PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EDUCAÇÃO PARA A
CIÊNCIA E O ENSINO DE MATEMÁTICA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE BIOLOGIA E O
DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CONCEITUAL
VANESSA DAIANA PEDRANCINI
MARINGÁ
2008
2
VANESSA DAIANA PEDRANCINI
A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE BIOLOGIA E O
DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CONCEITUAL
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Educação para a
Ciência e o Ensino de Matemática da
Universidade Estadual de Maringá como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profª.Drª. Maria Júlia Corazza-Nunes
Co-orientadora: Profª. Drª. Ana Lúcia Olivo Rosas Moreira
MARINGÁ
2008
3
VANESSA DAIANA PEDRANCINI
A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE BIOLOGIA E O
DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CONCEITUAL
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Educação para a
Ciência e o Ensino de Matemática da
Universidade Estadual de Maringá como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
Profª.Drª. Maria Júlia Corazza-Nunes
DBI/UEM - Orientadora
Profª. Drª. Ana Lúcia Olivo Rosas Moreira
DBI/UEM – Co-orientadora
Profº. Drº. Renato Eugênio da Silva Diniz
UNESP - Botucatu
Profª. Drª. Maria Terezinha Bellanda Galuch
DTP/UEM
4
Dedico este trabalho
Aos meus pais, Divina e Valdemar, as
minhas irmãs, Graziela e Franciele,
pelo incentivo, carinho e amor.
5
AGRADECIMENTOS
Sou grata a Deus, pela oportunidade de vida e por sempre ter iluminado meu caminho.
À minha orientadora, Maria Júlia Corazza-Nunes, meus sinceros agradecimentos, não apenas
pela sua orientação constante, mas também pela compreensão, incentivo e carinho que
demonstrou em todos os momentos desta pesquisa.
Aos meus familiares: mãe, pai e irmãs que sempre me incentivaram.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática, equipe
de professores e secretárias.
Aos alunos, à professora e à escola que aceitaram participar desta pesquisa, sem os quais a
realização deste trabalho não teria sido possível.
6
Aprender é a única coisa de
que a mente nunca se cansa,
nunca tem medo e nunca se
arrepende.
Leonardo da Vinci
7
SUMÁRIO
RESUMO.......................................................................................................................................10
ABSTRACT..................................................................................................................................11
INTRODUÇÃO............................................................................................................................12
1. APRENDIZAGEM DE CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICOCULTURAL..................................................................................................................................16
1.1
Introdução a Teoria Histórico-Cultural........................................................................17
1.2 Mediação
pedagógica:
a relação
entre
professor,
conhecimento
e
aluno.....................................................................................................................................21
1.3
O processo de formação de conceitos na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural...30
1.3.1. Estudos experimentais sobre o processo de formação de conceitos.................30
1.3.2. Conceitos científicos versus conceitos espontâneos.........................................46
1.4.
Contribuições atuais para a Prática Pedagógica de Biologia..................................49
2. A HEREDITARIEDADE NO DECORRER DOS TEMPOS: A HISTÓRIA DO
DESENVOLVIMENTO
DA
GENÉTICA
CLÁSSICA
E
MOLECULAR..............................................................................................................................54
2.1 Algumas teorias acerca da hereditariedade: contribuições dos antigos
gregos.....................................................................................................................................58
2.2
Hereditariedade da Idade Média à Ciência Moderna...................................................60
2.3
Gregor Mendel e as leis da hereditariedade.................................................................64
2.4
DNA: nosso material genético.....................................................................................68
8
3.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A COLETA DE DADOS..............85
3.1 Os primeiros passos: escolha da instituição de ensino e participantes da
pesquisa.................................................................................................................................85
3.2
A instituição escolar ....................................................................................................85
3.3 Participantes da pesquisa: professora e estudantes.......................................................87
3.4
Caracterização dos instrumentos utilizados para a coleta e análise de dados.............105
3.4.1. A fundamentação teórica: os primeiros encontros com a professora
participante.....................................................................................................106
3.4.2. Planejamento das ações discentes e docentes.................................................107
3.4.3. Execução, avaliação e re-planejamento das aulas organizadas......................109
3.4.4. Coleta e análise dos dados..............................................................................110
4.
A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
CONCEITUAL DOS ESTUDANTES EM RELAÇÃO AO MECANISMO DE
HEREDITARIEDADE:
ANÁLISE
E
DISCUSSÃO
DOS
DADOS...............................................................................................................................114
4.1. 1º Episódio de Ensino: Apresentação dos professores, alunos e conteúdo..............114
4.2. 2º Episódio de Ensino: Introdução a Genética - Conceitos prévios dos estudantes e
elaborações iniciais.......................................................................................................................120
4.3. 3º Episódio de Ensino: O que é hereditariedade?.....................................................129
4.4. 4º Episódio de Ensino: O mecanismo da hereditariedade no decorrer dos tempos..132
4.5. 5º Episódio de Ensino: Conceitos básicos de genética.............................................145
4.6. 6º Episódio de Ensino: 1ª lei de Mendel...................................................................161
4.7. 7º Episódio de Ensino: Conhecendo as elaborações iniciais dos estudantes............171
4.8. 8º Episódio de Ensino: Resolução de exercícios de genética...................................176
4.9. 9º Episódio de Ensino: Dominó de conceitos...........................................................180
9
4.10. 10º Episódio de Ensino: Simulando a transmissão das informações hereditárias....186
4.11. 11º Episódio de Ensino: Analisando o nível conceitual atingido pelos estudantes..190
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................192
6.
REFERÊNCIAS.................................................................................................................196
7.
ANEXOS.............................................................................................................................205
10
RESUMO
Estudos têm revelado que os principais motivos que dificultam a aprendizagem de conceitos e
processos biológicos residem em um ensino pautado na memorização e fragmentação de
conteúdos dissociados do cotidiano dos estudantes. Destas constatações originou-se a presente
pesquisa, que tem como objetivo analisar se a organização do ensino, pautada nas interações
verbais, na história da ciência e em atividades lúdicas, pode contribuir para a aprendizagem e o
desenvolvimento do pensamento conceitual dos estudantes em relação ao mecanismo da
hereditariedade nos seus aspectos clássicos e moleculares. Para a realização desta pesquisa,
inicialmente foram realizados estudos bibliográficos, destacando-se a Teoria Histórico-Cultural, a
Teoria da Atividade e a Teoria da Assimilação, formuladas, respectivamente, por Vygotsky,
Leontiev, Galperin e colaboradores, bem como as contribuições sobre a história da
hereditariedade apresentadas por vários autores citados na fundamentação teórica deste trabalho.
Por meio dessa fundamentação teórica, procedemos com o trabalho de campo da pesquisa, a qual
se baseou na organização e desenvolvimento de 30 aulas, em uma turma do 2º ano do Ensino
Médio noturno de um colégio público de um município do Noroeste do Paraná. As elaborações
dos conceitos feitas pelos estudantes constituíram a fonte de dados para a análise dessa
investigação e foram obtidas nos seus pronunciamentos gravados durante as interações
discursivas, nos textos elaborados e pelo seu desempenho nas atividades propostas, como jogos e
dramatizações. Na análise dessas elaborações, procuramos identificar as modalidades de
generalização do conceito, estabelecendo categorias baseadas nos estágios de desenvolvimento
dos conceitos em crianças, adolescentes e adultos estabelecidos por Vygotsky e colaboradores.
Apesar das diferenças encontradas entre os estudantes em relação aos estágios de formação de
conceito, uma evolução foi observada, de modo geral, quando comparamos as suas concepções
prévias iniciais àquelas descritas no último encontro em relação ao assunto trabalhado.
Palavras-chave: interações verbais; história da Ciência; atividades lúdicas; formação de
conceitos; hereditariedade.
11
ABSTRACT
Research has revealed that the main motifs that make learning of biological processes and
concepts difficult are due to learning foregrounded in memorization and content fragmentation
unlinked to the students’ daily life. Current research, the result of such statements, analyzes
whether an organization intended to teach, based on verbal interactions in the history of science
and in playful activities, may contribute towards learning and towards the development of
students’ conceptual thought with regard to the mechanism of heredity in its classical and
molecular aspects. First, bibliographical studies have been undertaken, especially in Historical
and Cultural theory, the Theory of Activity and the Theory of Assimilation, constructed
respectively by Vygotsky, Leontiev, Galperin and colleagues, coupled to the contributions on the
History of Heredity undertaken by several authors mentioned in the research’s theoretical section.
Based on such theoretical foregrounding, research developed by means of 30 lectures to a group
of adolescents of the second year of an evening high school of a government school in a
municipality in the northwestern part of the state of Paraná, Brazil. Concept elaboration by
students was the source of data for the investigation’s analysis and was obtained by statements
recorded of texts, during discursive interactions, and through the performance of suggested
activities such as games and drama. In the context of these elaborations, modalities of
generalizations of the concept were identified and categories were established based on the stages
of development of the concepts in children, adolescents and adults established by Vygotsky and
colleagues. In spite of the differences among students with regard to the stages of concept
formation, a certain development was detected when initial previous concepts and the latter
concepts described in the last meeting were compared.
Key words: verbal interactions; History of Science; game activities; concept formations;
heredity.
12
INTRODUÇÃO
Nestes primórdios do século XXI temos contemplado os resultados do crescente
desenvolvimento científico e tecnológico ocorrido ao longo dos tempos em que a ciência se tem
feito presente, disponibilizando uma torrente de informações e ocasionando mudanças na forma
de viver e compreender o mundo. À medida que este processo se intensifica, a importância da
educação científica se torna cada vez mais discutida na sociedade contemporânea. Diante deste
fato, a escola continua destacada como o referencial ímpar na apropriação de conhecimentos
científicos e na formação da consciência crítico-reflexiva dos sujeitos ante os desafios advindos
dos avanços da ciência e da tecnologia, e
É por meio dela, que as relações sócio-tecnológicas-culturais poderão se
configurar. Podemos dizer que a escola deveria ser um espaço sócio-cognitivocultural, numa sociedade pautada no favorecimento de oportunidades
significativas para todos seus educandos (MANECHINE; CALDEIRA, 2005, p.
29).
Sob esta consigna depreende-se que a universalização da Educação não ocorrerá apenas
com expansão das redes de ensino, mas, sobretudo, pelo estabelecimento de medidas que
assegurem a efetivação do papel da escola de garantir o acesso ao conhecimento sistematizado.
Tomando-se como referência o cenário educacional brasileiro compreendido entre as
décadas de 1970 e 1990, período caracterizado pela democratização do acesso à escola, pode-se
demarcar o início de um movimento de pesquisadores e educadores que, preocupados com o alto
índice de repetência e evasão escolar, passaram a buscar, nos referenciais de teorias
interacionistas, orientações para práticas pedagógicas capazes de superar as dificuldades de
aprendizagem existentes entre estudantes pertencentes a diferentes classes sociais.
Num primeiro momento, as teorias interacionistas construtivistas, que preconizam a
concepção de que o sujeito constrói o seu próprio conhecimento com base na sua ação sobre o
objeto, constituíram o principal recurso teórico para estudos, pesquisas e propostas curriculares
direcionados à melhoria do ensino das ciências. Os encaminhamentos metodológicos, ao defender
o mote “aprender a aprender”, passaram a valorizar o processo de conhecer em detrimento da
13
apropriação dos conhecimentos científicos e do ato de ensinar, sendo o professor reconhecido
“[...] como um profissional que, de modo intencional, deve promover determinados tipos de
experiência, em contato com os quais o aluno constrói seus próprios conceitos, de forma
significativa e a partir de suas concepções sobre a realidade” (FACCI, 2004, p. 123).
Dessa forma, a prática social inicial dos estudantes – isto é, suas idéias prévias,
interesses, necessidades, sua maneira peculiar de representar o mundo – ao invés de ser
investigada, conhecida em profundidade e usada como ponto de partida na aprendizagem de
conceitos científicos, passou a ser, por parte de muitos de nós, professores, mais respeitada do
que trabalhada (FONTANA, 2005). Os reflexos desse alijamento do ensino de conteúdos podem
ser observados no estado da escola pública nos dias atuais: “[...] professores mal-remunerados e
desestimulados, com formação e aperfeiçoamento insuficientes, escolas com mecanismos
artificiais de aprovação e avaliação, aumento crescente da violência e do descaso” (SANTOS,
2005, p.5).
As conseqüências da decadência do sistema educacional brasileiro puderam ser
comprovadas no desempenho dos estudantes da educação básica, na área de Ciências, no exame
de caráter internacional realizado em 2006 pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos
(PISA), no qual o Brasil ocupou a qüinquagésima segunda posição entre os 57 países
participantes (FAVARO, 2008).
Nesse contexto educacional, muitos pesquisadores e educadores, interessados em
resgatar o papel do professor e do ensino de conteúdos para a compreensão da realidade,
voltaram sua atenção para as teorias sociointeracionistas, entre as quais se destacou a Teoria
Histórico-Cultural. Esta foi sistematizada por psicólogos russos no início do século XX, com
destaque para Lev Semenovich Vygotsky, Alexander Romanovich Luria, Alexei Nikolaievich
Leontiev, P. Ya. Galperin, e divulgada no Brasil a partir da década de 1980.
As obras dos autores desta matriz teórica trouxeram grandes contribuições para a
compreensão do papel da escola e do professor em relação aos conteúdos e aos alunos,
encontrando-se nelas idéias sugestivas sobre o desenvolvimento e a aprendizagem humanas e a
14
relação entre pensamento e linguagem. Assim, são pilares dessa teoria os conceitos de: mediação
pedagógica, zona de desenvolvimento proximal, conceitos espontâneos e científicos.
Muitas pesquisas na área educacional, fundamentadas na Teoria Histórico-Cultural, têm
revelado o papel da mediação pedagógica no desenvolvimento do pensamento conceitual dos
estudantes, principalmente quando esta cria novas zonas de desenvolvimento proximal (ZDP) e
proporciona a formação de conhecimentos científicos, superando a visão dos processos de ensino
e aprendizagem da perspectiva tradicional de educação (DE LONGUI, 2000; FONTANA, 2005;
LORENCINI JR., 1995; MELO; LIRA; TEIXEIRA, 2005; MIRANDA, 2007; MORTIMER;
AGUIAR, 2005).
Este referencial teórico trouxe subsídios para estudos por nós realizados desde 2003
sobre a formação de conceitos, nos quais constatamos as dificuldades apresentadas pelos
estudantes que estavam finalizando o ensino básico em explicar o mecanismo da transmissão
hereditária, bem como suas limitações em utilizar tais conhecimentos para explicar os atuais
avanços biotecnológicos (PEDRANCINI et al., 2007).
Ancoradas na Teoria Histórico-Cultural, demos continuidade às investigações, avaliando
como o professor organiza e desenvolve sua prática pedagógica. Análises de episódios de ensino
nos revelaram que os principais motivos que dificultam a aprendizagem de conceitos e processos
biológicos residem em um ensino que desconhece as concepções prévias dos alunos, restringindo
sua ação à reprodução de conteúdos fragmentados, sem considerar os processos psicológicos
envolvidos na aprendizagem (CORAZZA-NUNES et al., 2006).
Destas constatações originou-se a presente pesquisa, que tem como objetivo analisar se a
organização de um ensino pautado nas interações verbais, na história da ciência e em atividades
lúdicas, pode possibilitar a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento conceitual dos
estudantes em relação ao mecanismo da hereditariedade, empregando conhecimentos da genética
clássica e molecular.
15
A presente dissertação, que sistematiza os resultados da nossa pesquisa, está constituída
por quatro capítulos. No 1º capítulo discutimos os pilares da Teoria Histórico-Cultural
introduzidos por Vygotsky, destacando-se os conceitos de mediação, zonas de desenvolvimento,
conceitos espontâneos e científicos, bem como a relação entre aprendizagem e desenvolvimento.
Encontram-se, também, nesse capítulo, os fundamentos teóricos da Teoria da Atividade de
Leontiev e da Teoria da assimilação de Galperin, colaboradores que deram continuidade aos
trabalhos de Vygotsky.
Ao reconhecer a importância do entendimento da ciência como fruto da construção
humana, no 2º capítulo demonstramos a trajetória das descobertas científicas referentes à
hereditariedade e ao material genético, desde a antiguidade até os dias atuais, enfatizando os
recentes avanços científicos e tecnológicos como transgênicos, clonagem e projeto genoma
humano.
No 3º capítulo apresentamos, inicialmente, a instituição de ensino, professora e alunos
participantes da pesquisa, seguindo-se a apresentação das metodologias escolhidas para a coleta e
análise de dados.
Para finalizar, no 4º capítulo apresentamos a análise e discussão dos dados obtidos na
organização de algumas aulas de biologia e sua aplicação em uma turma de 2º ano noturno de um
colégio da rede pública de ensino localizado em um município da Região Noroeste do Paraná.
Com base nesses dados, refletimos acerca das possibilidades e limites da organização do ensino
elaborada e desenvolvida na presente pesquisa.
1
1
Os autores, nos quais fundamentamos, utilizam várias formas de escrever o nome do psicólogo russo introdutor da
Teoria Histórico-Cultural, tais como: Vygotsky, Vigotski ou, ainda, Vygotski. No entanto, nessa dissertação,
adotaremos a grafia Vygotsky.
16
1.
APRENDIZAGEM
DE
CONCEITOS
NA
PERSPECTIVA
DA
TEORIA
HISTÓRICO-CULTURAL
A Teoria Histórico-Cultural, introduzida pelo psicólogo russo Lev Semenovich
Vygotsky (1896-1934) e consolidada por seus colaboradores e seguidores Lúria, Leontiev,
Davidov, Elkonin, Galperin, entre outros, ainda nas primeiras décadas do século passado,
apresenta idéias que superam a visão de homem, conhecimento, ensino e aprendizagem difundida
pela psicologia tradicional, trazendo subsídios para a inserção de uma pedagogia voltada ao
desenvolvimento humano. De acordo com Pino (2001, p.38), Vygotsky “[...] nos deixou alguns
pressupostos fundados no materialismo histórico e dialético que definem as grandes linhas
teóricas do que pode ser considerado um novo paradigma epistemológico”.
Os trabalhos de Vygotsky se destacam ao propor que o processo de aprendizagem é uma
prática social, isto é, que a aquisição de conhecimento emerge da ação mediatizada pelos outros,
por meio dos instrumentos e dos signos, grupo no qual a linguagem ocupa um lugar de destaque.
Além deste diferencial, o psicólogo russo também apresenta uma nova forma de
relacionar aprendizado e desenvolvimento. Para Vygotsky, como veremos mais adiante, a
aprendizagem é o agente desencadeador do desenvolvimento e, por isso mesmo, o antecede.
Em relação ao aprendizado de conceitos, Vygotsky também dá sua colaboração ao
analisar como ocorre o processo de formação de conceitos no sujeito e o desenvolvimento dos
conceitos científicos apresentados no ambiente escolar, diferenciando estes últimos dos conceitos
não científicos ou espontâneos, adquiridos nas experiências práticas dos indivíduos.
Com o intuito de compreender melhor esta abordagem teórica e sua colaboração para a
área da educação, assim como de aprimorar as reflexões sobre o objeto de estudo, neste primeiro
capítulo nos dedicamos a estudar os pilares da Teoria Histórico-Cultural, referentes à formação
de conceitos no indivíduo, mediação, níveis e zona de desenvolvimento, relação entre
17
aprendizagem, desenvolvimento e conceitos espontâneos e científicos, finalizando com teorias
desenvolvidas por Leontiev e Galperin, seguidores de Vygotsky.
1.1 Introdução à Teoria Histórico-Cultural
Os vários estudos direcionados à compreensão do desenvolvimento humano realizados
anteriormente a Vygotsky haviam considerado que este processo estava subordinado apenas às
leis biológicas, as quais deveriam ser determinadas geneticamente e assim transmitidas de
geração a geração.
Contrariamente a essas proposições, Vygotsky, ao explicar esta mesma questão, volta
sua atenção às leis sócio-históricas, ao considerar que as características estritamente humanas
foram originadas no decorrer da vida do homem em sociedade, destacando o fator social como
agente distintivo entre os homens e os outros animais. No entanto, é importante ressaltar, como
expresso por Leontiev (1978, p. 264), que nessas reflexões “[...] o homem não está evidentemente
subtraído ao campo de ação das leis biológicas”.
De acordo com esta perspectiva, fundamentada nas idéias de Engels e Marx, a
hominização de todo o organismo (cérebro, olhos, órgãos, mãos), as transformações fisiológicas e
morfológicas e o desenvolvimento da consciência humana têm sua origem no surgimento e na
evolução da atividade humana, o trabalho. É por meio de sua atividade que o homem transforma
o meio natural, social e cultural em que vive, transformando, consequentemente, a si mesmo
(LEONTIEV, 1978). Nesse contexto, o trabalho passa a ser uma atividade caracterizada como
“[...] social, instrumental e transformadora do real” (PINO, 2001, p. 38).
Segundo Leontiev (1978), no trabalho e pelo trabalho o homem transforma o meio que o
cerca para satisfazer suas necessidades, cria objetos, produz máquinas, constrói habitações,
confecciona roupas e outros artefatos. Portanto, “[...] o trabalho é um processo que liga o homem
à natureza, o processo de ação do homem sobre a natureza” (LEONTIEV, 1978, p. 74).
18
Não obstante, como ressalta Vygotsky (2007, p. 55), “[...] a alteração provocada pelo
homem sobre a natureza altera a própria natureza do homem”.
Além desta ação transformadora, o trabalho se caracteriza por ser uma atividade
subordinada ao fabrico e uso de ferramentas auxiliares, os quais podem ser classificados como
instrumentos e signos (VYGOTSKY, 2007). Os instrumentos – como o machado, os tratores e as
máquinas em geral, que ampliam a ação humana sobre a natureza - são empregados pelo homem
para alcançar determinado objetivo.
Os animais também utilizam instrumentos, do que é exemplo o emprego de varetas pelos
símios com o objetivo de alcançar determinado alimento; entretanto, como salienta Vygostky,
esta atividade é rudimentar, uma vez que, diferentemente do homem, os animais não produzem
instrumentos, não os guardam para necessidades futuras e, principalmente, não transmitem essa
nova conquista para os outros integrantes da espécie, muito menos para as gerações futuras.
Os signos, símbolos, linguagem escrita e, em especial, a linguagem verbal foram
utilizados pelos homens durante o processo de humanização, tornando-se valiosas ferramentas
para a comunicação entre seus semelhantes e para o desenvolvimento das capacidades superiores
estritamente humanas, como percepção, memória, abstração, generalização, atenção, entre outras.
A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado
problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc) é análoga
à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo
age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel
de um instrumento no trabalho (VIGOTSKI, 2007, p. 52).
O instrumento é construído pelo homem para ampliar as possibilidades de transformação
do meio ambiente, sendo um elemento utilizado na interposição entre o trabalho e o objeto de seu
trabalho. Cada instrumento inserido na sociedade, empregado pelos homens, possui uma história
de como foi criado, desenvolvido e transformado no decorrer dos anos. Por outro lado, os signos
são ferramentas psicológicas auxiliares, possuindo a função de ampliar as capacidades superiores
humanas, como, por exemplo, a memória (OLIVEIRA, 1997).
19
Não obstante, embora ambas as ferramentas apresentem particularidades, são, em parte,
análogas, uma vez que são os medidores entre os homens e o mundo que os cerca, isto é, a
“capacidade de lidar com representações que substituem o próprio real é que possibilita ao
homem libertar-se do espaço e tempo presentes, fazer relações mentais na ausência das próprias
coisas, imaginar, fazer planejamentos e ter intenções” (OLIVEIRA, 1997, p. 35).
Outro fator que caracteriza o trabalho é que este apenas se realiza e é efetuado em
coletividade, sendo um evento determinante para a concretização das relações sociais. O homem
“[...] no seio deste processo, não entra apenas numa relação determinada com a natureza, mas
com os outros homens” (LEONTIEV, 1978, p. 74).
Como ressalta, ainda, Leontiev, dessa atividade grupal surge, inevitavelmente, a divisão
do trabalho entre os diversos indivíduos envolvidos em certa atividade. Em uma caça coletiva,
por exemplo, alguns membros terão a função de assustar a presa em direção aos outros, que
espreitarão e apanharão o animal, o qual posteriormente será abatido pelos outros participantes.
Deste modo, à medida que o trabalho coletivo foi sendo constituído, a consciência humana,
concomitantemente, foi se desenvolvendo, uma vez que, para as atividades coletivas serem
concluídas, cada participante deveria ter a capacidade de refletir sobre a importância de sua ação
no resultado final (LEONTIEV, 1978).
Sobre este aspecto, Leontiev (1978) complementa:
A decomposição de uma ação supõe que o sujeito que age tem a possibilidade de
refletir psiquicamente a relação que existe entre o motivo objetivo da ação e o
seu objeto. Senão, a ação é impossível, é vazia de sentido para o sujeito. Assim,
se retomarmos o nosso exemplo do batedor, é evidente que a sua ação só é
possível desde que reflita as ligações que existem entre o resultado que ele goza
antecipadamente da ação que realiza pessoalmente e o resultado final do
processo da caçada completa, e por fim o seu consumo (LEONTIEV, 1978, 79).
Na busca pela sobrevivência, os homens encontraram no trabalho coletivo-social uma
alternativa. Dessa ação nasce sua consciência de que é necessário planejar as ações de cada
participante e também partilhar, dividir o trabalho; mas também é indispensável compreender,
refletir, abstrair o significado de cada ação individual na atividade coletiva. A partir de então, a
20
consciência humana originada no e pelo trabalho social se expande para outras situações, dando
subsídios para a formação do pensamento.
Dessa atividade humana – trabalho social-coletivo-intencional – nasce o conhecimento;
portanto, a apropriação do conhecimento pelos sujeitos é o resultado de sua ação e transformação
dos objetos e fenômenos presentes no meio social-cultural-histórico, uma vez que tudo que nos
rodeia tem um significado, o qual foi construído no decorrer dos tempos pelos homens. “O
instrumento [...] carrega consigo, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização
desenvolvido durante a história do trabalho coletivo” (OLIVEIRA, 1997, p. 29).
Por outro lado, esse conhecimento de nada valeria se não fosse também compartilhado
com os outros e socializado, assim como os instrumentos, os signos e os outros produtos das
atividades humanas.
Nesse contexto, as relações que o indivíduo estabelece com o meio que o cerca, pela
intercessão dos outros no decorrer da comunicação e por intermédio das ferramentas produzidas
pelos homens, tornam possível a apropriação dos conhecimentos consubstanciados nos objetos ou
nos fenômenos sociais.
Pino (2001), ao discutir a Teoria Histórico-Cultural, conclui que,
[...] diferentemente do que ocorre com os animais, os sinais que a criancinha
capta do mundo das coisas não são simples sinais físico-químicos; pela ação da
fala, primeiro dos outros e mais tarde dela, esses sinais carregam-se de
significação social e cultural (PINO, 2001, p. 43).
Todo ambiente humano está repleto de significações, porém estas não são dadas, nem
mesmo adquiridas pelo simples manuseio de objetos ou observação dos fenômenos, ao contrário
disto, são apropriadas. Só é possível ocorrer evolução da sociedade humana por meio da
transmissão dos conhecimentos historicamente produzidos às novas gerações.
Está fora de questão que a experiência individual de um homem, por mais rica
que seja, baste para produzir a formação de um pensamento lógico ou
21
matemático abstrato e sistemas conceituais correspondentes. Seria preciso não
uma vida, mas mil (LEONTIEV, 1978, p. 266).
Leontiev (1978, p. 274), sobre este aspecto, faz uma importante indagação: “Mas todos
têm acesso a estas aquisições?”. A resposta a esta pergunta, infelizmente, não é afirmativa. Esta
desigualdade não é devida estritamente às diferenças biológicas, mas, principalmente, ao fato dos
indivíduos pertencerem a diferentes classes sociais, de modo que os menos privilegiados,
geralmente, não têm igual acesso aos bens culturais. A desigualdade cultural entre os diversos
grupos humanos pode ser refletida por meio da seguinte ressalva de Leontiev (1978, p. 274 ):
Se um ser inteligente vindo de outro planeta visitasse a Terra e descrevesse as
aptidões físicas, mentais e estéticas, as qualidades morais e os traços do
comportamento de homens pertencentes às classes diferentes, dificilmente se
admitiria tratar-se de representantes de uma mesma espécie.
Refletindo sobre a importância do meio social e cultural no qual o sujeito está inserido,
Vygotsky e seus seguidores expandiram sua teoria à área educacional, visando à formação
integral dos indivíduos e, conseqüentemente, possibilitando que cada sujeito participe de
atividades coletivas desenvolvidas na sociedade.
Com o intuito de conhecer melhor a relevância do trabalho de Vygotsky para a área da
educação, o tema mediação pedagógica será o próximo conceito estudado.
1.2 Mediação pedagógica: a relação entre professor, conhecimento e aluno
Dentre os estudiosos “interacionistas”, Vygotsky se destaca ao ressaltar a influência do
meio cultural no processo do desenvolvimento humano. Ele vai além dos limites do plano
puramente biológico, ao explicar que a relação do homem com o meio que o cerca não é direta,
mas sim, mediada por instrumentos e signos, constituindo um ato complexo que supera os
dualismos organismo-meio, sujeito-objeto ou, ainda, estímulo-resposta (VIGOTSKI, 2007).
22
Mediação, em termos genéricos, é o processo de intervenção de um elemento
intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser
mediada por esse elemento. Quando um indivíduo aproxima sua mão da chama
de uma vela e a retira rapidamente ao sentir dor, está estabelecida uma relação
direta entre o calor da chama e a retirada da mão. Se, no entanto, o indivíduo
retirar a mão quando apenas sentir o calor e lembrar-se da dor sentida em outra
ocasião, a relação entre a chama da vela e a retirada da mão estará mediada pela
lembrança da experiência anterior. Se, em outro caso, o indivíduo retirar a mão
quando alguém lhe disser que pode se queimar, a relação estará mediada pela
intervenção dessa outra pessoa (OLIVEIRA, 1997, p. 26).
Apesar de na espécie humana existirem ambos os tipos de memória – memória direta
(memória natural) e memória indireta (mediada) –, a primeira é característica em povos iletrados,
ao contrário da memória mediada, a qual é mais comumente utilizada por indivíduos letrados
(VIGOTSKI, 2007). Além disto, nos primeiros meses de vida a criança apresenta uma relação
direta com os estímulos externos, porém esta relação é substituída pelas relações mediadas ao
longo do seu desenvolvimento (OLIVEIRA, 1997).
Outro fator que está diretamente relacionado com o desenvolvimento da memória
mediada é a produção de signos e instrumentos pelo homem, processo que ocorre no decorrer do
desenvolvimento social (VIGOTSKI, 2007).
Sobre este aspecto, o autor ainda explica que um comportamento elementar requer
apenas uma relação direta entre o organismo e a situação-problema, a qual é representada pela
simples fórmula estímulo→resposta (S→R). Contrariamente, em um mundo simbólico, a relação
entre o estímulo (S) e a resposta (R) é intermediada pelo(s) signo(s), constituindo uma nova
relação entre S e R. Para Vygotsky (2007, p. 33), esta complexa relação entre organismo (que
recebe o estímulo S), signo (X) e meio (onde o organismo efetua sua reação R) pode ser
representada pelo seguinte esquema:
S_ _ _ _ _ _ _ _ R
X
23
Vygotsky ressalta...
O uso de signos conduz os seres humanos a uma estrutura específica de
comportamento que se destaca do desenvolvimento biológico e cria novas
formas de processo psicológicos enraizados na cultura (VIGOTSKI, 2007, p.
34).
Nessa perspectiva, a apropriação do conhecimento não se dá, simplesmente, ao sujeito
ou ao objeto de conhecimento, nem mesmo pela relação que o sujeito estabelece com este objeto,
mas pela mediação social, do outro ou de um signo, que se assenta entre ambos: sujeito e objeto.
Para Elkonin, esta relação é, na verdade, “criança-objeto social”, uma vez que no objeto
não estão “escritos” sua origem, os procedimentos de ação com ele e os procedimentos de sua
reprodução (ELKONIN, 1987, p. 113).
A aprendizagem, então, é uma atividade social, e é no decorrer das interações
estabelecidas entre os sujeitos que as atividades mentais, práticas, culturais e simbólicas,
objetivadas no meio social, são apropriadas, tornando-se próprias dos indivíduos (VIGOTSKI,
2007). O autor esclarece ainda que “[...] todas as funções no desenvolvimento da criança
aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual, primeiro, entre
pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)” (VIGOTSKI,
2007, p. 57-58).
Portanto, o processo de aprendizagem acontece “de fora para dentro” (OLIVEIRA,
1997, p. 39). Primeiramente o indivíduo interpreta as ações, comportamentos, palavras e gestos
alheios realizados em um determinado meio sociocultural; em seguida os significados destas
ações, gestos e palavras são reconstruídos e começam a fazer parte dos processos psicológicos
internos deste indivíduo, transformando-se em instrumentos do seu pensamento.
Isto significa que o processo de apropriação do conhecimento, embora inerente a cada
indivíduo, é desencadeado, impulsionado e ampliado por meio da riqueza do meio social no qual
o indivíduo está inserido, bem como das relações estabelecidas com seus semelhantes.
24
Não obstante, este processo se encontra em contínua mudança, reinterpretação/
reinternalização, sendo o resultado de uma série de eventos:
O desenvolvimento, neste caso, como freqüentemente acontece, se dá não em
círculo, mas em espiral, passando por um mesmo ponto a cada nova revolução,
enquanto avança para um nível superior (VIGOTSKI, 2007, p. 56).
Neste aspecto, considerando os conhecimentos científicos sistematizados pela escola,
observamos que o aprendizado de um conceito não é um processo limitado, pois será reelaborado
tanto nos diferentes níveis de escolarização como por meio das interações entre os semelhantes
fora do ambiente escolar. “Dificilmente podemos dizer que a aprendizagem de um conceito está
concluída” (ZABALA, 1998, p. 204).
Além disto, a internalização não é um processo passivo, mas sim, um “palco de
negociações”, no qual cada indivíduo participa ativamente no seu meio social, bem como na sua
interação subjetiva – mediada pelo “mundo cultural” (OLIVEIRA, 1997, p.38).
Nesta perspectiva, os papéis do professor e dos alunos nos processos de ensino e
aprendizagem apresentam significativa diferença. Ao professor não basta transmitir, repassar
conteúdos para estudantes que se comportem como meros receptores passivos. A função do
professor é mediar, intervir, orientar, provocar, dar pistas, criar condições oportunas para o aluno
se apropriar de conceitos, transformá-los, reelaborar conceitos sistematizados, tornando-se sujeito
ativo no processo de apropriação do conhecimento.
Apesar de, na maioria das vezes, nos depararmos com um ensino pautado na
transmissão de conteúdos fragmentados e dissociados da vida cotidiana dos estudantes, exigindo
apenas a memorização de termos e palavras, esse método vem demonstrando sua deficiência na
promoção e no desenvolvimento do pensamento conceitual (CORAZZA-NUNES et al., 2006).
Os educadores não podem limitar-se à transmissão de um programa de conhecimentos
enciclopédicos temporariamente retidos pelos alunos, mas devem, em primeiro lugar, organizar e
gerenciar o fluxo contínuo de conhecimentos para que esses possam ser mobilizados na resolução
25
de problemas e entendimento de situações que fazem parte da realidade atual (GIORDAN e
VECCHI, 1996, p.11).
Ao escrever sobre a mediação pedagógica, Libâneo (1987) enfatiza...
[...] há um professor que intervém, não para se opor aos desejos e necessidades
ou à liberdade e autonomia do aluno, mas para ajudá-lo a ultrapassar suas
necessidades e criar outras, para ganhar autonomia, para ajudá-lo no seu esforço
de distinguir a verdade do erro, para ajudá-lo a compreender as realidades
sociais e sua própria experiência (LIBÂNEO, 1987, p. 44).
Desta forma, a relação entre professor, aluno e objeto de conhecimento se torna
essencial nos processos de ensino e aprendizagem, e o triângulo de Vygotsky para explicar a
mediação semiótica equivale, aqui, ao “triângulo pedagógico” utilizado por Gasparin (2003, p.
114) para ressaltar o papel mediador do docente.
ALUNO
Sujeito social do
conhecimento
científico
CONTEÚDO
Objeto social do
conhecimento
científico
PROFESSOR
Mediador social
do conhecimento
científico
O conhecimento científico sistematizado é mediado pelas ações docentes e discentes,
intencionalmente organizadas na sala de aula, e, principalmente, pelas interações estabelecidas
entre professor e aluno.
26
Nestas interações, a linguagem se apresenta como o principal sistema simbólico
utilizado pelos grupos humanos, e é por meio dela que os conhecimentos produzidos pela
humanidade são veiculados.
Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo
fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém.
Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda
palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra,
defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à
coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros.
Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu
interlocutor (BAKHTIN, 1990, p. 113).
Na escola, a interação discursiva, envolvendo os conceitos sistematizados,
gradativamente constrói “[...] um contexto argumentativo, que dialeticamente propicia a
elaboração de novas aproximações ao significado” (CANDELA, 1998, p.162). Portanto, quando
o aluno participa de um ambiente em que há diversidade de opiniões e argumentos, o pensamento
e o discurso individuais podem ser mais ricos, desde que o professor apresente aos alunos
situações-problema que os façam pensar, falar e agir.
Docente, alunos e conteúdos se relacionam na sala de aula através de um
riquíssimo conjunto de práticas não lingüísticas, porém, é sem dúvida a
linguagem natural o meio através do qual se produz a parte mais significativa do
processo de ensino-aprendizagem (GALAGOVSKY et al., 1998, p.317).
Não devemos nos esquecer, porém, como alerta Vygotsky (2007), de que o ensino só
tem sentido se for organizado de forma a promover a aprendizagem nos alunos e,
conseqüentemente, o desenvolvimento das capacidades psíquicas: memória, atenção, percepção e
raciocínio. O autor ainda ressalta que “o “bom aprendizado” é somente aquele que se adianta ao
desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2007, p. 102).
De acordo com a Teoria Histórico-Cultural, há dois níveis de desenvolvimento: o nível de
desenvolvimento real e nível de desenvolvimento potencial. No primeiro o indivíduo consegue
utilizar conceitos, resolver problemas de forma independente; já no nível potencial, os indivíduos
só completam a atividade com a orientação de pessoas mais capazes. Essa distância entre ambos
27
os níveis de desenvolvimento foi denominada por Vygotsky como zona de desenvolvimento
proximal (ZDP), e se refere ao caminho remanescente para atingir o desenvolvimento real.
[...] aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo
de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em
estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou
“flores” do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do desenvolvimento
(VIGOTSKI, 2007, p. 98).
Na prática pedagógica a implicação dessa concepção é imediata, pois o professor que
tem conhecimento sobre os conceitos já apreendidos pelo aluno e aqueles que ainda estão em
processo de desenvolvimento apresenta melhores condições de dirigir o ensino para etapas
intelectuais mais avançadas (OLIVEIRA, 1997).
Todo docente deveria iniciar os processos de ensino e aprendizagem tomando como
referência o que os estudantes já sabem, ou seja, o que já faz parte do seu nível de
desenvolvimento real, em direção aos processos ainda não amadurecidos, os quais se encontram
no nível de desenvolvimento potencial. Vale aqui ressaltar que o ensino que se volta apenas para
aprendizados já atingidos torna-se ineficaz.
Não obstante, como ressaltam Giordan e Vecchi (1996, p. 75), ainda tem sido pouco
considerado no ensino científico “o público ao qual se dirige” o ensino e sua “estrutura de
recepção”, isto é, suas concepções, interesses e o modo pelo qual aprende e, principalmente, suas
dificuldades.
Na verdade, o que o estudante não sabe fazer sem ajuda de outros é, muitas vezes, mais
indicativo do que suas capacidades já amadurecidas, pois “[...] aquilo que é zona de
desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo
que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã”
(VIGOTSKI, 2007, p. 98).
Diante disto, o erro cometido pelo aluno em sala de aula recebe novas significações,
tornando-se um valioso instrumento para o professor organizar os processos de ensino e
28
aprendizagem, ao possibilitar a compreensão de como cada estudante está utilizando ou
relacionando os diversos conceitos e como os emprega em situações-problema que extrapolam o
ambiente escolar. O erro, assim concebido, “[...] deixa de representar a ausência de
conhecimentos, a deficiência, a impossibilidade, a falta” (ESTEBAN, 2003, p. 21).
Quando desconhece a prática social inicial dos estudantes e os processos psicológicos
envolvidos no desenvolvimento do pensamento conceitual, o professor perde a oportunidade de
orientar e direcionar o ensino, de modo a possibilitar o desenvolvimento de novas ZDPs. O
ensino assentado apenas na reprodução de conteúdos fragmentados e dissociados do contexto
social e cultural dos alunos é infrutífero e, por isso mesmo, é facilmente esquecido (CORAZZANUNES et al., 2006). Conseqüentemente, mesmo após terem estudado em vários níveis de
complexidade temas como ambiente, constituição dos seres vivos e suas respectivas
classificações, metabolismo celular, entre outros, os estudantes continuam apresentando
dificuldades em pensar com esses conceitos, ou seja, não os generalizam.
Estudos têm demonstrado que alunos da etapa final da educação básica apresentam
dificuldades em compreender a composição química, a localização e função do material genético,
bem como em estabelecer relações entre DNA, RNA, cromossomos, genes e síntese de proteínas,
o que impossibilita a aprendizagem dos mecanismos de transmissão e expressão de características
hereditárias (PEDRANCINI et al., 2007).
Semelhantemente, estudos nacionais e internacionais revelaram que a maioria dos
estudantes do ensino médio apresenta uma idéia sincrética – portanto, pouco definida – sobre
célula, confundindo este conceito com os de átomo, molécula e tecido (BASTOS, 1992;
CABALLER; GIMÉNEZ, 1993; GIORDAN; VECCHI, 1996). Além disto, para muitos alunos a
relação entre seres vivos e células existe apenas nos seres humanos ou ainda, mamíferos e
invertebrados possuem uma única célula, caracterizando os vegetais como destituídos destas
(SILVEIRA, 2003).
Portanto, é necessário considerar que nos processos de ensino e aprendizagem “[...] os
conceitos científicos não são assimilados nem decorados pela criança [...] mas surgem e se
29
constituem por meio de uma imensa tensão de toda atividade de seu próprio pensamento”
(VIGOTSKI, 2001a, p. 260).
[...] um conceito é mais do que a soma de certos vínculos associativos formados
pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e
complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de simples
memorização [...] (VIGOTSKI, 2001a, p. 246).
Nesse cenário, os procedimentos estabelecidos intencionalmente na escola com vista à
promoção dos estudantes são intervenções necessárias à internalização de conhecimentos e,
principalmente, para o desenvolvimento do pensamento conceitual dos alunos.
O ato de aprender não se resume em repetir palavras e definições encontradas nos livros
didáticos ou utilizadas no discurso do professor, mas, ao contrário, é alcançado quando o
conhecimento científico estudado se torna instrumento do pensamento do estudante, ou seja,
quando este consegue falar do conceito, pensar com o conceito, abstrair o conceito e,
principalmente, generalizá-lo em variadas situações que extrapolam o ambiente escolar.
Ao ensinar ciência, ou qualquer outra matéria, não queremos que os alunos
simplesmente repitam as palavras como papagaios. Queremos que sejam capazes
de construir os significados essenciais com suas próprias palavras e em palavras
ligeiramente diferentes como requer a situação. As palavras fixas são inúteis, as
palavras devem transformar e serem flexíveis para cumprir as necessidades do
argumento, problema, uso, ou aplicação do momento (LEMKE, 1997, p.105).
Cabe então à escola promover um ensino que possibilite o desenvolvimento do
pensamento conceitual dos estudantes, capacitando-os à apropriação de conhecimentos
científicos com base nos quais possam tomar decisões conscientes e esclarecidas.
30
1.3 O processo de formação de conceitos na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural
1.3.1 Estudos experimentais sobre o processo de formação de conceitos
De acordo com Natadze, (1991, p.27), “a maior dificuldade para uma criança reside na
descoberta dos aspectos essenciais de um conceito e na compreensão da sua importância”,
principalmente quando “as imagens visuais correspondentes não coincidem com o conteúdo do
conceito, mas estão em contradição com ele”.
Com o intuito de elucidar esse fenômeno da ontogênese dos conceitos, inerente à espécie
humana, muitos estudos foram conduzidos no início do século passado por psicólogos alemães
como Ach, Rimat e Uznadze. Entretanto, embora extensamente estudada, a natureza psicológica
da formação de conceitos somente pôde ser melhor compreendida por meio dos experimentos
realizados por Vygotsky e colaboradores.
Em seu estudo, Vygotsky (2001a, 2001b) analisou como se processa a formação de
conceitos em crianças, adolescentes e adultos, comparando o desenvolvimento de conceitos
espontâneos e científicos. Nessas obras, denomina de científico todo conhecimento sistematizado
construído socialmente e apropriado em situações de ensino e aprendizagem na escola, resultando
no desenvolvimento das capacidades superiores, tais como atenção, memorização, abstração,
generalização, imaginação, entre outras. Contrariamente, conceitos espontâneos, para o autor,
referem-se àqueles elaborados em situações e ambientes informais, no decorrer das experiências
práticas e cotidianas dos indivíduos, por meio de suas percepções sensoriais.
Para investigar o processo de formação de conceitos, Vygotsky se baseou no método
denominado de dupla estimulação, formação de conceitos artificiais ou método de Sákharov,
uma vez que foi desenvolvido por L. S. Sákharov, um de seus colaboradores.
Esse método é composto por várias figuras geométricas de cores, formas, alturas e
tamanhos diferentes, identificadas, na parte inferior, por palavras artificiais. Os objetos utilizados
nessa pesquisa podem ser observados no quadro abaixo (FIGURA 1).
31
Figura 1: Método de Sákhavov (VIGOTSKI, 2001 apud MONTEIRO, 2006, p. 42)
* As iniciais representadas nas figuras designam as cores: amarelo (A), branco (B), marrom (M),
verde (V) e negro (N).
Cada uma dessas figuras é identificada por uma das quatro palavras artificiais CEV,
MUR, BIK e LAK, as quais significam, respectivamente, objetos estreitos e pequenos; largos e
pequenos; estreitos e grandes; largos e grandes, porém, sem sentido para os sujeitos
experimentais.
Esse método compreende as seguintes etapas:
-
Algumas figuras geométricas (como as representadas na Fig. 1), identificadas em
sua parte inferior por uma das palavras artificiais – LAK, BIK, MUR ou CEV–,
relacionadas com suas características externas, são disponibilizadas aos sujeitos da
pesquisa, os quais desconhecem os significados dessas palavras.
32
-
Outras figuras geométricas são apresentadas e é proposto ao sujeito que escolha as
que, em sua opinião, devem ser denominadas com as palavras LAK, BIK, MUR
ou CEV.
-
A cada tentativa do sujeito, o experimentador verifica a coerência ou não do
agrupamento realizado e, em caso de erro, mostra uma nova figura que possui o
mesmo nome da figura utilizada como amostra.
De acordo com Luria (1994, p.45-46), a vantagem desse método é que em cada nova
tentativa o sujeito é colocado “[...] diante da tarefa de lançar uma nova hipótese e se antes ele
escolhera um grupo de figuras semelhantes à primeira pela forma, agora ele seleciona um grupo
de outras figuras, semelhantes pela cor ou pelo tamanho”.
Esse procedimento possibilitou a Vygotsky e colaboradores observarem as hipóteses
formuladas pelo sujeito para realizar os agrupamentos e os significados que foi atribuindo às
palavras artificiais no decorrer do teste. Além disso, permitiu-lhes acompanhar a evolução do
pensamento conceitual dos sujeitos e realizar um estudo profundo e minucioso de como se
processa a formação de conceitos, em nível ontogenético, e o reconhecimento das funções
psíquicas envolvidas nesse processo.
Por meio desses estudos experimentais, aplicados em aproximadamente trezentas
pessoas, entre elas crianças, adolescentes e adultos, Vygotsky e seus colaboradores chegaram à
conclusão de que a formação de conceitos na mente humana está diretamente relacionada às
etapas de seu desenvolvimento e seguem uma lei genérica, segundo a qual...
[...] o desenvolvimento dos processos que finalmente culminam na formação dos
conceitos começa na fase mais precoce da infância, mas as funções intelectuais
que, numa combinação específica, constituem a base psicológica do processo de
formação de conceitos amadurecem, configuram-se e se desenvolvem somente
na puberdade (VIGOTSKI, 2001a, p. 167).
Levando-se em conta as diferentes formas de generalização e abstração, o processo de
formação de conceitos espontâneos e sua evolução em conceitos científicos, iniciado na infância
33
e concluído na fase adulta dos sujeitos, é constituído por três estágios, os quais Vygotsky (2001a)
denomina de sincrético ou amontoado de objetos, complexo e conceito.
Para o autor, a formação dos conceitos espontâneos na criança ocorre, principalmente,
nos dois primeiros estágios, ao contrário do conhecimento científico, o qual é elaborado apenas
no final do terceiro e último estágio, quando o indivíduo se encontra na adolescência.
O primeiro estágio de formação do conceito, que geralmente se manifesta entre crianças
de tenra idade, caracteriza-se pela elaboração de idéias, concepções ou formas elementares de
pensamento, que apresentam uma organização difusa e não direcionada do significado da palavra.
Nesta fase, é particularmente difícil para a criança assimilar as características essenciais de um
objeto, uma vez que ela só consegue estabelecer nexos vagos, baseados em relações subjetivas e
emocionais originadas de suas próprias impressões, as quais são confundidas com as
características dos objetos.
Entretanto, como observa Vygotsky (2001a), o estágio do sincretismo pode se apresentar
em três momentos distintos, no decorrer dos quais “os nexos que no início são estabelecidos por
tentativa e erro, passam a ser determinados por contigüidade no tempo ou no espaço, e depois,
por agrupamentos elaborados nos estágios mais primitivos” (NUÑEZ; PACHECO, 1997, p.16).
A primeira fase do sincretismo é caracterizada pela incapacidade da criança de
classificar ou categorizar o grupo de objetos utilizando qualquer princípio hipotético. Nessa fase
os objetos são reunidos casualmente pela criança em um mesmo grupo, por meio de algumas
provas, que são substituídas tão logo se verifique que estão erradas (VIGOTSKI, 2001a).
Na segunda fase de formação sincrética dos conceitos, “as leis puramente sincréticas da
percepção do campo visual e a organização da percepção da criança mais uma vez desempenham
um papel decisivo” (VIGOTSKI, 2001a, p. 177). As relações subjetivas originadas na percepção
dos indivíduos continuam essenciais para a caracterização de um amontoado de objetos que, ao
contrário da fase anterior, são agrupados e revestidos de um significado comum.
34
A terceira e última fase desse primeiro estágio de desenvolvimento dos conceitos se
refere a um momento muito importante de todo o processo: é a porta de entrada para um nível
intelectual mais elaborado. Sobre este período, Vygotsky (2001a, p. 177) observa que...
[...] é a fase em que a imagem sincrética, equivalente ao conceito forma-se em
uma base mais complexa e se apóia na atribuição de um único significado aos
representantes dos diferentes grupos, antes de mais nada daqueles unificados na
percepção da criança.
Nesse momento, a criança utiliza-se de suas impressões para estabelecer amontoados
sincréticos de objetos que anteriormente faziam parte de outros grupos incoerentes, apresentando
o que Vygotsky (2001a) denomina de elaboração biestadial, ou seja, uma dupla percepção de
vínculos. Entretanto, como característica desse estágio, os vários elementos integrantes de um
grupo formado ainda não apresentam qualquer relação entre si, constituindo o mesmo
agrupamento desconexo das fases anteriores.
O desenvolvimento dos conceitos por complexo, o segundo grande estágio desse
processo, apresenta, pela sua posição intermediária, características que se aproximam tanto da
etapa que lhe antecede como da que lhe sucede.
Nesse estágio de formação de conceitos, assim como no último, estão presentes o
estabelecimento de relações, a unificação, a generalização, a ordenação e a sistematização.
Entretanto, as funções intelectuais empregadas em cada nível de desenvolvimento apresentam
consideráveis diferenças. Nas palavras de Vygotsky (2001a, p. 180), “como um conceito, o
complexo é a generalização ou a unificação de objetos heterogêneos concretos. Mas o vínculo
através do qual se constrói essa generalização pode ser do tipo mais variado”.
Assim como no sincretismo, esse estágio conduz à formação de vínculos entre os
elementos, porém esses vínculos são estabelecidos com base em fatos objetivos, que realmente
existem entre tais elementos, e não em conexões puramente subjetivas, constituídas nas
impressões dos sujeitos (VIGOTSKI, 2001a).
35
Assim, esta etapa da ontogênese dos conceitos se caracteriza pela construção de
complexos, de grupos de objetos, com base na semelhança física ou funcional entre eles ou,
ainda, em qualquer outro vínculo factual entre tais objetos, os quais, muitas vezes, não
apresentam nada de comum entre si.
Um exemplo prático dessa etapa pode ser encontrado no trabalho de Luria (1994) sobre
a formação de conceitos, apresentado em sua obra Linguagem e Pensamento. Nessa investigação,
Luria, inicialmente, entregou às crianças figuras de objetos variados e lhes pediu que as
separassem, formando pequenos grupos ou categorias com as figuras dadas. Ao final do
experimento, Luria observou que as crianças de idade pré-escolar reuniram as diferentes figuras
de acordo com semelhanças externas, como a cor ou forma, por exemplo, ou utilizaram
características funcionais dos elementos. Destarte, os objetos “prato”, “faca”, “garfo”, “pão” e
“mesa” foram reunidos em um mesmo grupo, por possuírem funções relacionadas à refeição; ou
seja, essas crianças ainda se encontravam no estágio de complexos de formação de conceitos.
Em relação a esse estágio, as investigações de Vygotsky permitiram observar cinco fases
constituintes da formação conceitual por complexo, considerando as variações no grau de
generalização empregado pela criança.
A primeira fase de complexo, denominada tipo associativo, refere-se ao período em que
a criança se baseia em qualquer vínculo factual para agrupar as figuras geométricas. O
pensamento ainda se apresenta desordenado, pois “[...] a criança pode construir todo um
complexo, acrescentar ao objeto nuclear um outro que tenha a mesma cor, um outro que se
assemelhe ao núcleo pela forma, ao tamanho ou a qualquer outro atributo que eventualmente lhe
chame a atenção” (VIGOTSKI, 2001a, p. 182).
Posteriormente a essa fase de associação por complexo, o processo de formação de
conceitos evolui, caracterizando-se pela capacidade das crianças em combinar ou associar
diferentes objetos que se complementam em grupos especiais, com base em algum traço
concreto, constituindo um agrupamento que é totalmente heterogêneo, no qual, porém, os vários
36
objetos se intercompletam. Essa propriedade se assemelha à das coleções, motivo pelo qual esta
fase é denominada por Vygotsky (2001a) de complexo-coleção.
Segundo Vygotsky (2001a), a diferença essencial entre o complexo associativo e o
complexo-coleção é que o agrupamento realizado neste último não é constituído de exemplares
repetidos dos objetos que apresentam o mesmo indício.
Sobre este aspecto o autor complementa:
[...] se o complexo associativo se baseia na semelhança recorrente e obsessiva
entre os traços de determinados objetos, então a coleção se baseia em vínculos e
relações de objetos que são estabelecidos na experiência prática e efetiva e direta
da criança. Poderíamos afirmar que o complexo-coleção é uma generalização
dos objetos com base na sua co-participação em uma operação prática indivisa,
com base na sua cooperação funcional (VIGOTSKI, 2001a, p. 184).
Essa fase é longa e persiste durante boa parte do desenvolvimento da criança, pois está
muito presente na sua experiência diária, como, por exemplo, “[...] um conjunto para o almoço
formado por um garfo, uma colher, uma faca e um prato” (VIGOTSKI, 2001a, p. 184). Todavia,
não só as crianças que utilizam este tipo de complexo, ele também é, freqüentemente, encontrado
no discurso dos adultos (VIGOTSKI, 2001a).
A próxima fase do desenvolvimento do pensamento por complexo, denominada por
Vygotsky (2001a) de complexo em cadeia e, também, de conjunto seriado por Luria (1994),
apresenta-se como um importante momento para a ascensão ao processo de formação de
conceitos.
Quando as funções intelectuais da criança se encontram na fase de complexo em cadeia
os objetos são associados seguindo um determinado sentido e constituindo uma cadeia
conceitual; porém, quando se analisam as figuras geométricas que constituem essa cadeia, não é
possível observar uma relação significativa entre todos os objetos, uma vez que os traços
considerados para o agrupamento são alterados ao longo da formação do complexo.
37
Como exemplifica Luria (1994, p. 46), no complexo por cadeia, “[...] para uma pequena
pirâmide verde escolhe-se uma grande pirâmide azul (pelo traço de forma), para esta, um grande
cilindro azul (pelo traço de cor), escolhendo-se para o cilindro azul um pequeno cilindro amarelo
(pelo traço da forma), etc”.
A quarta fase do pensamento por complexo ou complexo difuso se caracteriza pelo
emprego de um traço difuso, indefinido, confuso, para agrupar os objetos. Nesta fase, a criança,
diante de uma amostra de objetos com várias formas geométricas, constitui um agrupamento
considerando não só os triângulos, por exemplo, mas, também, os trapézios, os quais lembram os
primeiros, e em seguida inclui os quadrados aos trapézios, os hexágonos aos quadrados, e assim
sucessivamente (VIGOTSKI, 2001a).
Não obstante, apesar de esta fase apresentar como característica essencial um
pensamento ainda, confuso, ela pode ser considerada uma grande evolução no processo de
formação de conceitos. Nas palavras de Vygotsky:
Sabemos que as aproximações inesperadas, freqüentemente inteligíveis ao
adulto, que saltos no pensamento, que generalizações arriscadas e que passagens
difusas a criança descobre freqüentemente quando começa a raciocinar ou
pensar além dos limites do seu mundinho direto e da sua experiência práticoeficaz (VIGOTSKI, 2001a, p. 189).
Para finalizar o segundo estágio por complexo do desenvolvimento dos conceitos, há,
ainda, a fase chamada de pseudoconceito. Este período é uma ponte transitória entre o
pensamento por complexo e pensamento por conceito, apresentando características de ambos os
estágios. As generalizações formadas pelas crianças nessa etapa, apesar de se assemelharem ao
conceito empregado por outros em níveis mais altos de elaboração, são diferentes do conceito
propriamente dito e se apóiam em operações intelectuais bem diferentes. “Em termos externos,
temos diante de nós um conceito, em termos internos, um complexo. Por isso, o denominamos
pseudoconceito” (VIGOTSKI, 2001a, p. 190).
Nessa fase, portanto, como observa Vygotsky (2001a) em seus experimentos, a criança
agrupa todos os triângulos em uma mesma amostra, porém, não com base no pensamento abstrato
38
do significado do conceito de triângulo, mas sim, com a utilização de vínculos diretos factuais e
concretos. Em outras palavras, a criança realiza associações características do estágio final da
formação de conceitos, mas o caminho para se chegar a esse resultado é inteiramente distinto
deste.
Sobre essa fase, Vygotsky acrescenta:
Encontrar o limite que separa o pseudoconceito do verdadeiro conceito é
sumamente difícil, quase inacessível à análise fenotípica puramente formal. A
julgar pela aparência, o pseudoconceito tem tanta semelhança com o verdadeiro
conceito quanto a baleia com um peixe. Mas se recorrermos à ‘origem das
espécies’ das formas intelectuais e animais, o pseudoconceito deve ser tão
indiscutivelmente relacionado ao pensamento por complexos quanto à baleia aos
mamíferos (VIGOTSKI, 2001a, p. 195).
Essa fase, ainda presente no plano dos conceitos espontâneos, constitui a forma de
pensamento mais disseminada entre crianças e adolescentes, e, além de representar um momento
muito importante para a formação de conceitos, permite a compreensão mútua e a comunicação
verbal entre os adultos – que pensam por conceitos – e crianças e adolescentes, que pensam por
complexos, os quais se entendem no diálogo, embora, as palavras não tenham os mesmos
significados para ambos. Um exemplo dessa fase pode ser observado no emprego da palavra
“cão” pela criança, adolescente e adulto, os quais, em um diálogo, se entendem e relacionam a
palavra a um mesmo referencial, mesmo que um utilize o pensamento por complexo concreto de
cão e o outro o significado abstrato desse termo (VIGOTSKI, 2001a).
O terceiro estágio de formação de conceitos, denominado de pensamento por conceito, o
qual só é estabelecido na adolescência, ocorre quando se forma o conceito propriamente dito, isto
é, quando o conceito se torna instrumento do pensamento do sujeito, permitindo a combinação, a
generalização, a discriminação, a abstração, o isolamento, a decomposição, a análise e a síntese,
funções fundamentais para a apropriação dos conceitos científicos e o desenvolvimento das
capacidades psíquicas superiores.
39
Somente os sujeitos que se encontram nessa fase de desenvolvimento conseguem
finalizar o jogo com sucesso, descobrindo e compreendendo o significado das palavras artificiais
(LAK, BIK, MUR, CEV). Não obstante, assim como nos estágios anteriores, este também
apresenta subestágios de desenvolvimento, sendo completado no decorrer de três fases.
Em um primeiro momento, o pensamento por conceito se aproxima muito do
pseudoconceito, passando pela fase de conceitos potenciais, caracterizada pela possibilidade de
se formarem os conceitos, os quais são internalizados na reta final “quando uma série de atributos
abstraídos torna a sintetizar-se, e quando a síntese abstrata assim obtida se torna a forma basilar
de pensamento com a qual a criança percebe e toma conhecimento da realidade que a cerca”
(VIGOTSKI, 2001a, p. 226).
Sobre o movimento do pensamento conceitual dos sujeitos, Vygotsky (2001a, p. 228)
ressalta:
[...] com o avanço da adolescência, as formas primitivas de pensamento –
sincréticas e por complexos – vão sendo gradualmente relegadas a segundo
plano, o emprego dos conceitos potenciais vai sendo cada vez mais raro e se
torna cada vez mais freqüente o uso dos verdadeiros conceitos, que no início
apareciam esporadicamente.
Além de estabelecer esses estágios constituintes do processo de formação de conceitos,
Vygotsky (2001a), por meio dos seus experimentos, pôde também demonstrar que é através do
dinamismo da linguagem que ocorre o direcionamento e o desenvolvimento das generalizações
da criança, respeitando-se, no entanto, a maturação natural de suas funções intelectuais. Portanto,
as crianças não criam uma linguagem, mas sim, assimilam as palavras prontas que são veiculadas
pelos adultos. Nas palavras de Vygotsky,
As vias de disseminação dos significados das palavras são dadas pelas pessoas
que a rodeiam no processo de comunicação verbal com ela. Mas a criança não
pode assimilar de imediato o modo de pensamento dos adultos, e recebe um
produto que é semelhante ao produto dos adultos porém obtido por intermédio
de operações intelectuais inteiramente diversas e elaborado por um método de
pensamento também muito diferente (VIGOTSKI, 2001a, p. 193).
40
Os estudos de Vygotsky sobre a formação de conceitos foram posteriormente ampliados
por seus colaborados, destacando-se os trabalhos de Luria, Leontiev, Galperin e Natadze.
Natadze (1991), em seu artigo Aprendizagem dos conceitos científicos na escola, trouxe
grandes contribuições ao entendimento da ontogênese ao repetir os experimentos realizados por
Vygotsky usando como referenciais conceitos verdadeiros, ao invés do método de Sákharov,
constituído por figuras geométricas e conceitos artificiais.
Para observar e estudar a formação e assimilação dos conceitos, Natadze (1991)
acompanhou esse processo em alunos do nível fundamental de ensino em relação a quatro
conceitos muito conhecidos pelas crianças antes mesmo de ingressarem na escola: mamífero,
peixe, ave e inseto.
O desenvolvimento da investigação de Natadze (1991) compreendeu quatro fases.
Na primeira fase, definições e características simplificadas foram fornecidas aos sujeitos
da pesquisa sobre os conceitos de mamífero, peixe, ave e inseto, por meio de figuras de animais
correspondentes aos quatro grupos estudados. Além disso, foram acrescentadas comparações,
principalmente entre mamífero e peixe e mamífero e ave.
Na segunda fase, a partir de uma série de desenhos de animais foi solicitado que os
alunos os classificassem como mamíferos, peixes, aves ou insetos, explicando o porquê de suas
escolhas. As explicações dos estudantes foram conduzidas por meio de questões, como, por
exemplo: “Por que pensa que isto é um peixe?; isto pode ser um mamífero?; por que não pode
ser?” (NATADZE, 1991, p. 29). Em caso de erros, o experimentador os corrigia.
Na terceira fase foram apresentados aos alunos desenhos e figuras de animais que,
levando-se em consideração seus aspectos externos, pareciam pertencer a determinado grupo,
porém, pela análise de suas características essenciais, pertenciam a outro grupo animal. Essa fase
pode ser explicada com o exemplo da comparação entre a baleia e os peixes: O fenótipo da baleia
41
é muito semelhante ao dos peixes, mas na sua essência, a baleia é um mamífero. Durante essa
atividade, perguntas-guia e explicações foram realizadas com o intuito de auxiliar as crianças.
Na quarta fase, por meio de um colóquio verificou-se se os sujeitos da pesquisa ainda se
deixavam influenciar pelas características externas dos animais ou se já consideravam suas
características essenciais ao classificá-los.
Ao final do experimento, Natadze (1991) verificou que cada faixa etária apresentou um
progresso característico, o que foi identificado também por Vygotsky em seus estudos sobre a
formação de conceitos (2001a).
As crianças entre sete e onze anos de idade, na sua grande maioria, apesar de terem
reconhecido as características essenciais de cada grupo animal e até identificarem seus
respectivos representantes típicos, demonstraram basear-se exclusivamente nos aspectos externos
dos animais, no momento de classificá-los. Nessa faixa etária, foi comum encontrar crianças que
incluíam a baleia no grupo dos peixes e o morcego no das aves, opinião que persistia em algumas
crianças mesmo após a intervenção do experimentador (NATADZE, 1991). Portanto, as funções
intelectuais dessas crianças ainda se encontravam no estágio de pensamento sincrético ou por
complexo, isto é, os conceitos espontâneos predominavam sobre os científicos.
Diferentemente, os adolescentes com idade entre doze e quinze anos demonstraram
encontrar-se nas fases finais do processo de formação de conceitos e estar caminhando para a
compreensão dos conceitos científicos de mamífero, peixe, aves e insetos. Esses resultados vão
ao encontro da reflexão de Vygotsky de que apenas na adolescência ocorre a maturação da base
psicológica necessária para a apropriação e elaboração de conceitos científicos.
Somando-se aos resultados de Vygotsky (2001a) e Natadze (1997), podemos também
mencionar os estudos de Luria na área de ontogênese, destacados na obra Curso de psicologia
geral, volume IV, de 1994.
42
Para o desenvolvimento de seus experimentos, Luria utilizou como sujeitos participantes
da pesquisa três grupos distintos em relação à faixa etária e ao grau de escolaridade: crianças de
nível pré-escolar, adultos com alto e baixo grau de escolaridade.
Utilizando-se do método de classificação livre, ou seja, da proposição de agrupar
diferentes figuras em categorias, Luria (1994) pôde concluir que tanto as crianças como os
adultos com baixo grau de escolaridade realizavam a tarefa de forma semelhante, agrupando as
figuras por meio de vínculos externos ou funcionais dos objetos. Por outro lado, os adultos
escolarizados incluíram os diferentes objetos em categorias abstratas.
Portanto, apesar de o processo de formação dos conceitos poder ser concluído no final
da adolescência, nem sempre os adultos conseguem chegar a este nível de generalização, uma vez
que o desenvolvimento do pensamento conceitual está diretamente relacionado ao ambiente
social e cultural em que o indivíduo está inserido. Sobre esta questão, Vygotsky complementa
que “os próprios conceitos do adolescente e do adulto, uma vez que sua aplicação se restringe ao
campo da experiência puramente cotidiana, freqüentemente não se colocam acima do nível de
pseudoconceitos” (VIGOTSKI, 2001, p. 229).
Em suas pesquisas, Vygotsky se dedicou ao estudo da função da linguagem como
elemento principal e determinante para a formação de conceitos e, conseqüentemente, para a
evolução do pensamento conceitual, mas não chegou a estendê-los ao papel das ações, das
soluções de tarefas, ou seja, das atividades práticas no desenvolvimento psíquico dos indivíduos.
Vygotsky, em sua análise do processo de formação de conceitos, não
potencializou em toda a dimensão a ação do sujeito, o que não lhe permitiu
esclarecer o sistema individual de conceitos como resultado da atividade
concreta do aluno, orientada para a realidade (objetos e fenômenos da realidade),
cujas características essenciais estão refletidas nos conceitos (NUÑEZ;
PACHECO, 1998, p. 95).
Após a morte de Vygotsky continuaram as investigações sobre a formação de conceitos,
além dos estudos de Luria, com as pesquisas desenvolvidas por Leontiev e Galperin, as quais
ressaltam que a organização de atividades específicas no ambiente escolar é necessária e
43
determinante no processo de formação e internalização de conceitos científicos. De acordo com
estes dois últimos autores, crianças de idade escolar podem chegar ao mais alto nível de abstração
e generalização dos conceitos antes mesmo da adolescência, dependendo das atividades
desenvolvidas na escola (NUÑEZ; PACHECO, 1997; 1998).
Os estudos realizados por Leontiev e colaboradores, sumarizados na Teoria da
Atividade, permitiram observar que a internalização de conceitos, indiscutivelmente, deve estar
intimamente relacionada a uma atividade, ou seja, as ações realizadas externamente são
transformadas em atividades da psique interna (NUÑEZ; PACHECO, 1998; VIGOTSKI;
LÚRIA; LEONTIEV, 2006).
Sobre sua teoria Leontiev ressalta:
Para aprender conceitos, generalizações, conhecimentos, a criança deve formar
ações mentais adequadas. Isso supõe que tais ações se organizem de modo ativo.
Inicialmente, assumem a forma de ações externas que os adultos formam nas
crianças, e só mais tarde é que se transformam em ações mentais internas
(LEONTIEV, 1991 apud NUÑEZ; PACHECO, p. 96).
As conclusões de Leontiev instigaram Galperin a estudar exaustivamente o processo de
transformar as ações externas em internas e a propor uma metodologia baseada na atividade
empregada como prática pedagógica para promover a assimilação dos conceitos científicos. Os
estudos de Galperin constituíram a Teoria da Assimilação.
Cada tipo de atividade é um sistema de ações unidas por um motivo que, em
conjunto, assegura o alcance do objetivo da atividade que se assimila. O
processo de assimilação do conceito é também o processo de sua aplicação em
forma de atividade. A qualidade dos conhecimentos é determinada pelo tipo de
atividade que se utiliza para sua assimilação (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 97).
Apoiando-se nos conhecimentos consolidados na Teoria Histórico-Cultural e em suas
investigações, Galperin e seus colaboradores demonstraram que os conceitos sistematizados são
assimilados facilmente pelos estudantes quando o ensino escolar é organizado com base em três
momentos fundamentais: etapa de formação da ação do plano material ou materializado, etapa de
44
formação da ação no plano da linguagem externa e etapa mental (MENCHINSKAIA, 1960;
NUÑEZ; PACHECO, 1997; 1998; REZENDE; VALDES, 2006).
De acordo com Galperin, a etapa de formação da ação do plano material ou
materializado consiste na realização de atividades, de ações, porém no plano externo,
considerando como ponto de partida o conhecimento a ser assimilado que é apresentado pelo
professor em forma de situação-problema (NUÑEZ; PACHECO, 1998; REZENDE; VALDES,
2006). Além disso, a forma inicial da ação pode ser material ou materializada. “Na forma
material, serve de objeto de estudo o mesmo objeto, enquanto na forma materializada, serve seu
substituto, o modelo, que contém os aspectos essenciais do objeto de assimilação” (NUÑES e
PACHECO, 1997; 1998).
Sobre essa etapa do processo de assimilação, Nuñez e Pacheco ressaltam:
Nessa etapa o aluno se relaciona com os próprios objetos e fenômenos, realiza
com eles ações manipulativas, externas (ações, operações). Distinguindo-as,
fixando-as e separando-as com a ajuda das palavras, consegue a transição para o
plano mental (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 104).
A importância dessa etapa, segundo Galperin, é o fato de possibilitar que os alunos
apliquem os conceitos estudados, e como conseqüência, promover reflexões e discussões
professor-alunos e aluno-aluno acerca do significado das palavras, abrindo caminhos para o
desenvolvimento da etapa seguinte, caracterizada por contemplar o nível verbal.
Na etapa de formação da ação no plano da linguagem externa, o segundo momento de
desenvolvimento da aula, o aluno deve realizar a mesma tarefa, porém de forma verbal ou de
forma escrita. Dessa maneira, a ação se transforma em uma ação teórica, constituída por palavras,
conceitos, termos, os quais passam a ser assimilados, elaborados e articulados no pensamento dos
alunos. Nesse momento, “A ação vai se transformando até atingir a lógica dos conceitos e,
portanto, começa a se generalizar” (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 106).
45
A forma mental constitui o final do caminho das transformações das ações externas em
internas e é alcançada à medida que a ação é automatizada e passa a ser realizada pelos alunos de
forma independente, isto é, a ação se converte em pensamento.
Portanto,
Um novo conceito se assimila só através do contato com os objetos cujo
conceito se forma, por ele, na direção do processo de formação de conceitos
organizados às ações que os alunos realizarão com os objetos orientados aos
atributos essenciais, oferecendo ao aluno os pontos de referência, mediante os
quais formará a imagem dos objetos (NUÑEZ; PACHECO, 1997, p.32).
Diante disso fica claro que o ensino voltado para o desenvolvimento da abstração,
generalização e formação de conhecimentos científicos não deve ser apenas direcionado para a
definição de conceitos e palavras, mas também para a ação, para a atividade ou aplicação,
procedimentos que exigem dos alunos que trabalhem com o significado dos conceitos e com as
características essenciais dos fenômenos.
As teorias da Atividade e da Assimilação se converteram em um recurso metodológico
muito importante para a organização de estratégias de ensino e da prática pedagógica, uma vez
que, ao proporcionarem ao aluno a estruturação consciente de uma ação, asseguram-lhes,
conseqüentemente, a aprendizagem dos conceitos científicos relacionados.
Como ressaltam Leontiev e Galperin, o ato de interiorização de conhecimentos e
conceitos – ou seja, as abstrações e generalizações – requer uma organização ativa das ações
mentais da criança, no decorrer da qual ocorre a transformação da atividade externa material em
atividade psíquica interna e vice-versa, formando conceitos móveis e ativos (apud NUÑEZ;
PACHECO, 1997; 1998).
46
1.3.2 Conceitos científicos versus conceitos espontâneos
Existem dois aspectos com os quais nos deparamos no estudo do desenvolvimento do
pensamento conceitual: os conceitos científicos e os conceitos não científicos ou espontâneos.
Estas categorias de conceitos foram estudadas por Vygotsky e fazem parte de pelos
menos duas de suas obras: A construção do pensamento e da linguagem (2001a) e Psicologia
Pedagógica (2001b).
Estas categorias de conceitos são também descritas por Luria (1994):
É natural que sejam totalmente distintos a estrutura dos dois tipos de conceito e
o sistema dos processos psicológicos que participam da formação deles: nos
conceitos “comuns” predominam as relações circunstanciais concretas, nos
“científicos”, as relações lógicas abstratas. Os conceitos “comuns” se formam
com a participação da atividade prática e da experiência figurado-direta, os
“científicos”, com a participação determinante das operações lógico-verbais
(LURIA, 1994, p. 39).
Como já comentado, os conceitos espontâneos e os científicos representam momentos
diferentes de um único processo de formação de conceitos, portanto apresentam algumas
particularidades. De acordo com Vygotsky (2001a; 2001b), os conceitos espontâneos percorrem
um caminho ascendente, ou seja, inicialmente, o indivíduo apenas possui o significado da
experiência prática de determinado conceito, não conseguindo explicá-lo verbalmente. Por outro
lado, a formação dos conceitos científicos ocorre no sentido descendente: o processo se inicia na
escola com a apresentação de conceitos sistematizados para sua posterior aplicação concreta e
generalização.
[...] o conceito espontâneo da criança se desenvolve de baixo para cima, das
propriedades mais elementares e inferiores às superiores, ao passo que os
conceitos científicos se desenvolvem de cima para baixo, das propriedades mais
complexas e superiores para as mais elementares (VIGOTSKI, 2001a, p. 346).
O autor complementa: “[...] se lá a criança caminha do objeto para o conceito, aqui é
forçada a fazer o caminho inverso do conceito ao objeto” (VIGOTSKI, 2001a, p. 348).
47
Esta proposição pode ser melhor compreendida mediante os exemplos utilizados por
Vygotsky (2001a) acerca dos conceitos de irmão e de lei de Arquimedes para uma criança. Como
nos explica o psicólogo russo, a criança, apesar de já ter uma grande experiência cotidiana e
prática do conceito de irmão, possui dificuldades em resolver problemas abstratos que envolvam
este conceito. Por outro lado, a criança facilmente consegue definir e relacionar os vários
conceitos científicos sobre a lei de Arquimedes, aprendidos em situações de ensino, mas não
consegue aplicá-los de imediato no seu dia-a-dia. Portanto, “[...] o conceito científico da criança
revela a sua fraqueza justamente no campo em que o conceito de “irmão” se revela forte” e viceversa (VIGOTSKI, 2001a, p. 346).
Não obstante, apesar de o conceito científico apresentar um caminho oposto ao do
espontâneo, seus desenvolvimentos estão intimamente relacionados, de forma que um se encontra
subordinado ao outro, apresentando uma relação indissociável.
[...] independentemente de falarmos do desenvolvimento dos conceitos
espontâneos ou científicos, trata-se do desenvolvimento de um processo único
de formação de conceitos, que se realiza sob diferentes condições internas e
externas mas continua indiviso por sua natureza e não se constitui da luta, do
conflito e do antagonismo entre duas formas de pensamento que desde o início
se excluem (VIGOTSKI, 2001a, p.261).
Para Vygotsky (2001b), a aquisição integral do conceito científico ocorre somente
quando o conceito espontâneo tiver atingido determinado estágio de desenvolvimento. Este
evento pode ser observado no estudo de uma língua estrangeira, pois para iniciar o estudo de
outro idioma, o conhecimento da língua materna é fator indispensável. Na verdade, “[...] o
conhecimento da língua materna deve atingir determinado nível para que seja possível estudar
conscientemente uma língua estrangeira” (VIGOTSKY, 2001b, p.542).
Em contrapartida, como Vygotsky nos lembra, a evolução dos conceitos espontâneos
também possui uma relação de dependência com os científicos. Observa-se que a aprendizagem
de uma língua estrangeira, por exemplo, irá influenciar o idioma materno, desencadeando a
formação de uma consciência mais ampliada, abstrata e rica de significados.
48
Isso significa que a formação de conceitos não é pontual, mas se caracteriza por ocorrer
após um longo processo de ensino intencionalmente organizado:
Quando uma palavra nova, ligada a um determinado significado, é aprendida
pela criança, o seu desenvolvimento está apenas começando; no início ela é uma
generalização do tipo mais elementar que, à medida que a criança se desenvolve,
é substituída por generalizações de um tipo cada vez mais elevado, culminando
o processo na formação de verdadeiros conceitos (VIGOTSKI, 2001a, 246).
No ensino escolar, apesar de o professor ter um valioso instrumento em suas mãos ao
conhecer os conceitos espontâneos que os estudantes trazem para a escola, estes, na maioria das
vezes, não são investigados em sua profundidade durante os processos de ensino e aprendizagem.
Ao contrário do que muitos educadores pensam, os alunos, por meio de suas experiências
cotidianas, constroem proposições para explicar os fenômenos naturais, chegando à escola com
uma gama de conhecimentos, hipóteses e teorias sobre o mundo que os cerca.
Neste contexto, vale ressaltar as palavras de Giordan e Vecchi (1996, p. 75):
Um aprendente não é em absoluto uma bolsa vazia que se pode “encher com
conhecimentos” e, menos ainda, um objeto de cera que conserva na memória as
marcas moldadas nele [...]. Preferimos [...] a idéia de um organismo ator [...] que
constrói ao longo de sua história social, em contato com o ensino, muito mais
ainda, através de todas as informações mediatizadas e das experiências da vida
diária, uma estrutura conceptual na qual se inserem e se organizam os
conhecimentos apropriados e as operações mentais dominadas. Essa montagem
é, ao mesmo tempo, uma estrutura de recepção que permite assimilar ou não as
novas informações e uma ferramenta a partir da qual cada um determina suas
condutas e negocia suas ações.
Na área de ensino, está se tornando consenso que os conhecimentos espontâneos dos
alunos devem constituir o ponto de partida de todo o processo educativo, o substrato através do
qual o professor deve organizar e preparar os conteúdos e as atividades didáticas (GASPARIN,
2003; MORTIMER; SCOTT, 2002; GIORDAN; VECCHI, 1996).
A experiência pedagógica nos ensina que o ensino direto de conceitos sempre se
mostra impossível e pedagogicamente estéril. Um professor que envereda por
este caminho costuma não conseguir senão uma assimilação vazia de palavras,
um verbalismo puro e simples que estimula e imita a existência dos respectivos
49
conceitos na criança, mas na prática, esconde o vazio (VIGOTSKI, 2001a, p.
247).
Entretanto, os conceitos prévios ou espontâneos, na maioria das vezes, distanciam-se dos
conhecimentos científicos, comportando-se como barreiras à aprendizagem desses conhecimentos
(BASTOS, 1998; BIZZO; KAWASAKI, 1999; CABALLER; GIMÉNEZ, 1993). Desta forma,
mesmo após estudar um conceito científico em vários níveis de complexidade, em situaçõesproblema do dia-a-dia ou, até mesmo na sala de aula, os conceitos espontâneos são empregados e
os científicos, esquecidos.
Bizzo e Kawasaki (1999) e Bachelard (1996) alertam que as idéias espontâneas dos
alunos podem ser utilizadas como ponto de partida para o aprendizado do saber científico, mas,
para isso, devem ser entendidas com profundidade e consistência, para então serem confrontadas
com o saber científico nas atividades didáticas planejadas e desenvolvidas.
Para Bastos (1998, p. 23), por outro lado, o conflito entre os conceitos espontâneos e os
científicos, isto é, a promoção de mudanças conceituais, “[...] pode não ter papel algum na
elaboração de conhecimentos cientificamente corretos [...]”, pois um mesmo aluno pode explicar
um conceito de várias maneiras sem estar incorreto. Nesta perspectiva, o papel da escola passa a
ser o de esclarecer, discutir quais explicações são mais apropriadas a determinados contextos.
Destarte, como podemos observar, a formação de conceitos científicos nos estudantes
envolve um longo processo de desenvolvimento e depende de um ensino adequadamente
orientado, organizado e sistematizado.
1.4. Contribuições atuais para a Prática Pedagógica de Biologia
Nos anos recentes, os resultados e reflexões de muitas pesquisas da área de Educação,
nacionais e internacionais, têm contribuído para a melhoria do ensino das ciências naturais.
Muitas dessas pesquisas investigaram a formação de conceitos entre estudantes dos vários níveis
50
de ensino nas áreas de Física, Química e Biologia (BASTOS, 1992; CABALLER; GIMÉNEZ,
1993; GIORDAN; VECCHI, 1996; SILVEIRA, 2003; PEDRANCINI et al.; 2007); outras
voltaram-se para o desenvolvimento de metodologias, enfocando as interações verbais em sala de
aula (DE LONGUI, 2000; LORENCINI JR, 1995; MELO; LIRA; TEIXEIRA, 2005;
MIRANDA, 2007; MORTIMER; AGUIAR, 2005), as atividades lúdicas e modelos pedagógicos
como recursos para os processos de ensino e aprendizagem (JUSTINA, 2001) e a inclusão da
História da Ciência nos vários níveis de ensino das disciplinas científicas (BASTOS, 1992;
CARNEIRO; GASTAL, 2005; GASPARIN, 2003; GEBARA, 2005; GIORDAN; VECCHI,
1996).
Considerando os conhecimentos obtidos por Vygotsky em relação ao papel central da
linguagem no desenvolvimento humano, Mortimer e Aguiar (2005), realizaram pesquisas de
campo por meio da quais puderam analisar os vários tipos de discursos que podem ser efetuados
em uma sala de aula. Essas pesquisas permitiram aos autores observar que as interações verbais
entre professor-aluno e aluno-aluno são essenciais para os processos de ensino e aprendizagem,
apesar de envolverem um grande grau de complexidade.
O trabalho de Lorencini (1995), semelhantemente, vem destacar a importância do
discurso verbal, das situações-problema e, principalmente, dos questionamentos desencadeados
pelo professor na sala de aula na elaboração e desenvolvimento conceitual dos estudantes.
Nas palavras de Lorencini (1995)...
Os alunos precisam de oportunidades para discutir não só com o professor, mas
também entre eles próprios, expondo seus pensamentos, seus pontos de vista,
suas tentativas de análise. Cabe ao professor proporcionar aos alunos tais
oportunidades de tomar decisões, examinar e agir de acordo com suas decisões
(LORENCINI, 1995, p. 106).
Entretanto, para este autor, dentre as várias modalidades de interações verbais que
podem ser efetuadas em uma sala de aula, a utilização de perguntas é um dos mais eficazes
recursos pedagógicos (LORENCINI, 1995). Por meio desse recurso, o professor poderá
acompanhar o processo mental dos estudantes, suas dificuldades e superações, bem como,
51
possibilitar o equilíbrio da relação professor-aluno, maior interação entre os sujeitos da pesquisa
e uma participação mais ativa dos estudantes nas aulas e atividades propostas (LORENCINI,
1995).
Ao dar continuidade aos estudos de Lorencini, a pesquisa realizada por Melo, Lira e
Teixeira (2005) também trazem soluções e reflexões para a prática pedagógica organizada e
desenvolvida com base em perguntas, principalmente. Como enfatizam esses autores... “[...] a
função central das perguntas elaboradas pela professora é nortear os alunos para o aprendizado de
conteúdos conceituais, através do uso de perguntas estimuladoras ou incentivadoras, e
reforçadoras, verificadoras ou esclarecedoras” (MELO; LIRA; TEIXEIRA, 2005, p. 9).
Sobre esse mesmo aspecto, os estudos de De Longui (2000) são esclarecedores. De
acordo com essa autora, o professor, quando assume o papel de regulador do diálogo, atua na
estruturação da elaboração dos estudantes, pois “[...] a interação que provoca faz circular as
mensagens e enfrenta argumentações que derivam dos significados pessoais e sociais (DE
LONGUI, 2000, p. 215.)”.
Em relação a esse mesmo aspecto, interações entre professor-aluno e aluno-aluno, as
pesquisas realizadas por Miranda (2007) também trazem contribuições. Do mesmo modo como
destaca Vygotsky, essa autora ressalta que a mediação pedagógica, um dos pilares da Teoria
Histórico-Cultural, não se esgota nas relações entre professor e aluno ou entre alunos, mas inclui
a relação entre os conceitos internalizados. Dessa forma, a aprendizagem de conceitos é o
resultado das interações realizadas em sala de aula entre os sujeitos, juntamente com a
organização sistemática e intencional dos temas de estudo (MIRANDA, 2007).
Esse fato, somado aos resultados obtidos em sua pesquisa, permitiu-lhe “[...]
compreender que a organização do ensino de conceitos científicos se constitui num grande
desafio para a escola contemporânea [...]” (MIRANDA, 2007, p. 164).
Considerando esta reflexão, Justina (2001) realizou uma pesquisa direcionada às
atividades que podem ser desenvolvidas na sala de aula para minimizar os problemas dos
52
processos de ensino e aprendizagem. De acordo com essa autora, a utilização de atividades
lúdicas e modelos didático-pedagógicos facilita o desenvolvimento cognitivo dos estudantes,
possibilitando a compreensão de conceitos e processos biológicos e constituindo-se como recurso
pedagógico necessário ao ensino.
Sobre, ainda, a questão de recursos auxiliares nos processos de ensino e aprendizagem, a
inclusão da perspectiva histórica da ciência nos diversos níveis da educação básica têm sido,
também, constantemente, defendida por muitos pesquisadores da área de ensino de ciências em
artigos, livros e em propostas curriculares (BASTOS, 1992; CARNEIRO; GASTAL, 2005;
GASPARIN, 2003; GEBARA, 2005; GIORDAN; VECCHI 1996; PARANÁ, 2006; 2007). De
acordo com esses autores, a utilização da história da ciência do ensino pode proporcionar aos
estudantes: um melhor entendimento da origem do conhecimento científico; uma compreensão
mais significativa das teorias e conceitos que explicam os fenômenos naturais; a formação da
concepção de ciência como algo dinâmico e mutável, entre outros fatores.
Por meio desse panorama apresentado acerca de algumas das várias pesquisas que vêm
sendo desenvolvidas nessa área de estudo, podemos perceber o crescente reconhecimento das
vantagens de uma prática pedagógica pautada nas interações verbais entre professores e alunos,
bem como do emprego da perspectiva histórica de ciências e de atividades lúdicas na organização
do ensino.
Como se pode ver, nosso trabalho tem sido influenciado por pesquisadores – como os
que apresentamos aqui – que têm estudado as interações nas aulas de biologia e o
desenvolvimento de novos significados por meio de expressões que vão além dos aspectos
verbais.
Além disso, no momento de organizarmos o ensino de Biologia, uma das etapas do
desenvolvimento dessa pesquisa, não só consideramos o aspecto conceitual dos conteúdos
trabalhados, mas também o social, o cultural e, principalmente, o histórico no que se refere ao
mecanismo da hereditariedade nos seus aspectos clássicos e moleculares.
53
Diante disso, o objetivo do próximo capítulo é demonstrar a trajetória das descobertas
científicas referentes à hereditariedade e ao material genético – DNA –, desde a Antigüidade até a
contemporaneidade, destacando os atuais avanços biotecnológicos.
54
2. A HEREDITARIEDADE NO DECORRER DOS TEMPOS: A HISTÓRIA DO
DESENVOLVIMENTO DA GENÉTICA CLÁSSICA E MOLECULAR
Atualmente, a Genética e a Biologia Molecular são alguns dos ramos da Biologia que
têm se destacado e desenvolvido na esfera científica e biotecnológica, gerando muitos avanços,
tais como: transgenia, mapeamento e seqüenciamento de genes e genomas.
Estes avanços vêm contribuindo significativamente em áreas necessárias à sobrevivência
humana, como a produção de alimentos, controle de patógenos e pragas na agricultura,
otimização de diagnóstico e medidas terapêuticas de doenças, produção de medicamentos,
hormônios e vacinas (BORÉM; SANTOS, 2001).
Por outro lado, o avanço da ciência e da biotecnologia tem afetado a vida das pessoas,
gerando muitas discussões sobre seus impactos e implicações de ordem religiosa, ética, política,
social e filosófica. Devemos ou não produzir organismos transgênicos? A utilização de plantas
transgênicas pode originar o aparecimento de superpragas ou o aprimoramento da técnica pode
garantir que no futuro não faltem alimentos para a imensa população humana? Os homens têm
direito de brincar de Deus por meio da técnica de clonagem? Têm o direito de decidir quando a
vida se inicia? A clonagem e a utilização de células-tronco na terapia vêm prometendo várias
vantagens na área da saúde, porém, quem serão os beneficiados com o desenvolvimento destas
tecnologias? Até que ponto é vantajoso o desenvolvimento e a utilização do exame de DNA ou
exames genéticos? Muitos criminosos estão sendo descobertos e presos por meio da medicina
forense, baseada em testes de DNA. Não obstante, aplicações de outra ordem nos assustam:
seguradoras ou agências de emprego poderão exigir exames genéticos para verificar a
predisposição a doenças genéticas?
Nesse contexto, cabe aqui indagar: Será que a população se encontra preparada para
participar dos debates e discussões envolvendo tais temas? Segundo Leite (2000), a população,
em geral, encontra-se cientificamente despreparada para participar, de modo crítico e
democrático, em debates sobre os avanços biotecnológicos. O autor complementa:
55
[...] é mínima a condição do público brasileiro participar, de maneira informada
e democrática, de um debate como o dos alimentos transgênicos, ou das
implicações da pesquisa genômica [...] esse estado de coisas cria uma obrigação
para todos os autores do processo, fornecer informação compreensível,
qualificada e contextualizada sobre as biotecnologias, da engenharia genética à
transgenia, da genômica à eugenia (LEITE, 2000, p.45).
Esta assertiva ressalta o momento paradoxal em que vivemos: de um lado, a ciência e a
tecnologia têm apresentado um desenvolvimento singular; de outro lado, o analfabetismo
científico se consolida entre a população, comportando-se como uma barreira à compreensão dos
atuais avanços biotecnológicos.
Este quadro é fruto de múltiplos fatores. Além dos destacados no primeiro capítulo deste
trabalho, consideramos também o ensino ahistórico das ciências em geral e da Biologia em
particular que se assentou nas práticas pedagógicas das escolas, colégios e universidades, no qual
a Ciência é tomada como uma verdade absoluta, portanto, inquestionável.
A apresentação da ciência é absolutamente a-histórica. Sem referência a seu
processo de criação e muito menos ao contexto em que foi criada. E, o que é
pior, na tentativa de suprir esta lacuna passa uma visão da História da Ciência
como se fosse, como já dizíamos, um armazém, um depósito onde guardam as
vidas dos cientistas, seus feitos e suas obras (PRETTO, 1985, p. 77)
O emprego da histórica da Ciência nos vários níveis de escolaridade tem sido
considerado uma ferramenta fundamental no confronto e superação das idéias alternativas
apresentadas pelos estudantes e, conseqüentemente, na formação de sujeitos cientificamente
alfabetizados e críticos (BASTOS, 1992; CARNEIRO; GASTAL, 2005; GASPARIN, 2003;
GEBARA, 2005; GIORDAN; VECCHI, 1996; JUSTINA, 2001; PARANÁ, 2006; 2007).
Sobre este aspecto, Giordan e Vecchi (1996) ressaltam:
Embora hoje em dia não seja mais permitido pensar que a apropriação do saber
pelos estudantes retome os caminhos do desenvolvimento da ciência [...] a
história das idéias nos fornece alguns elementos que permitem entender a
complexidade dos fenômenos; ela põe em evidência uma série de parâmetros
pertinentes que exercem um papel importante na elaboração dos conhecimentos
(GIORDAN; VECCHI, 1996, p. 149).
56
Segundo Gasparin (2003), ao trabalhar certo conteúdo científico, torna-se necessário
apresentar aos alunos as múltiplas faces desse conhecimento: sua origem; contexto social no qual
foi desenvolvido; rupturas, reelaborações, reincorporações, permanências e avanços sofridos, pois
“[...] para aprender com maior precisão a realidade de hoje, através dos conteúdos escolares, fazse necessário dominá-los e atualizá-los em todas as dimensões que respondem aos desafios do
tempo presente” (GASPARIN, 2003, p. 46).
Entendemos que a inclusão da dimensão histórica da Ciência nas aulas de Biologia traz
muitas vantagens, facilitando principalmente o aprendizado dos estudantes, por meio da
apresentação de como determinado conhecimento foi produzido no decorrer dos tempos, por quê
e para quê ele foi conduzido e quais cientistas/pesquisadores estiveram envolvidos – ou seja, a
compreensão do contexto social em que foram produzidos.
Além disto, há necessidade de os estudantes interpretarem a Ciência como uma
construção coletiva, desenvolvida por diversos grupos de pesquisadores em determinado contexto
histórico, social, político, cultural e religioso, com o intuito de compreender melhor os
fenômenos naturais e os processos biológicos, característicos dos diferentes seres vivos,
modificando a realidade e o meio que nos cerca.
[...] o aluno que teve acesso aos questionamentos e às evidências que têm
direcionado os raciocínios dos cientistas reúne melhores condições de construir
conhecimentos cientificamente aceitáveis (BASTOS, 1992, p. 66).
Para Gebara (2005), são vários os pontos favoráveis à inclusão da história da Ciência no
ensino de Ciências, entre os quais se destacam uma melhor compreensão dos conceitos
científicos e a revelação de que a Ciência é mutável, dinâmica, e não estática e absolutamente
correta.
A Ciência é uma atividade humana complexa, histórica e coletivamente construída, que
influencia e sofre influências de questões sociais, culturais, éticas, tecnológicas e políticas.
Analisar o passado da ciência e daqueles que a construíram significa identificar as diferentes
57
formas de pensar sobre a natureza nos diversos momentos históricos (ANDERY et al., 2004;
KNELLER, 1980).
Sobre este aspecto, Gasparin (2003), com base nos ensinamentos de Vygotsky, ressalta...
[...] o conhecimento [...] resulta do trabalho humano no processo histórico de
transformação do mundo e da sociedade, através da reflexão sobre esse
processo. O conhecimento, portanto, como fato histórico e social supõe sempre
continuidades, rupturas, reelaborações, reincorporações, permanências e avanços
[...] (GASPARIN, 2003, p. 4-5).
Destarte, munido de informações sobre como um conceito foi construído, o aluno terá
maior facilidade de compreender seu significado, o qual é resultado de um contexto cultural e
social de determinados períodos históricos da existência humana, não sendo formulado
propositalmente, mas de acordo com as necessidades de cada época em que foi elaborado e
reelaborado, como exemplificado por Vygotsky no que se refere às palavras luná e mêssiatz:
[...] As palavras luná e mêssiatz em russo designam o mesmo referente (lua),
mas o designam por diferentes modos, que marcam a história da evolução de
cada palavra. [...] A palavra luná tem sua origem ligada à palavra latina, e
designa “caprichoso”, “inconstante”, “fantasista”. A intenção óbvia desse termo
era enfatizar a forma mutável da lua que a distinguisse dos outros corpos
celestes. Já a palavra mêssiatz tem seu significado vinculado ao significado
medidor. Quem chamou a lua de mêssiatz quis referi-la, mas destacando outra
característica: a de que é possível medir o tempo medindo as fases da lua
(VIGOTSKI, 2001a, p. 211).
Tendo em vista a importância do estudo da história da ciência, bem como o tema
abarcado pelas nossas pesquisas “Mecanismo da hereditariedade, localização, estrutura e função
do material genético”, o desenrolar histórico das descobertas relacionadas a este assunto será
nosso próximo tema de discussão. Este breve histórico foi elaborado por meio de uma revisão das
obras de Chassot (1994), Borém e Del Giúdice (2000), Papavero (2000), Henig (2001), Silver
(2003) e Watson e Berry (2005) no relato histórico acerca da Antigüidade; de Strathern (2001),
Silver (2003), Oliveira et al. (2004) e Aranha (2006) nas descrições sobre o desenvolvimento
científico ocorrido durante o período da Idade Média à ciência Moderna; de Henig (2001), Leite
(2005) e Watson e Berry (2005) no relato acerca dos trabalhos de Mendel; de Lewis (1998),
Strathern (2001), Ferreira (2003), Griffiths et al. (2002), Silver (2003), Oliveira et al. (2004),
58
Prazeres (2006) e Watson e Berry (2005) no histórico sobre a descoberta da estrutura da molécula
do DNA; de Suzuki (2000), Henig (2001), Keller (2002), Vieira (2004) e Watson e Berry (2005)
para descrever os avanços científicos que procederam à elucidação da estrutura da molécula do
ácido desoxirribonucléico (DNA), o material genético dos seres vivos.
2.1 Algumas teorias acerca da hereditariedade: contribuições dos antigos gregos
Os recentes avanços biotecnológicos, resultantes da engenharia genética, foram
desencadeados após a elucidação da estrutura da molécula de DNA, proposta por James Watson e
Francis Crick, em 1953. Sobre isso, os autores Aluízio Borém e Marcos Paiva Del Giúdice
(2000), dizem o seguinte: “Como a descoberta do elétron, em 1897, foi um evento que marcou o
século XX, as primeiras sementes para o próximo século foram plantadas em 1953, quando
James Watson e Francis Crick descobriram como os ácidos desoxirribonucléico formam a
molécula de DNA. Este evento foi o resultado de séculos de pesquisas e especulações,
envolvendo muitos de pesquisadores em todo o mundo.
Vale ressaltar as palavras de Silver (2003):
A ciência se constrói sobre si própria. A descoberta da estrutura dos genes teria
sido impossível sem a descoberta dos raios X, que permitiu que a estrutura
molecular geral da molécula do DNA fosse decifrada. Também foi
absolutamente indispensável o conhecimento químico que permitiu que a
estrutura das bases e dos outros componentes da molécula do DNA fosse
determinada. Praticamente todo cientista que olhar para sua pesquisa poderá
definir uma linha indispensável de descobertas, indo até os séculos dezessete ou
dezoito, senão ainda mais para trás. A hélice dupla deve muito a Lavoisier
(SILVER, 2003, p. 439-440).
Diante disto, conclui-se que os estudos envolvendo a natureza do material genético não
se resumem à descoberta de Watson e Crick sobre a estrutura do DNA, nem mesmo a
compreensão dos mecanismos da hereditariedade se resume aos trabalhos de Mendel, embora
essas descobertas tenham acelerado o progresso da Biologia.
59
Apesar de a genética ser considerada um ramo da Biologia estritamente novo, o interesse
em compreender o processo de transmissão das características hereditárias sempre esteve
presente nas mais antigas civilizações, principalmente na antiga Grécia, levando o homem, por
meio de sua curiosidade e especulação, a formular hipóteses e construir teorias. Em relação a este
aspecto, Papavero (2000, p.79) diz: “os pré-socráticos e os contemporâneos de Sócrates também
se preocuparam em levantar conjecturas sobre a hereditariedade”.
Nossos antepassados devem ter começado a se indagar sobre os mecanismos da
hereditariedade tão logo a evolução os dotou com cérebros capazes de formular
o tipo certo de pergunta. Um princípio que salta aos olhos – parentes próximos
tendem a ser parecidos entre si [...] (WATSON; BERRY, 2005, p. 17).
Ainda na Antigüidade, ao perceberem as semelhanças e diferenças entre os homens,
filósofos e médicos gregos formularam algumas hipóteses para explicar os mecanismos da
transmissão das características hereditárias de geração para geração.
Alcmeão de Crótona, que viveu na Grécia por volta de 500 a.C., acreditava que o sêmen
de ambos os progenitores era formado no cérebro e que a preponderância de um dos pais em
relação à quantidade e à qualidade do sêmen determinava as características e o sexo do bebê.
Segundo Empédocles de Acragas (490-432 a.C.), o sexo dos bebês era determinado pela
temperatura do útero materno: útero quente resultava em homens, útero frio, em mulheres.
Anaxágoras de Clazomene (500-428 a.C.) postulava que somente o macho contribuía com sêmen
e que este possuía um protótipo em miniatura de cada órgão ou parte do corpo do futuro
indivíduo, enquanto que à mulher restava apenas gerar e nutrir este ser pré-formado. Já para
Demócrito (470-380 a.C.), os semens de ambos os pais continham átomos, derivados de todas as
partes do corpo, que se combinavam ao acaso constituindo o novo ser. Outro filósofo grego,
chamado Parmênides (544-450 a.C.), propôs a “teoria do direito e esquerdo”, segundo a qual o
lado do corpo onde o sêmen era produzido, bem como o lado do corpo no qual o bebê era gerado,
influenciava diretamente no sexo e nas características somáticas da criança: o lado direito era
notavelmente masculino e o lado esquerdo era feminino.
[...] se o sêmen produzido predominantemente pelo lado direito do pai
penetrasse no útero materno, resultaria um filho com características somáticas
do pai; se o sêmen produzido pelo lado esquerdo do pai penetrasse no útero
60
materno, resultaria também um filho, mas com caracteres somáticos da mãe
(PAPAVERO, 2000, p. 81).
Dentre os escritos da Grécia antiga, as hipóteses de Hipócrates (460 – 370 a.C.) e
Aristóteles (384-322 a. C.) sobre a hereditariedade foram as mais aceitas e propagadas pelas
pessoas e muitos estudiosos da Idade Média ao século XIX.
De acordo com a Pangênese, hipótese de Hipócrates, cada órgão ou parte do corpo
produziria partículas hereditárias, denominadas de gêmulas, que migrariam para o sêmen do
macho e da fêmea por meio do sangue e posteriormente seriam transmitidas para a descendência.
“Como o sêmen provém de todas as partes do corpo, partículas sadias virão de partes sadias, e
partículas malsãs de partes malsãs” (PAPAVERO, 2000, p. 84). Esta hipótese para a
hereditariedade persistiu por muitos séculos, sendo utilizada até mesmo por Darwin, em 1868, em
seu livro Variação em animais e plantas e a domesticação (HENIG, 2001).
Aristóteles (384-322 a.C.), ao explicar os mecanismos da hereditariedade, considerou
que o macho era responsável pela forma (eidos) e a mãe, pela matéria ou substância constituinte
da progênie, a qual seria moldada pelo eidos do sêmen masculino. Além disso, Aristóteles
questionava a teoria da Pangênese, uma vez que esta teoria não explicava como uma pessoa
herdava características presentes nos avós, mas ausentes nos pais, bem como a impossibilidade de
tecidos mortos e de as características comportamentais dos seres vivos produzirem partículas.
2.2 A Hereditariedade da Idade Média à Ciência moderna
A Idade Média, compreendida entre a queda do Império Romano (476) à tomada de
Constantinopla pelos turcos (1453), recebeu dos renascentistas as denominações de “a grande
noite de mil anos” ou “idade das trevas”, ao se referirem a um período intelectualmente obscuro,
estagnado pelo catolicismo. A cultura medieval é, na verdade, bastante heterogênea, sendo
considerada por Aranha (2006, p.101) “[...] um amálgama de elementos greco-romanos,
61
germânicos e cristãos, sem nos esquecermos das civilizações de Bizâncio e do Islã, que
fecundaram de forma brilhante a primeira fase da idade média”.
No Ocidente, no entanto, após as invasões bárbaras, o clero passou a constituir,
juntamente com a nobreza, a classe dominante da sociedade feudal. Com a posse da herança
cultural greco-latina, resguardada em seus mosteiros, a Igreja passou a exercer influência não
apenas na educação, mas também nos princípios morais, intelectuais, políticos e jurídicos.
Durante este longo período, “[...] os mosteiros assumiram o monopólio da ciência” (ARANHA,
2006, p. 106), reinterpretando-a à luz do cristianismo. A filosofia cristã explicava os processos e
fenômenos naturais, inclusive a hereditariedade, atribuindo-os, exclusivamente, a Deus.
Esta influência divina sofrida pela Ciência está intimamente relacionada ao fato de a
Bíblia ter sido traduzida na Idade Média. Segue abaixo a concepção de hereditariedade descrita
na Bíblia:
Tomou então Jacó varas de álamo, de aveleira e de plátamo, e lhes removeu a
casca em riscas abertas, deixando aparecer a brancura das varas. As quais, assim
escorchadas, pós ele em frente do rebanho, nos canais de água e nos bebedouros,
aonde os rebanhos vinham para dessedentar-se, e conceberam quando vinham a
beber. E concebia o rebanho diante das varas, e as ovelhas davam listadas,
salpicadas e malhadas (Gênesis 30, 37-39).
Do trecho, retirado do capítulo 30, podemos concluir que Jacó acreditava que se suas
cabras e ovelhas se acasalassem diante de varas com tiras de casca removida suas crias nasceriam
malhadas, listadas e salpicadas (STRATHERN, 2001). Nas palavras de Strathern (2001, p.9),
“[...] Jacó tinha um método para assegurar que suas ovelhas e cabras dessem crias manchadas e
pintadas [...]”.
A Renascença, período compreendido entre os séculos XV e XVI, caracterizou-se pelo
esforço de superar o teocentrismo e promover o retorno dos valores greco-romanos, enfatizandose as concepções antropocêntricas, humanistas (ARANHA, 2006). A partir desse período
62
sucederam-se importantes descobertas científicas, como as relacionadas aos elementos químicos,
os quais contribuíram para a elucidação dos mecanismos da hereditariedade, apesar de nessa
época ainda prevalecerem idéias estabelecidas desde a Antiguidade e conservadas até o final do
século XIX, como, por exemplo, a crença de que o sangue era o portador e o veículo das
informações hereditárias de pais para filhos.
Os primeiros estudos sobre a hereditariedade, assim como o desenvolvimento da
Biologia, só foram possíveis por meio da invenção e aperfeiçoamento do microscópio. Um dos
pioneiros na construção do microscópio foi o holandês Antony van Leeuwenhoek (1632-1723),
que, por meio de apenas uma lente de amplificação máxima de 500 vezes, pôde observar
pequeninos seres vivos, os quais foram denominados de microorganismos. Com o mesmo
instrumento, van Leeuwenhoek e seu assistente, Johann Ham, descobriram que o sêmen expelido
pelos machos no ato sexual continha milhares de “pequenos animais”, os quais foram chamados
de espermatozóides (SILVER, 2003, p. 388). Estes estudiosos deduziram que essas estruturas
poderiam estar relacionadas com o desenvolvimento e o nascimento de um novo ser. Entretanto,
esta hipótese foi confirmada apenas em meados do século XIX.
As observações dos espermatozóides por Antony van Leewenhoek, juntamente com os
trabalhos de Jan Swammerdam (1637-1680), contribuíram para a difusão da teoria pré-formista,
segundo a qual os espermatozóides e os óvulos continham no seu interior formas humanas em
miniatura (homúnculos), bastando crescer para se desenvolverem em adultos. Embora esta teoria
pudesse ser facilmente refutada por muitos eventos conhecidos, como, por exemplo, o
nascimento de um menino mulato de pai branco e mãe negra, ou vice-versa, muitos
pesquisadores dos séculos XVII e XVIII eram pré-formistas pertencentes a uma das duas
correntes. Alguns, chamados de oovistas, acreditavam que o homúnculo estava no óvulo e que o
espermatozóide do pai apenas continha nutrientes que auxiliavam no desenvolvimento do novo
ser. Contrariamente, os espermistas acreditavam que o espermatozóide carregava o homúnculo,
contendo o óvulo substâncias para nutrir esse ser.
63
Ao mesmo tempo, o holandês Graaf, em 1672, dissecando fêmeas de várias espécies de
mamíferos, descobriu que na época da reprodução apareciam pequenos inchaços na superfície de
seus ovários, confirmando a importância da fêmea na reprodução.
Em meados no século XVII, na Inglaterra, Robert Hooke (1635–1703) se empenhou na
construção de microscópios mais elaborados. Os microscópios produzidos por Hooke eram
constituídos de duas lentes e permitiam observar certas estruturas por meio da análise de pedaços
de cortiça, as quais foram denominadas de célula, devido à semelhança entre as cavidades em seu
interior com celas de uma prisão. Na verdade, pelo fato de a cortiça, material de análise de
Hooke, ser um tecido de células mortas, o pesquisador observou apenas a parede celular e o
espaço anteriormente ocupado pelo protoplasma.
François-Vicent Raspail (1794-1878) deu continuidade aos trabalhos de Hooke,
afirmando que as células animais e vegetais constituíam os tecidos celulares e, além disto,
observou que a membrana que determinava o limite da célula era responsável por selecionar as
substâncias que entravam e saíam dela.
O contínuo aperfeiçoamento do microscópio proporcionou outras descobertas, e em
1830 o botânico escocês Robert Brown descobriu a existência do núcleo da célula. Entretanto,
foram os biólogos Theodor Schwann (1810-1882) e Matthias Jakob Schleiden (1804-1881) que
revolucionaram a Biologia com a Teoria Celular. A partir de então, a célula, estrutura envolvida
por uma membrana e contendo núcleo, foi considerada a unidade morfofisiológica de todos os
seres vivos. Além disso, Schwann e Schleiden consideraram que o núcleo era uma importante
região da célula. Como observam Oliveira et al. (2004, p. A4), “Era a primeira vez que se
oferecia um caminho para explicar a completa estrutura dos seres vivos a partir das propriedades
físico-químicas da matéria”.
Na seqüência, muitos outros estudos acerca da célula foram desencadeados. Estas
descobertas, juntamente com outras, abriram o caminho para a elucidação dos mecanismos da
hereditariedade, bem como da estrutura do DNA; e, apesar das várias hipóteses formuladas desde
64
a Antiguidade, apenas em meados do séc. XIX é que foram elaboradas explicações plausíveis
acerca da transmissão das informações hereditárias, por um monge chamado Gregor Mendel.
2.3 Gregor Mendel e as leis da hereditariedade
Em 1822, na província austríaca de Silésia, na cidade de Heinzendor, nasceu Johann
Mendel (nome de batismo de Gregor Mendel). Ele e as duas irmãs, Veronika e Thersia, moravam
com os pais em uma fazenda nos arredores de Heizendorf.
Mendel trabalhou com o pai durante alguns anos, mas bem cedo percebeu que não tinha
aptidão para o trabalho do campo. Diante disso, aos 11 anos de idade saiu de casa para estudar no
Ginásio em Troppou e, por meio de aulas particulares, auxiliava seus pais com os gastos, uma vez
que sua família não possuía condições de pagar as taxas escolares.
Após formar-se no ginásio, Mendel matriculou-se no Instituto Filosófico da
Universidade De Olmütz, no qual estudou filosofia, matemática, história, latim, religião e história
natural. Era o período preparatório e obrigatório para o ingresso na universidade. Mas as
dificuldades não diminuíram. Em Olmütz o idioma oficial era o Tcheco, língua que Mendel não
dominava muito, conseqüentemente, a atuação como professor particular ficou comprometida,
conseguindo apenas alguns poucos alunos. Mendel somente conseguiu concluir os estudos graças
a sua irmã Theresia, que lhe doou sua parte da herança (HENIG, 2001).
Sem recursos para dar continuidade aos seus estudos, Mendel aceitou a recomendação
do professor Friedrich Franz, do Instituto de Filosofia, para ingressar na vida religiosa. Esta era a
única alternativa de muitos jovens pobres que sonhavam ter uma formação universitária. Na
verdade, nesse período, a ciência encontrava-se em plena expansão e o estudo das Ciências
Naturais era visto com bons olhos pela Igreja Católica.
65
Em 1843, Mendel ingressou como noviço no mosteiro de Santo Tomás, em Brunn,
capital da província de Moróvia, da Áustria, e, alguns dias após completar 25 anos, em 6 de
agosto de 1847, foi ordenado padre, adotando o nome de Gregor Mendel.
Assim como na infância, quando percebeu não ter vocação para o trabalho no campo,
Mendel não demorou muito para concluir que também não possuía muitas afinidades com a vida
sacerdotal. Ao perceber isto, o abade Napp, do mosteiro de Santo Tomás, conseguiu uma licença
para que Mendel ministrasse aulas de matemática e grego no ginásio da cidade de Znaim
(HENIG, 2001).
Em agosto de 1850, Mendel fez a qualificação, concorrendo a uma vaga como professor
efetivo de ciência do curso ginasial de Znaim, porém, foi reprovado. Para aprimorar seus
conhecimentos, em 1851, iniciou, em Viena, o curso universitário na Universidade Real Imperial.
Nesta instituição, Mendel teve acesso a muitas informações e conhecimentos que o conduziriam
aos experimentos com ervilhas, desenvolvidos nos próximos anos.
Sua entrada para a universidade, na segunda metade do século XIX, coincidiu com o que
um historiador chamou por “avalanche de números” (HENIG, 2001, p. 55). Naquela época, a
matemática estava em pleno auge e as pesquisas nesta área se encontravam em intenso
desenvolvimento. Este evento, como também o fato de seu professor Ettingshausen ser o
fundador da análise combinatória, ajudou, com certeza, Mendel a organizar os dados obtidos nos
seus experimentos.
Outro professor que teve um papel importante na vida profissional de Mendel foi o
fisiologista vegetal Franz Unger. Por intermédio deste, Mendel teve a oportunidade de conhecer
importantes trabalhos de hibridização, como os dos alemães Josef Kheuter e Karl Friedrich von
Gärtner. Além disso, nestas aulas foram discutidas as vantagens de se trabalhar com o material
biológico Pisum sativum em experimentos de hibridização.
Diante disto, Henig (2001) diz que não podemos considerar que Mendel se comportou
como um ingênuo durante seus experimentos:
66
[...] a reconstituição de Mendel provavelmente distorceu um pouco a verdade – e
no processo desmereceu sua visão e intuição. Dada a familiaridade do monge
com a física e o método científico, é difícil acreditar que não soubesse a cada
estágio o que esperar das ervilhas e por quê. É claro que, à medida que os anos
se passaram e os resultados foram aparecendo, Mendel se viu forçado a mudar
algumas das hipóteses iniciais. Entretanto, não foi sincero, e seríamos ingênuos
ao acreditar que criou várias gerações de plantas e só mais tarde passou a
analisar os resultados dos experimentos (HENIG, 2001, p. 112).
Após dois anos de estudo na universidade em Viena, em junho de 1853, Mendel
retornou ao mosteiro de Brünn e logo começou a lecionar como professor substituto na escola
ginasial daquela cidade. No ano seguinte, entre a função de professor e a de hortelão do mosteiro,
Mendel deu início aos seus experimentos com ervilhas, os quais iriam revolucionar o meio
científico.
Ao embarcar naquela aventura científica, Mendel logo se viria diante de
revelações surpreendentes que superariam todas as expectativas, verdades que
mudariam para sempre a face da Biologia, afetando profundamente a relação
entre a humanidade e o seu próprio futuro (HENIG, 2001, p. 69).
Três anos depois, com 34 anos de idade, Mendel fez o seu segundo exame de
credenciamento em Viena, porém foi novamente reprovado. Alguns historiadores dizem que
Mendel desistiu na primeira questão oral; outros afirmam que Mendel discutiu com um dos
integrantes da banca. Diante da nova reprovação, o padre deu continuidade aos experimentos com
ervilhas, aos trabalhos rotineiros no mosteiro e às aulas no curso ginasial de Znaim.
Em 1865, após desenvolver por oito anos experimentos de cruzamento com ervilhas,
Mendel apresentou os seus resultados à sociedade de História Natural, proferindo duas palestras.
Nos seus experimentos, Mendel observou que os indivíduos híbridos da geração F1 eram
sempre iguais a um dos pais. Plantas originadas de sementes amarelas puras, por exemplo, ao
serem cruzadas com plantas originadas de sementes verdes sempre produziam sementes
amarelas. O traço semente verde aparentemente desaparecia na geração F1. No entanto, se
plantas originadas de sementes amarelas híbridas se autofecundassem, elas produziam sementes
amarelas e verdes na proporção de 3 para 1, respectivamente. Diante disto, Mendel concluiu que,
nas plantas da geração F1, o traço de um dos pais ficava encoberto, reaparecendo novamente na
67
geração F2. O traço que ficava encoberto nas plantas híbridas foi denominado de recessivo,
enquanto o traço que se manifestava em todos os indivíduos de F1 foi chamado de dominante.
Para explicar tais resultados, Mendel elaborou a seguinte teoria: cada característica é
determinada por um par de fatores hereditários, um herdado do progenitor masculino e outro do
progenitor feminino, os quais se segregam no momento da produção de gametas. Desta forma, se,
em relação a determinada característica, o indivíduo é puro, todos os gametas produzidos por este
serão iguais; se o indivíduo é híbrido, serão produzidos dois tipos de gametas em igual proporção.
Estas conclusões fazem parte do primeiro postulado ou primeira lei de Mendel. O monge
austríaco investigou também o mecanismo de herança genética de duas ou mais características de
ervilhas, simultaneamente, estudos que, posteriormente, foram denominados de segundo
postulado ou segunda lei de Mendel (LEITE, 2005).
Em 1866 estas conclusões de Mendel foram publicadas. Além disto, ele pediu 40
separatas para distribuir para alguns pesquisadores. Destas, apenas 12 separatas foram enviadas
para cientistas de prestígios na Europa; em relação às outras, nada se sabe. Charles Darwin,
Scheiden (um dos fundadores da Teoria Celular) e Karl von Nägeli foram alguns dos cientistas
que receberam o artigo de Mendel.
Mendel e seus experimentos foram citados em alguns livros publicados na época como a
obra de Die Pflanzen-Mischlinge de Wilhelm Olbers Focke (1881), mas seu trabalho não teve a
repercussão e o reconhecimento que se esperavam, pelo menos até sua morte, em 1884
(WATSON; BERRY, 2005).
Em relação a este aspecto, Henig (2001) ressalta...
Mendel não foi totalmente ignorado durante a vida. O problema é que algumas
das pessoas que leram e compreenderam seu trabalho eram tão obscuras que
ninguém, incluindo Mendel, jamais ouvira falar delas [...] (HENIG, 2001, p.
143).
Na verdade, Mendel realizou experimentos e análises quantitativas muito mais
complexas do que as desenvolvidas na sua época; portanto não é de surpreender que apenas em
68
1900 seu trabalho fosse valorizado mundialmente pela comunidade científica, após sua
redescoberta por três geneticistas: Hugo De Vries, Karl Correns e Erich von Tschermak.
Mendel trabalhou incansavelmente no seu jardim por oito anos, apresentou sua
descoberta de “certas leis de hereditariedade” em duas palestras no inverno de
1865, e voltou ao anonimato – apenas para ter seu trabalho “re-descoberto” e
ressuscitado ao mesmo tempo por três cientistas (um dos quais Hugo De Vries),
trabalhando em três países diferentes, na primavera de 1900. A explicação que
costuma ser oferecida para essa curiosa série de eventos é que o mundo não
estava preparado para as leis de Mendel em 1865, o que só aconteceu em 1900
(HENIG, 2001, p. 12).
A partir de então, as leis de Mendel foram cada vez mais divulgadas e reconfirmadas por
inúmeros pesquisadores no mundo todo, tornando-se uma das descobertas mais importantes da
história da Biologia.
Não obstante, uma questão ainda pairava no ar: qual seria a natureza química dos fatores
hereditários citados por Mendel? Esta questão só pôde ser respondida, aproximadamente, um
século após os trabalhos de Mendel.
2.4 DNA: nosso material genético
Podemos afirmar que inúmeros foram os pesquisadores e as descobertas científicas
relacionadas, direta e indiretamente, à elucidação da estrutura e funcionamento da molécula do
ácido desoxirribonucléico (DNA), o material genético encontrado em todos os seres vivos.
Ao longo do século XIX, após a divulgação da teoria celular, muitas pesquisas foram
direcionadas ao estudo da célula, as quais constituíram a base da Bioquímica e da Biologia
Molecular.
Esse período foi também marcado pelo intenso estudo do núcleo celular. Em 1868, o
médico e pesquisador suíço Friedrick Miescher isolou, de núcleos de glóbulos brancos, um
69
precipitado cinza de alto peso molecular, denominado de nucleína. Além disso, este pesquisador
conseguiu determinar quais as substâncias químicas que compunham a nucleína, percebendo que
era formada de oxigênio, nitrogênio e fósforo (OLIVEIRA et al., 2004).
Nessa época, em conseqüência das descobertas relacionadas ao núcleo celular, vários
pesquisadores se dedicaram ao estudo da divisão celular, entre eles Balbiane, Benedem,
Flemming, Scheicher e Strasburger.
Os estudos em torno do núcleo e da divisão celular aguçaram os interesses de vários
pesquisadores, levando, em 1882, os alemães Walter Flemming e Eduard Strasburger a
reconhecer e descrever os cromossomos.
Ao mesmo tempo, o alemão Theodor Boveri, estudando células germinativas de
nematóide Ascaris megalocephala, observou que o número dos cromossomos presentes nestas
células se reduzia à metade em um determinado estágio de sua maturação, além de perceber que
havia diferenças entre os vários cromossomos presentes na célula. Estas observações foram
confirmadas, por volta de 1902, com os estudos de Willian Sutton, que, por sua vez, analisou o
processo meiótico em células de gafanhotos.
Também, em 1882, Walter Flemming descreveu os processos de mitose e meiose,
apresentando o comportamento dos cromossomos durante as várias fases das divisões celulares.
Suas descobertas foram muito importantes e conduziram à conclusão de que os gametas são
células compostas por metade do número dos cromossomos, em relação às células somáticas, e
que após a fecundação de um óvulo por um espermatozóide é formado o zigoto, o qual, após
sucessivas diferenciações, dará origem a um novo ser vivo, contendo o mesmo número de
cromossomos dos outros indivíduos de sua espécie.
Nesse mesmo período, Flemming, ao corar núcleos com anilina, identificou uma
estrutura, atribuindo-lhe o nome de cromatina, filamento que se cora. Não obstante, apesar de
essa estrutura comportar-se semelhantemente à nucleína identificada por Miescher, não se
percebeu a equivalência entre tais estruturas nessa época. Uma das causas deste fato, assim como
70
de outros desencontros que retardaram muitas elucidações científicas, foi que “[...] a
comunicação entre os cientistas era bastante restrita” (OLIVEIRA et al., 2004, p. A5).
Além destas descobertas, no final do século XIX, Balbiane realizou um experimento que
mais uma vez demonstrou a importância do núcleo para a célula. Este pesquisador isolou uma
ameba e a partiu em duas partes: uma das partes ficou com o núcleo e a outra não. O segmento
contendo o núcleo conseguiu se regenerar, formando uma nova célula com capacidade de se
dividir, produzindo outras amebas. O segmento anucleado não se regenerou e, conseqüentemente,
não se dividiu em novas células.
Em 1889, Richard Altman descobriu o caráter ácido da nucleína, que passou a ser
denominada de ácido nucléico. Nessa mesma época, Albrecht Kossel observou a presença de
bases púricas e pirimídicas na constituição deste ácido. Poucos anos depois, em novembro de
1895, Roentgen descobriu os raios X, que mais tarde foram empregados na técnica de
cristalografia, ferramenta muito importante para a elucidação da estrutura tridimensional do
DNA.
Foi, porém, a partir da redescoberta dos trabalhos de Mendel, em 1900, que as pesquisas
direcionadas a questões referentes à hereditariedade e à constituição do material genético foram
intensificadas. Segundo Oliveira et al. (2004, p. A5), “a partir de então, surgiu o interesse por
determinar a natureza dos fatores mendelianos, ou seja, o que de fato representavam, de que eram
constituídos, como agiam e onde se localizavam”.
Por volta de 1902, Walter S. Sutton (1877-1916) propôs que os cromossomos
constituem a base física da hereditariedade, contribuindo muito para o desenvolvimento da Teoria
Cromossômica da Herança. Ao analisar a meiose em uma espécie de gafanhotos, Sutton percebeu
a grande semelhança entre os processos nos quais estavam envolvidos os cromossomos
homólogos e os fatores hereditários, descritos por Mendel e recém-redescobertos, e concluiu que
os pares de fatores hereditários localizavam-se nos pares dos cromossomos homólogos, de forma
que a separação destes cromossomos, durante a meiose, resultaria na segregação dos fatores.
71
A partir desse momento, também foram introduzidos muitos conceitos importantes para
o desenvolvimento da Genética, os quais são empregados até hoje. Em 1906, Bateson criou os
termos alelo, homozigoto, heterozigoto e genética para definir o novo campo de pesquisa que
estava nascendo. Além disso, em 1909, o geneticista dinamarquês Wilhelm Johannsen (18571927) introduziu os seguintes conceitos: gene, para substituir o termo fator, utilizado por Mendel;
genótipo para se referir à constituição genética do indivíduo ou à composição alélica de um gene;
e fenótipo para designar as características fisiológicas, morfológicas ou, até mesmo,
comportamentais de um ser vivo (WATSON; BERRY, 2005).
Bateson foi muito importante para a divulgação dos trabalhos mendelianos. Ao ler o
artigo de Mendel, em 8 de maio de 1900, percebeu a proximidade que havia com as suas
investigações. Desde estão, não apenas divulgou, mas também confirmou os resultados obtidos
por Mendel (HENIG, 2001). Além disso, Bateson e seus colaboradores explicaram grande
número das exceções das Leis de Mendel, como, por exemplo, o princípio da ligação (linkage), a
interação gênica em 1905 e a dominância incompleta, em 1906.
Na primeira década do século XX, Thomas Hunt Morgan (1866-1945) e três de seus
alunos, Alfred H. Sturtevant (1891-1970), Calvin B. Bridges (1889-1938) e Herman J. Muller
(1890-1967), estabeleceram a base da Teoria Cromossômica da Herança. Nessa época, Morgan
estava muito insatisfeito com a forma como a genética estava sendo conduzida desde a
redescoberta do trabalho de Mendel. Ele não concordava com as pesquisas reproduzidas que
postulavam os fatores hereditários sem, ao menos, determinarem o que eram estes fatores
(LEWIS, 1998). Diante disso, o objetivo primeiro de Morgan era descobrir a base física dos
fatores hereditários, termo empregado primeiramente por Mendel.
Por meio de experimentos de cruzamentos, utilizando a mosca Drosophila
melanogaster, o grupo de Morgan demonstrou que os cromossomos eram realmente os
portadores dos fatores hereditários; concluíram ainda que cada cromossomo da mosca era
constituído por um grupo de genes, os conhecidos fatores, que não se segregavam
independentemente durante a meiose, exceto se ocorresse o processo de recombinação ou
crossing-over, que consiste na troca de fragmentos entre cromossomos homólogos. Também,
72
analisando os cruzamentos e o crossing-over, o grupo de Morgan pôde fazer o mapeamento dos
genes em cada cromossomo dos 4 pares que constituem o genoma da mosca da fruta. Morgan
divulgou estes resultados em revistas científicas em 1910 e, em 1915 publicou o livro O
Mecanismo da Hereditariedade Mendeliana, que lhe mereceu o Prêmio Nobel de Medicina em
1933 (LEWIS, 1998).
A partir de então, ficou cada vez mais evidente que as moléculas que constituíam o
material genético eram extremamente complexas e que a descoberta de sua composição química
era necessária para o desenvolvimento da Ciência.
Apesar de todas estas descobertas, uma questão muito importante ainda não havia sido
respondida: Qual a natureza química do material genético que compõe os cromossomos?
Proteína, RNA ou DNA?
Até meados do século XX, acreditava-se que o material genético era constituído de
proteínas. Esta hipótese começou a ser refutada a partir de 1928, quando o britânico Frederick
Griffith observou o processo de transformação no curso de seus experimentos com bactérias
Streptococcus pneumoniae, causadoras de pneumonia em seres humanos e, normalmente, letais
em ratos.
Em seus experimentos, Griffith utilizou duas linhagens diferentes de Streptococcus
pneumoniae: uma linhagem do tipo virulenta normal, caracterizada por possuir uma cápsula
polissacarídica, apresentando, conseqüentemente, um aspecto liso; e outra linhagem do tipo
mutante não virulenta, ou seja, que causa a doença mas não é letal, caracterizada pela ausência da
cápsula polissacarídica, conferindo um aspecto rugoso às colônias. Griffith observou que estirpes
de bactérias não virulentas, quando misturadas com células virulentas mortas pelo calor,
tornavam-se igualmente virulentas, com paredes lisas. De acordo com este resultado, concluiu
que existia alguma substância, presente nos restos celulares dos bacilos letais, que poderia
transformar os bacilos mais brandos em bacilos fatais. A partir de então surgiu o seguinte
questionamento: qual dos componentes celulares é o responsável por este processo de
transformação?
73
Como todas as áreas do conhecimento, os estudos direcionados à patologia também
foram intensificados no século XX. Um dos médicos atraídos por este campo de pesquisa foi
Oswaldo Avery, que, a partir de 1907, iniciou estudos com bactérias e em 1913, no Instituto
Rockefeller, juntamente com seus colaboradores C. M. MacLeod e M. MacCarty, propôs-se
isolar o “principio transformante” que causava a transformação de cepas avirulentas de
Streptococcus pneumoniae em virulentas.
Nessa investigação, o grupo liderado por Avery separou todos os componentes
constituintes das bactérias virulentas mortas e testou a habilidade de transformação de cada um
desses componentes, ou seja, analisou as moléculas de DNA, RNA, polissacarídeos e proteínas.
Após 13 anos de estudos, em 1944, foi concluído que apenas uma classe de moléculas era capaz
de induzir à transformação: o ácido desoxirribonucléico. Esses pesquisadores propuseram, então,
que o DNA é a molécula responsável por armazenar a informação genética dos seres vivos.
Não obstante, a esclarecedora pesquisa realizada por Avery e seus colaboradores foi
insuficiente para convencer grande parte dos cientistas, entre os quais o químico Paul A.T.
Levene, também pesquisador do Instituto Rockefeller, que considerava a estrutura do DNA, com
quatro bases repetidas ao longo da molécula, muito simples para ser o material genético. Para o
químico e outros cientistas, as proteínas nos cromossomos eram os portadores da informação
genética. Por outro lado, para alguns cientistas, como o físico anglo-irlandês Maurice Wilkins, os
experimentos realizados por Avery foram elucidativos.
Maurice Wilkins era um dos vários cientistas interessados em esclarecer a estrutura da
molécula do DNA. Seu interesse pela genética surgiu após a leitura da obra intitulada O Que é a
Vida? (What is life?), escrita pelo físico austríaco Erwin Schrödinger (1887 – 1961), um dos
fundadores da mecânica quântica. Em seu livro, Schrödinger tratou os processos dos seres vivos
por meio de uma interpretação molecular e atômica (WATSON; BERRY, 2005).
Wilkins iniciou seus estudos acerca da estrutura do DNA utilizando a técnica de
cristalografia. Esta consiste em projetar feixes de raios-X em determinado arranjo de átomos
cristalizados e, por meio de métodos matemáticos, analisar o padrão obtido na difração dos raios-
74
X neste material, visando a conhecer a real disposição e distribuição espacial dos átomos
(SILVER, 2003).
A técnica de cristalografia foi inventada em 1913 pelo físico Lawrence Bragg (1890 –
1971), juntamente com seu pai, William Bragg (1862 – 1942), em um laboratório da
Universidade de Cambridge, na Inglaterra, o que lhes valeu o Prêmio Nobel de Física em 1915.
Não podemos esquecer, porém, que esta técnica só pôde ser concebida graças à descoberta dos
raios-X por Roentgen em 1895.
Nessa mesma época, entre 1920 e 1940, após o trabalho de vários químicos e
bioquímicos, entre eles Paul A.T. Levene e T. Casperson, ficou provado que a molécula de DNA
é constituída por muitas partes, ou seja, é um polímero composto por 4 bases nitrogenadas:
adenina, guanina, citosina e timina, combinadas individualmente com uma molécula de
desoxirribose, resultando em uma micromolécula denominada, posteriormente, de nucleosídeo.
Esse período foi fortemente marcado pelas várias pesquisas desenvolvidas em torno da
molécula de DNA. Foi também na década de 1940 que George Beadle e Edward Tatum
propuseram que um gene expressava uma proteína, e esta, por sua vez, poderia comportar-se
como enzima (FERREIRA, 2003).
Diante dessas descobertas, Alexander Robertus Todd, químico orgânico de Cambridge,
no início da década de 1950, apresentou alguns resultados que obteve por meio de estudos
minuciosos com os nucleosídeos. Todd observou que os nucleosídeos estavam unidos por meio
de ligações fosfodiéster a grupos fosfatos nas posições 3’ e 5’ do carboidrato desoxirribose.
Em 1950, Erwin Chargaff, por meio da análise química de moléculas de DNA, fez
também uma descoberta muito importante para a elucidação da estrutura do DNA. Chargaff
verificou que o número de bases nitrogenadas de citosina (C) em uma molécula de DNA era
proporcional ao número de bases de guanina (G) e que o número de bases de adenina (A) era
proporcional ao número de bases de timina (T) (SILVER, 2003).
75
Apesar desta torrente de descobertas acerca da constituição da molécula de DNA e de
sua comprovação como material genético de todos os seres vivos, a compreensão da complexa
estrutura do DNA só ocorreu no dia 28 de fevereiro de 1953, pelo biólogo James Dewey Watson
e pelo físico Francis Harry Compton Crick, no laboratório Cavendish, de Cambridge.
James Dewey Watson iniciou sua carreira científica aos 22 anos de idade. Nessa época,
o jovem americano trabalhava em Copenhague, na Dinamarca, sob a orientação de Herman
Kalckar, o qual tinha como objeto de pesquisa os nucleotídeos, ou seja, os polímeros constituintes
dos ácidos nucléicos.
Em 1951 realizou-se um congresso acerca de estruturas de macromoléculas em Nápoles,
na Itália, e Watson assistiu à palestra conferida por Maurice Wilkins, professor do King’s
College, de Londres. Nesta palestra, foram apresentadas algumas imagens de difração de raios-X
em uma amostra de DNA, obtidas pela técnica de cristalografia; mas, apesar de essas fotos serem
consideradas as melhores que Wilkins já havia conseguido, não era possível ainda identificar ao
certo como era a estrutura do DNA. Não obstante, Wilkins, em parceria com a especialista em
difração por raios-X, Rosalind Franklin, logo iria obter as melhores imagens da estrutura do DNA
por meio da técnica de cristalografia.
Ao assistir à palestra de Wilkins, James Watson ficou muito interessado por este campo
de pesquisa. Na verdade, “[...] há tempos ele estava convicto de que, se fosse possível desvendar
a estrutura do intrigante ácido nucléico, seria possível desvendar um dos segredos fundamentais
da vida: a hereditariedade” (PRAZERES, 2006, p.1).
Com o intuito de montar um grupo de pesquisa para concluir seus planos, Watson
convidou Wilkins para fazer parte deste projeto; porém, a princípio isto não foi possível.
Nesse mesmo ano (1951) Watson foi trabalhar no laboratório Cavendish, em Cambridge,
sob a orientação de Max Ferdinand Perutz, o qual tinha como objeto de pesquisa analisar a
estrutura da hemoglobina por meio da técnica de cristalografia.
76
Nessa época, a técnica de cristalografia estava sendo muito utilizada para a análise
estrutural de macromoléculas, ou seja, não só do DNA, mas também de outras moléculas
presentes na célula. Por volta de 1950 esta técnica já havia possibilitado realizar estudos da
estrutura de algumas proteínas, como, por exemplo, a queratina, a hemoglobina e a mioglobina,
bem como constatar as três estruturas apresentadas pelas proteínas: hélices alfa, fitas beta e
hélices randômicas.
Ao chegar a Cambridge, Watson teve a oportunidade de conhecer Francis Harry
Compton Crick e, nesse momento, eles perceberam que tinham muita coisa em comum, como,
por exemplo, o interesse em pesquisar a molécula de ácido desoxirribonucléico e, a partir de
então, iniciaram um trabalho conjunto com o objetivo de elucidar a estrutura do DNA.
A aliança entre Watson, um biólogo, e Crick, um físico, foi extremamente feliz.
Watson era especialista em genética molecular, interessado em decifrar a
estrutura do DNA. Crick era especialista em técnica de visualização conhecida
como “difração de raios X”, que permite ao cientista determinar a disposição
espacial dos vários átomos que constituem uma molécula (FERREIRA, 2003, p.
53).
Francis Crick era físico e, em 1939, aos 23 anos, foi convocado para trabalhar como
desenhista de minas magnéticas marinhas, durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1945 iniciou
seu doutorado e em 1949 foi trabalhar no laboratório Cavendish, instalado na Universidade de
Cambridge, na Inglaterra. Nesse laboratório teve a oportunidade de especializar-se na técnica de
cristalografia, o que seria muito útil para a elucidação da estrutura do DNA.
Watson e Crick iniciaram a coleta de informações, pesquisas e materiais. Além disso, no
final de 1951, Watson assistiu ao seminário apresentado por Rosalind Franklin, no qual foi
mostrada uma imagem do DNA obtida por ela pela técnica de difração de raios-X. Estas
informações, ainda que incompletas, instigaram à construção do primeiro modelo apresentado por
Watson e Crick, em dezembro de 1951, o qual foi um fracasso. Mesmo assim, eles não desistiram
e continuaram as pesquisas relacionadas ao material genético.
77
Ao mesmo tempo, os estudos em torno da molécula de DNA continuavam. Foi em 1952,
oito anos após os experimentos de Avery e de seus colaboradores, que Alfred Hershey e Martha
Chase confirmaram a hipótese proposta, segundo a qual o DNA é realmente o material genético.
Para chegarem a essa conclusão, Hershey e Chase utilizaram dois grupos de
bacteriófagos T2 – vírus que infectam bactérias: em um dos grupos, os bacteriófagos tiveram sua
capa protéica marcada com enxofre radioativo (35S); o outro grupo foi constituído por
bacteriófagos cujo DNA havia sido marcado com fósforo radioativo (32P). Ambos os grupos
foram misturados, separadamente, com bactérias E. coli para esta ser infectada pelos fagos T2.
Ao final do experimento, observaram que, ao utilizarem os fagos marcados com
32
P, a maior
parte do material radioativo havia sido injetada nas bactérias, porém, quando utilizados os fagos
marcados com
35
S, grande parte do material radioativo permaneceu na cápsula dos fagos.
Hershey e Chase concluíram que era justamente o DNA, e não as proteínas, que era injetado
pelos fagos nas bactérias, comprovando que esta molécula é o material genético. Todavia, havia
uma grande dúvida: como era a complexa estrutura do DNA?
Watson e Crick eram dois dos vários cientistas interessados em desvendar esse mistério.
Para conseguir isso, constantemente estavam à procura de informações e descobertas já obtidas
acerca do ácido desoxirribonucléico, sendo este o fator que os conduziu à elucidação da estrutura
do DNA.
Até então, Watson e Crick haviam dedicado seus estudos aos resultados que os
permeavam, tais como: a constituição química da molécula de DNA, a relação da proporção entre
o número de bases nitrogenadas A/T e C/G observada por Chargaff, imagens do DNA obtidas por
difração de raios X e os estudos de Alexander Todd acerca das ligações fosfodiéster.
Além destes dados, Watson e Crick tiveram acesso a informações que foram decisivas
para concluírem seus estudos, no final de 1952 e início de 1953. Uma dessas informações cruciais
foi obtida em julho de 1952, quando Watson viajou para Londres. Nessa visita, Watson encontrou
Wilkins, o qual lhe mostrou algumas fotografias do DNA obtidas pela técnica de cristalografia
por Rosalind Franklin. Por meio desse material, Watson pôde ver perfeitamente que se tratava de
78
uma estrutura em hélice. Além disso, Crick, um especialista neste tipo de análise, confirmou que
as cadeias de polinucleotídeos se encontravam dispostas como uma hélice.
Em outra visita ao laboratório de Rosalind Frankin, em Londres, em janeiro de 1953,
Watson obteve informações muito importantes. Dessa vez, Watson teve acesso a algumas
conclusões de Rosalind Franklin. De acordo com Franklin, a molécula de DNA apresentava um
diâmetro de 20 Ǻ e que, diante disso, a estrutura desta macromolécula deveria se referir a uma
dupla hélice.
Logo, Crick e Watson também chegaram à conclusão de que os grupos fosfatos (PO4 --)
estavam localizados fora da hélice, ou seja, na superfície externa da dupla hélice.
Obtidas estas informações, só restava a Watson e Crick montar o quebra-cabeça. Para
isto, utilizaram uma estratégia influenciada por Linus Pauling: começaram a montar modelos
tridimensionais para representar a estrutura do DNA, utilizando varetas de arame e chapinhas de
metal.
Ao mesmo tempo, o químico americano Linus Pauling, no Instituto de Tecnologia da
Califórnia, em Pasadena, também estava se dedicando à elucidação da estrutura do DNA. Para
ele, o DNA era constituído por uma tripla hélice, na qual os fosfatos e as desoxirriboses estavam
voltados para a parte interna e as bases nitrogenadas para a parte externa. Além disso, Linus não
considerou os resultados obtidos por Chargaff, os quais demonstraram a proporção quantitativa
entre as bases nitrogenadas adenina e timina e entre guanina e citosina (STRATHERN, 2001).
Em 28 de fevereiro de 1953, Watson e Crick desvendaram a estrutura do DNA, e no dia
25 de abril de 1953, as conclusões de Waton e Crick foram publicadas na revista Nature, no
artigo intitulado Structure for Deoxyribose Nucleic Acid. Watson e Crick concluíram que: a
molécula de DNA é disposta em hélice e constituída por duas cadeias de polinucleotídeos
antiparalelas, ligadas entre si por pontes de hidrogênio, de modo que a adenina se liga com a
timinia e a guanina com a citosina; cada cadeia é formada por grupos fosfatos, desoxirriboses e
79
bases nitrogenadas, projetando-se para dentro da molécula. Esta fantástica descoberta os
conduziu ao prêmio Nobel, juntamente com Maurice Wilkins, em 1962.
Como ressalta Henig (2001, p. 226), “As descobertas de Watson e Crick deram forma a
observações que Mendel era incapaz de explicar”.
O modelo proposto por Watson e Crick respondia perfeitamente como o material
genético era replicado antes de cada divisão celular e como esta informação poderia determinar
as características de cada indivíduo e o funcionamento dos organismos vivos.
Embora Watson e Crick tivessem proposto que na replicação as duas fitas do DNA se
abrem mais ou menos como um zíper, o modelo de replicação semiconservativo para a molécula
foi publicado em 1958 por Matt Meselson e Frank Stahl, por meio de um experimento
relativamente simples. Após cultivarem bactérias em um meio contendo átomos de N pesado, que
foram incorporados ao DNA, os autores retiraram uma amostra e a transferiram para um meio de
cultura com N leve, de modo a assegurar que no ciclo de reprodução seguinte esses átomos
fossem utilizados na replicação da molécula. Em seguida, empregaram a técnica de centrifugação
por gradiente de concentração, que permite separar moléculas de acordo com o peso molecular.
Como Watson e Crick haviam previsto, na replicação a dupla hélice do DNA bacteriano se abriu
como um zíper e as duas fitas foram copiadas, resultando em duas moléculas híbridas, cada qual
constituída por uma fita contendo N pesado e N leve.
Quase na mesma época dessa descoberta, os componentes bioquímicos envolvidos na
replicação do DNA estavam sendo analisados no laboratório de Arthur Kornberg, na
Universidade de Washington, em St. Louis. Esse pesquisador recebeu o Prêmio Nobel de
Fisiologia/medicina em 1959, por ter descoberto a DNA-polimerase, enzima que sintetiza DNA
adicionando nucleotídeos à extremidade 3’ de uma fita nascente. Nos seus estudos, Kornberg,
utilizando-se dessa enzima, conseguiu induzir a replicação completa de um DNA viral em um
tubo de ensaio.
80
A partir de então, muitas questões que já intrigavam os pesquisadores da época voltaram
a movimentar o mundo científico. “A tarefa imediata [ ] era decifrar como atuava o roteiro da
vida codificado pelo DNA. Como o mecanismo molecular das células interpreta as mensagens da
molécula do DNA?” (WATSON; BERRY, 2005).
Segundo Watson e Berry (2005), começou a ser feita uma série de conjecturas para
desvendar esse mistério, antes mesmo da descoberta da estrutura da dupla-hélice do DNA. Os
próprios autores, Watson e Crick, já julgavam, antes desta descoberta, que as informações
contidas no DNA cromossômico fossem usadas para criar cadeias de RNA de seqüências
complementares. Essas cadeias poderiam servir de molde para especificar a ordem dos
aminoácidos em suas respectivas proteínas. Um ano após a publicação da dupla-hélice do DNA,
em 1954, Gamow, um físico russo, idealizou um modelo que propunha que tripletos de bases do
DNA serviam para especificar aminoácidos. Nessa mesma época, Crick propôs que o fluxo de
informação DNA-RNA-proteína, constitui o dogma central da genética. Esta hipótese foi
corroborada com descoberta, em 1959, da RNA-polimerase, enzima que catalisa a síntese de
RNA a partir de uma fita molde de DNA.
Em 1955, Francis Crick previu ainda que a molécula de RNA não conteria o segredo da
transformação DNA-proteína, mas que os aminoácidos seriam levados por moléculas adaptadoras
ao sítio de síntese protéica e, que tais moléculas, provavelmente, seriam pequenos RNAs
(WATSON; BERRY, 2005).
Pouco tempo depois, Paul Zamecnikos, médico de um hospital de Boston, utilizando
materiais de fígado de rato e aminoácidos marcados radioativamente, identificou os ribossomos
como a sede da síntese protéica. Esse mesmo pesquisador e seu colega colaborador, Mahlon
Hoagland, descobriram que os aminoácidos, antes de incorporarem as cadeias polipeptídicas,
estão ligados a pequenas moléculas de RNA, comprovando a hipótese de Crick.
Outra peça do quebra-cabeça para desvendar o mistério da decodificação do DNA em
proteínas foi colocada em 1960, quando os pesquisadores Matt Meselson, François Jacob e
Sydney Brenner descobriram o RNA mensageiro, o verdadeiro molde da síntese protéica. Esses
81
experimentos mostraram que o RNA mensageiro passa pelas duas subunidades ribossômicas,
onde se liga aos RNAs transportadores, cada qual com um aminoácido, de modo a possibilitar a
ligação peptídica entre os vários aminoácidos que constituem uma proteína.
Apesar de tudo, continuavam obscuras as regras para transformar uma seqüência de
ácido nucléico em uma seqüência polipeptídica, ou seja, o código genético.
Em 1961, experimentos realizados por Brenner e Crick demonstraram que o código é
baseado em tripletos, ou trincas de bases do DNA; no entanto, o código completo somente pôde
ser desvendado após a descoberta de que RNAs poderiam ser sintetizados in vitro com a
utilização de uma enzima específica, capaz de produzir fileiras de AAAAA , GGGGG ou
UUUUU. Após sintetizarem uma série de RNAs constituídos de poli-U, poli-A, poli-G, poli-C e
com bases intercaladas, Nirenberg, Matthaei e Khorana estabeleceram, em 1966, que o código
genético é constituído de 64 códons e identificaram o que cada códon especifica. Nirenberg e
Khorana receberam o Prêmio Nobel em Fisiologia/medicina em 1968. Uma descoberta muito
importante foi a de que, com raras exceções, o código genético é universal.
Estas e outras descobertas, aqui omitidas, revolucionaram o meio acadêmico de tal
modo, que muitos cientistas pensavam que a partir de então a genética e a biologia molecular
passariam por um longo período de estabilidade, em termos de avanços científicos. Por outro
lado, havia aqueles que vislumbravam manipular a molécula de DNA, isolando, modificando e
transferindo genes de um organismo para outro.
Esta perspectiva tornou-se possível a partir do início da década de 1970, quando Paul
Berg isolou e empregou uma enzima de restrição para cortar uma molécula de DNA e uma
enzima denominada DNA-ligase para ligar dois fragmentos de DNA, produzindo uma molécula
híbrida, denominada de DNA recombinante. A partir deste evento, iniciou-se uma nova era para a
genética e a biologia molecular, a era da tecnologia do DNA recombinante.
A tecnologia do DNA recombinante foi consolidada na década de 1970, após a
descoberta de quatro ferramentas básicas.
82
Uma dessas ferramentas, a enzima DNA-polimerase, foi descoberta no início de 1950
por Arthur Kornberg, como já descrito neste capítulo.
Em 1967, Martin Gellert e Bob Lehman identificaram outra enzima muito importante, a
DNA-ligase, responsável em unir as extremidades de seguimentos de DNA. A partir de então,
utilizando-se apenas duas enzimas, foi possível obter uma molécula de DNA igual ao vírus
original, ou seja, com a DNA-polimerase a molécula de DNA era replicada e, posteriormente, a
ligase, unia os vários trechos de material genético, formando uma macromolécula contínua.
A existência de um terceiro grupo de enzimas foi identificada por Werner Arber, na
década de 1960, tendo sido essas enzimas denominadas de enzimas de restrição. Ao estudar a
infecção de bacteriófagos por vírus, Arber verificou que o DNA estranho, provindo de
bacteriófagos, incorporado na bactéria, sofria degradação pelas enzimas de restrição.
A descoberta decisiva para a revolução da tecnologia do DNA recombinante foi,
entretanto, o fato de as bactérias poderem desenvolver resistência a antibióticos por meio da
importação de uma porção de DNA extracromossômico, denominado de plasmídeo. Assim, uma
bactéria, ao receber o plasmídeo de outro semelhante, imediatamente adquire vários genes, de
uma maneira completamente diferente do processo de cissiparidade, tipo de reprodução
característico desses seres vivos.
Nas palavras de Watson e Berry (2005),
[...] Primeiro, poderíamos clivar moléculas de DNA usando enzimas de restrição
e isolar as seqüências (genes) que nos interessassem. Segundo, usando a ligase,
poderíamos “colar” essa seqüência num plasmídeo [...]. Por fim, poderíamos
copiar um pedaço de DNA inserindo esse mesmo plasmídeo numa célula
bacteriana – a divisão bacteriana normal cuidaria de replicar o plasmídeo com
nosso pedaço de DNA [...]. Se deixássemos essa célula se reproduzir
continuamente, acabaríamos com uma gigantesca colônia de bilhões de
bactérias. A colônia era, portanto, uma verdadeira fábrica de DNA (WATSON;
BERRY, 2005, p. 104).
Com essas descobertas foi possível confeccionar moléculas de DNA recombinante em
laboratório, pela inserção de genes isolados de vários seres vivos em plasmídeos de E. coli e sua
83
introdução em bactérias. Esta tecnologia possibilitou que as proteínas somatostatina (hormônio
de crescimento) e insulina humana fossem produzidas, em 1977 e 1978, respectivamente, a partir
de bactérias transgênicas. Posteriormente, a técnica de transformação foi transferida para seres
superiores, dando origem, em 1981, aos primeiros animais transgênicos e, em 1986, a primeira
planta geneticamente modificada, o tabaco, foi liberada pela Agência Norte-Americana de
Proteção ao Ambiente (WATSON; BERRY, 2005; SUZUKI, 2000).
Os transgênicos mais conhecidos são os de origem vegetal, tais como: a soja Roundup
ready, resistente ao herbicida glifosato; o milho, batata e soja Bt, plantas produtoras de toxinas
nocivas aos insetos; o tomate Flavr-Savr, apresentando amadurecimento retardado; o arrozdourado, golden rice, que produz um precursor essencial da vitamina A, entre outros.
De acordo com Suzuki (2000), transgênico é todo organismo cujo genoma sofreu a
adição de um DNA exógeno, ou seja, de uma seqüência de material genético da mesma espécie
modificada ou de um trecho de DNA de outra espécie de ser vivo. Portanto, “A característica
fundamental que determina a diferença entre organismos transgênicos e não transgênicos é a
possibilidade de incorporação de material genético ultrapassando barreiras naturais” (VIEIRA,
2004, p. 32).
O Projeto Genoma Humano (PGH) foi outro avanço biotecnológico proveniente da
revolução da tecnologia do DNA recombinante. As discussões acerca do desenvolvimento dessa
pesquisa iniciaram-se em meados de 1980, tomando, rapidamente, uma força irreversível. No dia
26 de julho de 2000 foi anunciada a conclusão da primeira versão do PGH e, em abril de 2003 o
PGH foi finalizado, “[...] coincidindo com o qüinquagésimo aniversário da publicação da
descoberta da dupla-hélice” (WATSON; BERRY, 2005, p. 213).
Os cientistas não se interessaram em seqüenciar apenas o genoma humano, mas também
o dos mais variados seres vivos. De acordo com Keller (2002), o genoma de mais de vinte e cinco
microorganismos e animais foram seqüenciados, entre os quais se destacam a bactéria
Escherichia coli, o levedo Caenorbabditis elegans e a mosca da fruta Drosophila melagonaster.
84
Com a conclusão do PGH, foi possível verificar que o genoma humano não é constituído
por um número tão grande de genes, assim como era imaginado no início da pesquisa. Ainda não
se sabe o número exato de genes, porém se estima que se aproxime de 50 mil genes. Além disso,
o PGH revelou que apenas cerca de 2% do genoma humano são codificados em proteínas,
contrariamente aos demais genes humanos, 98%, os quais, apesar de não serem traduzidos em
cadeias polipeptídicas, estão relacionados à regulação genética (WATSON; BERRY, 2005).
Sobre esse aspecto, o autor comenta:
Até o momento, o aspecto do Projeto Genoma Humano que mais pôs à prova
nossa humanidade foi termos percebido como sabemos pouco sobre as funções
da vasta maioria dos genes humanos (WATSON; BERRY, 2005, p. 238).
Nesse contexto, a ciência já vem realizando dois projetos que irão complementar os
resultados obtidos pelo PGH: o Projeto Proteoma e o Projeto Transcriptoma. O Projeto Proteoma
terá como objetivo o estudo das proteínas produzidas pelo genoma humano; por outro lado, o
Projeto Transcriptoma será voltado para o estudo e determinação dos genes ativos em cada tipo
celular que constitui o corpo humano.
Assim, apesar do espetacular avanço que a ciência tem apresentado nos últimos tempos,
há ainda muito a desvendar, como o “segredo da vida”, desafio desalentador que vem
acompanhando o homem desde sua origem na terra. “O fato é que não há aonde ir senão de volta
para o futuro, pois, mesmo com o genoma inteiro à nossa disposição, o programa e as indicações
que determinam como as instruções desse genoma são levadas a cabo permanecem um mistério
quase insondável” (WATSON; BERRY, 2005, p. 248).
Deste modo, não podemos deixar de nos questionar o que virá em seguida.
85
3.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A COLETA DE DADOS
3.1. Os primeiros passos: escolha da instituição de ensino e participantes da pesquisa
A presente pesquisa foi desenvolvida em uma turma do 2º ano do Ensino Médio noturno
de um colégio público de um município da Noroeste do Paraná.
A seleção da instituição de ensino e do docente participante baseou-se em critérios de
receptividade e convergência de interesses. Esta seleção foi efetuada após visitações, nas quais
apresentamos o projeto e discutimos a sua viabilidade junto à direção, à equipe pedagógica e aos
docentes de Biologia.
Para a escolha da série, levamos em consideração a organização do projeto pedagógico
da escola, que estabelece o conteúdo de herança genética para o 2º ano do Ensino Médio.
Escolhidas a instituição, a docente de Biologia e a série, faltava-nos decidir a turma.
Nesse momento a professora nos propôs um desafio: trabalhar com estudantes do período
noturno, uma vez que a única turma do 2º ano do Ensino Médio de Educação Geral, sob sua
direção no ano letivo de 2007, pertencia a esse turno. A nossa preocupação inicial assentava-se
no fato, apontado por Da Cruz (2006), de a grande maioria desses estudantes dedicar-se a outras
atividades durante os períodos matutino e vespertino e, com certa freqüência, apresentar pouca
disponibilidade de tempo para as atividades escolares e tarefas extraclasse. Além destes fatores, a
duração das aulas no período noturno é menor que a dos outros períodos, e como o turno se inicia
às 19h, muitos dos estudantes trabalhadores freqüentemente chegam atrasados à escola.
3.2 A instituição escolar
A instituição escolhida para a pesquisa é um colégio estadual, criado em 26/09/1966,
voltado à formação de jovens trabalhadores, incluindo professores para a educação básica, a fim
86
de atender à demanda do município e região por profissionais qualificados, em virtude do intenso
desenvolvimento.
O colégio campo da pesquisa está situado na área central da cidade e caracteriza-se
como uma instituição de grande porte, a maior do município, atendendo, aproximadamente, a
3.200 alunos. A clientela compreende alunos de todas as séries do ensino fundamental ao ensino
médio, distribuídos nos três turnos: matutino, vespertino e noturno. Fazem parte desta clientela
também estudantes com deficiências físicas e mentais, os quais se encontram incluídos em turmas
regulares ou em turmas especiais. O ensino médio regular profissionalizante, com as modalidades
de formação de docentes e técnicos administrativos, abrange aproximadamente 1077 alunos, dos
quais a maior parte estuda no período noturno.
Apesar da localização central do colégio, sua clientela é bastante diversificada quanto
aos níveis social, econômico e cultural, e provém de diferentes bairros, vilas rurais, e até mesmo
de pequenas cidades vizinhas.
Para manter a organização interna, o colégio conta com um (1) diretor geral e três
auxiliares, um para cada período, 190 professores, em média, 17 funcionários administrativos e
25 de serviços gerais. Além disto, a instituição possui 9 pedagogas que atuam na coordenação
pedagógica ou na orientação educacional, distribuídas nos vários períodos de aula.
Em relação a sua infra-estrutura, o colégio possui grande espaço físico, constituído por
várias salas administrativas e de apoio pedagógico; 35 salas de aula, incluindo salas para
educação especial; quadras esportivas e ginásio de esportes; parque infantil e praça de recreação;
bibliotecas central e infantil; salão nobre; laboratórios de informática, física, química e biologia,
além de outras salas-ambiente para atividades de matemática, história e geografia, língua
portuguesa, educação física e prática de ensino, contendo muitos recursos didático-pedagógicos.
O projeto político-pedagógico do colégio, fundamentado na Teoria Histórico-Cultural,
ressalta a importância da aprendizagem de conhecimentos científicos constituídos de elementos
que possam ajudar o aluno a compreender o mundo em que vive e nele intervir de modo
87
consciente. Nesta perspectiva, valoriza o papel do professor como mediador do processo de
apropriação destes conhecimentos. O texto destaca ainda como finalidade educacional o pleno
desenvolvimento dos indivíduos e a formação voltada ao exercício da cidadania e do trabalho.
A análise do documento nos levou a observar certa contradição entre a sua
fundamentação teórica, apoiada nos pilares da Teoria Histórico-Cultural, e sua finalidade
educacional, descrita sob os moldes dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que,
orientados pelas políticas neoliberalistas, baseiam-se nas pedagogias por competências, as quais
apresentam um caráter de adaptação do sujeito às necessidades da sociedade atual.
De acordo com Duarte (2001a, 2001b), essa concepção, embutida nos PCNs, é fruto do
momento em que estamos vivendo, ou seja, a chamada sociedade do conhecimento, que é uma
ideologia produzida pelo próprio capitalismo, com a função de moldar o indivíduo aos seus
ditames, e cuja adoção apenas fortalece este modelo político.
A assim chamada sociedade do conhecimento é uma ideologia produzida pelo
capitalismo, é um fenômeno no campo da reprodução ideológica do capitalismo
[...] seria justamente a de enfraquecer as críticas radicais ao capitalismo e
enfraquecer a luta por uma revolução que leve a uma superação radical do
capitalismo, gerando a crença de que essa luta teria sido superada pela
preocupação com outras questões “mais atuais”, tais como a questão da ética na
política e na vida cotidiana, pela defesa dos direitos do cidadão e do consumidor,
pela consciência ecológica, pelo respeito às diferenças sexuais, étnicas ou de
qualquer outra natureza (DUARTE, 2001, p. 39).
3.3 Participantes da pesquisa: professora e estudantes
A professora participante da pesquisa é graduada em licenciatura plena em Ciências
Biológicas, com especialização em Biologia Celular e Psicopedagogia. Além da pós-graduação
lato sensu, já realizou alguns cursos para atualização profissional, promovidos por universidades
ou pelo Núcleo de Educação do município, e participa de grupos de estudos nos quais são
discutidas obras referentes à Teoria Histórico-Cultural. Atua como professora de Biologia na rede
pública há 28 anos e, atualmente, também trabalha como supervisora de uma escola particular,
88
totalizando uma carga horária semanal de 60 horas. Durante nossos encontros extraclasse a
professora demonstrou estar preocupada, principalmente, com as dificuldades de aprendizagem e
o desinteresse dos estudantes em relação aos estudos – no seu caso específico, à disciplina de
Biologia. Com o intuito de promover uma maior motivação dos estudantes para o estudo desta
disciplina, revelou ter-se apoiado na utilização de atividades lúdicas e na construção de modelos
didático-pedagógicos. Não obstante, em sua opinião, deveria haver maior orientação aos docentes
para atuar diante dos desafios advindos das novas gerações de estudantes do século XXI, para
que possa ocorrer, de fato, uma melhoria nos processos de ensino e aprendizagem de Biologia.
Quando começamos a coleta de dados, no início do ano letivo de 2007, a turma
selecionada era composta por 35 alunos que freqüentavam regularmente as aulas, apesar de o
livro de chamada registrar 37 matrículas. No decorrer do primeiro semestre, a variação do fluxo
de freqüência de alunos foi bastante grande, uma vez que, enquanto alguns abandonaram o curso
ou pediram transferência para o período diurno ou para outras instituições, principalmente para o
ensino supletivo, ocorreu também a inclusão de alunos de outras turmas, períodos e instituições.
Ao final da nossa pesquisa participavam, com freqüência às aulas, apenas 25 alunos, embora
permanecessem 43 registros no livro de chamada.
A variação do número de alunos parece ser peculiar no ensino noturno, pois, como
verificado por Abrahão (1993), após três anos de estudos, apenas 11,68% dos estudantes
finalizaram um dos cursos noturnos profissionalizantes oferecidos pela instituição na qual foi
realizada a sua pesquisa. Sobre este aspecto esse autor completa:
A evasão e a repetência nos cursos noturnos é um fenômeno que persiste ao
longo do tempo [...] Tal fato é ainda mais preocupante se lembrarmos que o
efetivo de alunos do noturno é bastante superior ao do diurno e que este é o
extrato da população mais duramente atingido por condicionantes sócio-políticoeconômico-culturais da estrutura social (ABRAHÃO, 1993, p. 6).
A esta problemática acrescenta-se a oscilação na assiduidade e pontualidade dos
estudantes do período noturno, principalmente em vésperas de feriado, como também observa Da
Cruz (2006). Constatamos ainda que as semanas contempladas com algum feriado eram
89
consideradas por muitos estudantes como “ semanas de folga” ou “do saco cheio”, em que eles
deixavam de comparecer às aulas por vários dias seguidos.
A intensa variação no número de estudantes matriculados e na assiduidade de cada um
deles pode ser verificada na tabela abaixo, a qual mostra a quantidade de faltas, o número de
desistências, transferências e matrículas efetuadas no decorrer do 1º semestre do ano letivo de
2007 (TABELA 01).
Dos estudantes da turma selecionada, aproximadamente a metade era do sexo masculino.
A idade desses alunos variava de 15 a 27 anos, com maior concentração na faixa etária de 16 a 18
anos.
Com a finalidade de obter um perfil das características afetivas, sociais, econômicas e
culturais dos estudantes participantes da pesquisa regularmente freqüentes (25 estudantes),
solicitamos que respondessem dois questionários (ANEXO 01 e 02), com questões referentes aos
aspectos: profissão exercida; cidade e bairro em que mora; escola na qual estudou anteriormente;
motivos e necessidades da escolha do colégio em que estuda atualmente e do curso de Ensino
Médio de Educação Geral, ao invés de cursos profissionalizantes; expectativas profissionais e
estudantis futuras; meios de comunicação de que dispõe em sua residência, freqüência de acesso
a esses meios; afinidade com leitura (livros, revistas e jornais), cinema, teatro e música;
atividades preferidas nas horas de lazer.
De acordo com os dados obtidos, a maioria dos estudantes (64%) afirmou que trabalhava
durante o período diurno, sendo diversas as profissões descritas, tais como: vendedor, operador
de máquinas industriais, moto-boy, auxiliar administrativo, auxiliar de almoxarifado, auxiliar de
cabeleireira, babá, webdesigner, garçonete e outras. Os outros alunos, ao serem questionados por
que estudavam no período noturno se não trabalhavam, responderam que estavam à procura de
emprego ou desempenhavam outras atividades durante o dia, como, por exemplo, a prática de
esportes.
90
Tabela 01 – Número de faltas, datas das transferências e matrículas efetuadas no período de
12/02/2007 a 6/07/2007 – 1º semestre do ano letivo de 2007 (baseados nos registro diários de classe)
Sigla de
representação
dos Alunos*
A1
A2
A3
A4
A5
A6
A7
A8
A9
A10
A11
A12
A13
A14
A15
A16
A17
A18
A19
A20
A21
A22
A23
A24
A25
A26
A27
A28
A29
A30
A31
A32
A33
A34
A35
A36
A37
A38
A39
A40
A41
A42
A43
TOTAL: 43
Número de
Faltas
Datas das
transferências
5
28
10
5
3
15
2
4
1
9
7
0
11
4
4
12
2
6
8
11
2
3
8
14
15
8
13
1
5
5
0
10
0
2
7
1
7
7
20
4
0
0
0
---
------------17/05/2007
------------21/05/2007
---18/05/2007
--------20/05/2007
--------29/03/2007
----------------21/03/2007
08/05/2007
------------13/06/2007
--------25/06/2007
--------18/06/2007
--------------------------------------------10
Datas de
inclusões na
turma
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------26/03/2007
26/03/2007
02/04/2007
02/05/2007
28/05/2007
28/05/2007
6
Datas da última
freqüência**
--------------------------------------------------------------------------------------------18/06/2007
--------23/04/2007
------------19/03/2007
---12/02/2007
14/05/2007
------------07/05/2007
25/06/2007
----05/05/2007
--------8
* Letra A seguida pelo número de identificação de cada estudante contido no livro de chamada; **
Considerando-se que a desistência dos estudantes pelos estudos é promulgada após o limite de número de
faltas ser ultrapassado, divulgamos apenas a data do 1º dia de uma seqüência significativa de faltas.
91
No que se refere ao bairro onde moravam, verificamos que os participantes da pesquisa
eram oriundos de diferentes locais do município, sendo que a maioria (18 alunos) residia longe
do centro ou, como no caso do aluno 20, em outro município, dependendo de meio de transporte
para estudar e, muitas vezes, para trabalhar. Quando os questionamos sobre estas dificuldades de
locomoção, grande parte dos alunos revelou ter escolhido estudar nesse colégio por ser o mais
próximo do local de trabalho, minimizando, assim, os obstáculos encontrados no dia-a-dia.
A pesquisa revelou ainda que os estudantes eram procedentes de outras escolas estaduais
(80%), municipais (16%) ,ou sempre estudaram nesse colégio.
Grande parte dos estudantes revelou interesse em dar continuidade aos estudos em nível
superior, sendo citados vários cursos, entre os quais os mais mencionados foram Ciências
Biológicas, Medicina Veterinária e Psicologia.
Em relação aos meios de comunicação apresentados pelos estudantes, a televisão, o
aparelho de som e o telefone celular foram assinalados por todos. Por outro lado, nem todos os
estudantes afirmaram ter acesso a DVD, computador, Internet, telefone residencial, MP3/MP4,
revistas e jornais, com exceção de A15 e A23, os quais assinalaram todos os itens citados acima.
Os meios de comunicação com menor índice de acesso pela turma pesquisada foram o aparelho
de MP3/MP4, os jornais e as revistas, os quais foram assinalados por 48%, 44% e 56% dos
estudantes, respectivamente. Conseqüentemente, a maioria dos alunos (68%) afirmou que a
televisão é o principal meio de comunicação utilizado para a obtenção de informações e notícias,
seguida, em menor proporção, da Internet (12%), rádio (8%), revistas (4%) e jornais (4%).
Apesar de a minoria dos estudantes (44%) ter revelado apresentar afinidade com a
leitura de jornais, muitos alunos demonstraram gostar de ler, frequentemente, revistas (56%) e
livros não relacionados diretamente aos seus estudos (60%). Entre as revistas preferidas pelos
estudantes destacaram-se as de divulgação científica, de esportes, de informação geral (Veja, Isto
É) e de entretenimento. Em relação aos livros, a tipologia das obras citadas foi bem ampla,
abrangendo o campo policial, romance, ficção científica, aventura, religião, auto-ajuda e
suspense.
92
A atração pela música foi um consenso entre os estudantes, sendo os estilos de
preferência mais citados o pagode, axé, música sertaneja, samba, MPB, música romântica,
música clássica, dance, pop rock, rock, rap, black, heavy metal, heard core, hemo core, gospel,
funk e rip hop.
Ao contrário do que observamos em relação à música, nem todos os estudantes
afirmaram gostar de assistir filmes (4%) e peças teatrais (40%). Entre os estudantes que
assinalaram gostar de assistir filmes (96%), as respostas acerca da freqüência com que vão ao
cinema oscilaram de raramente a todos os finais de semana, e os estilos de filmes citados
variaram entre romântico, comédia, drama, história real, aventura, desenho, ação, ficção
científica e terror. Os estudantes que disseram gostar de assistir peças teatrais (60%)
complementaram suas respostas dizendo o número de vezes em que haviam tido a oportunidade
de apreciar esse tipo de arte, o qual se situou entre uma e sete vezes.
Em relação à vida social, os alunos ressaltaram que, nas suas horas ou dias de folga,
gostam de assistir TV, navegar na Internet, descansar, ouvir música, passear, visitar e conversar
com os amigos e parentes, ler, jogar videogame, desenhar, dançar, fazer exercícios físicos, brincar
com o animalzinho de estimação ou namorar.
Para conhecermos melhor as particularidades dos estudantes que apresentaram uma
participação freqüente na pesquisa (25 alunos no total), são apresentadas abaixo mais algumas
informações.
Aluno 1: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e trabalha como operadora de máquinas. Há
dois anos estuda nesse colégio, o qual foi escolhido pela sua família por oferecer o curso
profissionalizante de Formação Docente. Ao iniciar o ensino médio, matriculou-se neste curso
profissionalizante por vontade de sua mãe, porém não se identificou com as disciplinas de
licenciatura, por isso decidiu ingressar no curso de Educação Geral. Após finalizar esta etapa de
ensino, pretende fazer um cursinho e graduar-se em Medicina Veterinária ou Ciências Biológicas.
Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, afirmou possuir
televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, revistas e celular, mas não possui
93
MP3/MP4 e telefone. Afirmou, também, que o principal meio de comunicação por meio do qual
obtém notícias e informações é a televisão, seguida pelo rádio. Apesar de não ter o hábito de ler
jornais e livros que não estejam diretamente relacionados aos seus estudos, revelou que gosta de
ler revistas, assistir filmes, peças teatrais e ouvir música freqüentemente, demonstrando gostar de
todos os estilos musicais e de filmes. Nas horas de lazer, costuma namorar e descansar.
Aluno 2: é do sexo feminino e solteira, tem 18 anos e atualmente está desempregada. Já
trabalhou em restaurante e salão de beleza. Este é o quarto ano em que estuda nessa instituição de
ensino, a qual foi escolhida por ela por oferecer o curso de Formação Docente. Entretanto, no
decorrer do curso percebeu que não gostaria de exercer a profissão de docência e iniciou o ensino
em Educação Geral. Após finalizar esta etapa, pretende dar continuidade aos seus estudos e
concluir o ensino superior em Educação Física ou Medicina Veterinária. Em relação aos meios de
comunicação a que tem acesso em sua residência, afirmou que possui televisão, rádio, aparelho
de som, DVD, computador, celular e MP3/MP4; não acessa a Internet, não lê revistas e jornais e
não tem telefone celular. Afirmou também que o principal meio de comunicação por meio do
qual obtém notícias e informações é a televisão. Revelou não ter o hábito de ler jornais, revistas e
livros que não estejam diretamente relacionados aos seus estudos. Por outro lado, afirmou ter
bastante atração pelo teatro, já tendo assistido a várias peças. Além disso, gosta de música e
cinema, com preferência por filmes de romance, de comédia e de todos os estilos musicais, com
exceção do rap. Nas horas de lazer, gosta de passear e namorar.
Aluno 3: é do sexo feminino, solteira, tem 17 anos e trabalha em um salão de beleza. Estuda
nesse colégio há 5 anos, o qual foi escolhido pela sua família, porque muitos amigos e parentes
estudam ou já estudaram nele. Está cursando Educação Geral, pois não se interessou pelos cursos
profissionalizantes, e após finalizar a educação básica pretende fazer vestibular para Direito. Em
relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, afirmou que possui quase
todos os itens contemplados na listagem dada (Anexo 02), com exceção do MP3/MP4. Afirmou
também que o principal meio de comunicação por meio do qual obtém notícias e informações é a
Internet, seguida do jornal. A estudante disse que lê freqüentemente o jornal O Diário e revistas
como Veja, Época e Z.A.Z. Lê, anualmente, pelo menos um livro não diretamente relacionado aos
seus estudos, tendo preferência por livros de Paulo Coelho, recomendando as obras Onze
94
Minutos, O Alquimista e Britta. Revelou gostar também de teatro, tendo já assistido a
aproximadamente seis peças teatrais. Gosta também de música, de todos os estilos, com exceção
de rock. Quanto aos filmes, romances e comédias são os de sua preferência. Em seus momentos
de folga gosta de dormir, ouvir música e fazer ioga.
Aluno 5: é do sexo masculino, solteiro, tem 16 anos e trabalha como estoquista. Escolheu essa
escola para cursar o ensino médio porque sua família acredita que ela oferece um ensino de boa
qualidade. Apesar de estar cursando Educação Geral, afirmou que gostaria de ter feito o curso de
Contabilidade, por já ter trabalhado neste ramo, porém não lhe foi possível. Revelou também que
pretende fazer o curso superior de Administração ou Engenharia Mecânica, após finalizar o
ensino médio. Assinalou possuir, em sua residência, acesso aos seguintes meios de comunicação:
televisão, rádio, DVD, computador, Internet, MP3/MP4, celular e telefone. O principal meio de
comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão. Apesar de não ter o hábito de
ler revistas e jornais, revelou ler, durante o ano, aproximadamente 20 livros, em sua maioria
relacionados à religião. Afirmou gostar bastante de teatro, de que já assistiu cerca de cinco peças,
além de música Gospel e filmes, principalmente de ficção científica e ação. Nas horas de lazer,
estudar a Bíblia e a ler livros de teologia são suas atividades preferidas.
Aluno 6: é do sexo feminino, casada, tem 18 anos e trabalha como operadora de máquinas.
Escolheu esse colégio por dois motivos: possuir excelentes professores e seus amigos também
estudarem nele. Após concluir o curso de Educação Geral, pretende fazer os cursos
profissionalizantes de Administração e Língua Estrangeira, com vista a se preparar melhor para
ingressar no curso superior de Turismo e Hotelaria. No que se refere aos meios de comunicação
disponíveis em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD,
computador, Internet, revistas, celular e telefone. A televisão é o principal meio de comunicação
pelo qual obtém notícias e informações. Apesar de não ter o hábito de ler jornais, revelou ler as
revistas Veja e Cláudia e, pelo menos, um livro ao ano que não esteja relacionado diretamente
com seus estudos, com preferência por obras da literatura brasileira. Ressaltou gostar também de
ouvir músicas dos estilos dance e evangélica e de filmes de romance e de comédia. Por outro
lado, afirmou não gostar de teatro. Nas horas de lazer, prefere dormir, sair, ler e dançar.
95
Aluno 7: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e trabalha como auxiliar administrativo. Este
é o seu segundo ano nesse colégio, o qual foi escolhido pela família por falta de alternativa. Está
cursando Educação Geral por acreditar que este é de melhor qualidade em comparação com o
curso de Formação Docente, e também porque não envolve muito cálculo, como acontece com o
de Contabilidade. Entretanto, apesar de não ter afinidade com cálculo, pretende fazer o curso
superior de Administração de Empresas. Em sua residência, tem acesso a televisão, rádio,
aparelho de som, DVD, computador, Internet, jornais, revistas, celular e telefone, mas não possui
MP3/MP4. Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e
informações é a Internet, seguida pela televisão, rádio e jornal. Afirmou ter o hábito de ler a
revista Época, os jornais O Diário, Folha de São Paulo e folha de Londrina e lê, anualmente,
sete livros não relacionados,diretamente,com seus estudos. Questionada acerca de qual livro lido
recentemente recomendaria, citou a obra de Dan Brown intitulada O código da Vinci. Ressaltou
gostar também de ouvir músicas dos estilos funk, rap, sertanejo, samba e romântico, e de assistir
filmes de romance, comédia e aventura. Por outro lado, afirmou não gostar de teatro. Gosta de
dormir e navegar na Internet nas horas de lazer.
Aluno 9: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e atualmente está à procura de seu primeiro
emprego. Este é o seu segundo ano no colégio, no qual ingressou pelo fato de todas as suas
amigas estudarem ali. Escolheu o curso de Educação Geral, pois não se identificou com os cursos
profissionalizantes oferecidos pelo colégio. Após finalizar esta etapa, pretende fazer o vestibular,
porém ainda está em dúvida em relação ao curso que gostaria de fazer. Os meios de comunicação
a que revelou ter acesso em sua casa foram: televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador,
Internet, celular e telefone. Afirmou que a televisão é o principal meio de comunicação pelo qual
obtém notícias e informações. Apesar de não ter o hábito de ler revistas e jornais, gosta de ler
livros não relacionados diretamente com seus estudos. Lê, em média, 10 livros por ano e, ao lhe
perguntarmos qual livro leu recentemente, citou as obras: O cobrador, Os ratos e Senhora. Além
disto, afirmou gostar de teatro, música de quase todos os estilos, filmes de terror e de ficção
científica. Nas horas de lazer, gosta de namorar e passear.
Aluno 11: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e atualmente está desempregada. Há um ano
estuda nesta instituição de ensino, porque precisa trabalhar e para isso foi necessário estudar no
96
período noturno. Resolveu escolher o curso de Educação Geral porque os cursos
profissionalizantes oferecidos pelo colégio não abrangem a área em que ela gostaria de se
especializar após finalizar o ensino médio. Os cursos de nível superior de seu interesse são os de
Ciências Biológicas e Gastronomia. Assinalou ter acesso, em sua residência, à grande maioria
dos meios de comunicação citados na lista fornecida (Anexo 02). Afirmou, também, que a
televisão é o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Apesar de
não ter o hábito de ler jornais e revistas, disse ler, a cada ano, um livro não relacionado
diretamente com seus estudos; e ao perguntarmos qual livro lera recentemente, citou a obra O
diário de Débora. Além disto, revelou gostar de ir ao teatro, ouvir música de todos os estilos e
assistir filmes de terror. Nas horas de lazer, navegar na Internet, ouvir música e assistir TV são
suas ocupações preferidas.
Aluno 12: é do sexo masculino, solteiro, tem 16 anos e trabalha como auxiliar de almoxarifado.
Este é o segundo ano no colégio, o qual foi escolhido pela família pelo fato de sua mãe já ter
estudado nessa instituição e ter gostado bastante do ensino oferecido. Escolheu o curso de Ensino
Médio de Educação Geral porque não gosta da área de contabilidade e também pela indicação do
seu irmão. Demonstrou interesse em dar continuidade a seus estudos, fazendo cursos
profissionalizantes e de ensino superior de Línguas Estrangeiras, Psicologia ou Informática. Em
relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir
televisão, rádio, aparelho de som, DVD, jornais, revistas, celular e telefone, não possuindo,
porém, MP3/MP4 e computador. Entretanto, apesar de não ter computador, ressaltou que acessa a
Internet, freqüentemente. Afirmou, também, que o principal meio de comunicação pelo qual
obtém notícias e informações é a televisão, seguida pelo rádio. Descreveu ler o jornal O diário e a
revista Teen mania, mas raramente. Além disto, afirmou gostar de ler um a dois livros por ano,
que não estejam relacionados diretamente com seus estudos, destacando e recomendando Vale
dos dinossauros. Revelou gostar de ouvir músicas relacionadas aos vários estilos de rock (heavy
metal, emo core e heard core) e assistir filmes, principalmente, de terror, ficção científica, ação e
comédia. Por outro lado, afirmou não gostar de teatro. Nas horas de lazer, suas atividades
preferidas são conversar com os amigos e passear.
97
Aluno 14: é do sexo feminino, solteira, completou recentemente 19 anos e atualmente trabalha
como fiscal de provas. Este é seu primeiro ano nessa instituição de ensino, a qual foi escolhida
pela família por considerá-la uma boa escola. Por não se interessar pelos cursos
profissionalizantes oferecidos pelo colégio, matriculou-se no curso de Educação geral e, após
finalizá-lo, pretende continuar seus estudos na área de Medicina Veterinária. Os meios de
comunicação a que tem acesso em sua residência são televisão, rádio, aparelho de som, DVD,
revistas e telefone, não tendo acesso, porém, a MP3/MP4, Internet e jornais. A maior parte das
informações e notícias a que tem acesso são obtidas por meio da televisão. Revelou não ter o
hábito de ler livros, jornais e revistas e de ir ao teatro. Por outro lado, ressaltou gostar de ouvir
música dos estilos romântico, sertanejo, pop rock e dance, e assistir filmes de todos os estilos,
exceto de terror. Nas horas de lazer, gosta de descansar.
Aluno 15: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e atualmente está apenas estudando. Este é o
segundo ano nesse colégio e afirmou que o principal motivo desta escolha foi o fato de ter um
companheiro com quem pode ir e voltar do colégio. Matriculou-se no curso de Ensino Médio de
Educação Geral por não ter afinidade com nenhum dos cursos profissionalizantes oferecidos pelo
colégio e por acreditar que esta modalidade proporciona uma boa formação para que possa dar
continuidade aos seus estudos em nível superior. Quanto às suas expectativas em relação ao
ensino superior, revelou ter interesse pelo curso de Psicologia. A estudante assinalou possuir em
sua residência todos os meios de comunicação citados na listagem fornecida (Anexo 02).
Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é
a televisão, seguida pelo rádio. Declarou possuir hábito de ler jornais, revistas e livros não
relacionados diretamente com seus estudos. Ao lhe perguntarmos qual livro lera recentemente,
citou a obra intitulada O crime do padre Amaro. Ressaltou gostar também de teatro e que já teve
a oportunidade de assistir cerca de sete peças; gosta ainda de ouvir músicas e assistir filmes de
todos os estilos. Nas horas de lazer, prefere descansar e passear.
Aluno 17: é do sexo feminino, solteira, tem 18 anos e trabalha como vendedora. Entrou em 2007
nesse colégio, devido ao incentivo da família, que o considera uma boa instituição de ensino.
Escolheu o curso de Educação Geral por não se interessar pelos cursos profissionalizantes e, após
finalizar esta etapa, pretende fazer o curso de Direito. No que se refere aos meios de comunicação
98
a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD,
computador, Internet, jornais, revistas, celular e telefone. Informou ser a Internet o principal meio
de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Revelou ler, às vezes, o jornal O diário,
e freqüentemente, a revista Isto É, embora não tenha a hábito de ler livros que não estejam
relacionados diretamente com seus estudos. Além disto, afirmou gostar de teatro, música pop,
sertaneja e romântica, e de assistir filmes românticos e de terror. Nas horas de lazer, gosta de
descansar.
Aluno 18: é do sexo feminino, solteira, tem 15 anos, não está trabalhando, e está estudando à
noite porque é o único período em que seu pai pode ficar em casa cuidando de sua filha. Estuda
no colégio há apenas seis meses e este foi escolhido por estar localizado próximo à sua
residência. Está cursando Educação Geral por acreditar que este curso oferece uma melhor
preparação para o ingresso no ensino superior, em que pretende estudar Nutrição. Assinalou ter
acesso, em sua residência, aos seguintes meios de comunicação: televisão, rádio, aparelho de
som, DVD, computador, Internet, MP3/MP4, celular e telefone. Afirmou também que o principal
meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão. Afirmou não ter o
hábito de ler jornais, revistas e livros. Por outro lado, revelou gostar de teatro, música pop e rock
e assistir filmes. Nas horas de lazer, prefere assistir TV e acessar a Internet.
Aluno 19: é do sexo masculino, solteiro, tem 18 e atualmente está desempregado. Este é o seu
segundo ano no colégio, e o escolheu porque, em sua opinião, possui bons professores e o ensino
que oferece é de boa qualidade. Apesar de estar cursando Educação Geral, tenciona
posteriormente fazer cursos profissionalizantes, e se decidir continuar seus estudos, pretende
fazer o curso superior de Arquitetura. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em
sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, jornais,
revistas, MP3/MP4 e celular. Não tendo acesso à Internet. Afirmou também que as revistas são o
principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações, seguidas da televisão.
Disse ler, frequentemente, o jornal Gazeta do Povo e revistas, porém revelou não gostar de ler
livros não relacionados diretamente com seus estudos. Além disto, afirmou gostar de ouvir
música dos estilos rock, black e rap, e de assistir filmes de ação. Nas horas de lazer, jogar
videogame é sua atividade preferida.
99
Aluno 20: é do sexo masculino, solteiro, tem 19 anos e trabalha como auxiliar de escritório. Por
considerá-la uma boa escola, ingressou nesta instituição de ensino este ano. Apesar de estar
cursando Educação Geral, pretende, posteriormente, fazer o curso profissionalizante de
Administração para expandir seus conhecimentos, uma vez que já trabalha nesta área; e gostaria
de fazer o curso superior em Contabilidade. Em relação aos meios de comunicação a que tem
acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador,
Internet, jornais, revistas e celular. Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo
qual obtém notícias e informações é o rádio, seguido pela Internet. Disse ler, diariamente, o jornal
O diário e, com pouca freqüência, revistas; porém ressaltou não gostar de ler livros que não
estejam relacionados diretamentecom seus estudos. Além disto, afirmou gostar de teatro, música
de todos os estilos e filmes de ação, ficção científica, história real, romance e de comédia. Passear
e visitar amigos e parentes são suas atividades preferidas, nas horas de lazer.
Aluno 23: é do sexo masculino, solteiro, tem 20 anos e trabalha na área de análise e crédito
(cobrança) em uma concessionária. Este é o seu primeiro ano nesta instituição de ensino, a qual
foi escolhida por um motivo de praticidade: é o colégio mais próximo de seu trabalho. Parou seus
estudos por algum tempo e, após dois anos sem estudar, deu continuidade ao curso de Educação
Geral, pois constatou o peso da educação no momento de obter um emprego. Entre os motivos da
preferência pelo curso de Educação Geral se destacam o menor tempo requerido para conclusão e
melhor preparação para o seu ingresso no ensino superior, em que pretende estudar Arquitetura.
Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou todos os
itens contidos na lista dada (Anexo 02). Afirmou, também, que o principal meio de comunicação
pelo qual obtém notícias e informações é o jornal, seguido pelas revistas. Demonstrou ter o hábito
de ler, freqüentemente, revistas, jornais e livros não relacionados diretamente com seus estudos.
Lê, em média, nove livros por ano, e quando questionado sobre qual livro lido recentemente
recomendaria, citou O código da Vinci. Além disto, afirmou gostar de teatro, já tendo tido a
oportunidade de assistir a cerca de cinco peças; gosta ainda de música de vários estilos,
destacando-se os de MPB, clássicos e pop rock, e de filmes. Nas horas de lazer, gosta de ler ou
realizar atividades que envolvam aquisição de conhecimento.
100
Aluno 24: é do sexo masculino, solteiro, tem 19 anos e trabalha como motoboy. Há três anos
estuda nesse colégio e escolheu cursar Educação Geral porque os outros cursos não lhe
interessavam. Ao finalizar a educação básica, não sabe o que irá fazer, porém, se continuar seus
estudos, gostaria de estudar Psicologia. Assinalou ter acesso, em sua residência, aos seguintes
meios de comunicação: televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet,
MP3/MP4, celular e telefone. Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual
obtém notícias e informações é a televisão, seguida pela Internet. Demonstrou não ter o hábito de
ler revistas, jornais e livros não relacionados diretamente com seus estudos. Além disto, revelou
não gostar de assistir peças teatrais. Por outro lado, afirmou gostar de ouvir música,
principalmente, black e rock, e de assistir a filmes de ficção científica. Nas horas de lazer, adora
passear.
Aluno 28: é do sexo feminino, solteira, tem 27 anos e trabalha como bordadeira. Há um ano está
estudando neste colégio, o qual foi escolhido porque aparenta oferecer um ensino melhor,
comparado a outras instituições. Por motivos pessoais foi obrigada a parar seus estudos na
juventude e, ao retornar, decidiu cursar Educação Geral, pois concluiu que seria o melhor a fazer
após tantos anos sem estudar. Quando finalizar esta etapa escolar, pretende continuar estudando e
fazer o curso de Ciências Biológicas. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em
sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet,
revistas, celular e telefone. Afirmou, também, que o rádio é o principal meio de comunicação
pelo qual obtém notícias e informações. Demonstrou não ter o hábito de ler revistas, jornais e
livros que não estejam relacionados diretamente com seus estudos. Além disto, ressaltou não
gostar de assistir a peças teatrais e filmes. Por outro lado, afirmou ter grande afinidade com
músicas sertaneja e religiosa. Nas horas de lazer, gosta de descansar.
Aluno 30: é do sexo feminino, solteira, tem 17 anos e trabalha como atendente. Escolheu estudar
nesse colégio porque é bem-conceituado no que se refere ao ensino de qualidade. Iniciou o ensino
médio na área de magistério, mas se decepcionou com o curso e, diante disto, resolveu ingressar
no curso de Educação Geral. Após finalizar a educação básica, pretende continuar seus estudos e
fazer o curso superior em Fisioterapia. Televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador,
Internet, jornais, MP3/MP4, celular e telefone são os meios de comunicação a que assinalou ter
101
acesso em sua residência. Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual
obtém notícias e informações é a televisão. Apesar de não ter o hábito de ler revistas, procura ler
o jornal O diário, semanalmente, e um a dois livros ao ano que não estejam diretamente
relacionados com seus estudos, destacando os seguintes livros lidos recentemente: Marley e eu,
Feiurinha e A moreninha. Além disto, afirmou gostar de teatro, música de todos os estilos, exceto
rock, e filmes de desenho, romance e de comédia. Nas horas de lazer, gosta de passear.
Aluno 35: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e trabalha como vendedora. Este é seu
primeiro ano no colégio, e a decisão de estudar nele foi tomada por sua mãe, que já estudava
nessa instituição e elogiava bastante o ensino oferecido. Após concluir o ensino médio, pretende
fazer vestibular para Moda ou Medicina. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso
em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador,
Internet, revistas, MP3/MP4, celular e telefone. Afirmou também que o principal meio de
comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão, seguida pelo rádio. Apesar de
não ter o hábito de ler jornais, revelou gostar de ler as revistas Minha Novela, Todateen e Marie
Clarie, e de ler livros não relacionados diretamente com seus estudos. Lê, em média, três livros
ao ano, e, ao ser questionada sobre qual livro lido recentemente recomendaria, citou a obra
intitulada O cobrador. Além disto, afirmou gostar de teatro, música de todos os estilos e filmes
de romance e de comédia. Nas horas de lazer, adora namorar e descansar.
Aluno 36: é do sexo feminino, solteira, tem 17 anos e está à procura de seu primeiro emprego.
Este é o seu terceiro ano no colégio, o qual foi escolhido pela família por oferecer um ensino de
maior qualidade em relação às outras instituições. Embora atualmente esteja cursando Educação
Geral, ao iniciar o ensino médio se matriculou no curso de Formação Docente, com o qual não se
identificou. Ao finalizar a educação básica, pretende continuar estudando e fazer um curso
superior na área de comunicação. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua
residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, computador, Internet, celular e
telefone. Afirmou, também, que a televisão é o principal meio de comunicação pelo qual obtém
notícias e informações. Apesar de não ter o hábito de ler revistas e jornais, gosta de ler livros que
não estão relacionados diretamente com seus estudos. Lê, em média, quatro livros ao ano, e
quando questionada sobre qual livro lido recentemente recomendaria, citou Lucíola, A primeira
102
reportagem e Senhora. Além disto, afirmou gostar de música gospel e filmes de comédia, ação e
de romance.Revelou não ter afinidade por teatro. Nas horas de lazer, ler a bíblia é sua atividade
preferida.
Aluno 37: é do sexo masculino, solteiro, completou 17 anos durante o desenvolvimento da
pesquisa e trabalha como photo e webdesigner. Há dois anos estuda nesse colégio, pois ouviu
falar muito bem da instituição. Está cursando Educação Geral, e não Formação de Docência ou
Contabilidade, porque não pretende ser professor e, também não gostaria de seguir a carreira em
contabilidade, uma vez que já trabalhou nesta área e não se identificou. Após finalizar a educação
básica, almeja continuar trabalhando e estudando na área de Informática. Em relação aos meios
de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho
de som, DVD, computador, Internet, MP3/MP4, celular e telefone; afirmou também que a
Internet é o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Apesar de
não ter o hábito de ler revistas e jornais, gosta de ler livros não relacionados diretamente com
seus estudos. Lê de dois a dez ao ano, e, quando questionada sobre qual livro lera recentemente,
citou Os miseráveis e A floresta dos homens loucos. Além disto, afirmou gostar de teatro, ouvir
músicas dos estilos de rock e hip rop e de assistir filmes de terror, ficção científica e de comédia.
Nas horas de lazer, tocar, conversar com os amigos e navegar na Internet são suas atividades
preferidas.
Aluno 40: é do sexo masculino, solteiro, tem 18 anos e atualmente está desempregado. Ingressou
no colégio este ano porque ouviu falar muito bem da instituição. Está cursando Educação Geral
por não ter se interessado pelos cursos profissionalizantes oferecidos pela instituição de ensino.
Após finalizar o Ensino Médio, pretende continuar estudando. Em relação aos meios de
comunicação aque tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de
som, DVD, computador, Internet, MP3/MP4, celular e telefone. Afirmou também que a televisão
é o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Revelou não ter o
hábito de ler revistas, jornais e livros não relacionados diretamente com seus estudos. Por outro
lado, afirmou gostar de ouvir músicas e assistir filmes, mas não gostar de teatro. Nas horas de
lazer, passear e navegar na Internet são suas atividades preferidas.
103
Aluno 42: é do sexo feminino, solteira, tem 18 anos e trabalha como babá e garçonete. Mudou-se
para o município este ano com sua família e resolveu matricular-se nesta instituição de ensino
devido a recomendações de várias pessoas. Escolheu o curso de Educação Geral por considerar
ser a modalidade de Ensino Médio que prepara melhor os estudantes para o vestibular. Após
finalizar esta etapa de ensino, pretende fazer vestibular, porém ainda está em dúvida em relação à
área na qual gostaria de estudar. Assinalou ter acesso, em sua residência, aos seguintes meios de
comunicação: televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, MP3/MP4, celular e
telefone, não tendo, porém, acesso à Internet. Afirmou também que o principal meio de
comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão. Apesar de não ter o hábito de
ler revistas e jornais, gosta de ler livros não relacionados diretamente com seus estudos. Além
disto, afirmou gostar de teatro, de ouvir música de todos os estilos e de filmes de romance e de
histórias reais. Nas horas de lazer, passear, ouvir música, conversar com os amigos e curtir a
família são suas atividades preferidas.
Aluno 43: é do sexo feminino, solteira, tem 17 anos e trabalha como babá. Mudou-se para o
município este ano com sua família e resolveu matricular-se nessa instituição de ensino por ter
ouvido falar muito bem do ensino que ela oferece. Escolheu estudar Educação Geral porque é o
curso que pode prepará-la melhor para os cursos e concursos para polícia militar e civil que
pretende fazer, após finalizar o ensino médio. Em relação aos meios de comunicação a que tem
acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, jornais,
revistas e celular, não possuindo, porém, MP3/MP4 e computador. Ressaltou que, apesar de não
ter computador, acessa a Internet freqüentemente. Afirmou também que a televisão é o principal
meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Tem o hábito de ler os jornais O
Diário e Folha de São Paulo, diariamente; as revistas Época e Marie Clarie, freqüentemente; e
livros que não estão diretamente relacionados com seus estudos. Complementou dizendo que os
livros que mais gosta de ler são os de auto-ajuda, destacando os livros Ninguém tropeça em
montanhas e A escuridão do pó branco. Além disto, afirmou gostar de teatro, ouvir música principalmente, axé, pagode, música sertaneja e pop rock, e de assistir a filmes de romance,
comédia e de terror. Nas horas de lazer, adora desenhar e brincar com seu animal de estimação.
104
Três aspectos da caracterização geral e individual dos estudantes nos chamam a atenção:
muitos deles descreveram estar estudando nessa escola devido à qualidade do ensino oferecido; a
maioria demonstrou a pretensão de dar continuidade aos estudos em nível superior e todos
assinalaram ter acesso à maior parte dos meios de comunicação listados no questionário de coleta
de dados, destacando-se o uso da Internet.
Esse discurso poderia refletir, para qualquer pessoa externa à realidade escolar, a
ocorrência de melhorias e inovações no sistema educacional em termos de conhecimento e
“competências”, exigidas pela sociedade atual, denominada por muitos autores de “sociedade do
conhecimento”. Não obstante, há falta de consenso entre os dizeres dos alunos e as revelações da
professora em relação às dificuldades de aprendizagem e desinteresse, pelos estudos por parte dos
alunos. Esse desinteresse e/ou a dificuldade em conciliar os estudos com o trabalho e com outros
fatores inerentes à vida particular de cada um, também se refletem na variação do fluxo da
freqüência às aulas e no alto índice de desistência (TABELA 01).
Tornam-se evidentes, também, as contradições entre a facilidade de acesso aos meios de
comunicação – ressaltando-se a Internet – que tem essa nova geração de estudantes, de um modo
geral, e o seu desempenho insatisfatório em relação à apropriação do conhecimento
sistematizado, identificado nos resultados de avaliações externas de caráter internacional como o
PISA, por exemplo.
Por fim, podemos ainda identificar certo antagonismo entre esses resultados do
desenvolvimento intelectual e cultural dos estudantes e o poder ilusório do sistema educacional
brasileiro, apoiado, como já descrevemos, em pedagogias de “competências” e do “aprender a
aprender”, em detrimento do ato de ensinar (DUARTE, 2001a; 2001b; SANTOS, 2005).
Em relação à perspectiva de a educação escolar desenvolver no indivíduo a autonomia
intelectual e a liberdade de pensamento e expressão, Duarte (2001a). revela não discordar dessa
afirmação, mas contesta a hierarquia valorativa, segundo a qual o “aprender sozinho situa-se em
um nível mais elevado do que a aprendizagem resultante da transmissão de conhecimentos por
105
alguém” (DUARTE, 2001a, p. 36). Sobre este confronto do “aprender a aprender” versus a
transmissão do conhecimento, o autor expressa seu pensamento da seguinte forma:
Ao contrário desse princípio valorativo, entendo ser possível postular uma
educação que fomente a autonomia intelectual e moral através justamente da
transmissão das formas mais elevadas e desenvolvidas do conhecimento
socialmente existente (DUARTE, 2001 a, p. 36).
Neste contexto, voltamos a destacar as reflexões do autor (2001b) sobre essas
pedagogias que, ao invés de almejarem uma transformação da sociedade por meio da superação
das desigualdades sociais e culturais, apresentam apenas um caráter de função adaptativa, isto é, a
de preparar os indivíduos para o desenvolvimento de competências exigidas pela atual “sociedade
do conhecimento”, fundamentada no ideário do capitalismo.
Isto consigna que o simples acesso aos meios de comunicação não garante por si só a
apropriação do conhecimento científico sistematizado. Sobre este aspecto, Gasparin (2003, p. 1)
escreve que “não se dispensam as tecnologias, pelo contrário, exige-se, cada vez mais, sua
presença na escola, mas como meios auxiliares e não como substitutos dos professores”.
3.4 Caracterização dos instrumentos utilizados para a coleta e análise de dados.
Tendo como base a questão problemática norteadora da nossa investigação, que
consistiu em verificar como o ensino pode ser organizado de forma a promover a aprendizagem e
o desenvolvimento do pensamento conceitual dos estudantes, escolhemos como procedimento de
coleta de dados organizar e acompanhar os processos de ensino e aprendizagem em todos os seus
aspectos: fundamentação teórica, planejamento, execução, avaliação e replanejamento.
Para a efetivação dessa investigação, o caminho escolhido por nós foi o de organizar e
desenvolver as ações docentes e discentes em conjunto com a professora da classe selecionada e
acompanhar o movimento da elaboração dos conhecimentos científicos pelos estudantes à medida
que estes foram sendo trabalhados em sala de aula. Portanto, a pesquisadora não só se preocupou
106
em observar o comportamento dos alunos participantes e das situações de ensino desencadeadas,
mas desempenhou um papel ativo em todas as etapas consideradas importantes para a coleta e
análise dos dados, tais como: investigação e análise das elaborações iniciais dos conceitos
apresentadas pelos alunos; estudos, reflexões, organização e desenvolvimento dos procedimentos
de ensino; intervenções durante a ação docente em sala de aula; investigação e análise contínua
das reelaborações dos conceitos pelos alunos; reflexão, replanejamento e desenvolvimento de
novas ações docentes e discentes e avaliação final.
Todas essas etapas da pesquisa foram conduzidas de forma articulada e se constituíram
em procedimentos de observação, intervenção e investigação, tornando-se difícil, muitas vezes, a
distinção entre os procedimentos pedagógicos e os procedimentos de investigação, apesar de
serem processos distintos.
Dessa forma, esses procedimentos caracterizam uma metodologia qualitativa que tem
como finalidade a realização de uma investigação didática.
3.4.1. A fundamentação teórica: os primeiros encontros com a professora
participante
A ação conjunta entre a pesquisadora e a professora participante iniciou-se no mês de
janeiro de 2007 e prosseguiu, semanalmente, durante todo o período de desenvolvimento da
pesquisa, que abrangeu o 1º semestre do ano letivo de 2007.
Nos primeiros quatro encontros, antes de iniciarmos os planejamentos propriamente
ditos, foram realizados estudos e discussões sobre mediação simbólica; pensamento e linguagem;
desenvolvimento e aprendizagem, destacando-se os conceitos de níveis de desenvolvimento real,
e potencial; zona de desenvolvimento proximal; e as relações desses conhecimentos com a
apropriação e elaboração dos conceitos científicos. Esses estudos foram fundamentados,
principalmente, nas obras A formação social da mente (2007) e A construção do pensamento e
107
linguagem (2001a), escritas por Vygotsky, bem como na de Marta Kohl de Oliveira intitulada
“Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico” (1997).
Os temas geradores serviram de pilares nas discussões sobre o papel do professor como
mediador intencional do conhecimento, dando ênfase às interações discursivas desencadeadas por
meio de situações problematizadoras e procedimentos de avaliação contínua das elaborações e
reelaborações dos estudantes. Outro tema também discutido foi a importância da dimensão
histórica dos conteúdos como instrumento de auxílio à apropriação e elaboração dos
conhecimentos sistematizados pela ciência.
Leituras de capítulos das obras selecionadas foram realizadas, individualmente, pela
professora participante e pesquisadora durante os dias da semana, sendo os encontros reservados
para discussões e reflexões de como esses conhecimentos podem influir na prática docente.
3.4.2. Planejamento das ações discentes e docentes:
Os planejamentos semanais das ações docentes e discentes, iniciados na primeira
semana de fevereiro de 2007, foram igualmente realizados de forma colaborativa entre a
professora participante, a pesquisadora e os alunos, no sentido de levar em consideração sua
prática social inicial, isto é, suas concepções prévias, interesses e necessidades, transformando-os
em situações-problema que nortearam a organização das ações docentes e discentes. Dessa
forma, as tomadas de decisões para a organização do ensino, fundamentaram-se na Pedagogia
Histórico-Crítica, proposta por Saviani (1989) e descrita por Gasparin (2003) e Santos (2005),
sendo
constituída
pelas
seguintes
etapas:
prática
social
inicial,
problematização,
instrumentalização, catarse e prática social final.
A prática social inicial é o momento de apresentar os conteúdos que serão estudados e
relacioná-los à vida cotidiana dos estudantes, desafiando-os e motivando-os a expressar suas
concepções prévias, necessidades, problemas e interesses. Sobre esta etapa, Santos (2005, p. 11)
ressalta:
108
Partir do social significa partir do humano genérico, das preocupações coletivas,
da dimensão na qual se manifestam nossas lutas, realizações e contradições.
Assume-se que o aluno não é ‘menos’, mas que sabe menos ou sabe de forma
não organizada, o que indica ser o professor o organizador da estratégia de
ensino.
Para organizar as estratégias de ensino, é fundamental que o professor identifique,
anteriormente, os principais problemas colocados na prática social inicial. Este momento referese à etapa da problematização, que pode ser subdividida em dois passos: elaboração de situaçõesproblema, partindo das concepções – muitas vezes, contraditórias em termos científicos –,
necessidades e interesses dos estudantes; e determinação e dimensão dos conhecimentos
científicos já produzidos pela humanidade e capazes de contribuir para o entendimento e solução
dos problemas propostos. Os conteúdos selecionados, dependendo da prática social inicial,
podem assumir diferentes dimensões: conceitual/científica, histórica, social, econômica, política,
religiosa e outras.
Na etapa seguinte, denominada de instrumentalização, as ações docentes e discentes são
planejadas e os recursos didático-pedagógicos são selecionados com vista ao equacionamento dos
problemas levantados na prática social inicial e sistematizados na problematização. Desta forma,
“todo o processo de ensino-aprendizagem é encaminhado para, explicitamente, confrontar os
sujeitos da aprendizagem – os alunos – com o objeto sistematizado do conhecimento – o
conhecimento” (GASPARIN, 2003, p. 51).
Após possibilitar a apropriação e elaboração do conhecimento científico, é chegado o
momento de verificar se os objetivos propostos na prática social inicial foram atingidos pelos
estudantes. Essa fase é chamada de catarse, e abrange a análise de dois aspectos: a elaboração
mental da nova síntese e a expressão prática da nova síntese. O primeiro se refere à análise da
sistematização do conteúdo realizada pelo aluno, já o outro aspecto se detém em conhecer como
os estudantes passaram a interpretar a realidade social após ter tido acesso ao conhecimento
sistematizado.
Nas palavras de Gasparin (2003, p. 134):
109
Esse é o momento da avaliação que traduz o crescimento do aluno, que expressa
como se apropriou do conteúdo, como resolveu as questões propostas, como
reconstituiu seu processo de concepção da realidade social e como, enfim,
passou da síncrese à síntese.
Na última fase, denominada de prática social final, o processo pedagógico retorna a
realidade social dos estudantes, permitindo a transposição dos conteúdos estudados no nível
teórico para o nível prático, em que professor e alunos elaboram e desenvolvem um plano de ação
articulando educação e sociedade.
Estas etapas não foram seguidas da forma restrita e seqüencial como aqui foram
apresentadas, mas muitas vezes se misturaram de uma forma dinâmica na interação entre
professora, pesquisadora, alunos e conhecimento, não sendo possível identificá-las isoladamente.
3.4.3. Execução, avaliação e re-planejamento das aulas organizadas:
As atividades desenvolvidas e os procedimentos utilizados incluíram discussões a partir
de situações-problema, elaboradas com base nos seguintes aspectos: a prática social inicial; a
leitura, interpretação, reprodução e produção de textos de forma individual ou em grupo; estudo
dirigido; atividades lúdicas por meio de jogos e dramatizações; e a dimensão histórica, científica,
cultural e social do tema abordado; porém, sempre se utilizou como instrumento principal a
mediação interativa e discursiva (FONTANA, 2005; LORENCINI JR., 1995; MORTIMER;
AGUIAR, 2005; MORTIMER; SCOTT, 2002).
Mais do que procedimentos ordenados passo a passo, a idéia foi assumir a
mediação da dinâmica da interação, como forma de viabilizar o espaço do outro,
o dizer do outro e a possibilidade de, nesse mesmo processo, entretecer os
dizeres em circulação, questioná-los, redimensioná-los e sistematizá-los
(FONTANA, 2005, p. 71).
Dessa forma, o ensino foi desenvolvido de modo a promover e intensificar as interações
verbais entre os sujeitos envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem, por meio das quais
110
se “exploram idéias, formulam perguntam autênticas e oferecem, consideram e trabalham
diferentes pontos de vista” (MORTIMER; SCOTT, 2002, p. 6).
3.4.4. Coleta e análise dos dados
As elaborações dos conceitos pelos estudantes, conceitos que constituíram a fonte de
dados para a análise da nossa investigação, foram obtidas nos pronunciamentos dos alunos
gravadas durante as interações discursivas, nos textos elaborados por eles, e com a observação de
seu desempenho nas atividades propostas, como jogos e dramatizações.
Na análise dessas elaborações, procuramos identificar as modalidades de generalização
do conceito, estabelecendo categorias, baseadas nos estudos de Vygotsky (2001a), Luria (1994) e
Natadze (1991), em relação ao desenvolvimento dos conceitos nas crianças e adultos, que implica
nas variações no uso da palavra e na forma de raciocinar. Referências a estes estudos foram
realizadas no primeiro capítulo desta dissertação, contemplando os três estágios de
desenvolvimento dos conceitos identificados por Vygotsky e utilizados na nossa análise para
estabelecer as categorias de elaboração conceitual dos estudantes. Estas categorias são descritas a
seguir.
- Sincretismo: caracteriza-se pelas idéias, concepções ou formas elementares de
pensamento que apresentam uma organização difusa e não direcionada do significado da palavra.
Nesta fase, é particularmente difícil para o sujeito assimilar as características essenciais de um
conceito, uma vez que só consegue estabelecer nexos vagos, baseados em relações diretofigurativas, originadas de suas próprias impressões.
- Complexos: ao contrário da fase anterior, no pensamento por complexos o sujeito
inicia os primeiros passos na análise e na operação intelectual que supõem abstrair, isolar o
conceito, examiná-lo separadamente da totalidade da experiência concreta e estabelecer elos com
outros conceitos. No entanto, como observa Fontana (2005), no pensamento por complexo o
111
traço abstraído do conceito é ainda instável, factual, tornando-se mais estável à medida que a
elaboração de complexos associativos vai criando base para generalizações posteriores.
- Conceitos: esse estágio de pensamento é atingido quando se forma o conceito
propriamente dito, isto é, quando o conceito se torna instrumento do pensamento do sujeito,
permitindo a combinação, a generalização, a discriminação, a abstração, o isolamento, a
decomposição, a análise e a síntese.
Essa fase da pesquisa, desenvolvida durante o 1º semestre do ano letivo de 2007,
abrangeu um total de 30 horas/aula. Entretanto, para facilitar a análise dos dados, agrupamos as
aulas por assunto trabalhado, constituindo o que denominamos de “Episódios de Ensino”. O
número de aulas, objetivos, assunto discutido e metodologia empregada em cada episódio
contemplado por esta pesquisa pode ser observada na Tabela 02.
Os episódios de ensino foram registrados por meio de filmagens, gravações, anotações e
fotos. Todas as aulas foram transcritas, e posteriormente se procedeu à análise qualiquantitativa
dos dados. No entanto, nem todos os diálogos efetuados e transcritos foram considerados por nós
na análise e discussão dos dados, tendo sido utilizados aqueles que demonstraram a evolução do
pensamento conceitual dos estudantes.
Para representar as falas da pesquisadora e da professora nos diálogos, utilizamos,
respectivamente, as siglas Ps e P. Já os alunos são representados pela letra A seguida do número
que constava no livro de chamada para cada estudante, particularmente.
Os diálogos efetuados durante as aulas desenvolvidas e considerados por nós importantes,
bem como as respectivas análises e discussões acerca do desenvolvimento conceitual dos alunos
em relação ao tema trabalho são apresentadas por nós no próximo capítulo.
112
Tabela 02: O número de aulas, objetivos, assunto discutido e metodologia empregada em cada
episódio de ensino.
Instrumentalização
Episódios
Assunto
Objetivos
1º.
Apresentação
da
pesquisadora,
professora, alunos e
conteúdo.
Conhecer as necessidades,
interesses e afinidades dos
alunos-participantes
pela
disciplina de Biologia, e o
que já sabiam sobre o tema
que iria ser trabalhado.
Conhecer os conceitos
prévios dos estudantes e
promover as elaborações
iniciais a respeito dos
seguintes conceitos básicos
de
genética:
espécie,
característica hereditária e
adquirida, hereditariedade,
genética,
DNA,
cromossomos e células.
Episódio
de Ensino
2.º
Introdução
Genética
a
Episódio
de Ensino
3.º
Episódio
O
que
é
Hereditariedade?
Avaliar como o conceito de
hereditariedade
estava
sendo elaborado.
Número
de aulas
2
4
2
Ações docentes
Aplicação
questionários
de
-Apresentar
questionamentos,
situaçõesproblema.
-promover
interações verbais
Proposição
uma questão.
de
de Ensino
4º
Episódio
O Mecanismo da
Hereditariedade no
decorrer dos tempos
de Ensino
5º
Episódio
de Ensino
Conceitos básicos
de genética
Possibilitar aos estudantes o
acesso
às
construções
históricas do conhecimento
sobre o “Mecanismo da
Hereditariedade”, partindo
das
contribuições
dos
filósofos
gregos
da
antiguidade
até
as
descobertas dos gametas,
cromossomos e divisões
celulares.
Trabalhar os conceitos
básicos da genética, tais
como:
raça,
espécie,
híbrido,
característica
hereditária,
fenótipo,
hereditariedade,
cromossomos, entre outros,
6
2
- Organizar as
atividades:
leitura,
reprodução
e
produção
de
textos.
Promover
interações verbais
Estabelecer
situaçõesproblema
e
questionamentos,
utilizando como
apoio didático a
reportagem “Que
cachorro é este”,
publicada
na
Revista veja de 7
de março/2007.
Ações discentes
Responder
questões
propostas.
as
Participar
das
interações
verbais
promovidas em
sala de aula.
Discutir
e
responder,
em
grupo, à seguinte
questão: “Como
vocês explicam o
mecanismo
da
hereditariedade?
Realizar leituras
do livro; efetuar
a reprodução e
produção
de
textos; participar
das
interações
verbais
Participar
interações
verbais.
das
113
Episódios
Assunto
Objetivos
Apresentar
os
mecanismos da herança
mendeliana, utilizando-se
da história da genética.
6º. Episódio
de Ensino
1ª Lei de Mendel
7.º Episódio
de Ensino
1ª Lei de Mendel Conhecendo
as
elaborações iniciais
dos estudantes.
8.º Episódio
de Ensino
9º. Episódio
de Ensino
10.º
Episódio de
Ensino
11.º
Episódio de
Ensino
1ª lei de Mendel exercícios
Conceitos básicos
de genética
Transmissão
informações
hereditárias
Mecanismo
hereditariedade
das
da
Investigar
como
os
conceitos de linhagem
pura; planta híbrida; traço
dominante e recessivo;
fatores
hereditários;
cromossomos homólogos;
indivíduo
homozigoto,
heterozigoto e fenótipo
estavam sendo aprendidos
e
elaborados
pelos
estudantes.
Possibilitar, por meio da
resolução de problemas de
genética, a aplicação e
reforço dos conceitos
aprendidos.
Auxiliar no aprendizado e
fixação dos conceitos
referentes à genética.
Demonstrar
para
os
estudantes que a herança
biológica é determinada
pela transmissão dos
genes
Analisar
o
nível
conceitual atingido pelos
alunos.
Número
de aulas
6
Instrumentalização
Ações docentes
Ações discentes
-Promover interações;
- Apresentar e explicar
o
significado
dos
conceitos, fenômenos e
processos relacionados
a 1ª Lei de Mendel
-Responder
14
questões
dissertativas acerca
dos experimentos
de Mendel.
- Participar das
interações verbais.
Aplicação
questionário.
Responder,
individualmente, as
questões propostas.
de
1
2
2
2
Auxiliar os estudantes
na
resolução
dos
exercícios
e
proporcionar-lhes
a
aplicação, reforço e o
estabelecimento
de
relações
entre
os
conceitos estudados.
Aplicação de um jogo
lúdico: dominó de
conceitos de genética.
- Aplicar o modelo
didático-pedagógico;
-Auxiliar os estudantes
durante a atividade;
-Efetuar
questionamentos e
Apresentar situaçõesproblema aos alunos.
Aplicar questionário.
1
Resolver
os
problemas
de
genética propostos.
Montar, em grupo,
o
dominó
de
conceitos.
Efetuar, em grupo,
a Simulação da
transmissão
das
informações
genéticas de pais
para filhos por
meio
de
um
modelo didáticopedagógico.
Responder
a
seguinte questão:
Como as instruções
para a expressão
das características
hereditárias
são
transmitidas
de
pais para filhos?
114
4. A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
CONCEITUAL
DOS
ESTUDANTES
EM
RELAÇÃO
AO
MECANISMO
DE
HEREDITARIEDADE: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
4.1. 1º Episódio de Ensino: Apresentação dos professores, alunos e conteúdo.
No primeiro encontro com a turma participante, a professora regente apresentou a
pesquisadora e ambas explicaram os objetivos da pesquisa, que iria ser desenvolvida no decorrer
do 1º semestre do ano letivo de 2007, esclarecendo as dúvidas apresentadas pelos estudantes, uma
vez que todos deveriam estar de acordo em participar das atividades propostas.
Esclarecidas as dúvidas, realizamos uma prática social inicial com o objetivo de obter as
primeiras impressões sobre os estudantes participantes, isto é, suas necessidades, interesses e
afinidades com a disciplina de Biologia, bem como o que já sabiam sobre o tema que iria ser
trabalhado durante o desenvolvimento da pesquisa: os mecanismos de herança, nas perspectivas
clássica e molecular. Esta etapa é indispensável, pois, como nos lembram os estudiosos Giordan e
Vecchi (1996), conhecer o público ao qual se dirige o ensino e sua estrutura de recepção, isto é,
suas concepções, interesses e o modo pelo qual aprende, é um fator fundamental para o sucesso
dos processos de ensino e aprendizagem.
Esses dados foram obtidos mediante a aplicação de um questionário com cinco questões,
uma objetiva e quatro dissertativas, as quais contemplavam indagações acerca de suas impressões
sobre a disciplina de Biologia, os fatores que contribuíram para terem estas impressões, como
gostariam que fossem as aulas de Biologia e o que sabiam sobre genética (ANEXO 03).
Em relação às suas afinidades com disciplina de Biologia, 50% dos estudantes
afirmaram que gostam desta disciplina, uma vez que...
É bom conhecer como funciona a vida (A37).
Biologia é um curso que é fundamental para o conhecimento do nosso corpo e de
outros seres (A30).
115
Biologia [...] nós dá o privilégio de aprendermos sobre nós mesmos, seres vivos, e
muito mais coisas que nós não sabíamos (A31).
Por outro lado, alguns alunos (18,8%) comentaram apenas que gostam da disciplina, mas
não expuseram por que acham a Biologia “interessante” ou “adoram a matéria”, e, como
conseqüência de um ensino pautado em palavras vazias de conteúdo, revelaram as dificuldades
que têm encontrado durante seus estudos. São exemplos destas respostas:
Eu acho a Biologia interessante, mas não consigo entender muito (A9).
Sou muito traumatizada por causa da minha antiga professora, mais adoro a
matéria (A35).
Acho a Biologia interessante, porém, ao mesmo tempo, cansativo de se estudar
(A32).
Os demais estudantes (31,2%) revelaram desinteresse pela disciplina, e um deles (A17)
disse ter pânico pelo seu estudo, “pois é muito difícil e complicado”.
Segundo Bastos (1992), o desinteresse pela Biologia e as dificuldades de aprendizagem,
apresentados por muitos alunos, devem-se ao ensino corrente desta disciplina, que repousa,
excessivamente, no estudo de detalhes e dos processos do ser vivo, deixando de ressaltar aspectos
centrais do conteúdo e exigindo dos alunos apenas memorização de nomes, definições e
afirmações sobre as funções.
A nosso ver, um dos principais motivos que contribuem para que os estudantes não
gostem da disciplina de Biologia reside na forma fragmentada e descontextualizada em que os
conteúdos são propostos nas salas de aula pela maioria dos professores, tornando o estudo desta
disciplina sem sentido e sem utilidade para os alunos (CORAZZA-NUNES et al., 2006;
PEDRANCINI et al., 2007).
Sobre este aspecto, Vygotsky (2001a) destaca que o ensino de palavras vazias e sem
significado para o aluno resulta em mero verbalismo inconsciente, pois “a criança não assimila o
conceito, mas a palavra” (VIGOTSKI, 2001a, p. 247).
116
No que se refere às opiniões dos estudantes acerca de como gostariam que fossem as
aulas de Biologia, foi consenso que essas deveriam ser “mais práticas e menos teóricas” (A19),
“mais interativas” (A23), “divertidas e interessantes” (A12), “no laboratório, com bastante
pesquisa e muita explicação” (A21) e “com várias atividades” (A35), pois “a biologia tem que
chamar a atenção daqueles que a estudam” (A5).
A ênfase em uma pedagogia não diretiva, focalizada no autodesenvolvimento, na
realização pessoal do aluno e em métodos ativos, integrantes da pedagogia do “aprender a
aprender”, atualmente defendida por Philippe Perrenoud em seu livro Dez novas competências
para ensinar (2000), encontra-se presente, embora de modo inconsciente, nas falas desses alunos.
Para Perrenoud (2000), a escola deve “instituir um conselho de alunos e negociar com eles
diversos tipos de regras e de contratos”, dentre estes o de “não estar sempre atento”, “a só
aprender o que tem sentido”, “a se movimentar”. Conclui-se, de acordo com esta concepção, que
a organização dos processos de ensino e aprendizagem deve focalizar-se no “aprender-aaprender” em detrimento do ato de ensinar, enfraquecendo o papel de mediação e a autoridade do
professor ao outorgar ao aluno plenos poderes para decidir o quê, quando, onde e com quem
estudar.
Contrário ao poder ilusório das teorias não críticas e às teorias crítico-reprodutivistas,
Santos (2005), embasado na Teoria Histórico-Cultural, defende o resgate dos conteúdos
relevantes, a autoridade e o papel mediador do professor nos processos de ensino e
aprendizagem:
Nesse momento, nossa luta é recriar condições que permitam uma educação
substanciosa, consistente e clássica. Só se pode educar com um mínimo de
disciplina, respeito às normas, regras e procedimentos. Que se garanta ao aluno
o direito de expressão, de defesa e protesto, mas que isso não signifique calar os
educadores e escravizá-los (SANTOS, 2005, p. 8).
Ao assinalarem a questão sobre quanto sabiam de genética, em sua maioria os estudantes
(46,9%) afirmaram que entendiam muito pouco, outros (37,5%) afirmaram que já tinham ouvido
falar sobre o assunto, mas não sabiam do que se tratava, uma pequena porção dos alunos (9,35%)
considerou ter um conhecimento satisfatório e os restantes (6,3%) não responderam à questão.
117
Não obstante, quando solicitamos aos estudantes que descrevessem o que sabiam sobre
genética foi possível compreender melhor suas concepções. Entre os alunos que responderam a
esta questão (apenas 50%), verificamos quatro grupos distintos de respostas. Em um desses
grupos (28,1%), os alunos, apesar de não conceituarem genética como uma ciência, relacionaram
a palavra ao “material genético” ou DNA, genes, cromossomos, determinação das características
dos seres vivos e hereditariedade. Para estes estudantes,
Genética é o conjunto de cromossomos que formam as características de uma
pessoa (A37).
Genética, pra mim, são o DNA que carregamos dos nossos pais e família (A18).
Genética, pelo que eu sei, é sobre os genes das pessoas que passam por gerações
escondidas no DNA das pessoas (A12).
Esse grupo de alunos revelou apresentar um pensamento por complexo, pois conseguiu
estabelecer conexões da palavra genética com os termos cromossomos, DNA, genes, gerações e
características, que são conceitos necessários para entender o estudo desta ciência. Estas
atividades mentais são típicas deste estágio de desenvolvimento do conceito.
Sobre o estágio por complexo, Vygotsky (2001a) escreve que
[...] este [...] conduz à formação de vínculos, ao estabelecimento de relações
entre diferentes impressões concretas, à unificação e à generalização de objetos
particulares, ao ordenamento e à sistematização de toda a experiência da criança
(VIGOTSKI, 2001a, p. 178).
Por outro lado, esses alunos demonstraram estar ainda em níveis elementares desse
estágio, mais propriamente, na fase de complexo em cadeia. Como é característico dessa fase, os
alunos relacionaram os diversos conceitos seguindo uma determinada direção e formando uma
cadeia conceitual cuja análise como um todo não permitiu verificar uma relação significativa
entre os termos, como observado na resposta de A12, por exemplo. Esse aluno apresenta a
cadeia: genética→genes→transmissão de genes→DNA, porém a frase integral é destituída de
relações significativas. “[...] Cada elo, ao inserir-se no complexo, torna-se membro isômero desse
complexo” (VIGOTSKI, 2001a, p. 186).
118
Outro grupo de estudantes (6,3%), contrariamente, revelou conhecer o significado do
termo genética, apresentando uma definição que se aproxima da encontrada no âmbito científico,
como pode ser observado na frase de um dos alunos:
Genética estuda os genes, DNA, genótipos, hereditariedade (A6).
Não obstante, analisando-se a resposta desse aluno, apesar de esta se apresentar
externamente semelhante ao conceito, não é possível identificar se este, realmente, já havia se
apropriado de cada termo empregado ou se ainda possuía um pseudoconceito acerca de genes,
DNA, genótipos e hereditariedade.
De acordo com Vygotsky (2001a), essa dificuldade de encontrar o limite entre o
pesudoconceito e o verdadeiro conceito é inevitável, uma vez que, externamente, ambas as
formas de pensamento se apresentam semelhantes, sendo diferentes apenas no que se refere ao
entendimento e às operações intelectuais empregadas.
Nuñez e Pacheco (1997), fundamentando-se na Teoria Histórico-Cultural, explicam que
os pseudoconceitos
[...] são fenotipicamente iguais a um conceito, mas psicologicamente diferentes,
dada essa última, pela especificidade das abstrações que participam do processo
de elaboração [...] (NUÑEZ; PACHECO, 1997, p. 17).
Dessa forma, a resposta do aluno A6 não nos dá elementos suficientes para definir em
qual estágio de formação de conceitos se encontra: se no de pseudoconceito ou no de conceito.
Faltou-nos, nesse momento, investigar o que esse aluno entendia por cada conceito empregado e
como os usaria em outras situações.
Por conceito, o termo genética refere-se ao
[...] ramo da Biologia que estuda as leis da transmissão dos caracteres
hereditários nos indivíduos e nas populações, bem como procura interpretar o
modo de ação dos genes no determinismo desses caracteres (SOARES, 1993, p.
191).
119
No 3º grupo (12,5%), por sua vez, os estudantes apresentaram possuir algumas idéias
alternativas sobre o assunto, as quais podem ter-se originado, de acordo com Giordan e Vecchi
(1996), por meio de dois processos: o estudante entendeu, mas a transmissão de seu saber baseiase num referencial simplista, de modo que não mais representa o conteúdo a ele ensinado; ou, por
outro lado, o aluno pode construir uma explicação um tanto equivocada, a partir de palavras ou
conceitos que ouviu, e gravá-la em sua memória. São exemplos deste grupo as seguintes
respostas:
A genética posso dizer que é a evolução através de uma geração, por exemplo,
meu avó, meu pai, eu, meu filho (A5).
Eu acho que genética trata do estudo das células, os gêneses (A32).
Como podemos observar, os estudantes desse grupo estabeleceram relações desconexas
entre genética-evolução (A5) e genética-célula-gênese (A32), sem sentido para nós, porém, com
algum significado para os estudantes, o qual foi formado, acertadamente, com base em relações
subjetivas e emocionais; portanto esses alunos se encontravam no estágio de sincretismo do
processo de formação de conceitos.
Outro estudante, o qual representou o grupo quatro de respostas, revelou que genética é
um assunto sempre presente na sua vida cotidiana, mas não conseguiu explicá-lo, ou seja,
também apresentava um pensamento sincrético sobre o conceito investigado:
Genética é o que a gente sempre vê nos jornais e na televisão. Mas gostaríamos de
saber mais (A23).
Diante desta observação, fica evidente a importância da aquisição do conhecimento
científico para a compreensão das notícias veiculadas pelos meios multimidiáticos. Sobre este
aspecto Alves e Caldeira (2005) salientam:
A rapidez e facilidade de obter informações, nos meio de comunicação, não
bastam. Sem uma orientação adequada, a tarefa de selecionar, interpretar e usar
tais informações para a construção do conhecimento escolar de qualidade tornase impossível (ALVES; CALDEIRA, 2005, p. 60).
120
As aulas seguintes foram organizadas levando-se em consideração estas e outras
concepções prévias, investigadas por meio de diálogos estabelecidos com os estudantes e de suas
descrições, e visaram contribuir para o gradual desenvolvimento de conceitos científicos
relacionados aos mecanismos da hereditariedade.
4.2. 2º. Episódio de Ensino: Introdução à Genética - Conceitos prévios dos estudantes e
elaborações iniciais
Com a premissa segundo a qual “o ensino direto de conceitos sempre se mostra
impossível e pedagogicamente estéril” (VIGOTSKI, 2001a, p. 247), iniciamos a pesquisa em sala
de aula investigando a prática social inicial dos estudantes sobre diversidade e herança genética.
A aula começou com a apresentação de figuras de grupos de indivíduos representando
diferentes raças de algumas espécies animais, como seres humanos, coelhos, cães, gatos e
galinhas. Por meio das imagens, questionamentos foram realizados pela professora participante
com o intuito de promover a reflexão dos estudantes acerca da grande diversidade das formas
vivas e, ao mesmo tempo, ressaltar a manutenção das características peculiares de cada espécie.
Nessa interação discursiva os conceitos de espécie, característica hereditária, hereditariedade,
espécie e genética foram investigados e discutidos.
A riqueza desta atividade interativa pode ser observada no episódio de ensino descrito
abaixo, mediado por algumas questões e situações-problema norteadoras, seguidas de respostas
constituídas de idéias sincréticas, formadas a partir das percepções sensoriais dos estudantes.
P: Gente, nós temos o quê nesta primeira figura?
Alunos: Gatos.
P: E o que estes gatos têm em comum?
A22: Olhos.
A22: Pêlo.
A24 ou 25: Todos têm bigode.
A37: Orelha.
121
A5: Rabo.
Referindo-se ainda ao grupo dos gatos, a professora continuou a perguntar:
P: E o que estes gatos têm de diferente?
A5: A cor.
A12: Raça.
A22: Tamanho.
Em seguida, a docente continuou a perguntar, dessa vez usando as imagens dos grupos
de coelhos e galinhas.
P: E aqui? Todos são coelhos. Qual é o nome científico do coelho?
Os alunos, lendo a informação escrita abaixo da figura, responderam em coro:
“Oryctolagus cuniculus”.
P: E o que eles têm de diferente aí?
A22: A cor.
P: A coloração do pêlo!.
A12: Fêmea, macho.
Apontando para a figura das galinhas, a professora prosseguiu, perguntando:
P: E aqui, por que são galinhas e não coelhos, gente? Por quê?.
A22: Porque ela tem asas.
A5: Pena.
A28: Bico.
A22: Bota ovo.
P: É. Galinha tem asa, pena, bico e o coelho tem pêlo, tem orelha etc.
Os mesmos questionamentos foram efetuados em relação às figuras de outros grupos de
seres vivos, como cães e seres humanos, mas, novamente, os estudantes recorreram às suas
percepções sensoriais, ressaltando apenas as características observáveis, reais e imediatas e
122
distinguindo diferenças até mesmo entre os seres vivos da mesma espécie, mas não conseguiram
explicar o porquê de isto acontecer.
Ao descrever a característica geral do pensamento, Menchinskaia (1960) ressalta:
O conhecimento não se reduz às sensações, percepções e recordações daquilo
que se tem percebido. A vida coloca ao homem situações que são impossíveis de
resolver por meio da percepção direta dos objetos e fenômenos que o rodeiam ou
pela recordação do que antes se percebeu. Para resolver algumas destas situações
é necessário utilizar um meio indireto e deduzir conclusões partindo dos
conhecimentos que se tem (MENCHINSKAIA, 1960, p. 232).
Percebendo que os estudantes não iriam além das impressões sensoriais, a professora
interveio com questões que exigiam conhecimentos mais complexos do que os empregados
anteriormente, possibilitando a elaboração do conceito de característica e, logo em seguida, de
espécie:
P: O que é esse negócio: olho, orelha, rabo, pêlo, bigode?
A1: Características.
P: O que é uma característica?
A8: São diferenças.
A5: São diferenças entre os seres vivos.
A22: São traços genéticos.
P: Então, características são diferenças, traços genéticos que distingue um ser
vivo de outro.
Como podemos observar nos diálogos acima descritos, as questões formuladas pela
professora desencadearam o estabelecimento de uma situação motivadora para o envolvimento
cognitivo dos alunos, possibilitando-lhes avançar do sincretismo para níveis mais elevados de
elaboração do conceito de característica. Classificamos esse nível de desenvolvimento do
conceito na categoria dos pseudoconceitos, uma vez que, na ausência da investigação do
significado de traços genéticos para o aluno, não temos elementos suficientes para concluir se o
conceito, realmente, faz parte de seu pensamento, de modo que possa ser aplicado a outras
situações concretas.
123
Aproveitando o momento interativo, a professora prosseguiu com os questionamentos e
intervenções para mediar o conceito de espécie:
P: Mas todos estes gatos são iguais?
Alunos em coro: Não.
P: O que estes gatos têm de diferença?
A5: A cor.
A12: Raça.
A22: Tamanho.
A12: A genética.
P: E vocês viram aqui que todos os gatos são chamados de Felis catus, mesmo
com tanta coisa diferente. Por que será que esses doze gatos são da mesma
espécie?
A23: Antepassados.
A37: Algumas características são iguais.
A22: Raça.
A5: Grupo de seres vivos com mesmo modo de vida.
A23: Alimentação.
P: O que é possível para uma espécie se perpetuar?
A12: Reprodução.
P: Além da reprodução, tem outra coisa importante. Imaginem se vocês, esta
geração, não pudesse ter filhos, o que aconteceria?
(silêncio)
P: A espécie iria acabar. Então, como vocês disseram, espécie corresponde a um
grupo de seres vivos com características semelhantes, capacidade de reprodução
e, também, que deixam descendentes férteis.
Constatamos que as questões norteadoras deste episódio de ensino criaram uma
situação-problema desafiadora, que estimulou os alunos a formularem respostas e hipóteses para
explicar o porquê de certos seres vivos, apesar de apresentarem diferenças entre si, serem
considerados indivíduos da mesma espécie. Nas enunciações dos estudantes para explicar as
diferenças entre os gatos da figura e o porquê de estarem agrupados na mesma espécie podemos
identificar conhecimentos de senso comum, constituídos pelas percepções sensoriais imediatas,
como também pseudoconceitos, restritos nas palavras raça e genética.
De acordo com Vygotsky (2001a), quando o sujeito se encontra na fase de
pseudoconceito, os termos por ele empregados coincidem com os utilizados por indivíduos em
níveis de desenvolvimento mais elevados no que se refere ao aspecto concreto, porém os sujeitos
não compartilham o mesmo significado: alguns possuem o conhecimento concreto do conceito, e
124
outros, o conceito abstrato. Não obstante, isso não impede que ambos os grupos se comuniquem e
se compreendam.
Nos diálogos descritos acima percebemos que alguns alunos, como A12 e A22,
revelaram não possuir o conhecimento abstrato dos conceitos de raça e genética, pois não
conseguiram explicar tais conceitos; todavia esse fato não os impediu de empregar esses termos e
participar do diálogo, uma vez que possuíam um conhecimento concreto.
Nas palavras de Vygotsky (2001a, 197)
[...] as criança, que pensa por complexos, e o adulto, que pensa por conceitos,
estabelecem uma compreensão mútua e uma comunicação verbal, uma vez que o
seu pensamento se encontra de fato nos complexos-conceitos que coincidem.
Ao perceber que as reflexões dos estudantes em relação ao conceito de espécie se
limitavam ao compartilhamento de certas características morfológicas e comportamentais, a
professora interveio direcionando a reflexão para os processos biológicos que garantem a
perpetuação de cada espécie, introduzindo os conceitos de reprodução e descendentes férteis.
Observamos que a interação da professora mediante pistas e anunciações intencionais possibilitou
o desencadeamento da zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Nesse contexto, vale ressaltar
aqui as palavras de Vygotsky (2007, p. 98): “[...] aquilo que é a zona de desenvolvimento
proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo que uma criança
pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã”.
Em seguida, após a mediação do conceito de espécie, a professora resgatou o termo
genética, citado por um dos alunos (A12), para explicar a diferença entre os diferentes indivíduos
da mesma espécie, realizando novas intervenções com o objetivo de investigar o que os
estudantes entendiam sobre este conceito:
P: Alguns de vocês citaram o termo genética. O que é a genética, gente?
(silêncio)
125
Diante do silêncio dos alunos, a professora conduziu o diálogo utilizando um tipo de
interação denominado sugerir respostas (DE LONG, 2000) ou fornecimento de pistas
(MONTEIRO; TEIXEIRA, 2004), dirigindo e estimulando o raciocínio do aluno A10, mas
prejudicando a participação dos demais estudantes.
P: É uma ciência? Ou não?
A21: É.
P: A genética é uma ciência que estuda o quê?
A10: As características.
P: Exatamente. Genética é uma ciência que estuda como as características
hereditárias passam...
A10: De geração em geração.
Ao perceber o movimento do pensamento de A10, a professora resgatou o conceito,
compartilhando seu significado com os demais alunos.
P: Essas características que eu posso ver lá nos grupos dos coelhos, humanos,
cães... são herdáveis, passam de pais para filhos. A genética trata de estudar tudo
isto.
Na continuidade do diálogo, a professora deu novas informações por meio de mais uma
questão problematizadora e anunciações, estimulando os estudantes a refletir sobre os
significados e correlações dos conceitos características hereditárias e características adquiridas.
P: Mas, será que todas as características são herdadas?
Coro: Não.
P: Em relação à cor da pele que eu posso ver, posso analisar. A cor da pele
continua igualzinha de quando a gente nasceu?
Coro: Não.
P: Se a gente ficar mais no sol nós vamos ter a pele mais escura. Então, as
características podem ser modificadas, alteradas daquilo que a gente recebe dos
pais.
Na tentativa de investigar o que os alunos sabiam sobre o mecanismo da
hereditariedade, a professora utilizou a figura que representava a obra Operários de Tarsila do
Amaral para elaborar a seguinte situação-problema:
126
Ps: Mas, o que a gente recebe para nós sermos da espécie humana? O que a gente
recebe pra aparecer estas características aqui?
A37: O DNA.
P: O que é o DNA?
A8: É o conjunto de cromossomos.
A34: Professora! Genótipo.
P: É o genótipo que ela falou? Gente, o DNA contém o que será?
A10: Células.
Neste trecho evidenciamos que, embora os alunos utilizassem em suas respostas as
palavras DNA, cromossomos, genótipo e célula, apreendidas durante os anos de escolaridade,
correlacionando-as à idéia de transmissão das características hereditárias, os conceitos científicos
que elas expressaram ainda não haviam sido apropriados de modo a possibilitar a generalização.
As respostas dos alunos neste diálogo são características do estágio por complexo de formação do
conceito de DNA, uma vez que eles conseguiram correlacionar este conceito aos de cromossomo,
genótipo e célula, mas não demonstraram um entendimento abstrato de cada termo empregado.
Podemos concluir que esses alunos não haviam se apropriado desses conceitos, mas sim,
da palavra, o que lhes permitia somente repetir os termos retidos em sua memória, caracterizando
um verbalismo vazio de significado.
Essa constatação nos leva a refletir que os conceitos não podem ser formados por meio
da apreensão de esquemas verbais sem sentido para os alunos, pois “[...] um conceito é mais do
que a soma de certos vínculos associativos formados pela memória [...] é um ato real e complexo
de pensamento que não pode ser aprendido por meio de simples memorização [..]” (VIGOTSKI,
2001a, p. 246).
Percebendo as dificuldades dos estudantes, a docente realizou a intervenção
relacionando o mecanismo da hereditariedade com os acontecimentos cotidianos, com a
finalidade de possibilitar aproximações significativas ao conceito.
P: Lembram do Ratinho? O que era o DNA? Quando a pessoa fazia aquele
escândalo lá no programa do Ratinho, a pessoa ia fazer o quê?
Alunos: DNA.
127
P: Se o filho era do pai ou não. O que será que eles comparam?
A28: O sangue.
P: O que analisa pra saber qual é o pai da criança?
A25: Se o tipo sanguíneo é compatível com...
P: O tipo sanguíneo é uma coisa, mas no teste específico de DNA não é o DNA que
eles, em específico, comparam? O DNA da mãe, o DNA do pai e o DNA da
filiação.
Como nos ensina Vigotski (2001b), a aprendizagem de conceitos científicos se apóia,
inicialmente, nos conhecimentos espontâneos, porém o bom ensino é aquele que vai além das
impressões imediatas. Com esse intuito, a professora deu continuidade às intervenções por meio
do estabelecimento de vínculos conceituais, necessários à apreensão do processo de transmissão
das características hereditárias, tais como DNA, cromossomo e célula.
P: DNA, a gente encontra onde?
A8: Nos cromossomos.
P: Os cromossomos a gente encontra onde?
A37, A36, A8: Nas células.
P: Em quais células?Que tipo de células?
A37: Nas células do fio de cabelo.
A12: Células da pele.
A25: Na saliva.
A37: Na orelha.
A12: Na unha.
A8: No sangue.
Apesar de, normalmente, os alunos apresentarem um idéia difusa sobre célula,
cromossomo e DNA, confundindo, muitas vezes, estes conceitos, o direcionamento da docente
possibilitou sua redefinição pelos estudantes.
Quanto à questão relativa aos tipos de célula em que o DNA se encontra, os estudantes
citaram exemplos das que estão sendo utilizadas nos atuais testes de paternidade, medicina
forense e diagnóstico precoce, baseados na análise de DNA extraído do sangue, fio de cabelo,
saliva e unhas; mas nenhum dos alunos citou exemplos de células que constituem os principais
tecidos dos animais superiores, tais como as células ósseas, neurônios, células musculares, entre
outras que fazem parte dos conteúdos escolares. Ao versar sobre a via de desenvolvimento dos
128
conceitos científicos em relação aos espontâneos, Vigotski (2001b, p. 528) afirma que “a
fraqueza de um conceito se descobre justamente onde o outro já está relativamente maduro”.
Após mediar a constatação de que o DNA constitui os cromossomos e que esses se
encontram nas células, a docente direcionou o conflito cognitivo para a importância dos gametas,
a única ligação física entre as gerações:
P: Vocês falaram para mim das células do corpo; mas é só nas células do corpo
que tem cromossomos? Onde tem algo que nos interessa aqui nesse momento?
Como é possível vocês estarem presentes aqui nesse momento?
A38: Através do esperma do pai.
P: É somente pelo esperma do pai?
Coro: Não.
A12: No óvulo também.
P: DNA contem informações contidas onde?
A37: Nos cromossomos.
P: Os genes estão contidos onde?
A37: Nos cromossomos.
P: Que são passados...
A37: De pais para filhos.
A8: De geração em geração.
P: Onde?
A37: Na reprodução.
P: Quem transporta os cromossomos?
A37: Espermatozóides.
P: E óvulo, que são os gametas (escrevendo no quadro de giz: gametas: óvulo nas
mulheres ♀ e espermatozóide nos homens ♂ – e não esperma –, transportam os
cromossomos). Pela fecundação é constituído a célula-ovo ou zigoto, que dará
origem ao novo ser.
Embora conduzidos pela professora nesse episódio, percebemos que os estudantes se
encontravam em estágios mais elevados do processo de formação de conceitos em relação aos
gametas e sua função na perpetuação dos seres vivos, apresentando um pensamento por
complexo do tipo pseudoconceito.
A professora prosseguiu, mencionando e relacionando os conceitos de genética e
Hereditariedade:
129
P: Então, pessoal, é isto que vamos estudar neste semestre: a genética é uma
ciência que trata do estudo da hereditariedade, ou seja, como as informações
contidas no DNA são passadas de pais para filhos.
Neste episódio de ensino a professora não só proporcionou um ambiente propício para
investigar os conhecimentos prévios dos estudantes, mas também direcionou-os à elaboração
conceitual por meio de interações verbais, permitindo o confronto e a articulação entre os
conceitos mencionados pelos alunos acerca do mecanismo de transmissão das características
hereditárias, tema das discussões dos próximos encontros.
4.3. 3º Episódio de Ensino: O que é hereditariedade?
Esse encontro teve como objetivo avaliar como o conceito de hereditariedade estava
sendo elaborado. Para isto, a professora propôs aos estudantes que, em grupos, discutissem e
respondessem à seguinte questão: “Como vocês explicam o mecanismo da hereditariedade, ou
seja, como as instruções para a expressão das características hereditárias são transmitidas de pais
para filhos”?
Nesta etapa, apesar de voltarmos para a definição acerca do mecanismo da
hereditariedade, como no episódio anterior, a atividade possibilitou a utilização de outras
capacidades dos estudantes, como o registro escrito, o qual “[...] em sua especificidade, exige um
processo de elaboração, uma atividade mental distinta daquela propiciada pela interação oral”
(FONTANA, 2005, p. 81).
Além disso, as definições são importantes para assimilação dos conceitos, pois
[...] contêm os caracteres essenciais dos objetos e fenômenos que abarcam um
conceito dado e mostra suas relações com outros mais gerais. Fixa o principal e
o mais importante para determinar um conceito (MENCHINSKAIA, 1960, p.
249).
130
Ao analisarmos os registros dos estudantes, verificamos que, dos oito grupos, quatro
(grupo 1 -G1-, grupo 3 -G3-, grupo -G4- e grupo 5 -G5-) buscaram os elementos e conceitos
estabelecidos nas interações discursivas promovidas em episódios anteriores, de forma que “os
textos produzidos são explicitamente uma resposta dirigida à professora. Tanto assim que sua voz
ecoa em todos eles [...]” (FONTANA, 2005, p. 84).
G.1: Através do DNA (informações) contidas nos cromossomos que são passadas
de pai para filhos na reprodução. Quem transporta esses cromossomos são o
óvulo e o espermatozóide.
G.3: Através dos cromossomos que estão no gameta feminino e masculino.
G.4: Através dos espermatozóides e do óvulo.
G.5: É pelas células gametas, que levam os cromossomos com as características
dos pais.
Nesta descrição observamos um nível gradual de generalização e abstração, indicando
que as interações verbais haviam proporcionado condições para as primeiras elaborações sobre o
mecanismo da hereditariedade, bem como para conexões entre os conceitos de DNA,
cromossomos, espermatozóides e óvulos, próprias das fases finais do pensamento por complexo.
De acordo com Vygotsky (2001a), ao se passar pelas várias fases do pensamento por
complexo, concomitantemente ocorre o estabelecimento de vínculos com base em variadas
impressões concretas: unificação, generalização, ordenamento e sistematização de conceitos,
objetos e experiência particulares. Estas características deste estágio, apontadas por Vygotsky,
foram identificadas nas proposições dos grupos 3, 4 e 5.
Ao descrever as características do pensamento nas fases finais do estágio por complexo,
Luria (1994) acrescenta:
[...] o sujeito, comparando um número sempre crescente de “palavras”
condicionais que representam diferentes figuras, já constrói as hipóteses do
significado dessas palavras e discrimina os grupos adequados de objetos
(LURIA, 1994, p. 47).
131
Por outro lado, os outros quatro grupos restantes apresentaram dificuldades em
responder a questão. Dois deles, grupos 2 e 6 (G2 e G6), não a responderam, enquanto os grupos
7 e 8 (G7 e G8) revelaram possuir idéias sincréticas em relação ao mecanismo da hereditariedade.
G. 7: As características são transmitidas de pai para filho com o passar do tempo
de convivência, é o mesmo que assumir a empresa após a morte dele.
G. 8: Hereditariedade é a característica passada de pai para filho geralmente ou
de um dos familiares, como os avós, bisavós, tanto materno quanto paterno; são
transmitidas de pai para filho através do sangue.
Por meio destas descrições, podemos constatar que muitos dos conceitos espontâneos, de
senso comum, são resistentes a mudanças, sendo difícil eles ascenderem a conceitos científicos.
Mesmo após terem passado por vários níveis de escolaridade e terem participado das interações
verbais realizadas anteriormente, alguns alunos continuaram acreditando que fatores como tempo
de convivência e o sangue são os veículos de transmissão das características hereditárias.
Esta concepção de que o DNA é sinônimo de sangue já havia sido observada por nós em
pesquisas anteriores, nas quais analisamos a compreensão de estudantes que estavam finalizando
o ensino médio em relação aos conceitos básicos de biologia molecular e de genética
(PEDRANCINI et al., 2007). Nesses estudos, encontramos alunos que acreditavam que o DNA é
o tipo de sangue e encontra-se no plasma do sangue ou no sangue (PEDRANCINI et al., 2007, p.
304).
A concepção de que a hereditariedade é transmitida pelo sangue foi construída desde a
antiguidade e amplamente aceita durante muitos séculos, sendo manifestada até nos dias atuais
nas expressões consangüinidade, puro sangue, sangue do meu sangue. Por outro lado, essas
idéias dos alunos podem ter-se originado das divulgações da mídia ou dos comentários dos
professores e livros didáticos sobre a extração de DNA do sangue para a realização dos atuais
testes de paternidade, de exames criminalísticos e de diagnóstico precoce de doenças hereditárias.
132
Diante dessas concepções apresentadas por alguns estudantes sobre o papel do sangue na
transmissão das informações genéticas, replanejamos as aulas seguintes, partindo do estudo do
histórico da hereditariedade, analisando as hipóteses formuladas desde a antiguidade para
explicar os mecanismos da herança genética.
De acordo com a fundamentação teórica, apresentada no capítulo dois desta pesquisa, a
utilização da História da Ciência no ensino de Biologia é considerada por muitos autores uma
abordagem favorável aos processos de ensino e aprendizagem, por vários fatores, destacando-se:
a compreensão dos pensamentos que influenciaram a construção dos conhecimentos
contemporâneos, facilitando, conseqüentemente, a apropriação dos conceitos científicos; a
reflexão sobre as influências religiosas, econômicas, políticas, sociais e tecnológicas de cada
período histórico, as quais impulsionaram mudanças na pesquisa científica e, por isso mesmo, na
forma de ver e explicar o mundo, enriquecendo a bagagem cognitiva dos estudantes (PARANÁ,
2006; 2007).
Além disto, a nosso ver, ao incluir a História da Ciência nos estudos escolares revela-se
aos alunos que o conhecimento é uma construção humana, portanto seu desenvolvimento e
evolução é intencional, dinâmica e mutável.
Como ensino e aprendizagem, o conhecimento da história da ciência propicia
uma visão dessa evolução ao apresentar seus limites e possibilidades temporais
e, principalmente, ao relacionar essa história com as práticas sociais às quais está
diretamente vinculada (PARANÁ, 2006, p. 15).
4.4. 4º. Episódio de Ensino: O mecanismo da hereditariedade no decorrer dos tempos
Estas aulas foram organizadas e conduzidas com o intuito de possibilitar aos estudantes
o acesso às construções históricas do conhecimento sobre o mecanismo da hereditariedade,
partindo das contribuições dos filósofos gregos da Antiguidade até as descobertas dos gametas,
cromossomos e divisões celulares.
133
Os processos de ensino e aprendizagem destes conhecimentos foram organizados e
desenvolvidos por meio da técnica de leitura, reprodução e produção coletiva de textos,
atividades norteadas pela seguinte questão: “Como a transmissão das características hereditárias
passadas de geração a geração foi explicada nas diferentes épocas da existência humana?”
O estudo dos conhecimentos sistematizados, a realização das atividades propostas e as
interações dialógicas efetuadas nestas aulas foram estabelecidas utilizando-se como apoio
didático o livro fornecido pelo Governo do Estado para todos os estudantes da rede pública de
ensino: AMABIS. J. M.; MARTHO, G. R. Biologia das Populações. 2ª edição. São Paulo:
Moderna, 2004, v.3.
Para o desenvolvimento da aula, a priori, os estudantes fizeram uma leitura silenciosa do
capítulo, assinalando as palavras desconhecidas que, em seguida, foram investigadas e
esclarecidas pela docente, sendo destacados os conceitos de gêmula, pangênese, epigênese,
cópula, cariótipo, amorfo, citologistas, citologia, biogênese, geração espontânea, fuso mitótico,
mitose, meiose, ancestrais remotos, folículos e cromátides.
Com o intuito de tornar a leitura mais significativa, entregamos aos alunos um glossário
contendo a definição das palavras que, em nosso parecer, poderiam dificultar o entendimento do
texto, e, posteriormente, as explicamos. O glossário foi constituído pelos conceitos de:
conhecimento de senso comum, filósofo, pré-história, antiga Grécia, Idade Média, sêmen,
hermafrodita, protótipo, ciência, pangênese, herança das características adquiridas, geração
espontânea ou abiogênese, reprodução, naturalista, ovo, fertilização ou fecundação, hipótese,
micróbio, ovíparos, vivíparos, folículos ovarianos (ANEXO 04).
Após a etapa de leitura e compreensão do texto, os estudantes foram distribuídos em sete
grupos para a discussão e confecção de um texto de um dos subitens do capítulo do livro, dando
início à realização de uma ação no plano externo, isto é, à execução de uma ação material do
objeto de estudo, tipo de atividade considerado importante por Galperin no processo de
assimilação de conceitos. De acordo com os estudos de Galperin, a apropriação e internalização
de conceitos compreendem, também, a sua aplicação na forma material ou materializada, pois “o
134
grau de generalização vai aumentando constantemente [...] enquanto ação vai-se realizando de
maneira menos desdobrada, se abreviando” (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 99).
Em seguida, professora e pesquisadora solicitaram aos estudantes que comentassem os
temas lidos, discutidos e sistematizados por eles, iniciando os questionamentos referentes às
hipóteses formuladas pelos antigos gregos. Nessa atividade os estudantes foram instigados a
explicar oralmente os conceitos estudados, possibilitando que realizassem, conjuntamente com a
professora, pesquisadora e colegas, redefinições e reelaborações dos conhecimentos
sistematizados no livro didático, etapa denominada por Galperin de formação da ação no plano da
linguagem externa (NUÑEZ; PACHECO, 1997; 1998; REZENDE; VALDES, 2006).
Ps: Como os antigos Gregos explicavam a transmissão das características
hereditárias? Como eles achavam que as características hereditárias eram
transmitidas de pais para filhos?
(silêncio)
Ps: No livro são ressaltadas duas teorias importantes. Nessa primeira parte, são
citados vários filósofos: filósofos que tentaram explicar como as características
eram transmitidas de pais para filhos, como, por exemplo, o Empédocles, o
Anaxágoras... Mas teve dois filósofos que se ressaltaram nessa época, que
formularam teorias que ficaram conhecidíssimas. Quais são esses dois
filósofos?... Qual é o nome dessas teorias?
Alguns
alunos
responderam,
simultaneamente:
“Pangênese”,
e
outro
aluno
complementou:
A1: E a idéia de Aristóteles.
Ps: O que é pangênese? Como esta teoria explicava a transmissão das
características hereditárias?
Um estudante, não conseguindo falar espontaneamente sobre o tema, recorreu ao texto
reproduzido do livro didático, lendo o trecho relacionado com o questionamento efetuado pela
pesquisadora:
A23: [...] pangênese, cada órgão ou parte do corpo de um organismo vivo
produzia partículas hereditárias chamadas de gêmulas, que eram transmitidas aos
descendentes no momento da concepção [...]’ (AMABIS; MARTHO, 2004, p. 3).
135
A atitude do aluno nos revela que a leitura, a discussão com o grupo e a reprodução
conjunta do texto ainda não haviam fornecido elementos suficientes para que o conceito fosse
apreendido de modo a fazer parte de seu pensamento. De acordo com a Teoria da Assimilação de
Galperin, esse estudante ainda se encontrava na fase verbal da formação de conceitos, a qual
possibilita a compreensão e domínio do fenômeno como um todo, porém não dos conceitos
envolvidos nesse fenômeno (NUÑEZ; PACHECO, 1998).
Sobre este aspecto, Vygotsky ressalta:
Esse processo de desenvolvimento dos conceitos ou significados das palavras
requer o desenvolvimento de toda uma série de funções [...] Por isso, do ponto
de vista psicológico dificilmente poderia haver dúvida quanto à total
inconsistência da concepção segundo a qual os conceitos são aprendidos pela
criança em forma pronta no processo de aprendizagem escolar e assimilados da
mesma maneira como se assimila uma habilidade intelectual qualquer
(VIGOTSKI, 2001a, p. 246).
Percebendo as dificuldades apresentadas pelos estudantes em compreender a hipótese de
Hipócrates, a professora recorreu à explicação do sentido semântico da palavra pangênese,
tornando-a mais acessível e significativa.
P: Gênese é o que, gente?
A5: Gênese é a início da vida.
P: Pra gente nunca mais esquecer, vamos pegar como referência o capítulo da
Bíblia. Gênese trata do que mesmo?
A5: Criação do mundo.
P: Criação, origem, início. Então, gênese: origem; pan...? De agrupar. A origem
estava relacionada a um agrupamento.
Ao trabalhar o significado da palavra pangênese, a professora facilitou a passagem da
forma material à verbal e da forma verbal à mental do pensamento dos estudantes, contribuindo
para a elaboração do conceito, pois, como nos ensina Vygotsky (2007), os processos
psicológicos, de caráter interpsicológico, vão se transformando em intrapsicológicos no decorrer
das interações entre as pessoas.
136
Sobre a importância de conferir sentido aos conceitos trabalhados em sala de aula,
Lemke completa:
Ao ensinar ciência, ou qualquer outra matéria, não queremos que os alunos
simplesmente repitam as palavras como papagaios. Queremos que sejam capazes
de construir os significados essenciais com suas próprias palavras e em palavras
ligeiramente diferentes como requer a situação. As palavras fixas são inúteis, as
palavras devem transformar e serem flexíveis para cumprir as necessidades do
argumento, problema, uso, ou aplicação do momento (LEMKE, 1997, p.105).
A professora prosseguiu com o diálogo estreitando a relação professor-conhecimentoaluno e aluno-aluno, o que possibilitou novas interpretações do saber sistematizado:
P: E o que se agrupava na reprodução na pangênese?
A23: Cada parte do corpo produzia gêmulas que iam pro sêmen do pai e da mãe.
P: O filho seria resultado do pai e da mãe. E esse resultado vinha do quê?
A23: Das gêmulas.
P: Gente, vocês entenderam o que eram gêmulas?
A23: São partículas de cada órgão ou parte do corpo.
A25: E como é o momento da concepção?
A23: A partícula de cada parte do corpo passa para o filho.
Ps: Para os antigos gregos, as partículas hereditárias, que eram as gêmulas, iam
pra corrente sanguínea, da onde se originava o sêmen... Então, para eles, as
informações hereditárias eram transmitidas pelo sangue. Mas será que eles
estavam certos? Vamos verificar isto no final da aula.
Como podemos observar no trecho descrito acima, as interações verbais permitiram que
os estudantes passassem da ação material para a ação teórica, demonstrando, ao final do diálogo,
maior facilidade em utilizar os novos termos científicos estudados, isto é, “a ação vai se
transformando até atingir a lógica dos conceitos e, portanto, começa a se generalizar” (NUÑEZ;
PACHECO, 1998, p. 106).
O pensamento envolvido na etapa verbal de assimilação dos conceitos é por complexo,
do tipo pseudoconceito, mas pode atingir níveis de generalização característicos do estágio do
pensamento por conceito, como podemos observar no final do trecho do diálogo acima transcrito,
quando A23 conseguiu responder ao questionamento de seu colega, A25. Nesse momento o
137
diálogo passou da ação verbal para a ação mental, a qual se caracteriza pela “[...] ação interna,
mas dirigida ao exterior (a si mesmo ou a outra pessoa)” (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 107).
Sobre o compartilhamento de significados nas interações discursivas, Lorencini Jr.
(1995, p. 106) destaca que “Os alunos precisam de oportunidades para discutir não só com o
professor, mas também entre eles próprios, expondo seus pensamentos, seus pontos de vista, suas
tentativas de análise”.
Em seguida, as discussões e reflexões concentraram-se nas idéias formuladas por
Aristóteles e nas teorias da Pré-formação e da Epigênese para explicar o mecanismo da
hereditariedade, permitindo a passagem da ação do plano material para o verbal, ação baseada
em palavras e conceitos verbais. Observamos que, durante a atividade interativa, descrita abaixo,
os alunos puderam atingir níveis de desenvolvimento mais elevados de generalização por meio da
elaboração, aplicação e articulação entre os conceitos. Portanto, a linguagem é um instrumento de
extrema importância no processo de interiorização, à medida que
[...] permite separar da ação a imagem e a operação, substituindo-as pelos
próprios movimentos lingüísticos do aluno. Os signos têm por princípio uma
forma externa, material, e, ao se interiorizarem, tornam-se internos, ideais
(NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 107).
Ps: E Aristóteles fala o quê? Para Aristóteles, qual era a participação do pai e da
mãe na fecundação?
(silêncio)
Ps: O que Aristóteles achava: que tanto o pai como a mãe participavam da
formação do novo ser? O que ele dizia? Ele achava que ambos colaboravam?
A8: Só o pai.
Ao invés de afirmar ou negar a resposta do aluno, a professora fez outro
questionamento, envolvendo, cognitivamente, outros estudantes na discussão:
P: Só o pai? O que esse filósofo explicava a respeito disso?
O modo de proceder da professora está de acordo com os critérios para a formulação de
perguntas em sala de aula estabelecidos por Lorencini Jr., que, sobre esta conduta, ressalta:
138
O professor não deve sentir-se satisfeito com respostas vagas, evasivas, confusas
ou incompletas; uma resposta incompleta exigirá outras para completá-la, uma
resposta confusa deverá ser superada por outra clara e definida (LORENCINI
JR., 1995, p.111).
Segundo o autor, deve ser formulada pelo professor uma série de perguntas baseadas nas
respostas precedentes dos alunos, até que a resposta final para a questão original apareça
naturalmente.
Diante da questão reformulada pela professora, os alunos recorreram novamente, ao
livro didático, até que um deles leu o seguinte trecho:
A5: “Aristóteles acreditava que resultava de uma contribuição diferencial dos
sexos: a fêmea fornecia a ‘matéria’ básica que constituía e nutria o ser em
formação, enquanto o macho fornecia por meio do sêmen, a ‘essência’,
transmitindo-lhe a alma, fonte da forma e do movimento [...]” (AMABIS;
MARTHO, 2004, p. 4).
Ps: O que vocês entenderam sobre isso?
A8: Que ele contribuía mais que a mulher para a formação de um novo ser.
Ps: Todos concordam? Então, a mulher só colaborava com a matéria, a
substância. Agora, quem dava forma pra isso era o homem.
As teorias da Pré-formação e da Epigênese também foram introduzidas nas discussões:
Ps: Então, a próxima teoria vai surgir no séc. XVI, em meados de 1500, lá com o
cientista Harvey. O que Harvey dizia?
A20: Ele propôs que todo animal se originava de um ovo. Harvey acreditava que
o ovo produzido pela fêmea necessitava ser fertilizado pelo sêmen do macho para
originar um novo ser.
Ps: E para Harvey, o que acontecia após a fecundação do óvulo pelo
espermatozóide? Harvey deu duas explicações.
A20: a- Todo material pra produzir um novo ser já estaria presente no gameta
ovo fertilizado, tendo apenas que ser moldado.
A14: b- o material que constituiria o novo ser teria de ser produzido à medida que
o desenvolvimento fosse ocorrendo ao mesmo tempo que moldava o novo
organismo.
Ps: Então nós temos duas explicações aí. Qual é o nome da primeira e da segunda
hipótese?
A14: Pré-formação e Epigênese.
Ps: Qual a diferença entre estas duas hipóteses?
139
A8: A primeira dizia que já estava pronto e a segunda era a teoria mais certa.
Nesse episódio verificamos que, apesar de os estudantes A14 e A20 demonstrarem ter
havido uma boa interpretação do texto estudado, A8 vai além, ao explicar a diferença entre as
teorias da Pré-formação e Epigênese, utilizando suas próprias palavras. Como observado por
Vygotsky, uma “[...] nova estrutura de generalização [...] cria a possibilidade para que os
pensamentos passem a um plano novo e mais elevado de operações lógicas” (VIGOTSKI,
2001a).
As interações verbais continuaram, intercaladas por leituras realizadas pelos alunos de
trechos do livro didático, possibilitando o desencadeamento dos significados dos conceitos de
gametas e fecundação e sua relação com a hereditariedade:
Ps: E com a descoberta dos gametas, a qual conclusão eles chegaram de como as
características eram transmitidas de pais para filhos?
A5: Depois da descoberta dos gametas descartou a idéia do pré-formismo. Na
fecundação precisava de duas células que era o espermatozóide e o óvulo. O
espermatozóide do homem e o óvulo da mulher. Processo denominado fecundação
[...] Depois, mais pra frente eles começaram a aprofundar seus estudos, porque
“[...] se os gametas são a única ligação física entre as gerações, então eles devem
conter toda a informação hereditária para originar um novo organismo”
(AMABIS; MARTHO, 2004, p.6)”.
P: O que são mesmo os gametas?
A37: Células.
P: Qual é a função delas?
A5: Fecundar.
P: O que é fecundar?
A22: O espermatozóide entra no óvulo.
P: E após o espermatozóide penetrar no óvulo, o que é formado, gente?
A5: Uma outra célula.
P: Como se chama essa célula, a nossa primeira célula?”
A36: Zigoto.
P: Zigoto ou célula ovo. Então, na fecundação um espermatozóide penetra no
óvulo e dá origem a uma nova célula.
Ao investigar o que os estudantes haviam retido sobre o conceito de gametas em outros
momentos e níveis de ensino, a docente proporcionou um ambiente propício para a elaboração
conceitual, possibilitando a conexão com outros conceitos, como espermatozóide, óvulo, célula e
140
zigoto. Novamente, utilizando as palavras de Lorencini Jr. (1995, p. 106), “A aprendizagem que
acentua os processos mentais dos alunos é influenciada por emoções, pressões, dinâmica da sala
de aula, diferentes graus de auto-confiança, e pelas atitudes e comportamentos do professor”.
As discussões sobre o histórico da hereditariedade evoluíram para a teoria
cromossômica, revelando conhecimentos já apreendidos e idéias, muitas vezes, confusas e
desconexas sobre os conceitos de cromossomos, mitose, meiose, sobre os mecanismos nucleares
decorrentes destes eventos de divisão celular e sua relação com a transmissão das características
hereditárias. Alguns trechos desses diálogos são descritos a seguir.
P: Na nossa espécie, por exemplo, quantos cromossomos nós temos?
A22: 24.
A28: 46.
P: 46 cromossomos. Como é que surge nessa célula, ovo ou zigoto esses 46
cromossomos?
A5: Metade de cada um.
A37: 23 (...).
P: De quem?
A22: Da mãe e do homem.
P: Metade na onde? Metade no...
A22: Espermatozóide.
P: 23 no espermatozóide e 23 no...
Alguns alunos responderam simultaneamente: Óvulo.
A professora efetuou outros questionamentos, direcionando a discussão para a
descoberta dos cromossomos.
P: E a descoberta dos cromossomos, como se deu?
A37: No séc. XIX os cientistas descobriram uma teoria que as células são...
basicamente, a formação de todo ser vivo é a célula. E também descobriram,
existia uma convicção de que uma célula se originava somente de outra célula. Aí
eles fizeram a teoria: cellula ex cellula. E eles também se aprofundaram em
descobrir como ocorria essa duplicação da célula, aí eles descobriram que o
núcleo desaparecia e transformava em dois filamentos que ia ficando cada vez
mais grossos, mais espessos, e, enfim, se dividia em duas células filhas.
P: Então, como o colega falou, eles descobriram que a célula é a unidade de todo
ser vivo, que uma célula só podia se originar de outra célula preexistente.
Inclusive combateram aquela idéia da abiogênese, que acreditava que o ser vivo
poderia surgir de uma substância inanimada. Além disso, eles perceberam que
141
havia um movimento, toda uma movimentação no núcleo. Essa movimentação
levava o quê? O que modificava no interior do núcleo? Que material sofria
transformação no interior do núcleo?
(silêncio)
P: O que acontecia no interior do núcleo dessa célula?
Não possuindo ainda elementos que lhe garantissem a autonomia de pensamento, uma
das alunas leu um trecho do livro didático para responder à pergunta da docente:
A28: “Primeiro, os cromossomos tornam-se visíveis com fios finos e longos no
interior do núcleo ficando progressivamente mais curtos e grossos ao longo da
divisão celular” (AMABIS; MARTHO, 2004, p. 7).
A partir desta leitura a professora realizou outros questionamentos e intervenções sobre
o ciclo cromossômico e sua relação com a hereditariedade, mas não obteve grandes progressos na
evolução do pensamento conceitual dos estudantes, os quais continuaram apresentando um
pensamento característico das fases iniciais do estágio de complexos, isto é, conseguiam
estabelecer relações entre diversos conceitos, formando proposições que, ao serem analisadas
integralmente, revelavam-se destituídas de significado.
Ao explicar o estágio de complexo de formação de conceitos, Vygotsky escreve:
Qualquer vínculo pode levar à inclusão de um dado elemento no complexo,
bastando apenas que ele exista, e nisto consiste o próprio traço característico da
construção do complexo (VIGOTSKI, 2001a, p. 181).
O mesmo ocorreu em relação aos conceitos de mitose e meiose.
P: O que é mitose?
A12: Quando a célula se divide.
P: Então, mitose é um tipo de divisão celular. E meiose, o que é, gente?
A22: É uma duplicação de cromossomos.
A11: Uma divisão celular.
P: Meiose é também um tipo de divisão celular.
142
Preocupada com a concepção distorcida apresentada pela aluna A22 ao definir meiose
apenas como “uma duplicação de cromossomos”, a professora esclareceu a relação entre os
conceitos de divisão celular e duplicação cromossômica. Isso é mediar, ou seja, não só ter
conhecimento do que o outro sabe, mas também intervir, quando preciso, questionando,
redirecionando e sistematizando.
P: Gente, o que A22 está dizendo? É um tipo de duplicação de cromossomos?
Duplicação de cromossomos é uma etapa que acontece antes da divisão celular.
Prepara para a célula poder se dividir.
A partir de então, as diferenças entre os dois tipos de divisão celular foram discutidas:
P: Existem diferenças entre mitose e meiose?
Alguns alunos responderam “Sim” e outros responderam “Não”.
P: Mitose: uma célula dá origem a duas iguaizinhas. Meiose: uma célula dá
origem a quatro. Então, a mitose é um tipo de...
Coro: Divisão celular.
P: Meiose também é um tipo de ...
Coro: Divisão celular.
P: Cujos objetivos são diferentes. O objetivo da mitose é multiplicar células pra
repor material de alguma lesão. O objetivo da meiose é produzir células especiais.
A23: Professora, tenho uma dúvida. Como você disse, a mitose serve para repor
tecidos e meiose: as células especiais. E qual á a função delas?
P: Vamos ver, quem sabe explicar qual a função dessas células produzidas pela
meiose.
A37: São os gametas, que têm função de reprodução.
Após essas discussões, muitos estudantes demonstraram dúvidas, solicitando maiores
explicações acerca do assunto. Diante disto, a docente fez uma breve sistematização dos
conceitos de célula, gametas, espermatozóide, óvulo, gêmula, cromossomos e divisão celular.
P: Quando os cientistas descobriram os gametas, eles não sabiam como se
formavam os gametas e nem como as células se multiplicavam. Eles sabiam,
naquele momento, que o novo ser se formava pela união de células e que o
espermatozóide e óvulo não eram mais aquelas gêmulas que se falava lá atrás, na
teoria da pangênese.. Espermatozóide e óvulo tinham nome: eram células.
Refletiram que essas células deveriam ter lá dentro alguma coisa que passava de
pais para filhos as características. Mais tarde, eles descobriram o que acontecia
no interior da célula. Descobriram que existia dois tipos de divisão celular, que
143
existia uma série de transformações no material genético, mas não se sabia quem
era o material genético. Observaram no núcleo das células uns fios que se
coravam, por isso “cromo” “somo”, isto é, corpos que se coram [...].
Ao observar que os alunos não estavam compreendendo seu discurso, a professora, com
o auxílio de spinlight, continuou a explicação, relacionando as várias fases do ciclo celular –
interfase, prófase, metáfase e telófase – aos eventos de duplicação do material genético,
condensação dos cromossomos, posicionamento equatorial dos cromossomos, formação das
fibras do fuso, separação das cromátides-irmãs e/ou dos cromossomos homólogos e formação das
células-filhas nos processos de mitose e meiose.
Em um dado momento, A22 fez um questionamento que foi transformado em situaçãoproblema pela docente, com o intuito de estimular a participação dos demais alunos. Além disto,
a professora e pesquisadora direcionaram a atenção dos estudantes para a inter-relação entre o
número de cromossomos de uma célula somática e gamética e os processos de meiose e mitose,
proporcionando um nível mais elevado de elaboração:
A22: Professora, por que (e leu uma questão contida no livro): “[...] se os
gametas juntam seus cromossomos para formar um novo indivíduo, por que o
número cromossômico não dobra a cada geração?” (AMABIS; MARTHO, 2004,
p. 7).
P: Por que será? Olha a pergunta dela, é uma pergunta bastante interessante.
Alguém sabe responder?
A37: Porque cada gameta tem 23 cromossomos e não 46.
A5: Os gametas sempre vão possuir 23.
A12: Porque o homem contribui com 23 e a mulher com 23 pra formar os 46.
P: E pro homem contribuir com 23 e a mulher com 23 é necessário acontecer que
tipo de divisão celular?
Coro: Meiose.
P: Os gametas vão se formar com a redução do número de cromossomos. Então, a
reprodução nada mais é do que... A reconstituição do número de cromossomos da
espécie pela união do espermatozóide do homem e o óvulo da mulher.
Ps: Então, nós vimos que na meiose serão produzidos gametas com 23
cromossomos, ou seja, metade do número de cromossomos da espécie. Se isso não
ocorresse, o número de cromossomos duplicaria a cada geração. Os indivíduos
formados seriam da espécie humana?
A: Não!
Ps: Por quê?
(Silêncio)
144
P: Gente! Para ser da espécie humana, quantos cromossomos têm que ter nas
células do corpo?
A12, A5: 46.
P: Logo precisa ocorrer a meiose para que o número de cromossomos se
mantenha constante.
Ps: E na mitose? Qual é o número de cromossomos das células-filhas?
A28: 46.
P: Então, a meiose reduz o número de cromossomos, garantindo que as espécies
sempre tenham o mesmo número de cromossomos.
Apesar da riqueza conceitual presente nos diálogos destes encontros, havia muito para
ser estudado, compreendido, relacionado e discutido sobre o mecanismo da hereditariedade, ou
seja, havia um longo caminho para que as ZDPs dos estudantes se tornassem níveis de
desenvolvimento real, uma vez que ainda não haviam alcançado o estágio de conceito, último
estágio de formação de conceitos científicos. No entanto, os alunos que participaram desses
diálogos mostraram estar em níveis mais elevados de elaboração conceitual em relação às
primeiras aulas ministradas. Percebemos que muitos deles haviam evoluído das fases elementares
do pensamento por complexo para a fase de pseudoconceito. Isto pode ser verificado no emprego
constante dos conceitos científicos de espermatozóide, óvulo, gametas, zigoto, fecundação,
mitose, meiose e divisão celular, bem como no estabelecimento de relações entre tais palavras.
Vale destacar as palavras de Vygotsky:
[...] no momento da assimilação da nova palavra, o processo de desenvolvimento
do conceito correspondente não só não se conclui como apenas está apenas
começando. Quando está começando a ser apreendida, a nova palavra não está
no fim mas no início do seu desenvolvimento (VIGITSKI, 2001a, p. 394).
Após este encontro, as aulas seguintes foram desenvolvidas utilizando-se diversos
procedimentos didático-pedagógicos, destacando-se: estudo dirigido e discussões em grupos;
interações verbais acompanhadas de intervenções e demonstrações; atividades lúdicas, como
montagem de dominó de conceitos; elaboração de mapas conceituais e jogos simulando o
mecanismo da hereditariedade partindo da hipótese da pangênese e das teorias da Pré-formação e
Epigênese. Os estudos se dirigiram para os mecanismos clássicos de herança mendeliana,
intercalados pela herança cromossômica e molecular.
145
Durante as práticas pedagógicas, buscamos proporcionar momentos propícios para os
estudantes estabelecerem relações conceituais e refletirem acerca de seus próprios
conhecimentos, aproximando-os dos conhecimentos científicos relacionados ao mecanismo da
hereditariedade, valorizando, principalmente, os diálogos.
4.5. 5º. Episódio de ensino: Conceitos básicos de genética
Esse encontro teve como objetivo trabalhar os conceitos básicos da genética,
possibilitando uma melhor preparação dos alunos para o estudo dos experimentos realizados e
conclusões obtidas por Mendel acerca dos mecanismos da hereditariedade. De acordo com Banet
e Ayuso (1995), os estudos sobre o mecanismo da herança genética devem prosseguir após os
estudantes terem tido acesso às relações entre informação hereditária, estrutura e funções
celulares envolvidas neste processo.
Para o desenvolvimento desse encontro, foi utilizada como apoio didático a reportagem
intitulada Que cachorro é este!, de autoria de Duda Teixeira, publicada na Revista Veja de 7 de
março de 2007 (ano 40, nº 9), a qual discute o processo de hibridização que vem sendo realizado
entre algumas raças de cães.
Essa reportagem foi selecionada por nós por apresentar uma linguagem simples e,
principalmente, por permitir aproximar a genética do cotidiano dos estudantes, revelando-se uma
boa ferramenta para instigá-los à busca de novos conhecimentos.
Sobre este aspecto Rubinstein esclarece:
Todo processo mental é, pela sua estrutura, um ato orientado para a solução de
uma determinada tarefa ou de um determinado problema. Este problema atribui
uma finalidade à atividade mental do indivíduo, a qual está vinculada às
condições em que o problema se apresenta. Todo ato mental de um indivíduo é
derivado de um motivo qualquer. O fato inicial do processo mental é, em regra,
a situação problemática. O homem começa a pensar ao sentir a necessidade de
146
compreender. O pensar começa normalmente com um problema ou com uma
questão, com algo que despertou a admiração ou a confusão ou ainda com uma
contradição. Todas estas situações problemáticas levam a iniciar um processo
mental e este está orientado para a solução de qualquer problema
(RUBINSTEIN, 1973, p. 140).
Inicialmente, os alunos leram e discutiram a reportagem em pequenos grupos e, em
seguida, por meio de interações discursivas entre a professora, a pesquisadora e os alunos, os
conceitos de raça, espécie, híbrido, característica hereditária, fenótipo, hereditariedade,
cromossomos, entre outros, foram discutidos e reelaborados.
As interações dialógicas começaram com a discussão do significado do conceito de
raça, o qual já havia sido citado pelos alunos nas primeiras aulas como causa das diferenças entre
os indivíduos da mesma espécie, porém naquele momento não fora explorado. Portanto, nossa
preocupação foi analisar o que os alunos entendiam pela palavra raça, bem como promover a
elaboração deste conceito. Este processo pode ser observado no diálogo descrito abaixo:
Ps: Olhem a reportagem que foi entregue para vocês. O que nós temos aqui? Que
animal é este aqui? (apontando para o cão da raça Pug)
A8: Pug. Cachorro.
Ps: Qual é a raça desse cachorro?
A8: Pug.
Ps: E esse outro cachorro aqui, qual é a raça dele?
A13: Beagle.
Ps: Então, nós temos aqui dois cães, ou seja, Canis familiares, que é o nome
científico da espécie do cão. Porém são iguais?
A22: Não. As características são diferentes.
Ps: São raças diferentes. O que é raça, mesmo?
A8: Que distingui um do outro.
A5: Separa a espécie da outra.
A22: É uma raça só, não é?
A partir das respostas dos estudantes observamos que, apesar de eles conseguirem
identificar os cães das diferentes raças, apresentavam idéias sincréticas sobre os conceitos de raça
e espécie. Como uma característica do estágio de sincretismo, os alunos utilizavam
espontaneamente estas palavras, porém não dominavam os elementos essenciais dos conceitos.
147
Vygotsky nos revela que no campo dos conhecimentos espontâneos se “[...] tem o
conceito do objeto e a consciência do próprio objeto representado nesse conceito, mas não tem
consciência do próprio conceito, do ato propriamente dito de pensamento através do qual concebe
esse objeto” (VIGOTSKI, 2001a, p. 345).
Diante disto, pesquisadora e professora prosseguiram com os questionamentos com o
intuito de promover o desenvolvimento dos conhecimentos científicos referentes a estes
conceitos.
Ps: Aqui tem uma raça só?
Coro: Não.
Ps: Aqui tem o quê?
Coro: Duas raças.
Ps: Todos são...
A30: Cachorros.
Ps: Ambos são cães, ambos são da mesma espécie, mas de raças diferentes. O que
é uma raça? É o que distingue o quê?
A5: Uma espécie da outra.
A23: Cada raça tem uma característica pra caçar, para correr.
Percebendo a dificuldade dos alunos em explicar o conceito de raça, bem como em
diferenciá-lo do conceito de espécie, a pesquisadora apresentou sua definição, pois o
desenvolvimento do conceito científico “[...] começa habitualmente pelo trabalho com o próprio
conceito como tal, pela definição verbal do conceito, por operações que pressupõem a aplicação
não espontânea desse conceito” (VIGOTSKI, 2001a, p. 345).
De acordo com Soares (1993, p. 404), raça é:
Variedade de uma espécie. Subespécie... Entre animais domésticos e plantas o
termo é comum, inclusive para qualificar as subespécies resultantes da ação
seletiva do homem, controlando os cruzamentos, a fim de obter o
aprimoramento de certos caracteres e a proliferação dos tipos preferenciais.
Utilizando-se deste referencial, a pesquisadora ressaltou a definição da palavra raça:
148
Ps: O que distingue uma raça da outra são características que vão definir um
determinado grupo dentro de uma espécie.
O contexto da interação possibilitou ainda que outros alunos demonstrassem suas
dificuldades em relação a tais conceitos:
A22: Espécie e raça é diferente?
Ps: Vamos lá, gente, espécie e raça são diferentes?
Coro: É.
Ps: Qual a diferença entre espécie e raça?
A23: Espécie é o cão...
A8: Espécie é um cachorro que distingue de um outro animal. Raça é a
característica de cada cachorro.
A23: Espécie é o cachorro, espécie é o gato...
Ps: Olha só o que o A23 falou. Então, temos várias espécies de animais e dentro
de uma mesma espécie temos raças. No caso aqui, temos uma mesma espécie,
“Canis familiares”, porém dentro desta espécie temos grupos diferentes, que são
as raças.
Nesse trecho, podemos observar uma gradual evolução conceitual dos estudantes no
plano social da sala de aula, à medida que a pesquisadora interagiu com A8, A22 e A23
utilizando suas concepções para chegar a uma definição científica de raça. Entretanto, a
elaboração deste conceito ainda não estava completa.
Sobre este aspecto, Vygotsky nos ensina:
[...] o caminho entre o primeiro momento em que a criança trava conhecimento
com o novo conceito e o momento em que a palavra e o conceito se tornam
propriedade da criança é um complexo processo psicológico interior, que
envolve a compreensão da nova palavra que se desenvolve gradualmente a partir
de uma noção vaga, a sua aplicação propriamente dita pela criança e sua efetiva
assimilação apenas como elo conclusivo (VIGOTSKI, 2001a, p. 250).
Para complementar os conceitos de raça, permitindo uma maior elaboração conceitual, a
pesquisadora fez novas interferências, direcionando a pergunta para os aspectos biológicos
relacionados ao tema discutido.
149
Ps: Esses dois cães aqui poderiam se cruzar e dar descendentes férteis?
(referindo-se ao Pug e ao Beagle)
Alguns alunos disseram: Sim. E outros disseram: Não.
A22: Claro que pode, mas não vai ser uma raça pura.
A25: Vai dar raça diferente. Não vai?
Ps: Olha só que A22 está falando: não vai ser uma raça pura.
A8: Vai ser um vira-lata.
Ps: O que é um vira-lata?
A22: Mistura de raças.
A30, A5: É uma raça indefinida.
Ps: Então, esses dois poderiam se cruzar? (referindo-se ao pug e ao beagle)
Coro: Pode.
Ps: E o descendente deste cruzamento será fértil?
Alguns alunos disseram: Sim. E outros disseram: Não.
A22: Claro que é.
A15: Pode, mas não vai ser mais uma raça.
Ps: Olha só o que A15 disse: Pode, mas não vai ser mais uma raça.
Por meio da intervenção intencional e sistemática da professora e pesquisadora os
conhecimentos científicos se desenvolvem conscientemente nos alunos e, ao mesmo tempo
promovem o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como, por exemplo, a
abstração, a generalização, a imaginação e o raciocínio.
No trecho transcrito acima percebe-se que as situações-problema propostas pela
pesquisadora possibilitaram o envolvimento cognitivo dos estudantes, permitindo perceber o
movimento conceitual, bem como a evolução da compreensão do conceito de raça. Além disto, a
pesquisadora, ao formular novas questões e utilizar-se de intervenções pedagógicas baseadas na
marcação de significados-chave, possibilitou que os estudantes explicassem e reformulassem suas
concepções.
Entende-se por intervenção pedagógica baseada na marcação de significados, aquela em
que o professor “[...] repete um enunciado; pede ao estudante que repita um enunciado;
estabelece uma seqüência I-R-A (Iniciação do professor, Resposta do aluno, Avaliação do
professor) com um estudante para confirmar uma idéia; usa um tom de voz particular para realçar
certas partes do enunciado” (MORTIMER; SCOTT, 2002).
150
A pesquisadora continuou então a perguntar, porém, direcionou a discussão para o
significado do conceito de espécie, com o objetivo de contrastar este termo com o de raça.
Ps: Agora, uma espécie diferente: um cão e um gato são de espécies diferentes.
Eles podem se cruzar?
Coro: Não.
A25: Não? Poder pode.
Ps: Pode até acontecer de indivíduos de diferentes espécies se cruzarem, mas vai
nascer descendentes?
Coro: Não.
Ps: E se caso nascer?
Não obtendo respostas, a própria pesquisadora acrescentou:
Ps: Pra nascer um indivíduo do cruzamento entre indivíduos de espécies diferentes
ele não será fértil, esse indivíduo não vai ser fértil. Aí está o limite, a definição de
espécie e raça.
Analisando os diálogos referentes aos conceitos de raça e espécie, percebemos que ao
longo das interações verbais houve uma gradual evolução do pensamento dos estudantes do
sincretismo para níveis mais elevados de elaboração do tipo complexo, isto é, os nexos
desarmônicos entre os conceitos passaram a ser unificados em um grupo comum, o que constitui
a principal diferença entre esses dois estágios de formação de conceitos, de acordo com Vygotsky
(2001a).
Nas palavras de Vygotsky,
Se o primeiro estágio do desenvolvimento do pensamento se caracteriza pela
construção de imagens sincréticas [...] o segundo estágio se caracteriza pela
construção de complexos que têm o mesmo sentido funcional (VIGOTSKI,
2001a, p. 179).
Em outro momento interativo, após a mediação dos conceitos de raça e espécie, a
professora e a pesquisadora prosseguiram com os questionamentos e intervenções para mediarem
o termo fenótipo, o qual já havia sido rapidamente comentado em um encontro anterior.
151
Ps: Quais são as características da raça Pug? Qual é o fenótipo do PUG? Mas, o
que é fenótipo mesmo?
A5, A22: São características que dá pra ver.
Como definido por Soares (1993, p. 167), “[...] fenótipo se constitui no resultado
aparente, visível ou simplesmente de alguma forma detectável, da atividade do genótipo, sujeito a
influências do ambiente”. Percebendo a concepção alternativa apresentada pelos alunos A5 e A22
ao considerarem como fenótipo apenas o que se pode ver, a pesquisadora questionou:
Ps: Será que fenótipo se refere apenas às características que nós podemos ver?
Coro: Não.
A8: São as características por dentro dele: se ele é bravo ou tal.
No diálogo descrito acima, o aluno A8 revela estar em um nível mais elevado de
elaboração conceitual em relação aos seus colegas A5 e A22 e, com o intuito de possibilitar que o
restante da turma acompanhasse o movimento de seu pensamento conceitual, a pesquisadora
apresentou a definição do termo fenótipo.
Ps: Que tipo de característica é esta: ser bravo? É o comportamento, são
características comportamentais. E características fisiológicas: o funcionamento
do organismo dele. Então, gente, quando eu falo fenótipo: são características que
eu posso ver e características que eu não posso ver, mas que eu posso detectar por
meio de algum exame.
Entretanto, a pesquisadora foi além da definição do conceito de fenótipo, exigindo que
os alunos aplicassem este termo, pois, de acordo com Vygotsky, “[...] o desenvolvimento dos
conceitos científicos começa no campo da concretude e do empirismo e se movimenta no sentido
das propriedades superiores dos conceitos: da consciência e da arbitrariedade” (VIGOTSKI,
2001a, p. 350).
Ps: Qual é, então, o fenótipo do Pug?
Os estudantes, observando as figuras contidas na reportagem, responderam:
A13: Enrugado, pequeno, cara achatada.
152
A22: Ele é enrugadinho.
A12: Orelha pequena.
Percebendo que os estudantes iriam citar apenas as características observáveis do pug, a
pesquisadora interveio, exigindo, por meio de um questionamento, maiores reflexões acerca do
conceito que estava sendo trabalhado.
Ps: Até agora, vocês citaram apenas as características morfológicas do cachorro
da raça Pug; mas qual é o fenótipo comportamental dele?
Nenhum aluno conseguiu responder à questão, mesmo tendo acesso à reportagem, que
contemplava informações a respeito das características comportamentais apresentadas pelos cães
da raça Pug. Esse fato nos fez perceber quão abstrato era o termo fenótipo para os alunos. Até
esse momento, os alunos haviam associado o fenótipo apenas com as características que podiam
ser vistas por eles, não considerando como fenótipo a falta de noção espacial compartilhada
pelos cães da raça Pug, uma característica comportamental, portanto, não observável.
Considerando-se que a aprendizagem não é um processo individual, muito menos um
processo caracterizado pela memorização de palavras vazias de sentido, os questionamentos e
intervenções foram direcionados para o real entendimento do conceito fenótipo.
Ps: E qual é o fenótipo do cão da raça Beagle?
Os alunos observaram as figuras contidas na reportagem e responderam:
A13: Ele é grande.
A22: Ele tem a orelha grande.
Ps: Ele tem a orelha longa e caída.
A13: Focinho grande.
A5: Não tem noção espacial.
Ps: O Beagle não tem noção espacial?
A13: Ele tem sim.
Ps: Ele é caçador, então, ele tem que ter noção espacial.
A23: Ele é brincalhão e agitado.
Ps: Que tipo de fenótipo é este?
A23: Do comportamento.
153
Percebemos que nesse momento o conceito de fenótipo alcançou patamares mais
elevados também no pensamento do aluno A23, uma vez que ressaltou características
comportamentais da raça em questão.
Não obstante, a maioria dos estudantes ainda não havia compreendido este fato. Diante
disso, continuamos analisando o fenótipo dos cães das raças Pug, Beagle e Puggle (nome dado ao
cachorro obtido por meio do cruzamento ente o Pug e o Beagle), e, ao final desta atividade
interativa foi construída, conjuntamente com os alunos, a tabela demonstrada abaixo:
PUG
BEAGLE
PUGGLE
Características
pequeno
Grande
Médio
Tamanho
Pele enrugada
Pele lisa
Pele enrugada
Tipo da pele
Orelhas
Orelhas grandes
Orelhas médias
Formato e
pequenas
e caídas
comprimento das
orelhas
Cara achatada
Focinho longo
Focinho longo
Tamanho do
focinho
Pelagem bege
Pelagem
Pelagem bege
malhada: preto,
escuro
Cor da pelagem
branco, bege
escuro
Sem noção
espacial
Com noção
espacial
Sem noção
espacial
Comportamento
Esta atividade estimulou a participação ativa da maioria dos estudantes na identificação
das características dos cães, possibilitando que seu pensamento conceitual alcançasse os níveis
mais elevados de elaboração. Isto consigna que o pensamento por complexo evoluiu para o
último estágio de formação de conceitos, no qual ocorre o entendimento abstrato de fenótipo.
Este fato pode ser observado no momento em que os alunos passaram a identificar os fenótipos
154
dos cães, citando exemplos de características morfológicas e comportamentais de cada uma das
raças e do híbrido correspondente.
De acordo com Vygotsky (2001a), no estágio de conceito a palavra se torna um signo do
pensamento que pode ser aplicado e usado em variadas situações, utilizando-se de diferentes
operações intelectuais, e assim o conceito se constitui em elemento mediador entre sujeito e
meio.
O conceito surge quando uma série de atributos abstraídos torna a sintetizar-se, e
quando a síntese abstrata assim obtida se torna forma basilar de pensamento com
o qual a criança percebe e toma conhecimento da realidade que o cerca
(VIGOTSKY, 2001a, p. 226).
Após a mediação do conceito de fenótipo, as interações discursivas foram direcionadas
para a discussão do termo característica hereditária, o qual ainda se apresentava difuso no
pensamento de alguns estudantes, como podemos observar no diálogo abaixo:
Ps: Pessoal, estas características que nós vimos aqui são hereditárias? O que
vocês acham?
Alguns alunos responderam sim e outros responderam não.
Como podemos observar no diálogo abaixo, alguns alunos corrigem os colegas que
disseram não e, ao explicarem o porquê de certas características serem hereditárias, revelaram
possuir a compreensão da palavra no nível abstrato, isto é, já haviam concluído a formação desse
conceito científico.
A22: São. Claro que é: tamanho.
A35: É verdade, se cruzar dois pequenininhos não vai nascer um grandão.
Ps: Olha só o que a colega falou: se cruzar dois cães pequenos não vai nascer um
cão grande. Então, eu posso dizer que tamanho, cor da pelagem, tipo de pele, são
características hereditárias?
Coro: Pode.
Ps: Por que eu posso dizer que são hereditárias? O que é uma característica
hereditária?
A5: Passam de pais pra filho, de uma geração para outra.
Ps: Então, são características que passam de pais pra filhos.
155
Nesse momento, uma aluna questionou, confusa:
A22: Tamanho não é hereditário?
A professora, então, convidou os estudantes a olharem com mais atenção a tabela que
haviam confeccionado anteriormente:
P: Olhando este quadro, podemos concluir que essas características são
hereditárias, sim ou não?
Coro: Sim.
P: Por quê?
A5: A maioria das coisas do pai e da mãe apareceu no filho.
Nesse episódio percebemos a importância das interações discursivas na sala de aula, pois
somente assim é possível o professor conhecer as concepções, interesses e necessidades dos
estudantes, bem como acompanhar o desenvolvimento do pensamento conceitual de cada um.
Além disso, o saber a ser apropriado pelo aluno se encontra na linguagem veiculada em sala de
aula, uma vez que “[...] a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido
ideológico ou vivencial” (BAKHTIN, 1990).
Aproveitando o momento interativo, a professora e a pesquisadora prosseguiram com os
questionamentos e intervenções para mediar o conceito de híbrido:
Ps: Pessoal, voltando aqui para a reportagem! Então, está na moda, agora, cruzar
raças. Aqui, mostra o cruzamento entre o Pug e o Beagle. Desse cruzamento foi
obtido o Puggle, um animal híbrido. O que é um animal híbrido?
A22: Que não tem raça. Não. Tem raça, mas...
A5: Uma raça melhor.
Ps: Será que é uma raça melhor?
A5: Então, é uma raça inferior.
Ao perceber a dificuldade dos estudantes, a professora direcionou suas atenções para o
fenótipo dos cães envolvidos no cruzamento, comparando as características apresentadas pelas
raças Pug, Beagle e Puggle.
156
P: Independente de ser a mãe ou pai o Pug ou o Beagle, o que vocês observam no
híbrido?
Não obtendo respostas, a professora reformulou sua pergunta:
P: Todas as características, seja lá do pai seja lá da mãe, apareceram no híbrido?
O que aconteceu lá no híbrido, que é o filho?
A8: Algumas mudanças.
P: E o que aconteceu? Veja lá: o Pug tinha cara achatada, o Beagle tinha focinho
longo e o focinho nasceu médio. É uma característica intermediária. Não é isso?
Ps: Então, o que o A8 disse mesmo? Híbrido é a mistura de...
A8: Raças.
Como pode ser observado, tínhamos como objetivo que os alunos expressassem com
suas palavras a compreensão dos conceitos, ou seja, a aula estava direcionada para o apreender e
não para o memorizar.
Um dos fatores que nos ajudaram a criar condições para uma maior compreensão do
conteúdo foi, decisivamente, a reportagem selecionada, uma vez que esta diminuiu a distância
entre o conteúdo a ser estudado e o cotidiano dos estudantes, tornando os conceitos estudados
significativos e funcionais para os alunos.
Sobre este aspecto Barrabín e Sánchez (1996) ressaltaram que:
Os alunos têm demonstrado através dos tempos a capacidade de memorizar
términos, sem aprender seu significado, ou ter uma adequada representação. [...]
Memorizá-los, sem aprender seu significado ou ter uma adequada representação,
não só será perda de tempo, como também pode ser motivo de confusão,
interferindo em determinadas aprendizagens (BARRABÍN; SÁNCHEZ, 1996, p.
61).
Outra característica dessa aula foi a preocupação da professora e pesquisadora em
relacionar entre si os vários conceitos estudados, permitindo que os estudantes re-elaborassem
uma complexa rede de conceitos. Este fato pode ser observado nas interações verbais promovidas
para a discussão da íntima relação entre o processo de transmissão de informações genéticas e o
conceito de hereditariedade, como pode ser observado abaixo.
157
Ps: E como se chama o processo, esse mecanismo de transmissão de
características hereditárias de pais, progenitores, ascendentes para filhos.
Os alunos responderam:
A8: Hereditariedade.
Ps: Olha só o que o A8 disse: hereditariedade. Ele disse que esse processo de
transmissão de características de pais para filhos é a hereditariedade. O que
vocês acham?
A35: Não entendi!
Diante da dificuldade dos estudantes, a pesquisadora solicitou que os estudantes
abrissem o livro didático e que o aluno A8 lesse a definição do conceito de genética.
A8: “Genética é a área da biologia que estuda a herança biológica, ou
hereditariedade, que é a transmissão de características de pais para filhos, ao
longo das gerações” (AMABIS; MARTHO, 2004, p.2).
Ps: Pessoal, o que vocês entenderam disso que o A8 leu? O que é hereditariedade
ou herança biológica?
A25: É a transmissão de características de pais para filhos.
Ps: É o processo, o processo de transmissão de características de pais para filhos.
Isso que é hereditariedade.
Em seguida, a discussão foi direcionada para os aspectos físicos do processo da
transmissão das informações hereditárias, relembrando termos como gametas, espermatozóide,
óvulo, zigoto. Além disso, os conceitos de cromossomos, cromossomos homólogos etc. foram
introduzidos.
Já ao início da discussão, foi possível verificar que um dos estudantes possuía
dificuldades em distinguir os termos gameta e zigoto, como pode ser observado no trecho
descrito abaixo.
Ps: Alguém pode me explicar como passou a ser explicada esse mecanismo da
transmissão das características hereditárias após a descoberta dos gametas?
A5: Que os gametas são formados a partir de duas células: o óvulo e o
espermatozóide.
158
A pesquisadora, percebendo a confusão feita pelo aluno, pediu-lhe que repetisse o que
havia dito com o intuito de confirmar se tratava-se, realmente, de uma dificuldade conceitual ou
apenas de uma inversão terminológica ocorrida ao acaso.
Ps: Os gametas? Repete, por favor.
A5: Os gametas são formados a partir de duas células: por espermatozóide
fornecido pelo macho ou pelo homem e o óvulo fornecido pela fêmea ou mulher.
Diante do pensamento sincrético apresentado pelo A5, a pesquisadora continuou
questionando e intervindo, buscando possibilitar condições para a formação dos conceitos de
gameta, espermatozóide, óvulo e zigoto.
Ps: O que é um espermatozóide, o que um óvulo?
A5: É uma célula.
Ps: Que tipo de células?
A22: Reprodutivas.
A12: Não são os gametas?
Ps: Exatamente. São os gametas.
A5: Nossa! Deu uma embaralhada agora aqui.
Ps: Olha só, pessoal. O que são os gametas, A12?
A12: São as células reprodutivas: o espermatozóide e o óvulo.
Ps: Isso. Então, os gametas são os espermatozóides e os óvulos. E depois o que
acontece?
A5: Vai formar o zigoto?
Ps: O zigoto: que é a primeira célula dos seres humanos.
Ao acompanhar o diálogo, é possível observar a evolução do pensamento conceitual de
A5 para as fases finais do estágio por complexo. Além disso, as interações verbais direcionadas
pela pesquisadora possibilitaram que este aluno se apropriasse de um conhecimento que
anteriormente estava representado apenas no meio social, que aqui se refere à sala de aula.
Vygotsky (2007) explica que a aprendizagem é um processo social e, portanto, obtida por meio
das interações entre os indivíduos. Em outras palavras, todo conhecimento se encontra,
inicialmente, no nível social, e só depois chega ao nível individual.
A aula teve seqüência com as discussões direcionadas para o entendimento do
significado do termo cariótipo, do qual se derivou o assunto estruturas cromossômicas.
159
Ps: O que é cromossomo, gente?
Os alunos responderam utilizando o material de suas pesquisas realizadas como
atividades extraclasse:
A23: Elemento celular portador das informações genéticas hereditárias, composto
fundamentalmente de ácido desoxirribonucléico ou ADN (lendo o que tinha
respondido no questionário dado como tarefa).
A5: Cromossomos são longos filamentos presentes no núcleo das células
eucarióticas, constituído por DNA e proteínas... (lendo o que tinha respondido no
questionário dado como tarefa).
Para complementar a definição apresentada pelos colegas A5 e A23, a pesquisadora leu
a definição de cromossomo presente no livro didático dos estudantes:
Ps: “Em 1882, Flemming descreveu o comportamento dos filamentos nucleares no
decorrer da divisão de uma célula. Esses filamentos, devido a sua grande
afinidade por corantes, foram chamados de cromossomos (do grego khrôma, cor,
e sôma, corpo)” (AMABIS; MARTHO, 2004, p.7).
Analisando as respostas dos estudantes A23 e A5 ao definirem o que são os
cromossomos, percebemos que estão corretas e bem-formuladas, porém são, certamente, trechos
copiados de livros ou de outros meios de comunicação, não podendo, assim, ser considerados
como elaborações atingidas no decorrer de seus próprios desenvolvimentos. Não obstante, essa
cópia ou imitação da linguagem utilizada por outras pessoas pelos alunos não pode ser descartada
nos processos de ensino e aprendizagem, como nos alerta Vygotsky (2007).
Dos escritos de Vygotsky (2007) depreende-se que a atividade imitativa não se refere a
um processo essencialmente mecânico, mas sim, a uma ação que possibilita ao indivíduo ir além
de sua própria capacidade, contribuindo para o seu desenvolvimento. “Ao imitar a escrita do
adulto, por exemplo, a criança está promovendo o amadurecimento de processos de
desenvolvimento que o levarão ao aprendizado da escrita” (OLIVEIRA, 1997, p. 63).
O conceito de cromossomos homólogos também foi introduzido:
160
Ps: Observem a figura! Como os cromossomos estão agrupados?
Os alunos responderam: de pares; de dois em dois; em grupos.
Ps: Por que será que os cromossomos estão de dois em dois? Nós temos dois
cromossomos nº 1, dois cromossomos nº 2...
A8: São pares que vão dar 46.
A12: Um cromossomo é masculino e outro é feminino.
Ps: Isso mesmo. Por que tem dois cromossomos nº 1? Porque um cromossomo
veio do pai e o outro veio da mãe. Como chama estes pares de cromossomos aí?
A22: Homólogos.
Ps: São os cromossomos homólogos. E, além disto, os cromossomos homólogos
são correspondentes: têm o mesmo formato, o mesmo tamanho.
Com base no conhecimento de que estudantes do ensino médio, geralmente, fazem
confusão entre cromossomos homólogos e cromátides irmãs, mesmo após terem estudado tais
conceitos (BANET; AYUSO, 1998; SILVÉRIO; MAESTRELLI; 2005), o diálogo foi
direcionado para a introdução do termo cromátides-irmãs, bem como para as suas diferenças em
relação ao termo cromossomos-homólogos.
Ps: Como se chama cada filamento desses que o cromossomo possui?
A5: Não é mitose não, né?
A29: Meiose, células germinativas.
A8: Duplicação cromossômica.
A9: É uma célula, não é.
A22: É zigoto?
A29: Bivalente.
Ps: São as cromátides...
A29, A9: Cromátides irmãs.
Nos episódios de ensino aqui descritos, podemos verificar o movimento do pensamento
conceitual dos estudantes direcionado – por meio de atividades interativas, situações-problema,
oferecimento de pistas – para o desenvolvimento do conhecimento científico, que a cada
momento se revelou mais complexo e abstrato. A aula foi iniciada com o conceito de raça,
passou pelos processos biológicos envolvidos na reprodução humana e finalizou-se com o
conceito de cromossomos, cromossomos-homólogos e cromátides-irmãs.
Em fim,
161
Qualquer modalidade de interação social, quando integrada num contexto
realmente voltado para a promoção do aprendizado e do desenvolvimento, pode
ser utilizado, portanto, de forma produtiva na situação escolar (OLIVEIRA,
1997, p. 64).
4.6.6 Episódio de Ensino: 1ª LEI DE MENDEL
Atualmente, grande parte do currículo escolar do ensino médio tem sido reservada para
o estudo do mecanismo da hereditariedade nos seus vários aspectos – morfológicos, fisiológicos,
celulares e moleculares –, no entanto, muitas vezes o ensino deste conteúdo é conduzido
integralmente por meio de resolução de exercícios repetitivos e sem significado para os
estudantes (CORAZZA-NUNES et al., 2006).
Considerando que a aprendizagem de genética e, em particular, da 1ª Lei de Mendel não
pode ser obtida pela mera resolução de listas de exercícios, iniciamos o estudo dos mecanismos
da herança mendeliana apresentando o caminho percorrido por Mendel, desde a escolha do
material biológico utilizado em seus experimentos até a elaboração de hipóteses diante dos
resultados obtidos nos cruzamentos realizados por ele, finalizando com a redescoberta de seu
trabalho no início de 1900. Após serem trabalhados todos esses aspectos foi proposta a resolução
de problemas de genética, método que está de acordo com a opinião de outros pesquisadores da
área de ensino de Ciências, como, por exemplo, Ayuso, Banet e Abellán (1996).
Além disto, neste encontro, assim como nos demais, procuramos relacionar os diversos
conceitos introduzidos entre si e com os conteúdos trabalhados anteriormente, possibilitando uma
melhor compreensão de todo o mecanismo da hereditariedade.
Como apontado por Justina (2001), o estudo da genética deve ser redirecionado, ou seja,
as aulas de genética necessitam
[...] tratar as temáticas [...] de forma não fragmentada e dentro de uma visão de
construção humana. Não é suficiente que o aluno decore conceitos e resolva os
problemas automaticamente propostos em uma aula de genética. É necessário
162
interpretá-los dentro de um conjunto de conhecimentos, que possibilitem
relacioná-los direta ou indiretamente com as novas abordagens em genética e
também com as implicações destes avanços científicos para o ser humano
(JUSTINA, 2001, p. 128).
Sob esta consigna, antes de iniciar as discussões sobre Mendel, a professora se
preocupou em situar os estudantes, informando a época em que Mendel havia realizado seus
experimentos, bem como os conhecimentos que ele teve à disposição e as dúvidas e incertezas
que lhe dificultaram atingir maiores conclusões.
P: Mendel sabia que alguma coisa era transmitida, mas não sabia exatamente o
que era. Vocês podem ver aqui [apontando para o painel], acreditavam na teoria
da pangênese e na idéia de Aristóteles. Na teoria da pré-formação, existia os
ovistas e os espermistas que acreditavam que ser vivo era algo pré-formado
dentro dos gametas, que só faltava evolui e dar origem ao novo ser. Em 1850,
descobriu-se que a célula é o constituinte de todos os seres vivos. Mais tarde, foi
descoberto os gametas. Vejam bem onde Mendel está colocado aqui! Mendel está
entre a descoberta dos gametas, mas ainda não tinham sido descritos os
cromossomos, não se conhecia ainda o processo de mitose e meiose, não se sabia
que o núcleo é uma parte da célula importante que guarda os filamentos
responsáveis em armazenar as informações que passam de pais para filho e
determinam as características hereditárias.
Para o desenvolvimento desse encontro, além de termos valorizado as interações entre a
professora, a pesquisadora e os estudantes, utilizamos como procedimento didático-pedagógico
principal a técnica de estudo dirigido, e como apoio didático, o livro de Biologia dos estudantes –
AMABIS e MARTHO, 2004, v. 2 –, cartazes com esquemas de cruzamentos, maquetes da flor da
ervilha e transparências com figuras diversas.
A aula foi norteada por 14 questões dissertativas acerca do trabalho realizado por Gregor
Mendel e sua contribuição para a compreensão da hereditariedade, confeccionado com base no 2º
capítulo do livro didático utilizado pelos estudantes (ANEXO 05). Para estimular as interações
durante a aula, no encontro anterior fora solicitado aos alunos que respondessem a essas questões
norteadoras em casa e as trouxessem respondidas nesta aula. Dessa forma, ao chegar à sala de
aula, grande parte dos alunos já havia lido e refletido a respeito do assunto que iria ser tratado,
enriquecendo as discussões e contribuindo para que os colegas que não haviam realizado a tarefa
se inteirassem do tema abordado, participando das interações dialógicas.
163
Este resultado pode ser observado nos diálogos transcritos abaixo:
P: Quem foi Mendel? Vocês poderiam falar quem foi Mendel?
A4: O pai da genética.
P: Na verdade, ele é considerado o pai da genética. Por que será ele é
considerado o pai da genética?
A25: Por causa dos experimentos dele.
P: Ele fez o quê? O que ele estudou?
A35: Pra ver os descendentes, as características.
A8: Pra descobrir a ervilha, se era verde...
P: Qual era o objetivo do trabalho de Mendel?
A1: Pra ver a genética.
A8: Hereditariedade.
A5: Como herdava as características.
Como podemos observar nas falas dos alunos, a atividade proposta, baseada em questões
sobre os experimentos realizados por Mendel, possibilitou-lhes chegar à aula com certas
apropriações e elaborações, características das várias fases do pensamento por complexo
(VIGOTSKI, 2001a).
A análise deste diálogo nos revela que a estudante A1, ao dizer que o objetivo da
pesquisa realizada por Mendel foi “ver a genética”, apresentava-se em níveis elementares desse
estágio de formação de conceitos, mais especificamente, na fase de complexo por associação. É
característico dessa fase o indivíduo se basear em qualquer semelhança factual entre os conceitos
para realizar um agrupamento, ou seja, em elementos que apresentam algum vínculo concreto,
mas sem considerar as semelhanças abstratas entre tais conceitos. Ao relacionar os termos
Mendel e genética por meio de traços factuais, esta estudante deixou evidente a incompreensão
abstrata do conceito de genética.
Por outro lado, estudantes como A8 e A5 demonstraram estar nos estágios finais de
elaboração, ao conseguirem estabelecer relações entre os objetivos do trabalho de Mendel e o
termo hereditariedade, utilizando palavras de seu próprio vocabulário.
A professora complementou as respostas, explicando acerca do interesse que havia na
época, entre a comunidade científica, em elucidar as incertezas que pairavam em relação ao
164
mecanismo da hereditariedade e, em seguida deu continuação ao diálogo, mas, a partir daí, em
relação ao material biológico utilizado por Mendel em seus experimentos:
P: Qual material biológico Mendel usou?
A40: Ervilha.
P: E quais as vantagens de se usar a ervilha?
A40: Fácil de plantar.
A5: Ciclo de vida rápido.
A8: Tem várias ervilhas em uma vagem só.
A12: A fácil identificação das características.
Em seguida, a partir da introdução do termo autofecundação por A8 e A23, as
intervenções e direcionamentos realizados pela pesquisadora atuaram nas ZDPs dos estudantes,
possibilitando que muitos destes se aproximassem das fases finais de elaboração do conceito de
autofecundação e facilitando o estabelecimento de relações entre este e outros conceitos.
A8: A flor da ervilha também se autofecunda, né, pra se reproduzir.
A23: A ervilha também tem autofecundação
A8: Ela não precisa de ninguém pra reproduzir.
Ps: E por que será ela realiza autofecundação?
A40: Porque ela é hermafrodita.
Ps: Exatamente. O que é ser hermafrodita?
A8: Tem os dois sexos em um só.
Ps: Tem os órgãos reprodutores masculino e feminino. Mas será que só por esse
motivo ela se autofecundaria?
A8: Não.
Ps: Qual o outro motivo de ela se autofecundar?
A12: Porque tem a quilha, que deixa mais fechada a região de reprodução dela,
evitando a fecundação dela com outros pés.
Posteriormente, utilizando a maquete da flor de ervilha, a pesquisadora continuou
explicando o processo de autofecundação nesta planta. Ressaltou a importância do
hermafroditismo e da presença da quilha para a ocorrência deste evento na ervilha, os quais,
concomitantemente, dificultam o processo de fecundação cruzada. De repente, um aluno
questionou:
A8: Tem como fazer de propósito, não tem?
165
Estimulando os estudantes a refletirem e reformularem o raciocínio, a pesquisadora, ao
invés de responder ao questionamento, redirecionou a questão para a turma:
Ps: Olha só o que o A8 falou! Tem como fazer de propósito? Tem como fazer uma
fecundação cruzada artificial?
A5: Com pincel.
Ps: Como se faz uma fecundação cruzada artificial na ervilha? Como Mendel fez a
fecundação cruzada artificial? Na verdade, Mendel trabalhou com a ervilha e ele
usou muito a fecundação cruzada artificial.
A25: [leu no livro] “[...] é preciso abrir previamente a quilha de algumas flores e
cortar suas anteras, o que corresponde a “castrar” a parte masculina. Quando a
parte feminina está madura, abre-se novamente a quilha e coloca-se sobre o
estigma, pólen retirado de flores intactas de outra planta” (AMABIS; MARTHO,
2004, p. 20).
Nesse momento, o aluno A8 pegou a maquete da flor da ervilha que estava nas mãos da
professora e começou a dramatizar e explicar, com suas palavras, o processo da fecundação
cruzada artificial. À medida que A8 foi simulando o processo, a professora e a pesquisadora
foram intervindo e complementando com informações adicionais, o que possibilitou que todos os
alunos compreendessem esse procedimento, bastante utilizado por Mendel em seus experimentos.
Na seqüência, foram apresentadas, com o auxílio de transparências, as sete
características selecionadas e utilizadas por Mendel em seu trabalho: cor da vagem, da semente e
da casca da semente; forma da semente e da vagem; altura da planta e posição das flores na
planta. Os cruzamentos realizados por Mendel também foram discutidos e, no decorrer do
diálogo foram introduzidos os conceitos empregados por esse pesquisador, tais como: linhagem
pura, linhagem híbrida, geração parental, primeira geração híbrida ou F1, segunda geração
híbrida ou F2, traços recessivos e traços dominantes.
Seguem abaixo alguns trechos desse episódio:
P: Em relação à cor da semente, Mendel fez o quê? Mendel cruzou o quê?
Coro: Amarela e verde.
P: E essas plantas eram puras ou híbridas?
A8: Híbridas.
A5, A12: Puras.
P: Eram puras ou híbridas?
166
A5, A12, A23: Puras!
P: Mas o que quer dizer uma linhagem pura?
A5: É uma pura, ué! Uma coisa sem mistura.
P: Pra Mendel, o que era uma linhagem pura?
A23: Melhor qualidade.
A22: VV.
A8: F1.
A35: Elas se autofecundavam e davam origem a plantas iguais a si.
P: Todos concordam?
Como podemos observar, a professora, ao considerar as respostas emitidas pelos
estudantes, foi direcionando suas atenções para o que Mendel, realmente, considerou como
linhagem pura em seus trabalhos. Aproveitando o momento interativo, prosseguimos com os
questionamentos e intervenções para mediar o conceito de linhagem híbrida:
P: Quando Mendel fez o cruzamento entre ervilha amarela e verde, o que ele
obteve em F1? O que é F1, mesmo?
A35: Primeira geração híbrida.
A25: Não. 1ª geração de filhos.
P: Primeira geração de filhos híbrida.
Nesse momento, o aluno 25 revelou desconhecer o termo híbrido, questionando:
A25: Por que híbrida?
P: Por que híbrida?
A5: Porque misturou duas linhagens puras.
P: Portanto, podemos dizer que híbrido é a mistura de raças.
Ao invés de responder à questão de A25 – “Por que híbrida?” –, a professora retornou o
questionamento para toda a turma, exigindo maiores reflexões e raciocínio por parte dos
estudantes. O resultado pode ser visto na resposta de A5, que explicou o significado da palavra
híbrido, utilizando outro conceito – linhagem pura. Como podemos observar, as atividade de
leitura e escrita e as interações dialogadas entre professor e alunos e dos alunos entre si
possibilitaram que esse aluno atingisse níveis mais elevados de elaboração conceitual,
abandonando idéias sincréticas, observadas em situações anteriores, para, gradualmente, tornar o
conceito um instrumento de seu pensamento.
167
Os instrumentos psicológicos, também chamados por Vygotsky de signos, são
importantes para as ações internas de um indivíduo, auxiliando-o em tarefas que exigem memória
e atenção e possibilitando-lhe que tenha maior controle sobre suas atividades. “A memória
mediada por signos é, pois, mais poderosa que a memória não mediada” (OLIVEIRA, 1997, p.
30).
Além disso, a utilização de signos internalizados permite que o homem opere o mundo
mentalmente, deixando de necessitar de marcas externas do espaço e tempo presentes; isto é, o
sujeito, ao ter ao seu dispor signos internos, mesmo na ausência dos objetos, pode estabelecer
relações, imaginar e planejar situações (VIGOTSKI, 2007; OLIVEIRA, 1997).
Nas palavras de Oliveira (1997),
Posso pensar em um gato que não está presente no local em que estou, imaginar
um gato sobre a poltrona que no momento está vazia, pretender ter um gato em
minha casa a partir da próxima semana. Essas possibilidades de operação mental
não constituem uma relação direta com o mundo fisicamente presente; a relação
é mediada pelos signos internalizados que representam os elementos do mundo,
libertando o homem da necessidade de interação concreta com os objetos de seu
pensamento (OLIVEIRA, 1997, p. 35).
A evolução conceitual apresentada pelos estudantes no diálogo acima está em
conformidade com conclusões que obteve Vygotsky (2001a, 2001b) ao analisar as diferenças
entre os conhecimentos espontâneo e científico. De acordo com estes estudos, o processo de
ensino, quando é organizado de forma intencional, possibilita que o desenvolvimento dos
conceitos científicos ultrapasse o desenvolvimento dos conhecimentos espontâneos (VIGOTSKI,
2001a, 2001b).
Ainda sobre este aspecto, Oliveira (1997), com base em escritos de Vygotsky, enfatizou
que “O professor tem o papel explícito de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos
alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente” (OLIVEIRA, 1997, p. 62).
A explicação acerca dos resultados obtidos por Mendel em seus cruzamentos
prosseguiu, também, em um ambiente interativo:
168
Ps: Ao cruzar ervilhas amarelas com verde, o que Mendel obteve na 1ª geração
híbrida? Amarelas ou verdes?
A8, A5: Amarelas.
A22: Por quê?
Ps: Então, ele também ficou confuso: 100% amarela. Mas em F2 ele ficou mais
confuso ainda. Ele deixou que a planta formada a partir de uma semente amarela
se autofecundasse. O que ele obteve nessa geração F2?
A12, A8: Verde e amarela.
A5, A22: Amarela.
A1: 50% verde, 50% amarela.
A5: 70% amarela e 30% verde.
A12, A37: 75% amarela e 25% verde.
A8: Vai ser amarela e verde, mas vai ser mais amarela do que verde.
A22: Eu acho que vai ser amarela de novo, porque é dominante, não é?
Ps: Então, o que Mendel obteve? A cada 3 amarelas ele obtinha uma semente
verde.
A pesquisadora continuou explicando os resultados obtidos nos cruzamentos realizados
por Mendel em relação à cor da semente e, ao observar que um dos estudantes – A22 – já estava
utilizando o conceito de dominante, direcionou os questionamentos para a introdução e discussão
deste termo, bem como para o de recessividade.
Ps: Para explicar estes resultados Mendel introduziu dois conceitos. Mendel
introduziu dois conceitos para caracterizar o caráter que desapareceu em F1 e o
caráter que apareceu em todas as gerações.
Imediatamente, um dos alunos respondeu:
A5: Recessivo e dominante.
Percebendo que tais palavras já haviam sido apropriadas pelos alunos, a pesquisadora se
preocupou em conhecer as suas concepções, ou seja, analisar o que entendiam por dominante e
recessivo. Os alunos A5 e A12 revelaram já compartilhar dos níveis finais do pensamento por
complexo.
Ps: O que quer dizer traço recessivo?
A12: Traço recessivo é que pode pular uma geração e aparecer na outra...
A5: Fica em recesso.
Ps: E o que seria um traço dominante?
169
A5: É o que domina.
A12: É o que aparece em todas as gerações...
Ps: Qual seria aqui a característica recessiva e a dominante?
Os alunos responderam em coro: Amarela: dominante e verde: recessivo.
Analisando as proposições elaboradas pelos alunos A12 e A5, verificamos que já haviam
se apropriado das características essenciais dos termos recessivo e dominante, assimilação
atingida no último estágio de formação de conceitos, uma vez que conseguiram explicar,
distinguir e exemplificar tais termos utilizando suas próprias palavras.
Saber um conceito significa ter um conjunto de conhecimentos sobre os objetos
a que este conceito se refere. Quanto mais nos aproximamos disto, melhor
conhecemos um conceito dado. Nisto consiste o desenvolvimento dos conceitos
[...] (MENCHINSKAIA, 1960, p. 242).
Apesar de a professora e a pesquisadora reconhecerem que os novos conceitos
científicos ainda não haviam sido completamente estabelecidos por todos os estudantes, de modo
que pudessem generalizá-los para outras situações, nesse momento não foram dadas maiores
explicações, uma vez que estes seriam retomados nos próximos encontros. Diante disso, a aula
prosseguiu por meio de simples exposição, com o auxílio de cartazes, sobre as conclusões
extraídas por Mendel de seus experimentos, introduzindo os termos fatores hereditários e
segregação. Além disso, foi explicada a representação dos fatores hereditários, realizada por
meio das letras do nosso alfabeto e efetuada segundo algumas regras básicas.
Em seguida, a pesquisadora, com o intuito de trabalhar um pouco mais o
desenvolvimento da genética, acrescentou algumas informações referentes à redescoberta dos
trabalhos de Mendel e sua repercussão na comunidade científica da época, ressaltando os
conceitos científicos que foram substituídos ou introduzidos, tais como: genética, homozigoto,
heterozigoto, gene e alelos.
Ps: Então, Mendel fez isso, mas naquela época ninguém deu muita bola para
Mendel. Ele apresentou seus resultados, porém, ninguém entendeu; na verdade, o
pessoal não conseguiu entender os resultados, as hipóteses de Mendel. Só 35 anos
depois, em 1900, é que redescobriram o trabalho de Mendel. E quando eles
170
redescobriram, viram que realmente tinham descoberto uma pesquisa importante
e a partir daí um cientista introduziu o termo ‘genética’. Aí que a genética surge,
no início de 1900, quando redescobriram os trabalhos de Mendel, pra conceituar
a nova ciência que estava nascendo naquele momento. E também substituíram
alguns termos usados por Mendel e introduziram outros conceitos. Introduziram,
por exemplo, o termo homozigoto e o termo heterozigoto. O que seria heterozigoto
e homozigoto?
Dois dos estudantes, ao tentarem definir os conceitos de homozigoto e heterozigoto,
revelaram possuir concepções sincréticas sobre o significado destas palavras.
A22: Homo é só um, né? Um zigoto só?
A8: Homozigoto é de um sexo. Heterozigoto é de outro sexo. Homozigoto é de um
jeito e heterozigoto é de outro.
Diante da dificuldade apresentada pelos alunos, a pesquisadora deu continuidade à aula,
explicando o significado de tais termos e, posteriormente, redirecionou a discussão para os
aspectos históricos da ciência da hereditariedade:
Ps: Mendel usava indivíduo puro, linhagem pura. Pós-Mendel, foi trocado alguns
termos, o que Mendel chamava de linhagem pura eles chamaram aqui de
linhagem homozigota, ou seja, que tem fatores hereditários iguais. E heterozigoto,
o que a gente chamava de híbrido, mistura de raças, heterozigoto. Também, aqui,
após a redescoberta de Mendel, o termo “fatores hereditários”, introduzido por
Mendel, é substituído por “genes”. Porém, nessa época só houve uma substituição
de termos. Não se sabia ainda aqui do que o gene era constituído, onde ele estava
etc.
A introdução do termo alelo, após a redescoberta de Mendel, também foi lembrada nas
explanações...
Ps: E foi introduzido outro termo aqui: o termo alelo para denominar as diferentes
formas em que um gene pode aparecer. Por exemplo: tanto o fator V como o fator
v são responsáveis pela cor da ervilha, porém, temos formas diferentes em que
esse gene pode ser: esse gene pode ser dominante ou recessivo. Na natureza, esse
gene pode aparecer de duas formas e essas duas formas são chamadas de alelos
[...].
171
Para finalizar esta aula, outros momentos históricos importantes para o desenvolvimento
da Genética foram ressaltados como, por exemplo, a descoberta de que os fatores hereditários ou
genes estão localizados nos cromossomos homólogos. Para o entendimento do processo de
segregação dos genes alelos durante a divisão meiótica, apresentamos aos estudantes um
esquema, representado em um cartaz, que contemplava todas as fases para a formação de gametas
em uma planta com genótipo heterozigoto para a cor da semente da ervilha. Nesse momento nos
preocupamos em dar suporto teórico para que os alunos conseguissem compreender a relação do
processo de meiose com a transmissão das informações hereditárias, o que é um conhecimento
necessário para o entendimento do mecanismo da hereditariedade como um todo.
Apesar de termos trabalhado este assunto utilizando o método de transmissão, este foi
um momento importante para o desenvolvimento do pensamento conceitual dos estudantes, uma
vez que apresentamos as relações entre a meiose e o mecanismo de transmissão hereditária. Sobre
este aspecto do estudo da genética, Banet e Ayuso comentam:
Muitos estudantes possuem dificuldades para compreender o significado da
meiose na transmissão das características hereditárias e, em particular, no
processo de segregação genética, já que não relacionam este processo com a
herança biológica (BANET; AYUSO, 1998, p. 25).
Essas dificuldades apresentadas pelos estudantes do ensino médio, que havíamos
também constatado também em estudos anteriores (PEDRANCINI et al., 2007), levaram-nos a
organizar o ensino tomando como base a história da ciência e dando ênfase às interações verbais,
de modo a evitar a fragmentação dos conteúdos e minimizar a ocorrência de conceitos
alternativos.
4.7.7º Episódio de Ensino: Conhecendo as elaborações iniciais dos estudantes
Como os conceitos sistematizados nas aulas anteriores estavam sendo aprendidos e
elaborados pelos estudantes? Os estudantes estavam conseguindo utilizar como instrumentos de
seu pensamento os conceitos introduzidos e discutidos nas aulas anteriores? O desenvolvimento
172
dos conceitos científicos havia superado o desenvolvimento dos espontâneos? Quais
conhecimentos os estudantes estavam empregando para explicar os conceitos de genética, o
científico, o espontâneo ou ambos? Quais dificuldades ainda possuíam? Os alunos ainda
possuíam alguma concepção alternativa que poderia dificultar o entendimento do mecanismo da
hereditariedade?
Neste encontro, nosso objetivo foi investigar tais questões para que, por meio dos dados
obtidos, pudéssemos refletir sobre a organização e o desenvolvimento da prática pedagógica que
estava sendo estabelecida por nós, bem como acerca da direção que iríamos seguir no curso das
aulas subseqüentes.
Para conseguirmos respostas às nossas indagações, solicitamos aos estudantes que
escrevessem individualmente, sem consultar materiais auxiliares, o que entendiam pelos
conceitos de: linhagem pura; planta híbrida; traço dominante e recessivo; fatores hereditários;
cromossomos homólogos; indivíduo homozigoto, heterozigoto e fenótipo.
Nesse primeiro momento, as explicações dos estudantes, ao definirem os conceitos
propostos, puderam ser reunidas em dois grupos de respostas, de acordo com o nível de
elaboração conceitual apresentado.
Um grupo dessas respostas sugeriu a formação de pensamento característico das fases
intermediárias do estágio por complexo. Desta forma, pudemos concluir que determinados
conceitos haviam sido apropriados, porém, não estavam, ainda completamente, formados, como
podemos observar nas respostas dos alunos A14, A32 e A36 ao explicarem o que entendiam por
fatores hereditários, cromossomos-homólogos e fenótipo, respectivamente:
A14: Fatores hereditários é o que herdamos dos nossos pais. Ex: cor da pele,
cabelo, boca etc.
A32: Cromossomos-homólogos são pares de cromossomos, um do pai e outro da
mãe.
A36: Fenótipo é aquilo que dá par ver, no caso da ervilha a cor da semente
poderia ser verde ou amarela.
173
O estudante A14, ao explicar o que entendia por fatores hereditários, termo introduzido
por Mendel, demonstrou saber a relação entre estes e “o que herdamos de nossos pais”, mas não
conseguiu explicar de que estes fatores são constituídos, onde se encontram nas células, como são
transmitidos para os descendentes; ou seja, o conceito de fatores hereditários não havia sido
completamente estabelecido nesse momento do ensino.
De acordo com Menchinskaia (1960), o conceito é constituído por um emaranhado de
conhecimentos acerca dos objetos, palavras, termos, assim como exemplificado por este autor
com o conceito de carbono:
Quando desenvolvido o conteúdo do conceito de “carbono” manifestamos uma
série de juízos sobre suas qualidades características, sobre sua distinta origem,
sobre suas diferentes classificações, sobre suas varias classes, etc.
(MENCHINSKAIA, 1960, p. 242).
Em relação ao conceito de cromossomos-homólogos, a aluna A32 conseguiu reconhecer
que o cromossomo é o veículo de informação hereditária de pais para filhos, bem como que, no
processo de fecundação, cada progenitor colabora com apenas um cromossomo homólogo do par
correspondente. Essa aluna, entretanto, apesar de estabelecer conexões entre alguns termos –
cromossomo-homólogo, cromossomo, hereditariedade –, não revelou conhecer tais conceitos de
forma abstrata, ou seja, o seu entendimento acerca desses conceitos não lhe permitiu realizar
decomposições, análise, sínteses e generalizações de modo abstrato como a apresentada pelo
aluno. Esta etapa só é alcançada quando “[...] os fatos se separam da situação concreta e se
percebem suas características gerais” (NUÑEZ; PACHECO, 1997, p. 18).
No mesmo contexto, a resposta da estudante A36, apesar de definir o termo fenótipo de
forma semelhante àquela apresentada em alguns livros didáticos, revelou que não havia ocorrido
a assimilação do conceito em sua essência, uma vez que ela utilizou apenas exemplos de
características observáveis, não considerando as de aspectos comportamentais e fisiológicos,
mesmo após esse conceito ter sido, exaustivamente, trabalhado em aulas anteriores.
Não obstante, os resultados obtidos concordam com os apresentados por Vygotsky
(2001a; 2001b; 2007) no que se refere ao longo processo de apreensão e assimilação de conceitos
174
científicos pelos indivíduos. “Esse aspecto do desenvolvimento do pensamento é um processo
interno profundo de mudança da estrutura do próprio significado da palavra” (VIGOTSKI,
2001b, p. 521).
Por outro lado, em relação aos conceitos de homozigoto, heterozigoto, linhagem pura,
planta híbrida, traço dominante e traço recessivo, obtivemos respostas que indicaram níveis mais
elevados de desenvolvimento conceitual, como, por exemplo, as descrições dos estudantes A12,
A35 e A37.
A12: Homozigoto são as plantas puras e heterozigoto são as plantas híbridas.
A35: Linhagem pura: são aquelas que cruzadas com plantas, dão origem a
plantas iguais a si, com as mesmas características.
A12: Planta híbrida é a planta formada pelo cruzamento de duas plantas de
características diferentes. Ex: planta alta x planta baixa = planta híbrida.
A37: Traço dominante é o traço que predomina durante a primeira geração F1.
Recessivo são os traços que aparecem na segunda geração F2 na proporção de
1:3 sobre o traço dominante.
Esse grupo de respostas, ao contrário do anterior, utilizou termos científicos em suas
proposições, apresentando, consequentemente, maior domínio do conteúdo estudado. Além disso,
as explicações dos conceitos estudados se assemelharam, fenotipicamente, com os encontrados
em nível científico. Esse fato nos permite concluir que estes estudantes já se encontravam no
estágio de pseudoconceito ou no estágio de conceito, etapa na qual o indivíduo alcança o
significado da palavra, propriamente dito. Entretanto, os elementos que coletamos nessa fase da
pesquisa não nos permitiram verificar com certeza em qual desses estágios esse estudantes se
encontravam.
Como Vygotsky ressalta (2001a), é difícil encontrar o limite entre o pseudoconceito e o
conceito, pois a única diferença entre eles reside
[...] em que uma generalização é o resultado de um emprego funcional da
palavra, enquanto outra surge como resultado de uma aplicação inteiramente
diversa dessa mesma palavra (VIGOTSKI, 2001a, p. 227).
175
Analisando as respostas dos estudantes de um modo geral, observamos uma evolução no
desenvolvimento de seu pensamento conceitual, até mesmo entre os que apresentaram maiores
dificuldades, uma vez que muitos dos conceitos científicos estudados e discutidos passaram a
fazer parte de seus discursos, substituindo as concepções espontâneas observadas nos primeiros
encontros.
Por outro lado, a elaboração dos conceitos aqui tratados ainda não estava completa.
Como ensina Vygotsky, este processo é longo e complexo, e é alcançado apenas quando o aluno
consegue generalizar os conhecimentos científicos para situações diferenciadas.
Nas palavras de Vygotsky:
[...] o desenvolvimento do significado das palavras é um processo celular interno
de desenvolvimento ou mudanças. Um processo microscópico, que não se
manifesta direta e imediatamente na mudança da atividade do pensamento. [...]
O processo de mudança interna do próprio pensamento acarreta inevitavelmente
mudanças e operações de pensamento, ou seja, também estão na dependência do
tipo de estrutura do pensamento aquelas operações que são possíveis no campo
desse pensamento (VIGOTSKI, 2001a, p. 521).
Outro fator que, de acordo com nossas reflexões, contribuiu para as elaborações iniciais
dos estudantes foi a prática pedagógica adotada pela professora e pesquisadora em dois aspectos:
“ [...] a identificação dos caminhos percorridos e a identificação dos caminhos a serem seguidos”,
considerando, assim, a função diagnóstica da avaliação (LUCKESI, 2005. p. 43).
Primeiramente, foi possível observar e evidenciar as contribuições das interações verbais
que foram desencadeadas no decorrer das aulas, bem como dos outros procedimentos por nós
empregados. O outro aspecto verificado nesse momento foi a necessidade de organizarmos as
próximas aulas de forma a possibilitar a aplicação prática dos novos conceitos apreendidos,
criando condições para um maior desenvolvimento, nos estudantes, do pensamento conceitual e
de outras funções superiores.
176
Diante destas conclusões, foi traçado o curso das aulas seguintes e foram selecionadas as
atividades, a partir das quais os estudantes puderam pôr em prática as informações que, até o
momento, haviam sido possibilitadas apenas em leituras, elaborações textuais e diálogos.
Destarte, o desenvolvimento dessas aulas incluiu atividades de resolução de exercícios e
utilização de dois jogos lúdicos – dominó de conceitos e simulação do mecanismo da
hereditariedade –, os quais foram realizados separadamente, nos três encontros subseqüentes.
Nessa etapa da pesquisa, apesar de termos adotado outros métodos de ensino, as
interações discursivas e a mediação intencional dos processos de ensino e aprendizagem
continuaram a ser utilizadas por nós como os principais instrumentos pedagógicos no curso
desses encontros.
4.8. 8º Episódio de Ensino: Resolução de exercícios de genética
Considerando que a resolução de problemas de genética tem o papel de possibilitar a
aplicação dos conceitos aprendidos (AYUSO, BANET, ABELLÁN, 1996), nesse encontro foram
propostos para os estudantes resolverem alguns exercícios, os quais não favoreciam a
mecanização, mas sim, proporcionavam uma situação para reestruturação dos conceitos
fundamentais sobre a herança biológica, uma vez que os novos conceitos não são internalizados
pelos indivíduos tão logo são aprendidos (VIGOTSKI, 2001a).
Não obstante, como aquele era o primeiro contado dos alunos com os exercícios de
genética, detivemo-nos em apenas dois problemas do tipo causa-efeito, reservando os do tipo
efeito-causa para aulas posteriores.
Os problemas utilizados no ensino de genética podem se enquadrados nestes dois tipos
distintos – causa-efeito ou efeito-causa – de acordo com o nível de dificuldade com que se
apresentem. De acordo com Stewart (1988 apud SIGÜENZA-MOLINA, 2000), os problemas em
177
genética são denominados “causa-efeito” quando, a partir do tipo de herança e do genótipo dos
progenitores, é pedido aos estudantes informarem o fenótipo dos descendentes; já os de efeitocausa exigem que os alunos estabeleçam o genótipo dos descendentes e/ou o tipo de herança a
partir do fenótipo.
Diante disto, os problemas do tipo efeito-causa exigem maior raciocínio,
conseqüentemente, favorecem o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, quando comparados
aos do tipo causa-efeito, os quais podem ser resolvidos aplicando-se apenas um padrão de
resposta (SIGÜENZA-MOLINA, 2000).
Os dois problemas que foram propostos para os alunos nesse encontro podem ser
observados e analisados abaixo:
1) Em seus experimentos com ervilha, Mendel cruzou plantas puras produtoras de
sementes lisas com plantas produtoras de sementes rugosas. Ele verificou que todas as
sementes F1 eram lisas. Enquanto em F2, num total de 7.324 sementes analisadas, 5.474
eram lisas e 1.850 eram rugosas.
a) Qual caráter é dominante e qual é recessivo? Justifique sua resposta.
b) Determine a proporção entre as duas classes fenotípicas de F2.
Faça os seguintes cruzamentos em relação ao caráter forma da semente: RR x rr; RR x Rr,
Rr x Rr e Rr x rr.
2) Considerando a característica altura da planta, represente os seguintes cruzamentos:
a)
b)
c)
d)
AA x aa;
AA x Aa;
Aa x Aa;
Aa x aa.
Apesar de estes problemas terem exigido um nível baixo de raciocínio, durante as suas
resoluções nos preocupamos em possibilitar que os estudantes compreendessem e relacionassem
os conceitos que estavam utilizando por meio das interações verbais e/ou pistas, direcionamentos,
intervenções, questionamentos efetuados pela professora e pela pesquisadora.
178
Portanto, aos poucos, os estudantes, mediados pelos saberes científicos disponibilizados,
revelaram possuir um maior entendimento em relação ao assunto tratado e aos conceitos de
genética. Este fato pode ser observado, por exemplo, no breve trecho, abaixo, retirado da
discussão desencadeada durante a correção do 1º problema de genética proposto.
P: Qual é a característica recessiva, neste caso?
A5: Ervilha rugosa.
P: Por quê?
A5: Porque aparece em menos experimentos.
P: Será que aparece em menos experimentos? Isso daqui é um experimento?
A35: Pode aparecer em uma geração e na outra não.
A9: Porque só aparece na segunda geração.
A23: Não aparece na F1 e aparece na F2...
A37: Porque ela só aparece no que é mono, monozigoto, homozigoto.
P: Exatamente. Ele só se expressa em homozigose. Vocês entenderam o que A37
disse?
Convocados pela professora a participar do diálogo, os estudantes logo se envolveram
cognitivamente na situação-problema – ‘Qual é a característica recessiva?’– que foi respondida
rapidamente e sem dificuldades por A8. A professora, ante a reposta de A8, questionou o porquê
de o traço rugoso ser recessivo, permitindo conhecer em qual nível de elaboração os estudantes se
encontravam em relação a este conceito. Apesar de todos os alunos terem mostrado estar nas
fases finais do estágio por complexo do processo de formação de conceitos, o aluno A37, ao
introduzir o conceito homozigoto, trouxe uma nova relação entre traço recessivo e dominante,
apresentando um nível maior de compreensão e abstração do conceito discutido, em relação aos
outros colegas.
Por este estabelecimento de relações realizado pelo aluno A37 – recessivo-homozigoto –,
chegamos à conclusão de que este aluno (A37) se encontrava no processo final de formação de
conceitos, ou na fase de pseudoconceito ou na fase de conceito, uma vez que é difícil, muitas
vezes, distinguir entre esses dois tipos de elaboração, como exposto anteriormente.
Outra seqüência de interações verbais que revela a riqueza dos diálogos e do movimento
conceitual proporcionada no decorrer da resolução de exercícios pode ser observada na discussão
sobre os conceitos de homozigoto e heterozigoto. Nesse momento, além de os alunos terem tido
179
mais uma oportunidade para distinguir entre os conceitos introduzidos por Mendel e os termos
que os substituíram após a sua redescoberta, foi disponibilizada a relação heterozigoto-genes,
permitindo uma gradativa evolução do pensamento dos estudantes para as fases finais da
formação de conceitos por complexo.
Ps: Então, após a redescoberta de Mendel, essas ervilhas que eram chamadas de
puras passaram a ser chamadas de homozigotas. Por quê?
A12: Porque só produz um tipo de gameta.
Ps: E esse indivíduo aqui, como passou a ser chamado depois? Mendel chamava
de híbrido.
A35: Heterozigoto.
Ps: Por quê?
A35: É que dá dos dois...
Ps: O que dá dos dois?
A35: É a mistura de raças.
A37: tem dois tipos de genes.
Ps: Vamos tentar entender, agora, o que A37 disse!
Além disto, durante esta atividade, ressaltamos os seguintes aspectos:
- reprodução sexuada nas plantas;
- relação entre segregação dos genes alelos e o processo de meiose;
-localização dos genes alelos nos cromossomos homólogos;
- utilização e significado do quadrado de Punnet;
- representação dos fatores hereditários por letras do nosso alfabeto;
- relação entre letras maiúsculas e minúsculas e alelo dominante e recessivo;
Assim, buscamos que nesse momento de resolução de exercícios não se realizasse em
um vazio conceitual, mas desenvolvemos um ambiente propício para a reelaboração e
internalização dos conceitos e do mecanismo da hereditariedade, bem como o entendimento da
ciência como processo humano.
Sobre este aspecto, Ayuso, Banet e Abellán (1996) revelam:
[...] cremos que é possível dar um salto qualitativamente importante no tipo de
problemas de genética que propomos aos nossos alunos e alunas em classe, de
maneira que os estudantes possam ser capazes de resolvê-los, compreendendo os
180
conceitos que aplicam e aprendendo, simultaneamente, a solucionar situações
problemas, que contribuirão para que se formem idéias mais adequadas sobre a
ciência e a forma de trabalho dos cientistas (AYUSO, BANET e ABELLÁN,
1996, p. 139).
Ao final deste encontro, foi entregue para cada aluno uma lista de exercícios com
problemas variados de genética que foram resolvidos em alguns momentos específicos das aulas
subseqüentes ou, então, propostos como atividade para casa (ANEXO 06). Além disto, os
estudantes receberam um glossário contendo a explicação de alguns conceitos de genética que já
haviam sido trabalhados até essa ocasião, tais como: gene, cromossomos homólogos, alelos,
homozigoto, heterozigoto, genótipo, fenótipo, dominante e recessivo (ANEXO 07).
4.9. 9 Episódio de Ensino: Dominó de conceitos
Com a finalidade de auxiliar no aprendizado e fixação dos conceitos referentes à
genética, esta aula foi reservada para a aplicação de uma atividade lúdica, o “dominó de
conceitos”, um jogo didático-pedagógico proposto por Ramalho et al. em um artigo publicado na
Revista Genética na Escola, nº 1, v. 2, de 2006, p. 45-49.
Como vem sendo demonstrado, no ensino de genética, disciplina caracterizada pelo
intenso número de conceitos e pela complexidade que estes abarcam, é importante o emprego de
atividades lúdicas que facilitem a aprendizagem, fixação e compreensão dos conceitos e
processos da herança biológica. (RAMALHO et al., 2006; JUSTINIANO et al., 2006).
A nosso ver, as atividades lúdicas, dentre elas o jogo de dominó de conceitos, além de
serem uma ferramenta capaz de auxiliar na fixação de termos e processos biológicos, trazem
outras vantagens para o ensino e aprendizagem, como, por exemplo, tornam o estudo mais
dinâmico e atrativo para os estudantes e promovem o desenvolvimento de funções superiores
diversificadas.
181
O jogo lúdico utilizado nesse encontro, chamado dominó de conceitos, é assim
denominado por assemelhar-se a um dominó, com a diferença de ser constituído por peças que
contêm definições e conceitos em vez de números, como no jogo tradicional (RAMALHO et al.,
2006). Cada peça é constituída, em um dos lados, por um conceito, e no oposto, pela definição de
outro conceito não correspondente ao primeiro, exceto a 1ª e a última peças, uma das quais deve
conter apenas conceitos de ambos os lados, e a outra, somente definições de conceitos
(RAMALHO et al., 2006).
Para a confecção deste jogo utilizamos materiais de fácil acesso, como borracha de etil
vinil acetato (EVA), folha de sulfite, cola e tesoura. As peças do jogo foram representadas por
retângulos de EVA em tamanho de 4cm de largura x 11cm de comprimento, e as definições e
conceitos selecionados por nós foram impressos em papel sulfite, recortados e colados sobre os
retângulos de E.V.A.
O “dominó de conceitos” por nós elaborado conteve 33 peças, com conceitos de
genética e suas respectivas definições, e também com termos relacionados já trabalhados em sala
de aula – como meiose, mitose, genética, hereditariedade/herança biológica, pangênese, teoria da
pré-formação, teoria da epigênese, gameta, fecundação/fertilização, autofecundação, fecundação
cruzada, cariótipo, cromossomo, cromátides irmãs, cromossomos homólogos, heredograma,
linhagens puras, indivíduo híbrido, fatores hereditários, Mendel, genes, alelos, homozigoto,
heterozigoto, fenótipo, genótipo, dominante, recessivo, características, raça/subespécie, espécie,
característica adquirida, variedade/subespécie (ANEXO 08).
Para o desenvolvimento da atividade em sala de aula, a turma foi dividida em grupos de
cinco a seis estudantes e cada grupo de alunos recebeu um “dominó de conceitos”, que foi
montado por meio de discussões, leituras e pesquisas em materiais auxiliares (ANEXO 09).
Sobre as atividades desenvolvidas na sala de aula, vale destacar que as coletivas são
mais produtivas, quando comparadas às individuais. Os estudantes que constituem uma
determinada turma sempre se apresentam heterogêneos em relação a vários aspectos, inclusive no
que se refere ao nível de evolução conceitual ou cognitivo. Dessa forma, o professor não é o
182
único mediador presente na sala de aula, mas são também mediadores os estudantes com maior
nível de desenvolvimento cognitivo e intelectual (OLIVEIRA, 1997).
Esta vantagem da atividade grupal pôde ser observada durante a montagem do dominó
de conceitos pelos estudantes. As interações desencadeadas entre os integrantes de cada grupo
foram muito intensas e férteis: concepções e conceitos foram discutidos; as dificuldades
apresentadas por alguns se constituíram como motivos de pesquisas de todo o grupo; os
estudantes que haviam atingido maiores níveis de elaboração explicaram àqueles com maiores
dificuldades.
Além disto, percebemos que a maioria dos estudantes se envolveu cognitivamente na
atividade proposta e, conseqüentemente, se empenhou em concluir com sucesso a tarefa. Como
também observado por Pavan (2006, p. 79), o jogo lúdico pode se constituir como um
instrumento de “estímulo à busca do conhecimento”.
Ao final da montagem do jogo de dominó pelos estudantes, os conceitos foram
conferidos e discutidos. Entre os quatro grupos de alunos, houve de cinco a dezesseis erros ou
conceitos ligados com definições não correspondentes, destacando-se os conceitos de: alelos,
característica, cariótipo, cromátides irmãs, cromossomo, cromossomos homólogos, dominante,
espécie, fatores hereditários, fecundação cruzada, fenótipo, fecundação/fertilização, gameta,
híbrido, hereditariedade, heterozigoto, homozigoto, linhagem pura, raça/subespécie, recessivo,
teoria da epigênese e variedade/subespécie (TABELA 03).
Analisando e comparando os jogos de dominó montados pelos vários grupos,
percebemos que algumas dificuldades foram comuns à maioria, enquanto outras foram
manifestadas apenas por alguns grupos. Com esta atividade, também foi possível observar que
muitos dos conceitos que não haviam sido aprendidos pelos estudantes nas aulas anteriores foram
ligados às definições corretas nesta aula, indicando a internalização destes termos pelos
estudantes (TABELA 03).
183
Analisando a tabela descrita abaixo, podemos verificar a quantidade de conceitos
científicos que foram trabalhados, ou seja, a riqueza conceitual disponibilizada para os
estudantes. Apesar de, nesse momento do ensino, termos nos voltado para a definição de
conceitos, temos que considerar que a palavra é um signo e é a partir da internalização de seu
significado que os sujeitos conseguem analisar objetos, abstrair e generalizar (LURIA, 1994).
Como Vygotsky (2001a, 2001b) conclui em seus experimentos no campo da formação de
conceitos, a palavra apresenta um papel decisivo para o término desse processo.
Sobre este aspecto, esse autor completa que é com a palavra que
[...] a criança orienta arbitrariamente a sua atenção para determinados atributos,
com a palavra ela os sintetiza, simboliza o conceito e opera com ele como lei
suprema entre todas aquelas criadas pelo pensamento humano (VIGOTSKI,
2001a, p. 226).
Além disso, essa atividade nos permitiu verificar quais conceitos estavam em processo
de internalização, especialmente, na fase de pseudoconceito, e os que ainda se encontravam em
estágios elementares de formação: sincrético e do tipo complexo. Essa atividade, entretanto, não
nós possibilitou reconhecer se o entendimento de alguma palavra já se encontrava no estágio de
conceito do pensamento dos alunos, última etapa do processo de formação conceitual, uma vez
que nesse momento se exigiu dos alunos tão-somente a definição de tais conceitos. “Assimilar
um conceito não é só saber as características dos objetos e fenômenos que abarca”
(MENCHINSKAIA, 1960, p.250).
184
Tabela 03: Resultado do jogo Dominó de conceitos: erros e acertos de cada grupo.
GRUPO 1
Alunos
Participantes
GRUPO 2
GRUPO 3
GRUPO 4
Alunos: 5, 11, Alunos: 3, 6, 7, Alunos: 12, 15, Alunos: 1, 26,
9, 23 e 29.
24 e 30.
18, 28 e 36.
32, 42 e 43.
Alelos
Alelos
Alelos
Alelos
Autofecundação
Autofecundação
Autofecundação
Autofecundação
Característica
Característica
Característica
Característica
adquirida
adquirida
adquirida
adquirida
Características
Características
Características
Características
Cariótipo
Cariótipo
Cariótipo
Cariótipo
Cromátides-
Cromátides-
Cromátides-
Cromátides-
irmãs
irmãs
irmãs
irmãs
Cromossomo
Cromossomo
Cromossomo
Cromossomo
Cromossomos
Cromossomos
Cromossomos
Cromossomos
Dificuldades
homólogos
homólogos
homólogos
homólogos
Conceituais
Dominante
Dominante
Dominante
Dominante
*destacadas em
Espécie
Espécie
Espécie
Espécie
negrito e
Fatores
Fatores
Fatores
Fatores
sublinhadas
hereditários
hereditários
hereditários
hereditários
Fecundação
Fecundação
Fecundação
Fecundação
cruzada
cruzada
cruzada
cruzada
Fecundação/
Fecundação/
Fecundação/
Fecundação/
fertilização
fertilização
fertilização
fertilização
Fenótipo
Fenótipo
Fenótipo
Fenótipo
Gameta
Gameta
Gameta
Gameta
Genes
Genes
Genes
Genes
Genética
Genética
Genética
Genética
Genótipo
Genótipo
Genótipo
Genótipo
185
Hereditariedade/ Hereditariedade/ Hereditariedade/ Hereditariedade/
herança
herança
herança
herança
biológica
biológica
biológica
biológica
Heredograma
Heredograma
Heredograma
Heredograma
Heterozigoto
Heterozigoto
Heterozigoto
Heterozigoto
Homozigoto
Homozigoto
Homozigoto
Homozigoto
Indivíduo
Indivíduo
Indivíduo
Indivíduo
híbrido
híbrido
híbrido
híbrido
Dificuldades
Linhagens puras
Linhagens puras
Linhagens puras
Linhagens puras
Conceituais
Meiose
Meiose
Meiose
Meiose
*destacadas em
Mendel
Mendel
Mendel
Mendel
negrito e
Mitose
Mitose
Mitose
Mitose
sublinhadas
Pangênese
Pangênese
Pangênese
Pangênese
Raça/
Raça/ subespécie
Raça/
Raça/
subespécie
subespécie
subespécie
Recessivo
Recessivo
Recessivo
Recessivo
Teoria da
Teoria da
Teoria da
Teoria da
epigênese
epigênese
epigênese
epigênese
Teoria da pré-
Teoria da pré-
Teoria da pré-
Teoria da pré-
formação
formação
formação
formação
Variedade/
Variedade/
Variedade/
Variedade/
subespécie
subespécie
subespécie
subespécie
186
4.10. 10 Episódio de Ensino: Simulando a transmissão das informações hereditárias
Esse encontro teve como objetivo demonstrar para os estudantes que a herança biológica
é determinada pela transmissão dos genes. O conhecimento foi mediado por um modelo didáticopedagógico confeccionado por nós a partir de uma atividade proposta por Amabis e Martho
(2001), divulgada no Guia de Apoio Didático para professores de ensino médio de Biologia,
denominada Simulando a transmissão de algumas características humanas.
Esse material, selecionado e reconstruído por nós, além de possibilitar o
desenvolvimento de uma atividade lúdica atrativa, constitui-se em uma excelente ferramenta para
auxiliar na compreensão do mecanismo da hereditariedade mendeliana pelos estudantes. Como
ressaltam Amabis e Matho (2001), esta atividade trabalha a questão do porquê de os filhos de um
mesmo casal apresentarem diferenças significativas entre si e em relação aos seus pais.
O modelo, constituído por bonecos que representam os pais e os filhos, contém peças
avulsas de contornos de rosto humano e de vários tipos de características faciais, tais como:
espessura dos lábios, formato do nariz e dos olhos, espessura das sobrancelhas e forma do lobo da
orelha (ANEXO 10). Para a confecção destas peças foram utilizados materiais de baixo custo,
como borracha de etil vinil acetato (EVA) de várias cores, papel-paraná, tinta guache, estilete,
cola e tesoura.
Para simular a transmissão das características hereditárias, o genótipo dos filhos é
determinado pelo sorteio dos alelos, representados em quadradinhos de papéis, utilizando-se
como referência o genótipo de um casal hipotético; em seguida montam-se os filhos com as peças
das características contempladas pelo jogo.
No início da atividade, entregamos para cada grupo de estudantes as peças das
características, os bonecos representando os filhos, os alelos em papel a serem sorteados e uma
folha contendo as informações a respeito das características humanas selecionadas e do genótipo
dos pais hipotéticos que já estavam representados no quadro de giz (TABELA 04).
187
Em seguida, em grupos, os estudantes simularam a transmissão das informações
genéticas de pais para filhos, montando os possíveis filhos do casal apresentado.
O emprego dessa estratégia lúdica originou momentos propícios para a evolução
conceitual, uma vez que a atividade racional é inseparável da atividade prática
(MENCHINSKAIA, 1960).
O trabalho, o estudo, os jogos, qualquer aspecto da atividade humana exige
resolver tarefas racionais. [...] As generalizações e conclusões que faz o
indivíduo partindo de princípios gerais se comprovam na prática
(MENCHINSKAIA, 1960, p. 234).
Apesar de os alunos terem apresentado evoluções no decorrer dessa e de outras
atividades, os conceitos trabalhados ainda não haviam completado sua formação, portanto o
entendimento abstrato a respeito do mecanismo da hereditariedade, nos seus aspectos clássicos e
moleculares, ainda estava para ser alcançado.
188
Tabela 04: Informações que foram utilizadas para a simulação da transmissão das
características hereditárias:
CARACTERÍSTICA
FENÓTIPO
GENÓTIPO
GENÓTIPO
DA MÃE
GENÓTIPO
DO PAI
SEXO
FEMININO
XX
XX
XY
QQ
qq
Lf Lg
LfLg
rr
rr
Aa
AA
FF
FF
Aa
Aa
MASCULINO
FORMA DO
ROSTO
ESPESSURA
DOS LÁBIOS
FORMATO DO
NARIZ
XY
ROSTO OVAL
QQ/Qq
ROSTO
QUADRADO
qq
LÁBIOS
GROSSOS
LgLg
L. FINOS
L. ESPESSURA
MÉDIA
LfLg
CURVO
RR/Rr
RETO
FORMATO DOS AMENDOADO
OLHOS
LfLf
rr
AA/Aa
ARREDONDADO
aa
ESPESSURA DA
GROSSA
FF/Ff
SOBRANCELHA
FINA
FORMA DO
LOBO DA
ORELHA
ff
LOBO LIVRE
AA/Aa
LOBO
ADERENTE
aa
189
A correlação entre os estudos clássicos e moleculares da herança genética foi mediada
pela leitura e discussão de dois textos elaborados pela professora participante e a pesquisadora,
seguidas da aplicação prática destes conhecimentos em atividades lúdicas, compreendendo um
total de seis horas-aula. O texto, intitulado O segredo da vida I, apresenta a evolução cronológica
dos estudos clássicos da hereditariedade para a sua compreensão em nível molecular, destacando
os estudos que possibilitaram identificar o DNA como o material genético dos seres vivos, bem
como os que permitiram decifrar sua composição química, estrutura e função (ANEXO 11). Em o
Segredo da Vida II os alunos tiveram acesso aos estudos que possibilitaram desvendar os
mecanismos por meio dos quais as informações codificadas no DNA são decodificadas e
expressas nas características observáveis e não observáveis dos indivíduos (ANEXO 12). O texto
refere-se, portanto, às descobertas dos três tipos de RNA, mostrando as diferenças da sua
estrutura em relação ao DNA e aos processos de transcrição e tradução.
Modelos didáticos e atividades lúdicas que simulam esses processo e fenômenos
também foram utilizados, como, por exemplo, a dramatização da duplicação do DNA e a
simulação da síntese de proteínas (ANEXO 13).
Como anteriormente discutido por nós, a atividade prática é um elemento essencial nos
processos de ensino e aprendizagem, pois “Partindo da prática, o indivíduo volta, novamente, a
ela aplicando na vida aquilo que foi obtido como resultado do pensamento” (MENCHINSKAIA,
1960, p.234).
190
4.11.
11º Episódio de Ensino: Analisando o nível conceitual atingido pelos alunos
Ao final das atividades, solicitamos que os alunos elaborassem um texto respondendo
novamente à questão: “Como vocês explicam o mecanismo da hereditariedade, ou seja, como as
instruções para a expressão das características hereditárias são transmitidas de pais para filhos?”.
A análise das descrições demonstrou que os alunos, apesar de terem participado, com
certa freqüência, das aulas, e de terem recebido as mesmas oportunidades, encontravam-se em
diferentes estágios no processo de formação dos conceitos estudados.
Características do pensamento por complexo em cadeia foram identificadas em alguns
registros, como podemos observar na representação descrita abaixo.
A3: Toda transmissão genética passadas de pai para filhos, começam no DNA e
assim vão passando pelas características pelos genes e cromossomos do pai e da
mãe (23P e 23M) e assim por diante.
Um indivíduo, quando se encontra no estágio de complexo em cadeia, constitui uma
cadeia conceitual por meio da combinação entre conceitos; porém, ao ser analisada como um
todo, essa cadeia não apresenta uma relação significativa entre todos os termos, uma vez que os
elos considerados para o agrupamento são alterados ao longo da formação do complexo
(VIGOTSKI, 2001a).
Nesta descrição, verificamos que os conceitos de DNA, cromossomos e genes não foram
totalmente compreendidos, uma vez que o limite do estudante é a palavra. Além disto, muitos
conceitos, envolvidos neste processo biológico não foram citados ou relacionados, demonstrando
que não foram internalizados, provavelmente devido à sua complexidade.
Não obstante, outros estudantes revelaram ter percorrido estágios mais avançados de
elaboração conceitual, demonstrando possuir uma compreensão do processo de hereditariedade
como um todo, apesar de muitos conceitos e conhecimentos subordinados serem esquecidos ou
não serem relacionados nas suas descrições. É o que pode ser observado na resposta de A29:
191
A29: É transmitido através da fecundação entre os gametas masculino e feminino,
isto é o óvulo e o espermatozóide, que são constituídos por moléculas que formam
o DNA, que é onde está guardado o nosso material genético que é passado de pais
para filho.
Em outros casos, o conhecimento adquirido possibilitou passar do geral ao particular e
do particular para o geral, ou seja, houve a internalização de todo o mecanismo biológico. Isto
pode ser verificado no registro do A37:
A37: Primeiro de tudo vem a meiose, primeiramente os cromossomos se duplicam
e então a célula se separa em duas; logo após os cromossomos se organizam e se
separam novamente, formando 4 células-filhas com metade do número de
cromossomos da célula-mãe; essa células filhas são chamadas de gametas. Os
gametas masculinos fecundam o feminino, dando origem a uma célula com o
número completo de cromossomos, o zigoto. Através do zigoto é formado o novo
ser. No núcleo da célula ficam os cromossomos e nos cromossomos fica o DNA, o
desoxirribonucleic acid, ou ácido desoxirribonucléico. Nesse DNA fica as
informações genéticas responsáveis pelas características do novo ser e é passado
para o zigoto na fecundação.
Isto consigna que a aprendizagem é atingida quando o estudante consegue falar sobre o
conceito, pensar com o conceito, abstrair o conceito. Em outras palavras: “[...] o aprendizado
adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários
processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer”
(VYGOTSKY, 2007, p. 103).
192
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa vem fortalecer as premissas de que as abordagens vygotskyanas sobre
mediação, zonas de desenvolvimento, desenvolvimentos dos conceitos espontâneos e científicos
consolidados na Teoria Histórico-Cultural oferecem elementos essenciais para a organização
intencional do ensino, pautada no papel do professor como mediador dos processos de ensino e
aprendizagem.
Na concepção de Vygotsky, a formação dos conceitos pode ocorrer sob diversas
condições, mas depende, fundamentalmente, de como é organizado o processo de sua
assimilação. O papel determinante que Vygotsky outorga à linguagem no processo de
significação dos conceitos científicos sistematizados na escola também foi assumido nesta
pesquisa, ao basear a organização do ensino, principalmente, nas interações verbais professorconhecimento-aluno.
Por outro lado, provavelmente devido ao seu curto período de vida acadêmica, Vygotsky
não potencializou, em toda a sua dimensão, seus estudos quanto à ação do sujeito, ou seja, não
considerou o papel da atividade realizada pelo sujeito na formação dos conceitos. Estes
conhecimentos foram esclarecidos por pesquisas pós-vygotskyanas, desenvolvidas por Leontiev e
Galperin, e consolidados nas Teorias da Atividade e da Assimilação, respectivamente (NUÑEZ;
PACHECO, 1997).
Os pressupostos teóricos desses autores também se revelaram instrumentos
fundamentais para a reflexão da organização das atividades de ensino e análise dos dados obtidos,
uma vez que, em associação com as interações verbais estabelecidas, as atividades lúdicas
propostas possibilitaram que muitos estudantes atingissem níveis mais elaborados no processo de
formação dos conceitos científicos.
193
Os dados apresentados oferecem, ainda, evidências de que a organização de um ensino
capaz de promover o desenvolvimento do pensamento conceitual dos indivíduos com a utilização
de interações verbais como o principal instrumento pedagógico se revela complexa, em todos os
aspectos, e exige uma preparação teórica e prática do professor.
Em relação a esse aspecto, Mortimer e Scott (2002) ressaltam:
Dificilmente alguém discordaria da importância central do discurso de
professores e aluno na sala de aula de ciências para a elaboração de novos
significados pelos estudantes. No entanto, relativamente pouca atenção tem sido
dada a esse aspecto, tanto entre professores, formadores de professores e
investigadores da área (MORTIMER; SCOTT, 2002).
Isso vem fortalecer a necessidade de uma reforma substantiva da formação inicial
docente, bem como do desenvolvimento de cursos qualificados para a sua formação continuada.
De acordo com Weismann (1998, p. 54), “[...] a melhoria da qualidade e da quantidade de
conhecimentos científicos e didáticos [...]” na formação inicial e continuada dos docentes é uma
das estratégias que poderiam ocasionar mudanças relevantes nos processos de ensino e
aprendizagem.
Ao mesmo tempo pudemos verificar como o processo de formação de conceitos é longo
e complexo, porquanto, ao final das atividades organizadas e desenvolvidas, observamos que
muitos alunos ainda não haviam atingido as fases finais de elaboração dos conceitos científicos
referentes à hereditariedade.
Alguns estudantes revelaram estar ainda em níveis elementares da formação de
conceitos, apresentando um pensamento por complexo do tipo associativo, de cadeia, complexodifuso e de coleção, fases que são caracterizadas pelo estabelecimento de relações entre os
conceitos, mas com a utilização de apenas vínculos concretos e funcionais.
Outro grupo de estudantes demonstrou compartilhar um pensamento mais elaborado
sobre o assunto estudado, mais especificamente, do tipo pseudoconceito. Como já ressaltado por
nós, o sujeito, quando se encontra nessa fase do processo de formação de conceitos, apresenta
194
uma generalização conceitual fenotipicamente semelhante ao conceito propriamente dito, porém
destituída das características essenciais de tais conceitos. “Estamos diante de uma sombra do
conceito, do seu contorno” (VIGOTSKI, 2001a, p. 195).
Por outro lado, parte dos alunos revelou já ter alcançado as últimas fases do
desenvolvimento conceitual, isto é, esses alunos formaram o conceito no sentido estrito da
palavra. Nas palavras de Menchinskaia (1960), internalizar um conceito não se resume em
conhecer os objetos e fenômenos relacionados...
[...] a assimilação de um conceito inclui não só um caminho de baixo para cima,
ou seja, desde os casos particulares [...] a generalização, sim também o caminho
oposto, de cima para baixo, do geral ao particular [...] (MENCHINSKAIA,
1960, p. 250).
De acordo com Vygotsky, o fato, de nem todos os alunos terem alcançado o mesmo
nível na formação dos conceitos é, pedagógica e psicologicamente, compreensível e normal, uma
vez que a formação de conceitos é um processo individual:
[...] os conceitos não surgem mecanicamente como uma fotografia coletiva de
objetos concretos; nesse caso, o cérebro não atua à semelhança de uma máquina
fotográfica que faz tomadas coletivas, e o pensamento não é uma simples
combinação dessas tomadas; ao contrário, os processos de pensamento, concreto
e eficaz, surgem antes da formação dos conceitos e estes são produto de um
processo longo e complexo de evolução do pensamento [...] (VIGOTSKI, 2001a,
p. 236).
Apesar das diferenças encontradas entre os estudantes em relação aos estágios de
formação de conceito, uma evolução foi observada, de modo geral, quando comparamos as suas
concepções prévias iniciais àquelas descritas no último encontro. Este fato revela a importância
de o ensino ser organizado por meio de várias atividades didático-pedagógicas que contribuam
para o entendimento do significado dos conceitos, termos e palavras que descrevem os
fenômenos e processos biológicos.
Outro aspecto verificado por nós, já abordado no decorrer das análises dos dados, foi a
dificuldade de estabelecer um limite entre a fase de psedoconceito e o estágio de conceito nas
195
elaborações apresentadas pelos estudantes, mesmo desenvolvendo um ensino por meio de
atividades diversas.
De acordo com Vygotsky (2001a), a fundamental diferença entre esses níveis de
formação conceitual é que o pensamento por pseudoconceito se baseia em vínculos concretos,
contrariamente ao estágio de conceito, que é estabelecido por meio de generalizações, abstrações,
sínteses, discriminação e isolamento entre os elementos.
Com base nessa problemática, estudos posteriores devem ser realizados para investigar
as diferentes situações e condições de ensino, de modo que possibilitem verificar e distinguir
quando uma elaboração é, de fato, um pseudoconceito ou de um conceito propriamente dito.
196
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205
ANEXO 01
Atividade para apresentação
Nome:_________________________________________Data de nascimento:____________
1. Em qual cidade e bairro você mora?
________________________________________________________________________
2. Em qual escola você estudou anteriormente?
________________________________________________________________________
3. Por que você e sua família escolheram esta escola para realizar seus estudos? Há quanto
tempo você estuda no I.E.E.M?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4. Por que você escolheu Educação Geral no ensino médio invés de cursos
profissionalizantes, tais como: Formação para a Docência e Contabilidade?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5. O que você pretende fazer ao finalizar este curso?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
6. Se você continuar seus estudos, que curso superior você pretende fazer?
___________________________________________________________________________
206
ANEXO 02
Nome: ___________________________________________ Profissão atual:____________
1) Assinale quais meios de comunicação você tem acesso em sua casa:
( ) Televisão
( ) Rádio
( ) Aparelho de som
( ) DVD
( ) Computador
( ) Internet *Com qual freqüência você acessa a Internet (Diariamente, Semanalmente,
Raramente, etc) ?______________________________________________
( ) Jornais *Quais Jornais (Ex: O diário, Gazeta do Povo, etc)?
____________________________________________________________
Com qual freqüência você lê jornal?
____________________________________________________________
( ) Revistas Quais revistas você lê?
____________________________________________________________
( ) MP3/PM4
( ) Celular
( ) Telefone residencial
2) Qual é o principal veículo de comunicação por meio do qual você obtém notícias e
informações?
________________________________________________________________________
3) Você gosta de ler livros que não estão, diretamente, relacionados com seus estudos?
( ) SIM
( ) NÃO
* Caso a resposta seja afirmativa, responda:
a)Quantos livros você lê ao ano?
________________________________________________________________________
b)Cite o título da(s) obra(s) que você recomendaria.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
207
4) Você gosta de teatro? Quantas vezes você já foi ao teatro?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5) Você gosta de ouvir música? ( ) SIM ( ) NÃO
* Caso a resposta seja afirmativa, responda:
a)Em quais momentos você gosta de ouvir música?
________________________________________________________________________
b) Quais estilos de música você gosta?
________________________________________________________________________
6) Você gosta de assistir filmes?
( ) SIM
( ) NÃO
* Se a resposta for afirmativa, responda:
a) Com qual freqüência você vai ao cinema?
_______________________________________________________________________
b) Qual estilo de filme você gosta (romântico, terror, ficção científica, etc)?
________________________________________________________________________
7) O que você mais gosta de fazer nas suas horas ou dias de folga?
________________________________________________________________________
208
ANEXO 03
Questionário
1. Comente as impressões que a disciplina de Biologia causa em você.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2. Quais os fatores que devem ter contribuído para que você tenha esta impressão?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
3. Como você gostaria que fossem as aulas de Biologia?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
4. Sobre o assunto “Genética”, o qual será estudado durante este 1º semestre, assinale o que
você sabe sobre:
**********************
GENÉTICA
Nunca ouvi falar
Já ouvi falar, porém, não sei do que se trata
Sei muito pouco
Tenho conhecimento satisfatório
Já tenho bastante conhecimento sobre.
5. Descreva o que você sabe sobre genética.
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
209
ANEXO 04
GLOSSÁRIO – CAP. 1
1) Conhecimento de senso comum: obtido por meio das experiências práticas na tentativa de
resolver os problemas da vida diária. Ex: uma pessoa sabe que, ao bater as claras em neve, elas
crescem e se tornam esbranquiçadas, porém não sabe explicar por que e como ocorrem estes
fenômenos.
2) Filósofo: filosofia (do grego philo: amizade, amor fraterno; sophia: sabedoria) significa
amizade pela sabedoria. Filósofo (do grego sophos: sábio): o indivíduo que ama a sabedoria, que
tem amizade pelo saber, deseja saber, ou seja, é um pensador que reflete sobre indagações
humanas, utilizando a consciência racional. Ex: ao invés de gritar “mentiroso”, um filósofo
questiona: o que é verdade? o que é mentira?
3) Pré-história: anterior ao advento da escrita, antes de 4000 a.C; Antiga Grécia: 1000 a.C. a
323 a.C.; Idade Média: séc. V a XV.
4) Sêmen: hoje nós sabemos que apenas o homem produz o sêmen ou esperma
(espermatozóides [células sexuais ou gametas masculinos - produzidos nos testículos]+ líquidos
nutritivos), porém, na antiga Grécia, eles achavam que homem e mulher produziam sêmen e que
este era produzido pelo sangue.
5) Hermafrodita: um indivíduo que possui órgãos sexuais dos dois sexos. Em uma espécie
dióica (onde os sexos se encontram em indivíduos separados) podem aparecer indivíduos
hermafroditas por causa de malformação embrionária.
6) Protótipo: exemplar; modelo.
7) Ciência: é um sistema de conhecimentos constituído por leis gerais obtidas e testadas através
do método científico.
8) Pangênese: do grego gênese: origem e da mitologia grega encontramos Pan: o deus que
simbolizava a alegria de viver.
9) Herança das características adquiridas: teoria que afirmava que as características adquiridas
(por exemplo: cor da pele obtida pela exposição demasiada ao sol) poderiam ser transmitidas para
os descendentes (teoria não aceita atualmente).
10) Geração espontânea ou abiogênese: (do grego a-bio-genesis: origem não biológica) designa
de modo geral a origem da vida a partir de matéria não viva.
11) Reprodução: processo por meio do qual um ser vivo gera novos indivíduos; pode ser
assexuada, no caso de um único genitor dar origem a descendentes geneticamente idênticos a si
(ex. ameba); ou sexuada em que o novo indivíduo se origina da fusão de duas células (gametas),
210
na maioria dos casos provenientes de indivíduos diferentes (esta é a explicação aceita hoje,
porém, na antiga Grécia, Aristóteles tinha uma outra explicação para este tipo de reprodução).
12) Naturalista: indivíduo com interesse ou talento em história natural ou ciência natural, entre
as quais a botânica, a geografia, a geologia etc.
13) Ovo: ovo ou óvulo é a célula sexual feminina (gameta feminino), a qual é produzida pelos
ovários. Esta palavra também é utilizada com outro significado, ex.; estrutura onde o embrião de
alguns seres vivos- aves- se desenvolve.
14) fertilização ou fecundação: processo de fusão de dois gametas –óvulo e espermatozóidecom a formação de um zigoto que se desenvolve em um novo ser.
15) Hipótese: é uma idéia provável, mas não comprovada. Assim que comprovada, a hipótese
passa a se chamar teoria, lei.
16) Micróbio: ser vivo microscópico.
17) Ovíparos: animais cujo embrião se desenvolve dentro de um ovo sem ligação com o corpo da
mãe, à custa de nutrientes presentes no ovo. Ex: maioria dos insetos e peixes, anfíbios, répteis e
aves.
18) Vivíparos: animais cujo embrião se desenvolve dentro do corpo da mãe numa placenta que
lhe fornece o alimento e retira os produtos de excreção. Ex.: maioria dos mamíferos e alguns
peixes, répteis e anfíbios.
19) Folículos ovarianos: estrutura encontrada no ovário constituída pelo óvulo imaturo envolvido
por algumas camadas de células.
211
ANEXO 05
QUESTÕES: 1ª Lei de Mendel.
1. Quem foi Mendel? O que ele fez que foi tão importante para a biologia e, principalmente,
para a genética?
2. Qual foi o material biológico escolhido por Mendel para desenvolver seus experimentos?
Por que Mendel escolheu este tipo de material?
3. Na flor da planta da ervilha ocorre normalmente um processo chamado de
autofecundação. O que é autofecundação? Por que este processo acontece na flor da
ervilha?
4. O que é fecundação cruzada? Como Mendel realizou artificialmente a fecundação cruzada
em plantas de ervilha?
5. Quais características foram selecionadas por Mendel para a realização de seus
experimentos?
6. Como Mendel certificou-se que as características selecionadas por ele se tratavam de
características hereditárias?
7. O que Mendel chamou de linhagem pura e linhagem híbrida? O que fez para obter as
linhagens puras?
8. O que vocês entenderam por geração parental?
9. E por geração F1? Como Mendel obteve a geração F1 – primeira geração híbrida?
10. E uma F2 - segunda geração híbrida?
11. O que ele obteve em F2?
12. De acordo com esses resultados o que vocês entenderam por traço ou caráter dominante e
recessivo?
13. Por que esse mecanismo de herança, descrito por Mendel chama-se herança com
dominância?
14. Como Mendel explicou esses resultados obtidos? Ou seja, quais foram as suas hipóteses?
212
ANEXO 06
EXERCÍCIOS: HERANÇA DOMINANTE/RECESSIVA
1. O gene autossômico que condiciona pêlos curtos no coelho é dominante em relação ao gene
que determina pêlos longos. Do cruzamento entre coelhos heterozigotos, qual será o fenótipo
e o genótipo da prole? Qual será a proporção entre traços dominantes e recessivos resultante
deste cruzamento?
2. Em cobaias, o gene B, que condiciona coloração preta da pelagem, é dominante sobre o gene
b, que condiciona pelagem branca. Se cruzarmos cobaias pretas heterozigotas com cobaias
brancas, qual será o genótipo e o fenótipo da prole? Mencione a proporção entre traços
dominantes e recessivos resultante deste cruzamento.
3. Em algumas variedades de gado bovino, a ausência de chifres é produzida pelo gene
dominante C. Um touro sem chifres é cruzado com três vacas. Com a vaca A, com chifres,
produziu bezerro sem chifres; com a vaca B, com chifres, produziu bezerro com chifres, com
a vaca C, sem chifres, produziu bezerro com chifres. Qual o genótipo do touro e das vacas
cruzadas?
4. Do cruzamento de uma Drosophila melanogaster de asa normal (VV) com outra de asa
vestigial (vv) resultaram, em F1, todas as moscas de asa normais. Qual a proporção esperada
para F2 do cruzamento de dois heterozigotos?
5. Um macho de Drosophila melanogaster de olhos vermelhos foi cruzado com uma fêmea
também de olhos vermelhos e produziu apenas descendentes de olhos vermelhos. Entretanto,
esse mesmo macho foi cruzado com uma segunda fêmea de olhos brancos e produziu
descendentes de olhos vermelhos e descendentes de olhos brancos. Determine:
a) O genótipo dos envolvidos nos dois cruzamentos.
b) O genótipo e fenótipo dos descendentes do 2º cruzamento.
6. Algumas pessoas demonstram uma transpiração excessiva mesmo em condições ambientais
normais. Esse caráter é determinado por um gene dominante (S). Considerando um casal,
cujo homem é heterozigoto dominante e mulher homozigota recessiva para esta característica,
qual a probabilidade de F1 deste cruzamento.
7. Na espécie humana e em diversos outros organismos ocorre uma característica denominada
albinismo, em que há ausência completa de pigmentos na pele e em estruturas epidérmicas
como pêlos e penas, de modo que o indivíduo albino é branco. Indivíduos homozigóticos AA e
heterozigóticos Aa têm pigmentação normal. Por outro lado, um indivíduo homozigoto aa tem
a pele e as estruturas epidérmicas despigmentadas.
Considerando o albinismo, um homem com pigmentação normal de pele casou-se com uma
mulher com pigmentação normal e tiveram 2 filho com pigmentação normal de pele e 1 filho
albino.
a) Determine através de árvore genealógica o genótipo das pessoas.
b) se o filho com pigmentação de pele normal (heterozigoto), casa-se com uma mulher albina,
qual será o genótipo e o fenótipo dos descendentes?
213
8. As pessoas que sentem gosto amargo ao provarem a pheniltiocarbamina (PTC) são
designadas sensíveis e as que não sentem gosto amargo desta substância são chamadas
insensíveis.
O gene para a sensibilidade (I) é dominante sobre o que determina insensibilidade (i). Do
cruzamento se uma pessoa sensível com outra insensível nasceram duas crianças sensíveis e
uma insensível. Quais os genótipos das várias pessoas citadas? Construa o heredograma desta
família.
9. Analise a seguinte heredograma:
1
2
3
4
5
6
7
8
9
?
a)
b)
c)
d)
A anomalia é causada por um gene dominante ou recessivo? Justifique sua resposta.
Quais indivíduos são, certamente, heterozigotos?
Quais indivíduos são, certamente, homozigotos recessivos?
Qual é a probabilidade do filho nº 9 apresentar a anomalia?
10. Uma mulher normal, cujo pai apresentava surdo-mudez de herança autossômica recessiva,
casou-se com um homem normal, cuja mãe era surda-muda. Quais os possíveis genótipos e os
fenótipos correspondentes na prole do casal?
11. Considerando que a anomalia em questão é a miopia, analise a árvore genealógica abaixo:
1
2
3
5
6
8
4
7
9
10
12
11
13
14
214
a)
b)
c)
d)
A miopia é um caráter recessivo ou dominante?
Qual é o genótipo de casa indivíduo?
Que tipos de gametas os indivíduos 12, 13 e 14 produzirão?
Se o indivíduo 13 casar com alguém de genótipo igual ao indivíduo 12, qual será o
genótipo e fenótipo dos descendentes?
12. Em cavalos, a cor negra é condicionada por um gene dominante C, e a castanha pelo
recessivo c. Determine a probabilidade de ser obtido na descendência o fenótipo castanho.
13. Em seus experimentos com ervilha, Mendel cruzou plantas puras produtoras de sementes lisas
com plantas produtoras de sementes rugosas. Ele verificou que todas as sementes F1 eram
lisas. Enquanto em F2, num total de 7.324 sementes analisadas, 5.474 eram lisas e 1.850 eram
rugosas.
a) Qual caráter é dominante e qual é recessivo? Justifique sua resposta.
b) Determine a proporção entre as duas classes fenotípicas de F2.
c) Faça os seguintes cruzamentos em relação ao caráter forma da semente: RR x rr; RR x Rr.
RR x rr; Rr x Rr e Rr x rr.
14. Na espécie humana, o formato do rosto é uma característica hereditária e pode apresentar
dois fenótipos distintos: rosto oval e roto quadrado. Entretanto, rosto oval é dominante sobre
o caráter rosto quadrado. Considerando um casal, no qual a mulher é homozigota para o
caráter rosto oval e o homem homozigoto para o caráter rosto quadrado, qual a porcentagem
esperada de descendentes com rosto quadrado?
15. Tomando-se como exemplo o gene que determina a forma do lóbulo da orelha, na espécie
humana, o alelo A determina lóbulo da orelha livre e seu alelo recessivo a determina lóbulo
de orelha aderente. Responda:
a) Esquematize o genótipo de um indivíduo heterozigoto para o caráter lóbulo da orelha
livre.
b) Esquematize o genótipo de um indivíduo homozigoto para o caráter lóbulo da orelha
livre.
c) Esquematize o genótipo de um indivíduo que apresenta o lóbulo da orelha aderente.
d) Determine o genótipo, o fenótipo e a porcentagem de descendentes para cada fenótipo em
relação ao seguinte cruzamento: Aa X aa.
16. Explique, utilizando como exemplo o caráter forma da semente (lisa e rugosa), os
experimentos realizados por Mendel, resultados e conclusão de Mendel, empregando os
seguintes conceitos: gene, fatores hereditários, caráter dominante e recessivo, indivíduo
homozigoto e heterozigoto, indivíduo puro e híbrido, fenótipo, genótipo, alelo, proporção,
probabilidade, autofecundação, fecundação cruzada artificial, geração parental, 1ª geração
híbrida, 2ª geração híbrida etc.
215
ANEXO 07
Conceitos Utilizados na Genética Moderna
- Gene: (tem origem da palavra pangênese, retirando as sílabas ‘pan’ e ‘se’, fica gene). Termo
introduzido para substituir o termo ‘fator hereditário’ empregado por Mendel. Logo foi
descoberto que estes genes estão localizados nos cromossomos e que cada gene tem uma posição
definida em um determinado cromossomo, a qual é chamada de lócus.
- Cromossomos homólogos: (do grego homois, igual, semelhante) par de cromossomos
correspondentes, ou seja, com mesma morfologia e que apresentam a mesma seqüência de genes.
- Alelos: são as diferentes formas que um gene, responsável por um determinado caráter
hereditário, pode apresentar. Ex: o gene responsável pela cor da semente da ervilha pode se
apresentar em duas formas: V e v.
- Homozigoto: (Do gr. homoios, ‘igual’; zygos, ‘par’). O indivíduo que recebeu de ambos os pais
alelos idênticos para determinado caráter. Ex: VV e vv.
- Heterozigoto: (Do gr. hétero, ‘outro’, ‘diferente’; zygos, ‘par’). Indivíduo que recebeu de
ambos os pais alelos diferentes para determinado caráter. EX: Vv.
- Genótipo: Constituição genética de um indivíduo.
- fenótipo: (do grego phenos, evidente, e typos, característica) características ou conjunto de
características (físicas, fisiológicas ou comportamentais) de um ser vivo, resultante do genótipo
associado com o ambiente. Ex: Ervilhas com o genótipo Vv têm como fenótipo a cor amarela.
- Dominante: Propriedade de um alelo expressar o mesmo fenótipo tanto em condição
homozigótica quanto em condição heterozigótica. Ex: Vv e VV.
- Recessivo: propriedade de um alelo de só manifestar-se fenotipicamente em condição
homozigótica. Ex: vv.
216
ANEXO 08
Conceitos e suas respectivas definições utilizadas no Dominó de
Conceitos:
1. Meiose: Processo de divisão celular responsável pela formação dos gametas. Caracteriza-se
por promover a redução do número de cromossomos da espécie à metade.
2. Mitose: Processo de divisão celular em que uma célula dá origem a duas células-filhas com
mesmo número e mesmos tipos de cromossomos da célula-mãe. Processo responsável em
promover o crescimento dos organismos e reposição de células mortas.
3. Genética: Área da biologia que estuda a hereditariedade ou herança biológica.
4. Hereditariedade /herança biológica: Transmissão de características, por meio da transmissão
de informações genéticas, de pais para filhos, ao longo das gerações.
5. Pangênese: Teoria proposta pelo filósofo grego Hipócrates (460-370 a.C.) para explicar a
hereditariedade. Segundo esta hipótese, cada órgão ou parte do corpo de um organismo vivo
produzia partículas hereditárias chamadas de gêmulas, que eram transmitidas aos descendentes
no momento da concepção.
6. Teoria da Pré-formação: Teoria que teve seu auge no final do séc. XVII e no séc. XVIII.
Afirmava que havia um ser pré-formado no ovo ou no espermatozóide – o homúnculo -; o
desenvolvimento consistia apenas no crescimento.
7. Teoria da Epigênese: Afirmava que o material que constituiria o novo ser teria de ser
produzido à medida que o desenvolvimento fosse ocorrendo, ao mesmo tempo em que moldava o
novo organismo.
8. Gameta: Célula especializada para a reprodução sexuada (espermatozóide ou óvulo, nos
animais), resultante do processo de meiose.
9. Fecundação/fertilização: Se refere a fusão de dois gametas – um masculino e um feminino –
originando a primeira célula do novo indivíduo, o zigoto.
10. Autofecundação: Modo de reprodução sexuada, na qual os gametas masculinos e femininos
são oriundos do mesmo indivíduo. Ocorre predominantemente nos vegetais.
11. Fecundação cruzada: Fusão de gametas masculinos e femininos, produzidos por indivíduos
diferentes.
12. Cariótipo: Conjunto de cromossomos, típico de cada espécie.
13. Cromossomo: Estrutura nuclear formada pela condensação dos filamentos cromossômicos
durante a divisão celular. Recebe este nome por possuir grande afinidade por corantes.
14. Cromátides-irmãs: Cada uma das duas cópias de um cromossomo duplicado unidas pelo
centrômero.
15. Cromossomos homólogos: Par de cromossomos correspondentes, um de origem materna e
outra paterna. Apresentam mesma morfologia e a mesma seqüência de genes.
217
16. Heredograma: Representação gráfica que resume a história genética de uma família
particular, indicando seus membros, a relação entre eles e suas condições a respeito de uma
determinada característica hereditária.
17. Linhagens puras: Segundo Mendel, eram as linhagens que, por autofecundação, davam
origem somente a plantas iguais a si.
18. Indivíduo híbrido: Obtido por meio da fecundação cruzada entre indivíduos de diferentes
variedades.
19. Fatores hereditários: Termo introduzido por Mendel para denominar as estruturas presentes
na ervilha que eram responsáveis pela expressão/determinação das suas características.
20. Mendel: Foi o primeiro cientista a apresentar uma hipótese plausível sobre um dos
mecanismos da hereditariedade.
21. Genes: Conceito introduzido para substituir o termo ‘fator hereditário’, empregado por
Mendel. Estes estão localizados nos cromossomos e cada um tem uma posição definida em um
determinado cromossomo, a qual é chamada de lócus.
22. Alelos: São as diferentes formas que um gene, responsável por um determinado caráter
hereditário, pode apresentar.
23. Heterozigoto: Indivíduo que recebeu dos pais alelos diferentes para determinado caráter.
24. Homozigoto: Indivíduo que recebeu de ambos os pais alelos idênticos para determinado
caráter.
25. Fenótipo: Característica ou conjunto de características (físicas, fisiológicas ou
comportamentais) de um ser vivo, resultante da interação do genótipo com o meio ambiente.
26. Genótipo: Constituição genética de um indivíduo.
27. Dominante: Propriedade de um alelo expressar o mesmo fenótipo tanto em condição
homozigótica quanto em condição heterozigótica.
28. Recessivo: Propriedade de um alelo de só manifestar-se fenotipicamente em condição
homozigótica.
29. Características: Traços, detalhes que assemelham ou diferem um ser vivo de outro.
30: Raça/subespécie: Tem o mesmo significado que o termo ‘variedade’, porém é empregado,
normalmente, quando se trata de animais.
31: Espécie: Grupo de seres vivos semelhantes entre si e capazes de se entrecruzarem e
produzirem descendentes férteis, em condições naturais.
32: Característica adquirida: Traço não herdado, contraído durante a vida ou durante a
formação embrionária em conseqüência de fatores ambientais.
33. Variedade/subespécie: Conjunto de seres vivos que apresentam um mesmo tipo de variação,
formando um grupo distinto do tipo original da espécie, sem chegar a constituir-se uma nova
espécie. Termo usado para os seres vivos do Reino Plantae.
218
ANEXO 09
Alunos, em grupo, montando o dominó de conceitos.
219
ANEXO 10
Foto do modelo didático-pedagógico utilizado para simular a transmissão das
características hereditárias
220
ANEXO 11
O SEGREDO DA VIDA I
Desde a antiguidade, o homem tinha a curiosidade de saber como as características eram
transmitidas de pais para filhos. E, tentando explicar este fenômeno, muitas idéias foram formuladas
como, por exemplo: a Pangênese na antiga Grécia, a Teoria da Pré-formação no século XVII (1600), etc.
Porém, apenas depois da descoberta da existência dos gametas, células reprodutivas, em meados do século
XIX, é que se pode entender melhor o mecanismo da hereditariedade – como as características são
transmitidas de pais para filhos. Nesta época, foi descoberto que na reprodução da maioria dos seres vivos,
ocorria a união do gameta masculino com o gameta feminino (na espécie humana chamados de
espermatozóide e óvulo), formando um novo ser. E concluíram: se os gametas eram, então, a única ligação
física entre as gerações, deveriam conter toda a informação hereditária para originar um novo organismo.
Mas, muitas questões ainda pairavam no ar: onde estas informações estavam contidas nos gametas?; do
que eram constituída? etc... Porém, estas questões só foram respondidas e compreendidas em 1953, após
um longo caminho.
Nesta mesma época em que os gametas foram descobertos, um cientista e monge chamado Gregor
Mendel iniciou pesquisas utilizando ervilhas – Pisum sativum – com o objetivo de compreender melhor o
mecanismo da hereditariedade. De acordo com os resultados obtidos em seus experimentos, Mendel
concluiu que cada característica hereditária era determinada por um par de fatores, contido no interior de
todas as células do organismo, um proveniente do genitor masculino (pai) e o outro do genitor feminino
(mãe), durante a fecundação dos gametas. Quando os fatores seriam iguais, o indivíduo seria homozigoto
(puro) para esta característica, porém, se os fatores fossem diferentes, o indivíduo seria heterozigoto
(híbrido). Os fatores de cada par separariam na formação dos gametas que conteriam, portanto, apenas um
fator. Entretanto, estas informações só receberam o devido valor em 1900 – 35 anos após a morte do
monge.
Apesar da desvalorização do importante trabalho de Mendel, o final do século XIX foi muito
significativo para o desenvolvimento da ciência. Nesta época, os cromossomos – estruturas presentes no
núcleo das células - foram descobertos. Além disto, os processos de mitose e meiose foram desvendados:
Mitose - processo de divisão celular por meio da qual são obtidas células filhas com o mesmo nº de
cromossomos da célula mãe e tem função, primordial, durante o crescimento do indivíduo e na reposição
de células; Meiose - processo de divisão responsável pela produção de gametas, células contendo metade
do nº de cromossomos em relação à célula mãe. Desta forma, estas informações foram muito importantes
para compreender como o número de cromossomos, típico de cada espécie, é mantido de geração em
geração. Tomando, como exemplo, a espécie humana, com 46 cromossomos, cada indivíduo, de ambos os
sexos, forma gametas com 23 cromossomos, por meio da meiose. Na reprodução, quando um gameta
masculino (espermatozóide com 23 cromossomos) fecunda um gameta feminino (óvulo, também, com 23
cromossomos), dá-se a origem a uma célula ovo ou zigoto, com 46 cromossomos, que, a partir de
sucessivas mitoses, constituirá o novo ser.
Estas informações também foram muito importantes pra compreender os trabalhos de Mendel
após a sua redescoberta – em 1900. Nesta época, ficou claro que os fatores hereditários, termos
introduzidos por Mendel, só poderiam estar localizados nos cromossomos. E, a partir de então, os fatores
hereditários passaram a ser denominados de genes.
Com estas descobertas, muitos pesquisadores começaram a reproduzir os trabalhos realizados por
Mendel, os quais ficaram conhecidos como 1ª Lei de Mendel ou Herança com Dominância. Entendeu-se
por Herança com Dominância aquela em que o indivíduo heterozigoto apresenta o mesmo fenótipo de um
dos indivíduos homozigotos parentais. Isto ocorre quando, na ausência da expressão do alelo recessivo, o
alelo dominante se expressa como se estivesse em dose dupla.
Posteriormente, foi descoberto que algumas características apresentavam “Herança com
Dominância Incompleta” ou “Herança com Co-Dominância”. Na herança com dominância incompleta, o
221
indivíduo heterozigoto apresenta um fenótipo intermediário aos parentais homozigotos. Isto ocorre
quando, na ausência da expressão do alelo recessivo, o alelo dominante se expressa, porém, não com a
mesma intensidade quando está em dose dupla. Já na Herança com Co-dominância, o indivíduo
heterozigoto vai apresentar as características de ambos os parentais homozigotos, devido a expressão de
ambos os alelos.
Entretanto, apesar de todas estas descobertas, uma questão muito importante ainda não havia sido
respondida: Qual a natureza química do material genético que compõe os cromossomos? (Proteína, RNA
ou DNA?).
Esta pergunta só foi respondida, em 1944, quando Avery e seus colaboradores chegaram a
conclusão de que a substância química que compõem os cromossomos e contem a informação genética é o
DNA.
Porém, muitas outras questões, ainda, estavam para ser resolvidas:
-Como a informação genética esta codificada em cada molécula de DNA que compõe cada um dos
cromossomos?
- Como esta informação é transmitida para cada célula filha durante as divisões celulares e de pais
para filhos durante a reprodução?
- Como esta informação é decodificada, isto é, como ela expressa as características hereditárias
nos indivíduos?
As respostas a estas questões só se tornaram possíveis a partir do modelo de dupla –hélice de
DNA, proposto por Watson e Crick, em 23 de Fevereiro de 1953, para explicar a estrutura tridimensional
dessa molécula.
O nosso DNA, ácido desoxirribonucléico, é um macro-molécula constituída por muitas moléculas
menores denominadas de nucleotídeos. Cada nucleotídeo é composto por um grupo fosfato (PO4), um
açúcar (desoxirribose de 5 carbonos) e uma base nitrogenada (possui muitos átomos de nitrogênio, além
de átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio), que pode se apresentar de 4 formas diferentes: a adenina
(A), timina (T), guanina (G) e citosina (C). Portanto, há 4 tipos de nucleotídeos, de acordo com a base que
os compõe. Os nucleotídeos se ligam entre si por meio do fosfato de um nucleotídeo e a pentose do
nucleotídeo seguinte, formando uma longa cadeia de nucleotídeos – cadeia de polinucleotídeos.
Entretanto, a molécula de DNA, na verdade, é constituída de duas cadeias de polinucleotídeos, antiparalelas, que se enrolam, formando uma dupla hélice. Essas duas cadeias de polinucleotídeos estão
unidas por meio das pontes de hidrogênio (ligações; atração) que ocorrem entre as bases nitrogenadas das
duas cadeias: a adenina sempre se liga com a timina por duas pontes de hidrogênio e a guanina sempre se
liga com a citosina por três pontes de hidrogênio.
Sabendo agora a constituição do famoso “DNA”, você deve estar se indagando: Qual a diferença
entre o DNA, o cromossomo e o gene? Bem, o DNA é o nosso material genético, o qual é constituído por
milhares de nucleotídeos (como já foi discutido acima); cada cromossomo é constituído de por uma
molécula de DNA e proteínas que atuam na sua condensação e na sua função de transmissão das
informações hereditárias; gene é um segmento de nucleotídeos de uma molécula de DNA. Falaremos um
pouco mais sobre este conceito, posteriormente.
Mas, o que acontece com o DNA quando ocorre a duplicação dos cromossomos?
Após todas estas descobertas sobre a constituição do DNA, pode-se também entender como o
DNA se duplica, processo que acontece em uma célula toda vez que ela vai sofre divisão (tanto mitose
como meiose).
Quando o DNA se duplica, as duas cadeias de polinucleotídeos separam-se e cada cadeia serve de
molde para a produção de uma cadeia complementar, resultando em duas moléculas de DNA exatamente
iguais. Essas duas moléculas formam as cromátides-irmãs de um cromossomo duplicado, as quais se
mantêm ligadas por meio do centrômero até a divisão celular.
Porém, ainda falta mais uma questão importante a ser respondida: como o DNA, localizado no
núcleo da célula, consegue determinar todas as nossas características como, por exemplo: cor do cabelo,
altura, cor da pele, cor dos olhos, formato do rosto etc?
222
ANEXO 12
O SEGREDO DA VIDA II
Na aula passada, estudamos a constituição e localização do DNA, cromossomos e genes.
Porém, faltou responder uma questão muito importante: como o DNA, localizado no núcleo da
célula, consegue determinar todas as nossas características como, por exemplo: cor do cabelo,
altura, cor da pele, cor dos olhos, formato do rosto etc?
Este fenômeno é possível por meio de um processo denominado “Síntese de Proteínas
(uma grande cadeia de peptídeos)”, o qual ocorre nas células de todos os seres vivos. Entretanto,
para entendermos melhor este evento, vamos estudar um pouco sobre RNA – ácido ribonucléico.
O RNA possui uma constituição muito semelhante a do DNA, sendo também composto
por nucleotídeos. Entretanto, estes nucleotídeos apresentam algumas particularidades:
1) O açúcar presente no RNA é a ribose, ao invés da desoxirribose como no DNA. A diferença
entre ambas é referente à presença ou não de um grupo OH ligado ao carbono 2’ do açúcar.
A molécula de açúcar que constitui o RNA possui o grupo OH e o DNA não.
2) O RNA, também, é formado por 4 tipos diferentes de nucleotídeos, chamados de
ribonucleotídeos, de acordo com qual base nitrogenada está acoplada a micro-molécula. São
elas: guanina, citosina, adenina e uracila, ou seja, a base nitrogenada timina (T) presente do
DNA é substituída pela base uracila (U) no RNA.
3) A estrutura do RNA é formada por apenas uma cadeia de polinucleotídeos, diferentemente
da dupla hélice do DNA.
Existem 3 tipos de RNA: RNA-mensageiro; RNA-ribossômico e RNA-transportador. Os
3 tipos de RNAs são produzidos a partir de trechos do DNA, utilizadas como molde. Esta síntese
de RNA não é uma cópia exata do DNA, mas sim uma molécula complementar. Desta forma, o
emparelhamento dos ribonucleotídeos acontece da seguinte maneira: ribonucleotídeos com
uracila emparelham-se às adeninas da cadeia do DNA (A–U); ribonucleotídeos com adenina
emparelham-se às timinas do DNA (T-A); ribonucleotídeos com citosina emparelham-se às
guaninas do DNA (G-C); ribonucleotídeos com guanina emparelham-se com às citosinas do
DNA (C-G).
Entretanto, os RNA não ficam no núcleo das células. Após a síntese dos diferentes tipos
de RNAs, estes se deslocam para o citoplasma da célula, onde vão desenvolver diferentes funções
na “Síntese de Proteínas”.
Porém, como os polipeptídios são fabricados?
As informações para a síntese de uma cadeia de polipeptídios de uma proteína estão
contidas na molécula do DNA, o código genético. No entanto, toda essa informação tem apenas a
função de guiar uma construção, assim como um manual de instruções.
O primeiro passo de todo este processo é a leitura dessas informações, mas o problema é:
como fazer isso sem danificar o nosso DNA, substância tão importante dos seres vivos?
Para não correr riscos, é feita uma cópia das instruções contidas no DNA, na verdade, de
um segmento de DNA, chamado gene. Essa cópia é o RNA mensageiro, o qual se desloca para o
citoplasma, onde será decodificada com o auxilio do RNAt e RNAr Ex: inglês para português.
Mas que tipo de informação existe em cada gene?
Cada cópia de um gene pode ser traduzida em uma cadeia polipeptídica. Porém, como
essa substância é produzida, ou seja, como o RNAm é traduzido ?
223
Primeiramente, ao chegar ao citoplasma, o RNAm se liga a uma organela citoplasmática
chamada de “ribossomo”. O ribossomo é constituído de proteínas e RNAr. Em seguida, um
RNAt, que transporta um aminoácido chamado metionina, se liga a uma trinca de bases
nitrogenadas (códon) do RNAm por meio de seu anticódon complementar (trinca de bases
nitrogenadas). Dessa forma, se dá início ao processo chamado de tradução do código genético.
À medida que o ribossomo se desliza sobre o RNA mensageiro outros RNAs
transportadores ligam-se ao complexo, através do anticódon complementar ao códon do RNAm,
trazendo em uma de suas extremidades um respectivo aminoácido, o qual se liga com os
aminoácidos já transportados para o local da síntese, formando uma cadeia polipeptídica.
Percebe-se, também, que a seqüência de bases nitrogenadas do RNAm determina a ordem
em que os RNAts se acoplam ao complexo e, consequentemente, a ordem dos aminoácidos
constituintes da cadeia polipeptídica Cada aminoácido corresponde a 3 bases nitrogenadas do
seguimento do DNA que foi transcrito em RNAm e traduzido para formar a proteína.
Diante de tudo isto, podemos chegar a seguinte conclusão em relação a função de cada
tipo de RNA (RNAm, RNAt, RNAr):
• RNA- ribossômico (RNAr): o RNA-ribossômico se une a proteínas, constituindo
estruturas citoplasmáticas chamadas de ribossomos, local onde acontece “a síntese de
proteínas”.
• RNA- transportador (RNAt): esse RNA é responsável pelo transporte de moléculas de
aminoácidos até os ribossomos, as quais constituirão os polipeptídeos. Este também
apresenta uma região mediana onde se encontra uma trinca de bases denominada de
“anticódon”. Por meio deste anticódon o RNAt se liga, temporariamente, a uma trinca de
bases complementares do RNA mensageiro. Além disto, cada tipo de anticódon define
qual aminoácido será transportado (ver tabela).
• RNA-mensageiro (RNAm): este RNA é que têm a informação para a síntese de proteínas.
Cada trinca de bases é chamada de códon, a qual determina cada aminoácido constituinte
do polipeptídio.
Entretanto, vocês devem estar se perguntando: qual a importância das proteínas para a
manutenção de todas as características dos seres vivos, funcionamento do organismo etc.?
Uma ou mais cadeias de polipepitídios se unem, formando uma proteína e estas são
substâncias com funções muito importantes no organismo humano: elas dirigem a construção de
todas as estruturas celulares; outras constituem partes das células e do organismo (cabelos,
unhas); e outras, ainda, catalisam milhões de reações bioquímicas que ocorrem em nosso
organismo.
Ex: A hemoglobina humana é uma proteína formada por 4 cadeias de polinucleotídeos: 2 alfas e
2 betas.
224
ANEXO 13 – Simulando a síntese de proteínas
225
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a organização do ensino de biologia e o desenvolvimento do