Aula resumo QUINTANEIRO, Tânia, BARBOSA, Maria Lígia de O., OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1995. Émile Durkheim, p. 15-61. Preparada por Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. A ESPECIFICIDADE DO OBJETO SOCIOLÓGICO Definição de sociologia “Ciência das instituições, da sua gênese e do seu funcionamento”, ou seja, de “toda a crença, todo o comportamento instituído pela coletividade”. Objeto da sociologia São os chamados fatos sociais [Cf. aula resumo sobre fato social]. Os fatos sociais só poderiam ser explicados por meio de seus efeitos sociais. Ao afirmar isto Durkheim dá autonomia a sociologia. Exemplo: A divisão do trabalho é um fato social cuja origem não se encontraria nos interesses ou motivações individuais, mas em fenômenos sociais, como o volume e a densidade material e moral da sociedade. Indivíduo e sociedade Para Durkheim, a sociedade é mais do que a soma dos indivíduos vivos que a compõem: é uma síntese que não se encontra em cada um desses elementos. Cada indivíduo é, portanto, apenas uma ínfima parte de uma multidão de colaboradores, entre os quais estão membros de muitas gerações anteriores a ele e que já desapareceram, enquanto a sociedade é o mais poderoso feixe de forças físicas e morais cujo resultado a natureza nos oferece. Mentalidade do grupo ≠ mentalidade dos indivíduos Consciência coletiva ≠ consciência individual “As consciências particulares, unindo-se, agindo e reagindo umas sobre as outras, fundindo-se, dão origem a uma realidade nova que é a consciência da sociedade. (...) Urna coletividade tem as suas formas especificas de pensar e de sentir, às quais os seus membros se sujeitam, mas que diferem daquelas que eles praticariam se fossem abandonados a si mesmos. Jamais o indivíduo, por si só, poderia ter constituído o que quer que fosse que se assemelhasse à idéia dos deuses, aos mitos e aos dogmas das religiões, à idéia do dever e da disciplina moral, etc.” Fatos sociais e representações coletivas Os fatos sociais são formados pelas representações coletivas. Isto é, “como a sociedade vê a si mesma e ao mundo que a rodeia”, através de suas lendas, mitos, concepções religiosas, crenças morais, etc. As representações coletivas são o produto de uma imensa cooperação que se estende não apenas no espaço mas também no tempo; para fazê-las, uma multiplicidade de espíritos diversos associaram-se, misturaram e combinaram suas idéias e sentimentos; longas séries de gerações acumularam nelas sua experiência e sabedoria. As representações sociais são expressão da consciência coletiva. Por serem mais estáveis do que as representações individuais, as representações coletivas são a base de onde se originam os conceitos, traduzidos nas palavras do vocabulário de uma comunidade, de um grupo ou de uma nação. Aula auxiliar preparada por Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 2 Processo de socialização Comprova o caráter externo dos fatos sociais, Durkheim argumenta que eles têm que ser internalizados por meio de um processo educativo. “Desde muito pequenas, lembra, as crianças são constrangidas (ou educadas) a seguir horários, a desenvolver certos comportamentos e maneiras de ser e, mais tarde, a trabalhar. Elas passam por uma socialização metódica e é uma ilusão pensar que educamos nossos filhos como queremos. Somos forçados a seguir regras estabelecidas no meio social em que vivemos. Com o tempo, as crianças vão adquirindo os hábitos que lhes são ensinados e deixando de sentir-lhes a coação, aprendem comportamentos e modos de sentir dos participantes do grupo onde vivem. Por isso a educação ‘cria no homem um ser novo’, torna-o um membro da sociedade, leva-o a compartilhar com outros de uma certa escala de valores, sentimentos, comportamentos. As maneiras de agir e sentir próprias de uma sociedade precisam ser transmitidas por meio da aprendizagem porque são externas ao indivíduo.” Ex: língua, sistema monetário, crenças, práticas relacionadas ao exercício profissional, etc... pré-existem ao indivíduo, e isto é uma prova de que são externas a ele. OBS.: Esta parte deve ser complementada pela leitura da aula resumo sobre fatos sociais. A DUALIDADE DOS FATOS MORAIS As regras morais são coercitivas, mas também aparecem como “coisas agradáveis de que gostamos e que desejamos espontaneamente”. A sociedade é nossa protetora e “tudo o que aumenta sua vitalidade eleva a nossa”, por isso apreciamos tudo o que ela preza. O fato moral apresenta a mesma dualidade do sagrado que é, num sentido, “o ser proibido, que não se ousa violar; mas é também o ser bom, amado, procurado”, por isso: “ao mesmo tempo que as instituições se impõem a nós, aderimos a elas; elas comandam e nós as queremos; elas nos constrangem, e nós encontramos vantagem em seu funcionamento e no próprio constrangimento. (...) talvez não existam práticas coletivas que deixem de exercer sobre nós esta ação dupla, a qual, além do mais, não é contraditória senão na aparência.” O MÉTODO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA SEGUNDO DURKHEIM Procurou utilizar os pressupostos do método das ciências naturais nas ciências sociais, com adaptações. Características do método: 1. Objetividade; 2. Baseado na identificação de relações causais e regularidades, visando a descoberta de leis. Regras para que os sociólogos procedam à observação dos fatos sociais: 1. Considerar os fatos sociais como coisas, e seus corolários são: 1.1 Afastar sistematicamente as prenoções; 1.2 Definir previamente as coisas de que trata por meio de caracteres exteriores que lhes são comuns; 1.3 Considerá-las independentemente de suas manifestações individuais, da maneira mais objetiva possível. Aula auxiliar preparada por Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 3 A dificuldade que o sociólogo enfrenta para libertar-se das falsas evidências, formadas fora do campo da ciência, deve-se a que influi sobre ele seu sentimento, sua paixão pelos objetos morais que examina. (...) O papel do sábio é o de exprimir a realidade, não o de julgá-la. Uma das bases da objetividade de uma ciência da sociedade teria que ser à disposição do cientista social a colocar-se “num estado de espírito semelhante ao dos físicos, químicos e fisiologistas quando se aventuram numa região ainda inexplorada de seu domínio científico” assumindo, desse modo, sua ignorância, livrando-se de suas pré-noções ou noções vulgares e adotando, enfim, a prática cartesiana da dúvida metódica. COESÃO, SOLIDARIEDADE E OS DOIS TIPOS DE CONSCIÊNCIA Para Durkheim, a solidariedade social se tornava responsável pela coesão entre os homens. Esta variava segundo o tipo de organização social, dada a presença maior ou menor da divisão do trabalho e de uma consciência mais ou menos similar entre os membros de uma sociedade. O homem possui duas consciências: 1. Consciência coletiva ou comum: é comum com todo o nosso grupo e, por conseguinte, não representa a nós mesmos, mas a sociedade agindo e vivendo em nós; 2. Consciência individual: só nos representa no que temos de pessoal e distinto, nisso é que faz de nós um indivíduo. “O objetivo da instrução pública, por exemplo, é constituir a consciência comum, formar cidadãos para a sociedade e não operários para as fábricas ou contabilistas para o comércio, o ensino deve, portanto ser essencialmente moralizador; libertar os espíritos das visões egoístas e dos interesses materiais; substituir a piedade religiosa por uma espécie de piedade social”. Consciência comum ou coletiva: conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade. Produz um mundo de sentimentos, de idéias, de imagens e independe das maneiras pelas quais os membros dessa sociedade venham a manifestá-la porque é uma realidade de outra natureza. Quanto maior é a consciência coletiva, mais a coesão entre os participantes da sociedade estudada refere-se a uma “conformidade de todas as consciências particulares a um tipo comum”, o que faz com que todas se assemelhem e, por isso, os membros do grupo sintam-se atraídos pelas similitudes uns com os outros, ao mesmo tempo em que menor é a sua individualidade. A consciência comum não é encontrada por inteiro em todos os indivíduos. Uma uniformidade tão universal e tão absoluta é radicalmente impossível, mesmo entre os povos inferiores, em que a originalidade individual está muito pouco desenvolvida, esta não é, todavia, nula. Aula auxiliar preparada por Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 4 Nas sociedades onde se desenvolve uma divisão do trabalho, a consciência comum ocupa uma reduzida parcela da consciência total, permitindo a ampliação do espaço para o crescimento da personalidade. Mas a diferenciação social (divisão do trabalho) faz com que a coesão social se amplie. Uma solidariedade ainda mais forte funda-se agora na interdependência e na individuação dos membros que compõem essas sociedades (analogia com a atração que aproxima o homem e a mulher: por serem dessemelhantes, completam-se e formam um todo através de sua união). Os dois tipos de solidariedade Solidariedade: laços que unem cada elemento ao grupo. Solidariedade mecânica: quando os vínculos que atam o indivíduo à sociedade não são recíprocos mas, sim, “mecânicos” (o indivíduo não se pertence, é “literalmente uma coisa de que a sociedade dispõe”). A solidariedade é chamada mecânica quando “liga diretamente o indivíduo à sociedade, sem nenhum intermediário”, constituindo-se de “um conjunto mais ou menos organizado de crenças e sentimentos comuns a todos os membros do grupo: é o chamado tipo coletivo”. Isso significa que não encontramos ali aquelas características que diferenciam tão nitidamente os membros de uma mesma sociedade, a ponto de podermos chamá-los de indivíduos. Suas consciências se assemelham, eles são pouco ou quase nada desiguais entre si e por isso são solidários devido às suas similitudes. Mesmo a propriedade não pode ser individual, o que só vem a acontecer quando o indivíduo se desliga e se distingue da massa... O estabelecimento de um poder absoluto, ou seja, a existência de um chefe situado “muito acima do resto dos homens”, que encarna a extraordinária autoridade que emana da consciência comum já é uma primeira divisão do trabalho entre os povos primitivos, mas não muda ainda a natureza da sua solidariedade, porque ele passa a unir os membros à imagem do grupo. Solidariedade orgânica: resultado da concentração da população, da formação de cidades, do aumento da natalidade e das “vias de comunicação e transmissão rápidas e em quantidade que aumentam a densidade da sociedade”, conseqüentemente resultado do progresso da divisão do trabalho. Os indivíduos passam a estar em contato suficiente de modo a agir e reagir uns sobre os outros desde o ponto de vista moral; eles “não apenas trocam serviços ou fazem concorrência uns aos outros, mas vivem uma vida comum”. À medida que se acentua a divisão do trabalho social, a solidariedade mecânica se reduz e forma-se uma nova: a solidariedade orgânica ou derivada da divisão do Aula auxiliar preparada por Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 5 trabalho. Institui-se também um processo de individualização. Os membros são, então, solidários porque têm uma esfera própria de ação, uma tarefa e, além disso, cada um dos demais depende das outras partes que compõem a sociedade. A função da divisão do trabalho é, enfim, a de integrar o corpo social, assegurar-lhe a unidade. Segundo Durkheim, somente existem indivíduos, no sentido moderno da expressão, quando se vive numa sociedade altamente diferenciada, ou seja, onde a divisão do trabalho está presente, e na qual a consciência coletiva ocupa um espaço já muito reduzido em face da consciência individual. Essas duas formas de solidariedade evoluem em razão inversa: enquanto uma progride, a outra se retrai, mas cada uma delas, a seu modo, cumpre a função de assegurar a coesão social nas sociedades simples ou complexas. Os indicadores dos tipos de solidariedade Dificuldade de análise da solidariedade social: Solidariedade social fenômeno moral não se presta à observação exata nem sobretudo à medida Vai estudar a solidariedade através do direito (fato exterior que a simboliza). solidariedade relações sociais interdependência normas jurídicas que determinam as relações. A vida geral da sociedade não pode estender-se num certo sentido sem que a vida jurídica para aí se estenda ao mesmo tempo e na mesma proporção. Pode-se assim encontrar refletida no direito todas as variedades essenciais da solidariedade social. Enquanto as sanções impostas pelo costume são difusas, as que se impõem através do Direito são organizadas e podem ser de dois tipos: 1. As repressivas — que infligem ao culpado uma dor, uma diminuição, uma privação; 2. As restitutórias — que fazem com que as coisas e relações perturbadas sejam restabelecidas a seu anterior estado, levando o culpado a reparar o dano causado. A maior ou menor presença de regras repressivas pode ser atestada através da fração ocupada pelo Direito Penal ou Repressivo no sistema jurídico da sociedade. 6 Aula auxiliar preparada por Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. Direito punitivo ou repressivo Naquelas sociedades onde as similitudes entre seus componentes é o principal traço, um comportamento desviante é punido por meio de ações que têm profundas raízes nos costumes. Todos os membros dessas coletividades participam da vingança contra aqueles que violaram algum sentimento fortemente compartido. A idéia é de que, sendo a consciência coletiva tão significativa e disseminada, feri-la representa uma violência que atinge a todos aqueles que se sentem parte dessa totalidade. A vingança é exercida contra o agressor na mesma intensidade em que a violação por ele perpetrada atingiu uma crença, uma tradição, uma prática coletiva, um mito ou qualquer outro componente mais ou menos essencial para a garantia da coesão daquela sociedade. Aqueles que ameaçaram ou abalaram a unidade do corpo social devem ser punidos a fim de que a coesão seja protegida. A punição é efetivada não apenas como castigo para quem se comportou de forma desviante, mas também como orientação para que as outras pessoas se comportem de forma adequada. Durkheim conclui, por conseguinte que, embora pareça paradoxal, “o castigo destina-se, sobretudo a influir sobre as pessoas honestas”. Durkheim chama a atenção para o fato de que o conteúdo das regras morais varia historicamente. Por isso, o homicídio constitui um ato odioso nos tempos de paz e não o é em tempo de guerra, porque não há nesse caso um preceito que o proíba. Direito restitutório, restitutivo ou cooperativo Numa sociedade onde já se desenvolveu uma divisão do trabalho, as tarefas específicas a certos setores já não são comuns a todos, e tampouco os sentimentos que seu descumprimento gera poderiam sê-lo. Aquele que é acusado de não cumprir um contrato não é humilhado, nem aviltado, nem revolta a opinião publica, que às vezes até desconhece as razões para sua condenação. Tais regras são estranhas ou atingem debilmente a consciência comum. Elas compõem o Direito Civil. Comercial, Processual, Administrativo e Constitucional. Esse segundo conjunto de regras é tão especializado que necessita criar a cada vez novos órgãos, exercendo-se através de funcionários específicos. Ao contrário do Direito Penal ou Repressivo, que corresponde ao “coração” da sociedade, o Direito Cooperativo e as sanções restitutivas que dele derivam aplicam-se a círculos especiais nas sociedades onde impera a divisão do trabalho social. Desse modo, eles sobrepujam a consciência coletiva. Quando ocorre urna perturbação nessas funções, o Direito Cooperativo contribui para o pronto restabelecimento do anterior estado de coisas, ainda que possa haver nele algumas relações sujeitas ao Direito Penal. A SOCIEDADE AGINDO SOBRE O INDIVÍDUO Na obra O Suicídio, Durkheim trata o suicídio como fato social contrariando as análises que indicavam ser este fenômeno causado por fatores individuais e que sua explicação seria de origem psicológica. Aula auxiliar preparada por Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 7 Durkheim examina estatísticas nacionais européias e, com base nelas, argumenta que a evolução do suicídio se dá por ondas de movimento que, embora variem de uma sociedade para outra, constituem taxas constantes durante longos períodos: são as “correntes suicidogêneas”. O emprego do método sociológico para o estudo do suicídio 1. Deve-se começar por uma definição objetiva de suicídio: “todo caso de morte que resulte direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima, sabedora de que devia produzir esse resultado”; 2. Deve-se passar a considerar o fato como social (como um fenômeno coletivo); 3. Deve-se recolher dados relativos a algumas sociedades para encontrar regularidades e construir urna taxa específica para cada uma delas para então proceder à análise; 4. Durkheim chegou a elaborar uma tipologia do suicídio. “Aqueles que buscaram explicar o suicídio a partir dia consideração de casos isolados não chegaram à sua causa geradora que é, segundo ele, exterior aos indivíduos. Assim, cada grupo social tem uma inclinação coletiva para o suicídio, e desta derivam as inclinações individuais. Tratam-se das correntes de egoísmo, de altruísmo ou de anomia que afligem a sociedade... com as tendências à melancolia langorosa, à renúncia ativa ou a fadiga exasperada que são as conseqüências das referidas correntes.” REFERÊNCIAS PARA APROFUNDAMENTO: ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993. BOUDON, Raymond, BOURRICAUD, François. Dicionário crítico de sociologia. São Paulo: Ática, 1993. DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores). DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores). DURKHEIM, Émile. Da divisão social do trabalho. São Paulo: Martins Fontes, s/d. DURKHEIM, Émile. O suicídio. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. DURKHEIM, Émile. Objetividade e identidade na análise da vida social. In: FORACCHI, Marialice Mencarini, MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. São Paulo: LTC, 1977. DUVIGNAUD, Jean. Durkheim. Lisboa: Edições 70, s/d. GALLIANO, A. Guilherme. Introdução à sociologia. São Paulo: Harbra, 1981. GIDDENS, Anthony, TURNER, Jonathan (Org). Teoria social hoje. São Paulo: Unesp, 1999. GIDDENS, Anthony. Sociologia: uma breve porém crítica introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. 3a ed. São Paulo: Ática, 1984. (Grandes Cientistas Sociais, 1). <http://classiques.uqac.ca/classiques/Durkheim_emile/durkheim.html>