Literário, sem frescuras!
ISSN 16641664-5243
ESPECIAL UM ANO DE
AUTORES: O TALENTO
ESTÁ NO VARAL!
Ano 2 - Edição Especial No. 2
1
ISSN 16641664-5243
LITERÁRIO, SEM FRESCURAS
Genebra, dezembro de 2010
Edição Especial Autores do Varal
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2
EXPEDIENTE
Revista Literária VARAL DO BRASIL
Especial Autores do Varal - Genebra - CH
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ISSN 16641664-5243
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Venha!
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4
•
Abílio Pacheco
•
Agamenon Troyan
•
Alberto Carmo
•
Alessa B
•
Alessandra Neves
•
Alma Lusitana
•
Amarilis Pazini Aires
•
Ana Anaissi
•
Ana Lucas
•
Ana Mariah
•
Anair Weirich
•
Anna Back
•
Anne Smaem
•
André Luis Aquino
•
Ângela Costa
•
Antônio Vendramini Neto
•
Ariana Tomasini
•
Carlos Damião
•
Carlos Dias
•
Carlos Eduardo Bonfá
•
Caroline Freitas
•
Carvalho de Azevedo
•
Casinho
•
Chajafreidafinkelstain
•
Clarice Villac
•
Cláudio Costa
•
Cristiane Stancovik
5
•
Daniel Cravo Silveira
•
Dimythryus
•
Deyse Zarichta
•
Diego Mendes Sousa
•
Dúlcio Ulysséa Júnior
•
Eurico de Andrade
•
Fábio Ramos
•
Fabrício Couto Martins
•
Flávia Assaife
•
Francisco Gregory Júnior
•
Geraldo Pereira Lopes
•
Gilberto Nogueira de Oliveira
•
Gilmar Milezzi
•
Gustavo Henrique Bella
•
Hugo Pontes
•
Icléia Inês Ruckhaber Schwarzer
•
Igor Medeiros Oliveira
•
Infeto
•
Irente Zwetsch
•
J. Machado
•
Jaci Santana
•
Jacqueline Aisenman
•
Jandira Torreiro
•
Jane Vieira Gariba
•
Janete Gutierres
•
Jania Souza
•
Jaqueline Campos
•
Marcelo Candido Madeira
•
José Alberto de Souza
•
Marcelo Moraes Caetano
•
José Carlos de Paiva Bruno
•
Marcio Freitas
•
José Valdir Oliveira
•
Márcio José Rodrigues
•
Ju Petek
•
Maria de Fátima Barreto Michels
•
Ju Virginiana
•
Maria Heloísa Fernandes
•
Júlio César Vicente
•
Marília Kosby
•
Lariel Frota
•
Marina Medeiros
•
Lázaro Bulos
•
Matheus Paz
•
Lelo Néspoli
•
Mauro Maciel
•
Lorêny Portugal
•
MS
•
LSM
•
Nelson Dias
•
Luiz Antônio Cardoso
•
Oswaldo Begiato
•
Luiz Carlos Amorim
•
Pato do Lago
•
Luiz Eduardo Gunther
•
Patrícia Lara
•
Luiz Otávio Oliani
•
Luzia
•
Ly Sabas
•
Maíra Galhardo
•
Malu Freitas
•
Marcello Ribeiro
6
•
Paula Barrozo
•
Paulo Roberto Bulos Remor
•
Raimundo Candido Teixeira Filho
•
Renata Gomes de Farias
•
Renata Iacovino
•
Ricardo Reis
•
Rita de Oliveira Medeiros
•
Roberto Gulino
•
Rodrigo Fernandes Pereira
•
Rosane Magaly Martins
•
Roselis Batistar
•
Rui Martins
•
Samantha Verdan
•
Sandra Helena Queiroz Silva
•
Silmara Oliveira
•
Sonia Alcalde
•
Susana Martins
•
Suziley Silva
•
Tetê Crispim
•
Tereza Rodel
•
Thiago Maerki
•
Tino Portes
•
Valdeck Almeida de Jesus
•
Valéria Nogueira Eik
•
Valnice Costa
•
Valquíria Gesqui Malagoli
•
Varenka de Fátima
•
Veronica dos Santos Silva
•
Vicente de Pércia
•
Vicência Jaguaribe
•
Víctor Manoel G. Vilena
•
Victoria Adum
7
•
Vó Fia
•
Walnélia Corrêa Pederneiras
Tessitura Noturna
Por Abilio Pacheco
Um latido apenas
não protege a rua
ele precisará sempre
que os cães o apanhem
e o lancem a outros cães
e a outros latidos
tal que somados todos
(latidos e cães) na noite
formem (no arcabouço
da matilha)
uma redoma protetora
em torno da rua.
8
A PAZ
Por Agamenon Troyan
Estive presente quando você nasceu. Você era uma criança linda, saudável que
desaguou seu medo em lágrimas ao ser retirado do seu pequeno mundo. Passou a ser
amamentado com amor e carinho; presentes chegaram aos montes, acabando por tomar conta do seu redor. Você passou a engatinhar, descobrir o novo mundo que um
dia passaria a conhecer. Sua curiosidade era tamanha que quase aprontou uma confusão.
Quando repreendido com palavras sem nexo passava a chorar amolecendo corações. E você foi crescendo... Tornou-se um menino levado; não obedecia mais os
pais e só dava ouvidos aos maus conselhos. Suas atitudes revelaram o adolescente
que estaria por vir.
Enfim a adolescência! Garotas, carros, motos e Rock and Roll. Até aí nada
demais; porém mais tarde vieram as Drogas e com ela, a Violência, o Desprezo pela
vida, a Fúria adormecida, o Caos. Queria persuadi-lo, mas não pude. Testemunhei sua
alma sendo levada pelo Ódio.
Hoje, daqui da mais alta montanha, eu observo todos os seus feitos: Guerras,
Fome, Pragas, Racismo, Infanticídio, Poluição, Terrorismo, Queimadas, Fanatismo e a
Degradação do Meio-Ambiente. Tamanho estrago despertou a fúria da Natureza que
respondeu enviando-lhe Terremotos, Tornados, Furacões, Maremotos, Incêndios e
Tsunamis. Milhares de mortos, e, mesmo assim, você não se redimiu.
Não posso intervir no seu destino. Tenho que permanecer aqui esperando pela
sua decisão. Oxalá um dia, quando em seu coração não existir um só resquício de
ódio, eu poderei novamente recebê-lo de braços abertos, com o mesmo sorriso quando lhe vi nascer.
9
Redondilhas de Paz
Por Alberto Carmo
A Paz de andar de mãos dadas
ver sorrir a bem amada
a emoção compartilhada
viver um conto de fadas
A Paz dos filhos gerados
mentes sãs, sonhos alados
ensinar aos mais afoitos
nem oito, nem oitentoito
A Paz aos mais afobados
afagos aos mais tristonhos
ternura aos mais assustados
ouvir, entender calados
A Paz de participar
ações pro mundo acalmar
pegar lixo e reciclar
e a TV desligar
A Paz dos rostos amigos
dar carinho e bom abrigo
escutar ante o perigo
migo joio, migo trigo
10
APOLÍNEO
Por Alessa B
Quisera que te vissem como eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.
(Vinicius de Moraes)
Teu corpo esculpido contra a Lua,
Apolo soberano em evidência,
Da pele um calor que se insinua,
Arfando meus desejos, tua essência...
Mil graças, eu te rendo seminua,
Em preces de ternura e indecência...
A serva que te ama e te cultua
Com votos de louvor e apetência.
No branco dos lençóis as tuas linhas
Transpiram convulsões em nós assentes,
Que se desembaraçam pelas minhas
Em fluxos e refluxos tão crescentes!
O gozo frouxo que se adivinha...
Nas tuas belas formas tão contentes!
11
A PAZ
Enquanto flutuam
Com leve brisa
E me roça a pele
Por Alessandra Neves
Ah! a paz
Que bem ela me faz!
E essa paz
Que me toma agora
Não sei explicar
Paz calma
Morna
Quase tão melancólica
Que a fina chuva
Da manhã de outono
Quase calma e silenciosa
Que a pequena nevasca
Ao vento
Mas tão estrondosa
Como o amanhecer
Como o florescer primaveril
Essa calma
Me traz o
Cheiro doce
O toque suave
O sorriso estonteante
É a calma
É a paz
A felicidade me habita agora
E desejo esse
Momento
Que eternize em minha memória
Como o dia
Ensolarado
Em que caminho
Entre algodoeiros
12
Invocação à Minha Cidade
Por Alma Lusitana
Memoriar com carinho e alento
Vou descrever o que penso
Sobre esta cidade querida
Tão magnificente que é
Sendo reconhecida até
Sua qualidade de vida.
Sou munícipe entristecido
Por aqui não ter nascido
Por não ser seu filho real
Sem medo me vou confessar
Esta cidade aprendi a amar
Como amo meu Portugal.
Nesta minha invocação
Estou de alma e coração
Embrenhado em afectos
Em verdade, sem sigilos
Como aqui criei meus filhos
Aqui quero criar meus netos.
Cidade esbelta, sempre amiga
Jamais por mim esquecida
Minha nobre companheira
Sou feliz por aqui viver
Serei sempre e até morrer
Fiel, a S. João da Madeira.
13
AMAR COMO A PRIMEIRA VEZ
Por Amarilis Pazini Aires
Quero a minha alegria de volta
Correr solta pelos campos
Esperar a lua nascer
E o dia amanhecer.
Ler as palavras suaves de amor
Deixadas no pedaço de papel
Largado no canto especial
Onde só eu sei encontrar.
Quero o olhar doce
Refletindo o brilho
Da paixão desperta
Do toque de mãos suaves.
Quero olhar as estrelas
E chorar de emoção
Esperando o momento
Ao som de uma apaixonante canção.
Quero viver de novo
A emoção de amar
Tremer o corpo todo
Na ânsia do encontro.
Eu quero amar
Como a primeira vez
Na descoberta inocente
Que ele dure eternamente.
14
AS VELHINHAS CARONEIRAS
E ela tem oitenta e oito,
Fez no último verão!
E eu acabei de pensar,
O burro pisou no freio,
Por Ana Anaissi
-Ei, Emília, quem mandou?
Aurora desconcentrou,
Mas é muito fofoqueira...
A estrada virou um rodeio.
Se eu não tivesse sentada,
-Pra onde as senhoras vão?
Te passava uma rasteira.
-Para a próxima cidade,
Rapaz, eu subi tão alto
A moto caiu com a gente
Na maior velocidade.
Pois a moto deu um pinote,
-As senhoras vão brigar?
Que pude ver lá de cima
Nessa idade e desse jeito?
Aurora beijando o asfalto.
-Viu só, Aurora, o rapaz
-Quer dizer que aquela moto
Já cheio de preconceitos?
Destruída lá na estrada...
Depois veio a minha vez;
-Era nossa sim senhor
Só que deu uma derrapada.
Foi só essa a hora boa,
-Filho, você não viu nada
Meu único dente bom
Tá vendo esta contusão?
Gastou, na trilha que fez.
Não foi da queda da moto,
-Dá pra levar nossa moto
Emília que deu um tostão!
Nessa sua caminhonete?
É pesada e está quebrada,
Mas não dá pra pagar frete.
-Devia ter dado mais!
Pra aprender a dirigir.
Porque foi ultrapassada,
-Mas que coisa surpreendente!
Quis fazer pega com o carro
Mas eu disse: Agora não!
Pisou no acelerador
E saiu comendo chão.
Não liga não, ela inventa.
Eu nem sou tão velha assim,
Esse ano eu fiz noventa.
E eu pensando, na garupa:
Isso aqui não vai dar certo.
Aurora já está caduca
Aurora fala mentiras,
Abri caminho no mato
E, amigo, eu não parei.
Talvez o Ibama me prenda
-Eu só tenho oitenta e sete,
-Ai , mas é tão mentirosa!
Ou melhor, eu capinei.
Começou a se exibir.
Quantos anos vocês tem?
Emília tem mais de cem!
Porque eu ralei uns dez metros,
E o carro tá muito perto.
Eu acho que é compulsão.
15
No final dessa viagem.
Pois arranquei tanta folha
Que até mudei a paisagem.
Tentava me segurar
Que eu resolvi confirmar.
Pra que, quando viesse o fim,
Sobrasse um número grande
Minha única intenção,
Era de abrir um canal
Pra sua respiração.
-Deixa que eu conto essa parte.
-Essa dúvida eu vou ter
Eu, meio desacordada,
Pro resto da minha vida.
Nesse ponto até dei sorte,
Já vendo a famosa luz
Se queria me salvar
Só fiquei sem meu dentinho.
E só senti a botinada.
Ou me deixar estendida.
Da luz eu voltei pro escuro,
-Mas dá pra ver direitinho
Ou melhor, eu vi Emília;
Que estão se recuperando.
De ossos mais perto de mim.
Talvez tenha sido bom,
Ele era mesmo sozinho.
Na hora me revoltei,
Fui desprendendo do chão,
Tive uma vaga lembrança
Que ela era da família.
Vamos esquecer o tombo
Que a cidade está chegando.
Disparei atrás da Aurora
Pra tomar satisfação.
E tentei fazer um sinal
Que já estava tudo bem,
Ela ainda estava deitada.
Que cena desagradável!
Tive medo que essa doida
Chutasse meus rins também.
E por falar em cidade,
Têm algum parente aqui?
-Não meu filho, só torcida,
Somos lá de Muriqui.
Todinha desconjuntada,
Essa doida irresponsável!
Debilmente abri meus olhos
E dei de cara com ela.
Aí fui me aproximando
Do jeito que ainda podia,
Se eu não tivesse acabada,
Eu matava essa banguela.
-Só torcida, como assim?
-Você não viu nossas fotos?
Somos famosas no mundo
Pilotando nossas motos.
Dei-lhe um chute nas costelas
Pra ver se ela se mexia.
Minha queda foi horrível,
Eu fiquei toda quebrada,
No primeiro chute, nada.
Resolvi bater mais forte.
Mas o que traumatizou
Foi aquela botinada.
-Ô Emília, não exagera.
Temos fãs só no Brasil.
E na próxima cidade
Com certeza mais de mil!
Tentei a boca do estômago
Só pra ver se dava sorte.
-Ah, Aurora que exagero!
Eu salvei você, querida.
E não é que consegui?
Houve um leve murmurar,
Mas ele era tão baixinho
Mas um dia vai entender
E vai ficar comovida.
Quando dei a tal botinada,
16
-Peraí minhas senhoras,
Eu não posso acreditar!
As duas correm de moto?
-Vai precisar desenhar?
-Caramba, não pode ser!
Deitada em observação.
-Só porque somos velhinhas?
Só dois pães com mortadela
Já demos alguns troféus
Bom, vamos deixar pra lá,
Pra nossa cidadezinha.
Que o importante é a corrida.
-Mas vocês dirigem bem?
-Então vamos combinar:
Aproveita essa descida.
Eu lhes dou toda a comida,
Amanhã eu vejo o treino
Mas eu, sou super veloz
Amanhã vai ser o treino
Quando pego a direção.
Pra ver quem larga na frente,
-Hum Emília, vai pensando,
Vou ganhar, eu estou mais leve
Quem tem mais troféus sou eu.
Porque perdi mais um dente!
-Mas na última corrida
-Negócio fechado, filho.
Pisa no acelerador!
Um ventinho nas orelhas
-Nossa Mãe, mas que loucura,
Jogou tão sujo comigo
Eu posso assistir ao treino?
Moço, ela quer que eu desista!
-Só se você me pagar!
Deu um jeito no meu freio
-Vira, vira, vira, vira!
Nesse posto tem comida!
Vou começar por aqui
A ficar abastecida.
-Opa, opa, nada disso!
Tem que me pagar também.
Pode arregalar o olho,
Eu arranjo um lugarzinho
O juiz arregalou.
Pra você ver super bem.
Tudo isso é tão nojento
Que até ele duvidou.
E depois vejo a corrida.
Cá pra nós, é inspirador.
Ninguém vai acreditar!
E jogou óleo na pista.
Foi que a gente aproveitou.
Vai, acelera meu filho,
-Você viu que Aurora não.
Acabou roubando o meu.
A comida se espalhou.
-As senhoras vão comer
Essas comidas tão fortes?
-Claro! Porque essa corrida
Não depende só de sorte.
-Mas olha que exploradoras,
Dei carona pras senhoras!
-Porque inventou tudo isso!
-Tá, meu filho, então vai ver
Uma história sem sentido.
Tudo do lado de fora.
Nesse posto tem comida!
Vou começar por aqui
-Sem sentidos fiquei eu.
Meu pescoço foi partido!
-Vira, vira, vira, vira!
A ficar abastecida.
-Está bem vocês ganharam.
Quanto é que eu pago pra ver?
-Tá vendo essa exagerada?
-Nada assim tão extravagante,
Aquilo foi só torção.
Algo que dê pra comer.
-Só que eu fiquei cinco meses
Com aquele tombo tremendo,
17
-As senhoras vão comer
Essas comidas tão fortes?
-Claro! Porque essa corrida
-E você não vai comer?
Ele vai nos atrasar.
Não depende só de sorte.
-Quando chegar na cidade;
-Mas e amanhã, nosso almoço?
Uma comida caseira
Temos que estar preparadas
É o melhor pra minha idade.
-Põe o cinto e se segura.
Alguns truques são os piores;
O tempo está muito curto.
As pessoas nos sabotam
Já tenho trinta e três anos
Porque somos as melhores.
E prefiro não abusar.
-Isso que estamos fazendo
-Tá vendo, Emília, esse moço
Será que é um assalto ou um
furto?
-Então tá, vamos parar.
Que nunca vai “esclerosar”?
Dona Aurora também quer?
Nunca sei a diferença...
-Sim, mas minha dentadura
Não vai ser que nem você,
Só aguenta comer filé!
Que a gordura tomou conta,
Quando não fala besteira,
Ainda mais depois do tombo,
Porque pedimos licença.
-Pedimos licença como?
Até mesmo pra falar
Aurora, eu estou esclerosada?
Tenho que ficar ligada.
Se estou, é só no começo.
Eu que saio todo dia
-Uai, deixei nossa moto!
-Mas não faz muito sentido,
O rapaz não teve voto.
Com a roupa toda do avesso?
E a gente não acha mais?
E além do mais nossa moto...
Se ganharmos a corrida
-Chega, está quase na hora,
Eu vou fugir dos jornais!
A corrida é na outra ponta.
Nós vamos indo pro carro,
-Tudo bem, filé mignon
Talvez não, no nosso caso,
Fica com cara de tonta.
Que ela ficou deslocada.
Já pensou se ela despenca
-Porque não faz diferença.
Só tem peça com defeito
E nem o gênio da lâmpada
Conseguiria dar jeito.
Você vai pagando a conta.
Pras simpáticas velhinhas!
-Arroz, farofa e feijão
-Ei, psiu, você, aí do posto...
Pra carne não vir sozinha!
Bota essa moto no chão?
Segura essa chave dela
-E depois a sobremesa:
E coloca na ignição.
Queijo e muita goiabada!
-Por causa da glicemia,
-Vem aqui Aurora, entra logo!
Tem que estar equilibrada.
Temos que deixar o moço.
18
-Ai, Aurora, facilita!
Você quer ou não correr?
Se viéssemos com ele,
Não ia dar nem pra ver!
Chegaríamos no fim
-Então eu vou pilotar,
-Uns quatro nem vão sair,
E a raiva então subiria
Pois você está proibida!
Três vão poder arrancar,
Quando víssemos no pódio
A besta da nossa tia!
Pra logo depois cair.
Depois do que você fez
Vai quietinha na garupa.
-Tia Marga vai correr?
Vou te ensinar a correr.
-Vai! Ela estava na lista.
-É isso que me preocupa.
A da titia não deu...
Eu ia chegando pertinho
Ela arranjou um patrocínio
De um velho contrabandista.
Mas tem uma coisa bem chata,
-Olha lá, não é uma moto?
E ela me reconheceu.
-Por que tá parada ali?
Ainda alterou a idade dela,
-Ah, pra pararem na estrada,
De cem pra noventa e sete,
Ou é cocô ou é xixi.
E vai chamar a torcida
Do tempo que era vedete.
Mandou logo uns dois capangas
Tomarem conta da moto.
-Deixa, vem se preparar,
-Então freia. Mais pra perto.
Se der, depois eu saboto.
Tá com a chave aqui também!
-Coitada, com essa torcida,
Vamos montar bem depressa
Melhor ela nem ganhar...
Enquanto não vem ninguém!
Se os velhinhos se empolgarem,
Vão todos ficar sem ar.
Descobri quem vai com ela
O tal do contrabandista!
-Será que fizemos certo
-Que festival de banguelas!
Deixando a caminhonete?
-Eu obstruí a ignição
-É mas, com ar ou sem ar,
- Mas eu tenho uma fofoca...
Com um pedaço de chiclete.
Anda, bota o capacete
Ela é nossa concorrente.
Que eles vão dar o sinal.
Seria muito humilhante
-Espero ficar com ele
Perder pra tia da gente.
Ainda falta meia hora
Pra corrida começar.
-Ótimo, estamos no prazo,
-Você então tá devagar!
Acabamos de chegar!
Acelera aí esse trem!
Nós ainda precisamos
Roubar a moto de alguém!
Vai ser de dupla a corrida.
Me lembrei de uma corrida
Que era de dupla também.
Ganhamos, só que passamos
Vou lá inscrever nossa moto,
Colocar na posição.
-E eu vou sabotando algumas
-Só precisa de uma moto.
Até chegar ao final.
Pra fazer uma seleção.
-E aí, como é que foi lá?
19
Pela faixa a mais de cem.
Seguimos reto na curva,
Atropelei a mocinha!
Sei lá, sou frágil demais.
Atravessamos o muro,
-Ela que foi displicente.
-Você, Emília, top model?
Na hora pensei num filme:
“De volta para o futuro”
Tendo essa cara de ameixa?
Cair com a perna esticada
Você só não come mais
Numa pista de corrida
Porque a prótese não deixa.
Enquanto se segurava,
Cujo prêmio é andar de carro
Seu capacete soltou,
De bombeiro na avenida?
Veio parar nos meus dentes,
Minha arcada se espalhou.
Por isso, precocemente,
-Vixe, olha lá a nossa tia!
Acabou de ultrapassar!
-Que garota sem noção!
Olha só, o contrabandista,
E eu não pude fazer nada.
Querendo comemorar.
Eu tenho essa dentadura.
Depois que eu ganhar o prêmio,
Foi feita por um pedreiro
Vou processar a danada!
Que deixou uma abertura.
-Encosta neles Emília!
Me empresta a sua botina.
Vou dar um cacete nele
-“Nós” ganharmos o tal prêmio!
Pra subir a adrenalina.
Ainda falei, mas seu Zé,
Não se esqueça, se eu quiser
É dentadura e não casa
Jogo o corpo pro outro lado.
-Tem que bater na titia.
Por que é que deixou essa
porta?
-Você não é besta, mulher!
Ela que está dirigindo!
Agora o que eu como, vaza!
Se jogar, caímos juntas
-A mamãe não vai gostar.
-Mas ela não tá assistindo!
E o nosso prêmio já era.
-Chega, Aurora, cala a boca!
Você, gorda, vai rolar
Nós não temos o dia inteiro!
Mas eu vou pra estratosfera.
Presta atenção na titia
E naquele muambeiro.
-Nunca cansa de falar.
Estou magrinha, top model
-Mais velhinhos que nós duas
E a única desvantagem
Tem poucos pra respeitar.
Agora é concentração...
É que um impulso pequenino
Vamos! Foi dada a largada!
Se transforma em uma viagem.
Ai, garota, o que que é isso?
A moto da nossa frente.
Cá pra nós, com a nossa idade,
Mais velha, tem só a titia;
Aurora, que presepada!
Burra, você sabotou
“-Não desrespeitem os mais
velhos.”
O meu corpo é tão levinho...
E só um desrespeitozinho
O vento ainda empurra mais.
A gente bem que podia...
Vou parar um pouco longe,
20
-Então chega de falar,
Sei lá se Deus me castiga.
Pé na tábua minha filha!
-Aurora, vou te matar!
Ui, socorro, eu estou ardendo!
A gente vence a titia
-Por falar em nossa moto,
-Olha pra frente, dramática!
E desmancha uma quadrilha!
Você desacelerou,
Estamos quase vencendo!
Pude ver na arquibancada
Porque do contrabandista,
Os dois que a gente roubou.
Viva, viva, conseguimos!
Nós ganhamos a corrida!
Não precisamos ter pena.
Vai ser tanta humilhação
Estavam lá, os dois juntinhos.
Corre, corre que os bombeiros
Que ele vai sair de cena.
-Tavam torcendo pra gente?
Vão salvar a nossa vida!
-Pra gente se espatifar,
“Bora”, “bora”, tá encostando...
Vieram ver pessoalmente!
Estamos quase no fim...
-Vão salvar nos dois sentidos.
Queimei metade da bunda!
Já que essa é a última volta.
-Se ganharmos a corrida,
-Capitão, aqui tem tina?
Vai com tudo, manequim...
Corre logo pros bombeiros.
E rasa? Que Emília afunda!
Assim temos proteção
-Ao invés de debochar,
Contra esses dois pistoleiros!
Viva, vitória, vitória!
Esse carro não é lindo?
Por que não presta atenção?
Você não me ajuda em nada,
Não estou vendo mais titia
-Se eu não tivesse na tina
Me tira a concentração!
Pelo meu retrovisor.
Também estaria curtindo.
-Porque nos ultrapassaram,
-Você viu o que você fez?
Deram um jeito no motor!
A moça ainda estava lá;
Passou nos dedinhos dela;
Não ouviu ela gritar?
-Não vai reclamar agora.
Nós ganhamos a corrida!
Também vou usar o meu truque
-Mas titia vem aí,
Se juntou com os homicidas!
Que faz você correr mais.
-Pensei que fosse você
Gritando um viva por nós.
-Aurora, não estou gostando,
Não faz besteira aí atrás!
Roubamos eles na estrada!
Ultrapassamos titia,
Nossa moto é mais veloz!
Uau, estou pegando fogo!
-Então acelera abestada!
- Eu nem precisei bater?
Ufa, assim mamãe não briga.
-Também não são tão homicidas...
Quando cruzarmos a faixa,
A tocha vai ser tirada.
E, não sei, bater em tia...
21
-Mas tão vindo nos matar,
Vai ver deram uma surtada.
Emília, mais um troféu!
Nós não somos geniais?
E vão nos denunciar,
Sempre somos vencedoras
Confiscar nosso troféu.
E nem moto temos mais!
-Se chegarem muito perto,
Nós fazemos um escarcéu.
-Ah Aurora, que pecado!
Nossa moto é uma carcaça
-Bombeiros, vamos mais rápido,
Mas faz parte do cenário
Pra termos tudo de graça.
Ela está passando mal!
Dá pra ligar a sirene
-Vem Emília, estica o braço,
Pra afastar o pessoal?
Lá vem uma caminhonete.
Faz cara de quem caiu.
-Vamos sair da cidade,
Vamos ganhar mais um frete!
Precisamos respirar.
Esses fãs são sufocantes,
Sei lá se vão nos rasgar.
-Pra onde as senhoras tão indo?
-Para a próxima cidade.
Estão vendo aquela moto
A moto caiu com a gente
Que está caída no posto?
Na maior velocidade.
Podem pegá-la pra nós?
Nos dariam tanto gosto...
-Quer dizer que aquela moto
Destruída lá na estrada...
Isso, coloca aqui em cima.
-Era nossa sim senhor
Vamos virar pra direita?
Só que deu uma derrapada...
-Muito obrigada, meninos.
E daqui a gente se ajeita.
fim
Podem voltar pra cidade,
Deixa a moto aqui caída.
Já vamos nos preparar
Para a próxima corrida.
22
Teatro de Rua
Por Ana Lucas
Parei no sinal vermelho, atrás de um carrão. Quinta-feira na hora do almoço, dia de feira, mulherada apressada carregando abacaxi, abóbora, tomate, berinjela, peixe, criança, cachorro,
panela. Um bando de gente falando mal do governo na porta do bar.
Aí eu vi o senhorzinho parado bem ao lado do carrão, esperando também o sinal abrir, empurrando um carrinho de mão feito de madeira, maior que ele, cheio de papelão e plástico que pegou pela rua. Um homem mirrado e torcido pela idade e pelo sofrimento. Estava lá, erguendo a
cabeça com dificuldade para ver as luzes do semáforo.
Olhei em volta e acho que só eu mesma reparei nele. O homem olhou para trás e pude ver o
seu rosto, muito enrugado e miúdo. Os olhos apertados por causa do sol, o cansaço estampado na boca seca e que já não sorria há muito tempo. Usava um bonezinho colorido com a marca do Ayrton Senna na cabeça. Provavelmente ele nem sabia quem era o Senna.
A camisa clara era daquelas baratas, de tecido fino bem porcaria, comprada em loja popular vestida com camiseta por baixo, que era digno. A calça estava puída nos bolsos de trás e a
cor verdadeira já desaparecera e se transformara numa espécie de roxo pálido. O velhinho parecia uma assombração mansa, daquelas que surgiam nos cantos das casas antigas sem dizerem nada, e que sumiam logo.
Pela calçada passou uma garota comendo um lanche e bebendo o último gole do refrigerante.
Ela jogou a latinha no chão assim que a esvaziou e seguiu caminho. O velho já acompanhava
a menina com o olhar, torcendo para ela jogar fora a lata, e assim que a dita bateu no cimento,
o velho se movimentou com esforço, subiu na calçada, andou, abaixou-se fazendo uma careta
e a pegou com todo o cuidado. Olhou para latinha de refrigerante extasiado e voltou para o
seu carrinho, guardando o tesouro no meio dos papelões.
O catador permanecia invisível para o resto das pessoas. Velho e torcido.
O motorista do carrão acabou olhando para o lado e achou o velho. Subiu os vidros e deve ter
ligado o ar condicionado. Voltou a se concentrar no semáforo.
Um motoqueiro que estava atrás do meu carro notou que o sinal ia mudar e foi deslizando lá
para frente, metendo-se entre os veículos, quase atropelando o coitado do catador de papelão.
Disse um palavrão para o velhinho, acelerou a moto e passou com o sinal ainda vermelho.
23
Galope
Por Ana Mariah
Entre nós,
o encontro sempre
será eterno
mesmo sem palavras,
sem toques
ou sinais de fumaça.
Nas ausências,
vejo suas cores,
sinto sua ânsia
e sonho com teus braços
tantas vezes protetores,
em outras, impetuosos.
Impossível esquecer
quem somos.
Campos percorridos,
entre galopes
e passos cadenciados.
Cada lado procura
diminuir a distância
entre corpos e almas.
24
A Paz
Por Anair Weirich
Pa...
de papelada inútil arquivada.
Pa...
de panfletagem poética no ar.
Pa...
de pacífica jornada,
Pa... de paz na nossa estrada,
Pa...
de paz, do levantar ao deitar!
25
POEMA A UMA FLOR
Anna Back
Tu, que desabrochas na aurora da existência...
Tu, que traduzes o que de mais belo a vida pode dar:
Tu, filha amada, que vives hoje,
Aos quinze anos, a tua primavera,
Ouve as palavras que te quero dar!
Tu que sonhas,
Que ousas querer
Tudo o que da vida esperas
E que mereces ter.
Ouse, sonhe, queira,
Aos quinze, tudo é permitido.
No doce embalo
Do sonho e da quimera!
Deus criou maravilhas:
Cantos, flores, perfumes,
Cores, e amores.
E fez surgir a primavera.
E plantou para mim, para nós, um jardim...
E deu-nos uma flor viva, de alma nobre,
Gentil e amiga!
Você, a mais encantadora dentre todas,
Você, filha querida!
26
ERRO
Por Anne Smaem
Cometi erros e eles voltam
Sempre como fantasmas
Me assustando noite e dia
Me deixando a pensar
Que se piscar os olhos
Acontecerá sempre mais um
erro.
27
Os amantes do circulo – polar
Por André Luis Aquino
Deve ser a parte tóxica do meu sangue que faz isso comigo, o meu louco gosto pelas segundas intenções. Amorardente, sempre buscando sangrar pelo
umbigo.Nos conhecemos na escola, ainda na infância.E os anos nos juntam e
nos separam com tanta freqüência, como se tudo isso estivesse acontecendo
ao sabor do vento.
Amordormente. Deve ser a parte doce do meu sangue que faz isso com a gente. Naquela época mal nos falávamos; apenas nos olhávamos, enamorados,
mas sem coragem de se aproximar. Duas crianças que se apaixonaram uma
pela outra, sem que um saiba do sentimento do outro.
Amorlouco, deve ser a parte venenosa do meu sangue que faz isso comigo.Quando alguém mente não nos olha nos olhos, pra te confundir eu faço exatamente ao contrário.Uma história de amor que atravessa duas décadas repletas de altos e baixos, cheias de idas e vindas. Amorencontrado, deve
ser a parte suave do meu sangue que faz isso com a gente.Medos, amores,
ciúmes, tudo isso vai e vem, regido pelo destino, por uma lei aleatória de encontros e desencontros.
Amorperdido pela parte do meu sangue malvado. “Eu poderia contar toda a
minha vida como um trem de coincidências”. Direção é o meu sexto sentido.
Amoreterno é a parte sólida do meu sangue carinhoso.“A vida tem muitos ciclos”.
Há coisas que nunca acabam e o amor é uma delas.
28
Poema Etílico
Por Ângela Costa
Sobre o álcool, sei que é uma alquímica mistura de carbono, água e
símbolos.
Sei que é algo quimicamente transmutável em comportamento.
Causa e consequência de nascimentos e mortes.
Sobre a dor, sei que não cabe em copos de licor.
Corre talvez pelas mesmas veias da embriaguez, ue alimentam o
lado cerebral da paixão.
Sobre a paixão, sei que é uma questão de detalhes,
um mistério a princípio, um copo de dor no cotidiano.
Sobre os detalhes do cotidiano, talvez o álcool ajude às vezes...
29
FOLHAS MORTAS
Por Antônio Vendramini Neto
Folhas Mortas.
Outrora verdejantes.
Agora, caídas no chão.
É o poder da natureza.
De encantos e belezas.
O tempo foi cruel.
Como folhas de papel.
Escondidas em um livro.
Amareladas, cansadas.
Folhas não vistas.
Eternamente esquecidas.
Nos livros, nos gramados.
Antes vigorantes.
Nos galhos, nos livros.
Paisagens delirantes, frases efervescentes.
Colírio para os olhos!
30
TEUS ERROS POR MIM
Por Ariana Tomasini
Por todos os erros por ti cometidos
Peço perdão a mim
Por não ter compreendido
Mais cedo
E assim só guardado
Para mim
O bem que fizeram
Por mim.
31
Teu olhar flutuante
Por Carlos Damião
Teu olhar vagante
pela noite e pelo dia
se perde em
voos de coisas quietas
que se abrigam em
suspiros de fartura.
A aragem desarruma o tempo
no quanto cada passo leve das nuvens
desperta como semente
ou pedra
num exercício de labirintos
e fronteiras
– em horas iguais e melodiosas.
Inventário do coração oscilante
que se insinua no corpo do poema:
um jardim sem rosto
germinado pela visitação infantil de
asas e brinquedos
sonhando afetos na nossa úmida quietude
e na alegria mais ardente
que em nós se alonga
como um aceno flutuante a
colorir de ternura
estas horas luminosas e
indecifráveis.
32
POEMA VAGABUNDO
Por Carlos Dias
Este poema não inventei
não tem dono nem autor
neste espaço o guardei
para ele não gritar de dor
O encontrei triste e sozinho
nas ruelas a vaguear
sem querer um caminho
ou cantinho para estar
É poema vagabundo
não procura nem a paz
nem respostas para o mundo
e as palavras tanto lhe faz
Com rima ou por rimar
não importa o conteúdo
só quer palavras soltar
sem significado ou conteúdo
Este poema não existe
foi um grito que dei
com tinta transparente
que em mim encontrei
33
SILÊNCIO
Por Carlos Eduardo Bonfá
Cilicia
O silêncio
Que silencia
A música
Que necessita
Encontrar
Para ritmar
O mundo.
Mas
O silêncio
Éo
Cio
Do som.
34
Posse
Por Caroline Freitas
Decifro-te os gestos
Num movimento veloz.
Te toco em silêncio
E tiro-lhe a voz.
Te sigo apressada
E não deixo rastro.
Você olha pra trás
Mas é vão. Eu escapo.
Na volta eu assopro
O calor do sentido.
Te olho por dentro
E celebro o domínio.
35
Poeta não Morre
Por Carvalho de Azevedo
Poeta não morre, encanta.
Encantado, eleva e enleva a alma.
Seduz, corrompe, violenta, depois acalma.
Poeta não morre em uma estação do ano
Nunca é poente, apenas nascente tecendo sua teia.
Nascente, faz-se luz, clareia, impregna, incendeia.
Poeta não morre, inda mais na véspera da primavera.
Na primavera, espalha perfumes, cores e flores.
Poeta nunca vê, inda mais a morte com seus censores.
Poeta não morre, brinca de morrer.
Encantado, mora com as estrelas faz do céu seu quintal
Conversa com os anjos, aprende a ser imortal.
Poeta não morre. Brinca de ir embora.
Deixa para uns poucos suas tristezas e poesias
Para outros suas amarguras, pecados, paixões e alegrias.
Poeta não morre. Inda que assim pareça
Poeta não tem temores.
Poeta vai e volta, no coração de seus amores.
36
PASSA PASSADO
Por Casinho
Vamos viver pra frente
Uma vida contente
Desprovida de dor.
Passa, passado! Passa, vai embora!
Deixa a vida que tenho, não amola!
O sabiá gemeu lá na gaiola
E, no meu peito, um gemido não de agora.
Abro a portinhola. Estás livre, vai agora!
Passa, passado! Passa, vai embora!
Deixa a vida que tenho, não amola!
37
DOS OLHOS
Por CHAJAFREIDAFINKELSZTAIN
Olhar materno... totalmente protetor
Olhar poderoso e revelador
Se quiser esconder algo... não chegue perto
Nem encare
Ela logo descobrirá!
Todas as mães têm esse poder?
Eu tenho... minha mãe... também sempre teve
Os olhos verdes límpidos
Iluminados
Que algumas vezes ficam confundidos com azul singular
Tão expressivos
Eles falam!
Sozinhos marcam o seu rosto
Se preciso lembrar dela
A primeira ideia vem do olhar
Tão vivo e presente
Vida você atropelou-a em diferentes momentos e ela...
Traz sofrimento marcado no braço
Tem a marca de prisioneira de campo de concentração
Nunca números foram tão feios...
Tem sofrimento marcando o corpo
De alguém que lutou e sobreviveu com garra
Seu nome bíblico faz jus a sua saga
Teve muito pouco de paraíso no seu existir
Mas sempre foi uma lutadora
Jamais entregou as armas
Pensando em ti... hoje
Te procurei pelos olhos verdes que combinam
A beleza com a sua grandeza
E mais que na hora já era necessário fazer tal
registro...
38
Em tempo
Por Clarice Villac
Os bons tempos
têm como ingredientes
imaginação, sonho, alegria, aventura...
Podemos criar tempos
memoráveis
a qualquer tempo !
É só nos empenharmos,
com alegria, sonho, imaginação
e nos aventurarmos !
Para sentir inspiração
basta inspirar o ar renovado de cada
amanhecer
pirar em busca do ainda utópico
e trilhar o caminho da ação !
39
DOS PRAZERES
Por Cláudio Costa
Assim ela era conhecida lá no bairro. O movimento naquela casa, lá no
fundo com um grande jardim atiçava minha curiosidade. Mulher de ancas largas, seios fartos, mas com o olhar triste. Vivia assim, não dos
prazeres próprios, mas dando prazeres aos outros. Ainda moleque, naquela terra de ninguém, fui à busca do prazer. Então, naquela noite,
descolei uma grana. Ela me deu banho, fez janta, assistimos TV e depois me colocou para dormir. No outro dia estava prontinho para a escola . Ela me deu um beijo na testa e com um lindo sorriso ficou me
olhando, parada no portão.
40
Rotina
Por Cristiane Sancovik
Na rotina de fechar meus olhos
venho aqui todos os dias
neste mundo impudico
tênue na consciência
do reles mortal que sou
tele transporto-te comigo
para um mundo nubente
de compromisso com nós dois
confirmando que a felicidade
o bem estar de um coração apaixonado
sustenta o depois
que o simples toque do perfeito
desvenda mistérios
desmistifica o impossível
concretiza o desejo
da sensação dolente
de um sentimento indescritível
envolvendo-te na dimensão exata
que é exatamente permanecer comigo no além
tendo a certeza de que quando fechas teus olhos
sentes o mesmo prazer
que eu estou sentindo também.
41
POR QUE?
Nem o rastro do perfume me restou...
Por Daniel Cravo Silveira
Anjo ou demônio?
Fada ou sereia?
Por que te ausentas,
Amei teu coração
faltas, não ligas?
sem saber teu rosto.
Amei teu corpo
Por que tantas reticências?
sem jamais sentir-lhe o gosto.
Minando, erodindo,
o que foi construído
Abri minh’alma
com tanto cuidado!
a toda a esperança
Sendo assim,
de estar contigo.
desse jeito estranho,
Sem saber que ela
destruído.
seria, para sempre,
justamente o meu castigo!
Por que o bálsamo da promessa
é passado
Ousei o amor
que jamais seria meu.
pela mesma mão que nega
a carícia?
Ousei sonhar
a vida novamente!
Por que a desconfiança
envolve esta paixão?
De sermos um só.
E o amor que nasce
Ser teu amante, teu amigo;
carrega o estigma
cobrindo-te de beijos,
da ilusão?
adivinhando teus desejos,
bastando a mim
Porque a dúvida
a paga do teu sorriso.
nunca é desfeita?
Senti toda a dor
Os “por quês” nunca respondidos?
E a ausência é sempre
da perda.
tua resposta...?
Sem me lembrar
Por que?
de que, nem por um instante
sequer, fosses minha.
Se por zelo ou desleixo
perdi a flor,
que jardineiro sou?
42
Para aconselhar-me
Por Deyse Zarichta
Para aconselhar-me, é necessário um pequeno relato,
Que diabos colocarei aqui?
Coloco toda minha amargura, antes que como fel
Passe por minhas veias levando embora todo o sangue
Assusta a possibilidade do eterno retorno
Acontece sempre
Um mesmo início, um mesmo fim, tudo exatamente
igual
Com suas, irrelevantes, diferenças
Lerei essas pequenas notas assim que sentir o perigo
Que é fácil identificar
Começa com a poesia dos estúpidos
Olhares inflamados de desejo e mensagens sutis
anunciam, te quero
Interessante é passar o tempo jogando com essas peças
E apesar de já conhecer o fim, esperar, que dessa
vez, ao menos dessa vez
Haja controle absoluto da situação
É inevitável, e parece até castigo, esse mesmo fim miserável
Lágrimas, e uma fraqueza que percorre lentamente
cada milímetro do corpo
Deixando bem claro que é tudo o que se tem, matéria
rejeitada
A mesma cena , tão desesperadamente forçada a ser
enterrada
Agora parece tão mais estúpida, uma vez que já não é
acidente, é quase uma escolha
Tudo é beleza, romance e história
Tudo é a irresponsável vontade de, mais uma vez
Levar adiante a estupidez de encenar uma paixão
Que acaba inevitavelmente nessa inversão das forças
E o que era poder, agora é peso, culpa e dor
43
Sêmen de Incêndio
um sopro disse-me que amar é vento.
o vento é plumbaginoso.
o amor: música: vida.
Diego Mendes Sousa
aqui, volto ao outono.
será o amor regresso ou escarlatim ou
devaneio?
na solidão mora o amor e o amor
muitos se suicidam outros esquecem.
faz-se outono quando apenas amamos.
consola-me amar.
outros se calam e pesam.
Amar é fogo e o Amor: incêndio.
amar é procurar é perder é morrer.
todos amam e amar, é chorar: amar é
minha primavera de boêmio é minha
cabala é minha máscara.
amar em todas as noites só por amar.
amar eternamente amar, eu amaria a
primeira mulher, sem medida, se amar
fosse
somente carne, mas amar, amar mesmo, é desespero.
é verdade, também, que amar é clarividente no beijo, no sexo, no gozo e,
além disso, amar é salivar assim como
se consome a laranja, a manga, a ameixa, o figo: a mulher.
é lamber o mel na boca.
os limões são azedos e a mulher: doçura.
amar não é viver azul é sofrer azul e, às
vezes, amargar em branco.
amar é provar a poesia dos dias, o engano do tempo.
amar é voar sob o céu sob a tempestade sob o manto de luz das estrelas e
cair, cair, cair, cair...
e ressuscitar na derradeira brisa.
não há pecado em amar,
amar é amar e é tudo e é nada.
e se nada é tudo, o tudo é sempre.
sempre é amar e amar é fugir.
estou perdido entre indagações, confesso.
44
Chão de gente
Por DIMYTHRYUS
Chão
De pedras, histórias
Chão duro
Chão d’ouro
Outrora transparente
Diamante
Chão de gente
Nossa gente
Chão de pretos
Pregos correntes e gritos
‘çoites, quilombos, estalos
Chão de inverno gelado
Chão preto
De ouro roubado
Chão da nossa terra
Chão de Ouro Preto
Dourado.
45
Pra onde eu vá
Por Dúlcio Ulysséa Júnior
Pensar em mim impossível
Sem antes em ti
Não tenho outra morada
Se não for ai
Como conseguir viver
Sem que te tenha aqui
Mesmo que eu vá
Aqui, ali, lá ou acolá
E volte pra cá
Não irei conseguir sem que cá
Aqui pra mim não estiver
Carrego você pra aqui, pra ali, pra cá, pra acolá
Para qualquer lugar
Onde eu possa ir ou imaginar
46
Bembem padece de amor
Por Eurico de Andrade
O Raimundo barbeiro estava quase indo à
falência. A machaiada de Tabuí fizera da sua
barbearia ponto de encontro predileto, onde se
ficava sabendo de tudo. Quem tava ficando
rico ou pobre, quem gostava de quem, quem
apanhou de quem, quem tava saindo com
quem... E o Raimundo brabo com a falta da
freguesia que refugava de tanto falatório. Freguês que se aventurasse ali, mal saía, a ficha
tava completa e era assunto por uma semana.
Até que um dia o barbeiro resolve espantar o
azar. Zequinha Bembem, o açougueiro simplório, o mais conversador de todos, contador de
papo, inventor de histórias, metido a brabo e a
paquerador, era quem mais divertia a turma da
barbearia. Raimundo acha de aprontar com o
Bembem para ver se espalhava aquela homaiada da sua barbearia e a freguesia voltava.
Escreveu bilhete com letrinha delicada, caprichando na língua pátria. "Zequinha, tô pachonada por ocê. Sou sua fãn ocurta. Quero marcá incontro. Guarda segredo." E colocou o bilhete debaixo da porta do açougue, já tarde da
noite, para não correr o risco de ser visto.
No dia seguinte, mal o Raimundo abre a
barbearia, lá vem o Zequinha Bembem correndo, eufórico.
- Remundo, óia só! Ela tá paixonada
por mim, sô!
E Raimundo leu o bilhete que ele mesmo
escrevera, mostrando espanto.
- Mas ocê não tá guardano o segredo
que ela pediu, ô Bembem!
- Só tô contano procê, Remundo!
- Óia, é bom ocê não contá para mais
ninguém não, sô! Cê num conhece aquele ditado que diz que quem tiver segredo, não conte pra mulher casada, pois ela conta pro marido e ele pro seu camarada? Segredo tem perna curta, home! Ainda bem, Bembem, que sou
homem de pouca fala! E quem será ela?
- Sei não... Pode sê a...
E Bembem teceu uma longa lista das possíveis pretendentes. De solteiras donzelas a casadas que jogavam água fora da bacia, até a
beatas convictas e juramentadas.
- Ah, Remundo! É dessa vez que eu
disincravo, sô! Vai s'imbora, solidão!...
Bembem passou o dia inquieto, rindo a toa,
doido para enfronhar conversa de amor. Como
ninguém deu trela, ele se calou. E Raimundo,
só de butuca, querendo ver até quando o homem guardava segredo. Antes de ir para casa,
comecinho da noite, escreve outro bilhete, novamente com letrinha delicada "Beimbeim,
meu amor. Quero mim revelá procê amanhã
de noite ao beco do Mijo 9 in ponto. Se eu demorá um poco, mim espera. Vái sozinho. De
camisa branca pra mode eu vê ocê no iscuro.
Nem paletó, nem blusa e nem xapéu. Oia o
segredo viu? Sua amada". Deixa-o debaixo da
porta do açougue e vai pra casa esconder-se
do frio entre as colchas e coxas da patroa.
De manhãzinha, lá vem o Bembem correndo de novo, emocionado e sem fala, escondendo papelzinho rosa no bolso.
- Remundo, ela me escreveu de novo,
sô!
- Ih, é? Dexovê!
- Na-na-ni-na-não! Desta veiz não! Vô
guardá segredo. É pedido dela.
- Deixa de sê bobo, sô! Cumpoco cê
tá pensando que eu quero passá ocê pra trás?
- Né isso não, Remundo! Amanhã eu
conto procê, tudo, no seu tintim, viu? Ah!... Esta noite vai acontecê coisas!... - suspirou ele,
revirando o zoinho.
Raimundo viu o amigo pra lá de emocionado. Os olhos brilhando, a respiração ofegante
e ele não parava um instante sequer, saltitante
feito tiziu.
Bembem, naquele dia, não abriu o açougue
e nem matou vaca. Ficou zanzando pela rua,
ruminando seu segredo, vendo passarinho verde, doido pra contar para alguém, mas se segurando nos trancos, em respeito ao pedido da
amada desconhecida.
À noite, a barbearia funcionou até bem mais
tarde. O Raimundo, pedindo boca de siri, contou pra mais de uns quinze a história do Bembem. E todo mundo ficou sabendo o que iria
acontecer.
Um pouquinho antes das nove, tá a turma
toda abafada, dentro da barbearia, tiritando de
frio, cada um mais encapotado que o outro,
esperando Bembem passar. Para chegar ao
beco do Mijo, aquele era o único caminho. Cinco pras nove, um avisa lá vem o home! Bembem vem, em manga de camisa branca, banho
tomado, perfumado e barba feita, olhando desconfiado para a porta da barbearia, de onde
saia luz e bafo de macho. Assim que vai passando, encolhido pelo frio e para não ser visto,
47
alguém grita lá de dentro ô Bembem, ondé
cocê vai, sô? Vamo chegá, home! O açougueiro, pego de surpresa, treme nas bases, sente
batedeira, perde o tesão incontido e começa a
suar frio.
- Tá com frio não, Bembem?
- Vô ali! Tô não! - responde o moço
às duas perguntas de uma vez.
- Vem cá, Bembem! Vamo tomá uma
pra esquentar o peito, home! - insiste o outro.
- Depois em venho, tá? Larga deu!
Dexeu em paz!
E isala no mundo, ganhando a escuridão do
beco do Mijo. Nessa hora, o Raimundo barbeiro entra em ação. Pega sua bicicleta velha, de
nome magricela, bastante escangalhada, e sai
também em direção ao beco do Mijo. Passa
pelo Bembem e finge não conhecê-lo. Dá uns
cinco minutos de prazo e volta. Repete a ida e
a vinda mais umas duas vezes, enquanto o
Bembem se espreme entre um muro e um
poste de luz sem luz, imaginando que não seria visto e nem reconhecido pelo barbeiro. Praguejava pros seus botões, querendo saber o
que o Raimundo fazia por ali, àquela hora da
noite. E, emocionado, espera, espera, espera... Tremendo de frio. Até que, da emoção,
após mais de uma hora, passa à raiva e resolve ir embora. O povo, estranhamente, - Bembem achou -, naquele frio, continuava na barbearia. Puto da vida, resolve pular dois muros
do quintal do Alfredão, correndo risco de mordida de cachorro, para não ser mais visto por
aquele bando de vagabundos. Passa no seu
açougue, já quase 11 da noite para procurar
sinal da amada. E acha. Papelzinho cheiroso,
cor de rosa, com letrinha delicada, dizia:
"Meu bem. Me perdoa gostozão. Num deu
pra mim falá cocê. Si ocê num sabe, sou muié
casada e o tarado do Remundo barbero tá disconfiado e aresorveu dá em riba deu e a siguieu fazeno preposta obissena de sequisso. Como num quero ficá malafamada, adeus".
Bembem não esperou pelo dia seguinte.
Saiu de si e deixou, no coração, lugar para homem brabo. Pegou faca de sangrar vaca e foi
pra barbearia. A turma, incentivada pelo Raimundo, esperava.
- Cadê aquele disgraçado do Remundo? Remundo!... Traidô! Vem cá fora procê vê
o quequié bão pa tosse! Cê tá dano inriba de-
la, né, fedaputa?!...
Entrou em campo a turma do deixa disso e
foram segurar o Zequinha Bembem. Começaram os empurra-empurras e os sopapos. E
uns passaram a descontar nos outros as mágoas de antigamente, as fofocas mal ditas e as
falas bem ditas, dando e levando bordoada.
Cada um por si e Deus por todos. O fuzuê foi
feio, em plena rua, beirando a meia-noite. Na
refrega, alguém sumiu com a faca do açougueiro, desapareceram a peruca do alfaiate
Cirilo e a dentadura do Laerte. Quando chegou
o Divino soldado, o Toim Zaroio procurava, tateando o chão, os seus óculos fundo de garrafa e ninguém entendeu porque o Mané Falafina, o qualira da cidade, mais conhecido como
arame liso, perdeu a calça e tava sentado no
colo do Xinco Mangüara num cantinho mais
escuro. Com o Divino, tudo acalmou quando,
franzino e baixinho, ele teve que gritar, dando
pulinhos e tiros pro alto para impor sua vontade.
- Cês num tão veno a otoridade aqui
não, ô? Pára cuisso, cambada de fedaputa!
Ao ouvir os tiros e sentir cheiro de autoridade,
cada um foi saindo de fininho pra caçar seu
canto, fugindo de ver o sol nascer quadrado. E
Raimundo, o único que não tomou parte da
confusão no meio da rua, fechou sua barbearia em paz, enquanto os da turma, alguns de
olho inchado, boca sangrando e cuspindo dente, ficaram de nariz torcido e de mal uns com
os outros. Era o que queria Raimundo, para
atrair de novo a freguesia.
48
Incertezas
Por Fábio Ramos
Corredores escuros
Avenidas desertas, cidade morta
Todos julgam-se amigos, companheiros
E, mesmo assim
Tudo é em vão, tudo é inútil
O tempo é só, incrédulo da própria realidade
O tempo é só...
É só ele em seu silêncio
Sussurrando apenas aos sábios, as almas puras
Tudo o que sente, o que pensa
No vem e vai, nada fica, tudo um dia partirá
A felicidade é por pouco tempo
Ela chega , encanta, e desaparece
Some em meio à sonhos, ilusões...
Pensamentos...
Quem sabe,
O segredo de ser feliz, é desaparecer
Partir junto a ela, sem rumo, sem direção
Mesmo que...
Uma vida toda, um passado por inteiro fique para traz
Mesmo que o destino torne-se incerto
E, o caminho obscuro, surpreso
Mesmo que tudo e todos
Contra o destino reajam, o julguem
Porque tudo vale, tudo se pode
Quando em meio a tantas incertezas
A razão de todas as loucuras
Seja um eterno amor...
49
Os juízes
Por Fabrício Couto Martins
E os pastores farão sua oração,
Os crédulos requererão sua recompensa,
Os descrentes pedirão o que pensam merecer,
Os juízes esperarão para ver,
Os condenados perecerem,
E os juízes esperarão
Pela condenação
Que também tem para
receber.
50
O que é felicidade? Me diz.
O que é Felicidade? Me diz.
É a leveza e doçura ao caminhar?
É a mão suave a acarinhar?
Flávia Assaife
É a voz macia a sussurrar?
O que é felicidade? Me diz.
O que é felicidade? Me diz.
É secar a lágrima que desce quando os lábios sorriem?
É um contentamento que liberta sentimento?
É ventura que aumenta a temperatura?
É o murmúrio das palavras? Arrepio?
É o bem-estar que se sente ao amar?
É êxtase? Euforia?
O que é felicidade? Me diz.
O que é felicidade? Me diz.
É o quebrar das ondas a beira-mar?
Talvez seja ser o que se quis
É a brisa que sopra a refrescar?
Viver sem medo de ser infeliz
É o cheiro do mato que o vento insiste em
compartilhar?
Sonhar os sonhos e pedir bis
Tornar a realidade uma matriz
Isto tudo e tudo mais é que faz você feliz!
O que é felicidade? Me diz.
É o cheiro do café fresquinho ao acordar?
É a fina sinfonia dos colibris a cantarejar?
É a euforia de um novo despertar?
O que é felicidade? Me diz.
É ter prazer em realizar?
É a força interior para prosseguir?
É o aroma exalado por uma flor?
O que é felicidade? Me diz.
É ser o que sempre se quis?
É nunca estar por um triz?
É ter amigos e cor na vida?
51
ENCRUZILHADA
Por Francisco Gregory Junior
São seis horas da manhã,
Agoniza o velho à minha frente.
A esperança já se faz ausente,
Sentimentos confundem minha mente.
Persiste o martírio doloroso
De um homem não mais vivo.
Coração a bater forte em seu peito,
Tendo sua alma já o deixado há algum tempo.
Martírio de uma velha companheira,
Negando-se a aceitar a perda definida,
Passando a clamar por ato difícil de ser feito,
Fosse eu capaz ou tivesse esse direito.
Como abreviar este fim,
Desligar aparelhos, interromper infusões?
De um modo, certo achava,
De outro modo, me negava.
Um misto de alívio e dor, finalmente.
A morte veio, final de uma história até frequente,
Não fora o velho doente o pai,
Não fora eu, seu filho, o médico assistente.
52
Fala poeta!
Por Geraldo Pereira Lopes
Brother;
Um grande poeta de cunho internacional assim se expressou: tudo, tudo vale a pena se a
alma não é pequena. Um outro poeta não menos internacional do que o primeiro disse:
eles passarão e eu passarinho. Um terceiro poeta, catarinense de Timbó, não menos internacional que os dois primeiros, buscou no mais profundo dos seus sentimentos — percepção, nos dando de brinde: menor que meu sonho, não posso SER!
Busco um quarto poeta, que ousa fazer a ponte entre esses (03) três ícones da Poesia
Internacional e acrescenta: ainda que me sonho possa me tornar marginal, diante da ignorância, da hipocrisia do olhar alheio, que vive por demais centrado no seu próprio umbigo
e quando dele se afasta, vai exatamente em direção ao seu próprio quintal e realiza um
belo jardim e a partir daí, começa a receber N elogios. Se o seu quintal é assim, imaginem
o tamanho da casa. Esquecendo que o seu quintal, a sua casa, nada mais são que o seu
próprio umbigo ampliado.
Portanto, se temos a capacidade de realizar para nós mansões, vamos auxiliar outrem a
conquistarem a sua dignidade-cidadania, a sua moradia, para que no mundo haja HARMONIA!
Se quisermos entender e praticar a mensagem, vamos caminhar para um 2.010 bem melhor para todos.
Pois, pois, pois, tudo que tu possa imaginar tem que ter (SER) uma palavra chave no
campo prático da vida: harmonia.
Quando o mundo, (as pessoas — "autoridades" teorizam em demasia e praticam minimamente), passamos a presenciar na prática, o que estamos a presenciar diuturnamente
sem limites: injustiças sociais, agressões ao meio ambiente, a vida em geral de forma por
demais assustadora, comprometedora.
Pois, tudo que sobra lá e sempre querendo mais e o pouquinho que aqui precisa e satisfaz, vai — vem sempre ficando pra trás. Muitos gritos sufocados, muitos sangue derramado, muitas fontes de luz procurando ocultar os crimes, muitos seres abandonados. Agora,
foi dado o recado, depois, (...) Da minha obra musical: Temos Que Domar a Fome.
Portanto amigos amigos, é urgente, urgentíssimo, divulguem por favor:
o que mantém todos os equilíbrios sociais, são exatamente as diferenças. Agora, quando são elas, as diferenças muito acentuadas, elas
causam efeitos contrários — causam implosão. Por isso estamos a
presenciar com bastante frequência, alterações climáticas catastróficas
em vários níveis e também as sociais, porque nos distanciamos em demasia do aprimoramento das relações das relações, que é com (SER)
teza a humana, que tem desdobramentos nas demais relações com
tudo e com todos os outros seres que compõem nosso pequeno universo de percepção.
Silêncio se faz..., eco, se procura..., e eu, simplesmente poeta o poeta
do SER!
53
O ESTRANHO
Por Gilberto Nogueira de Oliveira
Vivia num quarto trancado
Fazendo, ninguém sabe o que?
Talvez flores
Talvez uma bomba atômica
Seria um gênio?
Seria um louco?
Ninguém o compreendia
Quem sabe ele descobriria
A formula da alegria?
Não saía para nada
Lá dentro, comia
Lá dentro, digeria
Ninguém sabe como.
Um dia a porta abriu
E todos correram para ver...
Não havia nada
Nem ele mesmo
Provavelmente, ele consumiu-se
54
O GARANHÃO DE FLORIANÓPOLIS
Por Gilmar Milezzi
Esta é a história de Lírio, um sujeito muito popular entre as mulheres da Ilha de Florianópolis
no início da década de 70. Nas praias de Coqueiros, Itaguaçu e Bom-Abrigo ele reinava absoluto, para admiração e inveja de seus companheiros de farra. Não tinha prá ninguém: onde houvesse empregadas domésticas, mocinhas com os hormônios em ebulição e solitárias já não tão mocinhas assim dando sopa, lá
estava o Lírio fazendo a festa. Mas aquilo não
lhe subia à cabeça. Havia algo que o atormentava em a sua decantada virilidade. Ninguém
sabia, mas a fama de garanhão que o acompanhava, embora justa e merecida, tinha uma mácula. Algo que ele escondia tanto quanto possível, temendo o implacável julgamento da malta
invejosa. Ele temia, sobretudo, o desprezo que
adviria e que o acompanharia no ostracismo a
que certamente seria condenado. Parecia inacreditável, mas ele tinha realmente motivos para preocupar-se. Por alguma razão, que só os
deuses poderiam explicar, o seu ímpeto de garanhão só se manifestava com mulheres feias.
Quanto mais feia fosse a mulher, mais ele se
empenhava em conquistar seus favores. E tinha ainda um outro detalhe: Lírio adorava mulher de pés grandes. Quando descobria que a
dita cuja calçava mais de 40, era um delírio. Já
com as mulheres bonitas, ele sentia uma indiferença atroz do seu velho companheiro de batalhas. Não havia nada que acordasse o, antes,
impávido colosso.
ras nas noites de verão. Disposto a mudar sua
vida, Lírio foi à luta. Num baile do clube Limoense, ele conheceu Aline, uma loura espetacular recém chegada de Blumenau. A atração foi
mútua e eles dançaram a noite inteira, com direito a alguns amassos dissimulados. Todavia,
a moça era de respeito e não deu mole para o
incorrigível conquistador. Experiente no trato
com as mulheres, Lírio logo percebeu que devia refrear seu temperamento ardoroso e esmerar-se no galante papel de um cavalheiro cheio
de boas intenções. Apesar dessas restrições
iniciais, ou por causa delas, começaram a namorar várias semanas depois daquele primeiro
encontro. Depois de algum tempo, ele já frequentava a casa dos pais de Aline, e ela já não
se mostrava tão puritana quando eles trocavam
carícias na parte escura da varanda da casa
dela, onde tinha até uma lâmpada providencialmente queimada Tudo parecia perfeito.
Contudo, Lírio vivia apavorado com o momento
em que teria que fazer jus à fama que granjeara durante tanto tempo. E, se dependesse do
entusiasmo da moça, esse momento não tardaria a chegar. As carícias foram se tornando
mais ousadas e a moça mais exigente. Lírio,
por outro lado, desconversava quando as coisas se tornavam mais quentes, na tentativa de
ocultar suas dificuldades sob o manto do respeito que lhe dedicava. Aquele era um bom
pretexto, mas não ia durar muito. Ele precisava
Sujeito simpático, e de grande traquejo social, encontrar uma forma de superar a ausência de
Lírio era bastante popular nas rodas de samba reação que lhe afligia nos momentos mais calorosos. Pesquisando discretamente, ouviu falar
do bar do Nino, em coqueiros, e das noitadas
numa benzedeira que vivia na costa da Lagoa
regadas a caipirinha do Bar das Pedras, na
praia de Itaguaçu. Nessas ocasiões, podia ser da Conceição, e que sabia preparar uma garravisto rodeado de belas mulheres, mas sempre fada que era tiro e queda para o problema que
terminava a noite nos braços de uma mocréia o afligia. A queda ele dispensava, naturalmenqualquer. Essa era a vida do Lírio. E seria uma te, mas foi procurar a mulher.
vida boa, se ele se conformasse com o que tinha. Mas no fundo da alma, ele se ressentia e
sonhava com o dia em que teria nos braços
uma daquelas lindas meninas que frequentavam as boates do Lira Tênis Clube e do Painei-
55
Após ouvir uma atrapalhada explicação sobre o
problema de um suposto amigo, a tal benzedeira preparou uma beberagem para ele, composta de vinho, ovo de pata, amendoim e algumas
ervas estranhas de que ele nunca tinha ouvido
falar. O resultado daquela mistura foi um litro
de um líquido marrom escuro, de aspecto não
muito atraente.
A benzedeira entregou-lhe a garrafada com
instruções para que ele a enterrasse numa noite de lua cheia e a deixasse de repouso por
três dias. Após isso, Lírio deveria tomar um cálice daquela beberagem todos os dias antes de
dormir. Quando o conteúdo da garrafa acabasse, seu problema estaria resolvido.
Alguns dias depois que ele começou aquele
“tratamento”, Aline o encontrou. Estava entusiasmada com a possibilidade de ficar sozinha
em casa no fim de semana, em razão de seus
pais irem para Blumenau. Era a oportunidade
que eles tanto desejavam, segundo a moça, e
com a qual ele apressou-se a concordar, sem
muito entusiasmo.
Lírio, que já estava ficando confiante na eficácia da garrafada, começou a ficar apavorado
com a aproximação do fim de semana. Estava
tão inseguro, que quando a sexta-feira chegou,
ele tomou o restante do conteúdo da garrafa de
uma vez antes de ir ao encontro de Aline. Todo
aquele líquido no estômago o fez sentir-se um
tanto estranho, mas não fez caso disso. Resoluto, foi para a casa dela, martelando na mente
aquele velho mantra: “Seja o que Deus quiser”.
No caminho ele se acalmou, e quanto mais
pensava em Aline, mais sentia suas calças
apertarem. Estava funcionando, pensou entusiasmado. Apressou o passo, pois sentia que
não devia perder tempo.
Mal ela abriu a porta, Lírio a agarrou. Tal era o
seu ímpeto que Aline sorriu toda feliz com a
reação que tinha provocado no amado. Aquilo
dissipava as dúvidas que a estavam incomodando ultimamente quanto ao que ele sentia
por ela. Pelo jeito não ia dar tempo nem para
degustar o jantarzinho caprichado que ela havia feito. Isso não a incomodava, é claro. A ordem dos fatores não alterava o produto e aquela noite prometia.
Foram atravessando a sala deixando peças de
roupa pelo caminho, dando a Lírio a certeza
que havia conseguido dissipar o bloqueio que
tanto lhe atormentava. Graças à benzedeira e
a garrafada que ela lhe dera. Mentalmente
anotou o compromisso de levar um presente
para a mulher. Foi com esse pensamento que
sentiu o primeiro espasmo do intestino. Suas
entranhas pareciam estar entrando em colapso, como se tivesse tomado litros de algum tipo
de laxante. No segundo espasmo sentiu que
deveria correr para o banheiro. Antes que desse um passo, veio o terceiro espasmo, e ele
percebeu que não havia tempo para mais nada. Aline olhou para ele perplexa, ainda sem
compreender o que estava acontecendo. Depois, tapou o nariz e correu para o banheiro.
Lírio ficou só, com sua dignidade esvaindo perna abaixo. Aquilo era o fim, pensou. Mas o fim
ainda não havia chegado. A porta da sala se
abriu naquele momento atroz, e o pai de Aline
entrou para pegar a carteira de motorista que
havia esquecido.
Felizmente para Lírio, sua desgraça foi também a sua salvação, pois o que seria difícil explicar foi creditado a um mal estar súbito acarretado pela sua emergência intestinal.
Todavia, o namoro com Aline não prosperou.
Depois daquele vexame, ele decidiu nunca
mais se arriscar com beberagens estranhas e
voltou para os braços das feias e mal amadas
da ilha.
56
Aceito a noite longa
Por Gustavo Henrique Bella
Aceito a noite lenta de horas vagas
Grisalhos cabelos surgem com a névoa branca
Lembranças cintilantes no céu passado
E aquela mão roga por um toque
Recebe uma face em meio a noite
O tempo que sofre entre as horas negras
Grita pelo nome de alguém que passa
Apenas um eco na escuridão faminta
Levando beijos que serpenteiam o coração
Cravando presas de veneno amargo
Derrubando os fortes e consumindo os fracos
Irônica vida de encantos tolos
Fortes palavras ditas a esmos
Sem salvação ou redenção
São apenas as presas encontram o tempo
E a noite longa ganha força ante as horas
Consumindo o corpo e diluindo a alma.
57
Por Hugo Pontes
58
RESPEITO
Por Icléia Inês Ruckhaber Schwarzer
Respeito tua opinião
Respeito tua decisão
Somente quero que saibas
Que respeito meu coração
Nesta ilusão deixei meus sonhos me levar
Onde somente em pensamentos eu posso chegar
Desta louca paixão vi em meus olhos brotar
As lagrimas que temem em rolar
Lembrando dos doces momentos
Da ilusão da minha alma
Da alegria de um dia te amar
Hoje em minha alma
Teus rastos persistem em ficar
Mesmo que eu queira
Não consigo te evitar
Saudades, dor ilusão
Lamentos do meu coração
59
Cotidiano cruel
Por Igor Medeiros Oliveira
Ele acorda. Lava-lhe a face. Esconde o colarinho de baixo da gola do terno. Nos tempo antigos, mostrava-se o colarinho com orgulho, batendo no peito. Era o ídolo da
garotada. Comprava bala, pirulito, entre várias guloseimas para eles. Agora, se mostrasse o colarinho, era vaiado. Atiravam-lhe tomates podres e fétidos em sua idosa
face.
Mira-se no espelho. Um típico e respeitável cidadão. Trajava um terno escuro, com
botões de detalhes dourados. Uma camisa de linho egípcio, alvíssima, e uma charmosa gravata vermelha. Os bigodes, já lhe arrancavam a juventude do rosto." Se eu
tirar, fica pior" sempre dizia à esposa. Os cabelos outrora eram um emaranhado
amazônico, agora mais pareciam pasto de gado velho.
Vai no seu respeitável escritório e abre seu e-mail. Recebe um proposta: R$ 100
000,00 para alterar o plano-diretor. Se ele cedesse, ninguém descobriria. Ele estava
acima da lei. Ele era a lei. Mas ele nunca aceitara nenhuma proposta corrupta. Mas
R$ 100 000,00?
Sai pra tomar um café, de colarinho escondido. Encontra mendigos moribundos, fundindo-se às calçadas de sua cidade. Uma criança lhe pede esmola, e ele tira da carteira cinquenta reais. O "mini-deliquente" lhe mostra a arma, e lhe alvejando, sai em
disparada.
Seu cadáver tomba ao chão, ferido pelo povo que nunca feriu. Aparado pelo chão
que sempre protegeu. E vislumbrando a tão ignorada sombra da morte sobre seus
olhos, esclarece-lhe a mente. Não aceitaria a proposta. E com o sangue vertendo-lhe
a vida, morre, o último "homem" da Terra.
60
Perfume do Sol
Infeto
Cadê o perfume do sol, que eu trouxe para você?
Seu aveludado. Céu laminado.
Não está mais aqui!
Olhos nos olhos. Na mente.
Dente nos dentes. Semente.
Você caiu e me arrastou.
Quem se mistura com farelos. Por porcos são comidos.
Eu sou um porco e aspiro uma carreira de você.
Esse mato seco, não molha mais minha alma.
Vou sentar numa pedra.
Com uma cartela de drágeas de alguma paroxetina.
Menina, mulher, vadia, santificada. Advogada do diabo.
Numa liturgia na encruzilhada.
Faz o que quer, mas não me diz nada.
No meu quintal e no meu coração, você não nasce
mais.
Onde estão suas sementes?
Baby, Baby!
Onde estão suas sementes?
Onde está o perfume do sol que te dei?
O perfume do sol, não é mais azul.
61
A GAIVOTA
Por Irene-Zwetsch
Voa longe a gaivota,
segue o curso, sua rota.
Voa firme, alto, livre
Lá embaixo, quem se importa?
Seu traçado belo, rápido
de infinitos mergulhos
Proclama aos ventos
Asas abertas, uma ode à liberdade.
Voa tranquila, gaivota,
Voa sem medo, sem rota
Vai levando tua leveza
Vai depressa, não te importes
Que nós, aqui embaixo
Sonharemos teu percurso
E nas asas de nossos sonhos
Te seguiremos, rumo à eternidade azul.
62
Como se fosse doçura
Por J. Machado
Quanto tempo temos até o entardecer?
As horas passam seguidas de histórias.
Serão nossos momentos contados?
Quem escreverá a ata com tantos fatos?
A poesia é amarga.
Escrevo o amargo como se fosse doçura!
Então sinto um sabor agridoce. A própria vida!
Nada é tão doce. Nada é tão azedo.
As nuvens passam apressadas. Parece que fogem!
Nem meus olhos acompanham tanto voar.
São os ventos do sul.
Enquanto olho para o céu, te espero.
Talvez você venha num cavalo branco.
63
Êxtase
Por Jaci Santana
Amar-te e querer-te.
Este é o meu mais sublime desejo.
São vagos delírios de posse e arrebatamento.
Esta sôfrega paixão que por um momento,
traiu-me sem perdão.
Meu olhar perdido em ti,
flagrou-me hipnotizada em teus meneios,
olhando-te se movendo com uma agilidade estonteante.
Teu olhar divagando... E tuas mãos... O corpo tocando,
com tal doçura e leveza que, em êxtase,
a este proibido sentimento entreguei-me.
Este frio! Este tremor! Este arrepio!
Que minha atormentada alma, sozinha,
gemia além do esperado.
Em meio à multidão,
em meu fervoroso pensamento,
estavas tu, ali, presente.
E no tilintar de partidos corações,
estava o meu, entre os seios pudentes,
repletos de desejos ardentes e segredos inocentes.
E ao longe, abria-se a várzea enegrecida, tímida e nebulosa,
a espreitar a lúgubre noite.
Dentro de mim, vozes ecoavam sóbrias e tristes.
Insanos sorrisos disfarçavam o pranto vertido,
Pois, já não eras parte de mim.
64
O QUE TE EQUILIBRA?
Por Jacqueline Aisenman
O que te equilibra? Sério, responde. Se não responder pra mim, responde pra ti
mesmo. O que te equilibra? Vem de dentro ou vem de fora? O que te dá aquele
sentimento de que os dias passaram (e bem) sem que tenhas que ter lembrado deles a cada manhã ao acordar, ao sair da cama?
O que te equilibra e te dá aquela sensação de quase dever cumprido talvez não no
final de cada dia, mas no momento de olhar alguma foto, ou simplesmente de olhar
para trás. O que te equilibra é uma pessoa, um hábito, uma crença, um remédio,
um trabalho, um alimento, um animal, um lugar, um sonho, uma esperança...? O
que te equilibra?
O que te faz caminhar sorrindo pelo fio da vida, esta corda de circo que mais alta
não poderia estar, com os braços abertos, o sorriso no rosto, até chegar do outro
lado? Neste circo, onde não podes olhar para baixo para saber se a rede está lá
embaixo para te amparar, se o público irá te aplaudir ou esta torcendo para que
caias... onde o outro lado nada mais é do que a outra ponta, idêntica ponta de onde
saístes em caminhada destemida e quase cega...
O que te equilibra? O que te dá a força de manter o equilíbrio? Vem de dentro ou
vem de fora? Veio a ti ou fostes buscar? Te dá o verdadeiro equilíbrio ou apenas a
ilusão de estar equilibrado? É de concreto, é um tapete, é uma nuvem, o que está
sob os teus pés? Qual a sua solidez?
O que te equilibra poderia te desequilibrar se desaparecesse hoje? E para onde te
levaria o desequilíbrio?
65
AS ARMAS NÃO MATAM
Por Jandira Torreiro
Perguntam-me: ”Porque eu jejuo às sextas feira Faço-o pela conversão dos pecadores, ela erradicação da violência no mundo
Num tom solene argumentam: "Deus não quer
sacrifícios, quer misericórdia”.! Conheço bem a
expressão. Fiquei me perguntando: Deus quer
minha misericórdia, minha compaixão com a
miséria alheia! Mas, por mais que tenha compaixão, que use de misericórdia, por mais que
eu faça algo por meu semelhante, sozinha jamais será o suficiente para atingir o que eu
busco. A erradicação da violência no mundo,
Para esta pandemia que se alastra do Ocidente ao Oriente do norte ao sul do planeta, só
existe um antídoto, "o AMOR ” o amor que levou Jesus a se sacrificar por nós, a dar a vida
por seus irmãos. E para que todos tenham
consciência da necessidade deste antídoto é
necessário muita oração, jejum e penitencia.
Enquanto os homens não crerem no mistério
da paixão e ressurreição de Cristo, e que pelo
Seu Sangue derramado passamos a ser uma
só família, que temos Seu DNA do amor ,
que somos todos irmãos independentemente
de cor, raça, ou credo!
tre torcedores fanáticos de futebol. Continua a
guerra entre as gangues do narcotráfico, usando armas de fogo que certamente não foram
recolhidas, multiplicam-se as guerras entre
nações, A mídia noticia um novo matricídio por
um jovem desesperado. Um namorado ciumento queima viva sua namorada adolescente
As mortes proliferam., continuam os homicídios
de mendigos queimados vivos, a perseguição
e morte de travestis, numa ostensiva discriminação social .
Continuo dizendo! As Armas Não Matam!
Quem mata são pessoas, movidas por problemas sociais, falta de escolas, de trabalho e até
falta de comida!, Problemas psicológicos, desamor, desagregação familiar, e problemas espirituais desconhecem o amor de Deus, o dom
divino de perdoar e de pedir perdão. Enquanto
o homem permanecer longe de Deus, desconhecendo ignorando o Seu imenso amor de
mãe por nós, continuará a hegemonia da violência, principalmente quando estamos sendo
espectadores de um traumatizante espetáculo
de impunidade na Nação!
Sabemos que a pena imposta ao ladrão é menor que a pena imposta ao homicida, mas há
agravantes e atenuantes Desviar da nação os
impostos arrecadados e pagos às vezes com
sacrifício pela população crente que sua contribuição seria utilizada para o bem estar social, na construção de estradas, de escolas aparelhamento de hospitais, contratação e capacitação de pessoal, e depois vir a saber que
aqueles impostos escorrem por valeriodutos,
sem que os infratores sejam punidos
Quando o governo se decidiu fazer uma
caça as armas, como estratégia de Combate a
violência, a população se alegrou! Acreditava
que com as armas recolhidas, os assaltos os
homicídios diminuiriam, mas logo o povo se
deu conta que ficaria desarmado à mercê dos
bandidos que sempre têm um jeitinho de conFaçamos pois, nós cristãos, não importa
seguir armas e assim disse não no plebiscito. a religião, todos cremos num Deus misericordiAinda se estava no processo e dentro do prazo oso imparcial e bom. Façamos juntos um dia
de recolhimento Eis que continuam as notícias por semana de jejum, para que tão grave e disde homicídios mesmo sem arma de fogo, al- seminada pandemia que se intensifica e se
guns com cunho de perversidade muito além aprofunda a cada dia. Seja erradicada definitido imaginável, como aquele matricídio e parri- vamente do planeta!
cídio praticados por uma adolescente, com
ajuda do namorado e futuro cunhado, Continuam as mortes nas boates ,onde pais pensam
estar seguro seu filho e até o leva ali, sem sequer desconfiarem que aquela seria a última
vez que o estariam transportando, pois às vezes ele não volta mais ao lar, vítima da crueldade de outrem Continuam as mortes no campo entre os sem terra, e sem teto, mesmo sem
uso da arma de fogo. Continuam as mortes en-
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“Sobre Viver” com Arte:
Um conclame aos Artistas que vivem na terra de Anita
Por Jane Vieira Gariba
Olá leitor e leitora! Sabe, eu muito pensei antes de começar a redigir este texto, a convite de nossa maravilhosa consultora. Logo me veio à mente: vou à Internet e “pesco” algumas idéias pra desenvolvê-lo... Depois, fica fácil concluí-lo. Conversa! Foi então, que decidi
realizar alguma atividade pré-concebida para o dia que me fizesse refletir e encontrar um
caminho onde minhas palavras discorreriam. E assim, nasceu!
Erguendo meus braços abertos, ao vento, quase na ponta dos pés, com uma das
mãos escorada a uma fina linha de nylon e a outra carregando centenas de fios de algodão
coloridos, me libertei! Principalmente, quando utilizei recursos básicos da Física, num conjunto de alavancas perfeitas, feitas de fragmentos de madeira e arame. Isso! Foi assim, estendo roupas no varal que minhas ideias brotaram.
Comecei pensando, porque hoje em dia está tão difícil escolher entre o “ser” e o
“ter”? Conheço centenas de pessoas que “tem” filhos, mas não “são” pais. “Têm” uma infinidade de cursos, mas não “são” capazes de transformá-los em vivências. “Tem” posses,
mas não “são” donos. “Tem” diplomas universitários (=educação), mas não “são” educados.
Enfim, são centenas de vezes que podemos citar estes verbos... Em vão.
E o que isso tem a ver com a Arte?
Já explico:
É que em muitos e muitos momentos durante nossa vida, somos bombardeados pelo
“ter”.
Exigem-nos ter carreira. Ter moradia. Ter transporte. Ter família formada. Ter alicerce. Somos empurrados a construir um futuro que muitas vezes não é o qual sonhávamos.
Por que tanta pressa para viver? Porque o dia se torna tão carregado de obrigações? Que tempo reservamos para “sermos” felizes contagiando quem nos cerca? É aí que
entra a Arte de Viver... De sobreviver com a Arte!
O artista é encantado pela vida. Necessita retirar esse imo de felicidade todos os dias. E nas terras de Anita, isso brota nas esquinas. Não importa vivermos marginalizados
pelos trocadilhos da sociedade, porque nossa essência é a vida. O “ter” se esbarra no nosso “ser” nos tornando mais fortes. Mais amantes do que somos. Não precisamos “ter” um
título para nos sentirmos artistas, porque já somos artistas da vida. Não digo aqui, que não
precisamos estudar. Necessitamos! Sempre! O que não precisamos é viver amarrados a
uma posse, seja ela de qual natureza for.
E hoje, especialmente, conclamo aos artistas que vivem na terra de Anita a se unirem. A exporem suas obras. A participarem de um circuito de Arte Lagunense, criando referência no sul do nosso Estado.
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EU SÓ QUERIA UM AMIGO
Por Janete Gutierres
Eu só queria ter um bom amigo,
Que pudesse me ouvir.
Que pudesse olhar em meus olhos
E sentir a dor que consome meu coração.
Que pudesse ser fiel e doce, que estivesse
Comigo nos momentos que mais precisasse.
Que me defendesse e me amasse.
Que lutasse por mim nos momentos difíceis.
Que pudesse pegar as minhas mãos entre as
Suas e me consolar.
Eu só queria ter um amigo que pudesse
Caminhar ao meu lado,
Que eu pudesse ter a certeza que ele
Estaria lá, e não me deixaria só.
Um amigo verdadeiro.
Eu só queria um amigo.
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Nos Braços do Carnaval
Jania Souza
De serpentina, baiana ou Pierrô
Vou mergulhar nos braços da folia
Só peço a Deus, nosso Senhor
Sua prazerosa e constante companhia
Para desfilarmos entre as cores da alegria
Na diversidade de musicalidade
E fazer do sonho puro
A maior realização do nosso astral.
Vou pular, vou amar, vou sorrir
Vou voar nos braços da felicidade
Entregar-me a Momo com o Galo da Madrugada
E levar comigo a plena liberdade
Para viver a espera do próximo carnaval.
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CARTAS DE AMOR
Por Jaqueline Campos
Você me disse uma vez
Que após alguns anos
Eu não me lembraria do seu nome.
Mas ao reconhecê-la na rua
Descobri que você entrou em mim.
Outro dia, num repente
Juntei todas as nossas cartas de amor
(Eu não tive coragem de reler)
Mas levei todas, cuidadosamente
E acendi uma fogueira por nós...
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UM FADO À FRANCISCO JOSÉ
Por José Alberto de Souza
“Vienen a ser novedades las cosas que se olvidaran.”
LOPE DE VEJA
O cais vazio. Uma figura solitária. Os armazéns enfileirados. O vento nordeste. Ondas na amurada. O sol nascente. Gaivotas. As águas no horizonte. Um lugarejo além-mar. A luz fraca do
acetileno. O cascalho das ruas estreitas. Lua minguante. Alvas casas de portas e janelas coloridas. As cordas percutidas de uma guitarra. O canto dolente de um fado.
FRANCISCO JOSÉ:
Partir,
Ter de te dizer adeus
E sentir falta dos lábios teus.
(Um bêbado apoiado no poste grita na noite, conversa com seres imaginários que não o percebem; estes falam entre si.)
BÊBADO: Nunca que vocês tiram ela de mim, metam-se e eu acabo com sua raça de bastardos.
OS OUTROS (afagam-se, olhares perdidos, braços e pernas confundindo-se na massa): Ninguém nos compreende, temos mais de aproveitar a onda.
(Ruído de um grilo, o ronco saindo de uma veneziana, gemidos, o ranger de uma cama, cascata tamborilando no urinol.)
FRANCISCO JOSÉ:
O que resta após despedida
Nada mais é do que saudade,
Lembrança daqueles momentos
Que tivemos de felicidade.
(A orquestra ajustada, violinos ao fundo, o coro na frente, a guitarra quase humana.)
VIOLINOS (discretos): Sonhemos, é eterna a nossa noite.
O CORO (altissonante): Grande coisa amar desse jeito.
A GUITARRA (chorando): Tenham pena de mim...
(A mariposa na direção do facho no sentido da luz gira a bolsa, provoca os passantes.)
FRANCISCO JOSÉ:
Partir,
Ter de te abandonar
Com a esperança de voltar.
(A réstia vermelha e tênue escapando através da porta entreaberta, cadeiras arrastadas, a trajetória de uma garrafa no ar, um corpo caindo na laje fria, crianças adormecidas na calçada).
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O CALHORDA (sacudindo a poeira da queda): Mas que gente mais estúpida; precisavam
me tratar assim só porque dancei com a garota do chefão.
O PORTEIRO (dedo no meio dos lábios, tapinha nas costas dele): Psiu, não vai acordar os
coitadinhos.
(Clareia o dia, as lanternas se apagam, janelas batem abrindo aos pares, carroças surgem
de todos os cantos, ferraduras tiram faíscas das pedras, o lugarejo some do pensamento.)
FRANCISCO JOSÉ
(solta todos os agudos):
Vou m’embora pra bem longe de ti
Com o coração em pedaços
Pois minha maior vontade
Seria querer-te em meus braços.
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Chegada
Por José Carlos Paiva Bruno
Clarão do meu destino,
Surpresa em revelar...
Espraiada d’emoção,
Mais perfeita oração.
Cambaleando e perseguindo,
Sonho imaculado,
Gládio desesperado,
Éden alcançado!
Suprema felicidade,
Ardente flâmula,
Brado afortunado,
Arauto do coração...
Ritmo frenético,
Por vezes patético,
Despenseiro da angústia...
Que nos leva, como ladrão.
Pra longe da verdade,
Sorriso da eternidade,
Esquivança da razão,
Calma da carne e d’alma...
Poesia da paixão,
Pois que o caminhar,
Desnuda minha existência,
Precedente ao chegar!
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O PEÃO ROMÂNTICO DO TORDILHO Mara e loiras engarrafadas suadas de calor e
NEGRO
frio, também enunciavam tudo de bom a
confraria do Te e Regiane. As loiras gaseifiPor José Valdir Oliveira
cadas e suadas de tanto gelo eram tragadas
entre conversas, piadas e risadas, acompaNa semana em que as areias da praia
nhadas sobremaneira de alguns cow-boys
de Copacabana na cidade do Rio de Janeiro do litro verde. Na verdade, nessa ocasião, o
amanheceram cravadas com 700
certo era que já estávamos quase todos em(setecentas) cruzes pretas, representando
briagados conjugadamente pelo teor alcoó700 vidas ceifadas pela violência urbana so- lico tequilar e pela alegria de aguardar o
mente desde o inicio do ano. Fato repugmelhor da festa, numa rara e feliz oportuninante e sinistro que desencadeou no país
dade de se testemunhar o amor de um houm misto de espanto e de indignação pelo mem por uma mulher. De se dizer ao mundesvalor da vida. Na Palhoça, no entanto,
do sem a vergonha “quer, quer, quer!!!!
para contrabalançar o horror da vida e aca- Quer casar comigo”, fazendo-se assim, acrelantar nosso contentamento, teve lugar,
ditar que ainda há uma esperança de camiuma singular e disnta declaração de amor nhar pela vida acompanhado de uma paixão
de um homem por uma mulher, declarando mulher. Nessa breve cerimônia de anunciaao mundo dos vivos que nem tudo está per- ção das bodas, o quase noivo Té corria e
dido e que a violência não é a única forma sorria entre as mesas ora passando a mão
possível do relacionamento humano. Para
na cabeça, ora na barriga, servindo os aminossa felicidade tal alento de esperança e
gos e calibrando alguns drinques para dride dignidade fez-se na noite em que o nosso blar a emoção sofreada até o ponto alto da
amigo Té, o peão românco do tordilho ne- noite. A escolhida, rainha da festa e também
gro, veio lá das bandas do paredão, convi- quase noiva se desdobrava entre a família e
dou os parentes e amigos para dizer a todos os amigos. Tudo já indicava que o pedido de
naquele dia quão grande e verdadeira é sua noivado estava preste a acontecer, o Fábio,
paixão pela musa, namorada, mulher e ago- agora cidadão içarense já havia aprovado o
ra noiva Regiane. Os convidados aos poucos churrasco, o Zé da Marise baa o pé, o Diniz
foram chegando e foram se acomodando
dizia que a cerveja ali na festa estava gelada,
nas cadeiras e mesas,cumprimentando os
o Sérgio nem falava tão alto, o Alaor da Tâpresentes, saudando o noivo, a noiva e fa- nia soltava sua risada pouco conhecida, o
miliares. O som do Tom, irmão do Té rolava Odair, para os amigos, o carreirinha, passava
o sertanejo românco, indicando que a noi- a mão sobre sua volumosa cabeleira olhava
te seria de arrebatadoras emoções e de co- para a Márcia pro Maneca e pra dona Célia,
rações rasgados. Uma dupla de loiras, loira pensavo indagava, hoje que esse noivado
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noivado sai. Enquanto isso alheio a toda essa mulavidade, o Adriano Velho dormia
sentado numa cadeira debaixo de um bico
de calha sem se importar com o aguaceiro
que desabava sobre Palhoça. Foi tanta água,
após longos dias de poeira que só poderia
ser cumplicidade dos anjos para regar e celebrar o noivado. O clima era perfeito, mas
ainda nha gente que chegava, era o Bolão
o do noivo e a Miriam, o Guto, ainda pensando no dominó, com a Soaria, juntamente
com o Irminho, que com as mãos para o alto
exclamava “obrigado Jesus!” Nada mais havia a protelar o feito! Quando então de forma solene o Tom, irmão do noivo, D J da
ocasião, faz soar: Aleluia!, Aleluia!!!! Aleluia!!!!! Proclamando pelos trompetes eletrônicos toda a pompa que a circunstância
exigia para esse ato solene. Agora, nesse
momento,todas as atenções se voltavam para o palco improvisado. Ato conXnuo, lá, estava todo garboso o audacioso Té, de pronto
chamou a amada a sua companhia, os pais,
os irmãos, e se o espaço fosse maior talvez
ainda esvessem chamando alguns. Ele estava decidido, mas a companhia dos amigos
e parentes nesses momentos sempre ajuda
muito, socializa a coragem e a alegria. Na
expectava, e parafraseando uma música
dos anos 70, a platéia toda aplaudia e só desejava ser feliz, ansiosa aguardando ansiosa
o pedido de noivado. Doce ilusão esperar
que o pedido de noivado viesse logo de
pronto, na verdade, após o protocolo inicial,
o quase noivo que não fechava a boca sorrindo e que coçava a barriga sobre a cami-
seta, inclinou a cabeça para o lado da noiva
que refreava o condo o choro. E como não
havia mais o que protelar, o Té respirou fundo e passou a narrar o breve relacionamento de dez anos com Regiane,dizendo: antes
de qualquer coisa, vou contar uma história
para vocês. Vocês sabem né, eu a Regiane
nos conhecemos, estamos juntos e somos
companheiros desde o tempo em que eu
estava na 6ª série e ela na 5ª série, no primeiro grau.
Eu olhei pra ela, ela olhou
pra mim e foi daquele jeito né. Quando chegou o fim do ano perguntei a professora se
eu nha reprovado? A professora me respondeu que sim e eu disse então, é isso que
me dá felicidade. Dessa forma quis o desno que eu reprovasse para estudarmos juntos. Daí eu cheguei pra Regiane tal e coisa e
tal, ficamos umas duas vezes e pedi com
brevidade para namorarmos. Regiane me
disse sim, que por ela tudo bem, mas o pai
dela somente deixava namorar depois dos
quinze anos – eu disse tudo bem, não tem
importância, sou mesmo meio fora da lei. Aí
quando ela fez quinze anos eu fui à festa na
casa do pai dela. E desde essa época, estamos sempre juntos, superamos todos os
conflitos e as crises da adolescência, connuamos unidos na experiência de um relacionamento mais maduro e adulto, e, estamos hoje aqui na presença dos parentes e
amigos para consagrar, através desse noivado, o nosso desejo de seguirmos enamorados pegados um no outra vida a frente. Ao
findar toda essa especial narrava de vida
e sonho, a fala do pai da noiva foi abafada
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pelos aplausos, diante dessa muito bela e
louca palhocense história de amor. O ato
heróico, pedido formal de noivado finalmente estava realizado. Finalmente as alianças se enlaçaram nas mãos de Té e Regiane. Somando-se a tudo isso para a coroação do evento, Dna Aparecida, mãe do
Té muito emocionada, pegou a todos de
surpresa, trazia nas mãos duas tacinhas
de cristal conformando a champagne espumante, as mesmas tacinhas que há
muitos anos atrás haviam celebrado o casamento dos avos do Té, o Senhor, Evádio
e a Dna Edite. E que na casa desses permaneceu como testemunha silenciosa para em algum momento quanto chamada
recontasse àquela e, refizesse a historia
de outros personagens. Não há quem não
diga qual linda história de amor nos faz
senr mais humano, quando uma paixão
assim acontece para lavar a almas dos
amantes, como também dos medrosos e
insasfeitos. Esse brinde a vida deve,
pois, ser como uma praga, uma pandemia
repedamente espalhada aos gritos, aos
confins da solidão do mundo inúl e estéril do codiano que nos tem abreviado os
sendos e o gosto de viver. Ave seja! O
peão românco do tordilho negro com
sua inseparável amada, que recitem ao
mundo a forma normal e infinita da convivência apaixonada, sinalizando sempre
que o júbilo da eternidade temporária
não dispensa a coragem de apostar no
que lhe parece bom e no entendimento
que esse bom é o outro e como tal é o diferente, muito embora, desavisadamente
pela vida procuremos o sempre igual...
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AHHH ... POESIA ....
Por Ju Petek
A poesia cabe na palma da mão
deixa rastros no chão
A poesia voa num balão
embala uma canção
A poesia pode o mar navegar
a ventania enfrentar
e mesmo que naufragar
elevar-se ao amar
A poesia atravessa um oceano
eleva-se ao céu
atinge a estratosfera
e se perde na imensidão
da pureza do teu olhar
A poesia é a pureza que recito
é sentir teu coração
de tocar-te com palavras
de querer-te em letras
de estar contigo
nesse instante ...
de pura poesia
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Indomável pensamento
Por Ju Virginiana
Meu pensamento voa, vaga
Arrisca e se perde em ti
Constrói sua morada
E em segredo
Brinca, sonha e ri
Acorda calado
E em silêncio
Deixa uma lágrima cair
Vaga, divaga,
Insiste, desiste
E ali volta a residir
Fica, demora, devora
Para e não quer sair
Aquece, endoidece
Dilacera, explode
E não me deixa dormir
Indomável pensamento
Domina meu coração de menina
Cavalga em seu poder
Sua imagem passeia em mim
Desnuda meu ser
Seu nome chama pelo meu
E baila no salão do sonho
E o sono não vem
O pensamento insiste,
Não desiste
Exausta me entrego, deixo fluir
E o pensamento voa, vaga
E paira definitivamente em ti.
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HOMEM E ANIMAL
Por Júlio César Vicente
De Laguna vem um belo exemplo de cumplicidade entre homem e animal. Quando
os golfinhos ajudam pescadores a encher a rede de tainhas, a parceria vira um espetáculo para encantar turistas.
Quando os golfinhos dão o sinal, as tarrafas começam a cair em sequência. O espetáculo da pesca com o auxílio de golfinhos só existe em três lugares do mundo: na
costa da Austrália, na Mauritânia, no continente africano, e em Laguna, Santa Catarina.
É na temporada da tainha, que a parceria se torna mais frequente e os pescadores
passam o dia inteiro na água à espera dos cardumes trazidos pelos golfinhos.
Com o auxílio dos golfinhos, os pescadores chegam a capturar mais de 80 tainhas
de uma só vez. A convivência cria intimidade e cada golfinho é chamado pelo nome.
“Os pescadores conseguem não só identificar os indivíduos, mas quais os comportamentos que eles estão tendo que indicam a presença ou não de peixes na área. Esse nível de interação é único e ocorre somente na Lagoa de Santo Antônio”.
Em 1997, os golfinhos foram declarados patrimônio natural de Laguna
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O CÃO DE ASAS DE LUZ
Por Lariel Frota
Nos momentos mais difíceis
De lágrimas, conflitos e dor
Se aproxima mansamente
Assusta seu mal odor.
É velho, magro sarnento
Espanta pela feiura
Mas por mágico momento
Sua figura repugnante
Chama a atenção, e o problema
Se esquece por breve instante.
Enxotado a pedradas
Ninguém lhe nota o olhar
Doce, meigo paciente
Carrega na feia figura
Na magreza, no fétido odor
O que só a alma pura
É capaz de ver, o amor
Xingado, chutado, ferido
Menosprezado, esquecido
Sua sina calado conduz
Mas na hora do descanso
Voa com asas de luz!!!!
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Cidade branca
Por Lázaro Bulos
Despertei-me na branca cidade,
E até não me lembro da minha idade.
Até não me lembro quem eu sou
É a minha vida que só me deixou.
E todo o dia, sem esperança,
Sem a inocência de uma criança,
Ando ignorante sem ter objetivos
Neste paraíso de ridículos artifícios.
Será que essas mentiras estão no roteiro?
Ou sou eu o único cego que não vejo,
Que não vejo perdidos nossos desejos?
Então tentei olhar além do nevoeiro
Mas meu olhar se perdeu em novo erro
Vi em volta de mim e vi um mundo inteiro,
Um mundo que pede sua própria morte
Um mundo que não tem, tristeza, nenhuma sorte.
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Ocaso
Por Lelo Néspoli
Na Praça do Pôr do Sol, o homem e o seu cão observavam fixamente o horizonte. Quando
foram notados pela primeira vez, eles causaram certa estranheza pelo jeito curioso como se
postavam na praça. Ninguém os via chegando nem deixando o local. Porém essa imagem de
estranhamento que os frequentadores tinham dos dois foi esmaecendo até passar despercebida. Com o tempo, parecia que homem e cão faziam parte do cenário junto aos bancos, arbustos
e pinheiros.
O cachorro não era de raça, mas também não se podia dizer que era um vira-latas; era astuto e tinha certa aparência que lembrava os coiotes. Porte médio, sua pelagem era lisa e acinzentada, nele se destacando as orelhas, as patas e o focinho que eram negros. Postado ao lado
direito do homem, com a cabeça entre as patas mantinha os olhos bem abertos, quieto, sempre
olhando para onde o homem olhava.
O homem tinha cabelos grisalhos, os olhos fundos, castanhos e circunspectos, encravados na face vincada. Suas rugas eram como linhas de tempo, todas remetendo a algum lugar do
seu passado.
O que os frequentadores da praça mal sabiam eram as reflexões de que se ocupava o
homem. Uma dizia respeito à dualidade entre a circularidade e a linearidade do tempo. Porque –
pensava -, se por um lado existiam inúmeros fatos e fenômenos que se repetiam – afinal, não
estava o Sol a se pôr sempre ao final de todo dia? -, por outro, se contrapunha um tempo que
atuava como uma seta encaminhando tudo em uma só direção até o ponto de não retorno, irreversível.
A segunda dizia respeito ao tempo cosmológico e biológico. O tempo cosmológico, resultado da evolução cósmica iniciada a bilhões de anos, é infinito. As estrelas morrem, outras nascem e o universo se renova constantemente. Nesse turbilhão, nosso destino foi habitar um planeta que é um grão de areia na imensidão do Universo. A existência da vida terrestre também
seria fruto da aleatoriedade e da evolução, mas finita, dependente de hipóteses diversas, como
por exemplo, enquanto durasse o combustível solar. Buscar outros planetas onde a vida seria
aprazível conspirava contra o tempo da existência humana. Assim - pensava o homem - não há
ponto de fuga, somos eternos prisioneiros em nosso pálido ponto azul.
Todo fim de tarde, via-se o homem imerso em suas reflexões ser seguido pelo cão. Nesse período observavam um ponto brilhante que parecia ir sendo puxado pelo Sol em seu mergulho no horizonte. Muitos na praça exaltavam - “Que bela estrela”! - se referindo ao planeta Vênus, a estrela vespertina, como os antigos o chamavam.
Quando caia a noite, eclipsada pela poluição e pela intensa luminosidade da metrópole
paulistana, a visão noturna não era mais a mesma. Mesmo assim, homem e cão não se importavam e ficavam esquadrinhando o firmamento apinhado de estrelas.
Longe de conhecerem o passado do homem e do seu cachorro, aqueles que de início os
observaram com visível interesse faziam especulações acerca daquele excêntrico personagem:
“um astrônomo”, “um místico”, mas para muitos ele era apenas um “ser errante”.
Que sentimentos poderiam provocar no homem essas opiniões tão contraditórias? E o
que se podia dizer do seu fiel cão?
Alheios às diferentes opiniões, homem e cão seguiam acompanhando o ciclo das estações. A partir do outono a frequência à praça diminuía. Vênus já não era mais visto à tarde, aparecendo antes do nascer do Sol como ‘estrela d´alva’. Com o início da primavera a praça florescia e as pessoas iam retornando e tomando conta do lugar novamente.
82
Num sábado já em pleno verão quem chegava à praça experimentava uma estranha sensação, como se algo estivesse fora do lugar. Tudo parecia estar como antes: os fotógrafos clicavam, os desenhistas preparavam seus esboços, alguns liam, enquanto outros simplesmente
aproveitavam o dia ensolarado. Sem que pudessem explicar, nesse entardecer ninguém deixava a praça. Talvez pressentissem e esperassem algo acontecer.
Quando o Sol desceu no horizonte e a noite foi chegando, ouviu-se um som agudo, longo
e estridente. Instantaneamente, os olhares se voltaram para local de onde vinha aquele lamento
e puderam observar o cão em pé sobre o banco, cabeça levantada, as orelhas eriçadas, uivando como um velho lobo e com os olhos bem abertos olhava para onde o homem sempre olhava.
Somente então todos perceberam que o homem já não se encontrava mais ao lado do cão.
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OUTONO
Por Lorêny Portugal
Quando o lilases e os róseos pintam ipês,
e bordam o capim-gordura das encostas do caminho,
é o desamor que vem chegando.
Os cheiros da canela, do cardamomo, do anis-estrelado
que vêm do fogão de lenha entranham as vísceras,
fazem doer o coração. Assim, de manso,
tiram o sorriso dos lábios, mandam os olhos chorar.
Não vou fazer mais bordados,
nem sianinhas, nem bicos de crochê,
nem colcha de retalhos.
Nem lerei os peixes da Adélia
que por muitas vezes povoaram
meus sonhos de um casamento feliz.
Nem os cotovelos se encontrarão ou se baterão, assim... de leve.
No meio de caminho,
as flores róseas e lilases se intensificam.
Aqui, ali, na mata ao longe, às vezes indecisos, sozinhos,
Eretos, fugidios, sem firmeza.
Sofrimento de amor é bonito de se ter!
Há quem diga que o olhar perde o viço.
Mas buscam longe - lugar da solidão.
Vê com as tintas do infinito
onde os olhos buscam o perdão.
Sofrimento de amor é colcha de retalhos
em cada parte, um verde, em cada som, um riso,
em cada quadro
o alguém para se lembrar.
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LONGE DE SER CIENTÍFICO
Por LSM
Tenho saudade dos sentimentos bons provocados em mim, não de quem
ou o que os provoca. Só algo tão abstratamente definido (ou indefinido) quanto o fato de sentir pode estar conectado com o “sentir falta”, conexão essa que a matéria
não seria, de forma alguma, capaz de fazer parte. Essa relação e esse conjunto de
sentimentos que é a saudade é quase indescritível para quem sente, e ainda mais
para quem tenta desvendá-la sem senti-la, quem busca na matéria explicação para o
abstrato. Impossível de ser analisada em laboratório, é exclusivamente sentida.
Essa peculiar palavra da língua portuguesa expressa em apenas três sílabas o que na maioria das línguas faz-se necessário o uso de duas ou três palavras. I
miss you, tu me manques, te extraño.Saudade. Tão simples e pequena, tão abrangente quanto ao significado. Saudade é um sentimento de vazio que consome quem
sente, e é ainda pior para aqueles que não podem sentir de novo aquilo de faz falta.
É como se a cada instante a vontade de voltar no tempo e reviver fosse maior, à medida que ele passa.
Sinto falta do que me fez bem porque não me deixou, no momento, sentir
falta de mais nada. Saudade é um círculo vicioso de substituições de razões para
senti-la, e a ela estamos sempre sujeitos, já que vivemos. Vem e nunca passa, só se
renova; se passa, faz-nos falta sentir falta, o que é puro pleonasmo. E é tão humana,
essa tal de saudade, que sufoca e logo em seguida, ao sentir de novo, faz de tudo
melhor. É ela que deixa um vazio e logo o preenche para esvaziá-lo de novo. Enche
e esvazia o quê, nem eu sei, assim como ninguém sabe. Pode ser algo como um espaço incurável dentro do ser humano, onde sentimentos são guardados e nem mesmo os mais brilhantes cientistas, aliados a toda a tecnologia, um dia virão a localizar.
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SOLIDÃO
Por Luiz Antônio Cardoso
Propensos a quereres semelhantes,
tendo a poesia inata em nossas mentes,
tínhamos o infinito... e como amantes
seríamos estrelas reluzentes.
Mas eis que seus desejos, tão arfantes,
fizeram dos meus sonhos, tão descrentes,
migalhas de lembranças arquejantes,
fenecendo em processos deprimentes.
Recusaste o poeta que há em mim,
e todos os meus versos, que sem fim,
esculpiram o amor que eu quis te dar...
e decretaste enfim, a solidão,
para me acompanhar à imensidão...
onde hei de eternamente te esperar!
86
A PAZ QUE EU QUERO
Luiz Carlos Amorim
Pra que a guerra?
Pra que revolta,
ódio, dor, ganância?
Eu quero a paz,
serenidade, amor,
quero asas povoando o céu...
Quero crianças correndo em meu caminho,
quero ouvir risos em todos os lugares,
quero sorrisos no rosto do irmão...
A paz, ah, a paz...
Não vá embora, amiga escorraçada.
Fica um pouquinho mais...
Inda há crianças por aqui,
anjos pequeninos,
brancos, negros, amarelos, pardos,
anjos que te têm nas asas,
como pássaros em liberdade
andando pelo chão
para depois voar...
Vem que eu te quero, paz.
Não deixe que eu morra pelo ódio,
não importa quando eu vá.
Quero morrer com uma flor na mão,
na outra mão um toque de criança
e nos olhos um sorriso teu...
Sorriso de vitória por estar aqui,
amiga paz, até que eu vá
e até depois que eu tenha ido...
Pois há de haver,
mesmo que eu não esteja mais aqui,
pássaros no céu, crianças pelo chão,
flores a desabrochar e corações abertos.
Paz, teu tempo é sempre,
teu lugar é aqui!
87
TER E PERDER
Por Luiz Eduardo Gunther
Há uma música
saindo da casa
daquela mulher,
junto com o aroma
de uma comida
qualquer.
É preciso prestar
atenção:
essa melodia,
esse aroma,
podem transformar
todo seu dia.
É preciso considerar
o que se tem
como frágil/provisório:
tudo o que vale
de repente
se pode perder.
88
RESGATE
Por Luiz Otávio Oliani
como posso resgatar
o que não existe em mim?
ao beijar a solidão
eu me dispo por inteiro
da escória que é o homem
na inútil tentativa
de ser Deus por um minuto
89
SOMOS CONTIGO
Por Luzia
Somos quem pisa com teus pés o chão.
Mas também quem te dissolva e não em vão.
Somos quem ouve tuas preces na escuridão.
E os que silenciam sem jamais largar a tua mão.
Somos a lanterna oculta em teus bolsos de prontidão.
Mas aguardamos sempre as pilhas vindas do teu coração.
Somos quem somos e os nomes nada são.
A importância está em tua condição...
De amar junto a nós.
De orar junto a nós.
De elevar junto a nós
O pensamento a todo o cosmos,
O que somos fora e dentro de ti.
Porque são o mesmo e não estamos a esmo
Contigo,
Guiando-te.
90
Requiem aeternam
Por Ly Sabas
De quê morreste tu, meu coração, assim tão de repente?
De que sonhos inconfidentes,
De que desejos inconfessáveis?
O que levaste, coração, para o infinito?
Se não um verso sem rima, haicaístico,
Se não uma frase capenga de emoção?
O que deixaste, meu coração, como legado?
Se nem ao menos cometeste um pecado,
Se não sofreste nenhuma ingratidão?
Caminhas agora, coração, acabrunhado,
Por prosas áridas de sentimentos emaranhados,
Por contos tristes desprovidos de paixão.
De quê morreste coração, tão de repente?
91
Chão
Por Maíra Galhardo
O pão da vida
Temperado com o sal da terra
O que será do nosso amanhã?
Se já não conseguimos mais colher nossos frutos
Não há mais raízes, princípios, vontades, virtudes...
Estamos sem chão
Para que a vida cresça em nós
Para que vejamos Deus em tudo e todos
Nos nossos pensamentos, palavras e atitudes
92
Por Malu Freitas
93
Ela e eu
Por Marcello Ribeiro
Uma canção quer nascer no meio dessa gritaria.
Versos cantados medido,
vozes na porta do meu edifício
Quando vou te ouvir dizer:
Não falo tua língua.
Soam faróis e buzinas,
sobram perdas nessa confusão
Uma nação quer crescer no meio dessa covardia.
Vozes caminhos contidos,
versos na parede do meu edifício
Como vai entender?
Não falo tua língua.
Soam faróis e buzinas ,
sonho perder essa confusão
94
Um dia de sol em Zurique
Por Marcelo Candido Madeira
Nos dias de inverno, em Zurique, ter um dia de sol é uma raridade. Como a cidade é
situada entre vales, a margem de um imenso lago, é comum pairar sobre nossas cabeças
uma grossa névoa dias a fio, semanas, ou até meses, sem exagero. Às vezes, podemos observar a grande bola ardente por detrás das nuvens, sem óculos escuros, ou mesmo, sem
apertar os olhos. Quando o sol aparece, as pessoas na rua param e sentam-se para aproveitar um pouquinho de vitamina D.
Aqui em casa fico de olho na janela, atento a sua chegada. Geralmente é coisa rápida, ele surge meio tímido, sem aviso prévio. Nesses casos, ponho minhas roupas de inverno e me preparo para sair.
Primeiro o minhocão, uma meia grossa, a calça, depois uma malha fina e pegajosa
no corpo, uma camisa de manga comprida e...Pronto, ao olhar de novo pela janela o sol já
se foi. Desisto. Com um frio desses, é melhor ficar em casa. Tiro primeiro a calça, o minhocão, a meia grossa, depois a camisa e quando eu menos espero, eis que surge novamente
o sol, um solzinho de nada. Visto primeiro o minhocão, a meia grossa, a calça de um tecido
grosso, depois a camisa de manga comprida, uma suéter de lã e por fim, um casacão, calço
a bota, jogo sobre o pescoço o cachecol, afundo um gorro na cabeça, puxa... Enfim, estou
pronto. Confiro pela janela e lá está ele. Vejo se está tudo bem antes de sair, tudo fechado,
fogão desligado e ao olhar de novo pela janela o sol já não está mais lá. Maldição. Sinto um
calor desgraçado com toda a indumentária dentro de casa e decido ficar. Tiro a bota, o cachecol, o gorro, o minhocão, a calça, já estou suando de calor...Abro as janelas e entra um
frio lancinante. Fecho as janelas. E não deixo de reparar que o sol voltou. Ele acanhado parece zombar de mim.
Agora me apresso, visto tudo o mais rápido que posso, o minhocão, a meia, a calça,
a camisa, a suéter, o casacão, a bota, o cachecol, o gorro...Corro para a porta. Chego à rua
e sinto um solzinho mixuruca acalentar o meu rosto. Fecho os olhos e logo bate um frio de
lascar, abro um olho e depois o outro e me desespero. É tudo sombra. E um vento impiedoso começa a perfurar os meus ossos. Corro para casa. Entro esbaforido, tranco a porta e já
sinto um calor. Tiro tudo. Vou até a janela na esperança de vê-lo novamente, mas é tudo
breu. Escureceu. Agora, só me resta esperar pelo dia seguinte. Amanhã, ele não me escapa!
95
Sonho de Sete de Setembro
Por Marcelo de Oliveira Souza
Glorifiquemos a Independência
com orgulho e satisfação
Um País gigante, de influência
Formador de opinião.
Políticos de sapiência
Que ama o povo e a educação
Exaltando nossa bandeira
Símbolo da Nação!
A virtude da igualdade
Em cada segmento
A saúde com recorde de desenvolvimento
Curando a ferida aberta sem sofrimento.
Respeito mutuo e contentamento
Uma grande virada
no nível de vida
Bloqueando os ressentimentos.
O Brasil que é campeão
Não só no futebol
Que era homenageado e gritado
Por desempregados e desdentados.
Celeiro do mundo
Exportador de Tecnologia
O Brasil potente
Cheio de alegria.
Acorde ! é só hoje que podemos sonhar
Amanhã tudo permanece igual!
96
Homenagem ao Hino da Marinha Brasileira
(“A canção do marinheiro”)
Por Marcelo Moraes Caetano
Qual cisne branco que em noite de lua
Mostra suas asas sob o céu azul,
Minha fragata, num sonho, flutua,
Beijando os mares de norte a sul.
E a minha pátria, tão vasta e sozinha,
Chorosa pela falta de seus filhos,
Mas já regresso, ó pátria mãe minha,
Vê que voltamos, como estribilhos.
Sob os coqueiros das tuas enseadas
Hei de regar a sede dos teus seios,
Que dá nas deusas marinhas e aladas,
Carentes das tuas mãos, dos teus esteios.
Belo regresso, pelas madrugadas,
Que já decerto viram sol inteiro,
Vamos voltando, entre as águas salgadas:
Cada marujo, um lindo brasileiro.
97
Casa via Consolação
Mês que vem tem feriado
Um dia sem sufoco
Por Marcio Freitas
Litoral afogado
Quanto avisto a Pamplona, felizmente
São rápidos olhares
Tempo é curto e custa caro
Passos apressados
Metrô lotado
Aqui em cima o calor, o frio...
Um carro parado
À frente um importado passa lentamente
Um negro sujo, contente
E um fusca branco dando-lhe a vez
Mulheres bonitas, elegantes
Por baixo da seda seus segredos
Ou talvez cigarro na bolsa
Uma ponta de sol deixa o MASP mais charmoso
E o relógio urbano acusa frio
Mas tenho calor na espinha
Só para não esquecer
Deixei colado em minha porta
Que hoje é noite de luar.
Mulheres bem vestidas
Homens também
Chicletes pela calçada
Bancas de revista sem good news
Folhetos diversificados
Caiu um do meu lado
Mais suja a cidade!
A Paulista marcada de ponta a ponta de cigarro
Festival de cores e pigarros
Consigo ver o ar que respeito e aspiro
Nos dois sentidos
Sem nenhum sentido
Mais um celular na mão pela boca
Negócio?
Esposa?
Mesada das crianças?
Amante?
Bem, não tenho nada com isso
Já tenho compromisso
Basta um instante
E com a mente de um pequeno gigante
Vejo café, garoa, Oswald de Andrade
Poema pílula
É cada uma do Oswald
98
MARIA DO BENONI E O MENINO JESUS
Por Márcio José Rodrigues
São tempos de natal.
Hoje pergunto-me se ainda existe espaço para que Jesus nasça nos corações de uma sociedade hipnotizada pela posse dos bens materiais, conforto, individualismo, poder e aplauso.
Lembrei-me da cena surpreendente que um casal pitoresco fez acontecer no centro da cidade,
faz algum tempo.
Benoni, analfabeto, doente, mendigo, desprezado e marginalizado, cômico, por ser torto, levando a sua Maria grávida, num carrinho de mão, a caminho do hospital Senhor Bom Jesus dos
Passos.
Uma Maria do ventre cheio do seu fruto, um Menino Jesus marginal prestes a nascer nos braços
do Jesus dos Passos, conduzidos por um José sem jumento nem estrela.
Mulheres e homens perplexos paravam à beira da calçada assistindo à inusitada cena daquela
mulher que mal conseguia cobrir a imensa barriga com o curto e roto vestido, desconfortavelmente reclinada na concha do carrinho, tentando com esforço, manter o tronco um pouco ereto,
mal sustentado nos cotovelos; as pernas dobradas como se fosse dar à luz ali mesmo.
Ele, andando em frente, o rosto crispado da imensa ansiedade de saber da pressa, parecendo
nem perceber a nossa presença e nem sequer pedindo ajuda, as pernas trôpegas, o corpo arqueado e as mãos firmes agarradas como tenazes aos varais da improvisada ambulância.
Ela sorria daquele sorriso humilhado dos indefesos, quase a nos pedir desculpas por ser tão pobre ou por estar usando a nossa rua para desfilar sua miséria, como fazem os que sentem vergonha até de chorar.
Sentimos pena, algum remorso , achamos graça?
Nem sei.
Mas, penso que nenhuma mulher teria tido uma prova de amor tão eloquente, como aquela Maria suja e ridícula, deitada num carrinho de mão, o olhar angustiado observando as pessoas,
como se tentasse desesperadamente gritar o seu drama, ou quem sabe, proclamar sua glória.
Talvez até provocasse a inveja em muitas outras que porventura nunca tivessem merecido tal
declaração do seu homem.
Ou como se Benoni estivesse a ministrar uma aula a homens que nunca chegaram a fazer uma
declaração de amor heroico e sem restrições, assim, à sua mulher.
Patéticos, grandiosos, inesquecíveis
99
A fuga da abelha rainha
Por Maria de Fátima Barreto Michels
Majestade do mel
sei que planejas te mudar
e, desta vez,
não permitirás que te sigam.
Percebo...
São outras as tuas intenções.
Já não te alimentam mais
geleia e própolis,
que outrora te satisfizeram...
Exausta,
tentas despistar teu séquito,
o qual sem rumo descobre-se,
em orfandade.
Tua natureza de apontar floradas,
ninguém esquecerá...
e o mel que nos deixas de herança,
contem uns sais
que não deterioram.
Eu que bem te vi um dia com o cetro...
Agora,
acompanho em preces teu voo derradeiro,
para a Flor Maior.
Quando sumires de vez na imensidão,
operárias nos revezaremos.
Abelhas, é de nossa natureza honrar tua doçura.
Compreendo.
Segues para lá, onde o mel já está pronto.
100
ABSOLUTA
Por Maria Heloísa Fernandes
Coração inquieto
Amores e dissabores
Não é eterno!
Percebo-te a chorar!
A lágrima quente que rola
Minha alma consola
Solidão, decepção,
Desilusão!
Você indecisa
Lamenta, chora, pisa
Descontente com o mundo
Absoluto!
Profundo!
Agora em meu canto
Que canto, encanto e te ofereço
Não te iludo te reconheço
Sei que sou quem procuras.
Se um dia quiseres
Admire a linha do horizonte
Há um mundo único
De amor a te ofertar.
Hoje te gosto!
Sussurro, suspiro!
Em ti aspiro
Meu amor!
Pedra preciosa, afanosa no lapidar
Receberás mil flores!
Conquistas muitos amores!
Mas único e seguro?
Somente o meu!
101
Oração ao caos
Por Marília Kosby
Enquanto existires
Caos
Serás da minha vida
o único porto
E farás de mim
o teu preciso norte
Te empresto as minhas roupas
Invisto contra ti
as minhas armas brancas de negra
Guardo o teu caminho
Bendito caos
Eu te prometo
Mas me sejas brando
como eu te sou vigia
E me sejas doce
como eu te sou cultora
Caos
Bendito seja
o fogo que me ateias
Benditos sejam
os amanhãs de onde despontas
102
Fotos
Por Marina Medeiros
103
Alvorecer
Por Matheus Paz
Rasgos são traços
Esboço do pescoço
que rasga
com a barba
que se traça
Montanhas escuras
Alvorece lá no morro
a manhã fuzilada
104
Chove lá fora e aqui
Por Mauro Maciel
Quando chove como agora no Rio de Janeiro, então toda a cidade chora em um só tempo;
Tempo fechado, foge o azul, no céu fito o cinzento.
Faz vento e o quando esfria, levando a calmaria.
Nesse lamento essa cidade mulher é senhora quieta, parada, silenciosa quando chora.
Despindo tristezas de pedra no seu corpo negro, da gávea de granito, da embarcação que ancora.
Os dois irmãos monolíticos avistam a boca do mar, carpindo as outras pedras, num estrondo repetido.
Pedra do pão, pedra do sal, pedra bonita.
Rampa dos embarcados no ar das gaivotas.
Com sua firmeza escorregadia de perigo a solta.
Pedra feita de açúcar é almirante negro da baía.
Tem em seu peito as esquadras do porto e as chibatas da revolta,
Com os pés cravados na areia, lavados na espuma derramada a força cândida.
O açoite verde de mata atlântica minguante vem e também pisa o mar.
Levitando no limo do surfe, a esgrima fina das marés e dos corpos em luta.
Trapezistas em suas tábuas de equilíbrio são canoas de pescadores em humana ousadia, vorazes e velozes dominadores de ondas em harmonia.
Das costas negras marinadas, grandes corcovas rígidas, o granito Tijuca ronda.
Com a imponência e a firmeza de guerreiro solidário, em vigília maciça, atento a tudo à sua volta.
Legião de pedras formam a grande muralha milenar em guarda.
Vidigal e Rocinha avistam tudo do alto com os seus olhos humanos.
São faróis habitados por gente simples, também eles equilibristas na coragem das encostas íngremes, tal qual a natureza de suas próprias vidas.
Em tudo chove, em todos chove enorme, caudalosa a cidade escorre.
Como mulher Marina que se pintou, é cinza agora e aborreceu a todos.
Trazendo seu nevoeiro parado, chorosa, mascarada, colombina fria.
Vazia é outra, quando traz os seus olhos pintados dessa cor tão desolada.
Todos resistem desajeitados, tentando não se molhar na chuva ao serem quase Paulistas.
Mas não é possível, não adianta a deselegância discreta, pura intolerância tola do poeta diante
dessa magoa urbana de névoa.
A cidade é marinha de cais e maresia, então soluça no aguaceiro.
Promessas de sol restarão lapidadas na memória, mesmo que não cumpridas.
Pessoas e praias ficam guardadas para o depois, pura birra da natureza.
Nessa hora aparecem os lamentos do dilúvio lavando os braços tropicais do Cristo, sempre
abertos a todos e a qualquer tempo.
Com sua face também de pedra, ele reclama do esconderijo de nuvens a que é imposto, nesse
calvário acanhado de cidade molhada, resguardada e vestida.
105
Mais que vestida, encapuzada nos casulos de
guarda-chuvas e mantos e capas e panos, escondendo o calor dos sonhos de pele, de cidade desejada e quente, na realidade do fastio da
correnteza de águas exageradas.
O Corcovado é um guardião da baía de Guanabara, feia e fria agora, observador acabrunhado
que a tudo vê, tudo nota calado.
Também calada toda a cidade em águas, numa
postura combinada sem palavras, aguardando
que a tristeza morra nos caminhos tortos da
Niemeyer.
Onde o oceano tem raiva, e irado rebate na
pérgula, gritando mágoas incontidas.
Demarcam os seus espaços terra e água, água
e gente, gente e pedra, desaparecendo nas espumas brancas de força bruta e quente, como
aguardente.
Ondas de dor arrebentando nessas pedras,
que apanham pregadas como fieis penitentes,
arpoados com o arpão do sal e o iodo da cura,
padecentes em ebulição de fervura, torturadas
pelas águas.
O mar invade tudo, lambendo o corpo nu da
pedra do arpoador solitária, com sua língua
branca é íntimo deixando-a úmida.
Numa solidão confusa dos que namoram e brigam, mas não se separam nunca, as pedras é
firme no caminho enquanto o tudo é água movente.
Tudo fica calado, fica pra outra hora, tudo se
atrasa, fica engarrafado.
Para a tarde no trânsito enquanto não houver
outra tarde ensolarada de depois, do futuro, de
outro dia, outra meteorologia, outro tempo, outra vida, outra verdade comum a claridade do
equador.
Como o sentimento profundo e mudo de fim de
amor, quando o coração fica calado, preservando-se, porque quando acaba o amor resta o
silêncio, o tempo é adestrado ao silêncio triste.
A tristeza é o butim da solidão.
A cidadela de festas guarda na intimidade das
suas paredes concretas a ausência, tudo é memória, tudo é o fim, só o silêncio fala seu minuto de glória.
Resguardando as avenidas das pernas e corpos, nos chiados dos pneus e espelhos d'agua
espirrados, nos barulhos de poças.
Onde estarão suas moças?
Onde estarão que não as vejo?
Com seus sorrisos de olhos abraçando as esquinas do sol.
Quando chove assim no Rio ele as perde, ficam
raras ou poucas, cheias de botas e roupas, tecem pressa nos
cabelos das escovas progressivas.
Preservadas no mofo armário
dos apartamentos, reclusas dos
ventos, nos velhos casacos de
inverno falsos, nos escritórios
de papel e máquinas.
Nas ruas os comandos apregoam as sombrinhas de dez reais, preciosas chinesas do contrabando.
Nas bocas dos vendedores da chuva.
Escondidas das águas seus corpos somem,
com eles vão também seus trejeitos.
Esvai o fascínio feminino, tudo esta em desamparo, em desalinho.
Descompondo a paisagem natural das praias, o
deserto de areia é abandono.
Exílio o temporário das morenas do caminhar
despojado das calçadas portuguesas, também
essas feitas de pedras recortadas e juntas.
Devaneios, desejos e encantos são lavados,
ficando cinza, tudo é griz, a cidade mingua embalsada nesse engano.
O amor não se propaga e quase finda, até que
venha o sol e reponha cor em cena com seu
giz de luz e brilho.
Sem suas moças o Rio fica perdido, tudo fica
perdido sem sua gente, o Rio tem alma fêmea,
é cidade feminina.
Sem elas definitivamente não vale a pena, sem
elas a natureza esfria e não serena.
Mas se isto é tudo, eu não posso ir embora,
chove lá fora.
106
POEMA
Por MS
O dia está clareando
E eu não acordei ainda
Minh’alma dorme
Meu coração palpita
Meu pensamento voa
E eu...
Eu não acordei ainda
Meu corpo se movimenta
Minha mente fica clara
A vida está acordada
O dia está claro
Só falta eu...Eu não acordei ainda
Versos, sussurrem para minha alma
Desperte-a
107
O QUE SE FOI E O QUE FICA
Por Nelson Dias
Parte de quem parte
Permanece
Não se desvanece
Ilude-se ao partir
Que nada deixou
O vento leva as folhas
Os galhos envelhecem
A raiz permanece
O importante ficou
Parte de quem fica
Parte junto sem ser vista
Diluída em saudade infinita
E a parte que fica
Sente a falta da parte que lhe falta
Que se completa na parte que se foi
E dessa mudança que nada mudou
A parte que permanece
Dela não se esquece
Sonha com a parte toda
Mas se contenta
Com a parte que ficou.
108
Por Oswaldo Antônio Begiato
109
MEUS PAÍSES, MINHAS CASAS
Por Pato do Lago
Eu amo o meu país Brasil
Lá longe com as praias azuis
E com as verdes matas
E o povo tão gentil.
Mas eu amo também com carinho
A Suíça que me acolheu
Com os seus queijos e as montanhas
E um povo amável.
Por isto eu digo que tenho dois países
Tenho duas casas e um só coração
110
"Acordando os sonhos"
Por Patrícia Lara
A rede de metáforas
onde me deitei, estreita,
não coube todas as imagens
que projetei.
O chumbo da lógica pesou
na imaginação de leves fios
e foi necessário renunciar.
Corajosa, me pus na abstração
dos sonhos e acordei
para nunca mais sonhar.
111
Paulo Barrozo apresenta:
Thiago Arancam
Vou lhes falar desse Grande Tenor,
Mundialmente conhecido, Amigo Querido
e que acompanhei o começo da carreira.
Filho de Sergio, um Amigo nosso de
Londrina, cantava para nós em reuniões
feitas na chácara de seu pai e em outras
reuniões que organizávamos na casa de
Amigos como um Lindo Show que organizamos da casa des Mes Chers Amis
Thelma e Chico Gregori que foi uma revelação para os londrinenses !!!!
Estreia em concerto
lírico no "Alla Scala"
dia 27 de Fevereiro de 2005 e participa
depois de diversos
concertos e produções de opera.
Em 2007 apresentase em uma tournée com a "Orchestra
Sinfônica do Friuli-Venezia Giulia": quatro concertos de árias de Zarzuela e de
canções clássicas Espanholas, e no
dia 24 de Junho, diploma-se em "Canto
Lírico" no Teatro alla Scala de Milão.
Me lembro ainda quando falava com ele
ao telefone e ele com Aquela Voz Divina
cantava para mim “Amigos para Sempre...”, só de pensar me arrepio inteira...
E eu sempre lhe dizia... “Você será um
Grande Sucesso Mundial, tenho certeza
disso, Mon Chéri !!!! “
Recebe, em Bolzano, Itália, o prestigioso
premio pela melhor voz lírica emergente
2007/2008, "Premio Alto Adige – Talento
Emergente della Lirica 2007/2008", pela
"Associação Amigos da Lirica L’Obiettivo" de Bolzano.
Cada vez que o ouvíamos cantar, me
emocionava...
Em Dezembro, debuta na opera "Le Villi"
de G. Puccini, interpretando Roberto, no
Teatro Coccia de Novara e no Teatro Sociale de Mântua.
Era impossível conter as lágrimas !!!!
Em 2008 participa de uma tournée
nos Emirados Árabes, com a orquestra
da Accademia do Teatro alla Scala e de
dois concertos de grande sucesso com a
Orquestra Camerata Brasil de Brasília,
sob a regência do maestro Sílvio Barbato.
Agora Voilà Thiago Aracam, aquele menino Querido, Doce e Super Educado
virou um Astro Internacional, aclamado
pelos Grandes Tenores !!!!
Um pouquinho do seu curriculum :
Começa seus estudos musicais em São
Paulo em 1998 na "Escola Municipal de
Música" e continua na "Faculdade de
Música Carlos Gomes" onde se forma
em "Canto Erudito" em 2003. Participa
do V Concurso Internacional de Canto
Erudito Bidu Sayão em 2004, onde vence o "Prêmio Revelação" e a bolsa de
estudo do projeto "VITAE".
Em ocasião das comemorações do dia
da Independência, se apresenta na Embaixada do Brasil em Roma.
Logo depois é convidado a frequentar a
conceituada "Accademia de Canto Lírico
do Teatro alla Scala" de Milão, sob direção da famosa soprano Leyla Gencer,
tornando-se o primeiro Brasileiro a ingressar nesta Accademia.
Aqui encontra o atual maestro de técnica
vocal, Vincenzo Manno.
112
Participa do conceituado concurso lírico internacional Operalia 2008, organizado pelo tenor Placido Domingo, onde ganha três prêmios: PREMIO ZARZUELA, PREMIO DO PUBLICO e SEGUNDO PREMIO OPERA. Escolhido por Placido Domingo, estréia o papel de Don
Josè (Carmen, de Georges Bizet) em Novembro, no Washington National Opera, (EUA), ao
lado da mezzosoprano Denyce Graves e regido pelo maestro Julius Rudel.
Em 2009 debuta Cavaradossi (Tosca, de Giacomo Puccini) em Frankfurt, Conte Maurizio
(Adriana Lecouvreur, de Francesco Cilea) no Teatro Regio di Torino, Radames (Aida,
de Giuseppe Verdi) em Sanxay, (França), e se apresenta em Londres em um recital em St.
John's (Rosenblatt Recitals).
Alguns de seus prêmios : "Prêmio Revelação" do V Concurso Internacional de Canto Bidu
Sayão 2004.
"Prêmio Alto Adige – Talento Emergente della Lirica 2007/2008", pela "Associação Amigos
da Lirica L’Obiettivo" de Bolzano, durante as comemorações da Operetta "La musa leggera".
"Operalia 2008" - Primo Prêmio Zarzuela "Don Placido Domingo", Primo Prêmio Audience (do
público), e Segundo Prêmio Opera.
Hoje casado com a Linda Michela e residindo na Itália é nosso Orgulho Nacional !!!!!
FAÇA PARTE DO PRIMEIRO LIVRO IMPRESSO DA REVISTA VARAL!
VARAL ANTOLÓGICO
5 páginas por autor (textos e uma biografia)
RS 200,00 (duzentos reais por escritor)
Lançamento em março de 2011 em Florianópolis, SC, Brasil.
O número de participantes será limitado e cada autor receberá 15 exemplares. Se você gostou da ideia, venha para nossa primeira edição!
Todos os detalhes são enviados por e-mail ([email protected]) e
a previsão de lançamento da Antologia é março de 2011.
Alguma dúvida? Pergunte! Escreva para [email protected]
113
PAZ
Paulo Roberto Bulos Remor
Estar em paz é ter Deus no coração, na vida, em seus
caminhos.
Estar em paz é em Cristo ter paz, amor, caridade, justiça,
verdade.
Estar em paz é ter sabedoria no bem viver, bem querer.
Estar em paz, no mundo, paz mundial, o projeto para o
futuro de todos nós.
Estar em paz, em nosso interior, bem para a alma.
Estar em paz é conhecer a si mesmo, sem reservas.
Estar em paz é viver a vida, intensamente, com coragem,
com valores morais e éticos.
Estar em paz é cultivar bons hábitos como o da leitura,
cinema, teatro.
Estar em paz é ter fé em dias melhores, sem violência,
corrupção, sem crimes de quaisquer espécies.
Estar em paz é acreditar em nossos governantes para
que possamos viver em melhores condições de vida, vida
digna, sem pobreza, sem maldade, construindo não só o
bem do nosso país mas do mundo todo.
Estar em paz é preservar o meio ambiente.
Estar em paz é amar a seu irmão, a seu próximo.
Estar em paz é ter amor em nossos lares, com os parentes, amigos, vizinhos.
Estar em paz é ter uma casa para morar com tranquilidade e harmonia..
Estar em paz é ter um salário justo para sustentar suas
famílias.
Estar em paz nos mínimos detalhes, nas minúcias, nos
pequenos afazeres da vida diária.
Estar em paz é enamorar-se apaixonadamente, é amar,
entregar-se, cúmplice do amor, do carinho a dois.
Estar em paz é ajudar os outros sem esperar recompensas.
Estar em paz é, enfim, amar, amar, amar.
114
Fastio
Por Raimundo Candido Teixeira
Filho
Ultimamente,
tenho carregado demasiado peso:
ausências indefinidas,
presenças indesejadas
e saudade de um doce sal
que jamais provei!
A vontade de conter o mundo
me franze as sobrancelhas
neste nevoeiro denso
a me reter num abraço.
Necessito verter um vômito
inorgânico que se acumulou
em minhas prateleiras:
aclamações induzidas,
anulações forçadas
e as crenças ilusórias
que retraíram meu ser!
115
Metrópole
Por Renata Gomes de Farias
Em algum lugar que não esta em destaque no mapa e mesmo que estivesse
quem iria se preocupar em saber do nome de todas as pessoas que ali residem. Inúmeros rostos e passos deixados nas ruas lamacentas nos dias de chuva ou fazendo poeira nos dias de sol forte. Em cada janela uma sombra um vulto nas noites escuras com gatos boêmios a cantar nos muros. Cada veneziana
um segredo, cada cortina uma sedução e em cada janela suada um choro. Nas
ruas entre uma e outra esquina passava alguém e seus passos ecoavam em
um silêncio sepulcral, um cheiro de medo vinha trazido com vento e nele olor
de perfume barato. Ao amanhecer tudo ia criando volume e movimento, crianças a caminho da escola, homens e mulheres apressados como se estivessem
sempre atrasados, carros parados e o salseiro estabelecido, buzinas, motos,
fumaça, desordem, caos...
Este lugar morre e renasce todo o dia a cada amanhecer, transborda vida a cidade, a metrópole, e tudo vai depois para os jornais, onde muitas vezes as noticias não são boas, quase nunca. Trancar-se e ignorar o que se chama realidade nem sempre é inteligente, mesmo que sua realidade seja outra, seu lugar
é também o de outros.
Entre tantas coisas sempre existe uma praça e nela crianças que chegaram
para espalhar sorrisos para quem os quer ver, pássaros a construir ninhos,
mães dando a luz, o mar quebrando na areia e alguém caminhando sobre a
espuma da praia. Parado no sinal vermelho ergue os olhos e vê uma pipa lá ao
alto, colorida dançando ao bel-prazer do seu dono o vento, na calçada uma
mãe de mãos dadas conversa animada com sua pequenina filha que leva na
guia um lindo cachorrinho. São estes os verdadeiros nomes de cada um seu
estado de espírito e como ele encaminha seu dia, escondido atrás de uma janela ou caminhando despretensiosamente no lugar que mais gosta ir e sem se
importar o que irá enfrentar para chegar lá.
116
Não lembrava
Por Renata Iacovino
Não lembrava
o que é passar
dia assim à deriva
sem ninguém pra amar.
Não lembrava
o que é deixar
o gosto da saliva
à beira mar.
Não lembrava
que o não estar
me incentiva
a me escancarar.
Não lembrava
que Dele me ausentar
é uma iniciativa
pra reencarnar.
117
ABUTRE
Por Ricardo Reis
No quadro de minha janela
no azul esmaecido
cruzam sinais.
Eis que ressoam sentidos
do que nunca houvera sido.
Corta o quadro
o voo planador de abutre vil
sobre a cidade.
Eis que renovam desejos
do destino apetecido.
Afora não haja destino
não mais
só acaso e necessidade.
118
SALVE TETÊ
Por Rita de Oliveira Medeiros
Salve Tetê!
Sempre cheia de charme,
Sempre tão repleta de graça!
O amor pelos teus sempre esteve contigo
e conosco também!
Bendita fostes tu
entre todas as mães que a vida me deu
e benditos os teus frutos, nossos amigos,
que o teu acolhimento transformou
em nossos irmãos!
O universos agora te recebe de volta,
pois dele tu saíste!
E se realmente,
somos feitos de poeira de estrelas,
agora és uma delas novamente!
Amém
119
UM APELO EXTREMO
Por Roberto Gulino
“A paz começa, precisamente, onde termina a ambição.“ - Edward Young,
poeta inglês, 1683/1765
( Homenagem ao poeta Eno Theodoro Wanke ( 1929/2001) que clamou
pela paz no soneto APELO, traduzido para mais de 160 idiomas).
Lamentável que o mundo afugente um apelo
do poeta que clama um resíduo de paz,
entre a guerra maldita e o infortúnio que traz,
muito além do martírio em frontal pesadelo.
Mas tem sempre um conflito, apesar do desvelo
que pelo ar a flanar carregamos mordaz,
contra nossa vontade e sem força capaz
que de dentro se expurgue esse mal a varrê-lo.
Paz... eterna utopia entre os puros de ardor,
desprezada entre a força e vaidade do mundo,
mascarando a ganância enfeitada de amor.
E por ser essa paz um desejo profundo,
dela plante a semente onde estás, com fervor,
que será um começo eficaz e fecundo.
120
"DIRETAS JÁ!
PROVA AMANHÃ!!! ca, provocado em minhas memórias pela
nossa simpática representante em Genebra,
Jacqueline Aisenman, que recentemente
contou em seu blog a aventura estudantil
Por Rodrigo Fernandes Pereira
que teve com a aplicação de uma prova pelo
“professor que roda a gente porque dá a pior
"Sempre fui um grande devorador de jornais. nota de todas.”
Houve épocas, ainda adolescente e sem in- Naquele ano eu iniciava os estudos num noternet, que lia seis diferentes diários. E sem- vo Colégio, o CEAL, cursando o Primeiro
pre gostei de política. Tenho sangue Bitten- Ano do Segundo Grau. No dia 26 de abril eu
court, pois neto de Almerinda Bittencourt Fer- tinha prova de História com a professora Marnandes, integrante do clã Bittencourt de Ima- ta Remor.
ruí.
Acredito que versava sobre ‘Revolução InSempre e desde cedo, fiz campanhas políti- dustrial’ (hoje os dois livros de História por ela
cas, sendo que a mais remota, penso, para indicados ajudam ao meu filho Guilherme, de
Mário José Remor/Joãozinho, que disputaram 11 anos, nos estudos, embora ele prefira o
vitoriosamente o Paço Municipal de Laguna. 'santo Google)'.
Sempre fui politizado e participativo, escre- Obviamente que não tive tempo para estuvendo cartas e comentários para jornais, re- dar. Estava cansado, com sono, pois tinha
vistas e blogs.
ficado até tarde 'colado' no radinho.
Sempre fui bom aluno. Em algumas épo- Na sala de aula eu sentava na carteira atrás
cas, excelente. Em matérias como História, do meu colega Carlos Alberto Tesch. As proGeografia, OSPB (sic!) Educação Moral e Cí- vas foram entregues e eu imediatamente covica, sempre estive dentre os melhores da mecei a tentar colar dele. Lembro-me que
classe.
sentávamos numa fila de carteiras junto à paDepois dessa introdução e a propósito rede que fazia divisa com o corredor. Codo post do dia 22 de julho último, "Uma Pro- mo não era versado na estripulia, não conseva
de
Fogo"
,
in
http:// guia ser discreto. Ao contrário, olhava sem
certaslinhastortass.blogspot.com/, recordei- pudores e desastrosamente sobre os ombros
do meu colega.
me da seguinte passagem de minha vida.
Era abril de 1984. Campanha pelas 'Diretas Fui advertido uma vez pela gentil professora.
Já'. A imprensa já não podia mais esconder o Mais adiante fui advertido uma segunda vez.
assunto. Mas era muito tímida e havia censu- E ainda sem ter escrito nada, não tive dúvira, como lembra o jornalista Moacir Perei- das em me levantar e disse-lhe algo assim:
ra no seu livro "O Golpe do Silêncio".
"-D. Marta, não estudei. Fiquei acompanhando
pelo rádio os fatos que se sucederam onNo dia 25 daquele mês - mesmo dia e mês
em que teve início dez anos antes a Revolu- tem em Brasília por conta da votação da
ção dos Cravos em Portugal - estava prevista ‘Emenda das Diretas’. Peço-lhe desculpas.
a primeira votação na Câmara dos Deputados Se a senhora puder me ministrar a prova
da "Emenda Dante de Oliveira", que preten- noutro dia, tudo bem. Caso contrário, é justo
dia restabelecer as Eleições Diretas no Brasil que eu tire zero."
para Presidente da República.
Pelo mês do ano, deve ter sido a primeira
prova.
Não tinha ainda muita afinidade com
Eu estava muito interessado no assunto e
acompanhei direto de Brasília, durante todo o os colegas, oriundo que era da Escola Básidia 25, inclusive à noite, aqueles episódios ca Jerônimo Coelho, na qual orgulhosamente
que integram a nossa história. Como eram cursei todo o Primeiro Grau.
lacônicas as notícias na televisão, usei um
radinho.
Sigo, agora, para o tema central desta crôni-
121
Petulância semelhante diante dum professor, com certeza, não era comum. Mas D. Marta,
como sempre educada, disse que depois falaria comigo e eu me retirei da sala.
Mais tarde conversamos. Pedi novamente desculpas. Ela aceitou e me aplicou noutra ocasião uma prova oral, na qual tirei dez.
Voltando à Brasília, a Emenda Dante de Oliveira foi rejeitada por apenas 22 votos. Mas foi
uma Vitória de Pirro do Governo. De nada adiantou a violência instalada naqueles dias
na Capital Federal pelo General Newton Cruz, Comandante Militar do Planalto, montado em seu cavalo branco. A ditadura estava na iminência de ser sepultada.
Na votação ocorrida no Colégio Eleitoral em 1985, ano seguinte, o candidato da situação foi
derrotado, com a esmagadora vitória de Tancredo Neves, na nossa última eleição indireta para
a Presidência da República. Nascia então, a "Nova República".
O ato do jovem de 14 anos, que preferiu escutar no rádio momentos vitais para a redemocratização do Brasil, ao invés de estudar para a prova do dia seguinte, hoje não é recriminado pelo pai de família e advogado de 41 anos. Foi uma escolha calculada, acreditem!
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122
RISCO IMINENTE
Por Rosane Magaly Martins
Há cada vez mais dentro, introspecta
Há alguns espaços inocupados
Cantos escuros com imagens riscadas
Embaixo de tudo há tapetes úmidos
No centro da sala sombra do espectro de piano
E os silêncios que circundam o passado
Esferas descem as escadas imóveis
O pó encobre o olhar pela janela
A chuva é mais longa que o tempo de sol
Enquanto as palavras não ditas espreitam-na
seus chinelos gastos ficam por ali
ao lado do gato embalsamado
Há um risco em viver dentro de si
com tempo de higienizar as vísceras
como se pérolas fossem traumas doces
Ar rarefeito, narinas ferozes anseiam ventos
pele seca, rugosa e fria aguarda trancafiadas carícias
sob olhares do escuro que oculta o corpo inerte
Busca o pulso, o relógio quebrado e queda-se
Nuances restritas e confinadas do que não fora
E a certeza da nenhuma possibilidade de reproduzir-se.
123
O NOVE CABALISTICO
Por Roselis Batistar
Por que o nove me persegue?
Sete mais dois
Quatro mais cinco
Se o meu afinco é somar inicios ?
Se no principio do setenta e dois
Te via pois como eterno amado
Com um bocado de prendas de afoito?
Mas era o um com o oito
O que somava a terrivel adiçao final!
Eu nao via o mal
Posto que cresciam as rosas
Agora destruidas pelo três mais seis
Consumidas pelo hipotético
Pela imagética pétala da ingenuidade?
Nao havia idade na bola do nove
So havia um poste que levava à bolha
Aquela unica vara que eu subia
Com a certeza da alegria
Como sorria boba a um futuro incerto.
Agora vem o belo alçapao ligeiro
Saido das luzes da tenebrosa cova
Que me abrigava entao!
Despencada eu estava!
E para surpresa desta presa eterna
Moras num nove estranho:
Soma sem tamanho,
Que acende mas sucumbe
A pobre corola minha!
124
gos).
É DIRETO NO QUEIXO
Por Rui Martins
Era junho 2006 e recebi um e-mail do Eliakim,
que não conhecia, só de ter visto na tevê Manchete quando ia ao Brasil, me convidando para
integrar o grupo de jornalistas do Direto da Redação.
Nada também restou da Última Hora – Rio, de
Samuel Wainer, cuja sucursal dirigi, dois anos,
na avenida São Luiz, ao lado da sucursal do
JB. A UH-Rio, jornal popular de esquerda, que
hoje nos faz tanta falta, morreu há décadas e,
ironia do destino, seu vizinho em Sâo Paulo,
também acaba de morrer.
Até hoje não sei como lhe veio essa ideia, pois
vivo numa espécie de periferia das grandes capitais europeias e já fazia quatro anos que recebera meu bilhete azul da CBN, certamente,
como disse o paraibano, escritor e colega, Carlos Aranha, por ter incomodado o pessoal com
minhas provas de processo penal contra o então candidato a governador Paulo Maluf. Coincidentemente, minha entrada na CBN como
correspondente tinha o título de Direto da Europa.
Ressuscitei para o Estadão, graças ao Luiz
Fernando Emediato, em 86, numa viagem que
fiz ao Brasil para ficar com meu pai, que pouco
vira durante o exílio, já doente, e que morreu à
minha frente. De Santos, onde estava, telefonei
ao Emediato, e passei a escrever cartas de Genebra, para depois fazer parte da equipe do
Caderno 2, cobrir festivais de cinema e de dança, falar de livros e fazer entrevistas. Com a
saída do Evaldo Mocarzel, sucessor de Emediato, me foi encerrado esse capítulo.
Cria do Estadão da Major Quedinho, já não era
mais seu correspondente, sabe-se lá porquê,
mesmo se o jornal, na minha época, convivia
com gente de esquerda e mesmo comunista,
pois lá fui contemporâneo de Vladinir Herzog e
Miguel Urbano Rodrigues e foi lá que Arrudão
me levou à Fulgor, editora do PC, para publicar
meu livro A Rebelião Romântica da Jovem
Guarda, explicando sociologicamente o surgimento do ídolo Roberto Carlos, pelo vazio criado no Brasil gerado pela ditadura militar.
Como dizia, recebi o convite do colega Eliakim,
quando só escrevia para o Expresso, depois de
alguns anos no Público, ambos de Lisboa. E
estava nas livrarias, com certo sucesso, o livro
sobre segredo bancário suíço, as contas do
Maluf e minha demissão da CBN – O Dinheiro
Sujo da Corrupção, pela Geração Editorial, criada e dirigida pelo Emediato.
Sem CBN e Estadão, sentia que logo seria esquecido pelos ex-leitores e ouvintes. Nossa
profissão é tão efêmera quanto os jornais, que
envelhecem em um dia, e quanto os boletins de
rádio, lançados ao vento. De minha passagem
pelo Pasquim, logo no começo de meu exílio,
nada restou. Foi com certa surpresa que, numa
livraria de São Paulo, constatei não haver nenhum de meus textos, de 69/70, na antologia
do Pasquim.
Teria sido o livro, a causa do convite ? Não sei,
nunca perguntei e nem vou perguntar ao Eliakim. Mas, minha entrada no Direto coincidiu
com uma atividade benévola que iria se desenvolver e me levar a assumir uma bandeira antes nunca imaginada – a de dar visibilidade na
mídia aos emigrantes, praticamente ignorados
no Brasil .
Minhas duas primeiras colunas, em junho e julho 2006, neste Direto da Redação foram sobre a injustiça criada pela reforma da Constituição de 88, num parágrafo aprovado pela Constituinte em 1994 – tinham retirado a nacionaliDespedido do Estadão, em 68, depois de ter dade brasileira nata dos filhos dos brasileiros
organizado o Encontro com a Liberdade, com nascidos no Exterior.
antigos companheiros como Narciso Kalili, David de Moraes, Ivan de Barros Bela, Audálio Com isso, cerca de 300 mil crianças filhas de
Dantas, no Teatro Paramount, em São Paulo, brasileiros se tornariam apátridas em 2012
tinha ao meu lado na mesa, Mario Martins, pai (cerca 18 a 20 mil por ano) em países como
do atual ministro Franklin (não somos parentes,
descendemos todos de portugueses e gale125
como Alemanha, Suíça e Japão, enquanto as A seguir, as associações e grupos formados
nascidas nos EUA perderiam os laços com o em torno dos emigrantes, muitas das quais disso vivem, assim como doleiros, despachantes,
Brasil pois seriam só americanas.
advogados e recém-chegados em busca de
Da denúncia na mídia, a campanha pelos brasi- prestígio, rejeitam um órgão institucional emileirinhos apátridas virou movimento social de grante autônomo e independente do Itamaraty.
cidadania com lideranças em diversos países Por sua vez, o MRE, criou uma alternativa híbride emigração e graças ao ex-senador cearen- da para o órgão institucional e não abre mão da
se, Lúcio Alcântara, ao ex-deputado Carlito tutela sobre os emigrantes, frustrando os que
Merss, hoje prefeito de Joinvile, e Rita Camata, esperavam, nesse setor do governo Lula, o adex-deputada e provável futura senadora, surgiu vento de alguma coisa concreta, como as Sea proposta de emenda constitucional 272/00, cretarias da Mulher, da Igualdade Racial, dos
vitoriosa e hoje Emenda 54/07, que restituiu à Direitos Humanos.
nacionalidade brasileira aos filhos dos nosso
emigrantes.
Em lugar de um Conselho de transição para um
órgão institucional, surgiu um conselho consultiO Direto teve ação de ponta-de-lança nessa vo, inútil mas com função de vitrina, destinado
fase final da campanha, da qual participaram a dar assessoria ao Itamaraty em matéria de
colegas jornalistas de tendências diversas e de emigração, e uma Conferência anual de emidiversos órgãos de imprensa, porque a causa grantes, que, por vergonha de usar a palavra
era consensual. De um lado Cláudio Humberto emigrantes, o Itamaraty chama pomposamente
assustava o MRE em suas colunas, por sua de Brasileiros no Mundo, destinada a coletar
vez Caros Amigos denunciava a falha que iria um rosário de reivindicações sem o compromisfavorecer advogados e despachants. E a vitória so de serem atendidas.
dos brasileirinhos acabou por nos levar a outra
trincheira – em favor dos pais dos brasileiri- Além de sua função de mídia livre, o Direto populariza, assim, para os brasileiros do continennhos.
te, a questão emigrante, enquanto nem ComuFoi o surgimento do projeto pelo que poderia nique-se e nem o Observatório da Imprensa
ser um Estado dos Emigrantes, pois 4 milhões encontraram uma fórmula para divulgar o que
de emigrantes brasileiros dispersos pelo mun- vai pela mídia emigrante, engatinhando em aldo, já constituíam um verdadeiro Estado. Seria guns países mas viva e atuante nos EUA.
preciso, porém, parlamentares emigrantes em
Brasília, possibilidade que nos deu o senador Quando aceitei o convite de Eliakim, lá se vão
Cristovam Buarque, com sua proposta de quatro anos, longe estaria de imaginar que o
emenda constitucional criando deputados emi- Direto teria tanta influência na transformação
do jornalista observador em militante pela caugrantes.
sa da emigração. E isso vem a calhar, pois o
O projeto, hoje amadurecido com o formato de Direto da Redação, editado em Miami, é tamuma Secretaria de Estado da Emigração ou bém um emigrante.
dentro de um super-Ministério das Migrações,
incluindo migração, imigração e emigração, não E a grande vantagem desta tribuna eletrônica é
é consensual como foi a causa dos Brasileiri- que me sinto livre o suficiente para denunciar,
nhos. Houve um primeiro choque quando se provocar e desferir soexigiu laicidade do parte do governo, na I Con- cos diretos no queixo,
ferência de Emigrantes no Itamaraty, para se sem compromisso religioso ou partidário.
evitar o controle religioso sobre a emigração.
126
FOTOS
Samantha Verdan
127
PRISIONEIRA
Por Sandra Helena Queiroz Silva
Vesti minha túnica humana
E fiquei prisioneira do mundo
Feito de enganos onde canto e
Exalto-me.
E tu que nunca reparas
Nem sabes que sou alma rara.
Sei que me medes, me pesas,
Observas-me, me destilas,
Revolto-me, fujo e entristeço.
Crio asas e voo no silêncio
Como a abelha de flor em flor
Fabricando mel sem ter colmeia...
Nasci livre, como o vento,
Eu quero, apesar da minha idade,
Que este amor sufocado
Ainda se expanda
E dentro da minha ternura
Nestes instantes de beleza calma
Presa a este amor confuso
Meu ser se transfigura
Porque sinto que o amor é luz
E a mais alta manifestação do ser.
128
Um dia de Alice
Por Silmara Oliveira
Dá vontade voltar a ser criança! E porque não?
O mundo das crianças é bem diferente do nosso. O mundo das crianças é mais
livre, mais despreocupado, mais inocente, mais divertido e mais leve.
Imaginário. Alice era assim. imaginava tudo o que podia. Exercitava sua imaginação e sua curiosidade pela vida. Sua coragem fortalece quem a segue. e porque também não somos Alice?
Alice é criança e conhece o que nenhum adulto conhece (ou se esquece?). Alice
conhece a simplicidade da vida. A alegria dos seres e das coisas.
Nós adultos somos meros Coelhos Brancos ou Ratos cheios de medos, somos
Lagartos julgadores ou Lagartas egoístas, Duquesas orgulhosas e imponentes,
um Gato de Cheshire que aparece e desaparece sem se importar com ninguém,
somos loucos como o Chapeleiro Maluco e matamos o tempo sem o aproveitar,
somos Arganaz que dorme e permanece dormindo a grande parte do tempo, somos autoritários e impulsivos como a Rainhas de Copas, somos acusados como
o Valete de Copas e somos acomodados como o Rei de Copas e vivemos a nos
considerar vítimas do destino como a Tartaruga Fingida.
O que podemos fazer? Vamos viver como Alices pelo menos um pouquinho por
dia, vamos correr, brincar, rir, cantar, cair em tocas de coelhos por pura curiosidade, vamos crescer, vamos diminuir, vamos chorar até quase se afogar nas lágrimas e aprender a nadar para novas descobertas.
Vamos tomar um chá no país das maravilhas?
Ser criança é ser Alice.
129
Às mães sem nome
Por Sonia Alcalde
Mãe, três vezes santa: na dor, na renúncia e no sacrifício. Frase ressaltada numa escultura em Rio Grande. Não sei se ainda existe por lá, mas ficou eternizada em
minha memória.
Era o ano de 1970. A visão dessa escultura instigou-me rever a responsabilidade de ter filhos. Quanto de mim daria para que eles crescessem protegidos, nutridos
em amor e normas que os tornassem independentes? Não tinha noção, a referência
era a dedicação de minha mãe, com a figura do pai sempre presente, do seu jeito: provedor, parceiro nos trabalhos domésticos, de jogar dama, dominó e banco imobiliário.
Contador de histórias, de causos da família, com inserções da mãe. Adorávamos ouvilos, enquanto ela servia a sopa. À noite, só de legumes, mais apropriada, dizia. Vez
por outra, quando corria um ar frio a la carioca, era sopa “levanta defunto”, de feijãomanteiga, com risos e prosas. Hoje, ela se refere a esta sopa como “levanta forças”,
para não apressar sua hora.
Mãe que fazia meus vestidos, colocava-me sobre a mesa para acertar a barra
da saia godê. Mãe que tomava tabuada na mesa da cozinha, ensinava a fazer bolo
português, rabanada, carne assada, bolo de batata... Mãe que nas férias aceitava encomenda de viandas para ter mais dinheiro e confeccionar fantasia de nega maluca,
borboleta, escrava, colombina, bate-bola... Mãe que cuidava de tias doentes, sobrinhos, vizinho dementado... Mãe que lutava por crianças carentes, abrigando-as, dando
-lhes o melhor de si. Mãe que se revelou compositora cantando a dor da saudade
quando o amor partiu. Minha mãe.
O tempo passou, meus filhos nasceram, cresceram, já se multiplicaram. Acho
que alguma coisa acertei, não com tanta dor e sacrifício. Certa renúncia, sim, a começar pelo sono interrompido. Foi o que me chamou mais atenção, ainda que amenizado
pelo cuidado paterno. Quando casaram, parecia ter encerrado esse capítulo até minha
mãe vir morar conosco. O ciclo está fechando. Num desses dias, de madrugada, levantou-se e caiu. O estrondo ecoou pela casa, corremos para socorrê-la... Ainda bem
que foi mais o susto. Emocionada, envolvi-a em meus braços, beijei seus cabelos
brancos. Lembrei de outras mães, desprotegidas.
Vejo-me no espelho/ lembro aquelas que me antecederam/ a que surgiu de
mim/ as que me ajudam com amizade./ Ouso ir mais longe/ sinto gemidos/ daquelas
que não conseguem/ ver seus filhos crescer./ Queria meu peito estender-lhes/ um pou-
130
QUEM
Por Susana Martins
Ela tem a vibração certa para cada um que lhe cruza o caminho. Ela caminha através da leveza das dores sentidas, do passado sofrido.
Ela sustém tantos perigos e é tão forte, por vezes... Prende, por horas, alguém que
pensou apenas passar pela sua presença.
Quase nunca se acovarda, é tão frágil... Tão abismo... Que num suspiro traz o tudo
do dito.
Ela abarca soluções, tem doçura e coragem diante do perigo. Ela se aventura e nos
leva aonde sozinhos não iríamos.
Ela faz coisas absurdas serem simples, ela complica a vida!
Ela segura tão forte cada mão insegura. Pelos laços, ela liga pontos díspares e contrários.
Ela é contradição: por vezes cumpre juras, em outras nem se quer lembra-se do prometido.
Ela desata os nós e resolve problemas... Ela se cala e confessa não ter saída. Ela
assume covardias, mas, dissimula verdades.
Ela não diz quase nada quando grita. Ela diz tudo pelo silêncio. Ela fabrica perguntas
desnecessárias com a mesma facilidade que tem de não levar a sério algumas respostas.
Ela não é de vidro.
Se pudéssemos dar-lhe um colorido ela seria o violeta.
Através do que ela escreve alguns encontram saídas, outros se perdem num labirinto e ela continua a brincar com as letras.
Ela tem um novo diário, mais sério, mais tristonho, mais adulto, menos enigmático.
Ela, hoje em dia, é menos. Menos afobada, menos sonhadora, ela é menos do menos.
As vezes, ela molha o olhar com alguma coisa úmida que sai de dentro de si... ela
permitiu essa coisa úmida sair das pálpebras e experimentou o sabor desse líquido
tão sagrado que poucas vezes saiu do seu dentro; foi uma luta, tão dolorida e sofrida, que ela sentiu praticamente o coração diluir-se por entre esse
fluido; quando provou desse líquido ela sentiu o salgado doce do seu sofrimento.
Ela é forte, ela é imbatível, inquebrável e tão sensível! Ela agrega toda a liberdade
possível por entre as asas prateadas dos voos que alça...
Ela constrói um abismo com uma única palavra e com outra é capaz de elevar um
coração ao paraíso.
Ela tem o seu inferno, o seu anjo, o seu horror, o seu abismo, ela é tão treva...
Ela é uma multidão! Tão solitária quanto sua presença.
Ela desenha novos traços, entre novas cores, mas, ela finaliza no preto e branco. Na
verdade, ela é sépia... Mas, agrega um brilho incomparável.
Ela sabe que é única. Ela olha, de quando em vez, no espelho ou na margem e sussurra - dentro do meu ouvido - “eu!”.
131
O pai das telecomunicações
Por Suziley Silva
É este o título e a homenagem que deve merecer o ilustre padre inventor e cientista nascido na segunda metade do século XIX aos 21 de janeiro de 1861 nesta cidade de Porto
Alegre. No ano de 2011 completará 150 anos do nascimento daquele sacerdote que foi o
quarto filho de uma família de quatorze irmãos cujos pais, Inácio José Ferreira de Moura e
Sara Mariana Landell de Moura, possuíam ascendência inglesa. Pe. Roberto Landell de
Moura era antes de mais nada um livre pensador; um profícuo inventor; um cientista nato.
E as provas estão, aí, para que todos vejam e constatem. Foram inúmeras contribuições e
inovações. Basta citar algumas apenas: foi o pioneiro na radio emissão e telefonia por rádio (por isso é o patrono dos radioamadores do Brasil); precursor na transmissão de imagens (a televisão) teletipo à distância e tantos outros trabalhos, pesquisas e estudos. Aliás,
o padre em questão era detentor de um balizado arcabouço teórico aliado a um espantoso
lado pragmático que o orientava na construção e na operacionalização de suas úteis invenções. Landell fazia acontecer a necessária união entre teoria e prática. Pois o sacerdote gaúcho “teorizava a vida e vivenciava a teoria”. Além disso, por vocação ministerial e
mística era um ardoroso pastor que amava os seus fiéis com estimada e paternal atenção.
Todavia, os grandes homens, geralmente, não são compreendidos por seus pares. Não
são compreendidos nem apoiados pelas autoridades que pouco caso dispensam aqueles
que pelo espírito, pela mente, pelas ideias inovadoras, encontram-se muito à frente do seu
tempo e lugar. E com o Pe. Landell de Moura não foi diferente. O peregrino das ciências
físicas e metafísicas não recebeu nenhum suporte e aos 67 anos, em 30 de junho de 1928,
faleceu, anonimamente, no Hospital da Beneficência Portuguesa de Porto Alegre, acometido por uma tuberculose. Pelo pouco que li a respeito da figura carismática do Pe. Landell,
ainda que houvessem os que o consideravam um “louco e desvairado”, (julgamento próprio das mentes pequenas que não enxergam um palmo à frente do próprio nariz, que dirá
erguerem as cabeças enterradas na areia do próprio chão das suas ignorâncias para longe
avistarem o horizonte da genuína sabedoria...), ele foi um homem, um sacerdote, um pastor, um ser humano, também, muito querido pelas pessoas que com ele conviveram ou de
alguma forma se encontraram com aquele “apóstolo do Cristo”. E é por estas razões, por
sua inteligência inventiva provada e comprovada em suas descobertas e invenções de
muita utilidade para a humanidade, pela personalidade carismática e caridosa, por todo
seu esforço, estudo, pesquisa e ciências, é que com muita alegria anunciamos o início
desde, ontem, do acontecimento de eventos alusivos a comemoração no ano que vem do
sesquicentenário do seu nascimento. Convocamos, ainda, a população de Porto Alegre, do
Rio Grande do Sul, de todos os Estados do Brasil, a aderirem a um abaixo-assinado elaborado pelo Movimento Landell de Moura (MLM), composta por radioamadores, preenchendo
o formulário na http://www.mlm.landelldemoura.qsl.br/abaixo_assinado.html e clamando
bem alto SIM façamos justiça à memória daquele brilhante brasileiro com o reconhecimento pelas autoridades nacionais e internacionais da mais que merecida, ainda que póstuma,
atribuição da nota que de fato ele, magistralmente, o foi, a saber: o Pai das Telecomunicações!! Façamos a nossa parte. Sintonizemos as ondas do nosso “rádio” interior e lhe prestemos esta justa homenagem.
132
Tereza Rodel
Garimpando Poesias
CORPOS SUADOS
Tua mão macia tocou minha alma
Teus lábios doces roçaram os meus
Teus seios nus no meu peito fizeram meu coração
Bater mais forte, e esse amor tão puro tal qual,
Branda luz no escuro, me fez a mente confundir e
nesse momento tão sublime em que nada do corpo é
pecado......
Nos abraços de meus braços,
No calor do corpo teu.
A meiguice do teu tocar,
A meninice do teu olhar...
A sensação tão doce do teu amor.
O perfume sutil da essência da vida no ar.
E o tato dos meus dedos
Na tua pele macia me fazia cavalgar neste campo farto
sob o fascínio da
Canção alucinante do prazer.
A boca molhada de beijos, falando coisas de aventura
Me levou as alturas e me senti em ti na intimidade dos
teus segredos.
(Poesia de Demétrio Nazário Verani – Orleans (SC))
133
Prisma Caótico
Por Tetê Crispim
Ecos agudos calam a sinfonia do mundo,
Faces sem brilho deixam cair lágrimas,
Olhos sem direção fixam apenas no chão,
Mentes em multidão seguem em reunião,
Num prisma caótico onde domina reflexo,
Vozes ecoam sem nexo,
Falso sorriso convexo,
Façanhas da submissão,
Xepas de festim substituem o pão,
Resultam promessas xaropes de êxito,
Armas na mão do soldado inflexível,
Corpos exaustos Clamam por justiça,
Choro profundo no vale da destruição,
Flores no acaso mexem com o coração,
Um prisma convicto emite um facho,
Flui cantares de esperança na alma,
Gritos sem medo,
Ideias em cheque,
Renovam a construção.
134
Despedida
Por Thiago Maerki
Sinto muito, mas terei que partir
Para outras terras distantes não sei o
quanto...
Não quero que chorem
Que caiam em pranto
Quando eu partir
Não sei para onde irei, mas tenho que partir
Fugir do meu próprio eu
Para um lugar em que não possa encontrar-me...
Sei que ninguém sentirá minha falta
Quando eu partir
Preciso fugir
Sair de mim
Ver pores-do-sol
Solitário como um corpo jogado aos vermes
Quando eu fugir
Quando eu partir
Distante, para não sei onde
Que eu não deixe saudades
E leve todas as minhas lembranças
Quando eu partir
E assim como um vocábulo apagado
Há muito tempo não invocado
Eu veja o que fui
E o que deixei de ser
Quando eu parti
135
Varais
Por Tino Portes
Pequenino,
Observava
A mulher que eu mais amava
Sob o sol a estender
Sob a chuva a recolher
Tanta roupa no varal
Pequenino,
Admirava
Como o bambu não arriava
Sob o peso a suspender
Sob o tempo a escorrer
Como as roupas no varal
Pequenino,
Eu nem pensava
Nem com isto me animava:
Que eu iria versos escrever
Pra noutro varal suspender
Que não fosse do bambuzal
136
Amor com ela
Por Valdeck Almeida de Jesus
Ela me quer
Ela me ama
Ela me beija
E não reclama.
Dá-me a vida
Faz-me feliz
Ajuda-me sempre
Sempre me quis.
Ela me adora
Não me deixa só
Por mim ela desata
Da vida o nó.
Não a ajudo
Não a recompenso
Faço pouco por ela
Só em mim penso.
Ela é a natureza.
Eu sou o homem.
137
Rosas vermelhas
Por Valéria Nogueira Eik
A rosa vermelha e o sorriso cativante foram entregues ao inal do dia.
Amé lia, olhos baixos, fez um muxoxo de menina e tentou alongar a má goa.
Encarou o riso inocente e esqueceu as palavras rudes da noite anterior.
A rosa era tã o linda!
Duas rosas vermelhas foram entregues no inı́cio da noite por um sorriso suplicante.
Amé lia exibia um pequeno corte na boca. Derramou soluços incontidos e mais algumas lá grimas.
Olhou as rosas. Sorriu tristemente. Desculpou a ressaca matinal.
Trê s rosas vermelhas foram entregues, quando duas ou trê s estrelas salpicavam o
pedaço de cé u que se condensava diante da janela.
Amé lia, deitada na cama, invadida por todas as dores, relutava em perdoar.
O sorriso dele, quase paternal, delineava motivos e a absolviçã o das culpas.
Quatro rosas vermelhas foram entregues quando a madrugada cobria a cidade.
Amé lia, amontoada no chã o, ainda recolhia os cacos do pró prio corpo.
O riso infantil implorava por perdã o e afagos.
Cinco rosas vermelhas foram entregues, quatro ou cinco dias depois, por um par de
olhos desesperados.
Amé lia, de malas prontas, queria ir, queria icar.
As marcas arroxeadas e a pele costurada começavam a ganhar tons suaves.
E suaves icaram as dú vidas.
Seis rosas vermelhas foram entregues por um sorriso impessoal.
Amé lia, agasalhada por outras tantas lores e pelo brilho das
velas, nã o pô de ver nem perdoar.
138
Esqueça a dor.
Amando...
Cante o amor.
Inspire outros a amar.
Por Valnice Costa
Doe o seu sorriso.
Presenteie com flores.
Não quero palavras copiadas para expressar
meus sentimentos.
Chova ou faça sol, ame.
Amar não é favor.
Não quero palavras clonadas, pois cairão no
esquecimento!
Amar é doar-se com amor!
Quero palavras criadas.
Quero palavras inspiradas.
Ame as pessoas, os animais, a vida, o presente, pois seu passado não volta mais.
Quero palavras produzidas pelo mais puro e
profundo argumento: o Amor!
Ame as crianças, os velhos, a natureza. Sabendo que amar não é fraqueza!
Um sentimento.
Ame a Deus sobre todas as coisas e a “mim”
como a ti mesmo, pois estes mandamentos
são cheios de sentimentos e das melhores
intenções também!
Uma postura.
Um desejo.
Um querer.
Uma canção.
Uma conquista.
Uma lembrança eterna.
Uma inspiração!
Uma Força Divina maior que o universo,
enchendo o peito da metida a fazer verso!
Criando nas pessoas o desejo de amar.
Ame...
Sinta.
Posicione-se.
Deseje.
Queira.
Cante.
Conquiste.
E lembre-se eternamente desse grande argumento maior que o universo:
O Amor, que na Força de Deus enche o peito
das pessoas que desejam amar.
Fale de amor.
139
Regresso
Por Valquiria Gesqui Malagoli
Perguntaste a mim,
que meus pés molhava
neste mar sem fim,
para o que eu olhava...
Eu, ah, olhava ao longe
sem pensar em nada,
imitando um monge
de vista ilibada.
(– Que descanso imenso
mora onde eu não penso!)
Só fui retornar
porque me chamaste,
e ao que perguntaste,
respondi: “pro mar!”
140
O Homem é uma peça de reciclagem
Por Varenka de Fátima
Reciclar, reciclar, reciclar
O homem pode ser como um automóvel
Que montamos e desmontamos peça por peça
Quando nasce nu, sem folhagem
Traz apenas a herança hereditária
Que pode ser curada e reciclada.
Reciclar, reciclar, reciclar
Despido de conceitos sociais
Começa a educação no berço
Para não estancar e virar lobisomem
Passa pela escola primaria, social, educação física
Artes em geral, espiritual e florestal.
Reciclar, reciclar, reciclar
O homem tem que estudar a vida toda
Para se formar em direito, farmácia,
Em medicina que com sua evolução
Reciclar o homem com cirurgia plástica
Com o bisturi pode reciclar total
Reciclar, reciclar, reciclar
O medico e o material cirúrgico auxiliam
Em colocar e retirar o que se quer do corpo
Reciclando e rejuvenescendo o homem
Por preços aquecíveis
Como a Floresta Amazonas e o Brasil.
141
CANTO SILENCIOSO
Por Veronica dos Santos Silva
Canto a música cativa,
quase um acalanto
lembra olhares, toques e encantos
de um tempo mágico, lá de trás
Canto ao som do silêncio
companheiro destes tempos de guerra
É uma fase que se encerra...
trégua pacífica deste confronto
Canto sem acordes, sem melodia
sem instrumentos,
acompanhamentos
só nostalgia...
É por isso que meu canto está ainda, preso
Ouça-o...
142
nos balaios
nos tabuleiros
debaixo da tua lingua?
Por Vicente de Pércia
- Miséria que vem a galope A matéria forte
vinda como vento
Que fazer com a casa desarrumada?
sacode as narinas.
Com os olhos críticos do branco?
Surge no corpo
Com os preconceitos edemáticos?
acarinha as coxas quentes
Tudo isso não são peripécias do acaas ancas fortes
so,
sob um peitinho de seda preta
são afeições,
que chama pra longas navegações
fervor,
que recebe a dádiva do céu e da lua.
gosto,
A proteção de todos os Orixás.
sentenças...
Um peixe vermelho faz tremer os
são para dar arras ao temperamento
olhos negros do negro
às visitações incessantes.
enfeitiçando tudo...
Dobrado no dia e na noite
e seu tronco feito relâmpago
o transporte de antigos segredos
capaz de afagar os cinco cantos do
do sonho bebido em bronze, prata e
mundo
ouro,
espelha realeza.
sustento das palavras não ditas
Que ora despojada luta contra a sede
lembranças das que ficaram.
e a fome.
Aqui não temos assoalhos compridos
No tamborimento dos teus dedos
nem jarros para de flores com água
o contar das estrelas
mudada frequentemente.
o bater de todos os atabaques.
Só a proteção do céu existe;
Obá!
pra males físicos, morais e espirituais.
Obá!...Obá!...
Em potes os ingredientes para o aluá.
Não ponhas nada fora.
Axé!
A tina da barrela de cinza pra lavar
Axé!...Axé!...
a bacia de areia molhada pra lixívia.
Expandam-se os males com garrafiVisíveis e invisíveis formas;
nhas com água
e galho de arruda colocado no centro da terra
do mar
da mesa
do fogo
caixotes
do ar.
cuias
Fertilizando e enraizando a nova terra.
tigelas de barro
latas de doce do senhor deixadas.
- Pra todas bandas a inocência Se chegue ao Quintal de Nagô!
Negrinha, que escondes atrás da porta?
em baixo das tuas palhas
nos rasgões do tecido surrado
nos cestos
QUINTAL DE NAGÔ
143
Ela
Por Vicência Jaguaribe
Ela apareceu de repente.
Eu não a esperava.
Tenho perdido o hábito
de olhar o calendário.
Apareceu esplêndida
Num céu sem nuvens.
Ela, só.
Quis alcançá-la enquanto dirigia.
Mas ela, indiferente, escondeu-se
Por trás de uma árvore.
Acelerei.
Mas um prédio
Substituiu a árvore.
E outro prédio mais apareceu.
E a sucessão de prédios
Foi mais rápida do que eu.
Quando, finalmente,
Ficamos frente a frente
E eu pude encará-la,
Tive que dobrar à esquerda.
Constrange-me dizê-lo:
- Perdi-a numa curva do caminho.
144
Guerrilheira
Por Víctor Manoel G. Vilena
Guerrilheira de meus ardentes desejos,
do silêncio e do tempo...
Tua luta é minha paixão
Tua arte carinhosa cheia de ardores
é meu refúgio no tempo dos meus sonhos e apetites...
Guerrilheira da beleza,
Guerrilheira do fogo e da paixão,
com teus cantos vitoriosos,
a guerra você declara com amor,
que espera impassível
nas trincheiras do fogo,
para combater no campo de batalha
a insurgência do desamor,
e com sons de fanfarra de ardentes desejos,
você marcha ao campo de batalha
conquistando territórios de prazer.
145
146
UM SONHO...PARIS
Por Vó Fia
Solange era o nome daquela menina linda, ela era o encanto de sua família e também
dos amigos, porque era loirinha, pele rosada, dentinhos clarinhos e enormes olhos azuis, mas
mesmo em sua infância ela já demonstrava ser uma pessoinha sonhadora, vivia imersa em
sonhos e muitas vezes, se esquecia da vida .
Seus sonhos cresceram com ela e no colégio era uma aluna inteligente, porém desatenta, parecia estar sempre em outra galáxia, mas como era muito gentil e alegre, os professores
não se zangavam, mas não facilitavam e suas notas eram sempre baixas, porque notas não
se ganha sem merecimento.
Já adulta Solange continuou sonhando acordada, mas agora seu sonho era sempre o
mesmo e se concentrava em Paris, que ela conhecia através de leituras, imagens fotográficas
e filmes sobre a desejada Cidade Luz; sem condições financeiras ela jamais visitou a cidade e
se contentava em sonhar.
O tempo todo ela fantasiava viagens e passeios maravilhosos em Paris, fechada em
seu quarto ela fechava os olhos e se sentia as margens do Rio Sena, de mãos dadas com um
hipotético namorado a luz do luar, ao som de lindas canções cantadas por Edith Piaf, mas na
vida real ela não tinha ninguém ao seu lado.
Vivendo nesse mundo irreal ela quase não saia de casa e apesar de ser linda, nunca
namorou e era motivo de piadas dos conterrâneos pela sua mania por Paris, porque além de
sonhar ela falava sobre a cidade, como se conhecesse tudo por lá, citava o Museu do Louvre,
a Catedral de Notre Dame e muito mais
A areia do tempo correndo e Solange sonhando com Paris e se esquecendo de viver,
com sua obsessão incurável ela só conversava sobre esse assunto e as pessoas passaram a
se afastar dela; cada vez mais solitária, ela foi definhando e aos quarenta anos de idade parecia uma velha decrépita, mas não desistia de sonhar
Viveu mais dois anos e por fim morreu só em seu quarto e ao ser encontrada pela
família, segurava com as duas mãos uma miniatura da Torre Eiffel, como símbolo de uma
paixão doentia e anormal por uma cidade nunca vista realmente, mas sempre desejada; Solange tinha tudo para ser feliz, mas viveu e morreu só com seus sonhos
147
Lenço branco
com o verde das montanhas...
mas também pode não ser con-
Por Walnélia Corrêa Pederneiras
deixo no traço da escrita
aquilo que Verso
e que também pode
ser Inverso,não importa.
Se a letra em palavras
diz ou capta,
é questão de
momento inspirado
Tudo ou Nada
pode ser diferença
mas pode ser sinônimo...
Nem sempre é verde a folha
pode ser seca ou branca
de simples papel ou traço
em hediondo espaço
Dizer da dor às vezes
quer dizer observá-la
sim, ela a Dor
traste
afinal, a cor é relativa...lenço verde,
lenço azul, é o gesto
é a escrita, é o ato da escrita
em momento inspirado...
e o é passa a ser É.
Deixe que ele continue livre
sem estilos ou metas
Simplesmente vive e morre
mil vezes, sem que isso interfira
no caminho traçado chamado
Vida de cada Ser...
Muito embora tenha um nome
marcante e assinante,
para escrever necessita
do impessoal, da transparência
do Ser.
Permita que o poeta acabe o verso
assim, sem querer...
por que interpretá-la
dentro do verso
se foi captada fora?!..
muito embora esteja
dentro no Aqui e Agora...
...é melhor que deixe o poeta
sem julgá-lo em seus vestidos
de festa ou desnudado
de qualquer compromisso
situação ou tempo
Deixe que ele continue em acenos
feitos de letras como se fossem
"lenços brancos" em contraste
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Seja você também um dos autores do
Varal! Traga seus textos, traga sua arte!
Publique na revista, no livro impresso ou
no site!
Informações : [email protected]
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