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FSM 2009 AMAZÔNIA
Jornal: CARTA MAIOR
Data: 31/01/09
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Palestinos defendem prioridade para boicote econômico a Israel
Ativistas palestinos presentes ao FSM 2009 priorizam campanha de boicote econômico
a Israel e pedem anulação do Tratado de Livre Comércio entre Israel e Mercosul. “Não
precisamos de que a luta palestina seja encampada por todos. A resistência palestina
existe há 60 anos e continuará. Devemos isolar Israel. Parar de comercializar seus
produtos. Devemos boicotar até que Israel venha a respeitar as resoluções da ONU" diz
Jamal Jumá, coordenador do movimento "Stop the Wall".
Katarina Peixoto
BELÉM - Aqui no FSM 2009 a percepção de que Israel pela primeira vez perdeu uma
guerra ecoa na qualidade da participação palestina, que mudou muito. Os movimentos
sociais da região não buscam mais visibilidade, apenas, nos debates e ambiente do
Fórum. O mais recente massacre em Gaza atendeu a essa demanda. Os palestinos aqui
presentes vieram com uma agenda de natureza popular e política.
Jamal Jumá, coordenador do movimento Stop the Wall – que participa do Fórum desde
2004 e que estava no painel Um Mundo sem Guerras é Possível, promovido pelo
Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso) –, ocorrido no dia 30 , resumiu
da seguinte maneira a sua campanha nos FSM: “Não precisamos de que a luta palestina
seja encampada por todos. A resistência palestina existe há 60 anos e continuará. O que
precisamos é que os movimentos se unam para que tenhamos a paz não em 20, mas em
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10 anos”.
Do ponto de vista político a “causa palestina” neste FSM prioriza a campanha de
boicote econômico a Israel, inclusive com uma campanha pela anulação do Tratado de
Livre Comércio entre Israel e o Mercosul. Trata-se de uma tentativa de repetir a
condenação ao regime de Apartheid na África do Sul, nos anos 80.
A perspectiva é conter Israel através de um movimento popular, palestino e
internacional. No dia seguinte ao painel organizado pelo Clacso neste FSM, o jornal
israelense Haaretz publicou com exclusividade uma matéria que talvez explique a
agenda desses palestinos engajados no FSM. Os dados, minuciosamente apurados e
alarmantes, dão conta do expansionismo israelense sobre territórios palestinos da
Cisjordânia e foram, durante anos, mantidos em segredo pelo exército de Israel.
Segundo a matéria assinada por Uri Blau, “uma análise dos dados revela que, na imensa
maioria dos assentamentos – algo em torno de 75% - a construção de casas, algumas
vezes em larga escala, tem sido feita sem o cumprimento dos procedimentos adequados
ou contra a lei que disciplina o assunto. Os dados também mostram que, em mais de
30% dos assentamentos a construção extensiva de prédios e infraestrutura (estradas,
escolas, sinagogas, yeshivas e mesmo postos policiais) ocorreram em terras privadas
pertencentes aos residentes palestinos da Cisjordânia”.
O exército de Israel levantou esses dados inicialmente para se defender de acusações de
movimentos dos direitos humanos e de reivindicações judiciais de palestinos. Talvez
essa realidade explique a consideração de uma década, por parte da campanha Stop the
Wall, para que a paz seja alcançada entre ambos os povos. Desde 2002 - no governo de
Ariel Sharon - Israel começou a erguer um muro de concreto de nove metros de altura e
em torno de 700 km de extensão, anexando territórios palestinos e isolando ambas as
comunidades, na região da Cisjordânia. A campanha que Jumá coordena chama esse
muro de Muro do Apartheid. “Israel dá claros sinais de que não quer a paz, construindo
colônias e estradas do apartheid, em que carros palestinos não passam. Pode-se sair de
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uma colônia ilegal até Tel Aviv sem ver um palestino sequer”, denunciou.
“Acredito que a paz seja fácil de se obter na Palestina, mas é difícil se as coisas
continuarem como estão”, disse o ativista palestino, registrando a assimetria militar dos
ataques israelenses em Gaza. “Foram 44 mil casas destruídas, usaram bombas de
fósforo”, disse, para acrescentar em seguida que houve uma média de 230 palestinos
mortos para cada israelense que morreu. O número de palestinos mortos recentemente
em Gaza, segundo ele, “seria algo comparativamente a 730 mil brasileiros mortos”.
Em seguida, o ativista, que é formado em literatura árabe, fez um balanço do que
sucedeu aos ataques recentes: “ficamos com duas lições quanto às pessoas: a primeira é
que jamais tivemos em nossa experiência uma solidariedade como tivemos ao nosso
povo, nessas três semanas. Foi uma heróica resistência, um grande exemplo; a segunda
é que Israel não conseguiu entrar com seus tanques nas áreas habitadas de Gaza. Apesar
de sua força militar, Israel não conseguiu quebrar o tecido social em Gaza”, concluiu.
Para Jumá, o apelo às leis internacionais, à ONU e ao seu Conselho de Segurança não
pode depender, apenas, de governos ou membros dos poderes estatais. Ele interpreta os
movimentos subsequentes ao ataque a Gaza da comunidade internacional como de
apoio, cumplicidade e anuência para com Israel. Tampouco guarda grandes expectativas
frente ao presidente norte-americano recém empossado, Barack Obama: “Ficamos
frustrados em não escutá-lo defender o fim da ocupação e o reconhecimento dos direitos
dos palestinos. Nem mencionou os crimes de guerra”, disse, para afirmar o que esperava
do novo presidente: “O que esperamos de alguém como ele, o primeiro negro a
governar o país, é que os Estados Unidos peçam perdão pelos crimes que cometeram
contra o mundo, contra os palestinos, contra o Iraque, o Afeganistão, o Cambodja, o
Vietnã, o mundo árabe... a lista é longa”, disse o palestino.
No lugar do apelo aos governos e aos dirigentes estatais, o coordenador do Stop the
Wall defende a militância política, popular e internacional das sociedades civis
organizadas. Para ele, está em jogo, neste momento, barrar um diagnóstico e um projeto
que, segundo disse, é apoiado por Barack Obama e pelo ex-senador George Mitchell, o
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novo enviado especial para o Oriente Médio, dos EUA. “Eles defendem um estado
palestino contíguo ao israelense e apresentam como solução para os territórios
palestinos ocupados um projeto de industrialização, como se dizendo 'vocês vão ter
empregos, mas não seu território'”.
O projeto a que Jamal Jumá se refere transformaria o que se vem chamando um tanto
simpaticamente da solução “dois povos, dois estados” num campo minado de conflitos
infindáveis, porque iria ser criada uma zona de bolsões, ou um, nas suas palavras,
“estado bantustão”, os falsos estados que o regime do Apartheid criou, na África do Sul,
para manter os negros longe das terras dos brancos mas próximos dos postos de trabalho
dominados por estes. Apesar de os bantustões, espécies de favelas legalmente
constituídas serem em tese territórios autônomos, de fato eram territórios depauperados,
sem independência. No caso dos palestinos, seria, inclusive, cercado por um imenso
Muro, que Jumá combate na sua campanha.
Para Jumá, os cercos a Belém, com o “Muro do Apartheid” e o bloqueio a Gaza são
expressões de um aviso à população palestina da Cisjordânia. Algo como “se vocês não
aceitarem esse sistema, a Cisjordânia pode ser bombardeada como Gaza foi”, disse
Jamal, para afirmar que “o ataque a Gaza é só um aviso à Cisjordânia”.
A defesa do papel dos movimentos sociais que orbitam no FSM não é, para o ativista
palestino, a de salvar os palestinos ou de oferecer-lhes uma solução. Ambos os
procedimentos não deixam de abundar em sua inutilidade e hipocrisia, dada a fraqueza
da ONU e as trevas da quadra recente da história sob os anos George W. Bush, para
dizer o mínimo. Para ele, a solução dos problemas dos palestinos “deve partir da
Palestina”. O apelo de Jumá ao FSM é um apelo pelo boicote comercial a Israel, com
base na perda de credibilidade na força de lei das decisões da ONU. “Devemos isolar
Israel, boicotá-lo. Parar de comercializar seus produtos. Devemos boicotar até que Israel
venha a respeitar as resoluções da ONU. Precisamos que esse movimento continue.
Lutar contra os acordos de livre comércio que Israel tem celebrado com vários países,
inclusive com o Mercosul. Precisamos pensar neste fórum em como trabalhar unidos, ao
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redor do mundo”.
Essa é a agenda, não apenas do Jamal Jumá e do movimento Stop the Wall, mas de
muitos outros movimentos palestinos presentes em Belém. Eles defendem (ainda que
não falem disso aberta e espontaneamente) uma tese que já foi considerada utópica,
mais ou menos nos anos 60 do século passado, a saber, a de um único estado, laico,
binacional, sem muros, nem fronteiras entre os povos, sem documentos de identificação
distintos. Afinal, disse Jumá, “ou reconhecemos que não vamos eliminar a existência
um do outro e que estaremos sempre juntos, ou o conflito nunca terá fim”.
Dada a ocupação empedernida de Israel sobre territórios palestinos, já a mais longa da
modernidade, e dada essa derrota moral e política que parece clara para os participantes
deste Fórum, essa utopia pode vir a fazer sentido. Pode ganhar realidade, pois, como
disse o palestino, “as questões essenciais do mundo, que aqui se discutem, dizem
respeito a cada um de nós”, chamando à militância, não pela visibilidade, mas pelo
reconhecimento.
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