheed adquiriu a Martin Marietta, em 1995, e a Loral (que já
havia comprado gigantes com a Fairchild Westib e a Unissys Defense), em
1996. A Raytheon adquiriu a Texas Instruments e a Hunges Aircraft, em 1998.
No total, mais de US$ 55 bilhões em fusões foram transacionados e
de 40 diferentes companhias americanas aeroespaciais, engajadas na
indústria aeroespacial total ou parcialmente, ficaram reduzidas a cinco.
56
57
MORAES, Francisco Fracalossi de. P. 38.
IMAI, Alvaro Koji. P. 16.
58
As companhias europeias(...) A Aerospatiale adquiriu a Matra Hautes
Technologies, em 1998, a Britsh Aerospace fundiu-se com a GEC Marconi
em 1999 (...).58
Neste ponto, o Brasil fica em desvantagem em relação aos países europeus e
aos EUA, que tiveram como manter as respectivas BID em operação por meio de
encomendas rotineiras, evitando, deste modo, que industrias fossem fechadas e
perdessem todo o trabalho de P&D, bem como a experiência acumulada por décadas
de produção de armamento de ponta. Segundo Silva59, a indústria de defesa tem
muitas dificuldades em se manter em funcionamento devido a vários fatores:
A industrial de defesa enfrenta muito óbices e dificuldades ao longo de
sua vida operacional. A falta de regularidade nas encomendas militares
impede um funcionamento planejado, refletindo em custos mais elevados, em
constantes desequilíbrios entre a receita e a despesa e em dificuldades
financeiras relacionadas com insuficiência de capital de giro e de fluxo de
caixa.
Deste modo, da análise da citação, infere-se, claramente, que a indústria de
defesa sempre dependerá, nos momentos difíceis, da intervenção do Estado para que
ela não feche as portas e coloque todo o know how adquirido na fabricação de
armamento por água abaixo, voltando a colocar o país na situação de comprador de
armamentos no exterior. Deste modo, cabe ressaltar que a ascensão de um governo
civil no Brasil, em 1985, prejudicou a execução de ações para manter a nossa BID
ativa até que surgisse uma nova janela de oportunidades para o reaquecimento do
mercado e o reinício da produção de novos equipamentos e armamentos em grande
escala. Pode se inferir que possivelmente faltou visão estratégica e de futuro para os
novos governos que não possuíam uma cultura de defesa, fazendo com que o Brasil
perdesse, deste modo, todo um cabedal de conhecimento na produção de
armamentos e a chance de concorrer por uma fatia do mercado externo,
principalmente no que tange à construção de blindados e de navios. Conforme
mostrado no quadro abaixo, o período de maior atividade de nossa BID, na década
de 1980, o Brasil diminui substancialmente a importação de armamentos, vindo a ter
58
59
Idem p. 20.
SILVA, Marcelo Rocha. P. 67.
59
um novo aumento substancial quando da implementação da política de defesa do
governo Lula e da atual presidente Dilma.
Gráfico 2 – Volume de armas importadas pelo Brasil entre 1970 e 2012
Volume of arms imports to Brazil,
1970-2012
2012
2010
2008
2006
2004
2002
2000
1998
1996
1994
1992
1990
1988
1986
1984
1982
1980
1978
1976
1974
1972
1970
1000
800
600
400
200
0
ANOS
Fonte: SIPRI
Elaboração autor
Valores expressos em milhões de SIPRI TIV (Trend Indicator Value)
Um outro fator atingiu de maneira particular a empresa Engesa, que tinha como
seu maior mercado os países do Oriente Médio e da América do Sul. O fim da Guerra
da Irã-Iraque privou a empresa de seu maior cliente, o governo iraquiano. Além disso,
o projeto Osório, destinado a ser o mais moderno produto da indústria nacional de
carros de combate foi preterido pelo carro de combate norte-americano Abrams na
disputa para equipar o Exército Saudita, embora fosse em muitos aspectos melhor do
que o carro produzido nos EUA. Talvez o desfecho das negociações poderia ser
previsto, pois este tipo de compra envolve fatores políticos e econômicos, tendo os
EUA maior poder de pressão sobre o governo saudita, além de ter uma ligação
tradicionalmente forte com aquele país. Devido ao fato da Engesa ter investido cerca
de 100 milhões de dólares no projeto, bem como não ter conseguido nenhum parceiro
para dividir tais custos, jogou a empresa numa situação econômica muito difícil,
caracterizando um risco maior do que a empresa poderia ter absorvido. De acordo
com Moraes60 a queda das exportações brasileiras se comportou assim no período:
60
MORAES, Francisco Fracalossi de. p. 39.
60
(...)Em relação aos dez principais clientes do Brasil no período 1980-198961,
as importações deste grupo caíram de US$ 98 bilhões, nos anos 1980, para
US$ 39 bilhões, nos anos 1990, diminuindo cerca de 60%, destacando-se
as quedas de 97% nas importações do Iraque, de 77% nas da Venezuela
e da Argentina, de 44% nas da Colômbia e de 20% nas do Egito. Ainda que
o Iraque fosse desconsiderado deste cálculo, a queda total nas importações
seria de 20%. (Grifo nosso).
A Primeira Guerra do Golfo foi outro fato que contribuiu para o declínio de
vendas das empresas brasileiras no Oriente Médio. Esta guerra se mostrou
caracterizada pelo uso de armas com grande tecnologia embarcada, como os misseis
Tomahawk, os helicópteros Apache e os blindados Abrams. A neutralização do grande
Exército Iraquiano em poucos dias mostrou que o futuro da guerra convencional
apontava para o uso de armas tecnológicas, capazes de atingir alvos sem causar
grandes efeitos colaterais e com grande poder de destruição, deste modo, as armas
produzidas pelo Brasil perderam importância, pois possuíam um nível de
desenvolvimento inferior às norte-americanas, deixando nossos blindados sobre
rodas em flagrante desvantagem no mercando internacional, não gozando mais da
grande aceitação de anos anteriores.
Gráfico 3 – Volume de exportação de carros blindados entre 1970 e 2012
Volume of arms exports from Brazil,
1970-2012
2012
2010
2008
2006
2004
2002
2000
1998
1996
1994
1992
1990
1988
1986
1984
1982
1980
1978
1976
1974
1972
1970
300
250
200
150
100
50
0
ANOS
Fonte: SIPRI
Elaboração autor
Valores expressos em milhões de SIPRI TIV (Trend Indicator Value)
61
Os dez países, nessa ordem, foram: Iraque, França, Colômbia, Chipre, Reino Unido, Paraguai,
Argentina, Egito, Zimbábue e Venezuela. Fonte: Moraes
61
Devido à grave crise econômica que grassava no Brasil e à possível falta de
visão estratégica do governo da época para o setor de defesa, a Engesa não
conseguiu financiamentos viáveis para que fosse tirada da bancarrota, decretando
falência em 1990, sendo posteriormente desmembrada. Com o fechamento da
empresa todo a experiência adquirida foi perdida, forçando, em um futuro próximo, o
país a reiniciar a busca por meios para a produção de uma nova família de blindados
sobre rodas, bem como a aquisição de dois modelos de MBT de segunda mão no
exterior para substituir os antigos M-41 Caxias: o M-60 A3 TTS e o Leopard I A5. Tal
situação poderia ter sido evitada com a aquisição e evolução de um modelo um pouco
menos equipado do Osório.
Outra empresa afetada pelo fim do conflito entre iranianos e iraquianos foi a
Avibras. O maior sucesso da empresa foi fruto de uma encomenda do governo
iraquiano para o desenvolvimento de um lançador múltiplo de foguetes, o Astros II.
Pelos mesmo fatos que afetaram a Engesa, a Avibras também não contou com a
complacência governamental, sofrendo um grande revés que a fez entrar em processo
de falência no início da década de 1990. No entanto, a diretoria buscou a
diversificação de seus produtos para atender o mercado civil e conseguiu recuperar
sua situação econômica e atravessar os difíceis anos da década de 1990.
Gráfico 4 – Volume de exportações de aeronaves do Brasil entre 1970 e 2012
Volume of arms exports from Brazil,
1970-2012
160
140
120
100
80
60
40
20
ANOS
Fonte: SIPRI
Elaboração autor
Valores expressos em milhões de SIPRI TIV (Trend Indicator Value)
2012
2010
2008
2006
2004
2002
2000
1998
1996
1994
1992
1990
1988
1986
1984
1982
1980
1978
1976
1974
1972
1970
0
62
A Embraer seguiu um processo bem diferente do ocorrido com a Engesa e a
Avibras. A Embraer não tinha os países do Oriente Médio como seu mercado
prioritário, sendo voltada principalmente para o mercado interno, os países latino
americanos, EUA e Europa. No entanto, no mesmo período houve uma retração do
mercado internacional de aeronaves, afetando sobremaneira a situação econômica
da Embraer. Além disso, a empresa teve projetos sem aporte financeiro adequado
que não representaram sucesso de vendas, como o projeto AMX e do avião executivo
CBA 123 Vector, desenvolvido em conjunto com a Argentina. Porém, neste caso, o
governo tomou a atitude de privatizar a empresa que, para muitos, foi uma atitude
errônea já que colocou uma empresa estratégica para o país na mão da iniciativa
privada, porém a privatização e o sucesso de seu novo empreendimento na classe de
jatos executivos, o ERJ-145, dotou a empresa de aporte financeiro suficiente para se
tornar economicamente viável.
No setor naval também houve perdas, embora o país não fosse um grande
exportador de produtos navais e não dependesse em grande escala de vendas no
mercado externo. A crise financeira influenciou os planos da Marinha para a
construção de unidades para a Esquadra, gerando cancelamento na construção de
várias unidades, como um dos submarinos da classe Tikuna, o Tapuia, e atrasos,
como no caso da corveta da classe Barroso, que teve sua quilha batida em 1994 e
entrou em serviço apenas em 2008, ou seja, quatorze anos depois. Além disso, no
setor da construção de navios civis, o Brasil perdeu a posição de destaque que
possuía no final da década de 1970 e início da década de 1980, ficando com uma
produção insignificante quando comprada aos principais produtores mundiais.
Embora não pareça ter relação com a BID, um estaleiro que não possui capacidade
competitiva para construir navios civis não terá capacidade de produzir vasos militares
que são dotados de projeto e equipamentos de maior complexidade. Deste modo, a
BID no setor naval perdeu boa parte do know how da construção de navios que foi tão
arduamente conseguida pelo esforço da Marinha durante as décadas de 1950 e 1960.
63
Gráfico 5 – Volume exportações de embarcações do Brasil entre 1970 e 2012
Volume of arms exports from Brazil,
1970-2012
300
250
200
150
100
50
2012
2010
2008
2006
2004
2002
2000
1998
1996
1994
1992
1990
1988
1986
1984
1982
1980
1978
1976
1974
1972
1970
0
Fonte: SIPRI
Elaboração autor
Valores expressos em milhões de SIPRI TIV (Trend Indicator Value)
Cabe ressaltar, que mesmo neste cenário sombrio, onde tudo conspirava
contra a produção de material de defesa no Brasil, as Forças Armadas mantiveram
seus centros de excelência em funcionamento, como o CTEx, o CTA e o Centro
Tecnológico da Marinha em São Paulo, bem como suas escolas de formação de
engenheiros, garantindo, deste modo, um novo ciclo de desenvolvimento da BID em
épocas mais favoráveis a este setor industrial.
Conclui-se, parcialmente, que o final da Guerra Fria, o término do conflito ente
Irã e Iraque, a Primeira Guerra do Golfo e a falta de estabilidade econômica e a
consequente inação do governo, levaram à crise na nossa BID brasileira na década
de 1990. O primeiro fator diminuiu a demanda por armamentos no mercado
internacional; o segundo fechou o principal mercado para nossos veículos blindados;
o terceiro deixou em descrédito os nossos produtos, que não possuíam o nível
tecnológico dos usados pelas grandes potências militares naquele conflito e o último
levou o governo brasileiro a não atuar no setor para possibilitar a continuidade de
operação das empresas integrantes da BID, ocasionando falência de empresas e
cancelamento de projetos. As consequências da crise foram a perda de know how
que, posteriormente, necessitou ser novamente adquirido.
64
2.3 RETOMADA DO CRESCIMENTO DA BID BRASILEIRA NO SÉCULO XXI
A Base Industrial de Defesa Brasileira permaneceu em sua tendência de
declínio até o fim do século XX, com poucas perspectivas de recuperar uma tendência
de alta e entrar em outra fase de desenvolvimento. Porém, ao adentrar no século XXI
a BID nacional passa a contar com uma maior atenção do governo federal que começa
a adotar medidas para possibilitar o seu fomento. Deste modo, as indústrias de defesa
começam um novo processo de grande atividade e crescimento, baseadas em
projetos gestados pelas três Forças Singulares.
A situação começa a se inverter em 1998, quando da criação do Ministério da
Defesa, onde possibilitou que a discussão acerca da defesa nacional fosse levada ao
nível político, já que desde a redemocratização do país o investimento nas Forças
Armadas e os assuntos ligados à defesa foram relegados a um segundo plano, sendo
a partir daí iniciado o processo de criação das diversas leis e resoluções que
possibilitaram o reinício do crescimento da BID.
Para comprovar a nova visão governamental de que a indústria de defesa goza
de grande importância estratégica para o país, pode ser citado o pronunciamento da
Presidente Dilma na cidade de Itaguaí/RJ, em 01 de março de 2013:
“Indústria de Defesa é Indústria do Conhecimento, cria e difunde tecnologia
por toda a cadeia produtiva.”62
Com este objetivo o governo cria toda uma base legal para proporcionar o
fomento da indústria de material de defesa. Em 2002, a Portaria Normativa nº 764/MD,
de 27 de dezembro, estabeleceu a Política e as Diretrizes de Compensação
Comercial, Industrial e Tecnológica do MD, com os seguintes objetivos:
I - promoção do crescimento dos níveis tecnológico e qualitativo das
indústrias de defesa, com a modernização dos métodos e processos de
produção e aquisição de novas tecnologias, visando ao estado da arte;
II - fomento e fortalecimento dos setores de interesse do Ministério da Defesa,
criando condições para o aperfeiçoamento das indústrias de defesa e da sua
62
Retirado palestra do VII Curso de Extensão em Defesa Nacional, do Ministério da Defesa, de 07 de
junho de 2013.
65
base tecnológica, visando a aumentar suas cargas de trabalho e também a
permitir a competitividade no mercado internacional;
III - ampliação do mercado de trabalho, mediante a criação de novas
oportunidades
de
emprego
de
alto
nível
tecnológico,
através
da
especialização e do aperfeiçoamento dos recursos humanos dos setores de
interesse;
IV - obtenção de recursos externos, de toda ordem, diretos e indiretos, para
elevar a capacitação industrial e tecnológica dos setores de interesse da área
de defesa; e
V - incremento da nacionalização e a progressiva independência do mercado
externo, no que diz respeito a produtos de defesa.
No ano de 2005, pela Portaria Normativa nº 75/MD, de 10 de fevereiro, é criado
o Centro de Certificação, de Metrologia, de Normalização e de fomento Industrial das
Forças Armadas (CCEMEFA). Sua sede foi estabelecida no CTA, em São José dos
Campos, São Paulo. O CCEMEFA tem os seguintes objetivos no âmbito do Ministério
da Defesa:
I - contribuição para assegurar o atendimento dos requisitos estabelecidos
para produtos e para sistemas de gestão da qualidade e, quando aplicável,
das exigências impostas por agências reguladoras nacionais e internacionais;
II - otimização dos meios empregados pelas Forças Armadas nas atividades
de certificação, de metrologia, de normalização e de fomento industrial;
III - melhoria contínua da qualidade dos sistemas instituídos e da indústria de
defesa;
IV - progressiva diminuição da dependência das Forças Armadas de
fornecimentos do exterior;
V - maior eficiência nas aquisições de produtos importados;
VI - contribuição para a aceitação dos produtos nacionais no mercado
internacional;
VII - harmonização dos processos de comprovação de requisitos e de seleção
de produtos e de fornecedores, promovendo a cooperação entre as Forças
Armadas; e
VIII - viabilização do gerenciamento das informações referentes aos produtos,
órgãos, organizações e empresas da Base Industrial de Defesa - BID, por
meio de certificados que auxiliem as atividades de catalogação, de
padronização e de mobilização, dentre outras.
66
A Portaria Normativa nº 611/MD, de 12 de maio de 2005, criou a Comissão
Militar da Indústria de Defesa (CMID), que ocupa um nível político ministerial que
discute e estuda medidas para a indústria de defesa nacional. Segundo Imai 63, são
estas as funções do CMID:
(...) é uma comissão de alto nível, que estuda e discute assuntos e
desenvolve atividades num âmbito político-ministerial, possui as atribuições
de propor e coordenar os assuntos relativos ao fomento às atividades de
pesquisa, de desenvolvimento, de produção e de exportação de produtos de
defesa; promover a integração dessas atividades; estabelecer um fluxo
adequado de informações entre o Ministério da Defesa (MD) e as entidades
civis e governamentais envolvidas; e propor medidas
A Política Nacional de Defesa (PND), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 576/2012,
é o documento de mais alto nível que trata da defesa nacional, substituiu a Política de
Defesa Nacional de 2005, e trata da indústria de defesa nacional nos seguintes
termos:
4. O AMBIENTE REGIONAL E ENTORNO ESTRATÉGICO
4.3. Entre os fatores que contribuem para reduzir a possiblidade de conflitos
no entorno estratégico destacam-se: (...)a integração das bases industriais
de defesa, (...)
5. O BRASIL
5.13. A persistência de ameaças à paz mundial requer a atualização
permanente e o aparelhamento de nossas Forças Armadas, com ênfase no
apoio a ciência e tecnologia para o desenvolvimento da indústria nacional
de defesa. (...)
6. OBJETIVOS NACIONAIS DE DEFESA
IX – desenvolver a indústria nacional de defesa, orientada para a obtenção
da autonomia em tecnologias indispensáveis. (...)
7. ORIENTAÇÕES
7.7 Os setores governamental, industrial e acadêmico, voltados para a
produção científico tecnológica e para a inovação, deve contribuir para
63
IMAI, Alvaro Koji p. 41.
67
assegurar que o atendimento às necessidades de produtos de defesa seja
apoiadas em tecnologia sob domínio nacional obtidas mediante estímulo e
fomento dos setores industrial e acadêmico. A capacitação da indústria
nacional de defesa, incluindo o domínio de tecnologias de uso dual é
fundamental para alcançar o abastecimento de produtos de defesa. (...) (Grifo
nosso).64
Para responder às ambições da PND, em 19 de julho de 2005, foi criada a
Política Nacional da Indústria de Defesa (PNID), por meio da Portaria Normativa nº
899/MD, que foi complementada pelas Ações Estratégicas, na Portaria Normativa nº
586/MD, de 24 de abril de 2006, que concorre com sete objetivos:
I – Conscientização da sociedade em geral quanto à necessidade de o País
dispor de uma forte BID;
II – Diminuição progressiva da dependência externa em produtos estratégicos
de defesa, desenvolvendo-os e produzindo-os internamente;
III – Redução da carga tributária incidente sobre a BID, com especial atenção
às distorções com relação aos produtos importados;
IV – Ampliação da capacidade de aquisição de produtos de defesa da
indústria nacional pelas Forças Armadas;
V – Melhoria da qualidade tecnológica dos produtos estratégicos de defesa;
VI – Aumento da competitividade da BID brasileira para expandir as
exportações;
VII – Melhoria da capacidade de mobilização industrial na BID.
Segundo Imai65, o estabelecimento da Política Nacional da Indústria de Defesa
com ênfase na conscientização da sociedade, na diminuição da dependência externa,
incentivos tributários, incentivos à utilização de produtos nacionais pelas Forças
Armadas desenvolvimento tecnológico e a exportação de produtos de defesa, pouco
contribuiu para que essas ações fossem implementadas.
No entanto, o que mais causou impacto foi a Estratégia Nacional de Defesa
(END), focando um cenário mundial onde o Brasil ocuparia um novo papel de
relevância, devido à sua estabilidade política e econômica, conquistada na década de
1990. A END foca em objetivos de médio e longo prazo para modernizar a estrutura
nacional de defesa. A END cita a indústria nacional de defesa nos seguintes termos:
64
65
Disponível em www.defesa.gov.br/arquivos/2012/mes07/pnd.pdf
IMAI, Alvaro Koji p. 42.
68
INDÚSTRIA DE MATERIAL DE DEFESA
Tal programa tem por objetivo “recuperar e incentivar o crescimento da base
industrial instalada, ampliando o fornecimento para as Forças Armadas
brasileiras e exportações”. Estabelece quatro desafios para a consecução
dos objetivos:
- aumentar os investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação;
- promover isonomia tributário com produtos/materiais importados;
- expandir a participação nos mercados internos e externos, e
- fortalecer a cadeia de fornecedores no Brasil66.
Outro avanço importante para o crescimento do setor foi a promulgação da Lei
nº 12.598, de 21 de março de 2012, que cria as Empresa Estratégica de Defesa, que
devem ter suas sedes no país e devem ter a finalidade de atuar em algum dos ramos
que foram definidas pelo MD como pertencentes à BID, assegurar que grupos
estrangeiros não tenham mais de 2/3 dos votos como acionistas da empresa e
assegurar a continuidade produtiva no país. Tais empresas serão beneficiadas pelo
Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa (RETID), contando com
desoneração sobre o valor da venda de seus produtos, incentivando, deste modo, a
participação de empresas nacionais no setor de defesa.
Com todas essas medidas o governo federal busca fomentar a BID, com uma
maior integração entre os setores civis e militares. O maior interesse das indústrias
civis é um dos fatores que diferenciam esta nova fase de expansão da indústria de
defesa nacional. Pode ser verificado que, nas décadas de 1970 e 1980, apenas os
militares mostraram interessados em desenvolver uma cultura de Pesquisa,
Desenvolvimento & Inovação (P, D & I) para o setor de defesa.
Prova do fenômeno da participação daí iniciativa privada é a criação de várias
associações que reúnem várias empresas do setor de defesa, como a Associação
Brasileira de Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE), a Associação
de Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB), Sindica Nacional da Indústria do Material
de Defesa (SIMDE), o Departamento da Indústria de Defesa e Segurança
(COMDEFESA) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), o
Fórum Empresarial de Defesa e Segurança da Federação das Indústrias do Estado
do Rio de Janeiro (FIRJAN) e o Fórum de Fabricantes de Material de Defesa da
Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERSG), demonstrando
66
Disponível em www.defesa.gov.br/arquivos/2012/mes07/end.pdf
69
o interesse do empresariado brasileiro pelo setor de defesa depois de o governo criar
condições de crescimento.
Desse modo, o Brasil vem seguindo a regra que rege a maioria dos mercados
de material de defesa no mundo, principalmente nos países que tem uma indústria de
defesa forte e com capacidade de atender às suas Forças Armadas. De acordo com
a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) o mercado internacional de
defesa se comporta de maneira protecionista:
(...) as grandes e médias potências (...) têm a demanda das suas Forças
Armadas atendida prioritariamente pela produção local. (...) existem
restrições não apenas às importações de produtos Estratégicos de Defesa,
com também à sua produção local por subsidiárias estrangeiras, havendo um
incentivo, claro ou velado, ao fortalecimento das empresas nacionais 67.
Para comprovar este cenário vide o fato do ocorreu recentemente, em 2013,
quando o governo dos EUA sofreu pressão da empresa Beechcraft para que não
comprasse 50 aviões Super Tucanos da Embraer no valor de cerca de US$ 400
milhões, mesmo estes sendo feito sob licença pela empresa norte-americana Sierra
Nevada Corporation (SNC) no território dos EUA, deste modo dando preferência ao
produto da primeira.
As políticas criadas pelo governo federal a partir da década de 2000 foram
importantes para o incentivo do renascimento da nova fase da BID brasileira, no
entanto, não foram tudo. No que tange a economia o início do século XXI trouxe um
grande crescimento econômico para o Brasil, principalmente devido aos lucros obtidos
pelas exportações de commodities agrícolas e minerais, que estavam bastante
valorizadas no mercado internacional, devido ao grande consumo do mercado chinês.
Este fato aumentou a capacidade do estado de investir, inclusive no campo da defesa.
67
Trecho retirado do documento Diagnóstico Base Industrial de Defesa Brasileira, da ABDI, de março
de 2011. p. 8.
70
Gráfico 6 - Orçamento do Ministério da Defesa 2003 - 2012 (em R$ milhões de
2012)68
ORÇAMENTO DO MD
80.000
67.753
70.000
60.000
50.000
43.336
43.874
2003
2004
47.877
54.582
50.772
66.379
64.488
61.324
52.005
40.000
30.000
20.000
10.000
0
Pessoal
2005
2006
Investimento
2007
2008
2009
Custeio
2010
2011
1012
Orçamento Total
Fonte: Filho, Barros, de Castro, Fonseca e Gornsztejn 69
Segundo o diagnóstico da ABDI, entre 2006 e 2009 o orçamento do MD foi
somente inferior aos orçamentos dos Ministérios da Previdência Social e Saúde 70.
Esta grande disponibilidade de recursos também possibilitou o incentivo do
crescimento do setor industrial de defesa, pois permitiu que as Forças Armadas
implementassem vários projetos a muito engavetados ou atrasados devido à falta de
recursos. Entretanto, nem todo o orçamento do Ministério da Defesa é destinado ao
investimento na aquisição de produtos estratégicos, sendo a maior parte destinado a
despesa com pagamento de pessoal que soma cerca de 80% dos recursos. O gráfico
6 demonstra o crescimento do orçamento do MD nos últimos anos, bem como a
destinação das verbas entre pessoal, custeio e investimento. Já no que tange ao
investimento o quadro 7 sinaliza um grande aumento de investimento por parte do MD
a partir do ano de 2006.
68
Os valores de pessoal, custeio e investimentos são aproximados.
FILHO, Sérgio Leite Schmitt Correa; BARROS, Daniel Chiari; DE CASTRO, Bernard Hauch Ribeiro;
FONSECA, Paulus Vinícius da Rocha; GORNSZTEJN, Jaime. Panorama sobra a indústria de defesa
e
segurança
no
Brasil.
Defesa
Setorial
38.
(Disponível
em
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bn
set/set3810.pdf)
70 Trecho retirado do documento Diagnóstico Base Industrial de Defesa Brasileira, da ABDI, de março
de 2011. p. 11.
69
71
Gráfico 7 – Investimento em reaparelhamento do MD
Reaparelhamento
12.000
10.034
9.342
10.000
8.000
6.000
5.747
4.156
4.000
2.524
2.406
2.000
6.812
3.628
2.286
1.484
0
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
1012
Fonte: Fonte: Filho, Barros, de Castro, Fonseca e Gornsztejn.
Com o crescimento de seu orçamento, uma maior aplicação de recursos em
investimento e com o aumento continuo de investimentos foi possível ao governo
federal, por meio do Ministério da Defesa, implementar o Plano de Articulação e
Equipamento da Defesa (PAED) que visa a recuperação da capacidade operacional;
pesquisa, desenvolvimento e ensino; transferência de tecnologia e aquisição de
equipamentos de defesa. Seus planos preveem investimento de médio e longo prazo
até a década de 2030. O PAED está assim dividido de acordo com cada Força
Singular, conforme o Quadro 4:
Projetos da Marinha
Período
Valor total do Projeto
em R$ milhões
1. Recuperação da Capacidade Operacional
2009-2025
5.372,30
2. Programa Nuclear da Marinha
1979-2031
4.199,00
3. Núcleo de Poder Naval
2009-2047
175.225,50
4. SisGAAz¹
2013-2031
12.095,60
2013-2031
9.141,50
6. Segurança da Navegação
2012-2031
632,50
7. Pessoal
2010-2031
5.015,60
5. Complexo Naval 2ª Esquadra/ 2ª Força de
Fuzileiros da Esquadra
Subtotal Projetos da Marinha
211.682,00
72
Projetos do Exército
Período
Valor total do Projeto
em R$ milhões
1. Recuperação da Capacidade Operacional
2012-2022
11.426,80
2. Defesa Cibernética
2011-2035
839,9
3. Guarani
2011-2035
20.855,70
4. SISFRON
2011-2035
11.991,00
5. PROTEGER
2011-2035
13.230,60
6. Defesa antiaérea
2010-2023
859,40
7. Astros 2020
2012-2023
1.146,00
Subtotal Projetos do Exército
60.349,40
Projetos da FAB
Período
Valor total do Projeto
em R$ milhões
1. Gestão Organizacional e Operacional
2010-2030
5.689,00
2. Recuperação da Capacidade Operacional
2009-2019
5.546,10
3. Controle do Espaço Aéreo
2008-2030
938,4
4. Capacitação Operacional da FAB
2009-2033
55.121,00
5. Capacitação científico-tecnológica
2008-2033
49.923,00
6. Indústria Aeroespacial e Defesa
2015-2030
Definido Pnae
8. Apoio a Pessoal
2010-2030
Subtotal FAB
352,00
117.569,50
Projetos do MD
Período
Valor total do Projeto
em R$ milhões
1. SISCOMIS
2004-2031
369,00
2. SISTED
2004-2031
217,40
3. SISLOGD
2012-2023
3.500,00
4. Sistema Proteção da Amazônia - Modernização
2012-2023
1.004,50
Subtotal MD
Total
5.090,90
394.691,80
Quadro 4 – Investimento no Paed
Fonte: Filho, Barros, de Castro, Fonseca e Gornsztejn 71
Devido à legislação implementada pelo governo para o fomento das indústrias
de defesa e aos recursos investidos no reaparelhamento das Forças Armadas, há
início no Brasil o processo de fusões ocorridos em outros países ainda na década de
1990 e, além disso, surgem novas empresas nacionais para atuar no setor e a entrada
71
FILHO, Sérgio Leite Schmitt Correa; BARROS, Daniel Chiari; DE CASTRO, Bernard Hauch Ribeiro;
FONSECA, Paulus Vinícius da Rocha; GORNSZTEJN, Jaime. Panorama sobra a indústria de defesa
e segurança no Brasil. p. 397.
73
de algumas multinacionais no mercado, por meio de compras de empresas brasileiras
menores ou de acordos com outras, visando ter acesso à tributação especial oferecida
às empresas consideradas estratégicas de defesa, conforme previsto no RETID. O
BNDES, em seu Panorama sobre a indústria de defesa e segurança no Brasil,
apresenta as principais industrias que hoje compõe a nossa base industrial de defesa,
demostrando deste modo o grande implemento que o setor sofreu nesta última
década. Empresas que antes atuavam em setores distantes do setor de defesa estão
buscando fazer parte deste promissor mercado, como por exemplo a Odebrecht.
Controle do
Empresa
–
Imbel
Indústria
de
Material Bélico
–
Estatal
Nacional
Forjas Taurus S.A.
CBC
Companhia
metralhadoras)
Privado
Fabricação de munições leves e de canhões leves, como de 20mm e 30 mm
Privado
Projeto e fabricação de armas e equipamentos não letais
Nacional
Fábrica Almirante Jurandyr
da
para o Exército Brasileiros
Nacional
Nacional
Química
e civil, munições pesadas (granadas para morteiros, canhões e propelentes)
Projeto e fabricação de armas leves (pistolas, revólveres, carabinas e
Condor
Indústria
Projeto e fabricação de aramas leves (pistolas e fuzis), explosivos de uso militar
Privado
Brasileira de Cartuchos
S.A.
Principais produtos e atividades
capital
Costa
Muller
de
Campos (FAJCMC)
Estatal
Fabricação de munição pesada para a Marinha do Brasil
Nacional
Projeto e fabricação de sistemas de artilharia e de foguetes ar-terra de 37 mm
Avibras
Industria
Aeroespacial S.A.
Privado
Nacional
e 70 mm; fabricação de propelentes para mísseis e foguetes e de explosivos de
uso militar e civil; desenvolvimento de sistemas de propulsão e de estruturas
aerodinâmicas para mísseis; industrialização e integração de mísseis e
foguetes; desenvolvimento de VANT (Veículo Aéreo Não Tripulado)
Projeto de mísseis ar-ar, ar-superfície e superfície-superfície, desenvolvimento
Mectron
Engenharia,
Privado
Indústria e Comércio Ltda.
Nacional
de sistemas de guiagem de mísseis, de equipamentos e sistemas aviônicos
para aeronaves militares, e de equipamentos e sistemas para o Programa
Espacial Brasileiro. Desenvolvimento de radar de vigilância aéreo de baixa
altitude e serviço de geração de imagem por radar.
Ominisys Engenharia Ltda.
Tecnologia S.A.
Embraer S.A.
Fabricação de radares de vigilância, de defesa aérea, tráfego aéreo e
meteorológico
Projeto e fabricação de radares meteorológicos
Nacional
Privado
AEL Sistemas S.A.
Negócios
Estrangeiro
Privado
Atmos Sistema Ltda.
Atech
Privado
Fabricação local de sistemas aviônicos embarcados em aeronaves militares
Estrangeiro
em
Privado
Nacional
Desenvolvimento de sistemas integrados de vigilância, eletrônica e inteligência;
desenvolvimento de sistemas de controle de armas de embarcações e de
aeronaves; desenvolvimento de simuladores de operações militares.
Privado
Projeto e fabricação de aeronaves leves de ataque/treinamento militar, de
Nacional
aeronaves de vigilância; desenvolvimento de aeronaves de transporte de
74
Controle do
Empresa
Principais produtos e atividades
capital
carga/tropa e reabastecimento em voo; desenvolvimento de sistemas de
comunicação entre aeronaves e comandos em terra; manutenção aeronáutica
e suporte logístico; modernização de aeronaves militares usadas; formação de
joint venture com a Elbit no seguimento de VANT’s; atuação no setor de radares
e de sistemas de controle de armas. Aquisição de 90% da divisão de radares
da Orbsat e 50% da Atech
Participação no Consórcio Baía de sepetiba, juntamente com a empresa
Odebrecht
Defesa
e
Tecnologia
Privado
Nacional
francesa DCNS, para construção de quatro submarinos convencionais da
classe Scorpène e da parte não nuclear do submarino nuclear brasileiro;
construção de estaleiro para a fabricação de submarinos, aquisição do controle
da Mectron.
Arsenal de Marinha do Rio
de Janeiro
Estatal
Construção de embarcações militares diversas
Nacional
Gerenciamento de projetos da Marinha do Brasil; comercialização de produtos
Empresa
Gerencial
de
Projetos Navais
Estatal
e serviços disponibilizados pelo segmento naval da indústria nacional de
Nacional
defesa, incluindo embarcações militares, reparos navais, sistemas de combate
embarcados, munição de artilharia, serviços oceanográficos e apoio logístico.
Inace – Indústria Naval do
Privada
Ceará S.A.
Nacional
Eisa – Estaleiro Ilha S.A.
Privado
Construção de embarcações de patrulha para a Marinha do Brasil
Estrangeiro
Privado
Santos Lab
Construção de embarcações de patrulha para a Marinha do Brasil
Fabricação de mini-VANT’s e alvos aéreos
Nacional
Flight Technologies
Opto Eletrônica
Privado
Fabricação de mini-VANT’s e de sistemas aviônicos integrados embacados em
Nacional
aeronaves civis e militares
Privado
Sistemas ópticos para mísseis e satélites
Nacional
Privado
Helibras
Estrangeiro
Privado
Agrale S.A.
Fabricação de helicópteros de pequeno e médio porte; manutenção, reparo e
modernização de helicópteros usados militares e civis
Projeto e fabricação de veículos utilitários leves militares e civis
Nacional
Iveco Latin America Ltda.
INB – Indústrias Nucleares
do Brasil
Privado
Desenvolvimento e fabricação de Veículo Blindado de Transporte de Pessoal
Estrangeiro
Estatal
Nacional
Fornecimento do combustível nuclear para o Laboratório de Geração NúcleoElétrica da Marinha do Brasil (Labgene)
Outros fornecedores de
Fornecimento de produtos químicos, alumínio, forjados, aços, estruturas
produtos e serviços para o
metálicas, equipamentos pesados, motores e serviços de engenharia,
setor
nuclear:
Nitroquímica,
Alcoa,
respectivamente.
Diversos
Sactres, Villares Metals,
Nuclep,
Jaraguá,
Weg,
Genpro.
Quadro 5 – Empresas da Base Industrial de Defesa Brasileira
Fonte: Filho, Barros, de Castro, Fonseca e Gornsztejn 72
72
Idem. p. 384.
75
Outro ponto que pode ser verificado é a presença de empresas ligadas às
Forças Armadas, como a Imbel e o AMRJ. Porém, em relação às décadas de 1970 e
1980, houve um grande aumento do número de empresas privadas ligadas ao setor
de defesa, bem como outras empresas fornecedoras de insumos e não fabricantes de
material bélico. A tendência de junção entre empresas é um outro fenômeno a ser
constatado, servindo como exemplos a Embraer e a Odebrecht.
Com o panorama geral apresentado anteriormente, será abordado os principais
projetos em andamento na nossa Base Industrial de Defesa, divididos entre as três
forças singulares.
2.3.1 Exército
Os projetos do Paed para o Exército Brasileiro têm contribuído para a ascensão
da indústria nacional de defesa a um novo patamar, resgatando, inclusive, tecnologias
outrora dominadas pelo nosso parque industrial, como a construção de blindado sobre
rodas, bem como a entrada em setores mais complexos, como por exemplo a
produção dos sistemas integrantes da rede de vigilância de nossas fronteiras.
O Guarani, como o projeto que deu origem à família de blindados Cascavel e
Urutu, também teve parte das pesquisas realizadas no seio do Exército Brasileiro, por
meio de seu Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação, buscando modernizar as
Unidades de cavalaria mecanizada e transformas os batalhões de infantaria
motorizada em mecanizada, dotando, deste modo, o EB de novas e modernas
capacidades.
Embora o Exército detenha a patente do desenvolvimento do projeto e possa
usufruir dos recursos advindos das possíveis vendas para o exterior, o projeto,
diferente dos EE-9 e EE-11 da Engesa, foram projetadas de forma conjunta com a
Iveco Defense Brasil e serão construídos por esta multinacional, que é uma subsidiária
do grupo Fiat. Deste modo constatamos que, depois do declínio da nossa indústria de
defesa na década de 1990, o Brasil ainda não foi capaz de recuperar totalmente a
estratégica capacidade de projetar e construir blindados sobre rodas somente com os
meios nacionais, deixando o país dependente da vontade de empresas
multinacionais. Embora todo maquinário seja de propriedade do Exército, o know how
da fabricação, ou seja, a capacidade de desenvolver mão de obra especializada ainda
não foi recuperada, deixando grave lacuna neste setor de suma importância para a
76
defesa nacional, além disso, este fato mostra que o país está mais longe do que
esteve a vinte anos atrás de produzir um MBT genuinamente nacional.
Os engenheiros brasileiros participaram no trabalho gestação do projeto que
tem origem nos carros italianos de nome SUERAV, com modelos dotados de tração
8X8 e 6X6, que, após as modificações, deram origem ao Guarani. Uma das
modificações foi a substituição de uma estrutura monobloco por uma de chassi
deixando o carro mais alto, embora este sistema tenha vantagens por aumentar a
distância do solo e, consequentemente, aumentar os ângulos de entrada e saída da
viatura e sua capacidade fora de estrada, devemos considerar que esta mesma
solução aumenta o centro de gravidade, a silhueta do veículo e pode, dependendo da
torre adotada, gerar problemas no embarque da viatura em aeronaves, podendo deste
modo afastar alguns potenciais compradores.
Figura 44 - o Iveco SUPERAV 8X8
Fonte: militaryphotos.net
Figura 45 - o Guarani 6X673
Fonte: militaryphotos.net
Da esquerda para a direita: e. Notar a grande semelhança entre os projetos, demonstrando que o
Guarani possui o DNA do projeto da Iveco. (Fonte: militaryphotos.net)
Bastos74 resume bem em seu trabalho a problemática do desenvolvimento e
produção do Guarani em uma ação conjunta entre o Exército e a Iveco:
O projeto é muito interessante, mas vejo com preocupação como será esta
tão propalada transferência de tecnologia, até porque no contrato o Exército
é dono do projeto. Mas até que ponto teremos capacidade de absorvê-la,
recursos para mantê-la e qual será o grau de dependência em relação a seus
73
Notar a grande semelhança entre os projetos, demonstrando que o Guarani herdou parte de DNA
da Iveco.
74 BASTOS, Expedito Carlos Stephani. Iveco SUPERAV 8X8 e Guarani 6X6: dois projetos italianos.
(Disponível em www.defesa.ufjf.br)
77
componentes, visto que a maioria é de fora, e como será por exemplo a
manutenção, até que nível, isso sem falar em outros itens vitais que compõe
um veículo tão complexo como este e com longa duração de uso, visto que
nossa experiência se resume aos que aqui foram localmente projetados nas
décadas de 1970 e 1980 e que ainda permanecerão em uso por muitos anos,
em razão de ser um projeto nacional do qual dominamos praticamente 100%
muito embora sejam de uma geração muito aquém deste, mas é a nossa
realidade.
Em contrapartida o Exército declara que projeto pode chegar a um nível de
nacionalização bem alto, contribuindo com o desenvolvimento da nossa indústria
nacional de defesa.
Com previsão de índice de nacionalização de 90%, dualidade de emprego e
modernas características técnicas (...) possibilitará a realização de operações
conjuntas e interagências em melhores condições 75.
O EB também argumenta que o projeto trará novos empregos diretos e
indiretos, aumento da pauta de exportações e elevação a capacidade da indústria
nacional.
Entretanto, a argumentação de Bastos tem de ser elevada em conta, pois a
transferência de tecnologia neste setor é incerta e pode tornar o Brasil um simples
montador de veículos blindados, ocasionando, deste modo, a completa perda da
capacidade de produção de veículos 100% nacionais, gerando um grande aumento
nos custos de manutenção. O aceno com a possibilidade de um produto com cerca
de 90% de conteúdo nacional não possibilitará o Brasil ser um grande player no
complexo mercado internacional de defesa, pois o que mais gera lucros é o
desenvolvimento de tecnologias e produtos, ou seja, devemos tomar cuidado em
garantir que a indústria de defesa nacional absorva estes conhecimentos e invista em
capacidades que desenvolvam produtos genuinamente nacionais.
Cabe ressaltar que o Guarani pode ter sucesso no mercado internacional,
projetando o Brasil novamente no mercado de blindados sobre rodas. A Argentina
75
Centro de Comunicação Social do Exército. Guarani. Revista Verde Oliva, Ano XL, Nº 217Especial, Novembro de 2012. p. 37.
78
provavelmente será o primeiro comprador internacional, devendo receber cerca de 14
blindados.
Segundo Godoy76, no jornal Estado de São Paulo, há uma demanda reprimida
por este tipo de blindado no mercado internacional, sendo que até o ano de 2022 os
compradores consumirão cerca de 20 mil unidades de carros de combate desta
classe, perfazendo um total de US$ 30 bilhões.
Outro importante projeto é o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras
(SISFRON). O SISFRON visa o aumento da presença do Estado na faixa de fronteira
utilizando meios eletrônicos para o monitoramento desta região. Além disso, visa
impulsionar a capacitação da indústria nacional de defesa para a conquista de
autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa nacional. O sistema compreende
um conjunto de subsistemas: de sensoriamento, de apoio a decisão, de tecnologia de
informação e comunicações, de segurança de informação, de simulação e
capacitação e de logística, demandando equipamentos de alta tecnologia para equipar
toda a rede.
O Exército entregou a implementação da primeira fase do projeto a um
consórcio formado por empresas nacionais: a TEPRO. Este consórcio é formado pelas
empresas SAVIS e Orbisat, ambas controladas pela Embraer Defesa e Segurança,
Entretanto, ainda há a necessidade por parte destas empresas o desenvolvimento,
em curto prazo, da capacidade de desenvolvimento de toda a tecnologia empregada
no sistema.
A compra de material no exterior para a montagem de equipamentos para a
implementação do SISFRON é demonstrado no relato de Padilha77:
Subsidiária brasileira da Elbit Systems, a AEL Internacional, irá fornecer
sistemas de observação electro-optica (EO) para SAVIS como parte da
primeira fase do Sistema Brasileiro de multi-ano Sisfron Integrated Border
monitoramento.
A SAVIS atua na área de monitoramento de fronteiras e proteção de estruturas
estratégicas, desenvolvendo, planejando, certificando, industrializando, integra e
76
GODOY, Roberto. Sucessor do Urutu blindado Guarani chega o Exército. O Estado de São Paulo,
24 de março de 2014. Disponível em: (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,sucessor-dourutu-blindado-guarani-chega-ao-exercito,1144387,0.htm)
77 PADILHA, Luiz. Elbit Systems Brasil ganha contrato sistema EO. Defesa Aérea e Naval (Disponível
em: http://www.defesaaereanaval.com.br/?p=18757)
79
implanta sistemas e serviços. Já a Orbisat é especialista em equipamentos de
sensoriamento remoto e radares.
Mesmo não tendo ainda tecnologia 100% nacional, o Sisfron se caracteriza
como um importante projeto para que a indústria de defesa nacional crie capacidade
de atuar em uma área que, mesmo antes do declínio de nossa base de defesa, era
pouco desenvolvida, proporcionando, deste modo, que o Brasil entre em um mercado
de alta tecnologia de defesa.
No que tange ao projeto Astros 2020, pode ser dito que se baseia em um
conceito para dotar o Exército de poder de dissuasão extra regional, devendo equipar
a Força Terrestre com um sistema de apoio de fogo de grande alcance e elevada
precisão. Este intento será alcançado com a criação de novas baterias de Astros
equipados com novos veículos e com desenvolvimento de foguetes guiados, o SS-AV
40, e do novíssimo míssil de cruzeiro, o AV-TM 300, que poderá ser disparado pela
mesma plataforma. Todas estas inovações serão desenvolvidas e implementadas
pela empresa Avibras, dotando o EB de um equipamento genuinamente nacional, bem
como criando as condições para que o Brasil ingresse no pequeno grupo de países
capazes de projetar e construir mísseis de cruzeiro.
Figura 46 - o esboço do míssil AV-TM 300 e do foguete guiado SS-AV 40
Fonte: desfesabrasil.com
Cabe ressaltar que todo o projeto do míssil é brasileiro, sendo desenvolvido
pelo CTEx e a Avibras, destacando o desenvolvimento do motor e do sistema de
guiamento inercial que tem a possibilidade de utilizar os sistemas globais de
posicionamento norte-americano, europeu e russo, dando a este novo armamento
uma grande precisão. O alcance do míssil é de 300 km e foi determinado devido ao
80
fato do Brasil ser signatário do Regime de Controle de Tecnologia de Misseis (MTCR),
que pretende conter a construção destes artefatos com alcance superior a 300 km.
Este projeto tem possibilidades de ser um grande indutor de desenvolvimento
de projetos na área de guiamento e de pequenos propulsores a jato, devido ao fato
dos países possuidores de capacidade de produzir mísseis não admitirem a cessão
de tecnologia para outros Estados, forçando deste modo o Brasil a pesquisar e
desenvolver suas próprias soluções para o projeto, dotando, deste modo, a BID
brasileira de uma importante capacidade estratégica.
Figura 47 - maquete do míssil de cruzeiro AV-TM 300
Fonte: defesanet.com.br
Além disso, este projeto serviu para injetar novo capital na empresa Avibras
retirando a empresa de uma embaraçosa situação financeira. O fechamento desta
empresa ou sua retirado do mercado de defesas significaria um abalo tão grande
quanto a falência da Engesa, já que a mesma possui uma grande experiência na
construção de foguetes e plataformas de lançamento.
No que ser refere ao campo de mísseis cabe destacar que o Exército já
começou a receber o míssil anticarro MS 1.2 AC da Mectron, que foi desenvolvido em
parceria com o CTEx, sendo inclusive escolhido pela Marinha para equipar o Corpo
de Fuzileiros Navais. O míssil tem guiamento por laser, como a maioria dos misseis
de última geração destinados a este emprego no mercado internacional.
No campo dos radares o país vem apresentando um desenvolvimento
satisfatório de projetos. Os trabalhos da Orbsat juntamente com o Centro Tecnológico
foram coroados de êxito ao ter como resultado um radar compacto e versátil,
81
destinado a uso militar e controle de tráfego aéreo, o Saber X 60. O projeto contou
com o investimento de cerca de R$ 22 milhões e hoje já se encontra em operação.
Atualmente, o CTEx faz pesquisas para o desenvolvimento de um radar de maior porte
e maior alcance, utilizando o saber como ponto de partida, este radar deverá ser
transportado por um caminhão.
Figura 48 - simulador MSS 1.2 AC
Fonte: CTEx
Figura 49 - teste do MSS 1.2 AC
Fonte: CTEx
Outro sucesso do CTEx foi o desenvolvimento, em conjunto com a Petrobras,
de um método de produção de fibra de carbono utilizando como matéria prima os
rejeitos resultantes do refino do petróleo. O resultado do trabalho é de uso dual, pois
é possível a utilização da fibra de carbono na indústria civil, bem como para a
fabricação de blindagens compostas para carros de combate, colocando o Centro de
Tecnologia do Exército como um importante polo de pesquisa.
2.3.2 Marinha
O programa de construção dos submarinos convencionais e o nuclear, o
PROSUB, é o mais importante projeto da Marinha e visa dotar a Esquadra de um
grande poder de dissuasão. O objetivo é a proteção da Amazônia Azul, assim
denominada, pela Marinha, a faixa de oceano onde está localizada a Zona Econômica
Exclusiva (ZEE) do Brasil, rica em petróleo e gás e por onde o país realiza a maior
parte de suas trocas comerciais.
A Odebrecht é a empresa brasileira que participa juntamente com a Marinha
desta empreitada, ficando responsável, juntamente com a empresa estatal francesa
DCNS (Direction des Constructions Navales et Services), pela construção dos cascos
dos submersíveis. Para isso foi formada uma joint venture, a Itaguaí Construções
Navais. Desde o início do projeto há a previsão da transferência de tecnologia no
82
campo da construção de cascos, que terá como ponto de partida os submarinos da
Classe francesa Scorpène, no entanto, as versões brasileiras serão um pouco mais
longas, dando maior autonomia para a embarcação. Cabe ressaltar que o submarino
nuclear deve sofrer maiores modificações para acomodar o reator e seus sistemas.
Além disso, o projeto prevê a construção de uma infraestrutura para fabricação,
manutenção e operação da futura esquadra de submarinos, com uma Unidade de
Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM), uma Base Naval e um estaleiro. A
previsão é que o consórcio fabrique quatro submarinos convencionais e um nuclear
até o ano de 2023.
Figura 50 – base naval e estaleiro
Fonte: revistadefesanacional.com.br
Figura 51 – seção central do novo submarino
Fonte: jornalggn.com.br
A parte de propulsão, que visa a construção de um reator nuclear
genuinamente brasileiro, é desenvolvida exclusivamente pela Marinha, havendo
apenas o fornecimento de peças pelas empresas brasileiras. O Laboratório de
Geração Nucleoelétrica (Labgen) foi montado no complexo militar de Aramar. O reator
será de uso dual e mais moderno do que os utilizados atualmente no país, podendo
fazer uso de combustível com nível menor de enriquecimento. Após concluído o
desenvolvimento do reator, o Brasil irá se incluir no restrito grupo de nações que tem
a tecnologia e o conhecimento necessário para projetar e construir reatores nucleares
(China, Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia), alcançando um grande grau de
independência no setor nuclear, bem como a propriedade de um produto com grande
valor agregado no mercado internacional de geração de energia.
No entanto, alguns estudiosos ainda sustentam um sentimento de ceticismo
quanto ao verdadeiro poder de dissuasão proporcionada pelo submarino versus o
gasto para a sua construção e operação, defendendo inclusive o uso exclusivo de
83
submarinos convencionais diesel-elétricos ou equipados com os novos sistemas de
propulsão independentes da atmosfera (AIP), segundo Gomes Paula 78:
O projeto em Aramar deve sem sombra de dúvidas continuar e concluir o
LabGene (Laboratório de Geração Núcleo-Elétrica) se mostra fundamental
para tal propósito, mas seu objetivo deveria ser outro: a construção de
centrais núcleo-elétricas baseadas no desenvolvimento do próprio LabGene.
(...) Há que pensar se teremos futuramente recursos para construir e manter
uma frota de submarinos nucleares.
No entanto, de acordo com o Capitão de Mar e Guerra André Luiz Ferreira
Marques79, coordenador do Programa de Propulsão Nuclear da Marinha, em
entrevista para a Agência Brasil, em 2010, o projeto do reator terá uso dual:
As próximas usinas nucleares usarão tecnologia brasileira, se não em tudo,
em uma graduação, chegando futuramente a 100%. O Labgene é o
preâmbulo
das
futuras
usinas
nacionais.
Nós
desenvolvemos
os
fornecedores, que já estão acostumados com as normas técnicas, os
cuidados e as inspeções de controle de qualidade, para fazer equipamentos
maiores”.
Diante destas citações a conclusão é que o programa do submarino nuclear
brasileiro é sim de grande importância, não só devido ao seu uso dual, visando
inclusive projetos de usinas para geração de energia, que faz cair por terra a
observação de Gomes Paula, mas porque deve ser focado mais no seu poder de
dissuasão do que nos seus custos, afinal o Brasil não pode ceder a possibilidade de
ter um maior poder de dissuasão para defender ossos interesses no cenário
internacional.
Ainda dentro do Programa de Reaparelhamento da Marinha, pode ser
destacado o PROSUPER (Programa de Obtenção de Meios de Superfície), que prevê
a construção, inicialmente, de 5 navios patrulhas de 1800 toneladas, 5 fragatas de
6000 toneladas e 1 navio de apoio logístico de 20000 toneladas, no entanto, a Marinha
78
GOMES PAULA, Victor Magno. Submarinos no Brasil: algumas ponderações. Universidade Federal
de Juiz de Fora – Juiz de Fora, MG (Disponível em: www.defesa.ufjf.br)
79 PLATONOW, Vladimir. Reator de submarino nuclear fica pronto em 2014 e será modelo para usinas.
Agência Estado, 23/05/2010. Disponível em: www. memoria.ebc.com.br/agenciabrasil /noticia/2010-0523/reator-de-submarino-nuclear-fica-pronto-em-2014-e-sera-modelo-para-usinas).
84
ainda busca, junto ao governo, garantir os recursos necessários para a consecução
do programa. Os estaleiros participantes são estrangeiros, porém há a previsão de
transferência de tecnologia e de que todas as unidades serão fabricadas em território
nacional. A longo prazo a Marinha ainda prevê a aquisição de dois navios aeródromos
de 50000 toneladas.
A Marinha busca, junto ao governo federal, recursos para a reativação da
construção das corvetas da Classe Barroso, já que o projeto de evolução da Classe
Inhaúma se mostrou um sucesso, tornando uma classe de corveta bastante eficiente.
Vale lembrar que a Classe teve apenas uma unidade construída, o Barroso, sendo
incorporado em 2008. O projeto prevê a colocação do Barroso no estado da arte e a
construção de mais quatro navios irmãos para compor a Esquadra, tendo sua
montagem realizada no país.
Figura 52 - lançamento de um Exocet
Fonte: defesanet.com.br
Figura 53 - míssil antinavio Man Sup
Fonte: defesanet.com.br
No campo dos mísseis, a Marinha entregou a incumbência de modernizar seus
mísseis MM-40 Exocet para as empresas Avibras e Mectron, que tiverem grande
sucesso nos trabalhos, abrindo para as empresas brasileiras o mercado internacional
de mísseis que está avaliado em torno de meio bilhão de dólares. Além disso, as
empresas Atech, Omnisys, Avibras e Mectron estão fazendo pesquisas nesta área
para produzir o Man Sup, um míssil superfície-superfície antinavio genuinamente
brasileiro, com desempenho similar ao Exocet MM-40 Block 3, ou seja, com um
alcance aproximado de 180 km, o que significa um ótimo rendimento, já que a versão
modernizada tem o alcance de 70 km, permitindo que este produto seja bastante
competitivo no mercado internacional.
Outro programa que demonstra a participação da BID brasileira é o programa
de modernização dos aviões AF-1 Falcão (A-4KU Skyhawk II), da Marinha. O trabalho
85
foi entregue à Embraer, em 2009, que teve como missão modernizar os aviônicos,
sensores, células e 85 verall dos motores, sendo que o roll out do protótipo foi
realizado em 2013, demonstrando a capacidade de nossa indústria aeronáutica de
realizar tão importante trabalho para a manutenção do poder naval
Figura 54 - AF1-Falcão modernizado
Fonte: defesaaereaenaval.com.br
Figura 55 – fuselagem dianteira desmontada
Fonte: defesaaereaenaval.com.br
2.3.3 Força Aérea
O principal programa do Força Aérea é o que se destina a equipar a força com
o novo caça multifuncional, que irá substituir os aposentados Mirage 2000 na defesa
do espaço aéreo nacional. O programa para a modernização da frota de caças da
FAB se arrasta desde o ano de 1998 e somente após dezesseis anos foi decidido pela
compra de 36 caças suecos Saab Gripen NG. Cabe ressaltar, que o projeto ainda se
encontra no papel sendo o Brasil o primeiro cliente externo do modelo. Tal fato foi um
dos fatores determinantes, pois facilitará transferência de tecnologia para o Brasil.
Neste processo de transferência de tecnologia a Embraer atuará como a
receptora dos conhecimentos tecnológicos, já que é a empresa brasileira com maior
know how no setor aeronáutico, atuando como parceira na montagem das aeronaves
no país.
Além da Embraer, outra empresa, também com sua sede em São José dos
Campos, atuará no projeto do Gripen: a Akaer. Esta empresa será responsável pela
concepção, projeto, cálculos, engenharia de produção e produção da fuselagem
central, da fuselagem traseira e das asas, conforme figura abaixo:
86
Figura 56 - responsabilidade da Akaer no projeto do Gripen NG
Fonte: Akaer
A empresa tem grande tradição no mercado e trabalha com a Embraer desde
a década de 1990 e foi responsável por grande parte do projeto da família dos jatos
190. Além disso, ela atua juntamente com outras empresas no exterior além da Saab,
como as gigantes Boeing, Dassault e Airbus. A participação de empresas brasileiras
capazes de receber todo o cabedal de conhecimentos tecnológicos para a montagem
de um caça de alto rendimento, bem como a participação destas no desenvolvimento,
demonstra que a BID no setor aeronáutico encontra-se altamente desenvolvida, prova
disso é o sucesso no mercado externo dos aviões comerciais produzidos pela
Embraer.
Todo este conhecimento no setor, acumulado desde o fim da década de 1960,
possibilita hoje que nossa industrial aeronáutica, voltada ao setor militar, busque alçar
voos mais desafiadores. Outro grande projeto da FAB em conjunto com a Embraer é
a construção de um avião de transporte a jato de concepção totalmente nacional que,
provavelmente, realizará seu primeiro voo em 2014. O já denominado KC-390 irá
substituir os já velhos C-130 Hércules como espinha dorsal da aviação de transporte
da Força Aérea Brasileira, além de ser o maior avião a ser construído no país. Além
disso, o projeto está se configurando como um grande concorrente da mais nova
versão Hércules no mercado internacional, o C-130J; já tendo inclusive vários
interessados em sua compra do KC-390, como Argentina, Colômbia, Chile, Portugal
e República Checa. Cabe ressaltar que neste projeto a Embraer tem como parceira a
87
Boeing, garantindo, talvez, alcançar o mercado norte-americano com seu novo
produto.
Segundo Godoy80, “O tempo é outro e a influência está regida pelo mercado. O
KC-390 é uma iniciativa focada na ampla demanda internacional detectada pela
Embraer - cerca de 700 aeronaves desse tipo serão negociadas em dez anos por US$
50 bilhões”. Deste modo, o sucesso deste empreendimento garantiria a presença de
nossa BID em um importante nicho do mercado internacional de produtos de defesa,
pois a Embraer atua como um grande polo fomentador de outras indústrias do setor
aeroespacial brasileiro, bem como um aumento significativo de divisas para o país.
No setor de mísseis, pode ser destacado o desenvolvimento do míssil A-Darter
em parceria Brasil – África do Sul, que é um armamento ar-ar com sistema de
guiamento infravermelho. As empresas empenhadas no projeto são a Denel do Brasil,
subsidiária da Denel Dynamics da África do Sul, e as brasileiras Mectron, Avibras e
Opto Eletônica. Os primeiros mísseis devem ser entregues à FAB em 2015, com a
sua fabricação em território nacional.
A Mectron também está produzindo o míssil antirradar MAR-1, para a FAB e
com compra já confirmada pelo Paquistão. A Força Aérea está investindo cerca de
160 milhões de dólares no projeto por meio do BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social) e do Finep (Financiadora de Estudos e
Projetos).
Outro setor que vem se desenvolvendo é o das bombas de aviação guiadas.
Cabe citar o projeto da Britanite e Mectron, que desenvolveram um kit para guiamento
de bombas “burras”, denominado SMKB. O sistema utilizado é o de posicionamento
global, podendo ser usado o norte americano, o russo e o europeu, dando maior
segurança nas operações, já que ainda não possuímos nosso sistema de
posicionamento. Os testes foram feitos com grande sucesso no início do ano passado,
demonstrando a grande evolução das empresas do setor.
Diante de todos os projetos mostrados em todos este capitulo, pode ser
concluído que a participação do setor civil na construção de produtos de defesa
aumentou muito em relação às décadas de 1970 e 1980. Hoje são encontrados no no
mercado nomes de empresas como Mectron, Embraer, Odebrecht, Britanite, Orbisat,
Avibras, Atech, Agrale, entre outras.
80
GODOY, Roberto. Cargueiro da Embraer voa em 2014. Estadão, de 24/11/2013. (Disponível em:
estadão.com.br).
88
Parte importante deste novo impulso da nossa Base Industrial de Defesa foi
graças ás novas políticas e normas baixadas pelo governo, bem como a garantia de
recursos para que as empresas tocassem a produção dos equipamentos e
armamentos com a certeza que não ocorreria interrupções ou cancelamentos dos
projetos, já que o governo tem interesse na geração de empregos e no aumento de
divisas com a venda destes produtos no exterior.
No entanto, ainda é importante a participação das Forças Armadas como
indutoras de projetos de pesquisa e desenvolvimento na área de defesa. A Força
Aérea e o Exército ainda mantêm seus centros de excelência em formação de mão
de obra qualificada, ITA e IME, bem como a Marinha mantem seu Centro Tecnológico
em São Paulo, que hoje é responsável pelo importante projeto de desenvolvimento de
um reator nuclear genuinamente nacional. Pode ser verificado a busca, principalmente
pelo Exército, do trabalho conjunto com a iniciativa privada, com a produção do SS
1.2AC, radar Saber X60, pesquisas para produção de fibra de carbono e concepção
final do projeto Guarani. As Forças Armadas ainda atuam como importantes parceiras
do empresariado, assumindo, muitas vezes o ônus da pesquisa e o risco do insucesso,
já que o país, por meio de seu cabedal jurídico ainda não dá segurança para a
iniciativa privada para gastos com pesquisa e desenvolvimento em um mercado tão
difícil como o de material de defesa.
2.4 CENÁRIO PROSPECTIVO PARA A BID
No capítulo anterior foi exposto a atual fase de expansão da BID, com o
surgimento de novas empresas e conglomerados no setor, devido ao grande
investimento feito pelo governo federal e pela grande necessidade de modernização
das Forças Armadas. Porém, surgem algumas perguntas: esta conjugação de fatores
que garantiram a retomada do crescimento da indústria de defesa se manterá nos
próximos anos? No futuro teremos uma BID forte ou ela sofrerá um novo declínio,
como na década de 1990? Neste capítulo será estudado alguns fatores que pode dar
uma visão sobre este cenário prospectivo.
Durante o governo no presidente Luiz Inácio Lula da Silva o mercado
internacional foi bastante favorável à economia doméstica. A grande necessidade da
China por commodities agrícolas e minerais, tornou os chineses nossos maiores
parceiros comerciais e garantiu uma balança comercial bastante favorável em nossas
89
trocas comerciais. No entanto, depois da crise de 2008 o cenário econômico
internacional começa a mudar, os mercados já não se comportam como antes e,
atualmente, durante o governo Dilma Rousseff, a econômica começa a dar sinais de
perda de impulso, com o surgimento de pressão inflacionária, déficit na balança
comercial e perda de popularidade do governo. Provavelmente, se nada mudar nas
políticas governamentais, a oferta de dinheiro na economia será diminuída e o
governo será obrigado a cortar gastos e investimentos para garantir um superávit.
Normalmente, um dos ministérios visados para receber cortes em seu recurso é o da
Defesa, tanto pelo tamanho do orçamento quanto pela visibilidade, já que a população
não participa ativamente da discussão acerca deste importante setor do Estado,
gerando, deste modo, menor desgaste político para o executivo.
Porém, esta incerteza da continuidade dos projetos gera pânico e desconfiança
no empresariado, conforme noticiado no início deste ano pelo site defesa net81, em 25
de fevereiro do corrente ano:
O anúncio do corte entre R$ 3,5 a 4,5 bilhões no orçamento dos
projetos ligados ao setor de defesa e a possível extinção do PAC do setor
pelo governo federal criou uma onda de pânico no polo aeroespacial de São
José dos Campo. (...)
A indefinição associada ao anúncio brusco ampliou a maré de
incertezas no empresariado. (...)
A falta de transparência no processo gerou inúmeras versões e
possibilidades, que passam agora a constar nas análises futuras deste
segmento. (...)
A maior penalização está imposta às empresas que investiram em
estrutura industrial e aumentaram sua base de assalariados: em especial: a
EDS, HELIBRAS e o Consórcio do PROSUB.
A notícia demonstra claramente o clima de incerteza e o prejuízo gerado às
empresas que acreditaram nos programas e investiram em infraestrutura de produção,
tornando claro que os projetos de defesa têm de ter continuidade e não podem sofrer
cortes bruscos no seu financiamento, afinal são projetos que demandam grandes
investimentos e muito tempo para serem concretizados, devendo o governo investir
em trabalhos viáveis.
81
OTTOBONI, Júlio. Cortes orçamentários criam pânico na base industrial de defesa. Defesanet.
(Disponível em www.defesanet.com.br)
90
Deste modo, pode ser verificado que na área de defesa, como em tantas outras
áreas no país, falta planejamento. Faltam estratégias para os projetos voltados para
o setor de defesa serem tratados como de estado e não de governo, ou seja, livres de
flutuações políticas e orçamentárias, pois nenhuma empresa disponibilizará recursos
para serem investidos neste setor tão restrito caso não tenha a certeza da compra de
seus produtos por parte das Forças Armadas do país. Deve se ter a ideia exata que
as vendas de armamento para o exterior são uma consequência, afinal os produtos
têm de ser consumidos pelos militares do país de origem. Segundo Silva82 estas são
algumas das características da indústria de defesa:
A indústria de defesa enfrenta muitos óbices e dificuldades (...). A falta de
regularidade nas encomendas militares impede um funcionamento planejado,
refletindo em custos mais elevados, em constantes desequilíbrios e a
despesa e em dificuldades financeiras relacionadas com insuficiência de
capital de giro e de fluxo de caixa. (...)
Cabe enfatizar que, para a BID seja capaz de prover de forma eficaz soluções
tecnológicas duais, o Governo deve criar condições favoráveis a esse
objetivo, notadamente assegurando aquisições de longo prazo que
justifiquem os investimentos da indústria em pesquisa (...)
Cabe ressaltar ainda o que foi dito pelo Eng. Jorge Py Velloso, Coordenador do
COMDEFESA FIERGS (Departamento da Indústria de Defesa da Federação das
Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul)83
“As empresas já estão prontas para participar de projetos de tecnologia de
ponta, como a produção de satélites, por exemplo. (...)
A indústria necessita trabalhar com pedidos garantidos para abater o
investimento para o desenvolvimento das novas tecnologias”.
O texto deixa clara a necessidade do governo prover a indústria de defesa com
uma previsibilidade de compras por longa prazo evitando, deste modo, que elas
entrem em dificuldades financeiras e terminem por fechar as portas, gerando
novamente um declínio em nossa BID.
82
SILVA, Marcelo Rocha. p. 67
Discurso proferido em palestra para os alunos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
em auditório da FIERGS em Porto Alegre/RS, em 12 de maio de 2014.
83
91
Contudo, há um fator que auxilia a continuidade do desenvolvimento da BID e
sua manutenção: as Forças Armadas brasileiras passaram um longo tempo sem
receber novos equipamento, gerando desta forma uma grande demanda reprimida.
Os projetos para reequipar e dotar as Forças Singulares de novas tecnologias tem a
previsão de durarem por mais de vinte anos, conforme exposto no quadro 4, com
objetivos a serem atingidos nas décadas de 2030 e 2040, garantindo deste modo um
longo período de produção para as indústrias de defesa nacional.
Outro ponto que deve ser resolvido é a baixa qualidade de ensino no Brasil.
Segundo Silva84, a BID depende de vários fatores:
(...) os produtos e serviços tecnológicos disponíveis para o efetivo emprego
militar dependem de uma complexa estrutura formada por Universidades e
Institutos Militares de Pesquisas, de Centros Tecnológicos, de empresas de
engenharia e infraestrutura, de empresas industriais e de empresas de
serviços, (...)
O país sofre hoje um apagão de profissionais que atual na área de tecnologia
voltadas à defesa, atenuado apenas pela existência dos institutos militares. Com
certeza a falta de profissionais competentes formados em universidades civis deixa o
setor muito restrito dificultando a expansão da BID em um futuro próximo. Para
garantir que o crescimento seja continuo e não sofra retrações tem de ser
equacionada soluções para este apagão de profissionais que o país sofre em todos
os setores, principalmente o de defesa, que necessita desenvolver produtos de ponta.
Segundo Oliveira, Almeida e Carmo85, no que se refere a matriculados na área de
tecnologia com relação ao número de estudantes matriculados em curso superior, o
Brasil apresenta o menor percentual dos BRICS, não computado a África do Sul, o
que pode significar que, nestes países, o investimento na formação de pessoal da
área tecnológica é maior do que no Brasil. Estados Unidos e Inglaterra tem índice de
matrícula menor do que o Brasil, mas sabidamente estes países são considerados
desenvolvidos tecnologicamente.
84
Idem. p. 39
OLIVEIRA, Vanderli Fara de; ALMEIDA, Nival Nunes de; CARMO, Luiz Carlos Scavarda do. Estudo
comparativo da formação em engenharia: Brasil, BRICS e os principais países da OCDE. COBENGE.
Belém – PA, 2012.
85
92
Gráfico 8 - Percentual de alunos matriculados em área de tecnologia nos BRICS e
países da OCDE
Percentual alunos em área de
tecnologia
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
Brasil
Rússia
China
Índia
EUA
Inglaterra
Japão
Fonte: Oliveira, Almeida, Carmo
Para o sustento de uma indústria eficiente e capaz de fabricar produtos com
alta tecnologia deve haver um investimento por parte do governo para que seja tirado
o atraso em relação aos demais BRICS. É de conhecimento que Rússia e China são
produtores e grandes vendedores de material de defesa no mercado internacional,
devendo o Brasil trilhar o mesmo caminho para desenvolver uma indústria de defesa
forte nas próximas décadas.
Outro fator que pode ajudar no crescimento de nossa indústria de defesa nos
próximos anos é a manutenção da tendência de compra de armas no mercado
externo, podendo caracterizar um mercado bastante parecido com aquele das
décadas de 1970 e 1980, quando o Brasil teve a melhor fase de sua indústria de
defesa. Segundo o SIPRI o comercio mundial de armas vem com uma tendência de
crescimento durante o início do século XXI.
93
Gráfico 10 – Volume de exportações de armas
Exportação de armas em milhões de
dólares
35000
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Fonte: SIPRI
Elaboração: autor.
O crescimento do mercado pode garantir uma fatia dos lucros para as indústrias
de defesa nacionais, no entanto, o Brasil deve buscar a melhora de seu
posicionamento no ranking dos maiores exportadores de armas para que chegue a
um patamar próximo ao alcançado durante as décadas de 1980. Em 2013, o Brasil
ocupava apenas o 26º lugar entre os maiores exportadores de armamentos no mundo,
atrás de todos os demais BRICS, exceto a Índia.
POSIÇÃO
PAÍS
Valor exportado em milhões de
dólares
1
Rússia
8283
2
Estados Unidos
6153
3
China
1837
4
França
1489
5
Reino Unido
1354
6
Alemanha
972
7
Itália
807
8
Israel
773
9
Espanha
605
10
Ucrânia
589
21
África do Sul
76
26
Brasil
36
28
Índia
10
Quadro 6 – Os maiores exportadores de armas em 2013
Fonte: SIPRI
94
Da análise prospectiva, infere-se que há fatores favoráveis e contrários à
manutenção do processo de crescimento de nossa Base Industrial de defesa. O
governo federal deve se concentrar em tirar os entraves econômicos e políticos que
se encontram no caminho do desenvolvimento do setor. No campo econômico deve
ser dada uma maior previsibilidade de encomendas para que as empresas tenham
um cenário estável para que façam investimentos significativos em pesquisa e
desenvolvimento e, além disso, os projetos na área de defesa devem ser tratados
como objetivos de estado e não como políticas de governo. Outro ponto é o gargalo
existente na formação de novos profissionais destinados ao setor de tecnologia, sem
a solução do apagão de profissionais ficará muito difícil a indústria contratar pessoal
em número suficiente para o desenvolvimento de novas tecnologias.
A favor, pode ser citado o crescimento do mercado externo para o material de
defesa, ajudando o Brasil a ganhar uma fatia de um mercado altamente lucrativo, que
hoje se caracteriza um dos objetivos governamentais. A demanda reprimida das
Forças Armadas é outro fator que vem contribuir para o crescimento constante do
setor de defesa no país, já que os projetos se estendem por longo período de tempo,
garantindo uma demanda regular para as empresas do setor.
Tomando como ponto de partida o cenário atual econômico e político, no que
tange à participação das Forças Armadas, pode se concluir que ainda haverá por um
longo tempo a participação das mesmas no desenvolvimento da base industrial de
defesa, ofertando ao mercado profissionais altamente qualificados, bem como
fazendo o trabalho de pesquisa e desenvolvimento para que, posteriormente, as
empresas privadas façam a fabricação dos produtos. Isso ocorrerá principalmente
devido ao baixo índice de confiança do empresariado no planejamento do governo
federal, que ao primeiro sinal de dificuldades realiza cortes no orçamento destinado
aos programas de compra de material de defesa. Porém, o processo de inserção da
iniciativa privada neste meio deve ser irreversível, até todos os setores que compões
a Base Industrial de Defesa atingirem o desenvolvimento completo, assumindo em
conjunto com os centros tecnológicos das Forças Armadas parte da P&D na área de
defesas, não diminuindo, deste modo, a necessidade da participação das Forças
Singulares que deveram se concentrar na pesquisa básica e no desenvolvimento de
tecnologias não duais, de alto custo e que não sejam atrativas para o empresariado.
95
3. CONCLUSÃO
O processo de desenvolvimento da BID brasileira é complexo e se iniciou no
século XIX, tendo seu ponto culminante na década de 1980, quando a indústria de
defesa nacional atingiu posição de destaque no mercado internacional de defesa, bem
como forneceu um grande número de material bélico para as Forças Armadas
nacionais.
Em resumo, a indústria de defesa brasileira no século XIX era intimamente
ligada aos militares com suas fábricas de pólvora, armamento e navios, sob a
subordinação de órgãos militares, no entanto, durante a guerra do Paraguai, ficou
patente a dependência do país em relação a material bélico importado de outros
países, principalmente, os europeus. Houve, conforme demonstrado anteriormente,
um grande gasto com o conflito, sendo em grande parte, em compras de armamentos
modernos, como navios e armas portáteis.
Do fim dos anos 1800 até o final da década de 1950, a indústria nacional de
defesa ficou relegada a um segundo plano, com os modernos armamentos vindo
inicialmente de fontes europeias e, depois da Segunda Guerra Mundial, dos Estados
Unidos. Pode se afirmar que o início da fase áurea da BID se deu pela busca do país
de se tornar mais independente dos produtos norte-americanos, que se tornou um
problema com o auge da guerra fria, pois os EUA passaram a dar uma maior
prioridade aos países que se encontravam em áreas de atrito com a URSS. Deste
modo, ficou difícil conseguir peças de reposição e equipamentos novos para substituir
os antigos. Tomemos como exemplo o caso citado da intenção de compra dos caças
F-4 Phanton II por parte do governo brasileiro, onde os norte-americanos se negaram
a fornecer aquele vetor aéreo para o país, demonstrando que o Brasil já não figurava
como uma área de prioridade para os EUA. Tal cenário levou o governo brasileiro a
buscar uma autossuficiência na produção de material bélico que, consequentemente,
também lhe geraria divisas no comércio internacional.
A criação da cultura de pesquisa e desenvolvimento na área de defesa começa
por iniciativa das Forças Armadas, ainda na década de 1940, quando criaram centros
de excelência em ensino e pesquisa como CTA, ITA, IME e o Departamento de
Engenharia Naval da Escola Politécnica de São Paulo, possibilitando a criação das
bases para o nascimento de uma indústria nacional de defesa.
96
Os governos que fomentaram o nascimento da BID no Brasil foram os de JK e
os governos militares, que buscaram nacionalizar a fabricação dos produtos de defesa
para que o Brasil conseguisse certa autonomia, principalmente dos EUA, no que tange
a compra de material de defesa. Foi nos governos militares que o Brasil buscou mais
veementemente se afastar do alinhamento com os norte-americanas e adotar um
discurso próprio nos assuntos internacionais.
Nestes primeiros anos as Forças Armadas assumiram, além da P&D, a
fabricação de material bélico. Caso emblemático foi o do Exército, que deu início à
fabricação dos protótipos que resultariam na família de blindados sobre rodas da
Engesa, o Cascavel e o Urutu. A Marinha também ficou responsável pela fabricação
de belonaves nas décadas de 1970 e 1980, por meio do Arsenal de Guerra da Marinha
do Rio de Janeiro, sendo destaque a construção das Fragatas Classe Niterói e os
submarinos Classe Tupi. A Força Aérea, passa a contar com uma empresa estatal
voltada para a construção de aeronaves no final da década de 1960, sendo
responsável por fornecer os engenheiros necessários para o seu funcionamento. Além
disso, o programa espacial brasileiro é desenvolvido exclusivamente pela FAB, com a
participação das industrias brasileiras no fornecimento do material necessário à
construção de satélites e veículos lançadores.
O impulso inicial dado pelas três Forças em P&D, fomentaram o aparecimento
das primeiras indústrias de defesa, como a Engesa, a Bernardini, a Embraer e a
Avibras. Nos anos 70 e 80 algumas conseguiram se firmar no mercado exterior,
colocando o Brasil entre os maiores exportadores de armamento do mundo.
Os maiores compradores de material de defesa do Brasil encontravam-se no
Oriente Médio e, em menor escala, na América do Sul e África, principalmente o
Iraque, que comprou grande quantidade de blindados e sistema de lançamento de
foguetes, dando grande visibilidade à indústria de defesa nacional. O final da guerra
entre Irã e Iraque, em 1988, e o fim da Guerra Fria, em 1989, fizeram com que caísse
a demanda por armamentos no mercado internacional. Além disso, a Guerra do Golfo,
em 1991, determinou novos parâmetros tecnológicos para os materiais de defesa,
tornando as grandes potências fornecedores exclusivos deste tipo de material e
colocando em segundo plano países fabricantes de produtos com pouca tecnologia
embarcada, como o Brasil. Deste modo, a indústria de defesa nacional entra em uma
crise caracterizada pelo o fechamento de algumas empresas e o abandono do setor
97
por outras, permanecendo no setor apenas aquelas que foram capazes de
desenvolver produtos duais.
Mesmo durante esta fase, as Forças Armadas mantiveram em funcionamento
seus centros de excelência que, novamente, exerceriam papel de destaque na
retomada do crescimento da BID posteriormente.
Neste período o governo federal se mostrou pouco inclinado a ajudar o setor e
não evitou a falência da principal empresa de defesa, a Engesa, perdendo, deste
modo, todo o know how na fabricação de blindados. Este impediu que, atualmente, o
Brasil pudesse estar equipado com versões modernizadas ou originadas da evolução
dos projetos dos carros de combate do início da década de 1990.
Este cenário permaneceu até o início dos anos 2000, quando o governo federal
começa a enxergar no setor de defesa uma maneira de gerar empregos e divisas para
o país, já que as Forças Armadas tinham uma demanda bastante reprimida por
material de defesa. A criação do Ministério da Defesa, em 1998, e do cabedal jurídico;
destacando-se, no campo político, a Política Nacional de Defesa, de 2006, e a
Estratégia Nacional de Defesa, de 2012; e no campo econômico o Regime Tributário
para a Indústria de Defesa e uma grande oferta de capital, devido à grande valorização
das commodities no mercado internacional, também foram fatores determinantes para
o novo processo de crescimento das indústrias de defesa.
Com isso, alguns projetos, a muito paralisados, foram retomados, como a
construção do submarino nuclear brasileiro e outros, de grande necessidade, foram
iniciados – troca dos vetores de interceptação da FAB e a substituição da família de
blindados sobre rodas do Exército. O setor de defesa começa a crescer e são iniciadas
várias fusões entre as empresas do setor, para atender às demandas, e a entrada de
empresas estrangeiras no mercado nacional.
As Forças Armadas continuam participando do desenvolvimento do material
bélico nacional em conjunto com as indústrias de defesa. Podem ser tomados como
exemplos o desenvolvimento pelo CTEx do radar Saber, em parceria com a Orbisat,
do míssil MSS 1.2AC, juntamente com a Mectron; os estudos sobre o reator nuclear,
realizado pelo Centro Tecnológico da Marinha; e a atuação desta em conjunto com a
Odebrecht para a construção dos cascos dos novos submarinos.
Quanto ao futuro da Base Industrial de Defesa, há vários fatores políticos e
econômicos que podem afetar a continuidade de seu crescimento. O término da fase
dos grandes lucros obtidos com a venda de commodities pode afetar o oferecimento
98
de crédito para o desenvolvimento e consecução dos projetos elencados pelas três
Forças, tirando, deste modo, a necessária previsibilidade de que precisam os
empresários para trabalhar neste mercado que pede investimentos de vulto em
pesquisa e desenvolvimento. Além disso, o governo federal deve sanar o apagão de
profissionais voltados à área de tecnologia e pesquisa no país. O Brasil vem formando
número insuficiente de especialistas para sustentar o crescimento da indústria de
defesa.
Por outro lado há fatores que podem garantir o crescimento da BID. Nos últimos
anos o mercado internacional de material de defesa vem em uma tendência de
crescimento, possibilitando que as indústrias de defesa nacionais garantam
compradores no exterior para seus produtos, já que a demanda das nossas forças
pode ser insuficiente para que a fabricação dos materiais tenha custos viáveis. Outro
fator positivo é a previsão de que os projetos das três Forças Singulares tenham
duração até a década de 2040, garantindo, deste modo, um mercado consumidor
estável para as indústrias que formam a BID nacional.
Deste modo, pode ser afirmado, que a BID brasileira teve uma formação tardia,
como todo o setor industrial brasileiro. O início do seu desenvolvimento foi fomentado
pela iniciativa dos centros tecnológicos e de ensino das três Forças, que criaram uma
cultura de P&D no setor, dando condições para que as empresas utilizassem os frutos
das pesquisas para a fabricação de seus produtos. Durante a fase de declínio da BID
as Forças Armadas foram as responsáveis, por meio de seus centros de pesquisa e
ensino, pela continuidade da pratica de P&D na área de defesa, já que empresas como
Embraer e Avibras se voltaram quase que exclusivamente ao setor civil. Atualmente,
neste período de crescimento os centros de pesquisa militares ainda mantêm grande
colaboração com o setor privado, assumindo o ônus das pesquisas mais
dispendiosas, menos rentáveis para o empresariado, e em áreas sensíveis para a
segurança nacional, como a nuclear e a espacial. O futuro da nossa BID depende de
fatores alheios às Forças Armadas, no entanto, pode se prever que seu papel
continuará relevante, porém dividirá a base do iceberg de ciência e tecnologia com
Universidades e centros de pesquisa civis.
Com isso, pode ser afirmado que as Forças Armadas atuaram como a mola
mestra do desenvolvimento do setor de defesa nacional, mostrando planejamento e
desprendimento para desenvolver uma indústria capaz de produzir materiais em
condições de atender às demandas do setor defesa brasileiro, bem como competir no
99
mercado internacional. Ainda hoje, a pesquisa desenvolvida em seus centros de
excelência é primordial para o desenvolvimento de novas tecnologias que são
utilizadas pela BID para a fabricação de produtos de ponta. No futuro, quando a Base
Industrial de Defesa atingir um amadurecimento, haverá espaço para os militares
desenvolver pesquisas em áreas dispendiosas, bem como de interesse exclusivo
nacional, como o reator nuclear e o programa espacial.
Enfim, conclui-se, que as forças armadas atuaram de forma preponderante em
todas as fases do desenvolvimento da Base Industrial de Defesa, pode se afirmar que
sem suas ações, talvez a BID brasileira se encontraria em um estágio muito inferior
de desenvolvimento e que ainda deverá ter papel preponderante para a manutenção
e crescimento do setor.
____________________________________
CRISTIANO MAURI DA SILVA – Maj QMB
100
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O desenvolvimento da Base Industrial de Defesa no Brasil