Zheng He
A expansão marítima chinesa
Confúcio
Confúcio nasceu no ano 551 A.C. e morreu em 479 A.C. em uma época
caracterizada pela passagem de uma religiosidade de caráter mágico
para uma religiosidade racional. Confúcio, que na realidade se chamava
Kung Chiu, foi um sábio que pregava que a virtude moral e uma
sociedade ética são mais eficazes que a magia para se obter o bemestar humano. Seus ensinamentos não pretendiam fundar uma nova
religião, mas um modo de vida.
Para Confúcio, só o homem nobre (em termos morais) deve ser
governante, e se um príncipe não se ajusta a este ideal, ele deve se
rodear de conselheiros virtuosos. A ação do homem nobre no estado e
na sociedade se expressa por sua moral, seu amor e obediência, as
quais devem ser adquiridas mediante a prática constante.
Confúcio deu muita importância ao cumprimento dos rituais de
reverência aos ancestrais e ao Céu, por serem estes expressões de
virtuosidade.
Para Confúcio, um homem demonstra seu valor praticando a virtude, a
retidão, o amor, a humanidade, a generosidade e o respeito aos pais e
ancestrais.
http://sepiensa.org.mx/contenidos/historia_mundo/antigua/china/confucio/confucio.htm
• Dinastia Ming
• Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
• A Dinastia Ming (pinyin: mīng cháo) (1368-1644) foi precedida pela
dinastia Yuan e substituída pela dinastia Qing na China. Os
imperadores da dinastia Ming eram membros da família Zhu. Entre
a população havia fortes sentimentos contra o governo por
"estrangeiros", o que finalmente levou à revolta que empurrou a
dinastia Yuan de volta às estepes da Mongólia e ao
estabelecimento da dinastia Ming em 1368. Esta dinastia começa
num tempo de renovação cultural e de florescimento das artes.
Especialmente a indústria da porcelana obteve um brilho sem
precedentes; mercadores chinese exploraram a totalidade do
Oceano Índico, atingindo a África com as viagens de Zheng He. Um
vasta marinha foi construída, incluindo navios com 4 mastros,
pesando 1.500 toneladas; havia um exército permanente de 1
milhão de homens. Mais de 100.000 toneladas de ferro eram
produzidas por ano, no norte da China. Livros eram impressos
usando o tipo móvel. Alguns afirmaram que a China do início da
dinastia Ming poder ter sido a nação mais avançada do seu tempo.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Zheng_He
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Zheng He (1371 - 1435) foi um explorador chinês
do século XV. Realizou viagens por mar pelo
sudoeste asiático e pelo Oceano Índico. Chegou
à India, ao Mar Vermelho e a Moçambique.
http://www.islamfortoday.com/zhenghe.htm
A
expansão
marítima
chinesa
quinhentista
As expedições de Zheng He foram uma proeza sem precedentes na
história da navegação marítima da China e do Mundo. Foram actos
de Estado, onde se reuniam os factores político, diplomático, militar
e económico. À primeira vista, poderiam bem parecer operações no
âmbito da diplomacia chinesa. Mas na realidade, para além da
vertente diplomática, estava mais uma imperiosa necessidade
interna: a do reconhecimento e confirmação pela nação chinesa, da
legitimidade do Imperador Yongle.
Por Jin Guo Ping e Wu Zhiliang
(Publicado in Macau, III Série, nº 13, Fevereiro de 2003, pp. 98-112)
http://www.nenettech.com/dightonrock/aexpansaomaritimachinesanoseculo.htm
Zheng He (1371-1433/6), o maior navegador da história da China, comandou sete expedições marítimas num período de quase três
décadas (1405-1433). Formadas por alguns dos maiores barcos do mundo dessa altura e por uma tripulação que atingia quase trinta mil
homens, as suas embarcações navegaram pela Ásia Marítima, o Índico e a costa oriental da África. As armadas imperiais sob o comando
de Zheng He constituíram uma expansão marítima sem antecedentes na história da China antiga, tornando-a a primeira potência naval
do Mundo quinhentista. A destruição dos arquivos oficiais levaram, no entanto, a que os possíveis motivos do arranque e do abandono
dessa expansão permaneçam na densa nebulosidade histórica e historiográfica.
De toda a forma, as viagens marítimas de Zheng He não terão ocorrido por mera casualidade e teriam profundas raízes na própria
história
da
China.
Nos inícios da Dinastia Ming (1368-1644), a guerra da sucessão que derrubou a Dinastia Yuan (1279-1368), afectou de forma grave a
economia nacional chinesa. Nas fronteiras do norte, persistia a ameaça constante dos mongóis destronados. Nestas circunstâncias,
eram prioridades a recuperação da produção nacional, a centralização do poder e a preparação para enfrentar um possível retorno militar
dos mongóis. Sobretudo esta última tarefa levou as autoridades da Dinastia Ming (1368-1644) a adoptar as proibições marítimas como
medida para manter a segurança nacional no litoral, a fim de se poderem concentrar na defesa terrestre no norte.
Zhu Yuanzhang (1328-1398), o Imperador fundador da Dinastia Ming (1368-1644), que reinou entre 1368 e 1398, conseguiu promover
uma rápida recuperação da economia nacional, com a adopção de uma série de medidas enérgicas.
Estabilizada a situação econômica, Zhu Yuanzhang passou a preocupar-se mais com o campo político. Em pouco tempo e duma
maneira paulatina, conseguiu criar um regime o mais centralizado possível. O poderio estatal Ming estava em ascensão e o poder
imperial ia-se consolidando. Surgiram assim condições econômicas e políticas para as expedições de Zheng He. Sem uma economia
recuperada e crescente como base e a estabilidade política como garantia, as façanhas de Zheng He não teriam sido possíveis. É neste
sentido que afirmamos que as expedições de Zheng He teriam resultado de uma inevitabilidade histórica da sociedade chinesa
quatrocentista, sob os Ming.
O terceiro imperador da Dinastia Ming (1368-1644) Yongle (cujo nome próprio era
Zhu Di,) (1360-1424) ao subir ao trono, e com base na consolidação do seu poder e
na prosperidade da economia nacional, abandonou a política das proibições
marítimas do seu pai, a favor de uma abertura, que se traduziria nas expedições de
Zheng He, o início e parte importante dessa política de abertura.
No entanto, os factores económico e político favoráveis não teriam sido suficientes
para o bom sucesso das expedições em questão. Outros factores, tais como, as
avançadas ciências náuticas e tecnologias que a China detinha1; a experiência de
viagens oceânicas e trans-oceânicas acumuladas desde a Dinastia Tang (618-907)2,
etc., deverão ser levados em consideração.
De ponto de vista económico, a rápida recuperação da economia do litoral sudeste da China contribuiu para o surgimento de
novos enquadramentos políticos e econômicos, que favoreciam as expedições marítimas de Zheng He. Uma produção cada
vez maior de seda, porcelanas e chá, necessitava de novos mercados externos. As expedições de Zheng He constituíam
assim vias oficiais de escoamento de produtos chineses para os mercados da Ásia Marítima e o Índico, mediante ofertas
imperiais, ofertas normais e o comércio directo, tudo politizado à chinesa. No fundo, estes “usos e costumes”e os “tributos”
que os “vassalos” traziam eram uma troca comercial oficial, mas com a uma hábil mais-valia psicológica e político-diplomática
para a China.
Ao contrário dos primeiros Imperadores Ming, que não permitiam um comércio externo livre, fora do controlo imperial, o
Imperador Yongle, com uma grande habilidade política, “oficializou” o comércio externo directo, com as expedições de Zheng
He, tornando-o num monopólio de Estado. Ao mesmo tempo, a Dinastia Ming (1368-1644), controlava as suas relações
político-diplomáticas com os países vassalos, mediante o chamado “comércio tributário” que era muito lucrativo para os que
aceitassem prestar vassalagem política à China. O que significa que a China preferia a “compra” de vassalagem política à
conquista.
A Ásia Marítima e o Índico tinham produtos de grande procura no mercado chinês, sobretudo a pimenta. Este comércio de
benefício mútuo levou a que as proibições marítimas tivessem de ser revogadas. Sob a ordenança proibitiva do comércio
externo, o lucrativo comércio marítimo estivera durante bastante tempo na mão dos privados com as suas redes clandestinas,
de e para China, muito bem organizadas, comercial e militarmente. Para recuperar este comércio para o poder estatal
importava revogar as proibições marítimas e encontrar uma forma de o Estado monopolizar as operações comerciais. Eis um
dos mobéis básicos das expedições de Zheng He. A historiografia tradicional chinesa persiste em citar a razão política como a
causa principal das expedições de Zheng He. Mas a verdade histórica não será bem assim.
Demasiada força armada
Uma das evidências do nosso argumento é que não seria preciso tanta força armada
para o cumprimento da tarefa político-diplomática planejada. A elevada percentagem
de efectivos militares envolvidos constitui prova da importância econômica das
expedições de Zheng He. Desde a entrada em vigor das proibições marítimas, o
povo do litoral – uma vez perdidos os meios de subsistência – assumia o risco de
ganhar a vida de forma ilícita, transformando-se em “contrabandistas” armados, no
dizer dos mandarins. Havia bases de chineses refugiados na Ásia Marítima que
constituíam ameaça para as acções oficiais chinesas que pretendiam desenvolver
nessa zona. Daí que as frotas de Zheng He, fortemente armadas do ponto de vista
da estratégia militar, podiam ter várias funções: a defesa própria dos tripulantes e das
mercadorias de grande valor que transportavam; como factor de dissuasão, para
facilitar as operações político-diplomático-comerciais; e para a repressão da pirataria.
As expedições de Zheng He teriam importância estratégica. Os mongóis, cavaleiros exímios, arrasaram a Ásia Central, a
Europa de Leste e o Médio Oriente, (dando origem à Pax Mongólica, que facilitou o comércio intercontinental terrestre pelas
estepes do Norte), mas sofreram fortes reveses nas expedições marítimas contra o Japão, Champa, Aname e Java. Para um
eficaz combate aos mongóis das estepes do Norte, que eram uma ameaça constante para a defesa nacional, o infante de Yan
(nome antigo da zona de Beijing) que veio a ser o Imperador Yongle, chegou a transferir a capital imperial para o seu antigo
feudo (Beijing), de onde partiu para a conquista do Império que pertencia ao sobrinho. Com a presença da Corte em Pequim e
a concentração de grandes tropas nas fronteiras, lançou cinco grande expedições terrestres no Norte contra os mongóis para
os dissuadir de se aventurarem em novas invasões contra os Ming. Houve também expedições armadas contra o Aname no
Sul. Nestas circunstâncias, as expedições de Zheng He, constituíram mais um esforço que visava pacificar os vizinhos da
Ásia Marítima e mostrar o poderio militar dos Ming aos mongóis, tentando transmitir-lhes a subtil mensagem: havendo meios
para expedições marítimas, mais fáceis seriam ainda as terrestres.
Impunham-lhes assim um complexo de inferioridade por não terem conseguido abrir uma via marítima entre a China e o resto
do mundo. Para os anamitas, as viagens de Zheng He eram uma força ameaçadora clara.
Factor cultural e intercâmbio
Estas expedições marítimas tiveram um importante papel difusor cultural. Sendo uma das
civilizações mais antigas da Humanidade, a China conheceu grandes viajantes, que
levaram a cultura chinesa ao resto do Mundo e ao mesmo tempo, trouxeram outras
culturas para o Império do Meio, constituindo um enorme esforço de intercâmbio e fusão
de culturas.
No início do século XV, a maioria dos países da Ásia Marítima, encontrava-se numa fase
de desenvolvimento civilizacional relativamente atrasado em relação à China. As armadas
de Zheng He, portadoras de uma cultura mais avançada, exerceram função civilizacional
sobre os países visitados nessa região, com a introdução de conhecimentos de
agricultura, arquitectura, da moeda metálica, calendário, vestuário e utensílios da vida
quotidiana, etc., dando origem a uma certa “achinesação” da Ásia Marítima. (As viagens
portuguesas tiveram a mesma função).
Devido a condicionalismos históricos do Império, nunca tinha havido uma viagem de tão grande envergadura como as de Zheng He,
verdadeiros actos de Estado. As suas expedições constituíram, por isso, um marco histórico nas relações chinesas com o exterior. Com
a presença de um forte poderio naval militar, estendeu-se o prestígio político dos Ming à Ásia Marítima e ao Índico, fazendo com que os
antigos vassalos dos Yuan voltassem a prestar a vassalagem política, agora aos Ming, novos senhores da China. Eis a razão do caráter
“pacífico” da expansão marítima chinesa. Não houve necessidade de conquista territorial como bem salienta um autor português:
“No caso chinês, o Imperador Yongle não teria um sonho, mas um desígnio, que não era messiânico, mas essencialmente político; não
universal, mas certamente asiático, comparado com o cunho de ‘missão’ que D. Manuel pretendeu imprimir às suas iniciativas marítimas.
O Imperador, como representante do Céu, possuidor da virtude e garante do equilíbrio de todos os seres, que exercia por mandato
celestial, imbuído e convencido da superioridade das concepções cosmológicas, filosóficas e político-sociais do Império do Meio, devia e
queria levar ao conhecimento das nações de além-mar a pujança espiritual e temporal da China. Pelo sistema do tributo, visava-se
manter sob a alçada chinesa os Estados asiáticos e, através deste sistema de controlo, exercer influência nos povos tributários, que
assim se iam‘elevando’ até aos padrões civilizacionais chineses pela mão firme e magnânima do Filho do Céu.”3
O mesmo autor fez ainda uma comparação interessante entre as navegações chinesas e os descobrimentos portugueses: “o sonho de D.
Manuel e o desígnio de Yongle são diferentes na sua génese e nos seus objetivos, mas convergem na estrutura psicológica e na
convicção de superioridade, de destino, de origem messiânica, num, de um substrato imanente a uma milenar cultura, noutro. Vasco da
Gama e Zheng He terão assim sabido incarnar a plenitude da visão estratégica global dos seus soberanos. Yongle morreu em 1424, com
64 anos. A sua política externa e o impulso dado às expedições marítimas não foram continuados pelo seu sucessor, que suspendeu as
viagens. O Imperador seguinte, Xuande [1399-1435] que reinou de 1426 a 1435, ordenou ao eunuco uma sétima e última viagem. Este
viria a morrer em 1433, em Calicut, 65 anos antes da chegada de Vasco da Gama à cidade. Se prosseguisse a viagem, ou outros por
ele, o almirante eunuco, que já tinha tocado zonas da costa oriental africana hoje Moçambique, poderia muito bem estar no ano seguinte
ao largo da costa portuguesa. E os livros de História poderiam falar, por exemplo, da ocupação das Berlengas, em 1434, por ‘gente
estranha, de fala estranha, pele mais clara que a nossa, ricamente vestida, olhos quase cerrados, nariz pequeno [...]”4.
Legitimar o imperador
Sem fins de conquista territorial, o que estava em causa era apenas a divulgação do
prestígio regional e internacional do Reinado de Yongle que se poderia capitalizar para
consumo interno, no que se refere à legitimação da entronização de Yongle. Sendo o
quarto filho do fundador da Dinastia Ming, não estava na linha de sucessão e a
usurpação, no rígido sistema feudal chinês, era certamente contra toda a ética e a moral
social. Daí a necessidade de se fazer legitimar perante a nação. E para isso, a melhor
argumentação seria seguir a política dos antepassados.
A Dinastia Yuan (1279-1368), derrotada pelos Ming, era um vasto império que abrangia
quase toda a Ásia e parte da Europa e do Médio Oriente. O envio de emissários
imperiais para o “Mundo Chinês” servia à difusão do prestígio político da Dinastia Ming
(1368-1644). Tendo por objectivo erradicar a influência dos Yuan, o Imperador fundador
mal subiu ao trono da China, não perdeu tempo a enviar repetidos emissários para as
terras onde poderiam persistir as influências mongóis. Para as expedições de Zheng He,
o Imperador Yongle teria recorrido a estes antecedentes, que fazem parte das instruções
dos antepassados.
Neste sentido, as expedições marítimas de Zheng He constituíram parte importante da política dinástica e da diplomacia do
Reinado de Yongle. Na escolha de um eunuco muçulmano, como o responsável máximo da armada, vê-se o tacto políticodiplomático de Yongle que se traduzia na selecção e de utilização de personalidades adequadas e de cariz religioso como
meios adequados aos seus fins. Mas assinale-se que como na China nunca houve “religião de Estado”, não existiu qualquer
missão implícita de “dilatar a fé” como na armada de Vasco da Gama. Isto constitui “Um último elemento diferenciador destas
duas expansões”, que reside “no carácter religioso veiculado por cada uma das expedições. Enquanto a expansão portuguesa
foi moralmente legitimada pelo espírito proselitista cristão, mas geralmente de pendor fanático e radical com o
estabelecimento da proibição e perseguição das religiões alheias, a expansão chinesa não assumiu nenhum objectivo de
propagação directa do seu ideário filosófico-religioso, antes se caracterizou pelo respeito e tolerância para com todas as
religiões dos países visitados.”5
O Boa vizinhança e paz
Pelo exposto, somos de opinião de que a essência das expedições marítimas de
Zheng He foi, logo de início, cumprir as instruções dos antepassados no sentido
de manter a boa vizinhança e a paz com os países vizinhos. Seria essa portanto,
uma das principais causas na origem das sete expedições marítimas chefiadas
por Zheng He. Tratava-se dum acto para reforçar a legitimidade do novo reinado.
Também se aponta às expedições marítimas de Zheng He a intenção de localizar
o destronado imperador Jianwen (reinou de 1398 a 1402), como medida de
precaução, dada a influência que este exercia sobre toda a Corte. Mas se alguma
vez tiveram esse objectivo, foi apenas nas primeiras viagens, já que gradualmente
Jianwen deixara de constituir ameaça para o tio que lhe usurpara o trono.
Estabelecido o prestígio imperial de Yongle, manteve-se uma certa ordem internacional nas terras visitadas pela armada de
Zheng Ho. Não afirmamos que durante estas expedições marítimas, não tivesse havido por parte dos Imperadores Ming uma
evidente intenção de impôr a suserania chinesa nos territórios visitados, recorrendo à força sempre que fosse necessário6,
mas também é inegável que nunca houve, da parte chinesa, ambições territoriais mediante conquistas ou ocupações
efectivas, pelas razões acima referidas. As actividades comerciais a que se dedicavam as armadas de Zheng He eram mais
uma medida recompensadora da vassalagem política para com a China do que transacções comerciais propriamente ditas, o
que constitui também diferença entre a expansão lusa e a chinesa.
Tal como na expansão lusitana, as expedições de Zheng He aceleraram as migrações chinesas para países da Ásia
Marítima7.
A presença da armada chinesa contribuiu para uma maior dispersão da diáspora chinesa na Ásia Marítima, de modo que
comunidades chinesas com vários milhões de membros detêm ainda hoje um peso considerável na economia local desses
países.
Durante as proibições marítimas, os chineses que emigraram formaram comunidades fortes na Ásia Marítima que mantinham
relações comerciais ilegais com as respectivas terras natais no litoral chinês, dando origem não só ao contrabando, mas
também à pirataria. Uma das tarefas de Zheng He seria reprimir qualquer comunidade chinesa dissidente da Dinastia Ming, e
combater a pirataria que pudesse pôr em causa a segurança das mercadorias transportadas pelas armadas expedicio-nárias.
Em termos económicos, as expedições marítimas de Zheng He forneceram aos
mercados externos grande quantidade de sedas, porcelanas, chá e outros produtos
chineses, contribuindo desta maneira para uma maior prosperidade da economia
nacional. Os produtos exóticos, sobretudo de luxo, que trouxeram, tais como pedrarias,
incensos e especiarias satisfizeram as necessidades chinesas, tanto imperiais como
populares. Essas preciosidades ultramarinas eram consideradas “tesouros”, daí
chamarem-se às embarcações de Zheng He “navios de tesouro”.
Haveria todo um conjunto de factores a contribuir para as expedições de Zheng He e
no entanto, cada viagem podia ter as suas motivações e objectivos diferentes.8
“O que levou a que fosse o Ocidente a carregar os ventos dominantes da humanidade,
de há 500 anos até hoje, e a partir de um pobre e despovoado território chamado
Portugal? Porque não foi a China, já então o país mais populoso do mundo e, na altura,
o mais avançado social e politicamente, a liderar o processo de mundivisão, dado que
tinha os meios técnicos e humanos ao seu alcance para o fazer?”9
Evolução e motivações
A capacidade naval não seria o único factor decisivo para as descobertas marítimas à escala mundial. Outros factores
haveria, tais como: motivações, a concepção do globo e a náutica.
O século XV foi de uma extraordinária importância para história da Humanidade. No Oriente, sociedades feudais como as da
China e do Mundo Islâmico encontravam-se no seu auge, o que simbolizava, ao mesmo tempo, o início da decadência. No
Ocidente, uma Europa renascentista, estava a sair do medievalismo, com “a expansão dos modelos neoclássicos e da
modernidade científica e tecnológica europeia”10 através das caravelas ibéricas, dando origem a uma nova era mercantil.
Com todo um dinamismo económico e religioso, as caravelas entraram nas águas tradicionalmente navegadas pelos juncos.
Quando a armada de Vasco da Gama chegou ao Índico, as expedições de Zheng He já eram recordações históricas.11
A armada gâmica, embora reduzida em número de embarcações e tripulantes, era o arauto de uma cultura cristã dinâmica e
de uma nova era. As armadas de Zheng He, maiores e das mais avançadas para a época, estavam a representar o último
acto da milenar expansão marítima chinesa. As duas armadas não se cruzaram. Sucederam-se uma à outra. Os governantes
da Dinastia Ming (1368-1644), não se aperceberam a tempo das enormes repercussões da presença portuguesa na sua
antiga “trastienda”. E o termo das expedições de Zheng He criou um certo vácuo na esfera de influência chinesa, o que
facilitou a penetração lusa no Índico. A expansão portuguesa fez-se, com os seus próprios méritos, universalmente
reconhecidos, mas este factor também terá sido importante para a sua presença no Índico e mais tarde na Ásia Marítima e no
Extremo Oriente.
Se as viagens de Zheng He tivessem continuado, a história da Ásia teria sido outra.
“Mesmo que não tivesse chegado ao Atlântico ou a Portugal, se Zheng He ou as suas
esquadras estivessem presentes no Índico quando Vasco da Gama lá chegou, a
correlação de forças teria sido diferente e os portugueses não conseguiriam com tanta
facilidade impôr-se no mapa político-económico regional. Um Gama 80 anos mais cedo,
ou um Zheng 80 anos mais tarde, daria um quadro de uma China forte, dominada por
uma Dinastia Ming (1368-1644) decidida, pronta a socorrer Estados suseranos que
seriam depois vítimas dos portugueses. Os escassos barcos lusos, munidos apenas da
superioridade tecnológica dos canhões, tripulados, na sua maioria, por gentios, entraram
no Índico quando a Dinastia Ming (1368-1644) estrebuchava, a braços com rebeliões
internas e sem uma elite esclarecida.”12
A empresa de Vasco da Gama era tanto dinâmica como promissora, enquanto a de Zheng He, apesar de ser de grande
envergadura, era desprovida de futuro, não passava de um “beco sem saída” da Dinastia Ming (1368-1644). “Quando D.
Henrique, o Navegador, mandava os seus navios descer, palmo a palmo, a costa ocidental de África, do outro lado do planeta
navegadores chineses possuíam uma marinha sem paralelo em número, perícia e tecnologia. A sua grande frota já navegara
para além do mar da China e à volta do oceano Índico, tendo chegado, pela costa oriental de África abaixo, à própria ponta do
Continente Negro. Mas enquanto as explorações das naus de D. Henrique foram um prólogo para viagens marítimas que
levariam à descoberta de todo um novo mundo e à circum-navegação do globo, as mais grandiosas expedições chinesas da
mesma era conduziram a um beco sem saída. Prefaciaram o catastrófico isolamento dos Chineses no interior das suas
próprias fronteiras, com consequências que ainda hoje vemos.”13
“A China navegou por mares bem conhecidos de há muitos séculos, enquanto que Portugal deu a conhecer o desconhecido
ao Mundo. Os portugueses traçaram, pela primeira vez na história, uma rota marítima directa que contornou África e ligou de
forma pioneira a Europa à China.”14Por isso, dado o desconhecimento de rotas que atravessavam o “Mar Tenebroso”, as
flotilhas de Zheng He nunca chegariam à Europa, e muito menos às Américas como o inglês Gavin Menzies tenta provar.
Os descobridores europeus e os seus “patronos” tinham a convicção de que o mundo era redondo, de maneira que as suas
navegações não foram uma aventura cega, enquanto na China estava muito enraizado um conceito de Mundo em que a terra
era plana. Na China antiga, nunca houve a preocupação de comprovar a existência da esfericidade, o que quer dizer que,
teoricamente, as viagens de Zheng He não tinham a mínima missão descobridora, ao passo que as expedições europeias,
logo desde o início, estiveram orientadas por uma convicção teórica, à espera de comprovação.
Apesar das motivações e da convicção da globalidade da terra, para as viagens marítimas eram necessárias cartas náuticas
ou portulanos para levar os barcos a bom porto. A China ainda não conhecera um Ptolomeu até ao início da Dinastia Ming.
No meio académico chinês e do Mundo Chinês, existe uma tendência de sobrevalorização das
expedições de Zheng He, com uma certa ufania nacionalista. Mas cabe reflectir sobre o porquê
das descobertas marítimas europeias, levadas a cabo por Cristóvão Colombo, Vasco da Gama e
Fernão de Magalhães, terem mudado o destino do Mundo e da Humanidade, e não o ter
conseguido a China com as sete expedições de Zheng He.
No mesmo século XV e pelas mesmas águas, duas armadas fizeram as suas navegações, com
objectivos bem diferentes. A gâmica personificava uma Europa dinâmica e ambiciosa e a de
Zheng He, uma decadência já à vista. Esta sucessão, não teria sido uma casualidade, mas
antes uma evolução lógica da história da Humanidade. Uma fatalidade histórica!
“Quando os Europeus se faziam ao mar largo com entusiasmo e grandes esperanças, a China,
presa à terra, encerrava as suas fronteiras. Adentro da sua Grande Muralha física e intelectual,
evitava todo o contacto com o inesperado. A unidade da descrição geográfica chinesa fora
durante muito tempo o kuo, ou país uma terra habitada sob um governo estabelecido. E só tal
governo podia ser tributário dos Filhos do Céu. Por isso, os Chineses mostravam pouco
interesse por terras desabitadas ou longe do seu alcance. Desde o século II que a ortodoxia
confuciana confirmara a sua ênfase no interior. Por que haveriam os eruditos confucionistas de
se preocupar com a forma do mundo exterior?
A esfericidade da Terra interessava-os menos como fenómeno da geografia do que como um facto da astronomia. A ideia grega de cinco
faixas de climata estendendo-se à volta do globo e as doutrinas associadas que caracterizavam as plantas e os animais que cresciam
em cada zona, não lhes eram apropriadas. Ao invés, eles descreviam as características culturais de todas as partes do globo pelo seu
relacionamento com o Reino Central único e não sentiam nenhum impulso para descobrir caminhos marítimos para terras exóticas ou
demandar a terra incógnita.”15
O carácter estatal constitui uma semelhança histórica entre as viagens de Zheng He e as de Vasco da Gama. Hoje em dia, Vasco da
Gama é considerado como o fundador da “Era Gâmica”16 da Ásia, que só terminou com a reintegração de Macau na China, e o
almirante Zheng He só agora é que está a ser relembrado ao Mundo Chinês. Prepara-se uma série de eventos comemorativos dos 600
anos das viagens de Zheng He, dos quais se destacam a organização de conferências internacionais, actividades editoriais, a proposta à
ONU para fixar o ano de 2005 como “Ano Pacífico dos Mares” e dois projectos multimilionários de construção de réplicas de “Navios de
Tesouro” de Zheng He.
Tanto Zheng He como Vasco da Gama foram gigantes da sua época, que contribuíram para os avanços da geografia universal e a
exploração dos mares. Se o nome de Vasco da Gama está entre os grandes da história da Humanidade, o de Zheng He não pode ser
esquecido ou ignorado. Não obstante, os dois grandes navegadores, partindo de direcções opostas, não produziram as mesmas
repercussões na história da Humanidade, apesar da existência de certos paralelismos entre os dois. Sabemos que ambos foram
executores de planos oficiais. E porque é que a empresa de Zheng He não terá tido continuação? As possíveis causas da suspensão das
viagens de Zheng He, tal como as do seu lançamento continuam a ser um completo mistério, a suscitar muitas especulações e
controvérsias.
O porquê da descontinuidade
Todo um conjunto de causas profundas e complexas contribuíram para esta
situação. Quanto a nós, a causa principal reside em que no início da Dinastia Ming
(1368-1644), no seio da sociedade feudal chinesa tradicionalmente agrícola, ainda
não havia fortes impulsos do mercantilismo, nem necessidade de mercado
externo. Enfim, não havia motivos nem objectivos económicos claros e
persistentes. Tudo dependia da vontade do Imperador, de maneira que muitas
missões de carácter mais ou menos político foram sendo suspensas à medida que
mudavam os titulares dinásticos. Zheng He serviu três imperadores, e mesmo
assim, as suas causas, em certo sentido mais directamente nacionais e imperiais,
não tiveram a continuidade que mereciam. Isto prova a falta de motivações
económicas dinâmicas das expedições de Zheng He.
As expedições de Zheng He morreram com a sua morte, enquanto nas
descobertas marítimas ibéricas, apareceram inúmeros Colombos, Gamas e
Magalhães. E na história da China nunca houve um segundo Zheng He. Não
merece isto reflexão?
“O propósito destas frotas do Grande Tesouro é difícil de apreender pela
mentalidade ocidental. Os interesses e os objectivos de Cheng Ho estavam tão
distantes como os pólos dos interesses e objectivos das frotas europeias da idade
dos descobrimentos. Os Portugueses, que desceram a costa ocidental africana e
contornaram o cabo até chegarem à Índia, desejavam aumentar a riqueza da sua
nação, assegurar o acesso aos produtos e aos bens sumptuários característicos
do Oriente e converter os pagãos ao cristianismo.”17
Será muito difícil, senão impossível ordenar numa escala de importância os
motivos do início e da suspensão das expedições de Zheng He, porque eles não
ocuparam sempre a mesma posição. Alternaram em função das circunstâncias.
Do auto-isolamento à abertura
A política da Dinastia Ming (1368-1644) para a Ásia Marítima e o Índico teve ênfases e
fases diferentes. No reinado do seu fundador, aplicavam-se as proibições marítimas que
tornaram o auto-isolamento a pedra basilar da defesa nacional. A partir do Reinado de
Yongle, esta orientação mudou, dando lugar a uma política de expansão marítima, que
veio a mobilizar muitos recursos, mas que dependia unicamente da vontade pessoal do
Imperador. No caso português, a expansão foi uma política nacional baseada na
necessidade social e na consciência popular, com fortes e claros objectivos económicos
e religiosos, que garantiam a sua continuidade.
A mudança da política chinesa teve as suas profundas causas internas. Desde a
fundação da Dinastia Ming (1368-1644), o país viveu longos períodos de guerra. No
Norte, houve as expedições contra os mongóis, no Sul, as guerras com o Aname, pelo
litoral sudeste chinês, desenvolvia-se a luta contra a pirataria japonesa e no sudoeste
surgiram revoltas de minorias étnicas. Além dos gastos militares, as despesas com as
construções contínuas de palácios tanto para os Imperadores como para os príncipes
mandados para várias localidades do território nacional quase esgotaram o cofre do
Estado, colocando o povo sob uma pesadíssima carga fiscal e com uma vida
insuportavelmente miserável. A guerra de sucessão entre o Imperador Jianwen e o seu
tio (que seria Imperador Yongle), durou quatro anos, arrasando a já debilitada economia
nacional. Quando o vencedor subiu ao trono, as finanças públicas estavam virtualmente
à beira da bancarrota.
O dramatismo da situação impunha uma mudança da política de isolamento para uma abertura, na tentativa de resolver a
crise financeira e económica com o tradicional comércio externo com a Ásia Marítima e o Índico, dado que a via terrestre
estava sob o controlo do Império de Tamerlão. Disso dá-nos conta uma fonte fidedigna da Dinastia Ming, nos seguintes
termos: “Desde o início da entronização do Imperador Yongle, foram enviados muitos emissários para fora, com decretos
imperiais para atrair bárbaros marítimos. Com isto, vieram sucessivamente tributos, compostos por mercadorias exóticas e
tesouros de grande valor, que os reinados anteriores nunca tiveram. Tais coisas enchiam os armazéns oficiais. Até o povo
foi, mediante decretos, autorizado a dedicar-se ao comércio de tais produtos com que se lucrava muito e se enriquecia. Os
muitos benefícios que traziam para as finanças públicas faziam inveja.”18
Âmbar para o imperador
Em vez de capitalizar os enormes lucros do comércio externo, uma das tarefas
das expedições era procurar coisas exóticas, de luxo, para a casa imperial, das
quais destacamos o âmbar, como prova este registo histórico: “O Imperador
Taizong [Zhu Yuanzhang], ao se entronizar, planejava exercer um controlo que
se estendia longe de maneira a mandar ir comerciar a Xiyang19, à procura de
coisas exóticas. Pérolas tão cintilantes como a lua, pedras preciosas como
Yagu20, incensos como chen(xian)21, nan(xiang)22, long(xianxiang)23 e
su(xiang)24, animais exóticos como Lin25, leões, pavão real e Cuiniao26,
coisas preciosas como Meinao27 e água de rosa, coisas tão lindas como
corais e Yaokun28 vieram amontoadas em barcos das expedições.”29
“Nos reinados anteriores ao de Jiajing (1521-1566), este produto fazia parte dos tributos que alguns países do Sudeste
Asiático traziam para a China. Outra via para a sua obtenção eram as viagens marítimas chefiadas pelo eunuco Zheng He. O
início e o fim das navegações do Almirante Zheng He constituíram, respectivamente, o momento mais alto e o começo da
decadência da ligação externa da China Antiga e também o percurso da queda do Império Ming marcando o momento mais
poderoso no rumo do seu declínio. Com a suspensão de tais navegações, os países tributários da China deixaram de vir com
tanta frequência, o que provocava a escassez de tal produto ao ponto de a Corte de Pequim se ver obrigada a tentar
consegui-la fora dos circuitos do comércio tributário, isto é, pela via dos comerciantes estrangeiros.
Sabe-se que o Imperador Jiajing (1521-1566), passada uma dezena de anos sobre as suas ordens de busca do âmbarcinzento, acabou por ser tomado da maior perturbação. É esse o testemunho de Gu Yanwu, na sua ‘Geografia Universal’:
Quase cem anos antes de Colombo e de Vasco da Gama, entre 1405 e 1433, em pleno reinado do Imperador Yongle, o
almirante-eunuco Zheng He, à frente de 28 mil homens e dispondo de uma frota de trezentos grandes juncos (bao chuan,
‘navios do tesouro’), cada um medindo 120 metros de comprimento e junto aos quais as caravelas espanholas e portuguesas
teriam parecido brinquedos de criança, realizou sete grandes viagens pelos Mares da China e pelo Oceano Índico,
conquistando Ceilão e Sumatra, atingindo Borneo, Celebes, Taiwan, Filipinas, Cambódia, Singapura, Timor, Java e
possivelmente a Austrália, chegando ao Mar Vermelho, Pérsia e Arábia, ladeando toda a costa oriental da África até
Madagáscar e só se detendo ante a malograda tentativa de conquistar o Japão.”30
No caso português, embora não houvesse ordens expressas da procura de coisas exóticas para a coroa, os capitães-mores
sempre trouxeram preciosidades ultramarinas para a realeza. Da China apenas citamos o caso das porcelanas, adquiridas na
Índia antes de terem contactos directos com a China.
Os produtos de luxo que a Casa Imperial chinesa mandava procurar e trazer à
China, além do seu valor de consumo, podiam ter certa função política, para
comprovar o poderio imperial que se estendia além fronteiras chinesas, perante
os seus vassalos.
Daniel J. Boorstin comenta: “As curiosidades do Mundo transformaram-se em
meras manifestações da virtude da China.”. Este fenómeno é um pouco universal.
Na expansão portuguesa, com o rinoceronte mandado pelo D. Manuel ao Papa
Francisco I31 a Coroa Portuguesa não comprovou perante toda a Cristandade os
êxitos das suas descobertas marítimas e ganhou mais prestígio internacional?
O Imperador Yongle sempre tentou harmonizar as políticas interna e externa, em benefício mútuo, procurando tirar proveito da
diplomacia para a governação interna. As possíveis razões políticas das expedições de Zheng He teriam a sua componente
na política interna e a vertente na política externa, alternando com facilidade.
Tendo usurpado o trono a Jianwen, o Imperador Yongle precisava de ser legitimado. E um reconhecimento interno, imposto
pelo medo, não seria suficiente para tal feito. Fazer com que os antigos países vassalos da China regressassem à política de
obediência e vassalagem na Corte seria uma medida polivalente. Recuperava a suserania chinesa sobre a Ásia Marítima e o
Índico e reforçava a sua legitimidade perante a sua própria nação. Poderá ter sido esse o objectivo principal das primeiras
expedições, que foram muito dispendiosas. Uma China sinocêntrica não dispenderia tantos recursos só para fins de política
externa, Uma vez consolidado o trono de Yongle, terá desaparecido esta razão de entre as das expedições de Zheng He.
O outro factor considerado – determinação do paradeiro do destronado Imperador Jianwen – seria maior a preocupação do
Imperador Yongle quanto ao reconhecimento por parte dos antigos países vassalos da China. As expedições de Zheng He
visavam verificar a situação e impôr o reconhecimento de Yongle, caso fosse necessário, O eunuco destacara-se com
reconhecidos méritos militares na guerra de Jinnan encetada em 1399, e tornara-se valido do Imperador Yongle.
As primeiras expedições de Zheng He tinham por tarefa principal dar a conhecer a
legitimidade do novo reinado, recuperar e desenvolver as relações com os países da
esfera chinesa, fazendo com que o novo Imperador, usurpador, fosse reconhecido como
o legítimo dono do trono que ocupava. Isto visava conseguir a continuação de uma
tradicional vassalagem política, a qual funcionaria como uma garantia das relações
entre a China suserana e os seus susernados.
O paradeiro do destronado Imperador Jianwen era um mistério completo. “O Imperador Chengzu [Yongle] suspeitando que o
Imperador Hui [Jianwen] tinha fugido pelos mares, queria procurá-lo por qualquer pista.”, refere o Mingshi (História dos
Ming.Pequim, Livraria China, 1974, pp.7766). Revela-se plausível e aceitável que as primeiras expedições de Zheng He
pudessem ter essa missão política secreta. Mas as últimas já não. Se não fora descoberto nas primeiras, muito menos o seria
nas seguintes: para qualquer intento de restauração do seu reinado, o imperador deposto teria que ter o apoio das
comunidades chinesas ultramarinas. Fariam algum sentido as expedições que chegaram à costa oriental africana, onde não
havia diáspora chinesa? E à data das últimas expedições, o possível refugiado já seria um foragido de provecta idade,
deixando de constituir ameaça. Com os insucessos na procura do Imperador Jianwen, as expedições de Zheng He perderam
mais uma possível razão de ser.
Muitos dos antigos países vassalos da China, desde os finais do reinado de Hongwu (1368-1398) deixaram de vir prestar a
sua vassalagem, traduzida em missões tributárias. O Imperador Yongle, como todos os monarcas de todas nações de todas
as épocas, ambicionava a liderança, fosse efectiva ou imaginária. A fim de restaurar uma cena política em que todos os
países vassalos da China competiam nos tributos para a Corte dos Ming, já o seu pai, o fundador da Dinastia, mandara vários
eunucos como emissários imperiais para alguns países da Ásia Marítima e o Índico a comunicar a sua entronização. Estas
missões diplomáticas recolheram as informações necessárias ao envio posterior das expedições de Zheng He, que eram uma
continuação da política externa do Imperador Hongwu (Zhu Yuanzhang). Com as missões de Zheng He, as relações entre a
China e o resto do “Mundo Chinês” foram reforçadas e o prestígio político da Dinastia Ming alargado. Atingidos os objectivos
político-diplomáticos fundamentais das expedições marítimas de Zheng He, não havia, de novo, razão para continuar.
É evidente que de entre todos os motivos que se poderiam alegar para tentar
explicar o abandono da expansão marítima chinesa, liderada por Zheng He, as
grandiosas despesas, sem retorno económico suficiente, seriam os mais
liminares, directos e decisivos.
Nos finais do século XV, a Europa viu barcos ibéricos a desbravar os mares
dantes desconhecidos. O que tornou isto possível foram os impulsos económicos
e religiosos, verdadeiras forças motrizes das descobertas marítimas europeias,
que faltaram às expedições de Zheng He. As descobertas marítimas europeias
tinham, por assim dizer, uma base económica relativamente débil, mas um
objectivo económico bem claro e firme, enquanto na China, a expansão marítima
se iniciou com um poderio militar único na Ásia, mas demasiadamente ao serviço
de objectivos políticos.
As expedições de Zheng He teriam sido possíveis graças a um forte controlo estatal da economia social chinesa. À medida
que a economia de mercado ia ganhando terreno e a economia de estado ia enfraquecendo, desaparecia a base económica
que sustentava as dispendiosas expedições marítimas. A suspensão das expedições de Zheng He serviram para comprovar
ao mesmo tempo os seus fins político-diplomáticos e os seus fracos fins económicos.
As imensas perdas humanas podem ter sido outro dos motivos do fim das expedições, bem como convulsões sociais
provocadas pela excessiva carga fiscal, as revoltas das minorias étnicas, a pirataria japonesa, os conflitos fronteiriços,
incidentes como o “Tumuzhibian”(que levaram à captura do malogrado imperador Zhu Qizhen (1427-1464) pelos mongóis), a
corrupção generalizada da administração, liderada por eunucos-validos de imperadores, lutas palacianas pelo poder, etc.
Atingidos os fins político-económicos face ao empobrecimento dos recursos estatais disponíveis, e uma série de
circunstâncias internas, o fim da expansão chinesa era de esperar.32
Em suma, as expedições de Zheng He foram uma proeza sem precedentes na história das navegações marítimas da China e
do Mundo. Foram actos de Estado, onde se reuniram os factores político, diplomático, militar e económico. Tiveram por
objectivo primordial criar um cenário político de obediência internacional para impôr uma obediência interna, que viria legitimar
a sucessão de Yongle. À primeira vista, poderiam bem parecer operações no âmbito da diplomacia chinesa. Mas na realidade,
para além da sua vertente diplomática, traduziram-se antes numa imperiosa necessidade interna: o reconhecimento e a
confirmação da legitimidade do Imperador Yongle pela sua própria nação, factor indispensável para a consolidação do seu
poder. Era uma operação político-diplomática, funcionando como factor dissuasor de combate aos mongóis e anamitas.
Estas expedições marítimas tiveram também uma função comercial, que nunca chegou a
fazer parte dos objectivos planejados e os resultados não compensavam. Por terem sido
transacções para satisfazer necessidades de produtos exóticos da Corte Imperial e não
para promover a economia nacional.
As mercadorias autóctones chinesas que as armadas imperiais transportavam, eram, na
sua maioria, “ofertas imperiais” em troca de “obediência política”. Eram “lubrificantes” nas
operações político-diplomáticas e não mercadorias destinadas a transacção comercial
que pudessem render lucros. Os produtos exóticos que vieram pela troca, na maioria de
luxo, eram para consumo da casa imperial e da fidalguia. Sem o mercantilismo e a
religião como forças motoras e motivadoras, as expedições de Zheng He terão sido um
enorme “mau negócio” embora visando um “negócio da China” no campo políticodiplomático. O que era evidentemente insustentável por muito mais tempo, mesmo para
um país rico como a China quinhentista.
“A frota de Cheng Ho vinha de outro mundo. O propósito das suas vastas, dispendiosas e extensas expedições não
era acumular riquezas, comerciar, converter, conquistar ou coligir informações científicas. Perfeitamente equipados
com a tecnologia, a inteligência e os recursos naturais para se tomarem descobridores, os Chineses condenaram-se
a serem os descobertos”, refere Daniel Boorstin.
Zheng He
Nasceu em 1371, em Kunyang, na província de Yunnan, de uma família muçulmana, cuja
história remonta à Dinastia Song (960-1279), e proveniente da Ásia Central. Chamava-se Ma
He. O seu apelido Ma vem do árabe Mohamed. Aos dez anos, foi capturado numa campanha
militar e feito eunuco. Trazido à Corte em Pequim, participou em várias campanhas militares,
sobretudo na guerra de sucessão de Jinnan, ao lado de Zhu Di, Príncipe de Yan, que veio a
ser o imperador Yongle. Tendo-se tornado um valido do Imperador, foi-lhe dado em 1404 o
apelido—Zheng, pelo que se passou a denominar Zheng He. Desde 1405 até 1433, Zheng
He chefiou sete expedições marítimas, escalando dezenas de países asiáticos e africanos.
Zheng He terá morrido em Calecute no ano de 1433, após 28 árduos anos de viagens
marítimas. Os seus restos mortais trazidos para a China repousam em Niushoushan, em
Nanjing.
Bibliografia
1 Zheng Yijun, As técnicas de navegação nas armadas de Zheng He e a sua contribuição para a ciência náutica, in Actas do Seminário Ciências Náuticas de
Navegação nos Séculos XV e XVI, Instituto Cultural de Macau e Centro de Estudos Marítimos de Macau, 1988, pp.73-98 e Daniel J Boorstin, Os Descobridores, Lisboa,
Gradiva, 2ª edição, Março, 1994, pp.181-182.
2Wu Zhiliang, O encontro Luso-Chinês em Macau, in Administração, Volume IX, nº 33, Setembro de 1996, pp.655-656 e Zhang Junyan, Gudai Zhongguo Yu Xiya
Feizhou De Haishang Wanglai (Comunicações Marítimas entre a China antiga e Ásia Ocidental e a África), Pequim, Editora de Mar, 1986, pp.1-180 e dd,pp.182.
3 Fernando Correia de Oliveira,“500 anos de contactos Luso-Chineses”, Público e Fundação Oriente, Lisboa, 1998 , pp.13.
4 Fernando Correia de Oliveira, op. cit., pp.13-14. Para um estudo mais específico, vejam A. Mesquita Borges e M. Bairrão Oleiro, Viagens Marítimas Portuguesas e
Chinesas. Encontros e Desencontros, in Actas do Congresso Internacional Bartolomeu Dias e a sua Época, vol. II, Porto, Universidade do Porto e CNCDP, 1989, 391402.
5 Rui D’Ávila Lourido, Zheng He (1371-1433/6) e a Expansão Marítima Chinesa de 1405 a 1433, in Dicionário da História de Macau, Universidade de Macau (no prelo).
6 Haraprasad Ray, The Eastern Ocean and the Western Ocean – Chinese Involvement in the Geopolitics of the Pacific and the Indian Ocean Region Prior to the Advent
of Portuguese Power, in The Portuguese and the Pacific, University of California, Santa Barbara, 1993, pp.372-374.
7 Claudine Lombar Salmon, La Communauté chinoise de Makasar, in T’oung Pao, nº LV, 1969 e as obras de Wang Gengwu sobre este tema.
8 Ai Zhouchang e Mu Tao, Zhongfei Guanxishi (História das Relações entre a China e a África), Shanghai, 1996, pp.68-72.
9 Fernando Correia de Oliveira, op. cit., pp.9-10.
10 Rui D’Ávila Lourido Zheng He (1371-1433/6) e a Expansão Marítima Chinesa de 1405 a 1433.
11 Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, Putaoya Shiliao Zhong Zheng He Xia Xiyang Zhi Shishi Shulue (Uma recolha de fontes portuguesas sobre Zheng He e suas expedições
marítimas), in Dongxi Wangyang (Em busca de história(s) de Macau apagadas pelo tempo), Macau, 2002, pp. 212-246.
12 Fernando Correia de Oliveira, op. cit., pp.15.
13 Daniel J Boorstin, op. cit., pp. 178.
14 Zheng He (1371-1433/6) e a Expansão Marítima Chinesa de 1405 a 1433.
15 Daniel J Boorstin, op. cit., pp.191.
16 Almerindo Lessa, op. cit., pp. 17.
17 Daniel J Boorstin, op. cit., pp.183.
18 Wu Zhiliang e outros (dir.) Mingqingshiqi Aomenwenti Danganwenxian Huibian (Colecção Documental de Arquivos das Dinastias Ming e Qing relativos a Macau),
Pequim, Editora do Povo, 1999, vol. 5, pp.133-134.
19 Jin Guo Ping, Daxiyangguo—O Reino de Grande Mar do Ocidente, in Daxiyangguo—Revista Portuguesa de Estudos Asiáticos, Volume I, nº 1, 1º Semestre 2002,
Instituto do Oriente, Universidade Técnica de Lisboa, pp. 5-31 e The Eastern Ocean and the Western Ocean—Chinese Involvement in the Geopolitics of the Pacific and
the Indian Ocean Region Prior to the Advent of Portuguese Power, pp.365-367.
20 Do arábico-persa “yakut”, que quer dizer“rubi”.
21 Garo (malaio garu). Também se chama águila ou lenho-aloés.
22 Abreviatura de Jiananxiang. Calambuco, do malaio “kalambak”.
23 Âmbar cinzento.
24 Uma variedade de garo.
25 Abreviatura de “Qilin”, um lendário animal chinês. Para mais informações, cf. Daniel J Boorstin, op. cit., pp. 187-189.
26 Martinho-pescador (Alcedo atthis)
27 Abreviatura de “Meihuapiannao”, também conhecido como “Piannao”, uma espécie de “Longnao (Miolo de Dragão)”. Trata-se da cânfora de Bornéu.
28 Jades.
29 Huang Shengzeng, Xiyang Chaogong Dianlu (Vademecum dos Países Tributários de Xiyang), Pequim, Livraria China, 1982, pp.7.
30 Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, Reformular as Origens de Macau—Imperadores, Âmbar-Cinzento e Macau, in Revista Macau, II Série, nº 92, Dezembro de 1999, pp.
175-190.
31 Almerindo Lessa, op. cit., pp. 96-97.
32 Almerindo Lessa, op. cit., pp.98 e Hariprasad Ray, The eighth voyage of the Dragon that never was, an inquiry into the causes of cessation of voyages during the
early Ming dynasty, in China Report, 23/2 (1987) pp. 157-178.