Acta
Oftalmológica
12; 13-15,
Estudo
da autofluorescência
do2002
cristalino em doentes submetidos a fotoquimioterapia (PUVA)
13
Estudo da autofluorescência do cristalino em
doentes submetidos a fotoquimioterapia (PUVA)
Nuno Pontinha*, Ângela Carneiro**, A. Rocha Sousa**, A. Paula Costa***, Fátima Matos***, Falcão Reis****
Trabalhos prévios demonstraram um aumento gradual da autofluorescência (Fa) do
cristalino humano ao longo da vida, numa relação directamente proporcional à idade.
Estudos transversais efectuados no nosso Serviço apontaram para que possa existir um
aumento adicional de Fa em doentes submetidos a fotoquimioterapia (PUVA). Os autores pretenderam quantificar o incremento de Fa através de avaliações seriadas ao
longo do tempo.
Foram seleccionados 12 doentes com idades compreendidas entre os 18 e os 53 anos (6
do sexo masculino e 6 do sexo feminino), que necessitaram de tratamento PUVA devido a doenças dermatológicas. Foi realizada uma avaliação antes do início do tratamento,
que incluiu exame oftalmológico completo e fluorometria do cristalino. Foram reavaliados
periodicamente, com tempos de follow-up compreendidos entre 7 e 24 meses.
Encontraram-se valores de Fa superiores aos esperados para a idade em todos os
doentes, sendo o incremento sempre maior que 5% e em 5 doentes superior a 20%, na
ausência de opacidades lenticulares.
Sabendo-se que indivíduos com opacidades cristalinianas apresentam valores de Fa
elevados, a fotoquimioterapia, ao facilitar a acumulação de compostos autofluorescentes
no cristalino, poderá desempenhar um papel na cataratogénese.
Palavras-chave:
Fluorometria; Fotoquimioterapia; Autofluorescência; Cristalino.
INTRODUÇÃO
O cristalino humano apresenta autofluorescência6.
A fluorometria é um método simples, rápido, reprodutível, não invasivo, de quantificar a autofluorescência e a capacidade de transmissão de luz do
cristalino, no eixo óptico8,10.
A fotoquimioterapia consiste na combinação de
uma substância química fotossensibilizadora
(psoraleno) com uma radiação electromagnética
não ionizante (PUVA)5,9.
A radiação ultravioleta (UV), com um comprimento
de onda entre 100 e 400 nm, pode dividir-se em
UV A, UV B e UV C (que não atinge a superfície
terrestre). A fotoquimioterapia emprega a radiação UV A e é, presentemente, uma terapêutica largamente utilizada em Dermatologia. Entre as suas
indicações contam-se a psoríase e outras dermatoses como o vitíligo, a micose fungóide, a parapsoríase e o eczema atópico.
* Interno Complementar de Oftalmologia do H. S. João
** Assistente Hospitalar de Oftalmologia do H. S. João
*** Técnica de Ortóptica do Serviço de Oftalmologia do H. S. João
**** Professor Agregado da Fac. Medicina do Porto e Director do Serviço
de Oftalmologia do H. S. João
No que respeita aos efeitos secundários da fotoquimioterapia, uma das questões mais controversas é
a possibilidade de aparecimento de catarata. Sabe-se que doses elevadas de PUVA provocam catarata em estudos realizados no animal1.
Estudos prévios realizados no nosso Serviço apontaram para que possa existir um aumento da
autofluorescência do cristalino (Fa) em doentes
submetidos a fotoquimioterapia3.
Estudos fluorométricos em indivíduos normais
mostraram existir uma relação directamente proporcional entre a autofluorescência anterior do
cristalino e a idade4,8,10.
No nosso Serviço foi encontrada a seguinte relação entre os valores de Fa e a idade7:
Fa = -116,5 + 8,4.I
Fa (Eq.ng/ml), I (anos)
Os objectivos do presente trabalho foram determinar se a fotoquimioterapia ocasiona aumento
adicional da autofluorescência do cristalino, na
ausência de lesões observáveis clinicamente, bem
como quantificar esse incremento.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram incluídos 12 doentes em tratamento PUVA
14
Nuno Pontinha, Ângela Carneiro, A. Rocha Sousa*, A. Paula Costa, Fátima Matos, Falcão Reis
(6 homens e 6 mulheres, com idades compreendidas entre 18 e 53 anos; média 33.8 ± 13.5 anos).
Todos os doentes foram avaliados antes do início
do tratamento. Foram reavaliados periodicamente, com tempos de follow-up compreendidos entre
7 e 24 meses.
O protocolo de avaliação incluiu observação clínica, exame biomicroscópico com dilatação pupilar
e fluorometria do segmento anterior. O aparelho
utilizado foi o Fluorotron Master® (Coherent
Radiation Inc.), com o software FT-1, desenvolvido pelo Departamento de Oftalmologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra.
Foram efectuadas cinco fluorometrias a cada olho,
sem dilatação pupilar. Os valores de autofluorescência que serão posteriormente referidos correspondem à média das cinco avaliações.
Foram critérios de inclusão:
– doentes em início de fotoquimioterapia (antes
da realização de qualquer tratamento);
– idade inferior a 55 anos;
– sem doença ocular prévia, com exame oftalmológico normal;
– sem antecedentes de corticoterapia.
Na análise dos resultados foi utilizado o teste t de
Student.
Doente
Idade
Sexo
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
(anos)
45
44
36
48
22
21
50
53
27
18
22
20
M
M
M
F
F
F
F
F
M
M
F
M
Fa na 1ª
Fa na última
observação
observação
(Fa 1)
(Fa 2)
(Eq.ng/ml)
214,5
260
219,4
286,9
229
307
210,7
227,5
73,6
108,5
95
132,9
288,2
335,6
437,5
530,4
137,9
209,8
74,6
94,8
90,4
106,9
94,2
115,9
RESULTADOS
Houve boa correlação entre os valores de Fa observados no OD e no OE, para cada doente, como
se comprova no gráfico 1.
Fa (Eq.ng/ml)
350
300
250
OD 200
150
100
50
0
0
100
200
300
400
OE
Gráfico 1– Gráfico de di spersão dos valores de Fa. Relação entre
os valores de OD e OE.
Os valores de Fa obtidos antes e após a fotoquimioterapia encontram-se discriminados no Quadro I,
bem como os valores de Fa esperados atendendo
à idade.
Intervalo
de tempo
Fa esperada na
última observação
Diferença
(Fa esp.)
(Fa 2 - Fa esp.)
(Eq.ng/ml)
231,3
28,7
232
54,9
239,5
67,5
215,6
11,9
86,2
22,3
107,6
25,3
301,5
34,1
449,4
81
153,3
56,5
90
4,8
101,6
5,3
110,3
5,6
(meses)
24
18
15
7
18
18
19
17
22
22
16
23
Diferença
%
12,4
23,7
28,2
5,5
25,9
23,5
11,3
18,0
36,9
5,3
5,2
5,1
Quadro I. Autofluorescência do cristalino (Fa) observada antes e após PUVA; valores de Fa esperados
atendendo à idade.
1ª obs.
Fa esperada na
última obs.
Última obs.
Fa (Eq.ng/ml)
400
Em todos os doentes verificaram-se valores de
autofluorescência anterior do cristalino superiores aos esperados para a idade (gráfico 2).
O incremento foi sempre maior que 5% e em 5
doentes superior a 20%.
O aumento de Fa situou-se entre 4.8 e 67.5 Eq.ng/
ml, relativamente ao esperado (média 33.2 ± 26.1),
sendo a diferença estatisticamente significativa
(p=0.002).
Não se verificaram diminuição da acuidade visual
ou opacificação do cristalino.
350
300
250
200
150
100
50
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Gráfico 2 – Fa antes do tratamento (1ª obs.), após
o tratamento (última obs.) e Fa esperada aquando
da última observação, atendendo à idade.
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Estudo da autofluorescência do cristalino em doentes submetidos a fotoquimioterapia (PUVA)
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Os trabalhos anteriores realizados no nosso Serviço envolvendo doentes em fotoquimioterapia3 foram estudos transversais, pelo que se impunha
efectuar um estudo longitudinal.
Pensa-se actualmente que o aumento gradual da
Fa que se verifica ao longo da vida se deve à acumulação de substâncias fluoróforas resultantes da
foto-oxidação das proteínas do cristalino2.
Apesar do reduzido número de casos estudados, a
autofluorescência anterior do cristalino parece
aumentar mais do que o atribuível à idade, após
fotoquimioterapia, na ausência de lesões observáveis clinicamente.
Indivíduos com opacidades cristalinianas apresentam valores de Fa elevados. Por esse motivo, não
foram incluídos no estudo doentes com idade superior a 55 anos.
A fotoquimioterapia, ao aumentar a concentração
de compostos autofluorescentes no cristalino, poderá desempenhar algum papel na cataratogénese.
Tornam-se, pois, necessários mais trabalhos de
investigação nesta área, envolvendo um número
maior de doentes.
Como medidas preventivas, todos os candidatos a
PUVA devem submeter-se a exame oftalmológico
prévio, e devem ser re-observados aos 6 meses, ao
ano de tratamento e, daí em diante, com periodicidade anual3. É indispensável o uso de protector
ocular adequado dentro da cabine de fotoquimioterapia e é recomendado o uso de óculos escuros,
com 100% de absorção da radiação UV, no dia do
tratamento e no dia seguinte.
ABSTRACT
Several works have demonstrated that the lens
autofluorescence (Fa) increases throughout life,
being an age-dependent variable. In our Department, previous studies have raised the possibility
of an addicional Fa increase in patients undergoing photochemotherapy (PUVA). The author’s aim
was to quantify that increment.
There were included 12 patients, aged 18 to 53
years (6 males and 6 females), who needed PUVA
therapy because of dermatological diseases. Patients were examined before treatment; a complete
oftalmological examination and a lens fluorometry were performed. They were evaluated periodically, with total follow-up times between 7 and 24
months.
Greater Fa values than those expected for the age
were found in all patients. The increment was al-
ways greater than 5% and in 5 patients greater
than 20%. No lens opacities were observed.
Being well kown that patients with lens opacities
have high Fa values, photochemotherapy may play
a role in cataract formation, increasing the concentration of autofluorescent substances in the lens.
Key Words
Fluorometry; PUVA photochemotherapy; Autofluorescence; Lens.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Técnica Maria das Dores
Rodrigues a colaboração na fotografia das curvas
fluorométricas.
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